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7/31/2019 Revista Paulo Freire_03
1/201
Revista de Formao
Poltico-Pedaggica
do SINTESE
n 03 - Sergipe - setembro - 2009
BOALAUGUSTOConhea o pai do
teatro socialistaque encantou omundo e deu vozaos oprimidos.
7/31/2019 Revista Paulo Freire_03
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7/31/2019 Revista Paulo Freire_03
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xou para a educao, professores ealunos. Vale a pena ler com cuidado
e ateno o texto da professora He-
len Sarapeck, alm de uma entrevista
esclarecedora. Leia tambm o texto
O lpis cor de rosa, do arte-educa-
dor Cludio Rocha.
A revista ainda traz dois textos
fundamentais do ator e psiclogo
Aldo Melo que apresenta as condi-
es fundamentais para entender
a lgica do teatro do oprimido.
Aldo e Helen Fontes so os faci-
litadores de um projeto fantsticodo Sintese o Palco na Luta, onde
filiados ao sindicato se aventuram
na mgica experincia do teatro do
oprimido.
Chamo ateno para a leitura
da rvore do teatro do oprimido
nas duas pginas centrais da revis-
ta e um texto escrito pelo prprioAugusto Boal sobre Aprendemos
a Aprender, onde ele fez vrias
referncias ao mtodo do profes-
sor Paulo Freire. Paulo Freire
ajuda o cidado a descobrir, por
si, o que traz dentro de si, escreve
Boal.
Esta terceira edio s se tor-
nou possvel pela compreenso
do seu papel da Histria do Sintese,
de sua direo, filiados e funcionrios,
mas tambm da importante e vital co-
laborao dos integrantes do Centro
de Teatro do Oprimido, localizado no
Rio de Janeiro, que colaboraram
decisivamente para esta edio.
Vale registrar o apoio de Ney
Motta, assessor de comunicao
do Centro de Teatro do Oprimi-
do, de Aldo Rezende Melo e He-
len Fontes, aqui de Sergipe, e de
Helen Sarapeck, Brbara Santos,
Geo Britto, Cludio Rocha, e tan-tos outros que foram fundamentais
nesse projeto.
Agora, reafirmo o convite leitu-
ra, reflexo e ao.
Jos Cristian Ges
Editor da Revista Paulo Freire
A terceira edio da revista PauloFreire no apenas para ser lida, mas
debatida, comentada, refeita sempre,
interpretada, como pedia o mestre
Augusto Boal, o maior dos maiores
do teatro do povo.
Na madrugada do dia 2 de maio
deste ano, Boal nos deixou, mas
certamente j est montando um
grande espetculo no plano meta-
fsico. Como aqui, l ele deve estar
mexendo com as estruturas mais
profundas.
Nesta edio, os professores
conheceram um pouco da histria
fantstica e intensa do engenheiro
qumico que mudou a vida dele e de
milhares de pessoas e que continua,
mais firme do que nunca, transfor-
mando o Mundo atravs dos seus
inmeros discpulos.
O carioca Boal tem uma impor-
tante to grande que chegou a ser
reconhecido pela Unesco, este ano,como embaixador Mundial do Te-
atro. No ano passado ele concorreu
ao Prmio Nobel da Paz. Boal teve
reconhecimento nacional.
Como instrumento pedaggico
do Sintese, esta revista est focada na
contribuio que Augusto Boal dei-
No s leia, interprete!primeiras palavras
Revista de Formao Poltico-Pedaggica do SINTESE
Rua Slvio Tefilo Guimares, 70, B. Pereira Lobo
Aracaju/SE Cep. 49052-410. Tel: (79) 2104-9800
Jos Cristian Ges - Editor (DRT/SE 633)
Diego Oliveira - Coordenao Grfica(DRT/SE 1094)
Conselho Editorial: Hidelbrando Maia, Joel Almeida, Nelt
Diniz, Alexandrina Luz.
Apoio: Aldo Rezende de Melo, Helen Fontes, Ney Motta, d
assessoria de Comunicao do CTO-Rio
CENTRO DE TEATRO DO OPRIMIDO
Av. Mem de S, 31 - Lapa. Rio de Janeiro - RJ Cep: 20230
Tel:(21) 2232-5826 / 2215-0503. site: www.ctorio.org.br
contato@ctorio.org.br
Direo Artstica:
Augusto Boal
Coordenao Geral:
Helen Sarapeck
Curingas e Elenco: Brbara Santos, Cludia Simone, Clau
lix, Flvio Sanctum, Geo Britto, Helen Sarapeck e Olivar Be
Curingas Regionais: Cludio Rocha (PE), Kelly di Bertolli (
Yara Toscano (SP).
Curingas-Assistentes:Alessandro Conceio, Janna Sala
e Monique Rodrigues.
Consultoria de Imagem: Cachalotte Matos.
Administrao Financeira: Graa Silva.
Assessoria de Comunicao: Ney Motta.
Assessoria Jurdica: Victor Gabriel.
Administrao: Graa Silva.
Apoio Administrativo: Lgia Martins, Walter Gonalves.
Programao Visual:Leila Braile.
Colaboradores:Roni Valk, Christoph Leucht, Cachalotte
Kelly Regis, Wellington Leo, Santa Clara.
O Centro de Teatro do Oprimido - CTO, surgido em 19
um centro de pesquisa e difuso, que desenvolve m
dologia especfica do Teatro do Oprimido em laborat
e seminrios, ambos de carter permanente, para revi
experimentao, anlise e sistematizao de exerccio
jogos e tcnicas teatrais. Nos laboratrios e seminrio
elaborados e produzidos projetos scio-culturais, esp
culos teatrais e produtos artsticos, tendo como alicer
Esttica do Oprimido. A filosofia e as aes desta inst
visam democratizao dos meios de produo cultu
como forma de expanso intelectual de seus participa
alm da propagao do Teatro do Oprimido como me
da ativao e do democrtico fortalecimento da cidada
O CTO implementa projetos que estimulam a particip
ativa e protagnica das camadas oprimidas da socied
e visam transformao da realidade a partir do dilo
atravs de meios estticos. Dessa forma o Centro de T
do Oprimido desenvolve projetos na rea da educa
de mental, sistema prisional, pontos de cultura, movim
sociais, comunidades, entre outros. Por conta de sua n
za humanstica e do potencial do Teatro do Oprimido
atuante em todo o Brasil e em pases como Moambiq
Guin Bissau, Angola e Senegal.
onde achar
Boal: vida do teatro outeatro da vida 04Embaixador do teatropelo mundo 05O Teatro do Oprimidoe as tradies
libertadoras I
06
O Teatro do Oprimidoe as tradieslibertadoras II 07Teatro do Oprimido:um aliado na Educaodos oprimidos 08
SINTESE cria o Palco naLuta 12O lpis de cor rosa 13Centro de Teatro doOprimido ratifica suafora mundial 14
Teatro e a educao 16
Aprendemos a aprender
18A rvore do Teatro
do Oprimido
10
Esta revista est fo-
cada na contribuio
que Augusto Boal dei-xou para a educao,
professores e alunos
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4/204
don Council - Londres, com
a participao de escritores
como: Lisa Jardine, Tarik Ali,
Paul Heller e advogados dos
Tribunais de Londres; em Bra-
dford, na Cmara Legislativa da
cidade, sobre questes relativas
aos portadores da Sndrome
de Down; na Sala da Comisso
de Justia do Rathaus (Prefei-
tura) de Munique, com apoio
da Sociedade Paulo Freire.
Em 1999, transforma a
pera Carmem de Bizet emSambpera, uma experin-
cia inovadora que traduziu as
msicas originais para ritmos
genuinamente brasileiros. Car-
mem ficou em temporada no
Centro Cultural Banco do Bra-
sil, no Rio de Janeiro. Em julho
de 2000, estreou em Paris. Em
2001, La Traviata montada
tambm como Sambpera e
faz circuito no Rio de Janeiro.
Uma de suas ltimas pes-
quisas foi a Esttica do Opri-
mido, programa de formao
esttica que integra experincias
com o som, palavra, imagem e
tica. A Esttica do Oprimido
tem por fundamento a crena
de que somos todos melhores
do que pensamos ser, e capa-
zes de fazer mais do que aquilo
que efetivamente realizamos:
todo ser humano expansivo.
mentos do Teatro-Jornal, o em-
brio do Teatro do Oprimido.
Em fevereiro de 1971, Augusto
Boal preso, torturado e exilado.
Passando a residir na Argen-
tina, de 1971-1976, dirige o gru-
po El Machete de Buenos Ai-
res e monta, de sua autoria, O
Grande Acordo Internacional
do Tio Patinhas, Torquema-
da (sobre a tortura no Brasil)
e Revoluo na Amrica do
Sul, iniciando intensas viagens
por toda a Amrica Latina, onde
comea a desenvolver novas
tcnicas do Teatro do Opri-
mido?: Teatro-Imagem, Tea-
tro-Invisvel e Teatro-Frum.
Em 1976 muda-se para Lis-
boa, onde dirige o grupo A
Barraca. Dois anos depois
convidado para lecionar na Uni-versit de la Sorbonne-Nouvel-
le. Em Paris, cria o Centre du
Thatre de lOpprim-Augusto
Boal, em 1979. Trabalha em
muitos pases europeus e de-
senvolve as tcnicas intros-
pectivas do Teatro do Opri-
mido: o Arco-ris do Desejo.
VOLTA AO BRASIL - An-
tes de regressar definitivamen-
te ao Brasil, monta no Rio de
Janeiro O Corsrio do Rei
(de sua autoria, letras de Chi-
co Buarque, msica de Edu
Lobo) e Fedra de Racine,
com Fernanda Montenegro.
A convite do ento secre-
trio de Educao do Estado
do Rio de Janeiro, professor
Darcy Ribeiro, Boal volta ao
Brasil em 1986 para dirigir a
Fbrica de Teatro Popular. O
Augusto Boal nasce
em 1931, no bairro
da Penha, Rio de
Janeiro. Desde criana escrevia,
ensaiava e montava suas prprias
peas nos encontros de famlia.
Sua formao em Engenha-
ria Qumica torna-se paralela
pesquisa, criao de tex-
tos teatrais lidos e comentados
por Nelson Rodrigues. Estu-
da na Columbia University
com John Gasner e assiste smontagens do Actors Studio.
Em 1956, Boal volta ao Bra-
sil a convite de Sbato Magaldi
e Z Renato para dirigir o Te-
atro de Arena de So Paulo. O
grupo provoca uma revoluo
esttica no teatro brasileiro nos
anos 50 e 60. Atravs do Semi-
nrio de Dramaturgia, do Labo-
ratrio de Interpretao e das
diversas montagens, o Teatro de
Arena contribui vigorosamente
para a criao de uma drama-
turgia genuinamente brasileira.
Priso, tortura e exlio
A par tir 1964, a Ditadura Mi-
litar inicia a perseguio a todos
os indivduos e grupos de artis-
tas com preocupaes sociais e
polticas. Em 1968, vem o AI-5
que aperta ainda mais o cerco.
Em 1970, O Ncleo Dois do
Arena inicia os pr imeiros experi-
objetivo era tornar a linguagem
teatral acessvel a todos, como
estmulo ao dilogo e trans-
formao da realidade social.
Ainda em 1986 , junto com
artistas populares, cria o Centrode Teatro do Oprimido, para
difundir o Teatro do Oprimido
no Brasil. No CTO, desenvolve
projetos com ONGs, sindica-
tos, universidades e prefeituras.
AS INCURSES NA PO-LTICA - Em 1992, candidata-see eleito vereador da cidade do
Rio de Janeiro pelo PT (Partido
dos Trabalhadores), para fazer
Teatro-Frum e, a partir da
interveno dos espectadores,
criar projetos de lei: o Teatro
Legislativo. Aps transformar o
espectador em ator com o Te-
atro do Oprimido, Boal trans-
forma o eleitor em legislador.
Utilizando o Teatro como
Poltica, em Sesses Solenes
Simblicas, encaminha Cma-
ra de Vereadores 33 projetos de
lei, dos quais 14 tornam-se leismunicipais, entre 1993 a 1996.
A parti r de 1996, fora da C-
mara dos Vereadores, Boal e o
CTO seguem na consolidao
do Teatro Legislativo Em 1998,
conseguem o apoio da Fun-
dao Ford, para a criao de
grupos comunitrios de Teatro
do Oprimido. Boal tambm re-
alizou diversas Sesses Solenes
Simblicas, de Teatro Legislati-
vo, no ext erior: no Great Lon-
Como um engenheiroqumico, que des-de criana escreviae montava peas,tornou-se o maior dosmaiores do teatro dopovo
Boal: vida do teatro
ou teatro da vida
Biografia
Boal no incio da carreira
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2009: Nomeao como Embaixador Mundial do Teatro pela Unesco - 25 de maro2008: Concorreu ao Prmio Nobel da Paz2003: Proclamation City of New York Theater of the Oppressed Day - 27 de maio2003: Ttulo de ECO-CIDADO, Prefeitura de Maca2001: Doctor Honoris Causa in Literature, University of London, Queen Mary, UK2000: Montgomery Fellow, Dartmouth College, Hanover, USA2000: Doctor Honoris Causa in Fine Arts, Worcester State College, USA2000: Proclamation of the City of Bowling Green, Ohio. USA1999: HONRA AO MRITO, Unio e Olho Vivo, 1999-12-071998: PREMI DHONOR, Institutet de Teatre, Barcelona, Spain1998: PREMIO DE HONOR, Instituto de Teatro, Ciudad de Puebla, Mxico1997: Prix du Mrite, Ministre de la Culture de l Egypt1997: Lifetime Achievement Award of Americam - As of Theatre in Higher Education1996: Cultural Medal - Gtemborg University1996: Doctor Honoris Causa - in Human Letters - Nebraska University1995: The Best Special Presentation - Manchester News -UK1995: Prix Culturel - Institut Fuer Jugendarbeit - Gauting - Baviera1995: Outstanding Cultural Contribution, Queensland University of Technology1994: Medalha Pablo Picasso da Unesco1994: Prmio Cultural Award da cidade de Gavle-Sucia1981: Officier des Arts et des Letras- Condecorao - France1971: Prmio Obie Award -Feira Latino Americana de Opinio - Estados Unidos1967: Prmio Molire pela criao do Sistema Coringa, Brasil1965: Prmio Molire Para o espetculo Mandragora de Maquiavel, Brasil1962: Prmio Padre Ventura, melhor diretor do ano, So Paulo, Brasil
lizou projetos exem-
plares: Teatro
do Oprimido
nas Prises,
Teatro do
Oprimido nas
Escolas, Teatro
do Oprimido
de Ponto a Ponto,
Teatro do Oprimido na
Sade Mental, Fbrica de Te-
atro Popular Nordeste etc, em todo
territrio nacional alm de Moambi-
que e Guin-Bissau, pases da frica.
Augusto Boal foi autor de
diversas obras literrias
lanadas nos mais diversos
idiomas, alm de colecionar um arsenal
extraordinrio de prmios e honrarias.
A principal criao de Augusto Boal, o
Teatro do Oprimido, hoje uma rea-
lidade mundial, sendo a metodologia
teatral mais conhecida e praticada nos
cinco continentes. Com os sete curin-
gas do Centro de Teatro do Oprimido
(Claudete Flix, Helen Sarapeck, Brba-
ra Santos, Geo Britto, Olivar Bendelack,
Cludia Simone e Flvio Sanctum) rea-
Embaixador do
teatro pelo mundo
Obras e prmios
Augusto Boal teve
obras traduzidas para
o ingls, francs e
espanhol Foi nomeado
embaixador mundial
do teatro pela Unesco
e chegou a concorrer
ao Prmio Nobel daPaz
Prmios
JaneStipfire - edio revisada - CivilizaoBrasileira - 2003O Teatro como arte marcial - Garamond
- 2003Hamlet e o filho do padeiro - CivilizaoBrasileira - 2000Jogos para atores e no atores - Civiliza-o Brasileira - 1999Teatro Legislativo Rio de Janeiro: Civiliza-o Brasileira, 1996Aqui Ningum Burro! Rio de Janeiro:Revan, 1996O Suicida com Medo da Morte Rio deJaneiro: Civilizao Brasileira, 1992Duzentos Exerccios e Jogos para Ator eNo-Ator com Vontade de Dizer Algo atra-vs do Teatro - Rio de Janeiro: CivilizaoBrasileira, 1991
O Arco-Iris do Desejo - Rio de Janerio:Civilizao Brasileira, 1990Teatro de Augusto Boal 2 So Paulo:HUCITEC,1986Teatro de Augusto Boal 1 So Paulo:HUCITEC,1986O Corsrio do Rei Rio de Janeiro: Civiliza-o Brasileira, 1986Teatro do Oprimido e Outras PoticasPolticas- RJ: Civilizao Brasileira, 1985Stop Cest Magique Rio de Janeiro: Civili-zao Brasileira, 1980Milagre no Brasil Rio de Janeiro: Civiliza-o Brasileira, 1979Murro em Ponta de Faca So Paulo:
HUCITEC, 1978
Jane Spitfire Rio de Janeiro: DECRI,1977Tcnicas Latino-Americanas de TeatroPopular, So Paulo:HUCITEC, 1975
Crnicas de Nuestra Amrica, So Paulo:CODECRI, 1973Categorias de Teatro Popular BuenosAires:Ediciones CEPE,1972Arena conta Tiradentes So Paulo:Sagarana,1967Em espanholCategorias de Teatro Popular. BuenosAires: Ediciones Cepe,1972.Em francsThtre de lopprim. ditions La Dcou-verte , 1996.Jeux pour acteurs et non-acteurs. ditionsFranois Maspero, 1978.
Pratique du thtre de lopprim. Centredtude et de diffusion des techniquesactives dexpression, 1983.Stop ! cest magique. ditions Hachette,1980.Mthode Boal de thtre et de thrapie.ditions Ramsay, 1990.LArc-en-ciel du dsir. ditions La Dcou-verte , 2002.Em inglsTheatre of the Oppressed. Londres: PlutoPress,1979.Games for Actors and Non-Actors.London: Routledge, 1992.The Rainbow of Desire. London : Routled-
ge, 1995.
Obras
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Oteatro primordial
nasce da relao do
homem com a ter-
ra, de uma relao orgnica entre
a natureza humana e a biodiversi-
dade de seres que os circundavam.
As festas dionisacas na Grcia
antiga, os rituais ao estranho deus da
fertilidade, do transe, dos campos, ti-
nham a funo simblica de fecundar
o cho e de celebrar mais um tempo
de colheita, mais um ciclo da terra. Os
ritos dionisacos presentificavam a fora
da transcendncia humana, a libertao
da mediocridade e da mortalidade.
Nos complexos rituais de entor-
pecimento pela dana, pelo canto,
pelo vinho, pelo encontro dos cor-
pos em xtase e entusiasmo, o ser
humano comum, mortal, escravo,estrangeiro, mulher, rompia as amar-
ras sociais e se permitia a condio
de deus, de ser imortal, de criador.
As aristocracias helnicas alimen-
taram um dio olmpico pelas festas
dionisacas. Os deuses do Olm-
pio, representados pelos prprios
aristocratas, enciumavam-se pelo
culto excessivo a um deus campo-
ns, subversivo, obsessivo, anti-lei.
O carter coletivizante e desper-
sonalizante das festas dionisacas ofen-
As festas e rituais
dionisacas da gr-
cia antiga como os
primrdios do teatro
do oprimido
mas teatrais tais como conhecemos
hoje. Nascem tambm os teatros, ar-
quiteturas destinadas a sacralizar essa
diviso, essa especializao. Nasce a
profisso de ator. (BOAL, 2002: 28).
Na platia, os espectadores per-
maneciam imobilizados pelos dispo-
sitivos esttico-ideolgicos que eram
enfaticamente representados no pal-
co. Dentre todos os efeitos trgicos,
a catarse (ktharsis) era o princpio
purificador da vontade de ser divino,
transferido das religies para os palcos
com o objetivo de neutralizar o entu-
siasmo e o xtase dos antigos rituais.
Contudo, as tradies dionisacas
resistiram na marginalidade dos povos
gregos at os nossos tempos. As for-
as dionisacas podem ser entendidascomo foras indomveis, caractersticas
de uma subjetividade integrada natu-
reza. Dos rituais shivastas indianos, de
bruxaria da Escandinvia, das tribos afri-
canas, indgenas e aborgines, da cultura
popular brasileira, at os recnditos das
teologias libertadoras da igreja catlica,
o arqutipo do deus dos campos cons-
pira, celebrando a horizontalidade, a
circularidade e a participao coletiva.
neutralizar as suas foras libertadoras.
Os rituais coletivos e circulares
de integrao, cooperatividade e so-
lidariedade foram estrategicamente
atenuados quanto as suas foras ex-
traordinrias. Uma grande parte da
populao de todas as categorias so-
ciais era seduzida pela grandiosidade
dos espetculos apolneos. O culto ao
deus dos campos tinha sido mascara-
do e revertido. O nome de Dioniso
raramente era lembrado nas peas
trgicas, e, quando lembrado, aparecia
como um deus passivo, enfraquecido,
harmnico aos interesses da cidade.
A circularizao e a participao efe-
tiva de todos nos rituais dionisacos, foi
substituda pela hierarquizao e passi-
vidade. Foram construdos espaos ar-quitetnicos destinados aos espetculos,
onde se absolutizava a separao entre
palco e platia: estava criado o abismo
histrico que inventou e separou os
participantes em atores e espectadores.
No inicio, Ator e Espectador co-
existem na mesma pessoa; quando
se separam, quando algumas pessoas
se especializam em atores e outras
em espectadores, a nascem as for-
dia gravemente a atitude ordinria de
moderao moral, de controle social,
pregada pelas religies apolneas.
A Tragdia Grega, assim como o
rdio e a televiso para o homem mo-
derno, foi sem dvida uma das maio-
res tecnologias de controle ideolgico
j inventadas pelas elites dominantes.
As tragdias foram a concretizao de
uma poltica aristocrtica de anulaodas foras dionisacas por meio da
sua cooptao e captura burocrtica.
Funda-se o teatro competitivo, co-
ercitivo, financiado pelos benfeitores
da poltica, mensageiro da moral vi-
gente das elites atenienses. As tragdias
eram festas urbanas, que cultuavam
os deuses olmpicos, mas que se uti-
lizavam do nome do deus (Grandes
Dionisacas) para atrair a populao e
O Teatro do Oprimido e
as tradies libertadoras
Para entender I
Por Aldo Rezende de Melo
Quem quemAs peas de Teatro do Oprimidopodem ser expressas em vrios for-matos, considerando o foco que sedeseja atingir (cultural, pedaggico,
poltico, teraputico e, preferencial-mente, todos integrados):
Teatro Imagem:so tcnicas que permitem aosintegrantes debaterem um problema e pensar semo uso das palavras, atravs de imagens produzidaspelos seus prprios corpos e/ou por objetos.
Teatro Frum: um jogo dramtico dialtico noqual o protagonista, em verdade co-agonista(porsempre sofrer junto com o outros), tem um desejovital a ser realizado e no consegue pelas relaesde domnio que lhe so impostas. Nesse formato opblico transformado em um coletivo que busca al-
ternativas para os problemas apontados, conduzindoa ao dramtica.Teatro Legislativo: uma pea de Teatro-Frumna qual as alternativas sugeridas pelo coletivo soformatadas em projetos de lei e apresentadas nascmaras ou assemblias legislativas. Posteriormente,o coletivo deve acompanhar a tramitao do projeto,pressionando a sua aprovao e, aps aprovado,fiscalizando a sua implementao.
Arco-ris do Desejo: uma tcnica dramtica defunes teraputicas, desenvolvida para possibilitara expresso das opresses que foram introjetadaspelas relaes simblicas de dominao a serem
trabalhadas.
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7/207
Acultura dos oprimi-
dos (especialmente
dos ritos dionisacos)
reproduz e repete a recordao de-
formada e atrofiada de um projeto
originrio de liberao e de institu-
cionalizao coletiva: na parte mais
secreta, mais codificada e simboliza-
da, os ritos de possesso e de transe,
contam` um passado de luta contra
a opresso, falam de magia negra`
da revolta e do entusiasmo coletivo;
em suma, mediante um discurso in-
direto, indicam tudo aquilo que for-
ma o ncleo de qualquer experincia
revolucionria. (ALTO, 2004: 74).
dessa tradio revolucionria
que brota, do seio da cultura popu-
lar brasileira, o Teatro do Oprimido.Criado na dcada de setenta pelo ati-
vista poltico-cultural Augusto Boal,
num contexto de resistncia aos regi-
mes ditatoriais que violentavam os di-
reitos sociais e impunha uma ordem
blica, oposta ao ritmo de libertao
e solidariedade dos povos latino-ame-
ricanos, essa modalidade de teatro
serviu de instrumento de luta contra
os aparelhos totalitrios e as subjeti-
vidades opressoras que operavamem todas as dimenses da existncia.
Hoje um movimento cultural
ainda em expanso, atuando em
mais de setenta pases do mun-
do, o Teatro do Oprimido vem
desapropriando os meios de pro-
duo de bens simblicos, artsti-
cos, atravs da popularizao des-
ses meios para as comunidades.
Enquanto na linguagem dramti-
ca herdada da Grcia, o caminho da
perfeio e os valores aristocrticos
O Teatro do Oprimido e
as tradies libertadoras
Para entender II No teatro o especta-dor se transforma em
espect-ator. Nele, o
espectador se liberta,
pensa e atua sintonizado
com os anseios coletivosde seu grupo, de sua
comunidadePor Aldo Rezende de Meloso impostos aos espectadores por
via catrtica, na Esttica do Opri-
mido o espectador rompe a catarse
e se transforma em espect-ator,
transgredindo as fronteiras da repre-
sentatividade dramtica e atuando.
O espectador se liberta, pensa e atua
sintonizado com os anseios coletivos
de seu grupo, de sua comunidade.
A metodologia do Teatro do
Oprimido segue dois princpios
fundamentais: o primeiro de
transformar todos os espectadores
em espect-atores, retomando as
origens primordias dos rituais dio-
nisacos. O segundo princpio o
de transformar toda fico vivida
nos espaos cnicos, em um ensaio
para a transformao da realidade.
O Teatro do Oprimido um sis-
tema de exerccios fsicos, jogos estti-cos, tcnicas de imagens e improvisa-
es especiais, que tem por objetivo
resgatar, desenvolver e redimensio-
nar essa vocao humana, tornando
a atividade teatral um instrumento
eficaz na compreenso e na busca
de solues para problemas sociais
e interpessoais. (BOAL, 2002:28).
A partir da reflexo sobre his-
trias comuns vividas no cotidiano,
so descortinadas as relaes depoder e de represso dos desejos
vitais dos envolvidos. A dramaturgia
construda a partir desse compar-
tilhamento e constituda no senti-
do de denunciar as relaes entre
opressores e oprimidos, propiciando
a libertao da lgica de opresso,
atravs da produo coletiva de alter-
nativas para os problemas apontados.
O teatro de elite, da burguesia,
um teatro laico, assim como a pr-
pria classe dos proprietrios. Classe
da qual os antigos deuses precisaram
se exilar para que se divinizasse o
Capital e todas as suas expressesde explorao. Essa teatralidade
uma obra de arte finalizada, pr-
pria de quem j cristalizou uma
viso de mundo e quer express-
la. O teatro burgus um espet-
culo assptico onde a pureza da
arte final no pode se contaminar
pelo pblico, que deve estar silen-
cioso, domesticado, catrtico, para
melhor acumular as mensagens
bancrias transmitidas do palco.O teatro popular um teatro
sagrado, de onde nunca foi preciso
alienar o divino. A transcendncia,
, por excelncia, a expresso da
criatividade, de uma tradio ad-
vinda dos rituais ancestrais de culto
terra. A teatralidade popular
uma arte de infinitos ciclos, de quem
est sempre descobrindo um mist-
rio e celebrando uma nova criao.
Um teatro inacabado, aberto
transformao, ao dilogo, um ensaio
coletivo, sem pblico, no qual todos
so criadores espontneos, um tem-
plo circular onde todos so deuses.
BIBLIOGRAFIA
ALTO, S. (org.). (2004). Ren Lourau: analista insti-
tucional em tempo integral. So Paulo: Hucitec.
ARISTTELES (1988). A arte potica. Rio de Janeiro:
Ediouro Publicaes.
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de Janeiro: Civilizao Brasileira.
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7/31/2019 Revista Paulo Freire_03
8/208
vez, so entregues sorte e absorvem
o que o estmago vazio consegue.
A falta de estrutura somada a falta de
pedagogia e a falta de interesse poltico,
produzem uma escola falida. Uma esco-
la produtora de meros consumidores.
Meros receptores. Meros espectadores.
O massacre que impede a desco-
berta e o desenvolvimento de um ser
criativo e autoconfiante acontece em
exemplos dirios que passam desper-
cebidos. Em minha vida existe um me-
nino chamado Pedro, que um dia me
convidou para pintar. No livro de pin-
turas havia duas silhuetas: uma menina
e um menino. Ele pinta a menina e su-
gere que eu pinte o menino. Ele pinta
a pele da menina, o cabelo, e, por fim,
pinta a roupa de rosa. Ele me entrega o
lpis azul e diz que o menino deve ser
pintado dessa cor. Eu dispenso o lpis
oferecido e pinto o menino com uma
roupa cheia de bolinhas roxas comlils e uma cala amarela. Ele me diz:
Educao um fenmeno
que acontece em qualquer
sociedade humana e en-
volve os processos de ensinar e apren-
der. Ela responsvel pela manuten-o e perpetuao do aprendizado s
geraes futuras. A Educao a trans-
misso e a recepo do saber existente.
Pedagogia um processo media-
dor para que a educao seja eficaz.
Ela aponta como vou fazer, de que
forma vou educar, que instrumentos
didticos devo usar, levando o sujeito
ao questionamento. A Pedagogia busca
a melhoria no processo de aprendi-
zagem, atravs da reflexo, sistemati-
zao e produo de conhecimento.
Descries clssicas do enten-
dimento comum sobre a diferena
entre Educao e Pedagogia. Po-
rm, como dizia Boal e bem sabia
Paulo Freire, Educao e Pedago-
gia so complementares, so irms.
Portanto, usando da Pedagogia, o
Teatro do Oprimido (TO) deseja edu-
car, mas sem perder de vista o objetivo
maior que deve ser a transformao
social e a construo de uma socie-dade justa, democrtica e igualitria.
Para trabalhar com Educao, espe-
cialmente com a educao formal, foi
preciso primeiramente entender a prti-
ca que ocorre na grande maioria dos es-
paos escolarizados e levar em conside-
rao os problemas que o tema envolve.
Dentre os cinco maiores proble-
mas da educao, descritos por Michel
Aires de Souza em seu recente ensaio,
destaco alguns e acrescento outros,
que em minha opinio, atravancam
e desaceleram o processo educacio-
nal, tornando urgente e necessria a
investida do Teatro do Oprimido.
O primeiro justamente um pro-
blema pedaggico. Infelizmente, no
geral, a educao que recebemos au-
toritria. Eu ensino e voc aprende. Eu
falo e voc copia. Eu fao e voc faz.
No h uma pedagogia para entender
que outra forma de aprendizado po-
deria ser possvel ou necessria. No
h preocupao em desenvolver o in-
divduo como um ser completo, que
se torne capaz de potencializar suas
prprias habilidades, mas sim embuti-
lo, quase que enlat-lo em um padro
pr-estabelecido de ensino, ensinando
o que h para ser ensinado, sem per-guntas ou novidades. O estudante
visto verdadeiramente como aluno
no seu significado etimolgico: sem luz.
Essa realidade aparente nas
escolas pblicas e tambm parti-
culares. Da educao infantil ao
ensino mdio. os bairros empobre-
cidos ou de maior poder aquisitivo.
uma realidade dura e opressora.
NA POLTICA -O segundo,
e no menos importante, um pro-
blema poltico. Muitas vezes no h
interesse pedaggico na mudana, na
transformao, na descoberta de uma
nova possibilidade de Educao. A pe-
quena quantidade de escolas e a grande
quantidade de escolas ruins que temos,
reflexo de um mundo dominado pe-
los interesses das classes dominantes.
Se todo mundo fosse alfabetizado e
tivesse recebido educao formal, quem
seriam os trabalhadores braais da his-
Teatro do Oprimido:
um aliado na Educaodos oprimidos
Teatro e educao
A falta de estrutura so-
mada a falta de pedago-
gia e a falta de interesse
poltico, produzem uma
escola falida.
* Por Helen Sarapeck
tria da humanidade? Como mantera-
mos o trabalho escravo? Quem seriam
as domsticas, os pedreiros e lavradores
de mos calejadas em todo o mundo?
A escola reproduz o modelo ca-
pitalista que assola o mundo. No h
troca de ensinar e aprender ao mesmo
tempo. H quem ensina o que quiser
e quem aprende o que possvel. O
professor e o estudante. Quem mandae quem obedece. Na h dilogo. A es-
cola passa a ser uma mera reprodutora
de um sistema que marginaliza e exclui.
O terceiro e crucial problema
social. Nossas escolas so pobres, os
professores mal pagos e os estudantes
esto famintos. Como manter com
dignidade uma educao pedaggica
em um ambiente assim? Onde, na
maioria dos casos, o objetivo receber
o fraco salrio ou a parca merenda?
A falta de estrutura bsica da esco-
la aliada desvalorizao do professor
causa uma falta natural de interesse por
parte dos educadores. Sem espao e
material didtico adequado com um
salrio que no garante sua sobrevi-
vncia, os professores so obrigados
a acumular empregos e, em consequ-
ncia, acumulam cansao. Acabam
por desenvolver uma educao poss-
vel e no a necessria e devidamente
pedaggica. Os estudantes, por sua
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9/209
dente de sua formao, tem a capa-
cidade de produzir arte. Todo ser
humano capaz de escrever uma
poesia, fazer uma pintura, compor
uma msica. Todos podemos mui-
to mais do que imaginamos. Essa a
base da Esttica do Oprimido (EO).
Desenvolver a esttica dos opri-
midos com os quais trabalhamos era
uma de nossas misses, melhor, era a
maior delas. Alm de trabalhar a est-
tica na criao dos figurinos, cenrios
e textos dramatrgicos com estudan-
tes e professores, estimulamos que
os Multiplicadores desenvolvessem
atividades especficas, dentre as quais
destaco a criao da Bandeira Nacio-
nal na viso de cada participante; a
criao do Ser Humano representante
daquele grupo, a partir do lixo limpo;
a produo de poesias e a criao de
msicas inditas e seus respectivosinstrumentos feitos de lata, latinha,
lato, balde, garrafa e sacola plstica.
Em um espao curto de tem-
po, os participantes das oficinas, em
sua maioria crianas e adolescen-
tes, produziram 19 msicas, mais
de 60 poesias, 6 esculturas de seres
humanos e mais de 200 pinturas.
Parte dessa produo foi uma
excelente experincia de processo.
Mesmo quando por fim a arte pro-
duzida no chegava a ser um produ-
to, ou seja, uma obra de arte, que em
nada tem a ver com o artista que a
produz, mas com o efeito que ela - a
obra - produz em quem a v, o que
realizado durante o processo artstico
que o artista passa, fenomenal. no
processo que ele se revela, se desco-
bre criador e se transforma em artista.
Vimos o processo to dedicado e
criativo de nossos artistas, crianas de
12, 8, 6 anos!, que chegavam na ofi-
cina muitas vezes sem vontade e sem
esperana, e que depois de 15 minu-
tos apenas, estavam imersos no mate-
rial, absortos com a escolha do papel,
mergulhando os pincis nas tintas de
seus desejos. As tintas, panos, papis,
pincis, brochas, palhetas, sucatas e
crianas se misturavam em um grande
caos criativo. Estavam absortos na cria-
o. A arte quando verdadeira, em seu
momento de criatividade, enquanto
desperta no ser seus desejos, emoes,
fazendo-o colocar tudo para fora em
cores e traos, no tem controle e no
pode t-lo. Sem rdeas, cavalgavam
soltos. Chegavam prximo ao delrio
criativo e atravs dele se deixavam levar.
Os produtos surgidos neste pro-
cesso foram expostos nas escolas e
uma delicada seleo fez parte da ex-
posio do projeto na Casa do CTO,
encantando profissionais da Educa-o e, especialmente das Artes, pela
qualidade e sinceridade com que as
pinturas e esculturas transmitiam a
realidade das escolas e comunidades,
e faziam transparecer os desejos e an-
seios dos pequenos humanos artistas.
A Esttica do Oprimido, alm de
ser apropriada para a escola urgen-
te. Atividades ldicas, simples, que
podem ser desenvolvidas em salas
de aula, em curto espao de tempo e
sem custo. Essas facilidades atraem
Assim no pode! Eu me assusto e
pergunto por qu. Rapidamente ele diz
mais uma vez que no pode. Eu retru-
co, e ele afirma no pode porque no
pode Eu insisto e cansado, ao mesmo
tempo curioso, ele reponde: t bom...
eu deixo e em seguida comea a ex-
plorar as novas possibilidades de cores
e traos, que descobriu serem possveis.
Repinta a menina, melhor, redesenha.
Muda as cores, sai do limite dos traos,
avana. Se liberta. Experimenta um
novo mundo possvel atravs da arte.
As escolas ensinam nossas crian-
as a seguirem regras. Regras de uma
educao moral e preconceituosa que
envolve traos, linhas, cores, movimen-
tos, que transformam nossos corpos
em corpos enrijecidos e nossas cabe-
as em cabeas que pensam em uma
nica direo. Crianas produzidaspara pintar o mundo da cor que lhes
foi ordenada. Mulheres usam rosa e
homens azul. Mulheres lavam roupa e
homens andam de carro. Perdemos a
voz e o desejo. Aprendemos a no ter
opinio. Perdemos a criatividade e a
liberdade. Crescemos seres frustrados.
Essas so razes que apontam
para a necessidade urgente do uso
do Teatro do Oprimido dentro das
escolas. O mtodo precisa ser usadocomo suporte pedaggico, instrumen-
to poltico de transformao e de luta
por melhores condies de ensino.
Aliado Educao, o Teatro do
Oprimido pode ser usado por profes-
sores, gestores e estudantes, ajudando
a fomentar o dilogo no meio escolar.
O TO no aumenta os salrios ou di-
minui a pobreza, mas contribui para
uma educao dialgica, minimizan-
do os efeitos dos problemas sociais,
pedaggicos e polticos na realidadeescolar, ajudando o indivduo a se tor-
nar protagonista de sua prpria vida.
De 2006 a 2007, Boal e o Centro
de Teatro do Oprimido (CTO) desen-
volveram o projeto Teatro do Opri-
mido nas Escolas, em sete municpios
do estado do Rio de Janeiro, usando
o mtodo na promoo do dilogo
atravs da capacitao de jovens e pro-
fessores de escolas pblicas como Mul-
tiplicadores da Esttica do Oprimido.Todo ser humano, indepen-
O Teatro do Oprimi-
do dentro da escola
instrumento facilitador e
revolucionrio que luta
pela verdadeira Educao
Pedaggica como prtica
da liberdade.
* Coordenadora Geral, atriz e Curinga
do Centro de Teatro do Oprimido,
especialista e facilitadora do Mtodo.
Trabalhou diretamente com Augusto
Boal desde 1990 at a sua morte, em
2009. helensarapeck@ctorio.org.br
professores, estudantes, gestores e co-
munidades, que passam a usar o m-
todo dentro e fora de suas salas de aula.
A EO mais que o despertar artsti-
co daquele ser humano. A EO a forma
dele expressar seu ponto de vista sobre
o mundo. Quando a criana descobre
que a bandeira nacional no representa
o Brasil que temos hoje, e que ela tem
a possibilidade de recriar essa bandeira,
mostrando uma bandeira triste, sem
verde, sem mata, sem paz, ela est redes-
cobrindo a realidade em que vive. Est
refletindo sobre o presente para mudar
seu futuro. Para ampliar suas chances.
Para no ser um analfabeto esttico.
O Teatro do Oprimido dentro da
escola instrumento facilitador e re-
volucionrio que luta pela verdadeira
Educao Pedaggica como prtica
da liberdade, assim como acredita-
vam Paulo Freire e Augusto Boal.
BIBLIOGRAFIA
Ensaio sobre A Esttica do Oprimido Augusto Boal
Artigo Afinal, qual o problema da Educao? -
Michel Aires de Souza
O que Pedagogia? - Paulo Ghiraldelli Jr
A Esttica do Oprimido,
alm de ser apropriada
para a escola urgente.
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10/2010
A rvore do Teatro do Oprimido
Infogrfico
Depois de exilado pelo regime militar, Boal se dedi-
cou a pesquisar formas teatrais que pudessem ser
teis para oprimidos e oprimidas, criando condi-
es para ultrapassarem o papel de consumidores de bens cul-
turais e assumirem a condio de produtores de cultura e de
conhecimento. Para tanto, sistematizou o Teatro do Oprimi-
do, que poderia ser chamado de Teatro do Dilogo que, par-
tindo da encenao de uma situao real, estimula a troca de
experincias entre atores e espectadores, atravs da interven-o direta na ao teatral, visando anlise e a compreenso
da estrutura representada e a busca de meios concretos para
aes efetivas que levem transformao daquela realidade.
Um Mtodo teatral que se baseia no princpio de que o ato
de transformar transformador. Como diria Boal, aquele
que transforma as palavras em versos transforma-se em po-
eta; aquele que transforma o barro em esttua transforma-
se em escultor; ao transformar as relaes sociais e huma-
nas apresentadas em uma cena de teatro, transforma-se em
cidado. Um Mtodo que busca, atravs do Dilogo, restituir
aos oprimidos o seu direito palavra e o seu direito de ser.Boal sempre insistiu que as tcnicas que compem o Mto-
do do Teatro do Oprimido no surgiram como inveno in-
dividual e sim como consequncia de descobertas coletivas, a
partir de experincias concretas que revelaram necessidades
objetivas. Cada uma das tcnicas do Teatro do Oprimido re-
presenta uma resposta encontrada por Boal e pelos colabora-
dores e colaboradoras que acumulou ao longo de sua carreira.
A rvore foi smbolo escolhido pelo prprio Boal para
representar seu Mtodo, por estar em constante transfor-
mao e ter a capacidade de Multiplicao. A rvore do
Teatro do Oprimido representa a estrutura pedaggica do
Mtodo que tem ramificaes coerentes e interdependen-tes. Cada tcnica que integra o Mtodo fruto de uma desco-
berta, uma resposta a uma demanda efetiva da realidade.
TICA E SOLIDARIEDADESuas razes fortes e saudveis estofundadas na tica e na Solidariedadee se alimentam dos mais variadosconhecimentos humanos. O solo doTeatro do Oprimido deve ser frtil,oferecer o acesso a saberes e basepara criaes.
ESTTICA DO OPRIMIDO a seiva que alimenta a rvore, desde asrazes passando pelo tronco, atravessandogalhos e folhas. A Esttica do Oprimido tempor fundamento a crena de que somos todosmelhores do que supomos ser, e capazes defazer mais do que aquilo que efetivamenterealizamos: todo ser humano expansivo.
TEATRO IMAGEMNo Teatro-Imagem, a encenaobaseia-se nas linguagens no-verbais.Esta tcnica teatral transforma ques-tes, problemas e sentimentos emimagens concretas. A partir da leiturada linguagem corporal, busca-se acompreenso dos fatos representa-dos na imagem, que real enquanto
imagem. A imagem uma realidadeexistente sendo, ao mesmo tempo,a representao de uma realidadevivenciada.
TEATRO JORNALO Teatro-Jornal foi uma resposta esttica censuraimposta, no Brasil, no incio dos anos 70, pelos mi-litares, para escamotearem contedos, inventaremverdades e iludirem. Nesta tcnica, encena-se o quese perdeu nas entrelinhas das notcias censuradas,criando imagens que revelam silncios. Criada em1971, no Teatro de Arena de So Paulo, esta tcnicafoi muito utilizada na poca da ditadura militarbrasileira, para revelar informaes distorcidas
pelos jornais da poca, todos sob censura oficial.Ainda hoje usada para explicitar as manipulaesutilizadas pelos meios de comunicao.
TEATRO LEGISLATIVO o desdobramento do Teatro-Frum, ondeos espectadores, alm de entrarem em cenae darem suas alternativas, encaminhamsugestes escritas para a criao de propostaslegislativas, as quais so analisadas, sistema-tizadas, votadas pela platia e encaminhadaspara os rgos capazes de darem os devidosencaminhamentos. A tcnica uma resposta necessidade de ir alm da encenao teatrale de provocar Aes Sociais Concretas e Conti-
nuadas na vida real.
* Por Brbara Santos
* Sociloga, atriz e Curinga do Centro de
Teatro do Oprimido, especialista e facilitado-
ra do Mtodo. Trabalhou diretamente com
Augusto Boal desde 1990 at a sua morte,
em 2009. barbarasantos@ctorio.org.br
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JOGOSAs centenas de Exerccios e Jogos do arse-nal do Teatro do Oprimido esto na basedo tronco da rvore, sendo fundamentaispara o desenvolvimento de todas astcnicas. Esse vasto arsenal auxilia a des-mecanizao fsica e intelectual de seuspraticantes, estimulando-os a buscar suasprprias formas de expresso.
TEATRO FRUM onde a barreira entre palco e platia destruda e o Dilogo implementado.Produz-se uma encenao baseada em fa-tos reais, na qual personagens oprimidose opressores entram em conflito, de formaclara e objetiva, na defesa de seus desejose interesses. O confronto incita a busca poralternativas para o problema encenado.
AES SOCIAIS CONCRETAS CONTINUADASA tcnica uma resposta necessidade deir alm da encenao teatral e de provocaressas aes na vida real. Na rvore doTeatro, a tica e a solidariedade so funda-mentos e guias. A multiplicao, a estratgia.E a promoo de aes sociais concretas econtinuadas, para a superao de realidadesopressivas, a meta.
TEATRO INVISVELSe baseia na encenao de uma ao docotidiano apresentada no local onde poderiater acontecido, sem que se identifique comoevento teatral. Desta forma, os espectadoresso reais participantes, reagindo e opinandoespontaneamente discusso provocada pelaencenao.
ARCO-RIS DO DESEJOTambm conhecido como Mtodo Boal deTeatro e Terapia, um conjunto de tcnicasteraputicas e teatrais utilizadas no estudo decasos onde os opressores foram internaliza-dos, habitando a cabea de quem vive oprimi-do pela repercusso dessas idias e atitudes.
PALAVRA , SOM E IMAGEMA Esttica do Oprimido estimula a descobertadas possibilidades produtivas e criativas, e dacapacidade de representar a realidade produ-zindo Palavra, Som e Imagem promover asinestesia artstica que impulsiona o autoconhe-cimento, a auto-estima e a autoconfiana.
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sero multiplicadores e o mais interesse
que essa experincia to viva e rica
que eles dizem que as boas repercus-
ses do teatro j so sentidas em suas
vidas pessoais, profissionais e poltica.
Essa formao capacita os professo-
res a produzir uma cultura solidria e ti-
ca, no s combatendo intelectual e verbal-
mente a ideologia da cachaa, mulher e
galha, mas criando alternativas concretas,
ldicas e culturais. A alternativa para a inds-
tria cultural, que produz consumidores so
os crculos de cultura, que produzem pro-
tagonistas, seja no teatro ou na sala de aula.
Para Aldo, o Sintese um dina-
mizador do futuro e vem mostrando
a importncia dos formadores no se
sedentarizarem nas salas de aula. Um
dia conquistaremos o direito legtimo do
cuidado de si, do direito cultura como
processo intrnseco da educao. A artenos aproxima da realidade dos estudantes
e das suas famlias, permite meios mais
eficazes de dialogicidade, disse Aldo.
isso a. Boal disse que cidado no
aquele que vive em sociedade, mas
aquele que a transforma. O ser humano
se tornar um cidado ntegro quando
contar sua prpria histria atravs do
seu teatro, da sua rdio e TV comunit-
ria, da sua revista, do seu jornal, da sua
fotografia, da sua msica. Libertao e
autonomia popular se tornam mais vi-veis e palpveis a partir dessa trajetria.
de produo teatral, disse Aldo. So
cerca de 35 participantes na turma Au-gusto Boal, alm de outros tantos terem
participado de cursos nas Oficinas Peda-
ggicas da Resistncia, nos ms de julho.
Como j so professores, muitos j
se sentem motivados a aplicar a meto-
dologia nas salas de aula, ou criar grupos
de teatro na escola. impressionante a
dinmica cotidiana deles. Muitas vezes
trabalham em mais de uma escola para
poder ter dignidade material, s vezes no
almoam e no tm tempo para o cuida-
do de si, para uma caminhada por exem-plo. O teatro tambm acaba sendo um
momento de cuidado desses cuidadores.
Porque a violncia que entra pelas portas
do fundo da escola adoece o professor, e
a violncia da falta de polticas pblicas que
dignifiquem a classe, adoece mais ainda.
Alm do ator e psiclogo Aldo,
tambm atua no curso a Helen Fon-
tes, multiplicadora que foi formada
pelo Centro de Teatro do Oprimido
RJ e que d oficinas com Aldo desde
2007. Comeamos a trabalhar juntos
quando ministrei algumas oficinas emencontros do MST e para dependen-
tes qumicos e coordenamos juntos o
Grupo Humaniza Cena, lembra Aldo.
O grupo j comeou a trabalhar com
histrias de opresso realmente vividas
pelos professores nas escolas ou nas co-
munidades. Est sendo montada uma
cena de teatro para debater com a socie-
dade. A estria est marcada para a confe-
rncia do Sintese em outubro deste ano.
Mudanas - Mas quem pensa que o
trabalho do grupo ficar por a, engana-se.Vrios so os projetos. Os professores
fora. Depois de
uma apresentao
da leitura dramtica
de textos do livro
do professor poeta
Jos dos Santos, pelo grupo Humaniza a
Cena, coordenado pelo ator e psiclogo
Aldo Rezende, resolveu enfrentar um de-
safio. Surge assim o Projeto Palco na Luta,para os professores filiados ao Sintese.
A idia no fazer teatro pelo teatro.
Boal sempre dizia que arte no adorno,
mas poderosa ferramenta de transforma-
o social. As subjetividades opressoras, a
grande mdia, tentculos invisveis do capi-
tal, tudo age atravs da expresso esttica,
aprisionando os sentidos com a criao
sistemtica de espectadores de tudo: da
TV, do teatro, do professor, da poltica.
O Teatro do Oprimido desenvolve
o protagonismo, liberta os nossos sen-
tidos, podemos perceber o mundo de
forma autnoma, crtica e, principalmen-
te, interagindo com ele e o reconstruin-
do com inventividade, garante Aldo.
Para Boal, a quarta parede do te-
atro (parede imaginria que separa os
artistas da platia) to nociva quanto s
paredes que separam as salas de aula da
comunidade. A nossa metodologia em-
podera a platia, que sobe ao palco para
dar alternativas para conflitos reais que
estejam acontecendo com aquele grupo e
empodera a educao quando, atravs demeios estticos, traz a famlia e a comuni-
dade para dentro da escola para debater
e transformar a sociedade, justifica Aldo.
O GRUPO - Quinzenalmente o gru-po de professores filiados ao Sintese se re-
ne. O projeto de um ano, mas certamen-
te ser renovado. A idia revolucionria do
sindicato alcanar o maior nmero de
professores com a metodologia. Quanto
mais pessoas puderem fazer teatro, mais
pessoas gostaro de teatro. Devemos po-pularizar no peas prontas, mas os meios
Numa palestra em Araca-
ju, o economia Mrcio
Pochmann questionava a
platia: quero saber se os sindicatos de
hoje esto preocupados em conservar
o passado ou assumir o protagonismo
do futuro?. No d para responder
por todos os sindicatos, mas tem um
para o qual essa pergunta fica at semsentido: o Sintese, um sindicato do
seu tempo e que vai muito alm dele.
No obstante a duras e amplas
campanhas salariais, por condies de
trabalho, de fiscalizao e acompanha-
mento das polticas pblicas na rea da
educao, o Sintese investe muito em
formao em larga escala, no apenas
dos seus dirigentes, mas da base, isto ,
para todos os seus filiados. Esta ao por
si s j revolucionria nos dias de hoje.
So cursos, seminrios, oficinas,
conferncias, congressos, grupos de
estudo, etc, etc, etc. tudo para que os
professores possam compreender sua
condio de agentes transformadores
da realidade. Um dos exemplos mais
vivos dessa compreenso estratgica do
Sintese a implantao do Projeto Pal-
co de Luta, que vive a experincia de
trabalhar o Teatro do Oprimido, criado
pelo fantstico mestre Augusto Boal.
COMO COMEOU - O namo-
ro entre Sintese e o teatro do oprimidovem de longas datas. Em muitas das
manifestaes pblicas do sindicato a
metodologia do teatro j se fazia presen-
te. A participao ativa de professores,
alunos, pais, da populao era uma
constante. Os calades das Laranjeiras
e Joo Pessoa em Aracaju foram tes-
temunhas de inmeras apresentaes.
Mas essa dilogo criativo com a so-
ciedade ganhou mais corpo quando nas
conferncias e congressos do sindicato o
teatro, nas mesmas perspectivas defendi-das por Augusto Boal, comea a ganhar
SINTESE cria oPalco na Luta
Formao
PALCO DA VIDAExerccios teatrais representam aes
cotidianas.
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13/2013
posto por Augusto Boal uma tentativa
de construo de espaos democrticos
necessrios Educao e Pedagogia.
Na conduo do trabalho de um Curinga
(tcnico artstico-pedaggico do TO), a pa-
lavra democracia uma palavra de ordem.
Todos os procedimentos e processos de
construo esttica devem perpassar por
esse conceito em busca da expresso sin-
cera e autnoma do oprimido, que passa
a ser produtor ativo e no mais consumi-
dor passivo no processo de construoda Esttica e do Teatro do Oprimido.
O curinga foi assim chamado por Boal
por ser uma carta que cabe em qualquer
jogo do baralho. Ele faz produo, minis-
tra oficinas, dirige a cena de teatro, dialoga
com a platia na sesso do Frum e deve
estar pronto, ou ser capar de estar, para
qualquer demanda que surja da sua ativi-
dade de construir espetculos de Teatro.
Boal pregava a necessidade de se
democratizar os meios de produo ar-
tstica ao invs de democratizar a obra
de arte. Pensando de maneira anloga
na educao, seria ento necessrio de-
mocratizar a Pedagogia, permitindo ao
aluno, indicar os caminhos, participar do
planejamento, determinar os mtodos e
procedimentos avaliativos e as metodo-
logias utilizadas na busca pedaggica para
que enfim, pudssemos encontrar uma
atividade que se aproxime do to sonha-
do conceito de democracia na educao.
Trazer para a sala de aula os princpios
do TO urgente e necessrio, pois j no
mais possvel continuarmos com o mo-
Sou um professor. Licenciado,
a minha ocupao consiste em
freqentar salas de aula e lutar
diariamente contra todo um sistema auto-
ritrio e manipulador que encaminha as
crianas, adolescentes e adultos que freqen-
tam a escola, a um metafrico moedor de
carne como se fossem recheio de salsichas.
Atuando em escolas de pblicas,
onde a educao de crianas e a alfabeti-
zao de adultos esta a cargo do pedagogo,
a cada dia de trabalho, a cada reunio de
equipe, fico cada vez mais preocupado e
estarrecido com o que se faz nos cursos
de formao de educadores neste pas.
Tenho visto professores cometerem
atos degradveis contra os seus alunos,
impotentes. O pedagogo, profissional
formado nas universidades para o papel
de alfabetizar crianas e adultos, tem umarepresentao simblica gigantesca para a
vida desses estudantes. A sua presena em
sala de aula, as suas posturas, as suas falas
e, principalmente, as suas escolhas so fun-
damentais e decisivas na vida daqueles que
esto sob a sua tutela no caminho da cons-
truo da conscincia poltica, a cidadania.
Entretanto, comum verificar nes-
tes uma completa falta de conscincia
poltica, de conscincia do seu papel
de cidado, de formador de opinies.
Claro que no so todos, mas raras soas excees onde vemos um educador,
seja ele pedagogo ou arte-educador, que
no traga em si idias preconceituosas
e, pior, que no as propague atravs dos
ensinamentos aos seus alunos, que neces-
sitados de uma referncia, o segue mansa
e pacificamente como bem exigem as
normas de bom comportamento escolar.
Boal, abordando os conceitos de
Educao e Pedagogia, nos d uma fun-
damental direo no sentido de encontrar-
mos respostas, ou as boas perguntas, em
relao ao papel do professor numa escola
O lpis decor rosa
Boal e o papel do professor
* Por Claudio Rocha
* Arte-educador e Curinga Regional do
Centro de Teatro do Oprimido
e numa sociedade. Boal, falando sobre
a Educao, a Pedagogia e a Cultura diz:
Fica claro ento que, ao professor, ne-
cessrio, antes de qualquer coisa, ter a clare-za do significado de cada uma dessas duas
palavras que substanciam o seu fazer pro-
fissional, para que assim evite-se os comuns
erros e desmandos que evidenciam o cur-
rculo oculto que tem como objetivo maior
normalizar os erros e violaes aos Diretos
Humanos j perpetrados na sociedade.
Conjugar esses sabres em busca de uma
prtica que seja o mais prximo possvel do
conceito de democracia (isto levando em
conta que esta nunca existiu na histria da
humanidade) a grande tarefa do professor.
O Teatro do Oprimido (TO), pro-
BIBLIOGRAFIA
BOAL,A. Educao, Pedagogia e Cultura. In. Metaxis
Teatro do Oprimido nas Escolas. Centro de Teatro
do Oprimido. Rio de Janeiro, 2007
Certo dia o meu filho noqueria ir para a aula, per-guntei o por que e ele medisse que os seus colegaso chamavam de veadona sala de aula. Quandolhe perguntei o motivo,
ele me disse que era porque ele quis pintar umdesenho com o lpis decor rosa. Fui escola, epedi aos pedagogos quetomassem uma atitude.No dia seguinte, elecontinuava sem quererir aula. Quando voltei escola e questionei os
pedagogos sobre queatitudes eles haviamtomado no dia anterior, acoordenadora foi enfti-ca: Eu mesma peguei olpis rosa do estojo do seufilho e o quebrei.
Depoimento de uma me so-
bre o seu filho de 5 anos.numa
escola de Salvador - BA.
Educao significa atransmisso do saberexistente. Pedagogia,a busca de novos sa-beres. Essas duas pa-lavras no podem serdissociadas, porqueno podemos aceitarum saber paraltico,
imvel, no-investi-gativo, nem descobri-remos jamais novossaberes sem conheceros antigos.
Augusto Boal
delo educacional que temos hoje em dia.
Fazer do professor um Curinga, mais
que sobrecarreg-lo de atividades, libert-
lo do pensamento estreito que o prende
na condio de especialista e que coloca
sob os seus olhos uma viseira tal qual a que
se coloca em cavalos que puxam carroas,
com a finalidade de evitar o desvio da aten-
o do seu trabalho para um mundo que o
convida novas experincias, pedaggicas.
Transformar o professor em Curinga
seria assim, uma forma de superao daopresso que condenado esse profissio-
nal que deixa de ver no lpis de cor rosa a
possibilidade de abertura para um mundo
democrtico e que respeita as diferenas.
7/31/2019 Revista Paulo Freire_03
14/2014
do grupo Jana Sanskriti (cultura
popular em Indi) e um dos respon-
sveis pela criao da Federao In-
diana de Teatro do Oprimido que
congrega cerca de dois milhes de
indianos; e Olivar Bendelak, curin-
ga do CTO, expondo sobre nossa
experincia do Teatro Legislativo.
O trabalho do multiplicador do
tao de diferentes mesas com dife-
rentes temticas. Na abertura, uma
mesa mostrou a trajetria teatral de
Boal com depoimentos de Rosa
Luiza Marques (Porto Rico), que
pode trabalhar com Boal na Fran-
a, onde ele criou a tcnica Arco-
ris do Desejo, at o Rio de Janeiro,
quando participou das primeiras
experincias de Boal nos CIEPS
e fechando com Brbara Santos,sociloga e curinga do CTO, que
chegou at nossa ltima pesquisa:
A Esttica do Oprimido. Nos dias
de 21 a 23 o debate continuou.
Sempre tnhamos mesas intro-
dutrias s temticas pensadas.
Abrindo com uma
questo fundamen-
tal sobre o que a
opresso hoje e como
trabalhar com esta te-mtica, Julian Boal do
GTO-Paris (Frana) e
Carolina Echeverria (Ar-
gentina), expuseram suas
ideias e debateram com a
platia. Assim, demos pros-
seguimento provocando com
a temtica o Teatro do Opri-
mido como Poltica, onde fo-
ram includos nossos parceiros
de luta: Evelaine Martinez, do
MST; Sanjoy Ganguly, diretor
diferentes pases ou diferentes regi-
es culturalmente to distintas con-
tinuem preservando os princpios
ticos, polticos e artsticos do TO?
Na Conferncia Internacional
de Teatro do Oprimido realizada
de 20 a 26 de julho de 2009, no Rio
de Janeiro, tivemos a oportunidade
de ter a presena de representantes
de 26 pases dos cinco continentes:
Palestina, Sudo, Moambique,Angola, Guin-Bissau, Senegal,
Argentina, Uruguai, ndia, Paquis-
to, Austrlia, Espanha, Portugal,
Canad, Estados Unidos, Alema-
nha, Holanda, Inglaterra, Esccia,
Irlanda, Israel, Frana, Itlia, Filipi-
nas e Brasil, permitindo o encontro
de praticantes que no se viam h
anos e alguns que nunca se viram, a
troca de experincias entre diferen-
tes culturas e pases sobre seus tra-balhos e a linguagem que tem em
comum: o Teatro do Oprimido.
A ideia foi aprofundar o dilogo
e a sistematizao de experincias.
Tivemos espetculos de grupos
de Guin-Bissau, Sergipe, Minas
Gerais, Gois e Rio de Janeiro.
Alm do recurso do vdeo que fa-
cilitou assistir trabalhos do Paquis-
to, Alemanha, Canad, Inglaterra,
ndia, Espanha e Moambique.
Mas o foco maior foi apresen-
OTeatro do Oprimi-
do que uma meto-
dologia teatral criada
pelo teatrlogo Augusto Boal, dire-
tor do histrico Teatro de Arena
de So Paulo, na dcada de 60, e
que em 1971 iniciou esta nova for-
ma de ver e praticar a arte teatral.
Nestes mais de 38 anos de his-tria, multiplicadores do mundo in-
teiro levaram os princpios ticos e
solidrios do Teatro do Oprimido,
sempre tendo no o teatro com o
oprimido, mas do oprimido e para
o oprimido, para que juntos, apren-
dendo um com o outro, possamos
transformar o mundo. Como o di-
logo antdoto do conflito, o Te-
atro do Oprimido tem sido um im-
portante instrumento de Paz, queprecisa ser conquistada e exercitada
cotidianamente, atravs de aes
diretas e da superao da passivida-
de. Assim, hoje, no mundo, difcil
encontrar um pas onde no tenha
um grupo de Teatro do Oprimido
ou uma Universidade importante
que no tenha em seu currculo o
estudo de sua prtica e teoria. In-
felizmente o Brasil uma exceo.
Mas como garantir que o Teatro
do Oprimido (TO) aplicado nos
Centro de Teatro doOprimido ratifca suafora mundial
Teatro do mundo
por Geo Britto*
Livro do Teatro do Oprimido foi
traduzido para vrios idiomas
7/31/2019 Revista Paulo Freire_03
15/2015
podemos discutir os conceitos
do TO, sua ao, nossas respon-
sabilidades e principalmente seu
futuro. Desses dias, conseguimos
trazer para o Rio de Janeiro um
pedao de cada local do mundo.
Esse impressionante movimen-
to teatral, que se amplia cada vez
mais e repercute cultural, social epoliticamente, tem no Brasil uma
de suas principais referencias: o
Centro de Teatro do Oprimido
- CTO. A realizao da primeira
Conferncia Internacional de Tea-
tro do Oprimido, no Rio de Janei-
ro, foi um marco histrico no sen-
tido de lanar as bases estruturais
uma rede Internacional do Teatro
do Oprimido, a partir de um m-
todo sistematizado pelo brasileiro,cidado do mundo, Augusto Boal.
professor da USC-California, fa-
lando sobre sua experincia em
Ruanda; e Geo Britto, coordena-
dor nacional do programa Teatro
do Oprimido na Sade Mental,
realizado pelo CTO em trs es-
tados brasileiros: RJ, SP e SE.
A temtica dos Direitos Huma-
nos no poderia faltar, j que o TO
em muitos lugares considerado
o Teatro dos Direitos Humanos.
Tivemos a mesa introdutria com
o Ministro Paulo Vannuchi, da
Secretaria Especial dos Direi-
tos Humanos e Ceclia Coim-
bra, diretora do Grupo Tor-
tura Nunca Mais. Na mesa de
praticantes: Brbara Santos,
sociloga e curinga do CTO,
falou sobre o projeto Teatro
do Oprimido nas Prises, re-alizado em nove estados bra-
sileiros: SP, PE, RS, RO, RN,
PI, ES, DF e MS; Till Bauman
(Alemanha), que trabalha com
jovens neonazis tas encarcera-
dos; e Adrian Jackson (Ingla-
terra), do CardBoardCitizens,
grupo de moradores de rua.
A mesa final discutiu as possibi-
lidades de se realizar trabalhos em
reas de conflito. Na introdutria ti-vemos a fala de Sergio Andra, che-
fe de gabinete da Secretaria Estadu-
al de Assistncia Social e Direitos
Humanos do RJ, onde falou sobre
seus projetos e principalmente o
Mulheres da Paz. Na mesa de
praticantes, um debate muito ins-
tigante entre Edward Muallen (Pa-
lestina), do Grupo Ashtar, mos-
trando o trabalho de multiplicao
neste pas to massacrado; Jos
Carlos (Guin-Bissau), com otrabalho do GTO-Bissau en-
tre militares e a sociedade civil
no mesmo palco; Chen Alon
(Israel), mostrando que um is-
raelense pode e deve lutar ao
lado dos palestinos contra as
injustias do Governo de Isra-
el; e Justin Billy (Sudo), sobre
o poder no TO num pas divi-
dido. Nos dias 24 a 26 aconte-
ceu o Encontro de Praticantes.Um momento privativo, onde
* Socilogo, ator e Curinga do
Centro de Teatro do Oprimido,
especialista e facilitador do Mto-
do. Trabalhou diretamente com
Augusto Boal desde 1990 at a
sua morte, em 2009. geobritto@
ctorio.org.br
Criado por Augusto Boal em
1986, o Centro de Teatro do
Oprimido - CTO se dedica
pesquisa e ao desenvolvimento
do Mtodo, atuando em todo o
Brasil e apoiando grupos, espe-
cialmente, da Amrica Latina
e da frica. Av. Mem de S, 31
Lapa, Rio de Janeiro (21) 2232-
5826 www.ctorio.org.br
Especialista e facilitador doMtodo.
Teatro do Oprimido no deixa de
ser um trabalho de educador, por
isto a mesa sobre suas relaes se
fez fundamental. Com uma mesa
introdutria onde tivemos a pre-
sena de Moacir Gadotti, presiden-
te do Instituto Paulo Freire, Dan
Baron (EUA), diretor do Instituto
Internacional de Teatro - IDEA
e Doug Paterson (EUA), respon-
svel pela organizao da PTO-
Conference, que h 15 anos junta
centenas de educadores dos EUA
para debater a relao entre a Peda-
gogia do Oprimido e o Teatro do
Oprimido. Na mesa dos pratican-
tes: Alvim Cossa (Moambique),
diretor do GTO-Maputo, que hoje
com mais de 180 grupos em todos
os estados deste pas usa o TO
no combate a AIDS; Luc Opbe-ck e Ronald Matheus, sobre suas
experincia na Holanda; e Helen
Sarapeck, coordenadora artstica
do CTO fala sobre a experincia
do Centro de Teatro do Oprimido
em escolas da Baixada Fluminense.
No dia seguinte, a temtica de
gnero, com uma mesa introdu-
tria com Andria Rodrigues, da
Marcha Mundial das Mulheres
e Jurema Werneck, da entidadeCriola. Na mesa de pratican-
tes, um colorido de mulheres:
Muriel Naessens (Frana); Bir-
git Fritz (ustria); Zaina Raj
(Moambique); Edilta da Silva
(Guin-Bissau); e Claudete Fe-
lix, curinga do CTO, que falou
sobre a experincia de 10 anos
do grupo de empregadas do-
msticas Marias do Brasil.
Na parte da tarde, na mesa da
sade mental, tivemos: Geraldi-ne Ling (Inglaterra), do The La-
wnmowers, grupo de portadores
de dificuldade de aprendizagem;
e Pedro Gabriel Delgado, da Co-
ordenao Nacional de Sade
Mental do Ministrio da Sade,
falando sobre a implementa-
o da Reforma Psiquitrica no
Brasil. Na mesa de praticantes:
Tim Wheler (Inglaterra), dire-
tor do grupo Mind The Gap deBradford; Brent Blair (EUA),
7/31/2019 Revista Paulo Freire_03
16/2016
de aula, geralmente o mtodo usado
como suporte ldico para a introduo
de alguma atividade ou apoio peda-
ggico na discusso de algum tema.
4 Quais resultados se po-dem esperar da aplicao do Te-atro do Oprimido em salas deaula de escolas da rede pblica?
A melhor forma de explicitar o que
penso descrevendo um exemplo ocor-
rido durante o desenvolvimento do pro-
jeto Teatro do Oprimido nas Escolas.
Lembro de uma cena criada por
um multiplicador juntamente com
seu grupo de crianas do 6. Ano do
municpio de Niteri que contava a
histria de um menino e seu professor.
Ele, assim como seu irmo, eram
estudantes da mesma escola, do mes-
mo ano e da mesma sala de aula.Ambos tinham em conseqncia, o
mesmo professor. Acontece que um
deles era dedicado e tmido. Estudava
e sempre tirava boas notas. O outro
era agitado e extrovertido. Sabia dan-
ar, assobiar o canto dos pssaros e
at sapatear, mas no conseguia se
concentrar nos estudos e com isso era
duramente reprimido pelo professor
que o comparava sempre a seu irmo:
Como podem irmos to diferentes?
Um inteligente e o outro mal sabe ler!
A cena era cruel e visivelmente
maior que deve ser a transformao
social e a construo de uma socie-
dade justa, democrtica e igualitria.
2 - Como o Teatro doOprimido pode ser traba-lhado nas escolas pblicas?
De muitas formas distintas.O mtodo pode ser usado pelos
gestores e professores, para facilitar o
dilogo e o entendimento das neces-
sidades referentes aos profissionais
da Educao, bem como com os es-
tudantes e comunidade do entorno
daquela escola, para facilitar o dilogo
e aproximar as partes, colaborando
para que a escola seja parte integran-te da comunidade e no um prdio
isolado e muitas vezes ocioso fora do
horrio escolar. A escola deve ser um
espao democrtico que contribua
com a comunidade onde est inserida.
O Teatro do Oprimido (TO)
pode ser usado dentro e fora da sala de
aula. No horrio escolar ou alm dele.
De forma extremamente ldica,
mas igualmente crtica, o TO pode
ser um excelente dinamizador em
reunies, um colaborar no desenvol-
vimento de qualquer disciplina, bemcomo um instigador e estimulador no
debate de temas tabus, como homos-
sexualidade e violncia domstica.
Por exemplo, de 2006 a 2007 o
Centro de teatro do Oprimido desen-
volveu um projeto Teatro do Opri-
mido nas escolas em municpios flu-
minenses. A proposta visava capacitar
professores e lideranas comunitrias
na metodologia para que pudessem
us-la na facilitao do dilogo dentre
o corpo escolar e entre ele e a comu-nidade aonde a escola est inserida.
O projeto foi desenvolvido dentro
de escolas pblicas e os professores
passaram a usar o Teatro do Opri-
mido com crianas e adolescentes na
discusso de temas como descrimina-
o dos professores, desleixo escolar,
influncia do trfico na escola, falta de
tica, preconceito e relao famlia/escola. Temas que raras vezes so
discutidos dentro da educao formal.
3 Como um (a) profes-sor (a), seja ele de que dis-ciplina for, pode utilizar oTeatro do Oprimido como ferra-menta pedaggica em sala de aula?
Praticamente todas as tcnicas do
Teatro do Oprimido podem ser usadas
em sala de aula, mas devido a falta de
conhecimento da metodologia, aliado
ao curto tempo do professor em sala
A escola deve ser um
espao democrtico
que contribua com a
comunidade onde est
inserida.
1 - Que relao a se-nhora faz entre Teatro doOprimido e educao?
O Teatro do Oprimido (TO)
uma metodologia teatral que se
baseia no fato de que somos teatro e
isso faz parte de nossa natureza huma-
na. O ser humano o nico animal
com a capacidade de se ver em ao.
Agimos e nos observamos em ao ao
mesmo tempo. Essa capacidade nosauxilia no entendimento da realidade
e nos possibilita rever nossas aes,
dialogar sobre elas e transform-las.
O TO um conjunto de jogos e
tcnicas teatrais que visam resgatar esse
potencial humano, tornando-o cons-
ciente, para que possamos usar o teatro
para rever nossas vidas e opresses.
Quando o indivduo representa a
opresso que vive, alm de expurgar
um pouco do sofrimento, ele descobre
que pode dialogar sobre ele com outras
pessoas, na tentativa de descobrir sa-
das para o problema que vive, e que
talvez, muitos vivam assim como ele.
E a idia dialgica do mto-
do criado por Boal essencial no
meio educacional que se encontra
massacrado por problemas de or-
dem poltica, social e pedaggica.
O Teatro do Oprimido (TO) um
instrumento pedaggico que pode e
deve ser usado na educao. Mais que
isso: o TO urgente na educao, es-
pecialmente na educao escolar, queno deve perder de vista o objetivo
Teatro e a educaoEntrevista
Helen Sarapeck coor-denadora geral, atriz eCuringa do Centro deTeatro do Oprimido,especialista e facilitadorado Mtodo. Trabalhoudiretamente com Augus-to Boal desde 1990 at asua morte, em 2009.
7/31/2019 Revista Paulo Freire_03
17/2017
eu disse: a cena de vocs. Vocs so
quem devem dizer se gostariam que
ele visse ou no. E ele, depois de uns
breves segundos de reflexo disse: acho
que vai ser bom ele ver como ele .
Esse tipo de coao, opresso e
humilhao, infelizmente, reinci-
dente entre pessoas que se julgam
educadores. Felizmente, tambm
temos muitos excelentes educadoresem nossas escolas, assim como os
multiplicadores desta escola em Ni-
teri que souberam estimular a refle-
xo em seu grupo, colaborando para
a construo de uma escola melhor.
O mundo pode e ser diferente.
De passo em passo, construiremos a
realidade utpica de um mundo per-
feito, onde a educao tenha espao
privilegiado na vida de nossas crianas.
5 Quais as mensagens Boal,diante de uma platia apenas deprofessores, deixaria para eles?
No sou capaz de adivinhar.
Boal era homem de mui-
tas idias e falas encantadoras.
Prefiro deixar aqui um trecho de
uma texto seu escrito especialmente
para os profissionais da educao.
Educar vem do latim Educare,
que significa conduzir. Educar signi-
fica a transmisso de conhecimentos
inquestionveis ou inquestionados.Significa ensinar o que existe, e que
dado como certo e necessrio.
O Teatro do Oprimi-
do um instrumento
pedaggico que pode
e deve ser usado naeducao.
Praticamente todas
as tcnicas do Teatro
do Oprimido podem
ser usadas em sala de
aula.
causava desconforto em quem assistia,
especialmente ao ver a menina que re-
presentava o professor com uma veraci-
dade e voracidade indescritvel. A cada
ensaio a cena crescia, os atores-estudan-
tes ficavam mais fortes, mais seguros.
Ento, em um dos ensaios que
acompanhamos junto ao multiplicador,
conversamos com as crianas sobre a
cena, a importncia do tema, a discri-minao dentro da escola, a diferena
entre os professores. E ento um dos
meninos presentes, um garoto peque-
no pra idade prxima aos 9 anos, levan-
tou uma questo: essa cena se passou
comigo e sbado agora, vamos apresen-
tar na escola. E eu, ignorando a profun-
didade da indagao, disse: timo. Vai
ser muito bom. Todos vo poder ver o
trabalho bonito de vocs! Ento o me-
nino retrucou: esse que o problema.
O professor vai estar presente. E se ele
se descobrir na cena? Se ele vir que
o professor da cena ele mesmo? E Pedagogia vem do grego paidaggs,
que era o escravo que caminhava com
o aluno e o ajudava a encontrar o ca-
minho da escola e do saber. Educao
significa a transmisso do saber existen-
te; Pedagogia, a busca de novos saberes.
Essas duas palavras no podem
ser dissociadas, porque no podemos
aceitar um saber paraltico, imvel,
nem descobriremos jamais novos
saberes sem conhecer os antigos.
Educao e Pedagogia so duas
irms, ao mesmo tempo, mes e filhas
da Cultura. Filhas, porque a Cultura
existe e se manifesta atravs do
saber que ensina, e do sa-
ber que busca. Mes,
porque atravs delas
nasce uma nova Cultu-
ra, sempre em trnsito.
Trnsito para que fu-turo? Surgem ento os concei-
tos de tica e de Moral. Esta, vem
do latim mores, que significa
costumes. Qualquer costume,
mesmo os mais brbaros
e odiosos, podem fa-
zer parte da Moral
de um lugar e de
uma poca. A
escravido j
foi Moral no
Brasil, e osescravos que
lutavam por sua liberdade eram cha-
mados de fujes e rebeldes hoje, sa-
bemos que foram heris e eram sbios.
Nenhuma Moral social, quando
anti-tica, pode ser aceita s porque
faz parte dos costumes de um infeliz
momento. No podemos aceitar o lati-
fndio e a corrupo, nem a fartura que
lida com a fome estes so males da
ptria contra os quais temos que lutar.
Moral refere-se ao passado que so-
brevive no presente. tica, ao presente
que se projeta no futuro: no queremos
o Brasil como foi, nem como , mas
como queremos ns que seja? Qual a
tica que nos guia e justifica nossas vidas?
Queremos um Brasil em que todos
os brasileiros sejam plenos cidados,
e sabemos que no se pode ser pleno
sem os fundamentos da Educao
basilar, sem as audcias da Culturalivre, e sem o dilogo entre as duas.
7/31/2019 Revista Paulo Freire_03
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que sua perna tendia a flutuar. Coisa
estranha! E, num lampejo, gritou -
Eureka! Havia descoberto o bvio:
Um corpo slido mergulhado em
um lquido recebe um empuxo de
baixo para cima igual ao peso do vo-
lume de lquido deslocado. Nada
mais elementar: no eram necessrias
nem a banheira nem a perna de Ar-
quimedes: qual-
massas e inversa do quadrado das dis-
tncias. lgico, lmpido e cristalino.
Porque, se assim no fosse, a ma
no teria jamais cado na cabea de
Newton: seriam a Terra e Newton que
teriam cado na ma. Isso, hoje, fcil
de entender. Mas foi preciso um gnio
para ver o que todos apenas olhavam.
Arquimedes, tomando banho de
banheira, percebeu
Na Babilnia, quase vinte
sculos antes de Jesus
Cristo, um homem
observou uma ma cada de uma
macieira que rolava por um declive
na ribanceira, e viu o que todos ape-
nas olhavam: a ma rodava tocando
o solo pela circunferncia. S uma
parte da sua superfcie tocava o cho.
O homem se deu conta daquilo queningum antes percebera: para rodar,
a ma no necessitava ser esfrica -
bastaria ser circular. E inventou a roda.
As rodas que vemos rodan-
do pelo mundo, pelos trilhos, pe-
las velozes pistas, pelos mercados,
em casa, na rua, foram inventadas
por um gnio: um homem que
viu o que todos apenas olhavam.
Outra ma, sculos mais tarde,
caiu bem na cabea de Newton quan-do dormia embaixo da rvore. Qual-
quer um de ns teria dado um grito,
feito uma imprecao, dito um pala-
vro do tamanho da nossa dor fsica e
do galo na cabea, teria amaldioado
o reino vegetal. Newton, tranqilo, viu
o bvio: A matria atrai
matria na razo
direta das
Aprendemos a aprenderAugusto Boal
por Augusto Boal *
Paulo Freire ajuda o cidado a desco-
brir, por si, o que traz dentro de si.
quer slido em qualquer lnquido. S
que, antes, ningum tinha traduzido,
em teoria, a prtica das pernas flu-
tuantes. Todos os usurios de todas
as banheiras, piscinas, lagoas, viam
pernas flutuando, cabeas e tron-
cos tambm, e achavam tudo muito
natural, mas s Arquimedes dedu-
ziu a lei que regia tais fenmenos.
Assim so os gnios: descobrem
ou inventam o bvio que ningum v.
Assim aconteceu com Paulo Freire:
descobriu que o vov absolutamente
no viu o ovo, nem a vov viu a ave,mas, ao contrrio - com certeza certa!
- o pedreiro viu a pedra, a cozinheira o
feijo, e o lavrador a enxada. O oper-
rio e o campons no viam o salrio,
as frias, o direito escolaridade dos fi-
lhos, sade. O trabalhador no via a
hora de descansar. O faminto, a hora
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*Teatrlogo, ensasta e diretor artsti-
co do Centro de Teatro do Oprimido
de 1986 at 2009.
O ato de aprender a ler aprender a pensar, e
pensar uma forma de
ao.
de comer. O povo, a hora da redeno.
O ato de aprender a ler apren-
der a pensar, e pensar uma forma de
ao. Assim, apesar de vovs e vovs
das antigas cartilhas serem dignos de
todo respeito, aves e ovos dignos de
todo cuidado, o campons precisa
saber como se escreve o nome da foi-
ce com que lavra a terra, o pedreiro
o nome do tijolo com que constri
a casa, a cozinheira os nomes com
que condimenta o feijo e a farinha.
Desenhando em letras e palavras
a dor que o pobre sentia na carne, -
mas sem esquecer os desenhos do
sonho e da esperana! - Paulo Freire
inventou um Mtodo, o seu, o nosso,
o Mtodo que ensina ao analfabeto
que ele perfeitamente alfabetizado
nas linguagens da vida, do trabalho,
do sofrimento, da luta, e s lhe faltaaprender a traduzir em traos, no
papel, aquilo que j sabe e vive no
seu cotidiano. Maiutico, socrtico,
Paulo Freire ajuda o cidado a des-
cobrir, por si, o que traz dentro de si.
E, neste processo, aprendem o
professor e o aluno: A um campo-
ns ensinei como se escreve a palavra
arado; e ele me ensinou como us-lo!
- disse um professor rural. S pos-
svel ensinar alguma coisa a algum
quando esse algum, a ns, alguma
coisa ensina. O ensino um proces-
so transitivo - diz o nosso Mestre
um dilogo, como deveriam ser di-
logos todas as relaes humanas: ho-
mens e mulheres, negros e brancos,
classes e classes, pases e pases. Mas
sabemos que esses dilogos - se no
forem carinhosamente cuidados ou
energicamente exigidos - bem cedo
se transformam em monlogos, onde
apenas um dos interlocutores tem di-
reito a palavra: um gnero, uma clas-
se, uma raa, um pas. Os outros so
reduzidos ao silncio, obedincia:
so os Oprimidos. Esse o conceitoPaulo-Freiriano de opresso: o dilo-
go que se transforma em monlogo.
O Rei Afonso VI da Espanha teria
dito certa vez: Se Deus tivesse pedido
a minha opinio antes de criar o mun-
do, eu teria aconselhado alguma coisa
bem mais simples, descomplicada.
Paulo Freire, de certa forma, descom-
plicou o ensino. Embora Deus nada
lhe tenha perguntado - isto, o que
consta oficialmente, mas no ntimoestou convencido de que perguntou
sim, porque eles conversavam muito! -
Paulo criou alguma coisa mais simples,
mais humana do que as complicadas
formas autoritrias de ensino que
obstaculizavam o aprendizado.
Com Paulo Freire aprendemos a
aprender. Com o seu Mtodo, alm
de se aprender a ler e a escrever,
aprende-se mais: aprende-se a conhe-
cer e respeitar a alteridade, o outro, o
diferente. Meu semelhante a mim se
assemelha, mas no sou eu; a mim se
assemelha: com ele me pareo. Dialo-
gando aprendemos, ganhamos os dois,
o professor e o aluno, pois que alunos
somos todos, e professores tambm.
Existo porque existem. Minha iden-
tidade sou eu e so os outros. Para
que se escreva em uma pgina branca
necessrio um lpis negro; para
que se escreva em um quadro negro
necessrio que o giz tenha outra cor.
Para que eu seja, preciso que sejam.
Para que eu exista preciso quePaulo Freire exista. Esta homenagem
nos mostra que, em cada um de ns,
um pouco dele existe - existe e cresce.
Onze anos atrs, em Omaha,
Nebraska, nos Estados Unidos, l foi
a primeira e nica vez em que eu e
Paulo Freire nos encontramos lado a
lado na mesma mesa, em um grande
teatro local, respondendo s mesmas
perguntas de mais de mil professores
e especialistas que l estavam parti-cipando da Conferncia anual que
desde 1993 se realiza naquele pas:
Pedagogia e Teatro do Oprimido.
Depois de duas horas de conversa,
estava com a palavra Paulo Freire
quando a desajeitada coordenadora
da mesa anunciou, vacilante e buro-
crtica, que o seu tempo estava esgo-
tado. Paulo respondeu: O meu tem-
po pode estar esgotado, mas o meu
pensamento no: eu vou continuar.
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