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Maio | 2012 Artigo de Opinião O Caminho EuropeuRui Moreira | Membro do Secretariado da Juventude Socialista da Maia Uma agenda política alternativa para a União Europeia é a principal reivindicação e expectativa das manifestações populares dos últimos meses. A incapacidade da actual direcção da Comissão Europeia em antecipar-se aos problemas e prever as melhores soluções responsabiliza-a pela insolubilidade dos mesmos. Exemplo disso é a criação do Fundo Europeu de Estabilização Financeira que só surgiu na iminência do pedido de ajuda externa da Grécia e, reconheçamos, para além de não ser o instrumento ideal no seu molde e propósito, o atraso na sua implementação e o crescente dos juros da dívida soberana arrasaram completamente o país e arrastaram outros Estados-membros para a uma situação de semelhante ruptura económica e financeira. A aplicação dos diferentes tratados nas últimas décadas demonstrou uma aparente unificação económica e política que não é hoje mais que um mero formalismo jurídico e institucional, atingindo o seu clímax nas decisões bilaterais concertadas entre os chefes dos governos alemão e francês. Na minha opinião, este centralismo decisório e consequentemente político, tem vindo a ser alicerçado desde 1992, data da ratificação do tratado de Maastricht. Se, por um lado, permitiu complementar e aprofundar alguns dos princípios basilares do Acordo de Schengen, adoptado alguns anos antes, revelou por outro lado, a título de exemplo, através da revisão da PAC (Política Agricola Comum), a intenção de criar dependência produtiva alimentar dos países periféricos através do princípio da redução de excendentes. Relevo este caso em particular pois está prevista, ainda para este ano, uma nova revisão do mesmo princípio, estudada desde 1999, que implicará em Portugal (segundo cálculos do Ministério da Agricultura), um esvaziamento da produção de ovos, reduzindo a nossa sustentabilidade e obrigando inclusivamente à sua importação. Passadas duas décadas, as consequências do centralismo europeu estão plasmadas no nosso tecido produtivo e acredito que grande parte do desemprego actual deriva dos péssimos investimentos alavancados nessa altura, não assegurando qualquer sustentabilidade a médio prazo. A iniciativa para um Tratado Orçamental da União Europeia com o objectivo de uma governação económica dotada de mais instrumentos de base federalista foi a solução apontada pelos diferentes Governos como ideal. A ratificação de propostas como o limite do défice orçamental não irá contribuir para a estruturação financeira de nenhum Estado-membro periférico. Muito pelo contrário, imporá uma regra de disciplina orçamental que prejudicará países onde é necessário investimento, competitividade e desenvolvimento relativamente ao Norte e Centro da Zona Euro. Será legítima, baseada no princípio da subsidiariadade e da separação de poderes, uma lei que ultrapassa a soberania dos países e confunde a hierarquia dos poderes? Escreveu François Miterrand à data da sua morte: "as ditaduras não resistem à dúvida", referindo-se à perestroika que se queria reforma e não revolução. Olhando para a União Europeia fica-se com uma certeza: a dúvida existe, o reformismo quedou perante a burocracia financeira e o centralismo e a revolução, essa, vai ser desacreditada até ao momento da irreversibilidade da nossa angústia. [Texto escrito de acordo com antiga ortografia]

Artigo opiniao - O Caminho Europeu (Rui Moreira)

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Maio | 2012

Artigo de Opinião – “O Caminho Europeu”

Rui Moreira | Membro do Secretariado da Juventude Socialista da Maia

Uma agenda política alternativa para a União Europeia é a principal reivindicação e expectativa das

manifestações populares dos últimos meses. A incapacidade da actual direcção da Comissão Europeia

em antecipar-se aos problemas e prever as melhores soluções responsabiliza-a pela insolubilidade dos

mesmos. Exemplo disso é a criação do Fundo Europeu de Estabilização Financeira que só surgiu na

iminência do pedido de ajuda externa da Grécia e, reconheçamos, para além de não ser o instrumento

ideal no seu molde e propósito, o atraso na sua implementação e o crescente dos juros da dívida

soberana arrasaram completamente o país e arrastaram outros Estados-membros para a uma situação

de semelhante ruptura económica e financeira.

A aplicação dos diferentes tratados nas últimas décadas demonstrou uma aparente unificação

económica e política que não é hoje mais que um mero formalismo jurídico e institucional, atingindo o

seu clímax nas decisões bilaterais concertadas entre os chefes dos governos alemão e francês. Na minha

opinião, este centralismo decisório e consequentemente político, tem vindo a ser alicerçado desde

1992, data da ratificação do tratado de Maastricht. Se, por um lado, permitiu complementar e

aprofundar alguns dos princípios basilares do Acordo de Schengen, adoptado alguns anos antes, revelou

por outro lado, a título de exemplo, através da revisão da PAC (Política Agricola Comum), a intenção de

criar dependência produtiva alimentar dos países periféricos através do princípio da redução de

excendentes. Relevo este caso em particular pois está prevista, ainda para este ano, uma nova revisão

do mesmo princípio, estudada desde 1999, que implicará em Portugal (segundo cálculos do Ministério

da Agricultura), um esvaziamento da produção de ovos, reduzindo a nossa sustentabilidade e obrigando

inclusivamente à sua importação. Passadas duas décadas, as consequências do centralismo europeu

estão plasmadas no nosso tecido produtivo e acredito que grande parte do desemprego actual deriva

dos péssimos investimentos alavancados nessa altura, não assegurando qualquer sustentabilidade a

médio prazo.

A iniciativa para um Tratado Orçamental da União Europeia com o objectivo de uma governação

económica dotada de mais instrumentos de base federalista foi a solução apontada pelos diferentes

Governos como ideal. A ratificação de propostas como o limite do défice orçamental não irá contribuir

para a estruturação financeira de nenhum Estado-membro periférico. Muito pelo contrário, imporá uma

regra de disciplina orçamental que prejudicará países onde é necessário investimento, competitividade

e desenvolvimento relativamente ao Norte e Centro da Zona Euro. Será legítima, baseada no princípio

da subsidiariadade e da separação de poderes, uma lei que ultrapassa a soberania dos países e

confunde a hierarquia dos poderes?

Escreveu François Miterrand à data da sua morte: "as ditaduras não resistem à dúvida", referindo-se à

perestroika que se queria reforma e não revolução. Olhando para a União Europeia fica-se com uma

certeza: a dúvida existe, o reformismo quedou perante a burocracia financeira e o centralismo e a

revolução, essa, vai ser desacreditada até ao momento da irreversibilidade da nossa angústia.

[Texto escrito de acordo com antiga ortografia]