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Qualidade do ensino superior: Os cursos de Administração de Empresas 2ª parte Propostas Flavio Farah*

Qualidade do ensino superior - 2a. parte - Propostas

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Na primeira parte deste trabalho, identificou-se que o fator determinante da qualidade do ensino superior são os métodos e técnicas pedagógicas. Verificou-se, porém, que os professores universitários, via de regra, não dominam tais métodos e técnicas porque não têm formação pedagógica, não importa sua titulação (Especialista, Mestre, Doutor). Para minorar os problemas apontados na primeira parte, nesta segunda parte formulam-se propostas tanto dependentes de ações governamentais como de responsabilidade das instituições de educação superior.

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Qualidade do ensino superior:

Os cursos de Administração de Empresas 2ª parte – Propostas

Flavio Farah*

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Sumário

Introdução 3

Medidas governamentais 3

Campanha de convencimento 3

Cursos de pós-graduação estrito senso 5 Unificação 5

Fixação de parâmetros de conteúdo 5

Processo seletivo 6

Requisitos para titulação 7

Critérios de avaliação 7

Cursos de especialização em Magistério do Ensino Superior 7

Legislação 7

Prêmio para a qualidade pedagógica 8

Medidas de iniciativa das IES – Qualidade do ensino 8

Especialização dos professores 9

Uma nova estrutura organizacional – O Coordenador Pedagógico 9

Estrutura com dupla coordenação – vantagens 11

Estrutura com dupla coordenação – desvantagens 11

Perfil ideal dos coordenadores pedagógicos 12

Implantação da nova estrutura – normas de funcionamento 12

Implantação da nova estrutura – estratégia de implantação 13

Medidas subseqüentes de gestão de pessoas 16 Criação de um ambiente de aprendizagem 16

Processo seletivo 18

Avaliação de desempenho dos professores pelo Coordenador Pedagógico 18

Avaliação de desempenho dos professores pelos alunos e percepção da qualidade do ensino 19

Remuneração 20

Retenção de talentos 20

Treinamento 20

Atribuição de disciplinas 21

Limitação do número de alunos por classe 22

Marketing 22

Conclusão 22

Notas 22

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Introdução

Na primeira parte deste trabalho, identificou-se que o fator determinante da qualidade do ensino su-

perior são os métodos e técnicas pedagógicas. Verificou-se, porém, que os professores universitá-

rios, via de regra, não dominam tais métodos e técnicas porque não têm formação pedagógica, não

importa sua titulação (Especialista, Mestre, Doutor). Assim, a possibilidade de os estudantes dos

cursos superiores serem contemplados com um ensino de qualidade dependerá da existência de

mestres apaixonados pela docência e: a) que sejam dotados de aptidões pedagógicas inatas que os

façam, instintivamente, lançar mão de métodos didáticos eficazes, ou; b) que queiram evoluir e que

consigam fazê-lo sozinhos apesar de todos os obstáculos que enfrentam. Nesta segunda parte, for-

mulam-se propostas para minorar os problemas apontados.

Medidas governamentais

Campanha de convencimento

O Governo Federal precisa empreender uma campanha junto à comunidade acadêmica com a finali-

dade de convencer seus membros do seguinte:

1) Atualmente, o ensino superior é considerado sem valor quando comparado com a pesquisa ou,

no máximo, tido como um degrau inferior da carreira acadêmica, cujo ápice seria a produção

científica. Não obstante, o ensino superior tem a mesma importância que a pesquisa e é tão no-

bre quanto esta. Nestas condições, a docência do conhecimento (ensino) precisa ser tão valoriza-

da quanto a produção desse mesmo conhecimento (pesquisa).

2) O ensino superior possui valor em si mesmo. Assim, é preciso reconhecer que a docência do

conhecimento não precisa ser feita pelo mesmo profissional que produziu esse conhecimento, ou

seja, deve-se reconhecer que um dado conhecimento pode ser produzido por um acadêmico e

lecionado por outro. O ensino superior tem valor independentemente de onde o respectivo con-

teúdo foi produzido ou de quem o produziu.

3) Para que o ensino superior seja valorizado por si próprio, ombreando-se com a pesquisa, é pre-

ciso atribuir a mesma importância a todas as categorias de instituições de educação superior.

A LDB definiu, no artigo 45, que a educação superior será ministrada em instituições com varia-

dos graus de abrangência ou especialização, e no artigo 52, que as universidades são instituições

pluridisciplinares de pesquisa. Posteriormente, o artigo 12 do Decreto nº 5773/06 caracterizou

três modalidades de instituição superior: faculdades, centros universitários e universidades. E o

artigo 1º do Decreto nº 5786/06 definiu que os centros universitários são instituições de ensino

superior pluricurriculares que se caracterizam pela excelência do ensino oferecido. Isto significa

que a legislação dispensou as faculdades e os centros universitários das obrigações relativas à

pesquisa, permitindo-lhes dedicar-se exclusivamente ao ensino. Se assim é, então não se pode

menosprezar as instituições não universitárias – faculdades e centros universitários – apenas pe-

lo fato de não se dedicarem à produção científica.

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4) O Decreto nº 5773/06 criou uma espécie de “carreira” para as instituições de educação superior,

conforme seu grau de abrangência e especialização. De início, as candidatas são credenciadas

como faculdades, que são instituições unicurriculares, isto é, dedicadas a uma única área do co-

nhecimento, e especializadas no ensino. Posteriormente, as faculdades podem ser “promovidas”

a centro universitário, que é a instituição já pluricurricular mas ainda dedicada exclusivamente

ao ensino. O último degrau da “carreira” é a universidade, instituição pluricurricular que exerce

as atividades de ensino e pesquisa. Esse escalonamento pode ser melhor visualizado na seguinte

tabela:

Tipo de instituição Grau de abrangência Grau de especialização

Faculdade Unicurricular Ensino

Centro universitário Pluricurricular Ensino

Universidade Pluricurricular Ensino e pesquisa

Se o ensino, porém, tem o mesmo valor que a pesquisa, então o escalonamento criado pelo De-

creto nº 5773/06 não faz sentido. A autonomia de uma instituição não deve depender de seu grau

de abrangência e especialização, mas apenas de sua maturidade, integridade e constância de de-

sempenho. A classificação das instituições deve ser feita pelo seu objeto: ensino, pesquisa ou

ambos. Todos os institutos de educação superior devem ser considerados como detentores de

igual valor intrínseco, inclusive aqueles unicurriculares e especializados no ensino, como são as

faculdades isoladas.

5) As competências necessárias a quem pesquisa são diferentes daquelas necessárias aos que lecio-

nam. Por outro lado, o ambiente em que um pesquisador exerce seu ofício é substancialmente

diverso daquele em que o professor exerce o seu. E aquele que tem interesse em pesquisa pode

não ter interesse na docência, e vice-versa. Esses fatos acarretam as seguintes consequências:

a) os ofícios de “docente do ensino superior” e de “pesquisador” são independentes entre si;

b) um bom cientista poderá ser um mau docente e vice-versa; c) para não prejudicar os alunos,

as instituições de educação superior precisam abandonar a prática de obrigar seus acadêmicos a

exercerem ambas as atividades: pesquisa e docência. Isto significa permitir que eles se decidam

por uma dessas atividades, ou por ambas, se assim o desejarem.

6) Os ofícios de “docente do ensino superior” e de “pesquisador” são profissões de nível superior.

Como consequência, para exercer o magistério superior e a pesquisa, o docente e o pesquisador

precisam formar-se.

7) Para assegurar a qualidade do ensino superior e da pesquisa, é preciso: a) regulamentar as pro-

fissões de docente do ensino superior e de pesquisador; b) fixar parâmetros para o(s) curso(s)

destinado(s) a formar esses profissionais.

Pode parecer estranha a necessidade de uma campanha como essa, uma vez que, para muitos acadê-

micos, esses fatos parecerão evidentes. Não é, porém, o que ocorre com todos. Veja-se o caso de um

acadêmico conhecido e consagrado. Esse acadêmico fez pós-graduação no exterior, foi professor e

pesquisador da USP, da FGV, da UFMG, foi professor visitante de conceituadas universidades

estrangeiras e membro do Conselho Editorial de revistas científicas do Brasil e do exterior. O autor

do presente trabalho recebeu desse acadêmico a seguinte mensagem: (1)

Prezado Flávio,

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Sem dúvida é possível ao professor melhorar a qualidade do ensino aprendendo boas técnicas pedagógicas, mas o bom

professor de ensino superior, me parece, é sobretudo aquele que conhece bem o conteúdo do que ensina e tem

entusiasmo pelo que faz. Claro que existem os genios que não conseguem se comunicar, assim como existem os que

investem toda a energia na didática mas não dominam os conteúdos. Dos dois, eu fico com os primeiros. (grifos meus)

Essa manifestação sugere que os pontos de vista defendidos acima estão longe de serem consen-

suais na comunidade acadêmica. A campanha de convencimento, portanto, é indispensável.

Cursos de pós-graduação estrito senso

Unificação

A legislação não estabelece a diferença entre os cursos de Mestrado e Doutorado, tampouco indica a

finalidade de ambos. Na ausência de uma definição oficial, a CAPES, por exemplo, não consegue

estabelecer uma clara diferenciação: (2)

[A pós-graduação stricto sensu] se subdivide em dois ciclos: mestrado e doutorado. Ambas compreendem a defini-

ção de pós-graduação stricto sensu, com a diferença no grau de profundidade dedicado ao estudo do objeto de

pesquisa. (grifo meu)

Nem mesmo o próprio MEC se arrisca a fornecer uma resposta. O órgão limita-se a reproduzir a le-

gislação: (3)

As pós-graduações stricto sensu compreendem programas de mestrado e doutorado abertos a candidatos diploma-

dos em cursos superiores de graduação e que atendam às exigências das instituições de ensino e ao edital de sele-

ção dos alunos.( art. 44, III, Lei nº 9.394/1996. ) Ao final do curso o aluno obterá diploma.

Em tais condições, não vejo sentido na divisão dos cursos de pós-graduação estrito senso em mes-

trado e doutorado. A proposta é, pois, unificar esses programas em um único curso de doutorado.

Fixação de parâmetros de conteúdo

Para que o curso unificado de doutorado cumpra sua missão de formar docentes e pesquisadores

qualificados, deveriam ser fixados parâmetros para sua carga horária e definida a respectiva distri-

buição, por exemplo, da seguinte forma:

mínimo de 360 horas para disciplinas de formação;

mínimo de 90 horas para disciplinas metodológicas;

mínimo de 90 horas para disciplinas pedagógicas;

mínimo de 90 horas para prática docente;

mínimo de 90 horas para prática de pesquisa.

No exemplo acima, a carga horária total do curso seria de 720 horas, a serem acrescidas das horas

de trabalho extra-classe. As disciplinas de formação são disciplinas da área de concentração escolhi-

da. As disciplinas metodológicas deveriam abranger Estatística básica e avançada bem como Meto-

dologia de Pesquisa aplicada à Administração. As disciplinas pedagógicas deveriam abranger con-

teudos como: motivação para a aprendizagem; teorias de aprendizagem; história da didática; méto-

dos e técnicas didáticas aplicadas à Administração; planejamento do ensino em Administração; exe-

cução; avaliação da aprendizagem em Administração; relações entre professor e aluno no ensino su-

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perior e disciplina em sala de aula. O conjunto seria completado com as seguintes disciplinas: Ética

pessoal, Relações Humanas, Ética da pesquisa e Ética da docência.

A prática de pesquisa deveria contemplar a elaboração de uma série de projetos de pesquisa (talvez

dez projetos), de complexidade crescente, que o aluno deveria desenvolver ao longo do curso. Essa

série poderia, por exemplo, começar com uma pesquisa bibliográfica, depois uma pesquisa explora-

tória, em seguida uma pesquisa descritiva, e assim por diante até terminar com uma pesquisa desti-

nada a testar a existência de uma relação de causalidade entre duas variáveis.

A prática docente deveria ser baseada no microensino ou em outro método que permitisse ao aluno

exercitar a docência de modo a adquirir habilidades de aplicação de métodos e técnicas didáticas, de

aplicação de seqüências didáticas bem como adquirir outras habilidades necessárias ao docente.

O curso deveria conter, obrigatoriamente, uma área de concentração em pedagogia do ensino de

Administração.

Processo seletivo

O novo curso de doutorado, como curso de pós-graduação estrito senso, terá como objetivo formar

pesquisadores e docentes para o ensino superior. Ora, formar um profissional significa ensinar-lhe

tudo, a partir do zero. Assim, se a finalidade do curso é formar docentes e pesquisadores, então não

faz sentido exigir no respectivo processo admissional qualquer elemento que implique comprovação

de conhecimentos ou prática anterior em pesquisa ou em docência. Tais elementos, portanto, devem

ser banidos do processo seletivo de admissão ao curso. Em segundo lugar, para tornar o processo

transparente, justo e não discriminatório, hão de ser eliminados também todos os instrumentos de

seleção subjetivos e todas as exigências excessivas. Há que se varrer da seleção, portanto, o

seguinte:

a entrevista;

a apresentação de projeto ou pré-projeto de dissertação ou tese;

a elaboração de um projeto de pesquisa;

a apresentação de comprovantes de publicações;

a exigência de prática docente;

a apresentação do histórico escolar do curso de graduação;

a apresentação do currículo Lattes e de qualquer outro tipo de currículo;

a exigência de proficiência em mais do que um idioma estrangeiro.

O processo seletivo deveria ser semelhante a um exame vestibular. O único requisito para inscrição

seria a apresentação de cópia do diploma de graduação, e o processo abrangeria unicamente uma ou

mais provas de conhecimentos e/ou o teste ANPAD, que consta de cinco provas: Raciocínio

Lógico, Raciocínio Quantitativo, Raciocínio Analítico, Português e Inglês.

As Instituições deveriam ser obrigadas a publicar a lista de todos os candidatos com a respectiva

pontuação obtida nas provas, e não somente o nome dos classificados, como fazem hoje as três

Instituições examinadas na primeira parte deste trabalho.

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Requisitos para titulação

Como requisitos para titulação, dever-se-ia exigir a demonstração de proficiência tanto em pesquisa

quanto em docência, no âmbito da área de concentração escolhida.

Critérios de avaliação

A CAPES deveria avaliar a grade curricular do curso em relação às bases propostas anteriormente.

Cursos de especialização em Magistério do Ensino Superior

O curso de especialização em Magistério do Ensino Superior deveria ser regulamentado, com fixa-

ção de parâmetros para sua carga horária e para sua grade curricular, similares aos propostos acima.

Esse curso possuiria áreas de concentração, forneceria diploma e estaria sujeito a processos de

autorização, reconhecimento e renovação de reconhecimento.

Legislação

Alterar o artigo 43 da LDB no sentido de incluir a seguinte finalidade para a educação superior:

VIII - Formar docentes para o ensino superior.

Alterar o inciso III do artigo 44 da LDB, que ficaria com a seguinte redação:

Art. 44. A educação superior abrangerá os seguintes cursos e programas:

(...)

III - de pós-graduação, compreendendo cursos de doutorado, cursos de especialização,

aperfeiçoamento e outros, abertos a candidatos diplomados em cursos de graduação e que atendam

às exigências das instituições de ensino;

Alterar o artigo 66 da LDB, que ficaria com a seguinte redação:

Art. 66. A formação de pesquisadores e de docentes do ensino superior será feita em cursos de

doutorado, e a dos últimos também em cursos de especialização em magistério do ensino superior.

Revogar o artigo 65 da LDB.

Estabelecer genericamente que todos os docentes das instituições de educação superior devem pos-

suir doutorado ou curso de especialização em magistério do ensino superior. Estabelecer também

que, nas instituições dedicadas à pesquisa, os trabalhos científicos só poderão ser liderados ou exe-

cutados por portadores do título de doutor, ficando os não doutores restritos às atividades auxiliares.

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Prêmio para a qualidade pedagógica

Sugere-se a instituição de um prêmio destinado a agraciar os professores de IES cujo ensino seja

notável em termos de qualidade didático-pedagógica. O prêmio seria atribuído por meio de um con-

curso no qual poderiam se inscrever todos os interessados.

Medidas de iniciativa das IES – Qualidade do ensino

As propostas anteriores dependem de ações governamentais. Quando, porém, se examina o lado das

IES, cabe perguntar: por que deveriam elas se preocupar com a qualidade do ensino?

O primeiro motivo é de ordem ética. Ensino é uma prestação de serviço. Qualquer prestador de ser-

viço tem a obrigação moral de oferecer um serviço da melhor qualidade possível. Não existe justifi-

cativa ética para a oferta de um ensino deficiente, qualquer que seja seu nível. Mesmo o argumento

de que ensino de qualidade custa dinheiro é questionável. A oferta de um bom ensino baseia-se

principalmente na capacitação do professor, portanto não depende necessariamente de investimen-

tos em recursos tecnológicos sofisticados. Pelo menos no âmbito do ensino presencial, é possível

ofertar educação de qualidade sem dispor de alta sofisticação tecnológica.

O segundo motivo é de natureza estratégica. Existe hoje um mercado do ensino superior, e, mais do

que isso, um mercado com superabundância de oferta e o conseqüente acirramento da competição

entre as IES para angariar alunos. Em tais condições, o preço das mensalidades tem sido uma das

principais armas que as instituições privadas têm utilizado para tentar vencer essa guerra. O preço,

todavia, possui inconvenientes como ferramenta concorrencial. O primeiro deles é que sua utiliza-

ção é limitada pelos custos e pela capacidade financeira do ofertante. O segundo inconveniente é

que, se uma IES lançar uma promoção baseada no preço, a iniciativa poderá ser copiada pelos con-

correntes com relativa facilidade e rapidez. É preciso dispor de uma vantagem melhor do que o pre-

ço. Essa vantagem é a qualidade do ensino.

Enquanto vantagem competitiva, a qualidade não apresenta os inconvenientes do preço. Em primei-

ro lugar, teoricamente não existem limitações para o nível que pode ser atingido pela qualidade do

ensino. Em segundo lugar, a melhoria da qualidade é um processo algo complexo, de implantação

demorada e dependente da capacidade gerencial da IES. Por esse motivo, qualidade é uma vanta-

gem competitiva relativamente difícil de ser imitada pelos concorrentes. Em terceiro lugar, a oferta

de um ensino com qualidade diferenciada pode permitir que a IES abandone a “guerra de preços”.

Alguém poderia sustentar que qualidade do ensino não pode ser considerada uma vantagem compe-

titiva porque os alunos são incapazes de perceber a qualidade. Poder-se-ia argumentar que, como a

regra sempre foi não haver qualidade em virtude da falta de formação pedagógica dos professores,

os alunos devem supor que essa situação é natural e que não pode ser de outra forma, ou que o fato

de não aprenderem decorre de suas próprias limitações.

Esse argumento não se sustenta porque a regra da não qualidade possui exceções. Na primeira parte

deste trabalho dissemos que, nas condições atuais, a possibilidade de os alunos serem contemplados

com um bom ensino depende da existência de mestres dotados de habilidades naturais ou que

logrem evoluir sozinhos apesar dos obstáculos que enfrentam. Em qualquer IES há, com certeza,

um punhado de professores com essas características. É natural que esses mestres competentes se

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destaquem dos demais. Ao se destacarem, porém, eles mostram aos alunos, ainda que de forma in-

voluntária, qual o padrão de qualidade a que os estudantes podem aspirar.

Qualidade do ensino é, portanto, uma vantagem competitiva. As propostas que seguem visam sua

melhoria, por meio da criação de um ambiente de aprendizagem na instituição e do fortalecimento

do vínculo desta com o docente.

Especialização dos professores

Nos cursos de Administração de Empresas, cada disciplina, ou classe de disciplinas afins, possuem

características próprias que são distintas das demais. Esse fato implica a necessidade de se usar

estratégias pedagógicas específicas para que seu ensino seja o mais eficaz possível. A utilização e o

aperfeiçoamento de tais estratégias, porém, só podem ser feitos em um processo de melhoria con-

tínua. Em outras palavras, para se aumentar a eficácia pedagógica do ensino de uma disciplina, tem-

se como primeiro requisito que o docente precisa lecioná-la durante vários semestres seguidos.

Para elevar a qualidade da atividade docente, também é necessário reduzir o número de disciplinas

lecionadas pelo professor. A diminuição do número de disciplinas reduz sua carga de trabalho, per-

mitindo-lhe dedicar uma parcela de seu tempo à melhoria de suas práticas pedagógicas.

Os requisitos indicados nos dois parágrafos anteriores apontam para a especialização de cada do-

cente em uma área de concentração. Em vez de assumir várias disciplinas de diferentes áreas de

concentração e lecionar disciplinas diferentes a cada semestre, a idéia seria os professores se espe-

cializarem no ensino de poucas disciplinas de uma só área de concentração, ou seja, deveriam dedi-

car-se a lecionar um grupo de disciplinas afins. Por exemplo, em vez de um professor lecionar três

disciplinas diferentes para três turmas, ele assumiria apenas uma disciplina, lecionando-a igual-

mente para três turmas, durante semestres consecutivos.

Como dito, a redução no número de disciplinas reduz a carga de trabalho do professor, permitindo-

lhe dedicar uma parcela de seu tempo ao aperfeiçoamento de suas práticas pedagógicas. Em segun-

do lugar, lecionar a mesma disciplina repetidamente permite ao docente refletir sobre as respectivas

estratégias pedagógicas e engajar-se no mencionado processo de melhoria contínua. Por outro lado,

a manutenção do número de turmas evita a queda dos rendimentos do professor. Dessa forma, o

ensino pode ganhar qualidade, ainda que o docente continue a lecionar o mesmo número de horas

semanais.

Uma nova estrutura organizacional – O Coordenador

Pedagógico

É muito difícil para o gestor de curso responsabilizar-se pela qualificação pedagógica dos docentes

que lhe são vinculados. As razões são duas: primeiro, ele não tem tempo; segundo, é impossível ao

gestor familiarizar-se com as várias disciplinas que compõem cada curso.

Por outro lado, é necessário superar o isolamento dos professores e proporcionar-lhes referências de

ensino de qualidade. Na primeira parte deste trabalho, porém, viu-se que a estrutura organizacional

das IES milita em sentido oposto, estimulando os professores a assumir várias disciplinas de áreas

de concentração diferentes e contribuindo para seu isolamento.

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Tudo indica, portanto, que, de início, é necessário implantar mudanças no sentido de formatar uma

estrutura organizacional que, em vez de impedir, crie condições favoráveis ao processo de especiali-

zação e melhoria contínua da atividade docente e que libere os gestores de curso do ônus de ter que

se preocupar com o aperfeiçoamento dos professores. A pergunta que surge naturalmente diz respei-

to ao aspecto dessa configuração estrutural. É o que se expõe a seguir.

Na primeira parte deste trabalho, explicou-se que a estrutura docente das IES é dirigida pelo Pró-

Reitor Acadêmico ou Diretor de Unidade, ao qual se subordinam os coordenadores de cursos e os

professores:

Pró-Reitor Acadêmico

______________________________|___________________________

| | |

Coordenador Coordenador Coordenador

de curso de curso de curso

| | |

Professores Professores Professores

A configuração que se propõe para a estrutura docente contempla duas categorias de coordenação:

1) coordenadores de cursos e 2) coordenadores pedagógicos. Os coordenadores pedagógicos assu-

miriam a responsabilidade pedagógica por um grupo de disciplinas da mesma área de concentração,

ficando encarregados de zelar pela qualidade do ensino dessas disciplinas. Na área de Administra-

ção de Empresas, poder-se-ia ter, por exemplo, um coordenador responsável por todas as disciplinas

contábeis e financeiras, outro pelas disciplinas de administração geral, planejamento, recursos hu-

manos e comportamento organizacional, outro por todas as disciplinas relacionadas a marketing e

vendas e assim por diante. Nesse caso, a responsabilidade do coordenador pedagógico abrangeria as

disciplinas afins de todos os cursos de gestão da IES e poderia caber a ele a tarefa de selecionar do-

centes para as disciplinas que ele coordena, “fornecendo-os” aos coordenadores de cursos. A dupla

coordenação forma uma estrutura matricial que, no exemplo descrito no item 4.1.9, assumiria o

seguinte aspecto:

Pró-Reitor Acadêmico

_____________________________ ___________________ |___________________

| | | |

| Gestor do curso de Gestor do curso de Gestor do curso de

| Administração Ciências Contábeis Gestão Empresarial

| | | |

|---------- Coordenador--------------RH (prof. 1)---------------RH (prof. 1)---------------RH (prof. 1)

| pedagógico da área 1 | | |

| | | |

|---------- Coordenador--------------FIN (prof. 2)--------------FIN (prof. 2)--------------FIN (prof. 2)

| pedagógico da área 2 | | |

| | | |

|---------- Coordenador-------------MKT (prof. 3)------------MKT (prof. 3)------------MKT (prof. 3)

pedagógico da área 3

Nesse tipo de estrutura organizacional, os professores estão sujeitos a uma dupla subordinação hie-

rárquica: uma, de ordem administrativa, ao gestor do curso, e outra, de ordem pedagógica, ao coor-

denador pedagógico da respectiva área de concentração.

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Estrutura com dupla coordenação – vantagens

Na estrutura com dupla coordenação, o coordenador pedagógico pode otimizar o aproveitamento

dos professores, alocando um docente para lecionar uma mesma disciplina em vários cursos dife-

rentes. Na estrutura organizacional acima, o professor 1 não leciona três disciplinas diferentes para

três turmas, mas sim a mesma disciplina (RH) para três turmas, o mesmo ocorrendo com os pro-

fessores 2 e 3 em relação a FIN e MKT, respectivamente.

A estrutura com dupla coordenação também possibilita ao coordenador pedagógico promover reu-

niões entre os professores de uma mesma disciplina para discutir problemas comuns e para partilhar

idéias, experiências e métodos didáticos específicos da disciplina, bem como criar cursos de treina-

mento, tudo isso com o objetivo de promover o aperfeiçoamento dos docentes que lhe são vincula-

dos. Outra vantagem dessa configuração estrutural é que o coordenador pedagógico, provavelmente,

será alguém que é ou foi docente de uma ou mais disciplinas da área de concentração que ele

coordenará. Com essa bagagem, ele terá melhores condições de selecionar os candidatos à docência

em sua área e de avaliar os conteúdos propostos pelos professores a ele vinculados.

A estrutura organizacional com coordenação pedagógica, portanto, traz os seguintes benefícios:

a) permite atribuir gradativamente, ao docente, disciplinas de uma só área de concentração, viabili-

zando sua especialização nas estratégias didáticas próprias dessas disciplinas; b) reduz a carga de

trabalho do professor como conseqüência da redução do número de disciplinas, permitindo-lhe

dedicar uma parcela de seu tempo à melhoria de suas práticas pedagógicas; c) a redução do número

de disciplinas permite ao professor manter ou mesmo aumentar o número de turmas para as quais

leciona, beneficiando-o financeiramente; d) possibilita o aproveitamento otimizado dos professores,

induzindo-os a manter vínculo com uma única instituição; e) permite a criação de um ambiente de

aprendizagem para os professores; f) fortalece o vínculo do docente com a instituição.

Estrutura com dupla coordenação – desvantagens

Apesar de suas vantagens, contudo, a estrutura organizacional com dupla coordenação pode ser

questionada com respeito ao custo, pois sua implantação requer um aumento significativo no nú-

mero de funções de coordenador da IES. Essa é uma questão difícil de ser respondida a priori. Pri-

meiro, porque o custo efetivo dependerá da estratégia que for seguida para constituir os coorde-

nadores pedagógicos; segundo, porque não se pode analisar a dupla coordenação apenas quanto ao

custo, devendo-se verificar sua relação custo / benefício. A extensão do benefício obtido, por sua

vez, poderá ser avaliada somente a médio prazo e dependerá da competência com que a mudança

for implantada. Isto remete aos aspectos relativos à implantação e às mudanças subseqüentes.

Outro aspecto a ser considerado é que, em uma IES que possui somente gestores de cursos, a im-

plantação de uma estrutura com dupla coordenação representa uma mudança profunda na respectiva

estrutura docente, uma mudança de natureza cultural. Por essa razão, a mudança tende a provocar

resistência por parte dos que serão diretamente afetados.

Um dos grupos diretamente afetados pela alteração é o dos gestores de cursos. No regime de coor-

denação única, estes gestores possuem plenos poderes para dirigir a atividade dos professores dos

respectivos cursos. No regime de dupla coordenação, esse poder fica dividido com o coordenador

pedagógico. Assim, os gestores poderão encarar essa mudança como perda de status e de poder.

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Outro possível efeito será os gestores sentirem receio de perder o controle sobre o curso que diri-

gem. Em ambos os casos, a atitude de muitos deles poderá ser resistir à mudança. Outros, porém,

poderão sentir-se aliviados por se verem livres da responsabilidade de selecionar docentes ou per-

ceber a mudança como manutenção do poder com redução de encargos.

Outro grupo afetado pela mudança é o dos professores, que passarão a ter dupla subordinação. Al-

guns deles poderão sentir-se incomodados, confusos ou receosos por ter que responder a dois

coordenadores. Outros poderão sentir-se ameaçados pela pressão que prevêem sofrer por parte do

coordenador pedagógico.

Essas resistências poderão ser minimizadas tomando certos cuidados antes e durante a implantação.

Um desses cuidados, que parece indispensável, é que a direção da IES procure obter o apoio dos

gestores de cursos e dos professores, pois seu suporte é fundamental para que as mudanças sejam

bem-sucedidas. Para obter esse apoio, a direção deveria engajá-los desde o início na formulação do

projeto, explicando-lhes quais as mudanças pretendidas e quais seus objetivos, esclarecendo todas

as dúvidas que eles possam ter e estimulando-os a darem sugestões. Dessa maneira, gestores e

docentes não veriam o programa como um “programa da reitoria”, mas como um projeto de todos.

Perfil ideal dos coordenadores pedagógicos

Considerando-se as funções que os coordenadores pedagógicos deverão exercer, pode-se apontar

um conjunto de características requeridas dos candidatos ideais: primeiro, experiência docente em

uma ou mais disciplinas da área de concentração a ser coordenada; segundo, sucesso como docente,

onde o termo “sucesso” significa destacar-se por ministrar ensino de qualidade e ser considerado

pelos alunos como professor habilidoso; terceiro, conhecimento teórico e prático de docência do

ensino superior; quarto, capacidade de liderança.

Implantação da nova estrutura – normas de funcionamento

A dupla coordenação é uma configuração estrutural cujo funcionamento apresenta aspectos que pre-

cisam ser devidamente equacionados para que a estrutura opere com sucesso. Se esse equaciona-

mento não for feito, poderão surgir problemas graves a ponto de causar a destruição da estrutura or-

ganizacional recém-implantada.

O primeiro aspecto é que a dupla subordinação dos professores ― administrativa, ao gestor do cur-

so, e didático-pedagógica, ao coordenador da respectiva disciplina ― cria a necessidade imperiosa

de se definir com muita clareza as respectivas áreas de competência, caso contrário, a ambigüidade

de atribuições tenderá a provocar sérios conflitos entre ambos os gestores.

O segundo aspecto é que o coordenador pedagógico passa a ser “fornecedor” de professores para o

coordenador de curso. É preciso, pois, que o primeiro seja um “fornecedor” confiável para o segun-

do. Se o coordenador pedagógico não contratar novos professores ou não alocar professores existen-

tes em tempo hábil, ocorrerão conflitos sem fim entre ele e o gestor de curso. É, pois, imprescindí-

vel uma negociação prévia sobre os prazos de “fornecimento” de professores.

Page 13: Qualidade do ensino superior - 2a. parte - Propostas

13

O terceiro aspecto é que, para otimizar o aproveitamento dos professores, ou por outros motivos,

um coordenador pedagógico pode ser levado a substituir o docente que leciona uma certa disciplina

em um dado curso. Para evitar problemas e conflitos com o coordenador desse curso, é necessário

definir previamente em que condições o coordenador pedagógico poderá tomar a iniciativa da subs-

tituição e como deverá fazê-lo.

O quarto aspecto é que o coordenador de curso dividirá com o coordenador pedagógico o poder de

avaliar o desempenho dos professores e de rejeitar um professor cujo desempenho ele julgue inacei-

tável. É preciso, portanto, definir, em relação aos docentes, (1) critérios objetivos de avaliação de

desempenho e (2) em que condições o coordenador de curso poderá pedir ao coordenador pedagógi-

co a substituição de um professor. Se não houver essa definição, outra vez poderão ocorrer conflitos

graves entre os dois.

O quinto aspecto é que os coordenadores desejarão realizar reuniões periódicas com os professores

para tratar de assuntos relativos às respectivas áreas de competência. É preciso, portanto, que haja

uma negociação prévia entre coordenadores de curso e pedagógicos em torno das datas e horários

dessas reuniões, para evitar que os professores sejam convocados para duas reuniões simultâneas ou

que um coordenador se sinta prejudicado pela reunião anteriormente marcada pelo outro.

O sexto aspecto é que uma determinada decisão tomada por um coordenador pedagógico poderá ser

vista como prejudicial por um coordenador de curso, e vice-versa. Isso traz a necessidade de se esta-

belecer, como regra, que os coordenadores não podem prejudicar uns aos outros com suas decisões,

e que devem rever e negociar suas decisões já tomadas se assim lhes for solicitado.

A conclusão é que, para a estrutura com dupla coordenação operar com sucesso, alguns aspectos de

seu funcionamento devem ser regulamentados pela direção da IES e os coordenadores devem ter

habilidade e disposição para negociar com seus pares sempre que necessário.

Implantação da nova estrutura – estratégia de implantação

Visualizam-se duas grandes fases na estratégia de implantação do programa de qualidade de ensino:

1ª) constituição dos coordenadores didáticos; 2ª) início do processo de especialização dos docentes.

1º) Constituição dos coordenadores pedagógicos

Na constituição dos coordenadores pedagógicos, é melhor descartar tanto a idéia de contratá-los

externamente como a de recrutá-los dentro da instituição. Nenhuma dessas estratégias funcionará

em um primeiro momento, pois é pouco provável que se encontrem coordenadores pedagógicos

qualificados no mercado tampouco dentro dos quadros das IES. Isto significa que, a princípio, eles

terão que ser formados internamente.

O já descrito perfil ideal do coordenador pedagógico incluiu como quarta e última característica a

capacidade de liderança. É provável que nem todos os professores que vierem a possuir os três

primeiros requisitos – experiência, sucesso como docente e conhecimento teórico e prático de

pedagogia universitária – desejarão tornar-se coordenadores pedagógicos ou possuirão aptidão para

a liderança. Essa constatação sugere a seguinte estratégia para formação dos coordenadores: em

uma primeira etapa, haverá que se qualificar os professores, isto é, dotá-los das três primeiras

características do perfil ideal; em uma segunda etapa, procurar-se-á selecionar, dentre os qualifica-

Page 14: Qualidade do ensino superior - 2a. parte - Propostas

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dos, aqueles que possuam a quarta característica; estes serão os candidatos aptos a assumir a coor-

denação.

a) Primeira etapa – qualificar os professores

Dissemos antes que, em qualquer IES, haverá alguns professores que se destacam por sua prática

pedagógica. Esses docentes provavelmente possuirão dois dos quatro requisitos que compõem o

perfil ideal do coordenador pedagógico: experiência e sucesso como docente. Trata-se, pois, de trei-

ná-los para que desenvolvam o terceiro requisito, adquirindo e/ou completando seu conhecimento

teórico e prático de pedagogia do ensino superior. Isto acarretará uma certa uniformização da baga-

gem pedagógica desses mestres.

a.1) Primeiro passo – identificar os melhores professores

Para se saber quem são os docentes notáveis, sugere-se a aplicação, em todas as disciplinas de todos

os cursos, de questionários de avaliação de desempenho a serem respondidos pelos alunos.

a.2) Segundo passo – formar um grupo de multiplicação do saber pedagógico

Sugere-se a formação de um grupo para atuar como multiplicador do saber pedagógico. Esse grupo

seria formado pela agregação dos seguintes subgrupos: 1º) melhores professores da IES; 2º) corpo

docente do curso de pós-graduação lato senso em magistério do ensino superior. Esses subgrupos

apresentarão, provavelmente, as seguintes características: os melhores professores possuirão conhe-

cimento prático mas não teórico de pedagogia universitária; o corpo docente do curso de magistério

superior, por sua vez, terá perfil oposto: possuirá conhecimento teórico mas não prático.

Se a IES não possuir um curso de pós-graduação lato senso em magistério do ensino superior, então

poder-se-ia constituir o segundo subgrupo com docentes do curso de pedagogia. Nesse caso, porém,

os pedagogos da IES precisarão antes qualificar a si próprios porque, sendo o curso de pedagogia

direcionado para a educação básica e para o trabalho com crianças, é pouco provável que os acadê-

micos dessa área possuam domínio da pedagogia universitária. Eles, primeiro, terão que aprender

algo, em nível teórico, a respeito de educação de adultos e de magistério do ensino superior.

a.3) Terceiro passo – completar, aperfeiçoar e ampliar a bagagem pedagógica dos melhores

professores

Sugere-se estabelecer um processo de troca de conhecimentos e de experiências entre os dois sub-

grupos que compõem o grupo multiplicador. Os docentes notáveis tendem a possuir um saber pe-

dagógico eminentemente prático, isto é, eles utilizam estratégias de ensino bem sucedidas mas pro-

vavelmente ignoram as razões pelas quais essas estratégias dão certo. Em tais condições, a comple-

mentação de sua bagagem pedagógica lhes permitirá entender os fundamentos teóricos das práticas

que adotam, ampliando sua visão do ensino. Por outro lado, o subgrupo que possui apenas conheci-

mentos teóricos enriquecerá seu saber ao tomar ciência das práticas utilizadas pelos melhores pro-

fessores. Espera-se que esse intercâmbio permita estabelecer uma massa inicial de conhecimentos a

ser empregada na preparação de outros docentes.

Page 15: Qualidade do ensino superior - 2a. parte - Propostas

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a.4) Quarto passo – qualificar outros professores

Uma vez que o grupo de multiplicação do saber pedagógico tenha concluído sua missão de desen-

volver-se a si próprio, ele poderá começar a atuar de fato como multiplicador, ministrando treina-

mento a outros docentes da instituição.

b) Segunda etapa – selecionar docentes para assumir a coordenação

Assim que houver um grupo de professores qualificados, detentores das três primeiras característi-

cas que compõem o perfil ideal do coordenador didático, poder-se-á passar à segunda etapa: seleção

de docentes para a coordenadoria didática.

b.1) Primeiro passo – definir as áreas de concentração

Caberá à direção da IES definir quais serão as áreas de concentração, cada uma das quais ficará sob

a responsabilidade de um coordenador didático.

b.2) Segundo passo – identificar os candidatos à coordenadoria

Trata-se de identificar, dentre os docentes qualificados, aqueles que têm interesse em assumir a

coordenadoria pedagógica de uma das áreas de concentração previamente definidas.

b.3) Terceiro passo – selecionar, dentre os interessados, aqueles que possuem as aptidões

necessárias

Esta fase consiste em submeter os docentes a testes que têm a finalidade de verificar quais deles são

portadores de aptidões comportamentais como relacionamento interpessoal, liderança, negociação

etc. Esse testes poderão incluir dinâmicas de grupo ou outras técnicas adequadas.

b.4) Quarto passo – qualificar os candidatos com potencial

Os professores que revelarem aptidões comportamentais para a coordenadoria serão selecionados

para participar de um programa de treinamento cujo propósito será prepará-los para assumir a fun-

ção de coordenador pedagógico.

2º) Início do processo de especialização dos docentes

Cada coordenador pedagógico, ao assumir suas funções, assumirá também a direção do processo de

especialização e de aperfeiçoamento dos docentes a ele vinculados. A visão desse processo é a

seguinte:

a) Primeira etapa – recepcionar os docentes

Cada professor escolheria uma área de concentração, a cujo coordenador pedagógico ficaria peda-

gogicamente vinculado. Assim, ao assumir a coordenadoria, a primeira medida do coordenador se-

ria identificar os docentes que desejam pertencer à sua área de concentração.

Page 16: Qualidade do ensino superior - 2a. parte - Propostas

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b) Segunda etapa – planejar um programa de desenvolvimento

O coordenador organizaria um ou mais eventos destinados ao aperfeiçoamento dos docentes de sua

área, se necessário com o auxílio do grupo de multiplicação do saber pedagógico (V. item a.1.2).

c) Terceira etapa – identificar os candidatos ao programa

Acima foi sugerida a aplicação de questionários de avaliação de desempenho respondidos pelos

alunos para se identificar os docentes notáveis. Esses questionários permitirão também conhecer os

professores com as piores avaliações. A prioridade para participar do programa de desenvolvimento

será destes últimos. Na seqüência, antes de serem inscritos para participar de qualquer evento, esses

mestres terão seu desempenho avaliado pelo respectivo coordenador

d) Quarta etapa – mapear as disciplinas de cada docente

Sugere-se a elaboração, pelo coordenador, de um mapa onde constem, para cada professor, as dis-

ciplinas lecionadas e a área de concentração a que pertence. O objetivo desse mapa será permitir

que o coordenador planeje, com seus pares, uma troca de disciplinas entre docentes com o objetivo

de dar início ao processo de especialização.

Medidas subseqüentes de gestão de pessoas

A estrutura organizacional com dupla coordenação dá início ao processo de melhoria do ensino,

tornando possível, se bem implantada, o processo de especialização dos docentes, a diminuição de

seu isolamento, a produção de referências sobre ensino de qualidade e a criação de um ambiente de

aprendizagem. Para acelerar as melhorias desejadas, contudo, é necessário efetuar alterações nos

processos de gestão de pessoas da instituição no sentido de aumentar a motivação e a satisfação dos

docentes. De início, é válido formular algumas sugestões para a criação de um ambiente de aprendi-

zagem.

Criação de um ambiente de aprendizagem

Viu-se que as IES, de modo geral, não exibem um ambiente de aprendizagem que favoreça a

melhoria das práticas pedagógicas. Não oferecem programas de aperfeiçoamento a seus professores

e muito menos realizam pesquisas em pedagogia do ensino superior. Os docentes não partilham

suas experiências e não dispõem da referência de mestres que ministrem ensino de qualidade. Os

professores que lecionam uma mesma disciplina tendem a permanecer isolados e a não trocar idéias

entre si. Para criar um ambiente de aprendizagem, é necessário que a IES se torne uma organização

de aprendizagem. Organização de aprendizagem é aquela que tem capacidade de criar, adquirir e

transferir conhecimentos e de modificar o modo como o trabalho é feito de acordo com esses novos

conhecimentos e insights.(4)

Organizações de aprendizagem apresentam as seguintes características:

1. A organização “aprende com a experiência” e não repete os erros.

2. Quando alguém sai da organização, seu conhecimento permanece.

3. Quando conclui uma tarefa, uma equipe dissemina e documenta o que aprendeu.

Page 17: Qualidade do ensino superior - 2a. parte - Propostas

17

4. O conhecimento gerado em todas as áreas da empresa é investigado, legitimado e

disponibilizado para toda a organização através de bancos de dados, treinamento e outros

eventos de aprendizagem.

5. A organização reconhece e recompensa o valor do conhecimento criado e compartilhado por

pessoas e equipes.

6. A organização avalia sistematicamente suas necessidades futuras de conhecimento e desenvolve

planos para atendê-las.

7. A organização facilita a experimentação como um modo de aprender.

8. A organização aprimora suas capacidades de gerar, adquirir e aplicar o conhecimento

aprendendo com os processos de aprendizado de outras organizações.(5)

As organizações de aprendizagem executam principalmente as seguintes atividades:

Resolução sistemática de problemas – utilização de métodos científicos em vez de palpites para

diagnosticar os problemas; uso de dados em vez de opiniões como suporte na tomada de decisão;

uso de ferramentas estatísticas para analisar os dados e tirar conclusões.

Experimentação – pesquisa e testagem sistemáticas de novos conhecimentos. Isto requer um am-

biente que estimule a iniciativa e a assunção de riscos, um fluxo contínuo de novas idéias e a capa-

cidade de executar e avaliar experimentos.

Aprendizagem a partir das próprias experiências – reconhecimento do valor do fracasso produ-

tivo, que leva à aprendizagem, em contraste com a inutilidade do sucesso improdutivo, que é o su-

cesso cujas causas ninguém conhece; registro, revisão e fácil acessibilidade dos registros de suces-

sos e fracassos anteriores.

Aprendizagem a partir das experiências e melhores práticas dos outros – prática do bench-

marking (pesquisa, identificação, análise, adaptação e implementação das melhores práticas organi-

zacionais existentes no mercado); receptividade às informações fornecidas pelos clientes sobre a

avaliação dos produtos e serviços oferecidos, comparação com os concorrentes, problemas, prefe-

rências, novas necessidades.

Transferência do conhecimento – difusão das idéias de forma rápida e eficiente através de toda a

organização, por meio de relatórios, apresentações, encontros, visitas, programas de rotação de

pessoal e programas de treinamento com estímulo à aplicação dos conteúdos aprendidos.(6)

Para se criar um ambiente de aprendizagem em uma IES, algumas idéias surgem naturalmente:

Biblioteca pedagógica – sugere-se a formação de uma biblioteca contendo fontes de referência em

pedagogia do ensino superior em papel e em meio eletrônico. A biblioteca ficaria encarregada de

arquivar e manter disponíveis para consulta não apenas as fontes adquiridas externamente mas tam-

bém os suportes de qualquer natureza contendo os conhecimentos produzidos internamente. O acer-

vo da biblioteca poderia ser classificado por disciplina ou por área de concentração. Estabelecer que

todo material novo incorporado ao acervo será objeto de ampla divulgação entre os coordenadores e

docentes.

Page 18: Qualidade do ensino superior - 2a. parte - Propostas

18

Identificar as melhores práticas pedagógicas existentes internamente – foi dito antes que, em

qualquer IES haverá, com certeza, um grupo de professores que se destacam por possuirem habili-

dades pedagógicas naturais ou que lograram evoluir sozinhos apesar de todos os obstáculos. Trata-

se, portanto, de identificar esses professores e de conhecer suas práticas de ensino. Para identificá-

los em um primeiro momento, sugere-se recorrer aos alunos, aplicando-se instrumentos de avalia-

ção de desempenho sob a forma de questionários a serem preenchidos pelos estudantes. O co-

nhecimento das práticas de ensino desses docentes, por outro lado, poderá dar-se por intermédio de

entrevistas e da filmagem de suas aulas. O conteúdo das entrevistas, bem como os filmes, seriam

registrados e arquivados na biblioteca pedagógica. Os melhores docentes da IES passariam a cons-

tituir referências em qualidade do ensino.

Experiências pedagógicas – estabelecer orientações para o projeto, realização, avaliação e registro

de experiências pedagógicas. Estabelecer que as experiências pedagógicas farão parte do acervo da

biblioteca e que novas experiências deverão ser precedidas de consultas às anteriores como forma

de evitar a repetição de erros.

Recomendação de práticas pedagógicas – criar um cadastro de práticas pedagógicas recomenda-

das e não recomendadas, acompanhadas das razões da respectiva recomendação ou não recomenda-

ção.

Eventos pedagógicos – criar um ou mais eventos pedagógicos periódicos a serem conduzidos pelos

coordenadores pedagógicos.

Processo seletivo

O processo seletivo de uma IES onde existe um ambiente de aprendizagem tende a assumir caracte-

rísticas diferentes daquele de uma instituição tradicional. Em uma IES de aprendizagem, os candi-

datos à docência não serão vistos como profissionais “prontos e acabados”, dotados de habilidades

fixas, mas como profissionais em permanente processo de desenvolvimento; também não serão

vistos como profissionais autônomos, únicos responsáveis por sua própria evolução, mas como co-

responsáveis por seu desenvolvimento, juntamente com a instituição. Assim, os critérios de seleção

principais não serão o título e o tempo de militância no magistério superior, mas sim a competência

pedagógica, a ser avaliada por meio de testes práticos de didática, e a disposição para engajar-se em

um programa de qualidade do ensino cuja essência é o processo de aprendizagem e melhoria

contínuas.

Avaliação de desempenho dos professores pelo Coordenador

Pedagógico

Em um ambiente de aprendizagem voltado para a melhoria contínua, o sistema de avaliação de de-

sempenho dos professores não pode ter caráter exclusivamente decisório. O sistema precisa adquirir

um sentido de desenvolvimento profissional. Para tanto, as avaliações não deverão ser feitas apenas

ao final do curso, mas também em um ou mais momentos durante seu decorrer. Por outro lado, para

que a avaliação auxilie o docente a evoluir, é indispensável que, no processo, sejam identificadas

suas condutas corretas bem como aquelas a serem corrigidas, com a descrição de suas necessidades

de treinamento. Outra ação importante a ser cumprida durante a avaliação é fornecer ao avaliando

sugestões para melhoria de seu ensino.

Page 19: Qualidade do ensino superior - 2a. parte - Propostas

19

As características do processo avaliativo indicadas no parágrafo anterior convergem para um ponto:

o desempenho dos professores em sala de aula precisa ser avaliado pelo respectivo Coordenador

Pedagógico e, possivelmente, também pelos pares de sua área de concentração. Uma das maneiras

de viabilizar esse tipo de avaliação é o professor preparar e entregar ao coordenador um roteiro de-

talhado de suas aulas. Essa fórmula, porém, tem o inconveniente de que o roteiro será sempre um

instrumento incompleto que não permitirá visualizar todos os aspectos da atuação do docente, como

por exemplo, seu relacionamento com os alunos.

Uma segunda maneira de viabilizar esse tipo de avaliação é a simulação. O docente leciona uma au-

la, ou parte dela, para uma “classe” composta pelo coordenador pedagógico e pelos colegas do ava-

liando, os quais, em seguida, fazem sua avaliação e formulam sugestões. Deve-se, porém, assinalar

alguns aspectos problemáticos nessa estratégia: primeiro, ela não permite visualizar a reação dos

alunos; segundo, o avaliando pode se sentir constrangido; terceiro, o avaliando pode não aceitar ser

avaliado por seus pares.

Outra maneira de testemunhar o desempenho do docente é a presença do coordenador pedagógico

em sala de aula. Essa estratégia, embora possa parecer interessante, apresenta dois problemas poten-

ciais: primeiro, tanto o professor como os alunos poderão sentir-se constrangidos pela presença do

coordenador; segundo, a avaliação por parte dos colegas do avaliando dependerá do relato que o

coordenador pedagógico lhes fizer. Esse relato será mais ou menos abrangente dependendo da capa-

cidade de quem efetua o registro mas possuirá necessariamente distorções causadas pelas percep-

ções, valores e atitudes do coordenador.

Um quarto modo de viabilizar a avaliação de desempenho dos professores em sala de aula é a fil-

magem. As principais vantagens dessa estratégia são que o desempenho do docente fica registrado,

podendo ser resgatado para consultas futuras, e que os colegas do avaliando podem presenciar seu

desempenho diretamente, sem depender do relato do coordenador pedagógico. Outra vantagem

desse método é que ele tende a constranger menos o professor e os alunos. Por outro lado, a filma-

gem apresenta, como principal desvantagem, seu custo, que aumenta na proporção do número de

aulas filmadas. Qualquer que seja, porém, a estratégia utilizada para avaliar o desempenho dos pro-

fessores em sala de aula, esse desempenho deveria ser registrado de alguma forma para que pudesse

vir a integrar o acervo de conhecimento pedagógico da instituição.

Por fim, deve-se notar que, na IES onde existe um ambiente de aprendizagem, as avaliações de de-

sempenho viabilizam o reconhecimento dos esforços de desenvolvimento feitos pelos docentes bem

como a atribuição de recompensas aos melhores mestres, ou seja, viabilizam estratégias de retenção

e de motivação de talentos.

Avaliação de desempenho dos professores pelos alunos e percepção da

qualidade do ensino

A avaliação de desempenho dos professores não estará completa sem a avaliação pelos alunos. Essa

avaliação é mais simples do que a avaliação pelo coordenador pedagógico pois os estudantes estão

naturalmente em sala de aula. O procedimento de avaliação utilizado também poderia servir de

meio para identificar a percepção geral dos alunos a respeito da qualidade do ensino da IES.

À medida que essa qualidade sofrer uma melhoria significativa, a IES poderá usar a opinião dos

atuais estudantes como ferramenta de marketing para atrair novos alunos.

Page 20: Qualidade do ensino superior - 2a. parte - Propostas

20

Remuneração

O ambiente de aprendizagem contínua é incompatível com os esquemas tradicionais de

remuneração. De fato, no sistema de remuneração funcional adotado pelas IES, supõe-se que o pro-

fessor recém-contratado possua um certo conjunto de habilidades fixas; seu esforço de desenvolvi-

mento tende a não ser reconhecido pela instituição; sua evolução salarial depende de promoções, as

quais, por sua vez, são grandemente influenciadas pela titulação e pela senioridade (tempo de

serviço) do docente; sua carreira está limitada à progressão vertical baseada em mudança de cargo;

e seu treinamento não influencia sua remuneração. Em outras palavras, os sistemas de remuneração

das IES não estimulam o desenvolvimento do professor.

Um sistema de remuneração mais consentâneo com os ambientes de melhoria contínua é a remune-

ração por competências. Esse esquema apresenta as seguintes características: a cada cargo corres-

ponde não um salário fixo, mas uma faixa salarial mais ou menos ampla; a remuneração do indiví-

duo depende não apenas de seu cargo, mas também de seu conjunto de competências; o salário não

é fixo, mas evolui dentro da respectiva faixa, ou seja, a remuneração do indivíduo aumenta à medi-

da que ele adquire e demonstra competências adicionais; ao ser contratado, espera-se que o funcio-

nário continue a desenvolver-se e a adquirir novas competências; o esforço de desenvolvimento

pessoal é diretamente reconhecido e recompensado; a carreira não se limita à progressão vertical,

predominando a progressão horizontal, isto é, a progressão funcional e salarial sem mudança de

cargo; o treinamento é um elemento central, pois a aquisição de novas competências depende de um

forte e eficaz sistema de capacitação.

No caso das IES, a adoção do sistema de remuneração por competências implicaria fixar uma faixa

para o salário-hora dos docentes. Assim, sua remuneração aumentaria à medida que eles demons-

trassem melhorias significativas de desempenho e adquirissem competências adicionais. Por outro

lado, se os objetivos forem (a) fortalecer o vínculo entre professor e instituição, (b) estimulá-lo a se

aperfeiçoar, e (c) estimulá-lo a executar outras atividades julgadas relevantes para a IES, parece in-

dispensável, em adição à remuneração fixa, remunerar os professores por atividades extra-classe

como participação em reuniões, administração de palestras e cursos para colegas, orientação de do-

centes recém-contratados e realização de pesquisas.

Retenção de talentos

O reconhecimento dos esforços de desenvolvimento feitos pelos docentes pode ser feito não só pela

evolução salarial própria do sistema de remuneração por competências mas também pela atribuição

de responsabilidades adicionais relevantes para a elevação da qualidade do ensino, tais como as

mencionadas no parágrafo anterior, bem como pela atribuição de turmas ou disciplinas adicionais

aos melhores professores.

Treinamento

No sistema de remuneração por competências, o treinamento é um elemento central, pois a aquisi-

ção de novas competências depende de um forte e eficaz sistema de capacitação. Quer isto dizer que

a IES também assume responsabilidade pelo desenvolvimento de seus docentes, que não mais são

vistos como profissionais autônomos, mas como talentos da instituição em processo permanente de

desenvolvimento.

Page 21: Qualidade do ensino superior - 2a. parte - Propostas

21

O processo de treinamento consiste das seguintes etapas:

1o) Identificação de necessidades;

2º) Definição de objetivos e de conteúdo;

3o) Desenvolvimento e aplicação do programa;

4o) Avaliação.

Identificação de necessidades

A primeira coisa a ser feita é identificar quais professores precisam de treinamento e em quê. Aqui

devemos distinguir entre os recém-contratados e aqueles com algum tempo de casa. Quando se trata

de recém-contratados, o próprio processo seletivo deve ter indicado os conhecimentos e habilidades

nos quais o docente é deficiente. As competências que o candidato não possui deverão ser adquiri-

das após a contratação, por meio de treinamento. Já no caso de professores com algum tempo de

casa, a identificação de necessidades de treinamento será feita pela avaliação de desempenho.

Definição de objetivos e de conteúdo

A etapa de identificação de necessidades deve fornecer indicações sobre o conteúdo e os objetivos

do programa a ser desenvolvido. O conteúdo abrangerá os aspectos do ensino em que os professores

apresentam deficiências. Os objetivos, por outro lado, indicarão as competências que os participan-

tes deverão ter adquirido uma vez que o programa tenha sido completado. Professores diferentes

provavelmente apresentarão necessidades de treinamento diferentes. É conveniente criar programas

sob medida para cada tipo de necessidade.

Desenvolvimento e aplicação do programa

Definidos o conteúdo e os objetivos do programa de treinamento, pode-se passar à elaboração pro-

priamente dita do programa e sua aplicação aos participantes. O conteúdo do programa (tópicos a

serem abordados) e as técnicas de treinamento devem ser tais que viabilizem o cumprimento dos

objetivos instrucionais definidos na etapa anterior.

Avaliação

O ideal seria avaliar o treinamento em seus quatro níveis: nível 1 – nível de satisfação dos partici-

pantes em relação ao programa; nível 2 – grau de aprendizagem dos participantes; nível 3 – grau de

aplicação, pelos participantes, dos conhecimentos e habilidades adquiridos; nível 4 – impacto do

treinamento na qualidade do ensino.

Atribuição de disciplinas

Na estrutura com dupla coordenação, a atribuição de disciplinas aos professores torna-se responsa-

bilidade dos coordenadores pedagógicos. É preciso fixar critérios para tomada de decisão nesse as-

sunto, a fim de reduzir o risco de injustiças. O critério principal de atribuição de disciplinas deveria

ser a competência pedagógica do docente. Isto significa que os professores mais competentes teriam

a possibilidade de lecionar maior número de disciplinas ou lecionar para maior número de turmas.

Esse critério, além de beneficiar a instituição, também representa o reconhecimento dos esforços de

desenvolvimento feitos pelos docentes, atuando como fator de motivação e retenção de talentos.

Page 22: Qualidade do ensino superior - 2a. parte - Propostas

22

Limitação do número de alunos por classe

É preciso discutir a questão do número de alunos por classe, pois é muito difícil ministrar ensino su-

perior de qualidade a uma turma de oitenta ou cem alunos, como ocorre hoje em muitas instituições

privadas.

Marketing

À medida que a IES perceber que a qualidade do ensino melhorou significativamente, diferencian-

do-se em relação às outras instituições, essa característica poderá ser usada como diferencial com-

petitivo e ferramenta de marketing para atrair novos alunos. A IES poderá substituir sua propaganda

composta composta de lugares comuns e frases vazias que pouco ou nada significam para o

público-alvo por mensagens específicas de impacto que coloquem em destaque a qualidade de ensi-

no da instituição. A IES poderá, por exemplo, convidar os vestibulandos a assistir gratuitamente a

uma aula-demonstração da disciplina de sua preferência.

Conclusão

O Governo Federal precisa valorizar o ensino superior, colocando-o no mesmo nível de importância

que a pesquisa. O processo de valorização desse nível de ensino pressupõe uma mudança de concei-

tos e o abandono de preconceitos, principalmente no seio da comunidade acadêmica, bem como a

mudança da legislação.

Por outro lado, ao longo deste trabalho foram mencionados inúmeros conceitos, expressões e ferra-

mentas da Administração, alguns básicos, outros avançados, em particular, na formulação das pro-

postas desta segunda parte. Isto significa que as IES particulares, não importa se com ou sem fins

lucrativos, não podem continuar a ensinar Administração sem praticá-la. Elas precisam ser geridas

como empresas, o que significa muito mais do que apenas lançar novos cursos.

Vinte anos atrás, era bem menor o número de IES e de estudantes universitários. Naquela época,

não existia um mercado do ensino superior. O ambiente no qual as IES operavam era bastante está-

vel, as mudanças eram lentas. Em tais condições, o modelo de administração tradicional funcionava

bastante bem e servia aos propósitos das instituições. No âmbito desse modelo, não havia nenhum

problema no fato de seus dirigentes serem acadêmicos sem formação gerencial. Hoje, porém, o

ambiente do ensino superior está sofrendo rápidas mutações. O modelo tradicional não serve mais.

Quem não se adaptar, corre o risco de sucumbir.

Notas (1) Mensagem de e-mail recebida pelo autor.

(2) CAPES. “Quais os tipos de pós-graduação existem e quais as suas diferenças?” Disp. em: http://www.capes.gov.br/duvidas-frequentes/62-pos-graduacao/3019-quais-os-tipos-de-pos-graduacao-existem-e-quais-

as-suas-diferencas

(3) MEC. “Qual a diferença entre pós-graduação lato sensu e stricto sensu?” Disp. em:

http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=13072:qual-a

(4) GARVIN, David A., “Building a learning organization”, Harvard Business Review, July-August, 1993, pp. 78-91.

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(5) GARVIN, David A., P. Ranganath Nayak, Arun N. Maira e Joan L. Bragar. “Aprender a aprender”, HSM

Management, julho-agosto, 1998. Disponível em: http://www.perspectivas.com.br/p8.htm .

(6) GARVIN, David A., “Building a learning organization”, cit.

*Flavio Farah é Mestre em Administração de Empresas e Professor Universitário. O autor leciona

disciplinas como Gestão de Pessoas, Comportamento Organizacional, Relações Humanas e Ética.

Contato: [email protected]