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2012 O professor PDE e os desafios da escola pública paranaense

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A LEITURA DA IMAGEM: o feminino nas obras de Frida Kahlo e

Pablo Picasso

AUTORA: Márcia Maria Lopes de Souza1

ORIENTADORA: Roberta Puccetti2.

RESUMO: A participação no programa PDE oportunizou a reflexão teórica sobre arte, surdez, gênero,

possibilitando novas práticas docentes ao abrir caminhos para ações pedagógicas significativas, que visam a superação dos constantes desafios em busca das possibilidades da arte na evolução crítica do nosso aluno. Espera-se que haja uma aprendizagem significativa, de acordo com os conteúdos selecionados para o ensino de arte e que, através da leitura da obra de arte, os alunos possam ressignificar a própria realidade, transformando seu cotidiano. E também que, analisando as obras de arte, nossos alunos possam superar o olhar que emite um julgamento moral e de senso comum, passando a um olhar mais crítico, independente, observador e perceptivo através da mediação. Em outras palavras, um olhar que possa, de fato, alcançar um melhor entendimento e compreensão da arte e do mundo à sua volta, mormente por parte dos alunos surdos.

PALAVRAS CHAVES: Ensino de Arte. Surdez. Gênero. Poética pessoal.

1 Professora de Arte da rede pública de ensino do Estado do Paraná, atuando no Colégio Estadual do

Iles em Londrina-PR, e participa do Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) da SEED-PR. 2 Mestra e Doutora em Educação, docente do Departamento de Arte Visual da Universidade Estadual

de Londrina e é orientadora no Programa de Desenvolvimento Educacional (PDE) da SEED-PR.

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INTRODUÇÃO:

A elaboração do Projeto de Intervenção Pedagógica teve como objetivo

trabalhar a leitura da imagem com os alunos do terceiro ano do Ensino Médio do

Colégio Estadual do ILES, tendo como partida a representação do feminino nas

obras contemporâneas de Frida Kahlo e Pablo Picasso.

A escolha desse tema veio ao encontro da necessidade percebida desta

unidade escolar constituída por alunos surdos. Assim, a finalidade é implementar

um ensino voltado para o desenvolvimento de uma percepção ou leitura de imagem,

que pretende-se isenta de um julgamento moral.

Esta lógica buscará analisar não apenas os elementos formais, mas também

questões subjetivas presentes em toda obra de arte e que, por diversos motivos,

possam passar despercebidos aos olhos menos atentos aos aspectos sensíveis e

pouco formais de uma obra de arte.

Neste sentido, faz se necessária uma compreensão do universo do surdo,

que se constitui numa realidade diferente do ouvinte, já que o aluno surdo possui

uma condição específica de falante de uma língua visual espacial (libras). Esta

língua confere a este estudante uma identidade, por isso, esta proposta buscou um

desdobramento e um debate crítico que se somou às reflexões das questões de

gênero a partir das artes visuais em sala de aula, associadas à aprendizagem de

aspectos da história da arte junto à reflexão de gênero sobre as obras destes dois

artistas contemporâneos: Frida Kahlo e Pablo Picasso, selecionados para a análise

e as interações em sala de aula, nesta proposta pedagógica.

O propósito deste artigo consiste em apresentar o resultado das atividades e

das experiências acumuladas no decorrer do Programa de Desenvolvimento

Educacional – PDE, desenvolvido em quatro períodos ao longo de 2012 e 2013. O

programa PDE favoreceu a reflexão teórica entre a disciplina de Arte e a Educação

Bilíngue, oportunidade ímpar de aprofundar em novas abordagens da arte

contemporânea, construindo uma rica troca de experiências ao longo de sua

duração e promovendo um novo olhar sobre o aluno surdo, oportunizando a esse

aluno uma experiência, onde ele foi protagonista na construção de seu

conhecimento.

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O ENSINO DE ARTE E SURDEZ, UM DIÁLOGO NECESSÁRIO

Para a elaboração deste trabalho, foram realizadas leituras e reflexões sobre

o tema. Tema este que se alicerça nas seguintes referências bibliográficas com as

autoras Ana Mae Barbosa, Paula Botelho, Anamélia Bueno Buoro, Mirian Celeste

Martins, Analice Dutra Pillar, Maria Helena Wagner Rossi, entre outros.

Consideramos que a Arte tem um papel fundamental para a sociedade, pois

ao tempo em que a sua aprendizagem humaniza o indivíduo, também pode torná-lo

um cidadão mais crítico e consciente. Essa forma de expressão humana, a Arte, tem

um potencial de oportunizar um olhar mais sensível que amplia a percepção e a

compreensão do mundo.

A mediação dos conteúdos estético-formais buscou ampliar as ligações

entre os alunos, estabelecendo um diálogo entre a arte e a realidade vivenciada por

eles.

Tendo o aluno surdo uma maior necessidade de comunicação através das

imagens, a disciplina de arte muito contribui para sua aproximação dos valores

sociais, propiciando uma forma bastante eficaz, crítica e sensível de comunicar-se

com o mundo e expressar seu pensar, livre das amarras impostas pelas barreiras

naturalizadas por distorções advindas de suas condições físicas ou biológicas.

Nesta perspectiva, fez-se necessária, no desenvolvimento das propostas, a

mediação dos conteúdos através das leituras das imagens, transformando os alunos

em protagonistas no processo de aprendizagem. Desta forma, os estudantes surdos

experimentaram e vivenciaram um processo criativo e de libertação.

Segundo Ana Mae Barbosa em seu livro, Inquietações e Mudanças no

Ensino da Arte:

Por meio da arte é possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica [...] permitindo ao indivíduo analisar a realidade percebida e desenvolver a criatividade de maneira a mudar a realidade que foi analisada. (BARBOSA, 2003, P.18).

Todo o conteúdo da disciplina foi mediado junto aos alunos através da

linguagem de LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais, que são imagens do

pensamento dos surdos e é responsável pelo seu processo de interação social,

cultural e científico na comunidade surda brasileira, é uma língua visual-espacial.

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Desta forma, toda a linguagem visual explorada na disciplina de arte, vai ao encontro

das necessidades educacionais do aluno surdo, que diferentemente do ouvinte,

percebe o mundo através de uma experiência visual.

De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, é direito

do aluno surdo o acesso aos conteúdos em LIBRAS, que foi reconhecida como

língua e oficializada no Brasil em 24 de abril de 2002 pela Lei nº. 10.436.

Buoro assegura-nos e nos indica caminhos que se encontram com a Lei

acima citada, quando em suas reflexões teóricas nos diz:

É imperativo investir numa prática que transforme esses sujeitos em interlocutores, envolvidos em intenso e consistente diálogo com o mundo, estimulados para isso por conexões e informações que circulam entre verbalização e visibilidade. (BUORO, 2002, p. 34-35)

Já, Botelho reforça esse conjunto de ideias quando nos aponta que uma das

defesas dos surdos face à opressão dos ouvintes é o silêncio. “[...] ainda que os

surdos estejam rompendo com a dominação a que têm sido sujeitados [...] a cultura

do silêncio ainda se mantém”. (2005, p. 99-100).

Para Skliar (1999), ocorre um amordaçamento da língua surda! Percebemos

que o desconhecimento da língua de sinais na sociedade colabora para perpetuar as

diferenças no ambiente escolar, mantendo-se a lógica da discriminação dos

diferentes, como parte de uma sociedade cada vez mais sectária, onde prevalece o

conceito da eficiência sobre a existência da deficiência.

Em se tratando do debate sobre a igualdade de gênero, podemos perceber,

através de inúmeros recursos sociais e culturais, que ainda permanece uma

prevalência do mando masculino. Desde o discurso jurídico e considerando-se as

diversas esferas políticas e sociais, permanece ao longo da história da humanidade

a lógica androcêntrica perversa, que confina mulheres até os nossos dias e,

sobretudo, as pobres à segregação e discriminação nos diversos espaços da

sociedade.

Neste contexto, há que se pensar na potencialidade do ensino da arte como

uma construção de conhecimento e relações necessárias para se refletir acerca dos

diferentes papéis exercidos por diferentes mulheres sob uma perspectiva mais

igualitária. Faz-se necessário considerar os diversos lugares e tempos da história da

humanidade para, então, estabelecer relações de gênero a partir das considerações

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acerca das possibilidades sócio/culturais apresentadas nas obras, numa perspectiva

dos conceitos e igualdade de gênero.

A LEITURA DA IMAGEM

Segundo Pillar, “[...] a leitura da obra de arte é de natureza diferente” (1999,

p.15). Ler uma obra seria, então, perceber, compreender, interpretar a trama de

cores, texturas, volumes, formas, linhas que constituem uma imagem. Perceber

objetivamente os elementos presentes na imagem, sua temática, sua estrutura.

(Pillar,1999, p.15).

Cabe ao professor mediador promover uma sensibilização do olhar na leitura

da obra de arte para além de sua estrutura básica e de seus elementos constitutivos

e significantes.

De acordo com a DCE –Diretrizes Curriculares do Paraná (2006), os

conteúdos da disciplina devem abordar a Arte como linguagem, uma vez que esta foi

considerada como fundamental no processo de conhecimento do mundo, nas

interações sociais, nos quais indivíduo e linguagem constituem-se mutuamente.

A Arte, enquanto linguagem, interpretação e representação do mundo, é

parte deste movimento humano. Enquanto forma privilegiada dos processos de

representação humana, é um instrumento essencial para o desenvolvimento da

consciência, pois propicia ao homem contato consigo mesmo e com o universo... O

conhecimento do meio é básico para a sobrevivência, e representá-lo faz parte do

próprio processo pelo qual o ser humano amplia seu saber (BUORO, 2000, p. 71).

Pensando nesta perspectiva, é premente que a leitura da obra de arte seja

realizada com uma reflexão de conceitos de gênero, criando assim uma verdadeira

trama, onde o nosso aluno possa explorar suas vivências, abrindo espaço para a

criação das suas próprias histórias no futuro, ao descortinar o conceito da existência

de sua poética pessoal.

DESPERTANDO PARA UM NOVO OLHAR

A proposta contou com a apresentação aos alunos do projeto PDE e

explanação de como ele seria desenvolvido durante o primeiro semestre.

Introduzimos sua principal linha temática, A Leitura da Imagem e suas principais

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ramificações: O Feminino nas Obras Frida Kahlo e Pablo Picasso. Assim sendo,

foram levantadas as informações que os alunos possuíam a respeito destes temas.

Eles foram instigados a pensar sobre a participação da mulher na sociedade atual e

os papéis nela ocupados por homens e mulheres.

Essa reflexão foi importante, pois quando da apresentação da mulher como

protagonista na arte, eles foram estimulados a lembrar nomes das mulheres

produtoras em arte.

Constatou-se a invisibilidade da mulher produtora de arte, pois as únicas

artistas lembradas indiretamente foram Anita Malfatti e Tarsila do Amaral. A imagem

que veio à cabeça de alguns alunos também não causou surpresa, devido, talvez

aos contínuos reforços de algumas imagens da arte que são normalmente utilizadas

em aulas de arte. Assim sendo, foram citadas as obras “Abaporu”, “O ovo” e

“Operários”. Os alunos não lembraram os nomes das obras, mas conseguiram

descrevê-las. Seguiu-se um debate a respeito da importância destas artistas para a

arte brasileira.

Na sequência, com o objetivo de dar forma ao contexto histórico, fizemos um

relato do papel da mulher nos espaços públicos e privados. Os alunos contribuíram

com colocações e, com a mediação docente, puderam tecer uma nova luz às suas

ideias em relação tanto à forma da arte quanto nas questões do feminino que

permeavam suas vidas, até aquele momento. Essa diligência foi ao encontro das

atividades que estavam sendo promovidas e desenvolvidas no colégio em torno do

Dia Internacional da Mulher e que, em uma ação interdisciplinar, envolvia as

disciplinas de Libras, Arte, Sociologia, Filosofia, Língua Portuguesa e História.

ACRESCENTANDO NOVOS ARTISTAS

Fizemos uma breve reflexão sobre a importância, vida e obra das mulheres

artistas: Artemísia Gentileschi, Mary Cassatt, Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e Frida

Kahlo, artista escolhida para trabalhar neste projeto.

Diante da necessidade de uma comunicação mais ágil, foi escolhido um

sinal para Frida Kahlo. Os próprios alunos, depois de atenta observação junto a

imagem da artista, que também renderam vários comentários sobre o buço e a

sobrancelha avantajada de Frida, decidiram que seu sinal seria a letra “F”

sinalizando na sobrancelha direita do interlocutor. Por ter sido uma discussão

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coletiva, todos aprovaram o sinal. Durante estes debates, ficou clara uma forte

reação de interesse na história sofrida da artista. Suas dores, amores, traições,

superações, sua intensa luta pela vida e como tudo isso foi fundamental para seu

processo criativo. O drama humano foi percebido neste projeto como uma das

pontes que podem aproximar o aluno do rico universo da arte, e evidenciou-se como

é forte a necessidade do professor de arte atuando como mediador desses

processos. Alguns alunos relataram situações familiares que lembravam o

sofrimento pessoal de Frida e reconheceram como a expressão através da arte

poderia ser libertadora.

O filme Frida foi levado a eles com recortes, objetivando dinamizar o tempo

destinado para a exibição do filme, como também focar nos conteúdos mais

pertinentes às ações da arte, desejadas e contempladas no projeto. Notou-se que

mais alunos identificaram o sofrimento da artista e relacionaram sua vida à sua

poética. Identificaram em seus quadros o sofrimento e as turbulências de sua vida.

Os alunos puderam, assim, debater e questionar várias passagens do filme, como o

acidente sofrido por Frida, seu relacionamento tumultuado com Diego Rivera, seus

abortos e como tudo isso foi retratado em suas pinturas. Em nossas conversas, o

debate artístico se tornava cada vez mais rico e os olhares mais atentos, frente às

obras que agora povoavam o ambiente da sala de aula. Percebendo possíveis

viagens em torno da artista, solicitei aos alunos que pesquisassem na internet as

obras de Frida Kahlo, observando sua poética e também a representação feminina

presente em seu fazer, em seu mundo e em seu discurso que se apresenta

atemporal.

LENDO A POÉTICA DE FRIDA

Após uma breve análise sobre a vida da artista, foi apresentada aos alunos

a imagem : “As Duas Fridas” (1939 – Museu de Arte Moderna da Cidade do México).

Solicitei assim, aos alunos a descrição visual, somada a elementos visuais

da obra, mais observações pessoais, após isso responderam as seguintes questões:

O que você vê na tela?

Quais são os elementos visuais, você identifica na obra?

Existem diferenças entre as figuras representadas?

Quais as cores mais utilizadas na obra?

Por que a tela intitula-se “As Duas Fridas”?

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Que relação tem o nome da tela com a vida de Frida?

Na tela, Frida representa o universo feminino?

Quais pontos emocionais você percebe nesta obra? Estes emocionais

dialogam de que maneira com a sua bagagem pessoal?

Quais elementos da Arte Contemporânea você vê nesta obra?

A artista Frida Kahlo usa elementos simbólicos nesta pintura? Cite dois

elementos encontrados por você e os explique.

Na sequência, objetivando uma possibilidade de expressão da poética

pessoal dos alunos, que poderia naquele momento ser a forma textual entre outras

formas próprias da arte, apresentei o poema escrito pela professora Dalva Molina

Mansano, inspirado na obra de Frida Kahlo, “As Duas Fridas”. Os alunos foram

conduzidos a verbalizar com muita naturalidade o que sentiam diante da obra. Desse

sentimento por eles demonstrado, poderia sair um registro importante.

OS CORAÇÕES DE FRIDA

“Por ser sozinha (em meu pintar distinto)

e por ser o assunto que mais conheço,

a mim mesma pinto.

Sob céu tempestuoso,

meu coração posto a nu,

mostra o que eu sinto.

Sangra ele pela artéria

da que também sou eu

e que a mim dilacera.

Levo na mão esquerda

o que julgam ser o terceiro olho,

talvez minha grande perda.

Ele extirpado, agora me conduzo,

tenho dois olhares para o mesmo ponto,

já libertos do obtuso.

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Um coração partido,

Sou duas em uma,

sangrando no vestido.

Outro coração inteiro,

porque não pinto sonhos em pluma,

meu tema é verdadeiro.”

Os alunos fizeram uma interpretação do poema buscando desvendar signos

que estavam presentes no texto. Algumas palavras eram desconhecidas pelos

alunos, mas através da libras foi possível um entendimento da poética do texto.

A aluna “K” reconheceu no primeiro verso do poema a frase de Frida, que já

tinha ilustrado a nossa aula.

DO TEXTO À PRODUÇÃO VISUAL

Os alunos produziram um texto sobre Frida Kahlo e, a conduta normal dos

alunos surdos é uma escrita que obedece uma estrutura de texto bastante particular,

onde o texto é composto e construído por fragmentos de sentenças, nestes

fragmentos, foi possível perceber o entendimento que eles tiveram sobre o tema

estudado.

A partir daí, na perspectiva do trabalho de mediação conduzido por mim,

houve uma imersão no universo de Frida, onde os alunos produziram colagens,

desenhos e pinturas sobre a artista, conforme se verifica nas figuras 1 à 6.

Figura 1 Figura 2 Figura 3

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As alunas C e K, propuseram a construção de uma pintura em grandes

dimensões, tendo como base uma das obras de Frida, conforme figuras de 7 a 9. Os

alunos demonstraram nos desenhos e nas pinturas, toda a paixão e identificação

com as obras de Frida Kahlo.

O CONTATO COM OS RETRATOS

Dando sequência aos trabalhos, os alunos foram levados a analisar a forma

como mulheres e homens foram retratados. As seguintes questões propunham

conduzir o debate artístico e um olhar mais atento e crítico a respeito da obra de

arte.

Vocês conseguem observar o que define um retrato?

Vocês identificam a figura principal em um retrato?

Existe diferença na forma como mulheres e homens foram retratados?

Vocês identificaram-se com essas imagens?

Como um artista pode produzir um autorretrato?

Quais as expressões que vocês identificam nos retratos e autorretratos

visualizados?

A partir dos debates realizados em sala, onde cada um pode manifestar-se,

não se perdendo em brincadeiras ou fugas de conteúdo típicas de adolescentes,

Figura 4 Figura 5 Figura 6

Figura 7 Figura 8 Figura 9

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concluiu-se que os alunos conseguiram facilmente identificar retratos e autorretratos

e fizeram observações relevantes sobre a “posição” (pose) das pessoas retratadas,

pois alguns não desvinculavam a ideia do retrato a uma foto 3x4, onde a pessoa

retratada está sempre numa pose estática e em um único plano. Diante destas falas,

houve a necessidade de fazer um recorte onde questões pertinentes à arte moderna

e contemporânea puderam vir à tona.

Como ação em arte, foi produzido pelos alunos um autorretrato. Inicialmente

ficaram insatisfeitos com os resultados, pois ainda se prendiam a padrões realistas

na arte, mas após um debate onde o olhar a respeito da arte contemporânea e

questões de belo foram o foco, os alunos conseguiram rever seus valores e validar o

próprio trabalho de criação.

Continuando essas interações relacionadas à produção de retratos, partiu-se

para diversas produções como a de um retrato de uma mulher que fosse significativa

para eles. Todos os alunos falaram que iriam retratar as mães, pois julgavam ser a

mulher mais importante em suas vidas.

Uma outra linha temática proposta foi a execução do retrato do amigo.

Alguns alunos ficaram insatisfeitos com o resultado final do desenho, o que nos

levou novamente a debates próprios da arte, onde questões diversas nos levaram a

uma apropriação de um olhar próximo à contemporaneidade, onde noções ideais de

“belo” e “feio” são observadas em uma instância revelando diversas necessidades e

diversos diálogos frente ao mundo. Observou-se que a medida que foram

experimentando diferentes materiais e suportes, os alunos foram exercitando uma

liberdade cada vez maior para criar e ousar em seus desenhos e pinturas e

passaram a gostar dos resultados alcançados e a querer desenhar cada vez mais.

Os resultados obtidos vislumbraram nas figuras seguintes.

Figura 11 Figura 12 Figura 10

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A opção de trabalhar com lápis 6B usando graduações tonais em luz e

sombra com o grafite, na busca de um realismo maior em suas representações, foi

determinante quando da realização dos seus autorretratos. A pintura tendo como

suporte a fotocópia de uma fotografia (um retrato do próprio aluno) proporcionou um

grande envolvimento em suas ações junto a arte e a praticaram como um exercício

de libertação, pois usaram e abusaram das cores aplicadas nos desenhos, com

bastante liberdade, já acenando para a necessidade do entendimento da elaboração

de suas próprias poéticas pessoais. Vide figuras 22/25.

Figura 13 Figura 14 Figura 15

Figura 16 Figura 17 Figura 19 Figura 18

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PABLO PICASSO, UM CONTRAPONTO

As propostas ligadas a Picasso iniciaram-se com apresentações de diversas

imagens de suas obras na TV Multimídia, o que possibilitou uma análise sobre as

mesmas. Vocês reconhecem essas pinturas? Lembram de ter visto essas imagens?

Vocês conhecem esse estilo de pintura? Sabem quem foi Pablo Picasso? Esses

questionamentos fomentaram um amplo debate em sala, onde todos os alunos

participaram ativamente.

Após assistirem a recortes do filme “Os Amores de Picasso” e da análise

sobre sua poética, iniciamos a aula no laboratório de informática, onde os alunos

pesquisaram a respeito do Cubismo Analítico e Cubismo Sintético.

Apresentou- se assim uma excelente oportunidade para trabalharmos a

representação feminina na poética de Picasso. Debateu-se junto aos alunos como

essas mulheres eram retratadas nas diferentes fases de sua pintura. Como então

Picasso representava suas esposas e amantes, com o vigor do apogeu ou declínio

Figura 20 Figura 21 Figura 22

Figura 23 Figura 24 Figura 25

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das suas relações vividas. A discussão pontuou aspectos do seu envolvimento

emocional no contexto histórico e político, que acompanhava suas pinturas,que

segundo alguns críticos, permeava ou definia a sua poética.

DA LEITURA À PRODUÇÃO

Iniciando a reflexão sobre as obras de Picasso, foi proposto aos alunos a

leitura descritiva da imagem “A Mulher Chorando”. Os alunos foram instigados a

analisar a imagem através dos seguintes questionamentos:

a) O que a imagem sugere a você?

b) Quais são os Elementos Visuais presentes na obra “A mulher

Chorando” (1937) de Picasso?

c) As principais linhas apresentadas na obra descrevem quais movimentos

ou condutas visuais? Diagonais? Curvas?

d) Existe a presença de contrastes? Quais são eles?

e) Quais aspectos da Arte Contemporânea que você vê já presentes nesta

obra de Picasso? Lembrando que Picasso em algumas condutas de seu fazer e

poéticas antecede a Arte Contemporânea e também questões da Abstração.

Relacionando os conhecimentos já adquiridos com Frida Kahlo, optamos por

fazer um painel coletivo em grandes dimensões, como forma de levar o aluno a

apropriar-se dos conteúdos visuais percebidos na obra.

Dando seguimento aos olhares mediados frente às obras de Picasso, os

alunos produziram retratos e a partir destas produções e foram desafiados a citar

elementos do Cubismo, como forma de apropriação de conteúdos que o aproximem

da poética de Picasso, abrindo espaço para, no futuro, os alunos entenderem como

a produção de Picasso torna-se um contraponto e caminho para a Abstração. Para

Canton, no Cubismo, a fragmentação das imagens projetava simbolicamente a

própria fragmentação do mundo da industrialização. Na arte abstrata, procurava-se

uma síntese que transcendesse uma realidade de guerras, destruições e

desigualdades. Temos abaixo uma amostra nas figuras 26/30.

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FUNDAMENTANDO POÉTICAS PESSOAIS: REFAZENDO A BAGAGEM PARA

NOVAS VIAGENS...

Tendo como finalidade maior e fechando os conteúdos propostos, os alunos

foram instigados sobre as diversas possibilidades de elaborar retratos e

autorretratos na arte contemporânea, para isso enriquecemos seus conhecimentos

frente a arte, usando como apoio metodológico o DVD Arte na Escola, cujo conteúdo

trata a respeito de Autorretrato. Assim sendo, foi oportunizado aos discentes o

contato com outros artistas e suas obras, oferecendo diversas possibilidades ao

aluno de criar e produzir em busca de uma própria poética visual.

Houve identificação com as obras de Paula Rego, Dora Longo Bahia,

Lourdes Colombo e Panmela Castro, mas causou grande impacto e movimentação

as obras da grafiteira Panmela Castro, mais conhecida como Anarkia Boladona,

tornando-se rapidamente a artista preferida dos alunos. O aluno “F” demonstrou

forte desejo e interesse de grafitar os muros do colégio, tendo como “mentora

Figura 26 Figura 27 Figura 28

Figura 29 Figura 30

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artística” Panmela Castro. A forma crítica e consciente com que ela aborda questões

de gênero e violência doméstica em suas obras levou os alunos a maiores auto-

questionamentos.

Os desenhos e pinturas realizados pelos alunos demonstraram, em sua

produção final, já mais avançada e relacionada aos diversos componentes

apreendidos individualmente, uma maior fundamentação da poética pessoal deles.

Essa produção teve também como referência as imagens das obras de

Picasso e Frida Kahlo somadas aos artistas explorados nos conteúdos de Arte

Contemporânea e foram expostas como forma de expressão genuína, buscando

estabelecer um diálogo necessário entre a produção realizada pelos alunos em sala

de aula e a comunidade escolar, também como um fechamento dos trabalhos

desenvolvidos por esta professora no programa PDE 2012.

Cabe salientar que a professora Elaine, professora surda desta instituição de

ensino, após visitação à exposição, procurou a professora do PDE,

entusiasmadamente, para agradecer pelos conteúdos trabalhados em história da

arte, pois disse que este: “era um conteúdo de vestibular e, dessa forma, os surdos

teriam mais oportunidades em relação à concorrência frente aos ouvintes.” A fala da

professora Elaine reforça a teoria do novo olhar para a disciplina.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Finalizado o percurso proposto e considerando o processo de ensino

desenvolvido com os alunos, constatamos que o projeto PDE cumpriu sua finalidade

ao transpor as quatro paredes da sala de aula, envolvendo toda a comunidade

escolar com o fazer artístico e despertando um novo olhar para a disciplina de arte.

Através da leitura da obra, foi possível aos nossos alunos, ressignificar sua

própria realidade ao pensar e refletir a sociedade, adquirindo um olhar mais crítico,

independente, observador e perceptivo sobre os papéis ocupados por homens e

mulheres no meio social, promovendo um entendimento maior de gênero, bem como

uma compreensão apurada na análise da obra de arte e do processo criativo.

A exposição dos trabalhos realizados pelos alunos foi uma oportunidade

para socializar as atividades e seus resultados junto a toda a comunidade escolar.

Ao organizarem a exposição, nossos alunos propuseram intervenções como

sujeitos, pois pela organização do trabalho, conseguiram traçar simbolicamente

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uma trilha, um percurso a ser trilhado que provocava e instigava o público que

seguia o caminho até chegar à exposição dos trabalhos. Onde diversas interações

tornaram-se possíveis e onde os olhares puderam permitir-se um momento de

contemplação próprio e significativo para a arte. Nossos alunos, ativos participantes

de todo o processo, não mais olham a obra de arte como algo distante deles, pois foi

perceptível durante o desenvolvimento deste projeto o fato de como os seus olhares

mudaram e como a arte reserva um manancial de possibilidades para olhares cada

vez mais elaborados e necessários ao universo da arte.

Considerando que o trabalho não se esgota com o término da aplicação do

PDE, ao contrário se reconhece que existe um novo caminho a ser percorrido, para

que nossos alunos superem o julgamento moral presente na análise da leitura da

obra de arte, que muitas vezes leva ao extremo de uma análise simplista:” Bonito –

feio”, “Gosto - não gosto”, “Bom – ruim” e outros...

Sem dúvida a mostra do trabalho efetuado pelos alunos culmina no atingir

dos objetivos propostos durante a pesquisa teórica oportunizada pelo programa

PDE. Conclui-se, portanto, que sua implementação foi importante e relevante para o

estreitamento da parceria escola-universidade.

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