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O Trecheiro Notícias do Povo da Rua Ano XX Julho 2011 - Nº 199 IMPRESSO Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected] Alderon Costa Mesmo no frio preferem a rua O frio desse ano já deixou os “com casa” em estado de alerta. Mesmo com o conforto, casa, cama, cobertores e aque- cedores, as baixas temperatu- ras desse ano preocupam. Imaginem a situação dos “sem-tetos” que além do frio precisam enfrentar a incom- petência dos órgãos munici- pais que não fazem planeja- mento adequado para acolher a diversidade de pessoas que são obrigadas a morar nas ruas da cidade de São Pau- lo. Além do mais, retiram cobertores doados por orga- nizações sociais e lavam as calçadas de madrugada mo- lhando pessoas e pertences. Dona Maria Ruth Ferreira da Silva, 46 anos, nascida em La- vras (MG), há 29 anos em São Paulo e nove anos em situação de rua declara que tem proble- mas com drogas, mas graças à fogueira e à solidariedade ela e seus companheiros conseguem sobreviver. “Estou na rua por- que são muitos problemas, en- volve muitas coisas e acabou não dando certo e fui parar na rua. Ai de nós se não fossem as comunidades que trazem comida! A Prefeitura só faz tirar a gente, até os cobertores da gente eles tomam. Esta ca- sinha que você está vendo foi feita com os cobertores que es- condemos. Acordei cedo e es- condi. Se ficar esperando, eles levam tudo”, declarou Ruth. Para Ednilton Costa de Oli- veira, 29 anos, foi para rua porque perdeu a família. Já passou por vários albergues e tem muitas reclamações. “Têm alguns desses lugares que os monitores tratam a gente ruim e alguns companheiros de rua não sabem respeitar a área. O albergue tem muitas regras e os moradores de rua não con- seguem seguir estas normas. Corre droga e bebida dentro dos albergues. Muitos não vão para o albergue porque não querem saber de pernoite, mas vaga fixa”, reclama Ednilton. Já para o enfermeiro de- sempregado, Valdir Pinto que cuida de uma senhora que fica sentada na passarela da Pra- ça das Bandeiras, no Centro, o problema não é o frio, mas sim a limpeza urbana e as di- ficuldades com os albergues. “Então, no dia15 de julho, es- tava com a Maria aqui na pas- sarela, quando deu três horas da manhã chegou um carro da GCM e nos acordaram e pe- diram para sair para o pessoal da limpeza jogar água pela se- gunda vez numa mesma noite. A placa do caminhão era EQG 7139. Não vou para o albergue porque eles difamam sua ima- gem e qualquer coisa colocam seu nome na lista de pessoas com problemas e o nome da gente acaba sendo riscado”, reclama Valdir. Para Jean Manoel Carvalho de Sousa, a rua é mais limpa e segura do que os albergues. “Estou em situação de rua por falta de vaga em albergues e quando aparece são nos alber- gues com surto de muquirana (piolo). Não vou pegar uma cama com muquirana e cor- rer o risco de ter minha bolsa roubada. A solução é matar as muquiranas e dar uma coisa digna. Não adianta abrir va- gas e não sermos atendidos antes da meia-noite”, ques- tiona Jean. Graças à fogueira e à solidariedade ela e seus companheiros conseguem sobreviver” OCAS” completa nove anos renovada A revista OCAS”, lançada em julho de 2002, completa nove anos neste mês. E surge reno- vada visualmente e também no conteúdo. A publicação, que circula em São Paulo e no Rio de Janeiro, é um instrumento de geração de renda para pessoas sem emprego. Os vendedores compram a revista por R$ 1 e a vendem pelo preço de capa, R$ 4. A diferença, R$ 3, fica com o vendedor, sem intermediários. Entre as novidades, está a conquista de um novo colabo- rador, o cartunista Paulo Caru- so, um dos grandes mestres do humor gráfico brasileiro. Ele se junta ao escritor, roteirista e dramaturgo Fernando Bonassi e ao ilustrador Carvall, há anos com a OCAS”. Uma nova seção, batizada de “lado B”, traz convidados espe- ciais escrevendo sobre facetas desconhecidas do público. O primeiro é o escritor Ricardo Lí- sias, autor de “O livro dos man- darins”, entre outros. Ele conta como o xadrez se transformou em uma de suas paixões. As notícias internacionais, que apareciam na revista apenas esporadicamente, ganham uma seção fixa, “o mundo”. Nela, o leitor terá a oportunidade de conhecer melhor a produção de jornais e revistas que, como a OCAS”, compõem a Rede In- ternacional de Publicações de Rua (INSP, na sigla em inglês). São mais de 100 publicações de cerca de 40 países. Na edição de aniversário, uma reporta- gem especial mostra a dolorosa realidade da população do Su- dão do Sul, que se separou do Norte e foi reconhecido como país no dia 9 de julho. Além da pobreza que atinge a maioria da população, milhões ficaram cegos após contato com parasi- tas que infestavam as águas do rio Nilo. Visualmente, a revista tam- bém está diferente. Agora a publicação explora mais o uso das cores e dá maior liberdade para criar interfe- rências do texto na imagem e vice-versa, o que garante um ar mais contemporâneo para o design da revista. Além das mudanças – ado- tadas para que a revista fique ainda mais atrativa –, o leitor poderá conferir na edição de aniversário a entrevista fei- ta com Criolo. Há 23 anos na cena hip-hop, o rapper fala sobre seu novo disco, “Nó na Orelha”, e apresenta o Grajaú, bairro da zona sul de São Paulo onde foi criado. A reportagem da OCAS” também conversou com Eval- do Mocarzel, diretor de docu- mentários como “À Margem da Imagem”, sobre pessoas em situação de rua, “À Margem do Concreto”, sobre ocupa- ções, e “À Margem do Lixo”, sobre catadores de papel, entre outros. E, com a participação de alguns vendedores da re- vista, fez uma entrevista com o cineasta Ugo Giorgetti, que prepara um novo filme, “Cor- da Bamba”, sobre pessoas que fizeram resistência à ditadura militar, mas sem pegar em ar- mas. Em agosto, para a edição comemorativa dos 20 anos, vamos publicar diversos depoimentos sobre o jornal. Escreva o seu: “O que é O Trecheiro para você e qual a sua relação com ele? Envie: [email protected] Participe! Fotos: Alderon Costa Viaduto Alcântara Machado - Brás Rua Cruzeiro do Sul - Tietê Largo do Café - Centro Viaduto Alcântara Machado - Brás

199 O Trecheiro julho de 2011 · 2017. 9. 13. · Julho 2011 - Nº 199 O Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP –

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Page 1: 199 O Trecheiro julho de 2011 · 2017. 9. 13. · Julho 2011 - Nº 199 O Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP –

O Trecheiro Notícias do Povo da Rua

Ano XX Julho 2011 - Nº 199

IMPRESSO

Rede Rua de Comunicação - Rua Sampaio Moreira, 110 – Casa 9 – Brás – 03008–010 São Paulo SP – Fone - 3227-8683 - 3311-6642 - [email protected]

Alderon Costa

Mesmo no frio preferem

a rua

O frio desse ano já deixou os “com casa” em estado de alerta. Mesmo com o conforto, casa, cama, cobertores e aque-cedores, as baixas temperatu-ras desse ano preocupam.

Imaginem a situação dos “sem-tetos” que além do frio precisam enfrentar a incom-petência dos órgãos munici-pais que não fazem planeja-mento adequado para acolher a diversidade de pessoas que são obrigadas a morar nas ruas da cidade de São Pau-lo. Além do mais, retiram cobertores doados por orga-nizações sociais e lavam as calçadas de madrugada mo-lhando pessoas e pertences.

Dona Maria Ruth Ferreira da Silva, 46 anos, nascida em La-vras (MG), há 29 anos em São Paulo e nove anos em situação de rua declara que tem proble-mas com drogas, mas graças à fogueira e à solidariedade ela e seus companheiros conseguem sobreviver. “Estou na rua por-que são muitos problemas, en-volve muitas coisas e acabou não dando certo e fui parar na rua. Ai de nós se não fossem as comunidades que trazem comida! A Prefeitura só faz tirar a gente, até os cobertores da gente eles tomam. Esta ca-sinha que você está vendo foi feita com os cobertores que es-condemos. Acordei cedo e es-

condi. Se fi car esperando, eles levam tudo”, declarou Ruth.

Para Ednilton Costa de Oli-veira, 29 anos, foi para rua porque perdeu a família. Já passou por vários albergues e tem muitas reclamações. “Têm alguns desses lugares que os monitores tratam a gente ruim e alguns companheiros de rua não sabem respeitar a área. O albergue tem muitas regras e os moradores de rua não con-seguem seguir estas normas. Corre droga e bebida dentro dos albergues. Muitos não vão para o albergue porque não querem saber de pernoite, mas vaga fi xa”, reclama Ednilton.

Já para o enfermeiro de-

sempregado, Valdir Pinto que cuida de uma senhora que fi ca sentada na passarela da Pra-ça das Bandeiras, no Centro, o problema não é o frio, mas sim a limpeza urbana e as di-fi culdades com os albergues. “Então, no dia15 de julho, es-tava com a Maria aqui na pas-sarela, quando deu três horas da manhã chegou um carro da GCM e nos acordaram e pe-diram para sair para o pessoal da limpeza jogar água pela se-gunda vez numa mesma noite. A placa do caminhão era EQG 7139. Não vou para o albergue porque eles difamam sua ima-gem e qualquer coisa colocam seu nome na lista de pessoas

com problemas e o nome da gente acaba sendo riscado”, reclama Valdir.

Para Jean Manoel Carvalho de Sousa, a rua é mais limpa e segura do que os albergues. “Estou em situação de rua por falta de vaga em albergues e quando aparece são nos alber-gues com surto de muquirana (piolo). Não vou pegar uma cama com muquirana e cor-rer o risco de ter minha bolsa roubada. A solução é matar as muquiranas e dar uma coisa digna. Não adianta abrir va-gas e não sermos atendidos antes da meia-noite”, ques-tiona Jean.

“Graças à fogueira e à solidariedade ela e seus companheiros

conseguem sobreviver”

OCAS” completa nove anos renovadaA revista OCAS”, lançada em

julho de 2002, completa nove anos neste mês. E surge reno-vada visualmente e também no conteúdo. A publicação, que circula em São Paulo e no Rio de Janeiro, é um instrumento de geração de renda para pessoas sem emprego. Os vendedores compram a revista por R$ 1 e a vendem pelo preço de capa, R$ 4. A diferença, R$ 3, fi ca com o vendedor, sem intermediários.

Entre as novidades, está a conquista de um novo colabo-rador, o cartunista Paulo Caru-so, um dos grandes mestres do humor gráfi co brasileiro. Ele se junta ao escritor, roteirista e dramaturgo Fernando Bonassi e ao ilustrador Carvall, há anos com a OCAS”.

Uma nova seção, batizada de “lado B”, traz convidados espe-ciais escrevendo sobre facetas desconhecidas do público. O primeiro é o escritor Ricardo Lí-sias, autor de “O livro dos man-darins”, entre outros. Ele conta como o xadrez se transformou em uma de suas paixões.

As notícias internacionais, que

apareciam na revista apenas esporadicamente, ganham uma seção fi xa, “o mundo”. Nela, o leitor terá a oportunidade de conhecer melhor a produção de jornais e revistas que, como a OCAS”, compõem a Rede In-ternacional de Publicações de Rua (INSP, na sigla em inglês). São mais de 100 publicações de cerca de 40 países. Na edição de aniversário, uma reporta-gem especial mostra a dolorosa realidade da população do Su-dão do Sul, que se separou do

Norte e foi reconhecido como país no dia 9 de julho. Além da pobreza que atinge a maioria da população, milhões fi caram cegos após contato com parasi-tas que infestavam as águas do rio Nilo.

Visualmente, a revista tam-bém está diferente. Agora a publicação explora mais o uso das cores e dá maior liberdade para criar interfe-rências do texto na imagem e vice-versa, o que garante um ar mais contemporâneo para

o design da revista. Além das mudanças – ado-

tadas para que a revista fi que ainda mais atrativa –, o leitor poderá conferir na edição de aniversário a entrevista fei-ta com Criolo. Há 23 anos na cena hip-hop, o rapper fala sobre seu novo disco, “Nó na Orelha”, e apresenta o Grajaú, bairro da zona sul de São Paulo onde foi criado.

A reportagem da OCAS” também conversou com Eval-do Mocarzel, diretor de docu-mentários como “À Margem da Imagem”, sobre pessoas em situação de rua, “À Margem do Concreto”, sobre ocupa-ções, e “À Margem do Lixo”, sobre catadores de papel, entre outros. E, com a participação de alguns vendedores da re-vista, fez uma entrevista com o cineasta Ugo Giorgetti, que prepara um novo fi lme, “Cor-da Bamba”, sobre pessoas que fi zeram resistência à ditadura militar, mas sem pegar em ar-mas.

Em agosto, para a edição comemorativa dos 20 anos, vamos publicar diversos depoimentos sobre o jornal. Escreva o seu:

“O que é O Trecheiro para você e qual a sua

relação com ele? Envie: [email protected]

Participe!

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Viaduto Alcântara Machado - Brás

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Largo do Café - Centro

Viaduto Alcântara Machado - Brás

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página 2 O Trecheiro

O Trecheiro Notícias do Povo da Rua

Rua Sampaio Moreira,110 - Casa 9 - Brás - 03008-010 - São Paulo - SP - Fone: (11) 3227-8683 3311-6642 - Fax: 3313-5735 - www.rederua.org.br - E-mail: [email protected]

REDE RUA DE COMUNICAÇÃO

CONSELHO EDITORIAL:Arlindo Dias EDITORAlderon CostaMTB: 049861/0157

EQUIPE DE REDAÇÃO: Alderon CostaCleisa RosaDavi AmorimMaria Carolina FerroRenata Bessi

REVISÃO:Cleisa Rosa

FOTOGRAFIA: Alderon Costa DIAGRAMAÇÃO: Fabiano Viana

ApoioArgemiro Almeida

Andreza do Carmo Karina C. AragãoVagner CarvalhoJoão M. de Oliveira

IMPRESSÃO: Forma Certa5 mil exemplares

“Vendem-se praças, viadutos e calçadas”

EDITORIAL

Na cidade de São Paulo, observamos atualmente profun-do agravamento da situação das pessoas em situação de rua e verdadeira farra dos políticos culminando neste mês com a notícia de que o prefeito Gilberto Kassab e a vice Alda Marco Antonio tiveram aumento de 95% e seus salários foram al-terados para R$ 24.117,62 e R$ 21.705,86, respectivamente. Alguma relação entre esses dois fatos?

Outro agravante: a Prefeitura também se prepara para ven-der praças e imóveis que estejam com o valor de mercado vantajoso. A idéia é trocar terrenos por construção de creches e assim aumentar vagas da rede municipal. Neste sentido, re-cebemos um grito de socorro: “Preciso da ajuda urgente de todos!” Vejam o que escreveu uma militante da Cooperativa da Chácara Santo Antonio: “O prefeito de São Paulo, Gilberto Kassab está vendendo muitos terrenos públicos em áreas va-lorizadas da cidade. No bairro em que resido, região da Chá-cara Santo Antonio (Granja Julieta), a cooperativa de catado-res sofreu um incêndio criminoso em 2008, ocasião em que a Prefeitura prometeu tirá-los de lá, mas até o momento nada se fez. Agora, colocou o terreno onde funciona a cooperativa à venda, local também sede do Museu de Santo Amaro”. Antes que a tragédia aconteça é preciso ampliar e muito a mobiliza-ção dos grupos envolvidos diretamente.

A prática de reajuste de salário é comum a todos nós assa-lariados como um direito, mas nada comparada aos aumentos exorbitantes feitos pelos políticos, dignos de CPI. A prática de vender terrenos também não é nova, o problema é a forma como ela está sendo feita: sem consultas públicas e sem trans-parência.

Para aqueles que não têm terreno nem para ser enterrado, ainda mais para dormir ou morar durante a vida, a situação é ainda mais grave. Geralmente, os equipamentos que atendem pessoas em situação de rua são antigas fábricas, depósitos, ofi -cinas mecânicas ou viadutos, locais alugados e/ou adaptados para essa acolhida. A difi culdade é ainda maior pela escassez de amplos espaços para esta fi nalidade. Além da adequação do imóvel, enfrenta-se o problema com a vizinhança, o valor dos aluguéis e a desconfi ança dos proprietários com relação à Prefeitura. Segundo funcionários da Secretária da Smads, di-nheiro não falta, o que não se consegue são os imóveis para lo-cação. Por que é possível para o Metrô realizar grandes desa-propriações e para o social nem se pensa nessa possibilidade?

O frio chegou e cada dia a cidade registra temperaturas mais baixas. O número de pessoas nas ruas é muito grande. Para se ter uma ideia, numa distribuição de roupas que acon-teceu no centro da cidade no dia 6 de julho foi possível contar mais de 200 pessoas na região do Largo São Francisco, no centro de São Paulo. Na Praça da Sé, com toda a repressão policial existente, em menos de dez minutos, juntaram-se mais de 100 pessoas para pegar cobertores. Gente que não tínhamos dúvida que precisava daquela ajuda. É importante lembrar que a população de rua vem denunciando que eles recebem cober-tores à noite e pela manha a “Limpeza Urbana” molha, toma e joga no caminhão que recolhe o lixo da cidade.

Aumentos salariais, vendas de imóveis, investimentos na segurança pública para quem? O que sobra para as pessoas em situação de rua? Quem sabe o Prefeito Kassab não vende os baixos de viadutos e calçadas e sugira em troca casas para as pessoas em situação de rua?

Senhor Prefeito, as vagas nas ruas também já estão no fi m! Talvez, depois do frio surjam algumas devido às mortes pro-vocadas pelo inverno rigoroso que só não foi pior porque mui-tos paulistanos foram e continuam sendo solidários.

Por que não condicionar os novos empreendimentos a co-tas de moradia para famílias que estão na iminência de irem para as ruas?

Alderon Costa

VIDA NO TRECHOUm banco vazio no Largo

Santa Cecília

Julho de 2011

Maria de Medeiros Pereira, carioca de 72 anos, conhecida como dona Mara, moradora do Largo Santa Cecília, faleceu na manhã do dia 11 de junho de 2011, num domingo, no Pron-to-Socorro da Barra Funda, para onde foi levada no sába-do, depois de muitas tentativas frustradas de atendimento pelo SAMU.

Conheci dona Mara, dois me-ses antes de sua morte, apre-sentado pela Tina Galvão, mo-radora dos arredores do Largo Santa Cecília que já expressava sua preocupação com a saúde de Mara e para onde poderia encaminhá-la para os cuidados que se faziam urgentes.

O nó do problema é que ela sempre se recusou a sair do Largo. Ninguém conseguia convencê-la de se tratar. Foi so-licitada uma interdição judicial ao Ministério Público para que alguém cuidasse dela, mas não se conseguiu.

Muitas histórias são con-tadas sobre ela, mas o fato é que ela fez do Largo sua casa, dos bancos sua poltrona e dos transeuntes e moradores seus familiares. Seu companheiro conhecido como Elias da Silva, aparecia quase sempre para lhe trazer comida. Havia notícia que sua fi lha mora no Rio de Janeiro.

Segundo frequentadores do Largo, Mara já teve uma vida “muito boa”. Ela recebia uma pensão que era de sua mãe de, aproximadamente, R$ 2.000,00 (dois mil reais) que, segundo alguns, quem admi-nistrava esse dinheiro era seu

Ruagenda.............

companheiro. Conta-se que ela sempre ajudou os moradores de rua e que, antes de ir para rua morava em hotéis.

Assim era dona Mara que agora vai deixar o Largo Santa Cecília mais vazio. E para aque-les que a conheceram e acom-panharam seus últimos momen-tos, uma revolta pelo jeito que veio a falecer.

No sábado, dia 11 de junho, chamado pela Tina, encontrei-a sentada num banco que fi ca bem perto da Igreja. Quando a vi, pensei que já estivesse morta. Ainda respirava forte e parecia lutar para viver mui-to mais. Não foi fácil conse-guir um atendimento para ela, como tem sido para todos que estão na rua. Ao lado do banco onde estava Mara, uma base da GCM (P70330) e mais ao fun-do do Largo, uma base da PM. A GCM dizia que não podia levá-la ao hospital e já tinha acionado o SAMU (protocolo 831732 – 14 horas). Já eram 16 horas e o SAMU não chegava. Mara permanecia sentada, ou

melhor, quase deitada no banco. Ás 16h10 chegou a ambulância do SAMU e os profi ssionais fi -zeram todos os procedimentos de emergência e levaram Mara para o Pronto-Socorro da Barra Funda.

Infelizmente, o esforço de tantas pessoas veio tarde. O cor-po da Mara já não tinha mais resistência. Sua morte já vinha sendo anunciada por aqueles que a conheciam. Ninguém consegue viver tanto tempo nas condições em que Mara e tantos outros companheiros vivem nas ruas.

Mara morreu e muitos outros devem estar morrendo nesse momento porque o Estado não está preparado para salvar es-sas vidas “que não valem nada” aos olhos de muitos. Só atrapa-lham! Uma moradora de rua a menos. O Largo está com um banco vazio!

No cemitério, seu companhei-ro, este jornalista e três funcio-nários da Prefeitura acompa-nharam o enterro que Mara já deixara pago.

Lançamento do livro: População em Situação de Rua – um olhar sobre a exclusão Autor: Alcides Alexandre de Lima BarrosData: 2 de agosto de 2011 (terça-feira)Horário: 14 horas Local: Espaço Metodista 24 Horas Rua Major Diogo, 285 - Bela Vista - São Paulo

Lançamento: Bicicloteca Data: 25 de julho (segunda-feira)Horário: 16 horas Local: Biblioteca Mário de AndradeRua da Consolação, 94 - São Paulo Robson Mendonça nos enviou para divulga-ção o lançamento da Bicicloteca, iniciativa do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo em parceria com o Instituto Mobilidade Verde, que merece ser conferida. Parabéns!

Seminário de Direitos Humanos: Políticas Públicas Humani-zadas de Segurança para o Ordenamento do Espaço Urbano

Dia: 11 de agosto de 2011 (quinta-feira)Horário: das 19 às 21 horasLocal: Câmara Municipal de São Paulo Sala Dr. Oscar Pedroso HortaViaduto Jacareí, 100 - Bela Vista – São Paulo

Foto: Alderon Costa

No dia 17/6, no Largo Santa Cecilia, amigos e conhecidos fi zeram homenagem a dona Mara

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Julho de 2011 página 3 O Trecheiro

TrecheirinhasCleisa Rosa com colaboração de Alderon Costa e Jacinto Mateus de

Oliveira (Brasília)

No dia 27 de junho, houve o lançamento de Os Prota-gonistas dessa História, 12 DVDs com depoimentos de 60 jornalistas que parti-ciparam de jornais que di-fundiam ideias contrárias regime militar. Esta coleção faz parte do projeto Resis-tir é Preciso…, iniciativa do Instituto Vladimir Herzog em parceria com o Memo-rial da Resistência de São Paulo, Governo do Estado, Imprensa Oficial, Petrobrás e Governo Federal.

Para José Luiz Del Royo, historiador e um dos co-ordenadores da pesquisa, “esta coleção é o primeiro passo de um projeto bem maior, que prevê progra-mas para a TV, publicações e exposições. Temos muitos depoimentos sobre o perío-do dos 20 anos de ditadura no Brasil de 1964 a 1984”, disse em entrevista ao nosso grupo.

Esta visita foi programada por participantes do Ponto de Encontro e Cultura e do Ponto Cultural Ocas pela importância do ato e pela possibilidade de venda co-letiva da revista OCAS”. Estiveram presentes: Pilar, Zeca, Michel, Valter Ma-chado, Paulinho, Eduardo, Regina (Tieko), Debora e Cleisa.

“Este era um evento fe-chado e temos que parabe-nizar a Pilar pelos contatos feitos. Foi impressionante a demonstração de simpatia com a revista OCAS”, disse Debora Galvani, do projeto Metuia e do curso de Tera-pia Ocupacional (USP).

Na abertura, houve apre-sentação do Coral Martin Luther King, em meio a conversas entre os 200 con-vidados, petiscos e bebidas. Dentre autoridades munici-

Cleisa RosaFoto: Michel Deamátes

“Resistir é Preciso...”Programa social em Maceió O Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitora-

mento da Política Municipal para a População em Situação de Rua, criado em razão dos assassinatos ocorridos na cidade em 2010, elaborou um plano com serviços de trabalho e geração de renda, assistência social, saúde, habitação, se-gurança alimentar, educação, esporte e lazer para população em situação de rua. (OAB/Alagoas)

Moradia Social Foi aprovado no dia 6 de julho de 2011 pela Comissão de

Desenvolvimento Urbano, o projeto de lei da Moradia Social (PL 6342/2009) de Paulo Teixeira (SP) e Zezéu Ribeiro (BA) que cria unidades habitacionais (parque público e privado) para garantir moradia digna para a população de baixa renda dentro do Sistema Nacional de Habitação.

Criação de empregosO projeto de lei (PL 2470/2007) de Paulo Teixeira foi aprova-

do no dia 13 de julho de 2011 pela Comissão de Seguridade Social. Essa proposta prevê que as empresas vencedoras de licitações de obras e serviços públicos devem admitir pessoas em situação de rua como funcionários sempre que o trabalho a ser realizado for compatível com o uso de mão de obra de qualifi cação básica.

Morador de rua morre de frio Marco Antônio dos Santos, 45 anos, morreu na madrugada

do dia 8 de julho, possivelmente de frio, segundo acredita a polícia. A temperatura era de 7º. O seu corpo foi encontrado em uma viela no Jardim Promeca, em Várzea Paulista (Agên-cia Bom Dia).

Espancado em BrasíliaMais um caso de agressão contra morador de rua foi regis-

trado no dia 6 de julho, desta vez, na Asa Norte. Segundo o Corpo de Bombeiros, Joilson Ferreira, 24 anos, foi espancado e esfaqueado na altura do ombro direito, na 714 Norte, próxi-mo a um restaurante. Os bombeiros encaminharam a vítima ao Hospital de Base e seu estado é estável.

Morte em Curitiba Um morador de rua morreu carbonizado na madrugada,

por volta da 1 hora, do dia 29 de junho no bairro Juvevê, em Curitiba. De acordo com a Delegacia de Homicídios, o homem tinha 35 anos, era carrinheiro e sempre dormia nas ruas do bairro. A delegacia investiga se alguém colocou fogo no homem ou se foi algum acidente, quando ele tenta-va se aquecer.

Gás de pimenta de volta Integrantes da União dos Movimentos de Moradia de São

Paulo fi zeram manifestação no dia 28 de junho (terça-feira) em frente ao prédio da Secretaria Municipal de Habitação para aprovar projetos do Programa Minha Casa Minha Vida, que estão há um mês em tramitação no setor de aprovação da secretaria. A resposta veio rápido: a manifestação foi reprimida com gás de pimenta pela Guarda Civil Metropolitana.

“Copa para quem?” Representantes de movimentos sociais, partidos e ONGs

da região de Itaquera pretendem organizar manifestações contra a remoção de famílias previstas na área por causa da construção do estádio do Corinthians, cotado para receber o primeiro jogo da Copa do Mundo de 2014. Ao menos 3.000 famílias terão de deixar suas casas, segundo integrantes do movimento “Copa para Quem?”, criado por moradores e entidades.

Política Nacional Segundo Nina Laurindo e Anderson Miranda que estiveram

em Brasília para reunião do Comitê Intersetorial de Acompa-nhamento da Política Nacional da População em Situação de Rua, que ocorreu nos dias 13 e 14 de julho, o texto da Política Nacional está em revisão e deve ser publicada até o fi nal do ano.

Adiado o 1° FestRua Representantes do MNPR e Prefeitura de Guarulhos ava-

liaram a inviabilidade da realização deste festival previsto para agosto por falta de condições materiais porque patrocinadores e apoiadores ainda precisam de mais tempo para tal apoio.

Violação de direitos em SPO MNCR denuncia que a GCM recebeu ordem da Prefeitura

para confi scar carroças de catadores em situação de rua. A queixa veio dos próprios funcionários da Prefeitura que atendem a população de rua.

pais, estavam o Secretário dos Direitos Humanos, José Gregori e o prefeito Gilberto Kassab; além do represen-tante da ministra da Cultu-ra, Ana de Hollanda, Henry Machado; representantes do Governo do Estado, jorna-listas e militantes.

Alguns manifestaram emo-ção pelo evento e compro-misso com as lutas popu-lares, em particular, com a instalação da Comissão da Verdade, que com a abertu-ra dos arquivos fatos e do-cumentos da história recente serão conhecidos.

“Temos o sentimento de nossa cidadania restaurada com esse resgate de vozes que corajosamente se uni-ram, no exílio, na clandes-tinidade e nos veículos ofi-ciais para expor as entranhas do governo militar”, disse

Regina Tieko, coordenadora do Ponto Cultural Ocas.

Durante o evento, nosso grupo decidiu entrevistar o Prefeito. Após sua fala, Kas-sab, assessores de imprensa e seguranças foram se re-tirando do local. Ficamos plantados na porta de saída e indagamos: “Senhor Pre-feito, porque os vendedo-res são reprimidos de forma violenta pela Segurança Ur-bana e impedidos de vender a revista OCAS” na Aveni-da Paulista e no Parque do Ibirapuera? Kassab apenas ouviu e solicitou ao asses-sor de imprensa, Alexandre Costa, que anotasse nossos telefones e marcasse reu-nião com o coordenador do Parque Ibirapuera. Até hoje não recebemos nenhuma co-municação.

Acima: Ivo Herzog, fi lho do jornalista Vladimir Herzog e diretor do Instituto.Ao lado: patici-pantes do Ponto de Encontro e Cultura: Paulinho, Debora, Eduardo, Michel e Zeca

Formação política do MNPR Todos ganham com a nossa ignorân-

cia! Com essa constatação o Movi-mento Nacional da População de Rua (MNPR) e parceiros fiéis e comprome-tidos com a nossa causa elaboramos juntos cartilha, volder e vídeo que nos ajudarão a ampliar consciência política e tomarmos posse dos nossos direitos e deveres como cidadãos brasileiros. Esses materiais nos levarão a um cres-cimento e um fortalecimento sem me-didas e uniremos nossas vozes e lutas num objetivo comum, que é um Brasil mais humano e sensível. A vida terá um novo sentido: de justiça e partilha. Não teremos vergonha de nossa história e nem medo de irmos em frente.

O conhecimento que tantas e tantas vezes nos foi negado e informações sonegadas que nos aprisionavam e nos escravizavam têm um basta com essas ferramentas de liberdade, construídas com zelo, carinho e paixão. Uma luz reflete com todo seu esplendor nessa nova construção da nossa história, his-tória de um povo que há pouco tempo atrás somente tinha o direito de não ter direito algum.

A cartilha nos ensina a ter consciên-cia de que somos pessoas de direitos e deveres, nos capacita e nos ajuda a refletir, questionar e organizar. O fol-der espalha com rapidez a voz do Mo-vimento e junta a nossa luta irmãos que pensam que estão sozinhos em sua dor e solidão e o vídeo é um grito de Bas-ta, mostrando a tantos que somos fortes por sermos unidos, que somos fortes

por sermos solidários.Sabemos que nossa luta apenas começou,

o caminho é longo, repleto de obstáculos e de vitórias, porém a visibilidade e o com-promisso conquistados e reforçados é o que nos impulsiona a seguir em frente. É hora de que em cada esquina, em cada abriga-mento, em cada viaduto ao redor da carti-lha, folder e vídeo a população de rua co-mece a perceber que o momento chegou e ele é de Esperança e de Conquista. Procure os companheiros do MNPR em sua cidade.

Maria Lucia Santos Pereira – Coordenação Nacional do MNPR (Salvador)

Designer gráfi co: Daniel Kondo

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Julho de 2011página 4 O Trecheiro

Mulheres catadoras saem às ruas contra o trabalho infantil e pelo meio ambiente

Arlindo Dias (Japão)

A intersetorialidade entre Saúde e Assistência

Davi Amorim

Davi Amorim

Foto: Davi Amorim

Mulheres ligadas ao Movi-mento Nacional de Catado-res de Materiais Recicláveis (MNCR) realizaram, de 7 a 9 de junho, o 2º Encontro Na-cional de Mulheres Catado-ras de Materiais Recicláveis no Pontal do Paraná. Partici-param cerca de 500 catado-ras de 18 estados brasileiros, que debateram a situação da mulher catadora e a exclusão social predominante na so-ciedade machista.

Durante o evento, foram realizadas ofi cinas sobre po-líticas públicas, autoestima, família, diversidade sexual, direitos humanos e a mulher, relações interpessoais, Eco-nomia Solidária, lideranças femininas, Política Nacional de Resíduos Sólidos, Logís-tica Reversa (retorno dos re-cicláveis pós-consumo aos produtores) e outros temas.

As questões prioritárias levantadas pelas catadoras dizem respeito a políticas públicas que contemplem o trabalho da categoria e os direitos da mulher que hoje somam 70% da categoria or-ganizada em cooperativas, associações e grupos não-formalizados. “Nos preocu-pamos com algumas leis que já estão em vigor e que não atendem as nossas deman-

das, como a lei do Coopera-tivismo e alguns editais que são acessados, mas os recur-sos não chegam com rapidez às bases, como por exemplo, o da Funasa direcionada para

a categoria”, declararam as mulheres catadoras no docu-mento fi nal do encontro.

“É muito importante nos armarmos contra a avassala-dora incineração que a cada

dia se torna realidade em nosso país. Devemos mobi-lizar os estados e os municí-pios para constituirmos polí-ticas públicas que assegurem que a catação não deixe de existir, já que o projeto da MNCR vai além do trabalho e da renda, pois acreditamos na transformação social e conscientização da popula-ção através da coleta seleti-va. Os incineradores não re-presentaram uma alternativa boa para os países europeus, porque seria para o Brasil?

Gostaríamos que os gover-nantes eleitos por nós para tornar o Brasil um país mais justo, se atentassem para esse sério problema que atin-girá primeiramente nós cata-doras e catadores através do trabalho, mas também toda a população com a poluição do Meio Ambiente e problemas de saúde pública”, exigiram no documento público que foi encaminhado ao Governo Federal.

No dia 9 de junho de 2011, as catadoras realizaram uma grande marcha pelas ruas de Curitiba em que reivindica-ram a proibição da implanta-ção de incineradores de lixo no Brasil e contra o trabalho infantil. Foi entregue a depu-tados estaduais do Paraná um projeto de lei para que a inci-

neração de lixo seja proibida no Estado. A marcha teve o apoio de várias entidades e personalidades como o ex-presidente Lula, que esteve presente ao ato de encerra-mento da Marcha.

“Vocês estão fazendo um trabalho digno nesse País, nós ainda temos muita coi-sa para conquistar, gente. Quando eu cheguei aqui vo-cês estavam gritando “não à incineração”, e nós temos de fazer disso uma batalha, uma luta, e podem contar comi-go”, declarou o ex-presiden-te Lula em discurso.

Em ocasião do dia mun-dial de combate ao trabalho infantil, o encontro enfati-zou os esforços do MNCR na Campanha “Criança no lixo, nunca mais” que há muitos anos chama a atenção da sociedade para o tema do trabalho infantil nos lixões brasileiros. O esforço tem surtido efeito e com a nova legislação, até 2014, todos os lixões a céu aberto devem ser fechados. Para tanto, as cata-doras exigiram do Governo, educação e creches para que as crianças sejam realmente assistidas. “Criança no lixo nunca mais. O lugar é na es-cola e junto com os pais”, di-zia o grito de ordem.

No dia 14 de junho, o Fó-rum Permanente de Acom-panhamento das Políticas Públicas para a População de Rua de São Paulo reali-zou seminário para discutir as necessidades da popula-ção em situação de rua com relação à saúde e as políticas públicas existentes. Partici-param do evento, aproxima-damente, 80 pessoas.

Edy de Lucca (OAF) apre-sentou a rede de discussão sobre Saúde e Assistência social, composta pela OAF; Núcleo de Estudos e Pesqui-sas sobre Saúde, Políticas Públicas e Sociais (Unifesp); Associação Saúde da Famí-lia; Bom Parto; É de Lei e Santa Casa. Foram apresen-tados os resultados do tra-balho de aproximadamente um ano de discussão entre os participantes da rede, que teve o objetivo de levantar os principais problemas en-frentados tanto na utilização dos serviços como na presta-ção de saúde de qualidade. A integração entre os serviços de saúde e assistência social foi apresentada como um dos principais desafi os para melhorar o acesso e a quali-dade desses serviços.

Rosângela Elias (Secreta-ria Municipal de Saúde de

SP) expôs o que ela chamou de “difi culdades de pensar uma política pública que tem um recorte de tanta singula-ridade como é o caso da po-pulação em situação de rua”. Destacou a intersetorialida-de como algo fundamental e o maior desafi o do SUS, ao atribuir co-responsabilidade de outras áreas sociais com a saúde. Para enfrentar essa questão apontou a possibili-dade de construção de uma rede institucional entre as equipes dos Centros de Aten-ção Psicossocial (CAPs) e dos abrigos, como espaço de troca e de qualifi cação das pessoas no próprio trabalho.

Cléia Januário (Secretaria Municipal de Assistência Social de Guarulhos) ex-pôs a experiência recente do Consultório de Rua (CR), realizado em parceria com a Secretaria de Saúde com o objetivo do cuidado em saú-de e redução de danos junto a pessoas em situação de rua, usuárias de substâncias psi-coativas. Os atendimentos de saúde e psicossocial são realizados diretamente na rua ou em albergues. Destacou o trabalho articulado entre ges-tores da Secretaria de Saúde e de Assistência Social nos encaminhamentos, orienta-

ções e discussão de casos. Zilah Daijós (Smads) le-

vantou como desafi o da as-sistência social garantir o acolhimento depois que a pessoa realizou um tratamen-to de saúde.

Átila Pinheiro (MNPR) apontou a necessidade de humanização do olhar, por-que o foco deve ser sem-pre as pessoas que estão na rua. A saúde e a assistência devem deixar de jogar a responsabilidade uma pra outra e começar a desen-volver trabalhos conjuntos e que sejam efetivos.

Nina Laurindo (Fórum Per-manente) destacou que a po-pulação de rua tem grande difi culdade de acessar o SUS em parte devido à discrimi-nação. Mencionou a difi cul-dade, daqueles que conse-guem ser atendidos, de dar continuidade ao tratamento por não haver um sistema de acolhimento efi ciente na ci-dade.

Por último, o Fórum Per-manente propôs a criação de um Grupo de Trabalho com-posto por representantes de ONGs, poder público e pes-soas em situação de rua vi-sando integração da saúde e da assistência social.

Carolina Ferro

Túnel do Tempo

“Fala Povo da Rua!”“Este jornal, batizado com o nome de: O Trecheiro,

quer ser um veículo de comunicação entre o POVO DA RUA, bem como relatar para a sociedade civil a realidade vivida pelas camadas marginalizadas do Centro da cida-de. Está aqui um espaço em que o POVO DA RUA pode falar!” (O Trecheiro, Ano I, nº 1 – Agosto, 1991, pg. 1).

A matéria de capa do primeiro número do O Trecheiro mostra que o jornal nasceu para ser um veículo de expres-são da população de rua. Nesses 20 anos, tem sido esse espaço de resgate da vida de pessoas que vivem nas ruas e albergues, de denúncia de mortes, maus-tratos, violên-cia cotidiana, incluindo a policial, preconceitos, discri-minação e descaso dos poderes públicos. O jornal tem apontado iniciativas de organização, mobilizações e lutas coletivas desde os anos de 1990, com ênfase nas inicia-tivas que mostram o protagonismo da população de rua.

Nos últimos anos, o jornal O Trecheiro se projetou na-cionalmente e vem questionando as políticas higienistas dos governantes em várias cidades e as ações precaria-mente desenvolvidas nos serviços socioassistenciais com foco na violação dos direitos humanos.

É importante destacar avanços e conquistas em con-junturas políticas mais democráticas e/ou resultan-tes de organização popular, no entanto, não há ações efetivas e nem mesmo recursos financeiros para im-plementação das políticas públicas. Basta verificar que não se consegue evitar mortes cotidianas seja por frio, violência policial ou abandono nas ruas. O que se vê, de forma frequente, são ações higienistas e de descaso que respondem aos interesses das elites domi-nantes que desejam que os pobres sejam afasta-dos para bem longe, con-finados nos albergues, silenciados ou mesmo desaparecidos nos rios como já se fez no pas-sado. Assim, ainda é atual a missão que o O Trecheiro fixou desde sua criação.

Cleisa RosaFotos: Alderon Costa