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A MUDANÇA NO CALENDÁRIO DAS SEMANAS DE MODA BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A INDÚSTRIA DA MODA Getúlio Antonio Cantão Neto 1 RESUMO Este artigo aborda a importância econômica e social da moda, além de destacar o papel dos desfiles como instrumento de marketing e promoção das marcas junto ao público consumidor. Este trabalho tem como objetivo apresentar as principais implicações para o setor e para as marcas com a mudança do calendário das duas principais fashion weeks brasileiras, o São Paulo Fashion Week e o Fashion Rio. Mais do que um simples ajuste de datas, o novo calendário de lançamento das coleções oferece para as marcas um período maior para planejarem suas novas coleções. Essa medida além de gerar mudanças na logística, planejamento e distribuição dos produtos das grifes, também foi um importante passo a fim de aumentar a competitividade da moda brasileira. Palavras-chave: moda; desfiles; semanas de moda; grifes; marketing de moda; 1 Getúlio Antonio Cantão Neto (Publicitário pela Universidade Federal do Espírito Santo e matriculado no MBA em Planejamento e Gestão Estratégica na UNINTER)

A mudança no calendário das semanas de moda brasileira e suas implicações para a indústria

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A MUDANÇA NO CALENDÁRIO DAS SEMANAS DE MODA BRASILEIRA E SUAS IMPLICAÇÕES PARA A INDÚSTRIA DA MODA

Getúlio Antonio Cantão Neto1

RESUMO Este artigo aborda a importância econômica e social da moda, além de destacar o papel dos desfiles como instrumento de marketing e promoção das marcas junto ao público consumidor. Este trabalho tem como objetivo apresentar as principais implicações para o setor e para as marcas com a mudança do calendário das duas principais fashion weeks brasileiras, o São Paulo Fashion Week e o Fashion Rio. Mais do que um simples ajuste de datas, o novo calendário de lançamento das coleções oferece para as marcas um período maior para planejarem suas novas coleções. Essa medida além de gerar mudanças na logística, planejamento e distribuição dos produtos das grifes, também foi um importante passo a fim de aumentar a competitividade da moda brasileira. Palavras-chave: moda; desfiles; semanas de moda; grifes; marketing de moda;

1 Getúlio Antonio Cantão Neto (Publicitário pela Universidade Federal do Espírito Santo e matriculado

no MBA em Planejamento e Gestão Estratégica na UNINTER)

INTRODUÇÃO

Apesar de sua longa existência, a moda, atualmente, passou a ser foco de interesse

de dimensões até então inéditas, por sua importância econômica e social. A moda

agora é considerada elemento significativo da vida cotidiana, juntamente com as

artes, a filosofia, o jornalismo e a publicidade, por exemplo.

A moda se tornou fundamental na sociedade atual, pois ela representa o indivíduo

no convívio público, podendo comunicar sua personalidade, classe social, status

e/ou grupos de convívio. O que antes atraia um interesse mais disperso se tornou

quase que uma regra social, as pessoas são envolvidas pelos apelos da moda,

sentindo que é preciso seguir as tendências do vestuário como forma de estar em

sintonia com a sociedade e seu tempo.

O mercado da moda é responsável, no Brasil, pela existência de mais de 30 mil

empresas de confecção e pela criação de 1,7 milhão de empregos, sendo o segundo

maior setor empregador do país. O faturamento dessa engrenagem gira em torno de

US$ 52 bilhões ao ano, segundo dados da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e

de Confecção (ABIT).

A indústria da moda é geradora de bens, de trabalho, e movimenta um sistema

comercial que alimenta tanto a própria cadeia têxtil-confecção, como as áreas da

mídia que geram informação sobre a moda, além de diferentes outros produtos

relacionados ao setor, tais como as revistas, cosméticos e tratamentos estéticos. O

sistema de moda, com o auxílio da mídia, impulsiona tendências, conceitos e ideias

pelo mundo, contribuindo na construção de identidades e atuando como agente

essencial para a comunicação interpessoal.

Não há como não reconhecer a moda como um alicerce cultural da sociedade e

como uma indústria de mercado altamente lucrativa, que utiliza, como em qualquer

outro mercado de consumo, técnicas de comunicação e marketing buscando a

visibilidade comercial.

A moda é a exaltação do novo, pois apresenta como característica a efemeridade

própria do sistema capitalista, ao eleger a cada ciclo, novidades e tendências que

logo ficam obsoletas diante de novos produtos eleitos como tendência no próximo

ciclo. A indústria da moda representa toda a dinâmica do consumo na sociedade

contemporânea, melhor do que qualquer outra indústria, a moda soube desassociar

a real função do vestuário, agregando signos como luxo, beleza, e fantasia à

indumentária, despertando o desejo pelas novidades e tendências no público

consumidor.

Todo este encantamento pelo universo da moda muito se deve as semanas de

moda. Os desfiles realizados pelas marcas nestes eventos despertam nos

consumidores, a cada temporada, o desejo pelas novas tendências da moda, ao

mesmo tempo em que reafirmam os conceitos de elegância, juventude e status que

movimentam o interesse por esta indústria.

Os desfiles nas semanas de moda são importantes instrumentos de marketing para

a promoção das marcas e produtos das grifes, sendo um instrumento para que elas

se aproximem ainda mais de seus clientes. Através dos desfiles, as grifes

apresentam os seus novos produtos e diretrizes da nova coleção, além de obter uma

exposição gratuita na mídia.

As semanas de moda, além de gerar visibilidade para as marcas, organizou

naturalmente todo o segmento, ajustando o planejamento das marcas sob um

calendário único. Desta forma, as grifes passaram a ter um planejamento de coleção

organizado, tendo as semanas de moda como ponto de referência para o

lançamento dos novos produtos.

O calendário de semanas de moda brasileiro acaba de sofrer uma grande alteração.

A partir de 2013, os dois principais eventos de moda do Brasil, o Fashion Rio e o

São Paulo Fashion Week passaram a acontecer em março para apresentar as

coleções de verão, e outubro, para apresentar as de inverno, e não mais em janeiro

e junho como ocorria anteriormente. Esta medida é um importante movimento para

as grifes brasileiras estruturarem melhor o planejamento de lançamento das suas

coleções, para alinhar os seus produtos com as tendências mundiais, e focar em

inovações e aperfeiçoamento dos produtos lançados diante da crescente

concorrência internacional.

Esta medida que visa ajustar o calendário de toda a cadeia de produção de moda

com o dos eventos que acontecem no país a partir de 2013 trouxe diversas

implicações para toda a indústria, tendo como principal delas, um período maior para

as marcas planejarem suas novas coleções, lançamentos e distribuição no mercado.

O MARKETING E COMUNICAÇÃO NO MERCADO DE MODA

A moda tem tomado cada vez mais espaço na vida das pessoas. Atualmente, ela é

muito mais acessível e disseminada na mídia. As pessoas cada vez mais possuem

recursos informativos, capazes de mantê-los antenados acerca das tendências de

moda e dos últimos lançamentos das marcas. As grifes desenvolveram, ao longo

dos últimos anos, estratégias bem consolidadas de comunicação e marketing.

Consequentemente, o mercado de moda tem crescido. Novas marcas nascem com

novas propostas a cada dia, tornando o mercado cada vez mais competitivo.

A comunicação é um aspecto crucial das missões de marketing das marcas de

moda, e um fator determinante do sucesso ou do fracasso das empresas. O sucesso

de uma marca no mercado da moda se deve, em grande parte, a diversas ações

comunicacionais que podem conferir-lhe visibilidade e agregar valores, entre as

quais se destacam as campanhas publicitárias, os desfiles de apresentação de uma

coleção, e todas as outras estratégias que possam favorecer a visibilidade de sua

identidade, valorizar seu estilo e sua personalidade junto ao consumidor. A

comunicação bem planejada estimula e motiva as vendas, mas é preciso estar

associada a outros fatores, como qualidade do produto, boa apresentação, bom

atendimento e preço compatível.

A comunicação é utilizada pela indústria da moda desde as últimas décadas do

século XIX, mas hoje ela apresenta linguagens e imagens bem diversificadas, e

cada vez mais utiliza os recursos midiáticos para encantar e seduzir as pessoas,

visando o consumo. Segundo Lipovetsky (2003), na pós-modernidade ocorre uma

fusão entre a moda e a mídia. A moda está espalhada por todas as mídias: nos

filmes, na TV, no rádio, e nos impressos, que difundem determinados tipos de

beleza, estilos de vida, e as tendências de moda a serem reproduzidas.

As marcas de moda competem entre si para se diferenciarem e para ocuparem

lugares que ainda não foram explorados pelo mercado. As necessidades de

inovação constante e da diferenciação em relação à concorrência fazem parte desse

processo. As marcas não fidelizam o cliente pela matéria-prima utilizada em sua

coleção, a importância das marcas para os clientes está relacionada aos seus

conceitos e signos. O marketing confere personalidade, estabelece signos e também

oferecem histórias aos produtos, e é o principal instrumento de diferenciação e

segmentação de mercado.

A imagem da marca é o principal patrimônio de uma grife de confecção, construída

pela publicidade e pelo marketing, e constituindo-se, sobretudo, pelo o que os seus

consumidores pensam dela. Essa imagem é o que faz uma marca ser diferente das

outras, na visão dos consumidores. Os significados mais relevantes de uma marca

são seus valores e sua personalidade, estes itens que definem a essência da marca.

Segundo Severiano (2007), a marca é a alma do produto, ela agrega valores

subjetivos, empresta personalidade e é componente fundamental das identidades

contemporâneas. O valor de uso não mais seria o principal critério na escolha de um

produto, que não difere um produto dos demais produtos similares, exceto pela

marca.

No mercado da moda, a personalidade da marca é o principal instrumento de

marketing; a Chanel, por exemplo, possui uma forte personalidade de marca. Coco

Chanel, a criadora original, deixou códigos muito precisos sobre o uso da marca e

seus valores, que firmemente orientam o estilo da grife, das suas coleções e das

ações da empresa. Até hoje, mesmo estando sob a direção criativa de outro ícone

da moda (Karl Lagerfeld), os signos do estilo Chanel permanecem inalterados: o

logo com dois Cs entrelaçados, os sapatos bicolores, e a constante influência pela

moda masculina. Com este trabalho de consolidação do perfil e do estilo da marca, a

Chanel nunca perdeu sua unidade, reafirmando seu estilo e personalidade ao longo

do tempo. Criar uma identidade de marca para o mercado de moda exige ações

consistentes, tanto nos aspectos tangíveis dos produtos (design, estilo e materiais

diferenciados) quanto nos intangíveis (origem e tradição da marca, imagem do

usuário, personalidade da marca).

Numa sociedade em que as marcas ganharam maior importância na relação entre

indivíduo e produto, as marcas de vestuário vêm buscando inovações e a criação de

valores agregadores aos seus produtos, como forma de obter vantagens sobre a

concorrência. As marcas são ativos simbólicos cuja construção exige coerência

conceitual das ações corporativas nas dimensões produtivas, comerciais e

comunicacionais. Uma vez constituídos, esses ativos impõem limitações às

estratégias mercadológicas das corporações, pois as marcas funcionam como

dispositivos sociais de construção de identidades.

Nas últimas décadas, a comunicação no mercado da moda evoluiu intensamente, e

muito se deve às estratégias das grifes para estarem presentes em todos os

ambientes da vida contemporânea, na construção de um “universo fashion” sob a

ditadura da moda, dominando todas as mídias com seus personagens, cenários,

repertórios, e magnetismo indiscutível. O cenário das empresas de moda tem

passado por profundas mudanças, com a competitividade cada vez mais acirrada e

o comportamento mais consciente do consumidor, que as obriga a criarem

constantemente formas inovadoras de comunicação.

O PAPEL DOS DESFILES NAS ESTRATÉGIAS DE MARKETING DAS GRIFES

De acordo com Ana Puglia (2010), os desfiles surgiram no século XIX, com o

visionário Charles Worth, que introduziu uma grande inovação na moda da época,

apresentando de tempos em tempos suas roupas em desfiles, com jovens mulheres

- as modelos de hoje - na época chamadas de “sósias”. Os desfiles como

conhecemos, entretanto, só surgiram no início do século XX, quando se

transformaram em grandes eventos e passaram a ser realizados duas vezes por

ano, o que se mantém até hoje, quando cada grife mostra as coleções de primavera-

verão e de outono-inverno.

Já no início do século XX, com a indústria da moda ganhando cada vez mais espaço

no mercado nos Estados Unidos e na Europa, as grandes casas de alta-costura

começaram a exibir desfiles para públicos selecionados. A popularização dos

desfiles cresceu à medida que aumentava o prestígio dos costureiros de alta-costura

da época.

O calendário fixo de desfiles só surgiu em 1918, em Paris, por motivos comerciais e

de organização da cadeia produtiva. No Brasil, a concepção de desfile surgiria cerca

de 20 anos depois, na década de 40, com as apresentações realizadas pela Casa

Canadá, no Rio de Janeiro, e pela Casa Vogue, em São Paulo, seguindo as

mesmas concepções europeias. Nos anos 90, depois de um período sem grandes

eventos de moda, começaram a ser organizados eventos de escolas de moda e

calendários de apresentação das novas coleções nos shoppings. A partir destas

iniciativas nasceram os dois maiores eventos de desfiles de moda do Brasil: o

Fashion Rio e o São Paulo Fashion Week.

Com a organização da indústria da moda e o surgimento das semanas de moda, os

desfiles começam a ganhar espaço para um público mais amplo, através da mídia,

colocando as grandes marcas e estilistas em evidência. O apogeu desta

popularização dos desfiles ocorreu a partir de 1996 e se estende até os dias de hoje,

quando os desfiles começaram a ser exibidos pela internet.

Os desfiles podem ser comerciais, com peças de roupas apresentadas da mesma

forma que serão comercializadas, ou podem ser conceituais com criações inusitadas

que representa o significado da coleção. O desfile traduz o conceito da coleção e

sua sintonia com a identidade da marca. Estas apresentações buscam trabalhar

vários pontos na busca pelo encantamento do consumidor, estimulando os sentidos

através de um breve espetáculo. Os looks, as modelos, a música, a ambiência, são

elementos que mexem com a emoção do público que assiste os desfiles, seja na

primeira fila ou em casa através da internet.

Os desfiles de moda são, dentre as estratégias de marketing das marcas, um dos

mais eficazes instrumentos para a promoção das marcas, por se tratar de uma peça

de marketing bastante barata se comparada a outras mídias, tais como televisão ou

revistas. Através dos desfiles, as marcas conseguem aproximar-se ainda mais de

seus clientes e consumidores em potencial. Outra função dos desfiles é obter uma

exposição gratuita na mídia para as marcas, evitando que grandes investimentos em

publicidade direta para o lançamento das novas coleções sejam desembolsados a

cada temporada.

A indústria da moda vive de ciclos construídos por temporadas de desfiles. Por isso,

as fashion weeks funcionam como uma vitrine da moda daquela temporada.

Cabendo a estes eventos, o papel de levar as propostas apresentadas pelos

designers para um grande número de pessoas, o que traduz na prática, as

tendências e os desejos de consumo de uma temporada.

A indústria da moda é uma cadeia produtiva bastante organizada. Suas etapas

possuem dinâmicas e estruturas próprias, a organização de uma coleção está todo

pautado pelo lançamento, desde a produção da matéria-prima, até a distribuição

para o mercado. O surgimento das semanas de moda, mais do que apenas uma

forma de conseguir visibilidade para as marcas, organizou todo o segmento: da

indústria ao varejo, sintonizando as marcas sob um calendário de produção único,

concentrando os principais lançamentos em determinados períodos. A partir do

surgimento das semanas de moda, toda a indústria da moda passa a ter um

planejamento de coleção ordenado, desta forma todo o cronograma de ações da

marca fica relacionado ao seu lançamento nas semanas de moda, desde a criação

do conceito da coleção até a chegada dos produtos nos showrooms, e nas lojas.

AS IMPLICAÇÕES DO NOVO CALENDÁRIO DAS SEMANAS DE MODA PARA O

PLANEJAMENTO DAS MARCAS

Paulo Borges, CEO da Luminosidade, empresa que organiza o Fashion Rio e São

Paulo Fashion Week, anunciou uma grande mudança no calendário das semanas de

moda brasileiras. A partir de 2013, as duas principais semanas de moda brasileira

passarão a acontecer em meados de março, para a temporada de verão, e meados

de outubro, para a temporada de inverno e não mais em janeiro e junho. Em termos

práticos, as coleções de inverno da temporada seguinte não serão mais

apresentadas no meio do verão que o antecede e sim no fim do inverno anterior, o

que também vale para as coleções de verão.

A mudança do calendário de lançamentos vem sendo discutida desde as primeiras

edições das semanas de moda brasileiras e esta mudança proporciona três a quatro

meses a mais de estruturação de cada nova coleção. Entretanto, este ajuste que

seria axiomático e providencial, foi alvo de bastante discussão e polêmica, já que

muitos defendiam a manutenção do calendário anterior, levando em consideração o

receio de que os consumidores percam o interesse pelas semanas de moda diante

deste novo calendário, já que, normalmente, desassociam a moda de todo o seu

processo industrial. Na opinião deste grupo, as semanas de moda causariam um

menor impacto de divulgação e visibilidade comercial para as marcas junto ao

público consumidor, pois as tendências apresentadas a cada semana de moda

passaram a não ser mais relativas as coleções que estão para chegar às lojas, e sim

as coleções e tendências da temporada posterior que só chegarão às lojas no

semestre seguinte.

A despeito desta questão, a mudança do calendário foi recebida positivamente pela

maior parte das marcas, principalmente baseada no importante fato de que a

indústria passou a ter prazos maiores de produção e entrega. As empresas poderão

trabalhar com uma programação mais acertada e garantir uma entrega mais

eficiente ao varejo e ao consumidor.

A crescente concorrência, em face da entrada de empresas internacionais no

mercado interno. Nos últimos dois anos, mais de 20 importantes grifes internacionais

abriram suas primeiras lojas no Brasil, investindo milhões em lojas suntuosas, e

ganhando espaço nos grandes centros comerciais de São Paulo, Brasília e Rio de

Janeiro. Diante deste cenário as empresas brasileiras precisarão se dedicar ainda

mais a diferenciação e qualidade dos seus produtos. Sob o novo calendário, a

indústria brasileira de moda passa por um processo de foco na qualidade,

criatividade e contemporaneidade na criação e desenvolvimento das novas coleções

para concorrer de forma competitiva com o mercado internacional.

O crescimento do fast fashion foi outro ponto levantado para as mesas de debates

do tema, já que o investimento de empresas como C&A e Riachuelo acelerou o

processo da cadeia produtiva, obrigando as marcas a precisarem se planejar para

apresentar várias subcoleções durante o ano, exigindo que as grifes tivessem

novidades todos os meses em suas lojas para concorrer com este milionário setor

da indústria.

A cadeia produtiva da moda é um sistema que apresenta certas singularidades

abrangendo resumidamente cinco etapas: fiação; tecelagem; beneficiamento;

confecção e comercialização. Paralelamente operam os serviços de suporte como o

mecânico-têxtil, os fornecedores de equipamentos; a produção de softwares; feiras

de moda; agências de publicidade e comunicação. Os riscos, que até agora eram

assumidos exclusivamente pelos criadores passaram a ser compartilhados por toda

esta cadeia. O calendário antigo obrigava as marcas a comprarem e apostarem com

muita antecedência. Com a ampliação do período de planejamento, as marcas

passaram a gerenciar melhor as apostas e suas compras e estruturar de modo

harmônico o relacionamento e o envolvimento de toda a cadeia e fornecedores nos

processos de desenvolvimento das novas coleções.

Apesar do novo calendário ter sofrido algumas adaptações já em 2012, para valer

oficialmente a partir de 2013, muitos fornecedores importantes para a indústria da

moda ainda não se ajustaram de forma adequada, obrigando muitas marcas a

recorrerem a fornecedores internacionais. André Lima, estilista da marca que leva o

seu nome, em entrevista ao site Chic, chama atenção para este desajuste: “Os

fornecedores de tecido não acompanharam esta mudança, que é realmente muito

complexa. Fui ao Première Vision São Paulo que aconteceu em janeiro. Testar

amostras e fazer os pedidos para que a coleção fique pronta em março é muito

apertado”, reclama o estilista, que afirmou ter encomendado produtos importados no

fim de 2012 para desenvolver a nova coleção de sua marca.

Cada fornecedor ou prestador de serviço da cadeia ainda precisam se ajustar de

forma adequada ao novo calendário, para as grifes brasileiras não precisarem

recorrer ao mercado internacional, o que ocasionaria uma desaceleração da

indústria do vestuário nacional. Além do fator econômico, existe o fator cultural, pois,

para de fato haver uma criação autêntica e original brasileira, é preciso que a

matéria-prima principal, o tecido, seja inédito na passarela. Somente desta forma, a

moda brasileira não se transformará em uma releitura do que foi visto no exterior e

continuará ganhando espaço e se destacando no cenário mundial.

O acerto do relógio exigiu um grande esforço das empresas. Algumas grifes optaram

por não apresentar suas novas coleções na semana de moda de transição por

incapacidade de elaborar a coleção a tempo ou de investir num terceiro desfile em

menos de um ano. Até grandes empresas do setor, como a grife Animale, se

ausentaram. O São Paulo Fashion Week, que dura normalmente de cinco a seis

dias, reduziu-se a três e deixou o prédio da Bienal, se mudando para uma tenda

improvisada no Parque Villa Lobos.

A comercialização e logística são dois fatores estratégicos para as empresas

apoiarem este novo calendário, já que amplia consideravelmente o intervalo entre o

lançamento dos produtos nos desfiles e a chegada das peças ao varejo. Até então,

as marcas tinham aproximadamente apenas 45 dias após a apresentação dos

desfiles das novas coleções para venderem e os produtos chegarem às lojas, um

desarranjo do ponto de vista comercial e logístico. Ao apresentar aos compradores

de moda às novas coleções com pouco menos de um ano de antecedência, as

marcas ganharam mais tempo para se dedicar a etapa mais importante do processo,

a venda e entrega dos produtos para o comércio varejista, que fará a venda para o

consumidor final.

A nova configuração de datas, deve se refletir em benefícios não só para a cadeia

produtiva, mas também para o consumidor final. A Luminosidade estima que algo

em torno de 30% do que era produzido pelas marcas sofriam com devoluções e

cancelamentos nas encomendas, em decorrência do antigo calendário, que

encurtava a apresentação e a entrega das peças. Dentro do novo calendário, com o

planejamento mais organizado das empresas e com a redução significativa dos

índices de devoluções e cancelamento, as roupas devem ficar de 10% a 15% mais

baratas, segundo expectativas de Eloysa Simão, diretora geral do Fashion Business,

bolsa de negócios do setor, sendo que esta redução já deve se refletir no preço já na

coleção de inverno de 2013, que chega às lojas no segundo semestre deste ano.

CONCLUSÃO

A indústria de moda brasileira foi constituída em um cenário aonde a hiperinflação

conduzia o planejamento do setor. Com a estabilização da economia brasileira e

com o crescimento da atuação das grifes internacionais no Brasil, as marcas

brasileiras precisam focar cada vez mais em qualidade e diferenciação, além de

melhorar o processo de produção e o recebimento do produto final para o

consumidor, reduzindo custos e aumentando sua competitividade.

Com a globalização do mercado e a consequente oferta maior do que a procura, o

consumidor passa a buscar a solução que melhor atende às suas necessidades,

otimizando a relação custo versus benefício.

Criar produtos que encantem os consumidores vai muito além de ter uma etiqueta

com um nome importante, envolve todo um processo de planejamento que começa

na elaboração do conceito e passa pelo estilo, apresentação e custo do produto. As

marcas brasileiras perceberam a importância da diferenciação e qualidade no

desenvolvimento dos seus produtos, e que, ao atender as necessidades dos

consumidores, contribui para que os produtos locais estejam em níveis mais

favoráveis ao seu sucesso, tanto dentro quanto fora do país.

É irrefutável a importância das fashion weeks para toda a indústria da moda, por sua

função de marketing ao dar visibilidade e apresentar os clientes e consumidores das

grifes aos lançamentos das coleções e por sua função articuladora de toda a

indústria ao organizar todo o segmento sob um calendário de produção e

lançamentos único.

A mudança do calendário das semanas de moda no Brasil foi um importante passo

para as marcas focarem no maior planejamento e melhor desenvolvimento das suas

coleções, pois o novo calendário de desfiles amplia o intervalo entre o lançamento e

a chegada das peças ao varejo, proporcionando um maior prazo para as marcas

produzirem, venderem e entregarem as novas coleções.

Com a antecipação dos lançamentos das novas coleções nas semanas de moda, as

marcas terão mais tempo para se organizarem, e buscarem a qualidade e a

diferenciação dos seus produtos para se tornarem mais competitivas, além de

poderem produzir e entregar as peças que o mercado deseja nos prazos adequados

com estimativa que isso melhore as vendas das coleções e ocasionem inclusive

uma deflação dos preços dos produtos para o consumidor final.

O ajuste do calendário foi um importante passo a fim de aumentar a competitividade

da moda brasileira, mas o desafio da moda brasileira vai muito além, pois é preciso

reorganizar e fortalecer as associações, pressionar o governo a desonerar o setor,

investir na qualificação de mão de obra, e focar cada vez mais na qualidade dos

produtos.

REFERÊNCIAS

LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero: a moda e seu destino nas

sociedades modernas. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.

SEVERIANO, Maria de Fátima V. Narcisismo e publicidade: uma análise

psicossocial dos ideais do consumo na contemporaneidade. São Paulo:

Annablume, 2007.

PUGLIA, Ana, Marketing de Moda, 2010

Site Chic, disponível em <http://chic.ig.com.br/moda/noticia/mudanca-do-calendario-

de-desfiles-beneficia-agenda-de-estilistas-mas-industria-nacional-ainda-esta-fora-de-

sintonia> Acessado em: 5 de Março de 2013.

Blog Heloisa Marra, disponível em <http://www.heloisamarra.com/index.php/

descobertas/11858-mudancas-no-calendario-da-moda>. Acessado em: 2 de Março

de 2013.

BARNARD, Malcolm. Moda e Comunicação. Rio de Janeiro: Rocco, 2003.