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1 INDÚSTRIA TÊXTIL NA BAHIA – O APOGEU NO SÉCULO XIX E TENDÊNCIAS ATUAIS Webber Stelling 1 Orientador: Prof. Dr. Fernando Pedrão 2 Resumo Este artigo tem como escopo realizar uma abordagem histórica sobre a indústria têxtil na Bahia, enfocando sua importância para a economia estadual no século XIX e os fatores que a levaram à decadência no século seguinte. Objetiva também discutir as oportunidades de reativação do setor, ressaltando suas possibilidades de dinamizar a economia estadual. Palavras-chave: indústria têxtil, Bahia, economia baiana. Abstract This paper aims to do an historic approach at the textile industry of Bahia, analyzing its importance to the economy of this state in the 19th century and the facts that cause his decline in the following century. It also discusses the opportunities of textile sector reactivating, considering the possibilities of local economic increase. Key-words: textile industry, Bahia, economy of Bahia (Brazil). 1 Economista formado pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS e Especialista em Economia Baiana pela Universidade Salvador – UNIFACS; trabalha na Desenbahia – Agência de Fomento do Estado da Bahia S/A, e- mail: [email protected] . 2 Livre-docente da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Diretor do Instituto de Pesquisas Sociais, Professor do Mestrado em Análise Regional da Universidade Salvador – UNIFACS.

Industria textil bahia

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Artigo sobre a evolução da Indústria Baiana Têxtil, abordando aspectos históricos e econômicos dos séculos XIX e XX.

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INDÚSTRIA TÊXTIL NA BAHIA – O APOGEU NO

SÉCULO XIX E TENDÊNCIAS ATUAIS

Webber Stelling1

Orientador: Prof. Dr. Fernando Pedrão2

Resumo

Este artigo tem como escopo realizar uma abordagem histórica sobre a indústria têxtil

na Bahia, enfocando sua importância para a economia estadual no século XIX e os

fatores que a levaram à decadência no século seguinte. Objetiva também discutir as

oportunidades de reativação do setor, ressaltando suas possibilidades de dinamizar a

economia estadual.

Palavras-chave: indústria têxtil, Bahia, economia baiana.

Abstract

This paper aims to do an historic approach at the textile industry of Bahia, analyzing its

importance to the economy of this state in the 19th century and the facts that cause his

decline in the following century. It also discusses the opportunities of textile sector

reactivating, considering the possibilities of local economic increase.

Key-words: textile industry, Bahia, economy of Bahia (Brazil).

1 Economista formado pela Universidade Estadual de Feira de Santana – UEFS e Especialista em Economia Baiana pela Universidade Salvador – UNIFACS; trabalha na Desenbahia – Agência de Fomento do Estado da Bahia S/A, e-mail: [email protected] . 2 Livre-docente da Universidade Federal da Bahia – UFBA, Diretor do Instituto de Pesquisas Sociais, Professor do Mestrado em Análise Regional da Universidade Salvador – UNIFACS.

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Introdução

A indústria têxtil é tradicionalmente uma das pioneiras na industrialização de

uma região ou país; por longo tempo, manteve significativa importância na história

econômica da Bahia. O estudo de sua evolução contribui para a compreensão das causas

da estagnação e decadência de um Estado que foi um dos mais industrializados do

Brasil na segunda metade do século XIX e décadas iniciais do século XX, época em que

os avanços obtidos levavam a crer que a antiga província manteria sua posição de

destaque na indústria nacional.

Fontes sobre indústria têxtil na Bahia são muito escassas – em geral, pode-se

contar apenas com dados quantitativos esparsos em jornais, arquivos de fábricas e

órgãos públicos, bem como breves comentários em publicações sobre temas mais

amplos, como indústria têxtil nacional ou desenvolvimento econômico da Bahia.

A trajetória da indústria têxtil baiana do século XIX ao terceiro quartel do século

XX, todavia, é minuciosamente descrita na tese de mestrado “Evolução de Uma

Empresa no Contexto da Industrialização Brasileira”, em que as atividades da

Companhia Empório Industrial do Norte, fundada em 1891 e representativa do auge do

setor têxtil baiano, são discorridas em detalhes. Constantes crises a partir da década de

1950 culminaram com o fechamento da empresa, em 1973.

Essa tese fo i a principal fonte utilizada na segunda seção deste artigo (A Velha

Indústria Têxtil), pois o comportamento da companhia e do setor têxtil revelou em que

medida os diversos condicionantes externos e internos foram favoráveis à

industrialização baiana nos períodos abordados.

A terceira seção (A Indústria Têxtil Baiana nos Primórdios do Século XIX) é

consagrada às mudanças que se observaram com o advento da República, época em que,

se por um lado a Bahia ainda se destacava na indústria nacional, já se mostravam

presentes os fatores que prenunciavam sua involução.

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Dedica-se a quarta e última seção às conclusões, buscando-se compreender os

motivos que levaram o ramo têxtil baiano, que foi o mais importante da indústria

estadual de 1830 a 1950, a um processo de decadência que acompanhou a contínua

perda de importância da economia nordestina em relação ao Centro-Sul do País, região

em que se processou uma industrialização mais duradoura. Apontam-se também nesta

seção tendências e possíveis vantagens da criação de cadeias produtivas têxteis com

utilização do algodão e fibras sintéticas, hipótese que seguiria as diretrizes para o

desenvolvimento econômico previstas no Plano Plurianual do Governo do Estado.

A Velha Indústria Têxtil

Para se compreender a história da indústria têxtil na Bahia, faz-se necessário

rever os fundamentos da economia brasileira nos períodos colonial, imperial e da

República Velha, o que se pretende expor resumidamente neste artigo, na medida em

que for explicitada a evolução desse ramo industrial, outrora expressivo no cenário

econômico baiano.

Ciclos de média e longa duração, ligados a atividades primárias voltadas para o

mercado externo – culturas de cana-de-açúcar, fumo, algodão, cacau e café, por

exemplo – predominaram na história econômica brasileira e baiana. Como

conseqüência, variáveis exógenas, depreciando esse produtos “únicos” de exportação,

freqüentemente afetaram de forma negativa as frágeis economias nacional e local.

Os anos anteriores à Independência foram particularmente críticos: a decadência

da economia açucareira, sem competitividade para enfrentar a concorrência das

Antilhas, e a exaustão das minas de ouro e pedras preciosas no século XVIII resultaram

em uma longa recessão. O enfraquecimento do principal setor econômico brasileiro, o

agroexportador, entre fins do século XVIII e a primeira metade do século XIX, consistiu

em forte desestímulo para a industrialização no Brasil, inibindo a formação de poupança

em um ambiente econômico com crônica escassez de capitais.

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A produção têxtil no período colonial, ainda sob a forma de artesanato, foi

reprimida por diversos decretos que, entre 1766 e 1785, proibiram a fabricação de

tecidos de algodão na colônia, conseqüência direta das pressões inglesas sobre Portugal.

Apesar de constantemente burlados, esses decretos determinaram, em conjunto com a

própria estrutura social, atrasos na transição para formas mais modernas de produção.

A transferência da família real em 1808 trouxe consigo a revogação desses

decretos; adicionalmente, o Alvará de 28/04/1809 criou isenções e privilégios para os

pioneiros da indústria brasileira. Surgiram fábricas privilegiadas, que, todavia, não

suportaram a concorrência inglesa, mormente a partir do Tratado de 1810, instrumento

de política imperialista que concedeu imensos privilégios à Inglaterra no comércio com

o Brasil, atrofiando sua incipiente industrialização.

Celso Furtado aponta a forte queda nos preços dos têxteis ingleses nos primeiros

decênios do século XIX como obstáculo à subsistência do artesanato têxtil então

existente. Segundo o mesmo autor, nos períodos compreendidos entre 1821/1830 e

1841/1850, enquanto os preços dos produtos importados permaneceram estáveis, houve

decréscimo de cerca de 40% nos preços de produtos de exportação brasileiros –

basicamente açúcar, fumo e algodão –, origem de constantes déficits na balança

comercial da jovem nação.

Cabe assinalar que os têxteis ingleses tiveram seus preços minorados por

redução de custos de produção através da incorporação de novas tecnologias; a queda

dos preços das “commodities” brasileiras deveu-se à concorrência de outras praças

coloniais, como as Antilhas, para onde haviam emigrado os judeus produtores de açúcar

expulsos do Brasil, então colônia portuguesa, no século anterior. Enquanto a Inglaterra

firmava-se como a grande potência econômico-militar do mundo, o Brasil perdia

progressivamente a competitividade de seus produtos de exportação.

Medidas protecionistas, como a elevação de alíquotas de importação, não seriam

suficientes para estancar a crise que assolava a economia brasileira pós-independência.

Somente com a ascensão do café, incrementada na segunda metade do século, o setor

agroexportador, base da economia (periférica) brasileira, recuperar-se- ia, gerando uma

acumulação de capitais que, muito mais que as políticas protecionistas lançadas à época,

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possibilitaria o surgimento de um surto de industrialização mais duradouro que o

observado na década de 1840.

Costuma-se apontar o ano de 1844 como marco inicial do desenvolvimento

industrial brasileiro no século XIX, embora anteriormente algumas poucas indústrias

tenham sido fundadas. Segundo Nelson de Vincenzi, a primeira fábrica de tecidos

nacional foi criada no ano de 1814, em Vila Rica (MG). Heitor Ferreira Lima sustenta

que entre 1822 e 1841 o total de fábricas brasileiras alcançou 14 unidades, sendo apenas

duas sociedades anônimas; presume-se, através da análise de documentos da época, que

a maioria dessas plantas fosse têxtil.

Acredita-se que as primeiras fábricas de tecidos baianas datam da década de

1830, hipótese baseada em registros históricos como a fala do Presidente da Província

da Bahia João dos Reis de Souza Dantas (1882) e a do também Presidente da Província

da Bahia Francisco Gonçalves Martins (1849), que informam, respectivamente, sobre a

criação de uma fábrica em Santo Antônio do Queimado (1834) e uma denominada

“fábrica da Conceição”, que segundo o texto original, “trabalhou em proporções

menores nos anos de 1835 a 1837”.

As primeiras indústrias têxteis brasileiras predominantemente se instalaram em

cidades, pois assim se localizavam próximas a fatores de produção como mão-de-obra e

energia, bem como se beneficiavam da infra-estrutura pré-existente. Outras

características dessa fase foram desconcentração regional – o mercado consumidor

estava distribuído de forma relativamente homogênea – e exploração de faixas de

mercado marginais, pouco interessantes para o capital externo.

Destarte, essas pioneiras indústrias produziram fazendas grosseiras, destinadas à

confecção de embalagens de produtos para exportação e roupas para os escravos, bens

produzidos artesanalmente desde os tempos coloniais. A especialização local em tecidos

grosseiros é explicada pelos altos preços que os tecidos finos e luxuosos atingiam,

mesmo antes da Revolução Industrial, o que fez com que a esmagadora concorrência

inglesa não ocupasse essa fatia menos rentável do mercado. Essa primitiva indústria

têxtil foi estimulada através da concessão de descontos na tributação de produtos

exportados em sacos de fabricação nacional, fato que comprovadamente ocorreu na

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Província da Bahia em 1846.

A próxima indústria têxtil a se instalar na Bahia da qual se tem conhecimento foi

a “Todos os Santos”, na cidade de Valença. Sobre sua data de fundação, há

controvérsias, porém os registros mais confiáveis – a própria documentação da empresa

– apontam o ano de 1844. Foi a maior e mais importante fábrica de tecidos do século

XIX e, segundo Rômulo Almeida, ficou conhecida como a melhor do Império e, talvez,

da América do Sul.

A Fábrica de Tecidos Todos os Santos foi a primeira indústria nacional movida

por energia hidráulica, ocupando até 300 operários, em sua maioria mulheres. Marco da

industrialização baiana contemporânea, foi visitada por D. Pedro II em 1860. Consistia

em um complexo industrial formado por barragem, comportas, canais, edifícios, fornos

de fundição e oficinas, dos quais só restam atualmente as ruínas do edifício principal

(originalmente com cinco pavimentos), barragem, canais e algumas pontes. Projetada e

implantada pelo engenheiro norte-americano Carson, era acionada por rodas d’água

localizadas no subsolo, para onde foi deslocado parte do caudal do Rio Una.

As duas rodas d’água, com potências máximas de 45 e 35 cavalos mecânicos –

trabalhando efetivamente com 30 e 20 cavalos mecânicos, respectivamente –

transmitiam a força hidráulica aos filatórios e aos teares, instalados nos pavimentos

superiores. Sua produção média era de 4.000 varas3 de tecidos por dia.

Essa grande indústria funcionou durante trinta anos com alta ociosidade, devido

a problemas com o abastecimento de matérias-primas e na colocação de seus produtos

no mercado. Após ser incorporada pela “Valença Industrial”, em 1887, sua produção

integrou-se com a da Fábrica Nossa Senhora do Amparo no último quartel do século

XIX, comunicadas através de um complexo sistema de comportas – extremamente

avançado para a época – que possibilitava a transposição da segunda cachoeira do Rio

Una (contada a partir da foz).

3 A mídia eletrônica “Dicionário Aurélio – Século XXI” apresenta, dentre outras, as seguintes acepções para vara: “Antiga unidade de medida de comprimento, equivalente a cinco palmos, ou seja, 1,10metro. Porção de tecido com o comprimento dessa medida”.

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Existiu também por essa época uma fábrica denominada “São Carlos do

Paraguassú”, de cuja existência, em 1857, faz-se referência em um ofício ao Presidente

da Província, este último datado de 1861.

O período de 1840 a 1846 foi marcado pela recuperação econômica na Bahia:

estabeleceram-se a Associação Comercial e a Companhia para Introdução e Fundação

de Fábricas Úteis na Província da Bahia, bem como foram implantadas fábricas de papel

e tecidos, além de novos engenhos. Outrossim, foram descobertas jazidas de diamantes

na Chapada Diamantina e fundou-se o Banco Comercial da Bahia em 1845.

Apesar dessa recuperação econômica, o breve ciclo de expansão industrial de

1844 foi rapidamente impactado por vários fatores negativos: concorrência externa e

entre províncias, altos impostos, custos elevados de matéria-prima, dependência externa

para aquisição de maquinário, combustíveis e outros insumos e instabilidade das

políticas alfandegárias. Conseqüentemente, em 1846 as fábricas de tecidos de Valença e

os engenhos da Conceição e do Queimado entraram em sérias dificuldades.

A fragilidade dessas fábricas pioneiras era evidenciada quando ocorriam

mudanças na tecnologia de transportes, reduzindo custos de importação, que

freqüentemente alteravam as condições de equilíbrio com a concorrência estrangeira e

entre regiões/províncias, de forma que para proteger sua fatia de mercado os industriais

da época reivindicavam a criação de tarifas alfandegárias interprovinciais e o

protecionismo.

A década de 1840 também assistiu ao término da vigência dos acordos

comerciais firmados nos primórdios do século, principalmente com a Inglaterra. As

tarifas alfandegárias passaram então a oscilar entre 2% e 60%, frustrando as

expectativas dos setores industrialistas. A maioria dos produtos estrangeiros, inclusive

os têxteis, foi taxada em apenas 30%; o próprio Ministro da Fazenda, Alves Branco,

reconhecia a ineficácia dessas barreiras para proteger a nascente indústria nacional,

reflexo da subordinação do protecionismo brasileiro do século XIX às exigências

fiscais, predominantes nessa primeira reforma tarifária e em todas as subseqüentes,

abrangendo o fim do Império e princípios da República Velha.

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As políticas alfandegárias merecem atenção mais acurada na análise do processo

de industrialização brasileira do século XIX. A cobrança de tarifas sobre produtos

importados era a principal fonte de receitas para o setor público durante aquele século,

especialmente em sua segunda metade, fato que se poderia esperar de um país cuja

principal atividade econômica era a grande lavoura de exportação. Com o controle do

Estado, os grandes fazendeiros da época repassavam os custos da manutenção de

políticas de defesa do setor agrário à sociedade como um todo – os crescentes gastos

governamentais com subsídios e acumulação de estoques eram financiados pelo

aumento de tarifas alfandegárias.

Embora em alguns momentos houvesse uma certa conciliação de interesses entre

industriais e agricultores, pois estes forneciam localmente matérias-primas àqueles – o

que levou ao surgimento dos conceitos de indústria “natural” e “artificial”, em função

do fornecimento de matérias-primas ser local ou não – , prevaleceram os interesses dos

agricultores nas reformas tarifárias do Império e da República Velha, ou seja, pequena

tributação sobre o setor agrário compensada por tarifas alfandegárias que

freqüentemente encareciam a importação de máquinas, equipamentos e insumos em

geral para a indústria.

Ao contrário dos fazendeiros e comerciantes, grupos relativamente coesos, os

próprios industriais em ascensão freqüentemente se desuniam, afastados por interesses

contraditórios, como os fabricantes de fios e industriais do ramo de tecelagem: estes

buscavam facilitar a importação de fios estrangeiros, mais baratos que os nacionais,

enquanto os primeiros, obviamente, eram favoráveis à implantação de fortes barreiras à

entrada desses insumos.

Outro componente da “Velha Indústria Têxtil” baiana foi a “Fábrica Nossa

Senhora do Pilar”, registrada na Junta Comercial em 1873. Não há mais provas de

continuidade de suas atividades; todavia, os nomes dos mesmos sócios fundadores da

fábrica do Pilar constam em outro documento de venda de uma fábrica chamada

“Bonfim” ou “Progresso” – todas as três denominações aparecem em diversos textos de

autores fidedignos, com os mesmos fundadores, capital inicial e endereço, o que faz

supor tratar-se do mesmo empreendimento, mais citado como “fábrica Bonfim”.

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Entre 1870 e 1875 surgiram quatro fábricas de tecidos, quantidade jamais

atingida em período semelhante no Estado. Após esse “boom” têxt il, somente foi

fundado novo estabelecimento fabril do ramo em 1890, com a implantação da

“Companhia Fabril dos Fiaes”, que utilizou a juta como principal matéria-prima. Apesar

da aparente calmaria desses 25 anos, a partir de 1887 o setor foi marcado por um

processo de concentração, com o surgimento de sociedades anônimas que

protagonizaram fusões: a “Companhia União Fabril da Bahia” consistia de seis unidades

fabris; a “Companhia Progresso Industrial da Bahia” reunia duas fábricas; e a empresa

“Valença Industrial” incorporou duas fábricas em 1887.

Atualmente denominada Valença Têxtil, a Valença Industrial permanece em

atividade até os dias hodiernos, após várias modificações em seu controle acionário.

Localizada à margem do Rio Una, na altura de sua primeira cachoeira, era acionada por

rodas d’água e foi visitada por D. Pedro II, ocasião em já havia sido construída uma

comporta para embarcações de porte médio transporem a queda d’água. Posteriormente,

houve a instalação de turbinas geradoras de energia elétrica, que além de abastecer a

fábrica, iluminavam a cidade de Valença. Seu crescimento, em paralelo ao crescimento

populacional do município, determinou a construção da Usina Hidrelétrica do

Candengo, em 1922, ampliada na década de 1930.

Em 1891, fundou-se a Companhia Empório Industrial do Norte, com instalações

inteiramente novas, que se tornou a maior da Bahia. Maiores detalhes sobre essa

empresa serão expostos na próxima seção, após uma breve análise sobre o setor têxtil e

a conjuntura econômica baianos na segunda metade do século XIX.

As unidades fabris da Velha Indústria Têxtil baiana eram de pequeno porte: a

fábrica de Santo Antonio do Queimado possuía em 1848 somente 10 teares e 700 fusos;

a fábrica Todos os Santos em 1841 tinha 48 teares – mesmo número apresentado pela

Nossa Senhora de Amparo em 1860 – e 1.500 fusos. Números semelhantes são

observados em outros empreendimentos baianos contemporâneos.

Embora classificadas como de pequeno porte em comparação a

empreendimentos congêneres da Europa e da América do Norte, essas fábricas eram de

grande envergadura para a realidade do Brasil da época: a tecelagem baiana era a grande

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indústria nacional do século XIX e manteve-se importante na economia baiana durante a

primeira metade do século XX.

Inicialmente, a maior parte da matéria-prima era local, oriunda do província:

entre 1875 e 1876 o consumo de algodão deve ter atingido de 800.000 a 900.000

quilogramas, situação que não se manteve após essa data, quando outros estados

nordestinos passaram a fornecer o algodão. Há indícios que a precariedade dos

transportes dificultava o escoamento do algodão para o Recôncavo; outrossim, as

lavouras de algodão são altamente suscetíveis a pragas, o que as torna itinerantes.

Existem poucos dados comparativos da produção baiana em relação à nacional;

estima-se, todavia, que no ano de 1875, a produção local, avaliada em cerca de

3.700.000 metros, equivalia a um terço da produção nacional, hipótese coerente com a

participação da Bahia no número de estabelecimentos nacionais (vide Tabela 1).

O forte declínio da lavoura açucareira, acentuado na segunda metade do século

XIX, foi parcialmente compensado na Bahia por dois novos produtos agrícolas: o cacau,

que representou 1,5 % do valor das exportações brasileiras na década de 1890, e o fumo,

com crescente aceitação no mercado europeu. Essa substituição de “plantations”,

entretanto, não foi suficiente para devolver a hegemonia da agricultura baiana, pois o

centro da economia nacional já se havia deslocado para o Sudeste.

Por outro lado, na década de 1860 dois eventos isolados indiretamente

incentivaram a indústria têxtil baiana: as dificuldades financeiras motivadas pela Guerra

do Paraguai, que forçaram a elevação das tarifas alfandegárias de modo generalizado, e

a Guerra Civil Americana, que, com a paralisação da cotonicultura dos estados sulistas

americanos, incentivou a cultura do algodão no Brasil, barateando a principal matéria-

prima têxtil da época.

Não foram esses eventos bastantes para sustentar o crescimento da economia

local. Sem condições climáticas e geológicas para aderir à onda cafeicultora, que

deslocou o centro da economia brasileira para o eixo Rio/São Paulo, a Bahia foi

perdendo sua proeminência no setor têxtil – enquanto em 1866, ainda sob os benéficos

efeitos da Guerra de Secessão sobre as exportações baianas, mais de 50 % do parque

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industrial estava na Província, em 1875, de um total de 30 estabelecimentos, apenas 11

eram baianos, como pode ser observado na tabela a seguir.

TABELA 1

DISTRIBUIÇÃO GEOGRÁFICA ESTIMADA DAS FÁBRICAS

BRASILEIRAS DE TECIDOS

1866, 1875, 1885

PROVÍNCIA 1866 1875 1885

Maranhão 1 1

Pernambuco 1 1

Alagoas 1 1 1

Bahia 5 11 12

Rio (estado e D.F.) 2 5 11

São Paulo 6 9

Minas Gerais 1 5 13

TOTAL 9 30 48

Fonte: Furtado, Celso. Formação Econômica do Brasil. São Paulo: Nacional, 1972.

O crescimento do consumo mundial de café também foi responsável pela

melhoria econômica do País no último quartel do século XIX; nas duas últimas décadas

desse século era o produto mais exportado pelo Brasil. A acentuada expansão da

cafeicultura culminou por criar mercados regionais, principalmente após a Abolição,

através do crescimento da força de trabalho livre – gerando maior demanda de produtos

de consumo, como alimentos para subsistência da nova classe trabalhadora – e da maior

procura por serviços de transporte para escoamento da produção. Conseqüentemente,

aumentou também a demanda por fazendas grosseiras para o ensacamento do café e

para as roupas dos escravos e trabalhadores livres.

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Por outro lado, a recuperação da economia através de um produto primário de

exportação reforçou a ideologia do “destino agrário do Brasil”, fortalecendo

politicamente os grupos ligados à grande lavoura baseada no trabalho escravo. Assim, a

ideologia e a práxis liberais, que se traduziam na Europa como o desenvolvimento do

capitalismo industrial, na sociedade brasileira eram convertidas pelas forças

conservadoras em idéias fundamentadas no binômio exportação de produtos primários,

importação de manufaturados.

Não havendo uma classe industrial com expressividade política, predominaram

portanto os interesses fiscais em todas as reformas tarifárias no Brasil da economia

cafeeira. Assim, novamente os interesses agrário-comerciais sufocaram os anseios dos

setores industrializados da sociedade brasileira; o liberalismo periférico tupiniquim era

o oposto do pragmatismo de jovens nações como os Estados Unidos e o Japão, que, com

populações mais homogêneas quanto à distribuição da renda, adotaram, desde essa

época, políticas firmes e coerentes de incentivo à indústria.

Ainda assim, apesar de tantos ciclos de queda e ascensão, o final do século XIX

revelava uma Bahia com industrialização ainda destacada dentro do contexto nacional,

porém em processo de contínua perda de importância a nível nacional: em 1890, a

proporção de fábricas na Bahia era a nona parte do total nacional. A indústria baiana,

segundo Góes Calmon, registrava a presença de 123 fábricas em atividade na Bahia em

1892, principalmente concentradas na agroindústria do açúcar e nas fábricas de tecidos,

estas predominantemente instaladas na capital e no Recôncavo – raízes da concentração

espacial verificada até a atualidade – e responsáveis pela criação de uma economia

urbano- industrial, em paralelo com o comércio e a exportação de produtos agrícolas.

O final do século foi marcado pela relativa abundância de fábricas de tecidos,

modernizadas e ampliadas, pelas novas fundições e fábricas de charutos no Recôncavo,

pela abertura de novas vias de transporte para o interior, com destaque para as estradas

de ferro conectando os rios Paraguaçu e São Francisco à capital. Embora existisse esse

ambiente de prosperidade, persistiram as crises financeiras e a decadência nas lavouras

de cana e algodão, e, prenúncio da decadência no século seguinte, a Abolição da

Escravatura e a Proclamação da República desorganizaram a economia local,

fundamentada no trabalho escravo, e enfraqueceram politicamente a Bahia no cenário

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nacional, por sua ativa defesa da Monarquia.

A Indústria Têxtil Baiana nos Primórdios da República Velha

Com o advento da República, a política alfandegária permaneceu essencialmente

fiscal, a serviço dos interesses dos cafeicultores. Entretanto, com o intuito de conquistar

o apoio dos setores industrialistas – necessário para a consolidação do novo regime – a

reforma promovida por Rui Barbosa trouxe alguns benefícios indiretos para a indústria

têxtil:

- entrada livre para produtos químicos destinados a adubos ou corretivos para

culturas agrícolas ligadas à indústria;

- isenção e/ou redução de tarifas para importação de máquinas, ferramentas e

outros bens de capital;

- diminuição de taxas sobre importação de matérias-primas para a indústria

nacional, em paralelo a um acréscimo dos direitos sobre manufaturados que

já fossem produzidos internamente.

As contas externas não estavam equilibradas: os estoques de divisas,

provenientes da exportação de produtos agrícolas, eram insuficientes para as

necessidades de importação – consumo e formação de capital – e para o pagamento do

serviço da dívida externa. A política econômica deflacionista adotada por Campos

Sales, em cumprimento ao “Funding-Loan”, provocou inúmeras falências, incluindo 17

bancos.

Como conseqüência da retração geral da atividade econômica, somou-se à

escassez de moeda estrangeira a insuficiência de meio circulante nacional, agravada

pela abolição da escravatura, que ampliou necessidades de pagamento de salários.

Assim, em 1889, a execução de uma lei de 1888 – promulgada ainda no Império

– que permitia aos bancos emitir moeda, iniciou um processo de expansão monetária,

que ficou conhecido na história do Brasil como “Encilhamento” – nome dado à época

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ao local do hipódromo do Rio de Janeiro em que eram realizadas as apostas – , gerando

um surto inflacionário sem precedentes. As emissões, que em princípio tinham como

finalidade o aquecimento das atividades econômicas, prejudicadas no Nordeste também

por uma grande seca na década de 1890, cederam em pouco tempo espaço para

atividades puramente especulativas, tais como sociedades fabulosas que pouco tempo

depois tiveram seu capital social esvaído.

Na Bahia, essa bolha especulativa fez surgir 32 companhias entre 1890 e 1891.

Em 1891 a bolha especulativa estourou: títulos de crédito perderam seu valor e

multiplicaram-se as falências, com o agravamento do processo inflacionário.

Por outro lado, como já foi mencionado, ao final do século XIX a economia

baiana exibia sinais de uma industrialização expressiva para o Brasil da época: havia

123 fábricas no Estado, sendo 12 de tecidos, todas em atividade. O período

compreendido entre o final do século XIX e a década de 1930 é considerado o auge da

indústria têxtil baiana. Houve uma concentração de empresas, exemplificada pelas

Companhia União Fabril da Bahia (resultante da fusão de cinco fábricas em 1891) e

Companhia Progresso Industrial da Bahia, que incorporou as fábricas Todos os Santos e

Nossa Senhora do Amparo em 1887. Data também desse período a criação da

Companhia Empório Industrial do Norte.

Nessa fase é observado o ingresso de capitais ingleses nas fábricas baianas,

reflexo da expansão do capitalismo internacional característica dessa fase da história

contemporânea. Um exemplo é a Companhia Fabril dos Fiaes, que possuía, dentre seus

fundadores, Archibald Mac Nair, Arthur Henry Willcox, Charles Vaughan e James

Scott Withnall, todos comerciantes ingleses de Manchester, o primeiro radicado na

Bahia.

Em 1891 foi fundada a União Fabril da Bahia, sociedade anônima fruto da

reunião de seis fábricas: Santo Antônio do Queimado, Nossa Senhora da Conceição,

São Carlos do Paraguassu (em Cachoeira), Modelo, São Salvador e Nossa Senhora da

Penha. Esse conjunto de plantas empregava 805 empregados, 358 teares e 15.885 fusos.

Nesse mesmo ano foi fundada a Companhia Progresso Industrial, incorporando as

unidades fabris de São Braz e do Bonfim. Seus empregados somavam 500 almas; havia

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208 teares e 7.997 fusos.

O apogeu da indústria têxtil na Bahia é bem representado através da Companhia

Empório Industrial do Norte, fundada em 04/03/1891, maior e mais importante de seu

setor à época, destacando-se pela modernidade e progressividade. Foi fundada por Luiz

Tarquínio, Leopoldo José da Silva e Miguel Francisco Rodrigo de Moraes, ricos

comerciantes que possuíam largas visão e competência, comprovadas pelo planejamento

minucioso da fábrica e pelo sucesso nas primeiras décadas do empreendimento, que

esteve entre as 11 maiores fábricas de tecido do Brasil.

Corroborando essa visão progressista, destacava-se a excelente assistência

dispensada aos operários: boas casas na Vila Operária, escola para seus filhos, com

turno noturno para os adultos, serviços médicos e farmacêuticos gratuitos,

abastecimento de água e coleta de esgotos, armazéns e creche.

Tantos benefícios causaram espanto nesses anos pós-abolição, gerando até

suspeita de iniciativas socialistas, embora o próprio Luiz Tarquínio justificasse essas

medidas como geradoras de maior eficiência e lucro, através de cálculos que

demonstravam que os gastos com a Vila seriam menores que o prejuízo econômico

gerado pelo absenteísmo maior, se os operários morassem longe de seu local de

trabalho.

Embora entre suas leituras constassem autores socialistas, suas idéias e

concepção de trabalho, de forte inspiração britânica, eram as de um liberal. Seus pontos

de vista foram divulgados, entre outros públicos, na própria fábrica, em um pequeno

jornal, “O Operário”, em que procurava imbuir o operariado de concepções tipicamente

vitorianas: o valor do trabalho, a disciplina consciente, a poupança, a moralização dos

costumes, idéias julgadas necessárias para a transição de uma sociedade escravocrata

para uma industrial.

O operariado baiano era considerado adequado às lides industriais. Embora sem

experiência prévia, muitos empresários da época fizeram elogios à sua disposição e

empenho no trabalho, desde que bem dirigidos e treinados; era uma sociedade com

baixíssimos níveis de educação e escassez de emprego: os trabalhadores recrutados,

16

esforçavam-se para usufruir uma oportunidade real de melhorar suas condições de vida.

A fábrica, localizada em Boa Viagem, contava com 697 operários e 899 teares

em sua fundação. Foi uma das 29 companhias criadas na Bahia em 1891, em pleno

Encilhamento – a maioria dessas empresas não sobreviveu por muito tempo, exceto as

que operaram nos ramos de fiação e tecelagem de algodão. Nessa época a indústria

têxtil reunia quase a quarta parte dos capitais aplicados em novos empreendimentos; por

sua vez, o capital da Companhia Empório Industrial do Norte correspondia à quinta

parte do capital aplicado em seu setor. Após dois anos de funcionamento, a unidade era

responsável pela terça parte da mão-de-obra empregada, por quase dois terços dos teares

e quase a metade da produção da indústria têxtil baiana.

Essa empresa resistiu a diversas crises, exportando produtos para quase todos os

Estados brasileiros e também para o exterior, em épocas mais favoráveis; foi fechada

em 1973, em meio a diversas circunstâncias negativas.

Outra empresa dessa época foi a Companhia Valença Industrial (CVI), fundada

em 1899 e sucessora da “Empreza Valença Industrial”, citada anteriormente. Opera até

a atualidade no mercado nacional de tecidos de algodão, após diversas mudanças de

propriedade: hodiernamente pertence ao grupo cearense Têxtil União, dedicando-se à

fabricação de tecidos de brim, com produção de cerca de 1,3 milhão de metros/mês. É

uma das mais antigas fábricas de tecidos em operação no País e a única a funcionar na

Bahia.

Assim, também no início da República Velha a produção baiana de têxteis

mantinha-se em destaque no cenário nacional, situação que foi progressivamente se

deteriorando ao longo do século XX.

17

Conclusões

Nos primórdios do século XIX, o “Porto da Bahia” era responsável por mais de

80% do comércio entre colônia e metrópole, com destaque para os tecidos como objeto

de importação. Apesar de sua importância para a economia colonial, ou justamente por

causa dela – vide a célebre frase de Eduardo Galeano, “a importância de não ser

importante”, referindo-se às diferenças de desenvolvimento das ex-colônias de

povoamento em relação às colônias de exploração, estas importantes para as economias

metropolitanas – a Bahia perdeu sua posição no cenário da industrialização brasileira ao

longo do último século, com o crescimento da monocultura do café, que deslocou o

centro da economia para o Vale do Paraíba – dizia se no final desse século “o Brasil é o

Vale”.

Assim, as primeiras indústrias têxteis originaram-se de capitais acumulados pela

lavoura canavieira e pela mineração – atividades em franca decadência no século XIX –

que dessa forma buscaram outras alternativas de valorização. Em meados do mesmo

século, a origem do capital industrial passou a ser predominantemente o capital

comercial: os fundadores das indústrias têxteis em geral eram comerciantes que

buscavam diversificar suas atividades produzindo fios e tecidos, especialmente quando

as oscilações cambiais eram desfavoráveis para as casas importadoras, que então

passavam a produzir localmente mercadorias anteriormente importadas. Passado o

período de taxas altas de câmbio, essas indústrias evidenciavam suas fragilidades e

freqüentemente encerravam suas operações.

Outra característica desse processo de industrialização foi a concentração

espacial, fruto da necessidade imperativa de localização próxima aos centros urbanos de

maior porte, dada a precariedade dos meios de transporte: das dez fábricas baianas

operando entre 1875 e 1889, sete situavam-se em Salvador e três no Recôncavo – destas

últimas, duas em Valença e uma em Cachoeira. A Bahia até hoje ainda sofre os efeitos

dessa concentração de atividades econômicas na capital e no Recôncavo, agravada pela

escassez de alternativas para o desenvolvimento do semi-árido.

18

Além dessa procura de atividades rentáveis pelos capitais da velha economia

canavieira e da intermediação comercial, a estruturação do setor têxtil na Bahia deveu-

se também à abundância de matéria-prima – mormente o algodão, principal matéria-

prima têxtil no mundo até hoje – e recursos hídricos na Região do Recôncavo, utilizados

inicialmente como fonte direta de energia (hidráulica) e necessários para o

funcionamento de hidrelétricas construídas pelas próprias indústrias têxteis.

Encarada como atividade marginal, secundária, a industrialização baiana não foi

duradoura, pois a economia estadual sempre se baseou em uma agricultura sem

sustentabilidade. O capitalismo periférico baiano fundamentava-se mais na especulação

comercial – os lucros da cana-de-açúcar foram predominantemente acumulados pelos

intermediários entre a colônia e a metrópole – e, mesmo após a ascensão de uma elite

agrário-exportadora, fenômeno observado no “ciclo” do cacau, a renda sempre foi muito

concentrada, impedindo um desenvolvimento regional sustentado, com a aplicação dos

lucros auferidos pelos latifundiários em outras regiões.

Outrossim, as políticas governamentais do século XX privilegiaram os centros

cafeicultores, localizados nos estados do Sudeste, como locais de desenvolvimento

industrial do País. Ademais, quando o Sudeste se industrializou a economia mundial se

encontrava em nova fase, com matriz industrial diferenciada da do século anterior,

baseada na energia elétrica; os novos tempos eram movidos a petróleo e a indústria

baiana, descapitalizada, não pôde modernizar seus equipamentos, contínua e

progressivamente perdendo sua competitividade – daí as inúmeras falências no século

XX.

A economia brasileira na segunda metade do século XIX foi agraciada pela

recuperação econômica, fundamentada no incremento na quantidade de produtos

exportados e, principalmente, no aumento de preços dessas mercadorias primárias –

basicamente café e borracha. Especificamente na Bahia, dois produtos substituíram a

decadente lavoura açucareira: o cacau, que chegou a atingir 1,5 % do valor total das

exportações brasileiras, e o fumo, graças à elevação de seu consumo na Europa , apesar

de sua produção ser considerada “lavoura de pobre”, realizada em pequenas

propriedades. Entretanto, a ascensão desse produtos foi suficiente apenas para

compensar a derrocada da monocultura da cana-de-açúcar.

19

A balança comercial brasileira, que entre o longo período compreendido entre

1823 e 1860 havia registrado apenas nove exercícios superavitários, de 1861 a 1900

tornou-se sempre favorável, excetuando-se três exercícios deficitários. Os empréstimos

internacionais, que entre 1824 e 1852 destinavam-se preponderantemente à cobertura de

déficits, dívidas flutuantes, juros e amortizações, entre 1858 e 1889 destinaram-se, em

sua maioria, a obras de infra-estrutura, principalmente à construção de estradas de ferro,

que beneficiaram o novo eixo de prosperidade econômica nacional: a economia do café.

Assim, nos séculos XIX e XX, a criação de um mercado regional, abrangendo as

províncias do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais, com implantação de uma

malha ferroviária e ampliação do mercado consumidor – graças aos incentivos à

imigração, mesmo minorados pela exploração a que esses imigrantes eram submetidos

pelos barões do café – contrastava com a estagnação do capitalismo baiano; dados

apresentados por Celso Furtado demonstram que houve perda de renda per capita em

relação ao Sudeste já em meados do século XIX.

Como exemplo de insustentabilidade do desenvolvimento com renda

extremamente concentrada, típico da realidade baiana, a monocultura do cacau na

região de Ilhéus/Itabuna, sem maior diversificação de atividades produtivas, impediu o

desenvolvimento da economia local, pois, como é característico de regiões

monocultoras, houve uma evasão da maior parte dos lucros para as metrópoles

nacionais; o exemplo clássico é a permanência do subdesenvolvimento na região

cacaueira após 100 anos de intensa atividade – somam-se os casos de famílias

decadentes da região que nos tempos de fartura aplicaram seus lucros em imóveis no

Rio de Janeiro e em São Paulo, sem se preocupar em modernizar suas plantações.

Atualmente, a busca do desenvolvimento econômico e social da Bahia deve

contemplar investimentos na indústria têxtil. Não obstante o Plano Plurianual em vigor

não fazer referência explícita ao setor, é nele definida como uma de suas diretrizes a

criação e o adensamento de cadeias produtivas. Assim, estimular a implantação de

fiações e tecelagens de pequeno e médio porte na Bahia, voltadas inicialmente para o

mercado interno – há uma abundância de confecções no Estado, em sua maioria

informais, que importam tecidos principalmente do Centro_Sul do País – seria o ponto

20

de partida para essa ação.

Dados da FIEB – Federação das Indústrias do Estado da Bahia informam a

presença de 83 empresas envolvidas na cadeia produtiva têxtil no Estado: seis

beneficiadoras de algodão, 14 beneficiadoras de outras fibras têxteis naturais, treze

fiações (trabalhando com algodão, outras fibras têxteis naturais e fibras artificiais ou

sintéticas), uma fábrica de linhas e fios, dez tecelagens, uma indústria especializada no

acabamento de fios, tecidos e artigos têxteis e 38 confecções, indústrias de vestuário e

similares, em sua maioria micro e pequenas empresas.

O setor têxtil é extremamente diversificado em sua composição empresarial,

corroborando a possibilidade de inserção de pequenas e médias empresas no Estado.

Segundo dados da ABIT – Associação Brasileira da Indústria Têxtil, em 1997, havia no

País 550 fiações, 700 tecelagens, 2.960 empresas dedicadas à produção de malhas e 370

ao acabamento; quanto ao porte, 3 % são grandes empresas (mais de 200 funcionários),

43 % são médias empresas (de 51 a 200 funcionários), 36 % são pequenas (de 11 a 50

funcionários) e os restantes 18 % são microempresas (até 10 funcionários).

A Valença Têxtil é a maior tecelagem em atividade no Estado, com 60 modernos

teares a jato de ar e capacidade de produção de 1.300.000 metros/mês de brim 100 %

algodão (dados da Gazeta Mercantil – BA, de 22 de junho de 2001) absorveu desde

1998, ano em que foi adquirida pelo grupo cearense Têxtil União, R$ 20.000.000,00 em

diversos processos de modernização. Pretende investir mais R$ 25.000.000,00 em

2002/2003, passando a produzir também peças de vestuário em nova planta.

O grupo paulista Quatro K assinou protocolo de intenções com o Governo do

Estado visando implantar uma fiação em Barreiras. A empresa decidiu estabelecer-se no

Oeste do Estado para aproveitar a potencialidade da região: a Bahia é o segundo maior

centro nacional de produção de algodão em pluma. Além disso, é o único Estado em

que há previsão de crescimento na safra de 2002, da ordem de 16% a 20%, segundo

dados fornecidos pela CONAB - Companhia Nacional de Abastecimento. A publicação

"Bahia Análise e Dados - Retrospectiva 2000 e Perspectivas" (SEI - Superintendência

de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia, 2000), utilizando dados do IBGE, destaca a

expansão da safra baiana de algodão no período 1999/2000, da ordem de 160 %, graças

21

ao incremento da produção mecanizada no cerrado.

A região de Barreiras recebeu muitos imigrantes nas últimas décadas,

principalmente agricultores oriundos do Sul do País. Esses produtores rurais possuem

alto grau de profissionalização e incorporam tecnologias de ponta originárias da

EMBRAPA e da EBDA. A publicação "A Agricultura na Bahia - Relatório 2000"

(SEAGRI - Secretaria de Agricultura do Estado da Bahia, 2000) informa que a

disseminação de tecnologia de ponta e condições climáticas favoráveis, além de um

controle fitossanitário adequado, resultaram em uma produtividade média superior a

200 arrobas/hectare, o dobro da média nacional. Além dessas vantagens comparativas, a

produção de Barreiras, inserida na região do Cerrado, tem como característica o algodão

de fibra longa, mais resistente que o produto do Sul, segundo agricultores e industriais

do ramo. A implantação da fábrica na região de Barreiras garantirá ao agricultor local o

consumo regular de sua produção anual, de 12.000 toneladas de algodão em pluma,

correspondentes a 60 % do consumo da planta.

Os planos da Quatro K incluem a geração de 600 empregos diretos – segundo

dados do IBGE, o setor têxtil, incluindo todas as etapas da produção, é o terceiro maior

empregador de mão-de-obra no Brasil, atrás apenas dos setores da construção civil (1°)

e de alimentos (2°) – o que certamente contribuirá para a prosperidade da região. A

capacidade de produção da fábrica será de 690.000 kg / mês de fios de algodão de

diversas titulagens (parâmetros ligados à espessura do fio), variando de Ne 8/1 a Ne

40/1. A capacidade tecnológica da fábrica incluirá também fios cardados, penteados e

do tipo open end – estes últimos fabricados segundo processo mais moderno e eficiente,

que reduz o número de etapas produtivas – , destinados à produção de tecidos planos ou

malhas, para vestuário em geral, incluindo tecidos de uso técnico, entre outras possíveis

aplicações.

Contribuindo também para o adensamento dessa cadeia produtiva, priorizando a

produção de bens finais – o Relatório "A Agricultura na Bahia" (Secretaria de

Agricultura do Estado da Bahia - SEAGRI, 2000) prevê investimentos da ordem de R$

6.000.000,00 para implantação do Condomínio de Confecções Bahia Têxtil, reunindo

23 empresas em Salvador.

22

Assim, outro mérito da reativação do setor têxtil na Bahia é constituir-se em uma

etapa necessária para a implantação de um futuro pólo exportador em Salvador,

contribuindo dessa forma para a melhoria do saldo da balança comercial, variável

fundamental para o equilíbrio das contas externas e sustentabilidade da economia

brasileira, em uma conjuntura internacional marcada pela alta volatilidade dos capitais

estrangeiros – fenômeno que ameaça com nefastas conseqüências particularmente os

países em desenvolvimento. A utilização do algodão como matéria-prima se insere na

tendência, verificada principalmente no mercado externo, de ampliação do mercado

consumidor de tecidos de fibras naturais; segundo informações da Revista Veja

(29/05/2002), "A indústria têxtil brasileira nunca exportou tanta camiseta. O superávit

do setor no primeiro trimestre deste ano foi três vezes superior ao do mesmo período de

2001".

Cabe ressaltar que o Brasil ocupava a sétima posição no ranking mundial de

produtores de malhas (dados do BNDES, de 1999); entretanto, sua participação no

comércio internacional ainda é pouco expressiva, evidenciando a necessidade de maior

apoio governamental para alavancar as exportações.

Caso essas hipóteses se concretizem, haverá grande ampliação e modernização

do setor na Bahia. O uso de mão-de-obra nessas instalações é intensivo, muito embora o

setor tenha incorporado nos últimos anos muitos automatismos ao processo produtivo,

necessários para garantir melhorias na qualidade. Além disso, o Pólo Petroquímico de

Camaçari, cujas atividades e pessoal ocupado sofreram sensível queda nos últimos 20

anos, poderia fornecer as fibras sintéticas necessárias à fabricação de tecido planos e

malhas que as mesclem com o algodão, abrindo mais uma oportunidade de escoamento

de sua produção dentro do Estado.

23

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Industrialização Brasileira : a Companhia Empório Industrial do Norte –

1891/1973. Dissertação (Mestrado de Ciências Humanas) – Universidade

Federal da Bahia, 1975.

Dados sobre o autor:

Nome: Webber Stelling

Titulação: Especialista em Economia Baiana pela UNIFACS e graduado em

Economia pela UEFS.

Atividade atual: Analista de Desenvolvimento da Desenbahia.

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