EspaçO Territorio Ambiente Marilia Steinberg

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ESPAO E TERRITRIO: UMA DISCUSSO TERICA

ESPAO, TERRITRIO E AMBIENTE: UMA DISCUSSO TERICA

Marlia Steinberger

Rio Branco-AC, 23 de novembro de 2007

Curso Academia Amaznica

CONFUSES TERMINOLGICAS
Falar sobre espao, territrio e meio ambiente no uma tarefa fcil - por que?

As trs palavras so utilizadas em linguagem corrente com pouca ou nenhuma preciso conceitual.

H uma carga terica complexa, pesada e, em geral, confusa por trs dessas palavras.

A proposta aqui no s elucidar cada uma, mas ressaltar a relao entre elas.

O desafio dessa proposta discutir sua acepo terica de uma maneira simplificada, ou seja, lanando mo do mnimo necessrio de teoria.

Essa discusso ser apresentada em trs partes: a relao espao-territrio; a relao territrio-ambiente; as fraes do espao e do territrio.

O senso comum sobre espao, territrio e meio ambiente aplicado na academia e no planejamento

Na academia freqente a utilizao indistinta ou misturada de espao e territrio vrios autores definem territrio dizendo: o territrio o espao... (de reproduo da vida, de poder, etc.). Tambm freqente traduzir meio ambiente por natureza ou recursos naturais.

Entre os tcnicos de planejamento que formulam polticas pblicas prevalece o senso comum de que o espao o endereo onde as aes acontecem, o palco de interveno, a localizao, o receptculo inerte e passivo. Tambm prevalece a idia de que o objeto da poltica ambiental a preservao e a conservao de pedaos da natureza.

Na verdade, como ser visto adiante: o espao no inerte nem passivo ao contrrio, tem um poder de determinao; e o ambiente deve ser tratado conjuntamente com o espao e o territrio.

I) A RELAO ESPAO-TERRITRIO

No basta s compreender o que o espao e o que o territrio separadamente.

Espao no anterior nem posterior ao territrio.

Espao no existe espao sem territrio e vice-versa.

Essa afirmao a base do reconhecimento de que h uma relao entre espao e territrio leva a identificar os elos entre espao e territrio.

Antes, porm, preciso mostrar com que referencial terico essa discusso ser realizada.

Referencial terico adotado: teoria espacial de Milton Santos

Desmistificar a idia de que Milton Santos complicado.

Tomar a sua linha de pensamento desde o fim dos anos 1970 e no ler um livro publicado quase 20 anos depois, como Natureza do Espao, e querer entend-lo.

A escolha da teoria de Milton Santos - entre os autores mais conhecidos (Henri Lefebvre, Manuel Castells e David Harvey), ele o nico que, ao trabalhar o conceito de espao como categoria histrica e permanente, permite entender outras noes necessariamente associadas ao espao: territrio, ambiente, lugar, regio, campo e cidade (explicar a utilizao dos termos conceito e noo).

Sua teoria permite discutir todas essas noes, mas aqui vamos nos deter na relao espao-territrio, explicando primeiramente porque o espao uma categoria histrica e permanente, pois a est a chave dessa relao.

O espao como categoria histrica e permanente

O espao uma categoria porque possui um significado ontolgico, ou seja, existe e inerentemente comum a todos os seres (e todas as coisas).

O espao histrico porque a histria no se escreve fora do espao, uma vez que no h sociedade a-espacial.

O espao permanente porque sua existncia uma presena constante na vida em sociedade ao longo da histria.

Ser categoria histrica e permanente permite entender que o espao social e natureza

Desde 1977/78, o autor afirma que o espao realiza uma dupla e simultnea funo: produtor e produto. Segundo ele, a base desse entendimento vem do trabalho do homem para transformar a natureza.

Da a sua definio de espao geogrfico como natureza modificada pelo homem atravs do seu trabalho. A concepo de uma natureza natural, onde o homem no existisse, cede lugar construo permanente da natureza artificial ou social.

A partir dessa definio diz que produzir e produzir espao so atos indissociveis, ou seja, o ato de produzir igualmente o ato de produzir espao.

Essa produo de espao implica em compreender que o espao social e natureza, pois sua tendncia mudar com o processo histrico.

A forma-contedo como um elo do espao com o territrio

compreenso de que o espao social e natureza porque muda com o processo histrico, o autor acrescenta, tambm em 1977/8, que o espao pode ser visto como um conjunto de formas, as quais testemunham uma histria escrita no passado e no presente - rugosidade/inrcia dinmica.

Alm disso, diz que as formas exercem o papel de atrizes porque, no decorrer do tempo histrico, os objetos geogrficos que as representam ganham no s novo valor, mas novo contedo. Assim, cunha o termo forma-contedo. (simplificao - modo de produo)

A elaborao mais detalhada desse termo vem, em 1985, ao afirmar que a essncia social do espao est em ele ser constitudo, de um lado, por objetos geogrficos naturais e artificiais, distribudos sobre um TERRITRIO, cujo conjunto nos d a Natureza, e, de outro lado, por processos sociais que do vida a esses objetos. Tais processos realizam-se no apenas por meio das formas, porm das formas-contedo que terminam por adquirir uma EXPRESSO TERRITORIAL.

A totalidade como um outro elo do espao com o territrio

Ainda em 1978, Milton Santos introduz uma reflexo sobre o espao como totalidade.

Diz que a histria da produo e a histria do espao constituem uma nica histria - a da realidade total que a sociedade, na qual o espao est inserido.

Paralelamente, diz que o movimento resultante da interao entre espao e sociedade interessa s diversas fraes do espao e da sociedade.

Para ele, a totalidade do espao uma abstrao que no pode realizar-se seno por meio de uma outra totalidade a realidade historicamente determinada, fundada sobre uma BASE TERRITORIAL. (simplificao - FES e FSE)

Admite que a noo de totalidade sempre foi confusa, a menos que sua diviso em partes esteja presente.

Assim, em 1985, explica que o espao deve ser considerado como uma totalidade. Que, o espao como realidade uno e total, mas a sociedade atribui a cada um dos seus movimentos, um valor diferente a cada FRAO DO TERRITRIO.

Aprofunda essa explicao em 1996 ao dizer que a totalidade est sempre em movimento, num incessante processo de totalizao.

Para ele, esse movimento permanente retrata: a totalizao j perfeita, representada pela paisagem e pela CONFIGURAO TERRITORIAL e a totalizao que est se fazendo, significada pelo espao.

Sobre o territrio e sua relao com o espao
(menes ainda sem explicao)

A essas alturas constata-se que, nos recortes antes selecionados, Milton Santos ao conceituar espao acionou os seguintes termos:

TERRITRIO

EXPRESSO TERRITORIAL

BASE TERRITORIAL

FRAO DO TERRITRIO

CONFIGURAO TERRITORIAL.

Cabe ento perguntar: por que selecionamos recortes em que tais termos foram acionados pelo autor sem, paralelamente, explic-los?

Podem-se alinhar trs respostas:

a) Porque necessrio primeiro compreender o espao como categoria histrica e permanente para, ento, chegar ao entendimento de territrio e suas derivaes (expresso territorial, base territorial, configurao territorial).

b) Porque essa compreenso que nos permite aprender com o autor que o espao geogrfico por ser definido como natureza modificada pelo homem. Que o espao social e natureza. Que o espao um conjunto de formas. E, por fim, que o espao uma totalidade.

c) Porque todas as menes a territrio s ganham sentido quando referidas ao espao. Assim:

Os objetos geogrficos naturais e artificiais distribudos sobre o TERRITRIO aparecem para explicar a essncia social do espao.

A EXPRESSO TERRITORIAL aparece como uma manifestao das formas-contedo que em conjunto constituem o espao.

A BASE TERRITORIAL aparece para concretizar a abstrao do espao como totalidade.

A FRAO DO TERRITRIO aparece para mostrar a necessidade de dividir a totalidade em partes que a sociedade atribui valores diferentes.

A CONFIGURAO TERRITORIAL aparece como totalizao perfeita para estabelecer um confronto com a totalizao em movimento que o espao.

Essas respostas longe de pregarem que o espao anterior ao territrio, comprovam a existncia da relao espao-territrio, pois o sentido das menes sobre o territrio e suas derivaes est sempre referido ao espao.

A leitura do territrio e de sua relao com o espao na teoria de Milton Santos

O autor, em vrias publicaes explicitou o que o territrio e suas derivaes.

Vejamos, cronologicamente, seus entendimentos sobre territrio, fraes do territrio, configurao territorial, territrio usado e espao territorial.

O territrio e as fraes do territrio

Em 1978 considera que o territrio um dos elementos de um Estado-Nao e diz que a utilizao do territrio pelo povo cria espao.

Em 1985, continua a se referir ao territrio do Estado, mas acrescenta que o territrio formado por fraes que tm funes diversas e que essa funcionalidade depende de demandas a vrios nveis, desde o local at o mundial.

A configurao territorial

Em 1988, passa a falar no s em territrio, mas em configurao territorial como uma noo mais ampla, pois envolve o territrio e o conjunto de objetos existentes sobre ele.

Enfatiza que em qualquer pas, independente do estgio do seu desenvolvimento, h sempre uma configurao territorial formada pela constelao de recursos naturais, lagos, rios, plancies, montanhas e florestas e tambm recursos criados: estradas de ferro e de rodagem, condutos de toda ordem, barragens, audes, cidades, o que for.

Em 1994, define configurao territorial como a soma de realizaes atuais e de realizaes do passado. Explica que no comeo da histria do homem, a configurao territorial simplesmente o conjunto de complexos naturais. medida que histria se vai fazendo, a configurao territorial dada pelas obras dos homens.

Em 1996, esclarece o elo entre configurao territorial e espao, ao afirmar que a configurao territorial dada pelo conjunto formado pelos sistemas naturais existentes em um dado pas ou numa dada rea e pelos acrscimos que os homens superimpuseram a esses sistemas naturais. A configurao territorial no o espao, j que sua realidade vem de sua materialidade, enquanto o espao rene a materialidade e a vida que a anima.

O territrio usado

Milton Santos comea a falar explicitamente sobre o uso do territrio em 1994.

Diz que o uso do territrio, e no o territrio em si mesmo, que faz dele objeto de anlise social.

Explica que territrio uma noo que carece de constante reviso histrica e o que ele tem de permanente ser o nosso quadro de vida.

Diferencia territrio de territrio usado, ao ressaltar que o territrio so formas, mas o territrio usado so objetos e aes.

Em 1999, diz que o territrio em si no uma categoria de anlise, mas sim o territrio usado, por ser mais adequada idia de um territrio em mudana, de um territrio em processo. Se o tomarmos a partir do seu contedo, uma forma-contedo, o territrio tem de ser visto como algo que est em processo. Como um campo de foras, lugar do exerccio, de dialticas e contradies entre o Estado e o mercado, entre o uso econmico e o uso social dos recursos.

Em 2001, avana na relao espao-territrio, ao afirmar que o espao geogrfico se define como unio indissolvel de sistemas de objetos e sistemas de aes, e suas formas hbridas, as tcnicas, que nos indicam como o territrio usado: como, onde, por quem, por que, para qu.

Segundo ele, apreender a constituio do territrio, a partir dos seus usos, permite pensar o territrio como ator e no apenas como um palco, isto , o territrio no seu papel ativo.

Espao territorial

Tambm em 2001, assevera que se impe a noo de espao territorial, pois o territrio usado sinnimo de espao geogrfico.

Mostra que o uso do territrio definido pela implantao de infra-estruturas e pelo dinamismo da economia e da sociedade.

Porm, explica que preciso levar em conta a interdependncia e a inseparabilidade entre a materialidade, que inclui a natureza, e o seu uso, que inclui a ao humana e a poltica.

Nesse sentido, volta idia de configuraes territoriais para dizer que elas so o conjunto dos sistemas naturais e dos sistemas de engenharia, isto , objetos tcnicos e culturais historicamente estabelecidos.

No entanto, ressalta que a atualidade das configuraes territoriais advm das aes realizadas sobre elas. desse modo que se pode dizer que o espao sempre histrico.

Sua historicidade deriva da conjuno entre as caractersticas da materialidade territorial e as caractersticas das aes.

II) A RELAO TERRITRIO-AMBIENTE

A interpretao dualista homem-natureza

Henri Lefebvre considera que o ncleo explicativo do processo histrico a relao entre o homem e a natureza, mas na prxis h um desencontro entre o homem produtor da sua prpria histria e divorciado da sua prpria histria.

Esse desencontro tambm reconhecido por Milton Santos, razo por que chama ateno para o erro da interpretao dualista das relaes homem-natureza, pois o espao social e natureza.

Meio ambiente e meio

Segundo Milton Santos, as relaes homem-natureza so, de fato, as relaes sociedade-meio que, historicamente, correspondem a trs fases:

- meio natural, quando a natureza constitua a base material da vida e confundia-se com o territrio;

- meio tcnico, iniciada no fim do sculo XVIII com a mecanizao do territrio;

- meio tcnico-cientfico-informacional, cujo marco o fim da Segunda Guerra, quando o territrio ganha um contedo maior em cincia, tecnologia e informao.

Para o autor, no existe meio ambiente diferente de meio. O que hoje se chamam de agravos ao meio ambiente, no so outra coisa seno agravos ao meio de vida do homem.

Ambiente e territrio so complementares

O territrio uma presena constante nas trs fases histricas das relaes sociedade-meio, ao passo que a palavra meio ambiente surge apenas na fase atual.

A singularidade da noo de ambiente est nos efeitos das relaes homem-natureza, ou seja, no acmulo de maus tratos e agravos do homem natureza como seu meio de vida. Ela resulta desses efeitos que acontecem em fraes do espao e em fraes do territrio (usado).

Uma anlise do meio ambiente passa necessariamente por uma anlise do territrio (usado).

30/11/07