20648330 DISSERTACAO Design Cinematografico Claudia Jussan

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Cludia Jussan

Design Cinematogrfico;A concepo visual do imaginrio fantstico

Dissertao apresentada ao Curso de Mestrado em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial obteno do ttulo de Mestre em Artes Visuais. rea de Concentrao: Arte e Tecnologia da Imagem. Orientador: Prof. Dr. Luiz Nazario

Belo Horizonte Escola de Belas Artes da UFMG 2005

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FICHA CATALOGRFICA

Jussan, Cludia, 1974Design cinematogrfico; a concepo visual do imaginrio fantstico / Cludia Jussan Fernandes da Silva. 2005. 123 f.: il. + 3 CD-Rom + 1 DVD + 1 mini cartaz + 3 selos + 1 mini livro Orientador: Luiz Nazrio Dissertao (mestrado) - Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Belas Artes 1. Design cinematogrfico Teses 2. Cinema Concepo visual Teses 3. Cinema Desenho de produo - Teses 4. Direo de arte Teses I. Nazrio, Luiz, 1957II. Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Belas Artes III. Ttulo CDD : 778.52

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Agradecimentosauxlio financeiro CAPES Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior orientao Dr. Luiz Roberto Pinto Nazario orientao adicional Profa. Daniela Maria de Paula Martins Dra. Lcia Gouva Pimentel Dra. Ana Lcia Menezes de Andrade apoio prtico Daniel Pinheiro Lima (animao) Paulo Roberto Machado (msica) Lincoln de Sales (escultura/modelo/prottipo) Helder Fernandes (escultura/modelo) apoio tcnico Marcelo Lacarretta Patrcia Alexandre

apoio psicolgico Maria Aparecida Fernandes Lopes (minha irm) Maria Luiza Trancoso (psicoterapeuta) Yurika Yoshida (mdica) emprstimo de equipamento e material de consulta Luiz Nazario Marco Anacleto (Ophicina Digital) Andr Reis Martins Soraia Nunes Nogueira Francisco Marinho Lucas Libanio Leonardo Dutra Biblioteca EBA/UFMG

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SUMRIO1 INTRODUO 2 CONCEPO VISUAL: CONSIDERAES SOBRE FORMA E CONTEDO 2.1 O potencial de manipulao da imagem 3 DESIGN CINEMATOGRFICO: CONSIDERAES GERAIS 3.1 Potencial dos principais elementos do filme que pode ser explorado visualmente QUANTO AOS CRDITOS INICIAIS E FINAIS 3.1.2 Design de Crditos (title design) 3.1.2.1 Explorao plstica de elementos grficos QUANTO AO CORPO DO FILME CRIAO E CONFECO 4 DESIGN DOS ELEMENTOS REFERENTES AO CORPO DO FILME 4.1 Desenho de Conceito ou de concepo (concept design) 4.1.2 Storyboard 4.1.3 Design de personagens (character design) 4.1.4 Design de figurinos (costume design) 4.1.4.1 Maquiagem (make-up) 4.1.5 Design de cenrios (set design) 4.1.5.1 Ambiente (environment): cenrio + atmosfera 4.1.5.2 Estrutura dos sets 4.1.6 Design de objetos de cena (prop design) 4.1.6.1 Design de veculos e mecanismos (vehicle and mechanical design) 4.1.6.2 Arte Grfica de cena (graphics) 5 Modelos, esculturas e maquetes (models, sculpt and maquettes) 5.1 Prottipos e miniaturas QUANTO DIREO 6 Design de Produo ou projeto de produo (production design) 6.1 Direo de Arte (art direction) 7 Fases da produo 8 Estilo expressionista e design fantstico PARTE PRTICA 9 Experimentaes na produo da Trilogia do caos 9.1 O livro como objeto de cena (exerccio simulado) 9.2 Composio de cenrios e elementos de cena 10 CONCLUSO BIBLIOGRAFIA FILMOGRAFIA 104 105 108 113 115 118 87 92 95 96 38 40 44 48 54 62 64 65 73 76 77 81 83 84 28 31 07 10 15 21 25

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ResumoA pesquisa sobre design cinematogrfico pretende ressaltar sua importncia e peculiaridades no processo de criao de um filme. Atravs do estudo do papel do desenho na concepo visual de cenrios, figurino, objetos de cena e personagens no cinema, procurou-se mostrar as correlaes existentes entre a narrativa e os aspectos semiolgicos do design de produo e da direo de arte. Identificou-se a funo dos designers cinematogrficos nas questes referentes cenografia, iluminao, fotografia, composio, e tudo mais relacionado ao visual do filme. Apontou-se a importncia das funes realizadas pelos profissionais de arte, integrantes de uma equipe de produo, no desenvolvimento criativo do filme nas etapas de planejamento, captao de recursos, produo e ps-produo. Considerando o valor cultural e a linguagem especfica do cinema, este estudo analisa as caractersticas, potencialidades e abrangncia do design cinematogrfico, que cria condies para auxiliar a construo da narrativa e da expresso potica atravs de imagens. No se trata apenas do estudo da manifestao do design industrial no filme, e sim da manifestao de um design cinematogrfico, especfico.

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AbstractThe research into cinematic design aims to emphasize its importance and peculiarities in the process of creating a film. By studying the role of production design and art direction in the visual conception of sets and environments, costume, props and characters of a movie, the relations between the narrative and the semiological aspects of design were shown. The role of concept designers in questions related to scenery, lighting, photography, composition, and everything else related to the visual of the movie was identified here. In addition, the centrality of the artist's contributions was highlighted: these integrate a production team in several stages of the film's creative development, such as planning, financing, production and postproduction. Considering the cultural value and the specific language of cinema, this study analised the attributes, potentialities and the range of cinematic design, and concluded that this design creates, through images, the conditions for narrative construction and artistic expression. It is concerned not only with industrial design as it manifests itself in film making, but, first and foremost, with cinematic design in and of itself.

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1 IntroduoEsta pesquisa tem por objetivo analisar o papel do

design

cinematogrfico no processo de concepo visual do filme, do ponto de vista estratgico e plstico. Ou seja, do ponto de vista do planejamento e da execuo consolidados no aspecto final do contedo da imagem transformada em matria artstica, tendo como ponto de partida um conceito previamente estabelecido. Portanto, o presente estudo no tratar do design industrial nem de seu contexto histrico1. Embora haja semelhanas e referncias entre

design industrial e design cinematogrfico, nossa ateno estar voltada maispara o imaginrio fantstico que para a verossimilhana cotidiana, por isso o objeto de estudo se refere ao universo cenogrfico, aquilo que feito especialmente para ser filmado. As demais formas de se fazer cinema sero mencionadas apenas para efeito de comparao, como nos casos de filmes nos quais as locaes, objetos de cena, figurino etc, so ready made, isto , pr-existem produo; nesses casos, a definio do visual do filme torna-se mais uma questo de escolha, adaptao e composio que de criao. Por estar a servio de uma arte dramtica, premeditada, o fator determinante de tais escolhas baseia-se no contedo temtico, emocional e psicolgico do roteiro no intuito de proporcionar uma atmosfera apropriada histria e aos personagens do filme. Nem por isso essas produes cinematogrficas deixam de passar por um estgio de planejamento atravs de desenhos.Veja a dissertao do curso de Mestrado em Artes Visuais/UFMG: O design do filme, de Cludia Stancioli Costa Couto, 2004, que trata da aplicao do conceito de design e tecnologia ao cinema.1

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Neste aspecto, design cinematogrfico torna-se um termo abrangente das diversas funes desempenhadas dentro do departamento de arte e cujos resultados podem se expandir at os materiais de divulgao e souvenires perifricos ao filme. Porm, o foco desta pesquisa a concepo visual de um conceito e os meios de produo dos elementos visuais do filme propriamente dito, considerando aspectos semiolgicos que influenciam diretamente os resultados. Para esse fim, o procedimento adotado ser a anlise detida dos elementos componentes da imagem flmica que passaram pelo processo de concepo visual. Isto , atravs do estudo de imagens estticas, proceder anlise dos desenhos de concepo e da imagem resultante em sua forma final. Quanto imagem em movimento, a anlise ser feita atravs do exame de trechos selecionados e informaes de making of das produes. O critrio de escolha dos filmes que serviro de exemplo, baseou-se nos elementos predominantes em cada um, distintivamente. Analisaremos esses filmes somente em seu contedo visual e semiolgico enfatizando a pr-produo. Essa proposta de anlise dos desenhos de conceito, frames capturados e trechos de filme, parte da premissa maior do processo de concepo visual que consiste na observao e conteno de referncias que faro parte de um repertrio capaz de suprir a inspirao. Quanto maior o repertrio maior a experincia. A premissa citada faz parte do seguinte silogismo:

1. Premissa maior observao de referncias; repertrio de imagens; inspirao = conceito. 2. Premissa menor ato de desenhar aplicando a experincia obtida = concepo visual. 3. Concluso resultado final da imagem planejada = elementos do filme.

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Para aqueles que no so desenhistas, mas que, de uma forma ou de outra, interessam-se pelo tema desta pesquisa, a iconografia aqui analisada, alm de exemplificar a parte terica, pode representar um considervel material de consulta. Outro procedimento ser o relato da experincia adquirida por mim durante a prtica da concepo visual dentro do projeto Animao Expressionista no departamento de Fotografia, Teatro e Cinema (FTC), da Escola de Belas Artes da UFMG, incluindo teste e simulao de situaes tpicas de um departamento de arte para figurar nesta pesquisa, como a fabricao de modelos fsicos de objetos de cena. O material que acompanha a dissertao um suporte das amostras das pesquisas de campo realizadas durante o Mestrado: Os teasers em movimento contidos no DVD Teasers Trilogia do caos, o mini livro Concepo visual da Trilogia do caos, o layout do cartaz do filme Dr. Cretinus retorna... e dos trs selos2 representativos de cada episdio so exemplos da concepo visual, cujo desenho de produo executei durante o projeto Animao Expressionista para a Trilogia do caos escrita e dirigida por Luiz Nazario. O tema abordado a concepo visual para filmes e no a produo de peas grficas e mdias em si, embora sejam conseqncias naturais perifricas da elaborao de um filme e que, num mundo dominado pelo

marketing,

assume

a

cada

dia

maior

importncia

no

fazer

cinematogrfico.3

Algumas das amostras acima citadas esto disponveis na seo bnus, da verso digital PDF, contida nos CDs que acompanham a verso impressa desta dissertao. 3 Cf. Dissertaes do curso de Mestrado em Artes Visuais/UFMG: Tudo comea no olhar, de Cludia Terezinha Teixeira e A imagem cinematogrfica como objeto colecionvel: o colecionador na era digital, de Soraia Nunes Nogueira.

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2 Concepo visual: consideraes sobre forma e contedo

A imagem constitui o elemento de base da linguagem cinematogrfica.(A linguagem cinematogrfica, Marcel Martin)4.

Como transformar em imagem visvel algo que habita o mundo das idias, da imaginao? Que meios podem ser utilizados para simular um mundo que j no existe mais ou que nunca existiu? O uso que se faz atualmente da palavra design5 subentende no s o desenho ou planejamento, mas tambm o conceito presente no produto final. comum observarmos nos meios de comunicao, sobretudo na propaganda, expresses tais como este automvel possui um design avanado, aerodinmico, ou mveis feitos com um design moderno e arrojado para combinarem com o seu estilo. Esta palavra tambm tradicionalmente usada na indstria e no comrcio para se referir a certas profisses, tais como,

designer de jias, designer grfico, webdesigner, e assim por diante. Mais doque o desenho de projeto em si, a palavra design traz embutido no seu significado um conceito que pode ser percebido no produto resultante. Podemos dar, como um exemplo disso, algo bem prximo de ns: a cadeira. O

designer de produtos projeta uma cadeira atravs de um desenho, levando emconsiderao questes de conforto, segurana, funcionalidade, beleza,Cf. MARTIN, 1990, p.21 , s. m. (termo ingls) Desenho industrial; criao de um projeto, programao visual. BUENO, 1996, p.202.5 4

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viabilidade de produo etc. De forma que, aps ter sido fabricada, a cadeira agrade ao cliente por cumprir seu papel: o de comportar o peso e as preferncias de quem nela se senta e o de no desabar. Portanto o design de produto ir designar a concepo visual da cadeira acrescida de elementos estticos e funcionais. Ela tem que ser fisicamente possvel de ser construda, e construda para funcionar e perdurar na sua funo. Mas, o que acontece quando a cadeira destinada a fazer parte do cenrio de um filme? Quais questes devero ser levadas em considerao durante o processo de concepo visual de uma cadeira que no foi encomendada para a indstria de mveis e sim para a indstria

cinematogrfica? Cidades cenogrficas muitas vezes so compostas apenas por fachadas. O termo cenogrfico s vezes empregado no sentido de faz de

conta. Uma cadeira projetada para um universo fantstico no ternecessariamente a obrigao de ser possvel no plano fsico. Nem tampouco a necessidade de ser confortvel dependendo de sua funo dentro da narrativa. Se a inteno ressaltar justamente um estado de desconforto, uma cadeira de aspecto rgido e tortuoso pode vir a ser uma excelente alternativa. Nos filmes, uma cadeira pode passar a ter significaes e utilizaes bem diversas do habitual. Os personagens podero us-la para quebrar vidraas ou quebrla nas costas de algum; para compor com ela a coreografia de uma dana; podem us-la para voar ou viajar no tempo; e assim por diante. Uma curiosa considerao: por qu as cadeiras eltricas que aparecem em filmes policiais ou at mesmo de terror, no so estofadas assim como poltronas revestidas por veludo vermelho e adornos dourados? Seria uma sarcstica demonstrao de piedade para com algum prestes a morrer

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eletrocutado? Ou este simples detalhe mudaria completamente o tom do filme para humor negro? Estofamentos trazem em sua aparncia a idia de conforto ou luxo, algo distante do conceito de pena de morte. Portanto, salvo os casos em que a inteno causar estranheza, o tratamento visual dado ao objeto deve interagir com os outros elementos do filme, bem como com a finalidade da narrativa; caso contrrio, ele ir destoar do restante a ponto de ser considerado erro. Tudo depender das restries feitas pela histria ou pelo roteiro, definindo em quais circunstncias ser mais bem utilizada determinada forma de representao dos elementos que iro compor o visual do filme. Para o filme X-MEN (Brian Singer, 2000) foram projetados dois modelos de cadeira de rodas. Uma motorizada na qual o requintado personagem Prof. Xavier fica sentado durante quase toda a histria e cujo encosto sofreu modificaes durante o processo de produo em funo dos enquadramentos, a fim de no ocultar a cabea do personagem nos casos em que ele aparece de costas. A outra, em acrlico, para a cena da visita que o Prof. Xavier faz a Magneto em sua priso de plstico onde no podia haver metal de espcie alguma (para isolar os poderes magnticos do vilo). Curiosamente, o figurino do personagem do Professor Xavier tambm teve de ser adaptado. Seus ternos e colete eram bem mais longos do que o normal para no terem a aparncia de amarrotados enquanto ele estivesse sentado. Isso s era percebido nos intervalos de filmagem quando o ator Patrick Stewart levantava e caminhava pelo set com um terno no muito elegante6. [cdC: CONCEPES/Xmen2/figurino/xmen388.jpg a xmen400.jpg]6

se

Cf. Informaes extras (making of) X-MEN 1.5, X-treme edition do filme original, 2 DVDs.

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Em X-MEN 2 (Brian Singer, 2003) surge um terceiro modelo de cadeira de rodas especialmente projetada para o personagem Jason, um mutante usado como cobaia que fica em estado vegetativo. Restam-lhe apenas os poderes telepticos que so manipulados pelo vilo atravs de lquidos injetados em sua espinha dorsal. Por isso a cadeira de rodas de Jason possui um aspecto tenebroso, com cilindros e mangueiras conectadas ao pescoo. Devido a sua aparncia decadente, a sensao que se tem que Jason, subjugado, depende da cadeira no s para ser transportado, mas para ser mantido vivo e sob controle. A discrepncia entre os modelos de cadeiras projetadas segundo o perfil dos personagens pode ser observada na cena em que Prof. Xavier e Jason ficam frente a frente7. [cdC: CONCEPES/XMEN/cadeira/jason063.jpg a jason067.jpg]

Com base nesses exemplos, conclui-se que h mais coisas envolvidas no processo de definio de um conceito e sua imagem resultante do que apenas a esttica do filme. A escolha das imagens, seu aspecto e a maneira como so apresentadas est diretamente relacionado ao conceito literrio do filme, acentuando-lhe ou atenuando-lhe caractersticas. Isto significa que, dentro da narrativa ficcional, possvel deturpar as imagens e seus significados convencionais no intuito de realar uma idia atravs da ironia, criando elementos inusitados com os quais no nos deparamos no cotidiano. A utilizao desse recurso pode ser facilmente percebida num filme como Maus Hbitos (Pedro Almodvar, 1983), no qual aparecem freiras vestidas com os tpicos hbitos de monjas mas fazendo uso de cido, cocana e drogas7

Cf. DVD X-MEN 2, edio especial, 2 DVDs.

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injetveis. Uma das freiras cria um tigre no quintal do convento. A madre superiora tem a parede de sua sala coberta por fotos de mulheres pecadoras, num ambiente misto de sagrado e profano. [cdM Trechos Selecionados/EntreTinieblas.mpeg]

H que se acrescentar, porm, a seguinte observao: um filme visualmente bem feito no necessariamente um bom filme, pois se espera que forma e contedo estejam em harmonia8. Um filme mal feito pode comprometer o enredo dificultando a compreenso da histria. O cinema de fico possui ainda um potencial de manipulao da imagem que pode se tornar um meio perigoso para a propagao de mensagens subliminares.

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Observao feita com base na disciplina do curso de Mestrado em Artes Visuais/UFMG A narrativa cinematogrfica na obra de Billy Wilder, ministrada pela Prof. Dr. Ana Lcia Andrade em outubro de 2004.

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2.1 O potencial de manipulao da imagem9.Uma coisa filmada no a coisa em si mesma, uma representao daquela coisa. Atribui-se normalmente aos documentrios a caracterstica intrnseca de representao da realidade no sentido de ser um meio de reproduo dos contornos materiais concretos da realidade, de carter objetivo10. Quanto ao desenho animado, no h nada mais ficcional que criar imagens a partir do nada, apenas a partir de uma referncia. Da, a facilidade em associ-lo fico, considerando ser o seu referencial a pura imaginao, de carter subjetivo. O registro da essncia dos fatos (no o objeto em si, mas sua significao) pode se dar tanto pelo cinema de animao quanto pelo documentrio e em ambos os casos, a autenticidade ou veracidade do contedo apresentado pode ser questionado, independente de sua objetividade ou subjetividade o que cria a necessidade de buscar informaes exteriores ao filme. Em cinema, a escolha de quando e como o objeto ser filmado uma questo de ponto de vista. Sob este aspecto, o cinema mais uma forma de expresso que um meio de reproduo. Tcnicas de montagem permitem o controle da imagem a ser exibida e, por sua vez, a manipulao emocional da realidade. Por mais que a imagem comprove que havia algo em frente cmera no momento da exposio, a escolha do ngulo, enquadramento, iluminao etc., representam um ponto de vista especfico dentre vrios outros

Texto produzido a partir da disciplina do curso de Mestrado em Artes Visuais/UFMG O cinema de animao e o documentrio na experincia do National Film Board do Canad ministrada pelo Prof. Dr. Heitor Capuzzo Filho, em setembro de 2004. 10 Cf. TADDEI, Leitura estrutural do filme, 1981, p. 16-25

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possveis. A prpria composio em seqncia do conjunto dessas imagens, pode transmitir idias opostas, de acordo com a maneira como elas se organizam. possvel extrair do mesmo contedo significaes pejorativas ou positivistas, dependendo do contexto em que se insere na narrativa tal contedo. A iluso de movimento no cinema de animao, mais do que reproduzido, precisa ser sinteticamente inventado frame a frame. Num sentido radical, as imagens live-action tambm so estruturadas na pelcula atravs da seqncia de fotogramas, por isso, quando alguns frames so retirados, a imagem reproduzida deixa de coincidir com sua referncia material. Se a reproduo pura e simples no garante nenhuma autenticidade histrica, nesta perspectiva, a reproduo torna-se um meio de representao, no da coisa em si mesma, mas da idia ou essncia da coisa, segundo o olhar do autor. A imagem da realidade pode ser forjada, sem por isso estar longe de seu significado essencial. Exemplo: Tendo por objetivo filmar o cotidiano dos esquims (sem restringir um grupo ou individuo especficos), pode-se pedir a um deles que finja estar pescando e depois film-lo j com sua presa em mos. Este um recurso de registro da realidade. Seria mais complexo obter o controle no momento exato em que o esquim conseguiria capturar sua presa. Embora tudo tenha sido encenado, a representao de uma faceta da vida dos esquims com possibilidades de leitura potica, no foi deixada de lado. Do mesmo modo, quando a animao se torna um meio de reproduo sinttica da realidade, tendo-a como referncia, ela pode se manter fiel idia de uma forma potica (a potica evidencia a presena de um autor por trs da montagem). O mesmo episdio da vida dos esquims poderia ser

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representado atravs do cinema de animao. O que estaria sendo reproduzido seria uma faceta da vida dos esquims e no da vida (retrato fiel) de um determinado esquim ou grupo especfico de esquims. Da o carter ilustrativo que ambas as formas de representao adquirem. Alguns filmes documentrios podem apresentar certos pontos em comum, tais como, contedo potico e carter ilustrativo11, ou seja, a representao (no reproduo) de uma referncia real atravs de imagens cujo contedo pode ser manipulado emocionalmente tanto atravs da montagem e encenao, quanto atravs da animao. Exemplificando, podemos citar o desenho animado feito pelos estdios Walt Disney, sob a encomenda do exrcito americano12. O filme inicia contando a histria da aviao at chegar num ponto em que, atravs de grficos, setas e mapas, sintetiza a idia das estratgias de guerra que deveriam ser usadas contra a Alemanha Nazista em funo de sua localizao geogrfica privilegiada: Hitler tinha a vantagem de repor rapidamente seu peloto de guerra em curtas distncias e por terra. Esse desenho animado apresenta de forma didtica as vantagens do ataque areo efetuado pelas foras armadas americanas sempre usando uma esttica atraente e positivista para elevar o moral e a confiana na vitria contra as foras do Eixo. Nota-se que um dos fatores que abalam a crena na autenticidade do contedo apresentado cinematograficamente, a artificialidade presente na

: esclarecedor, elucidativo; Ilustrao: ato ou efeito de ilustrar (explicar); conjunto de conhecimentos; saber [...]. Dicionrio Aurlio da Lngua Portuguesa. Obs.: Ainda h casos de discrepncia entre ilustrao didtica e literria. A esttica da ilustrao literria e a linguagem da ilustrao didtica se aproximam muito do cinema de animao tanto clssico como experimental. Questes mercadolgicas editoriais restringem o uso do termo quando para fins de anlise esttica e conceitual. 12 Conforme animao exibida e comentada por CAPUZZO. Cf. nota 6.

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atuao frente s cmeras. Embora seja possvel simular a realidade, o contrrio tambm ocorre. Cr-se na sntese de determinado assunto pela tcnica ilustrativa empregada em sua apresentao, considerando-a

correspondente legtima da realidade13. Sendo assim filmar uma encenao representativa de um episdio, ou faz-lo atravs da animao abre caminho para formas diferentes de se fazer a mesma coisa: manipular o significado da imagem aproveitando-se deste paradoxo comunicacional entre imagem objetiva/subjetiva, referencial/ficcional. Um aspecto preocupante que tanto o documentrio quanto o cinema de fico possuem, o potencial de manipulao sutil da imagem de maneira negativa. Do ponto de vista da produo, possvel fazer com que algo terrvel parea normal aos olhos ingnuos de um determinado pblico alvo. Tambm possvel destruir valores ticos e humanistas deturpando-lhes o significado. O carter ambguo da imagem cria duas possibilidades no cinema: ajudar a destruir ou salvaguardar um conceito, independente do fato de o conceito ser bom ou ruim. Sempre houve quem se aproveitasse disso atravs do simbolismo negativo, fazendo uso de imagens que j carregam em si significados polmicos. Ou da banalizao do significado ao utilizar imagens consideras oficiais ou sagradas de forma debochada. Nos anos 1930 e 1940, a Alemanha nazista utilizou amplamente do cinema como meio de propaganda e de manipulao de massas; e chegou a fazer os primeiros testes para utilizar o meio de comunicao televisivo em rede nacional, prevendo seu longo alcance em prol de seus interesses

Observao baseada na palestra Documentrio: subjetividade versus objetividade ofertada pela psgraduao do departamento de comunicao social da FAFICH/UFMG, ministrada pelo Prof. Dr. Jos Francisco Serafim, da faculdade de comunicao da UFBA, no dia 05 de abril de 2004.

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propagandistas. Durante a Segunda Guerra, aps o ataque a Pearl Harbour, que retirou os EUA de sua poltica isolacionista de no envolvimento na conflagrao europia, tornada mundial, no poupando as Amricas, o cinema norte-americano foi chamado pelo governo a colaborar no esforo de guerra. O exrcito contratou os melhores profissionais do cinema para participarem da guerra de propaganda contra o Eixo, encomendando-lhes filmes e desenhos animados que transmitissem a idia de que era preciso revidar ao ataque e de que a guerra um mal necessrio; os animadores deveriam criar uma imagem pejorativa e debochada dos inimigos a fim de elevar a moral dos convocados a lutar no front e convencer a opinio pblica nacional de que a vitria seria mais fcil do que se imaginava. Era necessrio deter Hitler e impedir o domnio nazista do mundo; contudo, o contedo dessas propagandas animadas vem sendo questionada, fora do contexto da guerra, enquanto poltica de manipulao de massas. Os propagandistas nazistas e, em reao, tambm os propagandistas antinazistas basearam seu imaginrio em estigmas que perduram at hoje causando prejuzo vida individual e coletiva. Tanto nos filmes nazistas, quanto nos filmes antinazistas, os soldados eram representados com glamour, como heris de guerra premiados com fama, dinheiro e mulheres, quando na realidade poucos retornavam inteiros e com vida das frentes de batalha. A coletnea de curtas-metragens Cartoon Scandals14, que inclui desenhos produzidos e exibidos nas dcadas de 1930 e 1940, atualmente banidos da tv, mostravam os ataques terroristas de Superman15 ao exrcito

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Cartoon Scandals, banned from TV: A study of violence, racism, sex, and war in cartoons. Compiled by Sandy Oliveri, 1987. 15 Superman:Eleventh Hour (1942, Dan Gordon)

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japons; cenas de violncia em desenhos aparentemente inofensivos; japoneses16 e negros sendo retratados de forma depreciativa17, disseminando preconceitos atualmente observados no comportamento social de certos grupos favorveis a segregao. , portanto, necessrio refletir sobre esses aspectos da manipulao da imagem durante o processo de concepo da mesma a fim de no perpetuar inadvertidamente pensamentos

preconceituosos, inconseqentes. Saber fazer uma leitura crtica (e no ingnua) e saber ensinar a ler o filme18 contribui para que tenhamos conscincia da amplitude e poder de influncia que a imagem em movimento possui. Tanto do ponto de vista de quem assiste quanto do ponto de vista de quem produz cinema. Embora esteja intimamente relacionado com as questes de forma e contedo, o departamento de arte no tem a pretenso de se considerar o nico responsvel pelo sucesso do filme, pois por estar a servio da linguagem cinematogrfica, h diversos departamentos envolvidos, sob a superviso do diretor. O que se cria visualmente ser editado e outros elementos sero adicionados de forma que o resultado final seja a conjugao de tais elementos, em movimento.

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Tokio Jokio (1943, Norm McCable) Scrub me Mama with a Boogie Beat (1941, Walter Lantz); All This and Rabbit Stew (1941, Tex Avery). 18 ECO, Sobre os espelhos e outros ensaios, 1989.

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Design Cinematogrfico: consideraes geraisPara filmes de longa-metragem / fico

Na inteno de explicitar o ponto de vista do qual o tema est sendo abordado, traamos um paralelo entre as formas de design industrial19 mais comuns e de design cinematogrfico praticado pelos departamentos de arte no cinema de um modo geral. Obtemos, ento o seguinte quadro:

Desenho industrial design grfico

Design cinematogrficodesign de crditos / arte grfica decena

design de produto

design de objetos de cena

design de interiores e de edificaes

design de cenrio

design de moda

design de figurino

A palavra design, no caso da distino descrita no quadro acima, pede um complemento que defina seu objetivo final. Cada tipo de design, seja ele industrial ou cinematogrfico, possui objetivos distintos, peculiares rea em que atuam. Sendo assim da mesma forma que temos no design industrial o

design grfico, o design de produto, o design de moda, o design de interiores e19

Desenho Industrial - [1] Cincia e arte que abrange o projeto e o desenvolvimento de embalagens com nfase nas suas caractersticas estticas, prticas, funcionais etc., incluindo a escolha dos materiais e meios de produo. [2] Atividade tcnica ou artstica que se ocupa da concepo da forma de objetos tridimensionais (desenho de produto) e bidimensionais (programao visual) com vistas na produo industrial. ROSSI FILHO, 2001.

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de edificaes etc, teremos tambm no design cinematogrfico o design de crditos, a arte grfica de cena, o design de objetos de cena, o design de figurino, o design de cenrios etc. No cinema, a juno destes elementos faz com que conceito literrio e resultado flmico auxiliem a construo da narrativa atravs de imagens. No decorrer dessa pesquisa, o emprego da palavra design estar se referindo a projeto, planejamento num sentido mais amplo. A palavra desenho, quando num contexto geral, estar se referindo s representaes grficas e plsticas (grafite, lpis, aquarela, pintura a leo, pintura digital, acrlica, etc). Num contexto especfico, desenho se refere representao atravs de linhas (grafite, lpis, esferogrfica). Dependendo do contexto, por vezes quase no h distino entre estes termos, pois comum a utilizao da palavra desenho como se fosse a forma traduzida de design, por exemplo, desenho de produo ou design de produo; desenho industrial ou design industrial20. Visto que em grandes produes o design cinematogrfico composto por atividades variadas comumente exercidas por uma equipe ampla, normalmente no se nomeia um nico indivduo como sendo designer cinematogrfico, a no ser que, no mbito de uma produo de baixo oramento, o profissional tenha desenvolvido sozinho todas as funes relacionadas a cada etapa do processo de concepo visual. Para tanto j existem nomenclaturas especficas tais como desenhista de produo, diretor de arte, desenhista de conceito etc., onde cada qual exerce uma funo -" verb" to invent and prepare a plan of (something) before it is built or made: A famous architect designed this building (projetar) -" noun"; 1 a sketch or plan produced before something is made: a design for a dress. (desenho); 2 style; the way in which something has been made or put together. It is very modern in design, I don't like the design of that building (design); 3 a pattern etc. the curtains have a flower design on them. (padro); 4 a plan formed in the mind (an) intention: our holidays coincided by design and not by accident (propsito). PASSWORD K Dictionaries, 2001.20

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complementar outra. H casos em que o prprio diretor executa os primeiros esboos que serviro de referncia para que o departamento de arte possa desenvolver e aperfeioar as sugestes de concepo visual, nem por isso eles aparecem nos crditos como designers cinematogrficos mesmo tendo exercido uma pequena etapa dessa funo. Exemplo disso so uns dos esboos realizados por diretores como Alfred Hitchcock e Tim Burton para indicar suas intenes que seriam posteriormente desenvolvidas pelos desenhistas de conceito, para a pr produo dos filmes Um corpo que cai e O estranho mundo de Jack, respectivamente:

Hitchcock

21

Tim Burton22

A utilizao do desenho como forma de comunicao entre o diretor e sua equipe, alm da linguagem verbal e escrita, era uma constante no processo criativo de Frederico Fellini23 que costumava esboar suas idias como no exemplo a seguir:

21 22

Cf. ETTEDGUI, Production design & art direction, 1999, p. 14. Cf. TOMPSON, Tim Burtons Nightmare before Christmas: the film, the art, the vision, 1994, p. 18. 23 FELLINI, Federico; PETTIGREW, Damien. Eu sou um grande mentiroso, 1995.

24

Mas assim como um texto escrito de maneira legvel comunica idias com eficincia, tambm um desenho que possua clareza de informaes supre tais necessidades. Da a relevncia de se utilizar, em adio, os servios de um desenhista profissional. H, no entanto, casos peculiares em que possvel estabelecer de forma direta no s o aspecto visual do filme no sentido de pr-produo, mas tambm o acabamento, enquadramento, fotografia, planejamento do

movimento de cmera, composio e combinao entre elementos de cena, personagens e cenrios: tal como um programador visual planeja e controla a execuo de um projeto grfico. Exemplo disso a animao de recortes na qual o designer produz arquivos que correspondem ao projeto a ser animado. Nesse caso possvel desenhar, compor o posicionamento dos elementos de cena e fazer o planejamento da movimentao desses elementos ao longo das cenas. Ainda que tudo seja animado, editado e os efeitos aplicados por outro profissional, o trabalho de design cinematogrfico pode ser feito por um nico desenhista, mantendo caractersticas originais, concedendo-lhe o crdito de

25

designer cinematogrfico. Tal funo muito comum na produo de curtas, devinhetas, de aberturas, de trailers e teasers em tcnicas diversas. [DVD Teasers Trilogia do caos] ou [cdM Teasers Trilogia do Caos]

3.1 Potencial dos principais elementos do filme que pode ser explorado visualmente.O quadro abaixo refere s partes do filme que podem ser exploradas visualmente e seus respectivos elementos componentes da imagem. Tais partes so os crditos iniciais e finais24 e o corpo do filme. Atravs de texto e figura, na parte dos crditos h a possibilidade de: apresentar os personagens descriminando seus respectivos intrpretes; fazer uma introduo dos personagens e da ambientao; encerrar destacando erros de gravao ou revelando os atores que interpretaram os papis principais etc. Quanto ao corpo do filme, que abrange a narrativa da histria, os elementos a serem concebidos para compor o seu visual que exigem especial ateno durante o planejamento, observando-se suas caractersticas gerais e especficas.

Crditos Iniciais

CORPO DO FILME

Crditos Finais

Exemplo: Introduo; Apresentao de personagens; ambientao etc.

Personagens Figurino Cenrios Objetos de cena

Exemplo: Encerramento; Erros de gravao; Apresentao de atores etc.

24

Alguns filmes optam por ter seus crditos exibidos apenas no final.

26

Faz parte do processo de concepo visual a definio dos seguintes elementos participantes da imagem e do universo flmicos:

Personagens

Cenrio

Objetos de Cena

Criaturas

Locaes

Veculos

Figurino*

Ambientes

Mecanismos

Maquiagem

Atmosfera

Arte grfica de cena

*Nas produes em live-action h um departamento exclusivo para cuidar da criao e confeco do figurino. Nas produes que envolvem a criao de personagens sintticos raramente se cria o figurino dissociado do personagem. Para a realizao do Design Cinematogrfico, o Design de Produo e a Direo de Arte, que so cargos de direo do Departamento de Arte, esto encarregadas de gerenciar os seguintes recursos:

Design de crditos, iniciais e finais;Atravs do Design de conceito so confeccionados o storyboard e o

design de: personagens, figurinos, cenrios e objetos de cena.

27

Quanto aos crditos iniciais e finais

28

3.1.2 Design de Crditos

(title design)Em seu livro Seis passeios pelos bosques da fico, Umberto Eco diz ser a norma bsica para lidar com uma obra de fico o fato de que o leitor precisa aceitar um acordo ficcional, que suspenda sua descrena.25 Portanto h um momento em que o espectador se desliga da realidade e mergulha na fico. A transio realidade/fico pode dar-se de maneira explicita ou sutil. H um momento em que o filme comea e a narrativa se desdobra sem que o espectador sinta essa transio. O trecho dos crditos de certa forma ainda um momento pragmtico de denncia da realidade: trata-se de um filme e foi feito por um grupo de pessoas. Nos crditos finais, no raro as pessoas se levantam e vo embora do cinema ou desligam o vdeo do seu home theater. O retorno realidade ocorre de forma abrupta por parte de alguns, mas h quem prolongue o deslumbramento de um filme que acabou de ver, pelo menos ouvindo a trilha sonora que acompanha os crditos at o seu final. No se trata de obrigar o expectador a ler os crditos, pois isso depende de interesse pessoal; trata-se de criar alternativas e possibilidades. Assim como num carto de visitas possvel realar determinado texto concedendo-lhe maior fora, tornando-o mais atraente, nos crditos pode-se criar reas de interesse, fazendo com que o contedo do texto no passe desapercebido e o publico registre nomes e funes. Isso se aplica sobretudo ao ttulo do filme e aos principais autores da obra exibida. H diversas modalidades de crditos, cada qual exerce uma funo especfica, podendo ou no ser eficaz. Quando o filme25

COLERIDGE citado por ECO, Seis passeios pelos bosques da fico, 1994, p.81.

29

inicia com uma seqncia narrativa essencial para a compreenso da histria, apresentar os crditos neste momento pode se tornar uma interferncia incmoda. H produes que, pelo seu teor narrativo, optam por apresentar simplicidade de modo a no saturar um conceito que j ser desenvolvido no prprio filme, delimitando claramente o fim dos crditos e o incio do filme. Como referncia de simplicidade o Dogma26 segue seus prprios preceitos ao fazer com que os crditos de Festa de famlia (Thomas Vinterberg, 1998) apaream da forma mais sucinta possvel sem deixar de aludir de forma subjetiva a um fato importante pertencente trama: um suicdio cometido dentro de uma banheira. A abertura apresenta os ttulos escritos em folhas de papel sendo agitadas dentro dgua. Os crditos finais tambm, s que iluminados por uma lanterna alternando com imagens de uma bailarina na caixinha de msica, criando uma atmosfera obscura. [cdM DesignCreditos/festadefamiliaMT.mpg; festenEndTitle.mpg]

Outras produes optam por maior elaborao, chegando a inserir os crditos no universo visual do filme servindo de elemento introdutrio da ambientao ou do conceito geral da narrativa. A seqncia de abertura de Corra, Lola, Corra (Tom Tykwer, 1998), ao explorar o conceito de destino e passagem rpida do tempo, faz uma interessante mistura de tcnicas. O ttulo original LOLA RENNT formado pela multido que aparece no incio em live-

action, continuando numa seqncia em desenho animado onde aparecem oscrditos da produo. Os nomes dos personagens e de seus respectivosFesta de famlia segue os conceitos do Dogma 95, uma proposta dinamarquesa de abolir tudo o que artificial dentro do cinema. Fonte: Informaes na contra capa do DVD.26

30

intrpretes so apresentados atravs da animao de fotos e letreiros. A referncia figura do relgio aparece diversas vezes, acentuada pelo dinamismo da seqncia que caracteriza todo o filme. [cdM DesignCreditos/corralolaMT.mpg]

Algumas seqncias de abertura feitas em desenho animado para filmes

live-action, se tornam marcas de uma tendncia ou poca. Esse o caso daabertura de A pantera cor-de-rosa (Blake Edwards, 1963), idealizada por De Patie e Friz Freleng, onde os crditos so elementos participantes da animao em que a personagem Pantera brinca com as letras. O mesmo se d na abertura do outro filme live-action do mesmo diretor, Um tiro no escuro (1964), no qual a figura do atrapalhado Inspetor Clouseau explorada em forma de desenho animado e os crditos adicionados composio do cenrio dessa seqncia. [cdM DesignCreditos/panteracorderosaMT.mpg e TiroNoEscuroMT.mpg]

Richard Kuhn e a National Screen service idealizaram os crditos da fico cientfica A viagem fantstica (Richard Fleicher, 1966). Aps uma primeira seqncia introdutria da narrativa, os crditos surgem

concomitantemente ao restante da introduo, apresentando o personagem que, na histria, sofrer interveno cirrgica. Os letreiros so animados como se fossem relatrios mdicos, textos batidos a mquina, sobrepostos a imagens de raios-X, cronmetro, eletroencfalogramas, etc. O cronmetro reala a idia de que a equipe mdica, que ser miniaturizada juntamente com sua nave, e

31

inserida no corpo do paciente, tem pouco tempo para sanar o problema antes de voltar ao tamanho normal. [cdM DesignCreditos/ViagemFantasticaMainTitle.mpg]

3.1.2.1 Explorao plstica de elementos grficos

Ao conceber uma seqncia de abertura ou encerramento, tem-se a opo de explorar o carter grfico dos letreiros, ou os elementos visuais figurativos, combinando-os ou deixando cada elemento distinto, ou seja, letra letra (mantm o carter tipogrfico), figura figura. No caso em que esses elementos se combinam, a letra passa a ser figura. O designer grfico Saul Bass, um dos precursores do design de crditos, demonstrava uma preocupao maior com a composio e a movimentao de elementos grficos de forma minimalista, ficando mais clara a distino entre figura e letra. Para citar algumas de suas seqncias de abertura nas quais as letras mantm seu carter tipogrfico sofrendo pouca ou nenhuma interferncia de carter pessoal, destacamos suas aberturas dos filmes Um Corpo que Cai (A. Hitchcock, 1958); Anatomia de um crime (Otto Preminger, 1959); Psicose (Hitchcock, 1960); Cassino (Martin Scorcese, 1995). [cdM DesignCreditos/ vertigoMT.mpg e cassinoMT.mpg]

Ao compararmos o trabalho desenvolvido pelo designer grfico e artista plstico Kyle Cooper para Seven: os sete crimes capitais (David Fincher, 1995) com o de Saul Bass para Intriga Internacional (Hitchcock, 1959), notamos uma

32

ntida diferena no que se refere explorao do carter plstico dos letreiros. Ambos exploram, contudo, o mesmo conceito de condensar pontos chave do filme na apresentao dos crditos, cada qual sua maneira. A movimentao dos crditos de Intriga Internacional, cujo ttulo original North by Northwest, feita de cima pra baixo, de baixo para cima e em perspectiva acompanhando a fachada de um prdio, que coincide com o da ONU, ponto de partida da trama. Reforando a idia de norte e noroeste, as letras N de North e T de northwest formam setas, o mesmo raciocnio aplicado em logomarcas: o conceito explorado o de sentido, direo e movimento. [cdM DesignCreditos/intrigaInterMT.mpg]

Kyle Cooper alcana maior expressividade no sentido plstico ao tratar a letra com o mesmo registro visual obtido pelo desenho. Desta maneira h uma aproximao entre a plasticidade da figura e da letra. Seven um thriller psicolgico onde um assassino em srie planeja os assassinatos baseando-se nos sete pecados capitais (gula, inveja, luxria, avareza, vaidade, preguia, ira). Os crditos iniciais apresentam o criminoso criando um arquivo de fotos bizarras, manuscritos, textos sagrados e profanos que aludem a torturas, mutilao e crueldades. Apenas suas mos aparecem. Sua identidade s ser revelada nos minutos finais do filme. A seqncia inicial adquire a funo, no s de apresentar os crditos, mas tambm de introduzir a personalidade do assassino ao mesmo tempo em que o mantm incgnito. A inteno do diretor David Fincher era fazer com que a abertura criasse um clima incmodo de terror anunciando a atmosfera do

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restante do filme27. O designer de crditos Kyle Cooper simula as atitudes de carter frio e meticuloso do psicopata atravs de recursos grficos, plsticos e performticos28. As fontes feitas mo utilizadas nos crditos aparentam incises e ranhuras que remetem a uma atitude ferina, distorcida e obcecada. A maneira minuciosa como objetos comuns so utilizados lmina, tesoura, pina e agulha e o aspecto sombrio das imagens em close-up constituem uma referncia tortura e mutilao. A obsesso, frieza e planejamento paciente so representados pela composio dos arquivos com extensas anotaes, negativos e fotos sendo recortados, envelopes transparentes com fios de cabelo, folhas de manuscritos sendo costuradas. Os grafismos que surgem e desaparecem piscando rapidamente ao longo da seqncia de abertura sugerem os desvos misteriosos de uma mente deturpada, constituindo todo o conjunto a sntese de um universo patolgico. Dessa forma, texto e imagem se integram ao conceito do filme sem, no entanto, deixar de lado o carter legvel dos crditos. Ao pensar e atuar como se fosse o assassino, Cooper faz a forma emergir do contedo. como se o resultado plstico refletisse o estado de esprito por trs do gesto, funcionando como registro. [cdM DesignCreditos/se7enMT.mpg ] [cdI:images/seven/MainEndTitle]

Um exemplo de integrao mais acentuada do carter plstico de figura e letra, com a letra tornando-se a prpria figura e quebrando a rotina do uso

27 28

http://www.filmmakermagazine.com/fall1997/kylecooper.html. Cf. Main/End titles designed and executed by Kyle Kooper [cdI:images/MainEndTitle/seven132.jpg]

34

tipogrfico tradicional, a abertura de Delicatessen (Jean-Pierre Jeunet, 1991). Nela, h a explorao de dois conceitos para o resultado visual obtido. O primeiro o da histria do filme que envolve humor negro de aspecto sujo e sombrio. Aps uma pequena introduo do ambiente e de alguns personagens com a chegada do caminho de lixo a cmera passeia por sobre um lixo no qual os crditos esto inseridos em objetos, papis velhos, etiquetas e elementos que fazem parte dos dejetos. O segundo conceito o da significao dos prprios crditos. Por exemplo: o texto direo de fotografia: Darius Khondji aparece numa cmera fotogrfica, msica: Carlos DAlessio aparece impresso no rtulo de um disco de vinil quebrado, o crdito figurino: Valrie Pozzo di Borgo feito de palavras bordadas em tecido e assim por diante. A proximidade pictrica entre os crditos e o restante do filme tambm contribui para o carter introdutrio da atmosfera do filme pois parecem fazer parte do mesmo universo imagtico. [cdM DesignCreditos/delicatessenMT.mpg ]

Em O fabuloso destino de Amelie Poulain (Jean-Pierre Jeunet, 2001), aps uma pequena introduo narrada por um locutor, nos crditos de abertura explora-se o carter potico das imagens enfatizando a beleza das coisas simples da vida: a personagem principal apresentada ainda criana, desempenhando uma srie de brincadeiras que revelam sua personalidade, em conexo com alguns dos crditos cujas fontes mantm seu carter tipogrfico. Por exemplo, relaciona-se com a imagem da menina passando o dedo na borda de uma taa, que emite sons; direo de fotografia associa-se imagem da menina brincando com enormes culos de grau; enquanto ela

35

brinca de tapar e destapar os ouvidos aparece o crdito de efeitos sonoros; quando ela brinca com recortes de bonequinhos de papel em seqncia interligados entre si, surge o de montagem etc. Os crditos finais utilizam um trecho da narrativa no qual o personagem de Nino coleciona fotos 3x4 rasgadas e descartadas de uma Fotomatic, transpondo para um lbum semelhante ao da histria as fotos, com interferncias, dos respectivos atores que interpretaram os personagens. [cdM DesignCreditos/amelieMT.mpg]

Uma abertura que explora propositalmente a animao 2D, embora o filme seja 3D digital, a do filme Monstros S.A. (Peter Docter, 2001). No entanto, o crdito inicial adquire o mesmo carter divertido e dinmico apresentado no filme. Os letreiros contracenam com imagens recortadas de monstros e portas de armrio, provenientes do imaginrio infantil, conforme projetado pelo designer dos crditos Geefwee Boedoe29. [cdM DesignCreditos/monstrosSA MT.mpg]

Na abertura de Submarino Amarelo (George Dunning, 1968), os letreiros aparecem estticos em composio com figuras psicodlicas desenhadas com o mesmo tratamento dado ao restante do filme, pelo diretor de arte Heinz Hedelman. Apenas o submarino amarelo se movimenta ao som da cano dos Beatles. O clima onrico e tendncia pacifista so estabelecidos por essa fuso de cores e movimentao harmnica. [cdM DesignCreditos/SubAmareloMT.mpg]29

Cf. Informaes extras do DVD Monstros S.A.., edio especial de colecionador, 2 DVDs.

36

Conclui-se a partir dos exemplos citados que h varias opes para a caracterizao visual dos crditos. Dentre elas, a de enfatizar mais o aspecto plstico atravs da figura que apenas explorar graficamente os caracteres tipogrficos.

37

Quanto ao corpo do filmecriao e confeco

38

4

Design dos elementos referentes ao Corpo do filmeUm processo de concepo visual se divide em duas etapas bsicas: planejamento (carter referencial) e execuo (elemento finalizado, definitivo). De um modo geral o planejamento e a execuo ocorrem durante a prproduo. Os elementos finalizados sero utilizados na produo ou filmagem. O ponto em comum entre as diversas modalidades de produo se encontra na fase do planejamento. Por exemplo, se um personagem concebido visualmente atravs de um desenho e/ou de um modelo esculpido, sua forma finalizada poder ser representada por um ator caracterizado no caso de uma produo em live-action (ao ao vivo); o desenho feito para conceb-lo poder ser animado atravs da animao clssica de clulas; o modelo esculpido poder se tornar um boneco articulado ou de massinha a ser animado atravs da tcnica stop-motion; o desenho, tendo sido feitas as devidas adaptaes, poder ser animado via computao grfica (CGI)30, como por exemplo, atravs da animao de recortes ou atravs de flash animation muito utilizada na

internet;

o

personagem

concebido

atravs

de

uma

modelagem

tridimensional, usado como referncia, poder ser sintetizado e animado atravs de modelagem 3D digital. Enfim, uma mesma concepo pode ser executada de diferentes formas. No esquecendo que certos tipos de produo utilizam mais de uma dessas tcnicas combinadas num s filme live-action, desenho animado clssico, stop-motion, computao grfica 2D e 3D.30

CGI (computer-generated imagery): The digital enhancement or manipulation of a film image; CGI (imagem gerada por computador): imagem (flmica) 2D ou 3D criada, realada ou manipulada digitalmente. ETTEDGUI, Production design & art direction, 1999, p.204. Traduo do original em ingls com acrscimos explicativos: Cludia Jussan.

39

Em A Viagem de Chihiro (Hayao Miyasaki, 2001) a animao, os ajustes de cores e os efeitos visuais so obtidos digitalmente, mas os personagens e os cenrios complexos so gerados pelo processo tradicional de desenho e pintura a mo31. [cdC: CONCEPES/A Viagem de Chihiro]

H filmes que inserem a CGI de modo to bem conjugado ao universo visual do filme que quase passam desapercebidos. So tomados

inconscientemente como parte do todo. Como por exemplo, na cena em que as pinturas dos quadros na parede fazem comentrios sobre Amelie e o boneco sobre o criado mudo puxa uma cordinha e apaga a luz do abajur. [cdI: images/AmeliePoulain/amelie poulain112.jpg a 118];

difcil determinar quando os elementos de cena em Dogville so reais ou digitais; ou se lembrar que em Lisbela e o Prisioneiro (Guel Arraes, 2003) o 3D digital fora utilizado para gerar um dirigvel gigantesco que por estar inserido numa atmosfera de sonho, dificilmente questiona-se a natureza daquele Zepelim sobrevoando a praia.

31

Cf. MIYAZAKI, The art of Miyazakis Spirited Away, 2002, .P. 182-191.

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4.1 Desenho de Conceito ou de concepo(concept design) o recurso mais utilizado dentro do processo de concepo visual que possibilita uma visualizao mais detalhada dos atributos tanto grficos quanto plsticos da aparncia do contedo das imagens. normalmente executado pelo desenhista de produo, pelo diretor de arte e pelos desenhistas de conceito, segundo a especialidade de cada um. Ocorre desde a fase mais especulativa, antes mesmo de haver um roteiro ou storyboard definidos, at a fase final da pr-produo, antecedente s filmagens. Tem por objetivo caracterizar, quando for o caso, o aspecto fsico de personagens, criaturas, cenrios, ambientes, objetos, veculos, mecanismos, figurino, maquiagem, mscaras e prteses, enfim, tudo aquilo que precisa ser criado ou representado. O desenho de conceito executado com a inteno de simular as possveis aparncias que determinados elementos participantes do filme podero ter de acordo com o conceito estabelecido pela histria. Abaixo esto alistados alguns termos relacionados aos desenhos de conceito e suas respectivas definies, termos esses que sero empregados nos textos subseqentes: Esboos (sketches); podem ser representaes rpidas com acabamento intermedirio - croquis; estudo de cor, textura e iluminao; composio digital;

Prancha: desenho ampliado, com acabamento finalizado, de uma cena emplano geral. Pode servir de referncia para se fazer o desenho da planta baixa do cenrio ou set de filmagem. Pode servir tambm para indicar ngulos e

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enquadramentos de quadros-chave, bem como atributos especficos dos elementos de cena.

Planta baixa (floor plan): um desenho que representa o set visto diretamentede cima (vista ortogonal) feito pelo desenhista de produo e diretor de arte32. Serve de referncia para que o diretor defina a ao, o posicionamento da cmera, os planos e as lentes; e para que o cengrafo defina a composio do cenrio a ser construdo pelo cenotcnico. No exemplo de planta dos encanamentos do Castelo R-Tim-Bum, desenhado por Andrs Sandoval, est includo um estudo sugerindo o posicionamento do manipulador de bonecos33. E no outro exemplo, a planta para a moradia dos Hobbits, de O Senhor dos

anis, segundo aquele que a desenhou, John Howe34, no passou de umaextravagncia desnecessria. No entanto, esse exerccio de imaginar onde se localizariam os cmodos da casa de Bilbo foi um passo importante na criao dos demais ambientes, seguindo-se uma certa lgica de posicionamento e circulao interna a ser feita pelos personagens. [cdC: CONCEPES/CasteloRaTimBum/planta baixa.jpg] [cdC: CONCEPES/Senhor dos Anis/plantaHobbiton.jpg]

Os desenhos de conceito podem apresentar-se sob diversas formas, desde esboos ou croquis, at pranchas, em tcnicas variadas (grafite, lpis, aquarela, pintura a leo, pintura digital, acrlica, colagem etc.). Demonstram caractersticas e posicionamento dos personagens e objetos (figura) inseridos em cenrios (fundo) incluindo ainda informaes detalhadas relativas a:32 33

RODRIGUES, O Cinema e a Produo, 2002, p. 71. HAMBURGUER, Castelo R-Tim-Bum: o livro, 2000, p. 82. 34 RUSSELL, The Art of The Fellowship of the Ring, 2002, p.20.

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ambiente, iluminao, enquadramento, atmosfera, estudo de cores, luz, composio e assim por diante. Embora o enquadramento tambm possa ser estudado previamente atravs dos desenhos de conceito, dependendo do tipo de produo, ele ser estabelecido no momento da filmagem pelo diretor ou pelo diretor de fotografia. Em Monstros S.A. os enquadramentos e composies das imagens em 3D digital esto bem prximos do estabelecido pelas pranchas, enquanto que em filmes live-action, a utilizao mais efetiva da cmera pode ocasionar variaes da inteno inicial descrita pelo storyboard por tratar-se de um tipo de filmagem sujeita a interferncias externas somente percebidas in loco, no momento da gravao. [cdC: CONCEPES/ MonstrosSA/ Luz e enquadramento]

Nas palavras do clebre diretor de cinema sovitico Vsevolod Pudovkin, uma das caractersticas do cinema a de dirigir a ateno do espectador para os diferentes elementos que se sucedem no desenvolvimento de uma ao.35 Planejar os enquadramentos de uma seqncia pode solucionar de forma simples cenas que, se concebidas de outra forma, poderiam se tornar desnecessariamente dispendiosas, dispersas e confusas. Analisando parte da seqncia do filme Ladro de Sonhos (Jean-Pierre Jeunet, 1995) na qual um transatlntico se choca contra o cais onde os personagens se encontram, possvel notar que houve um planejamento prvio, pois em nenhum momento v-se o navio por inteiro, apenas parte de sua proa. Mesmo assim a sensao que se tem de que um imenso navio se aproxima, principalmente quando35

PUDOVKIN, Mtodos de tratamento do material. In: XAVIER, A experincia do cinema, 1983, p. 60.

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temos num mesmo enquadramento a posio dos personagens em relao ponta do navio. Eles, em primeiro plano e de costas para a cmera, olham para frente e para o alto avistando apenas um trecho vertical da proa vindo em sua direo. Noutro enquadramento toda a tela preenchida por uma parte do casco em movimento. Os elementos sonoros realam a dramaticidade da cena. Esse trecho um exemplo de como a noo de enormidade pode ser passada atravs de ngulos fechados. [cdM Trechos Selecionados/Ladro de Sonhos.MPG]

preciso ressaltar o fato de que, na pr-produo de um filme, a equipe lida constantemente com informaes que definiro aquilo que ser produzido. justamente a necessidade de informar os detalhes dos elementos de cena a serem produzidos que caracterizar o grau de elaborao de cada desenho de conceito.

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4.1.2 StoryboardConsiderando quais seriam as principais caractersticas de um bom roteirista, o diretor Jorge Furtado menciona36 a importncia de se ter sempre em mente que tudo o que escrito num roteiro deve possuir o atributo de se tornar audvel e visvel, inclusive elementos subjetivos tais como pensar, sentir, querer. Sob este aspecto, ideal que haja uma forma de pr-visualizao figurativa daquilo que est por escrito. A primeira verso visual em seqncia do filme concebida atravs do

storyboard37, uma srie de desenhos em pequenos quadros usados comorepresentao grfica do roteiro tcnico que mostram os planos principais, o enquadramento, os ngulos de cmera, o campo de viso e o movimento dos personagens em cena. O storyboard tem por objetivo demonstrar a ordem em que as cenas ocorrem, sugerindo ao, ritmo, indicao de cores especficas, de efeitos visuais e sonoros. Quando falamos em design cinematogrfico o que vem logo mente storyboard por se tratar da forma mais conhecida de

design para cinema. Mas este apenas um dos elementos do processo detransformao do roteiro em imagens. Na maioria dos casos, esse processo segue a ordem linear roteiro literrio - roteiro tcnico -planta baixa -

storyboard38.

Comentrio do diretor e roteirista Jorge furtado, em entrevista ao programa Agenda da Rede Minas de Televiso, que foi ao ar no dia 25 de junho de 2005 s 19:13 horas. 37 TOMPSON, Tim Burtons Nightmare before Christmas: the film, the art, the vision, 1994. 38 Nem sempre o storyboard tem incio a partir do roteiro. No caso do longa-metragem de animao O estranho mundo de Jack, produzido por Tim Burton, por exemplo, a concepo do filme deu-se a partir de antigos desenhos que Burton havia feito para a Disney e que, embora no tivessem sido aprovados, foram conservados pelo Estdio; e tambm a partir das canes feitas por Danny Elfman para o filme, tendo sido o roteiro escrito paralelamente confeco do storyboard. Cf. TOMPSON, Tim Burtons Nightmare before Christmas: the film, the art, the vision, 1994., p.93.

36

45

Pode-se contratar um desenhista exclusivamente para essa funo, supervisionado pelo diretor, pelo diretor de arte e/ou desenhista de produo. Para esboar as cenas, o desenhista de storyboard tem como referncia s informaes contidas na decupagem de direo, desenhos de conceito preliminares, pranchas e planta baixa. O ideal que cada plano principal seja desenhado em folha separada para que a estrutura do filme possa ser facilmente modificada pela simples mudana de posicionamento dos quadrinhos do storyboard. Observaes adicionais quanto ao movimento de cmera, dilogos, efeitos e, at mesmo, durao das cenas so anotadas abaixo dos desenhos, o que facilita a comunicao entre o diretor e a equipe encarregada de desenvolver as cenas. Tambm serve de referncia para os atores, dubls etc. nos filmes live-action. Portanto, quanto mais informao detalhada tiver o storyboard, acompanhado do roteiro tcnico, mais ntida e otimizada ser a pr-visualizao do desenvolvimento do filme em termos de planejamento, continuidade, custo, prazos e decises a serem tomadas pelos diversos departamentos que compem a equipe tcnica. atravs dele que experimentaes podem ser feitas e erros podem ser cometidos sem aumentar os custos ou desperdcio de material. Nos esboos possvel testar diferentes verses de uma mesma idia e ver se a narrativa atravs de imagens funciona; caso contrrio, modificaes no roteiro sero feitas em funo da clareza com que a histria ser contada, ou seja, em funo do enredo. Assim sendo, aconselhvel reservar espao para expor o storyboard, de preferncia por completo e nas paredes do estdio, e repass-lo com toda a equipe para que correes possam ser feitas e todos estejam familiarizados com a histria. importante deixar exposta, seja nas paredes ou num lbum encadernado, a

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seqncia a ser trabalhada para que a equipe possa consult-la quando for necessrio, evitando equvocos e atrasos na produo. Nas produes em que os sets precisam ser construdos, a escolha do ngulo pode significar metros a mais de cenrio. Espao fsico, material e tempo gasto para a construo dos cenrios podem ser previstos nessa fase. Principalmente em se tratando de um longa-metragem de animao stop-

motion, em que o departamento de arte consulta o storyboard com maisfreqncia para saber quantos bonecos sero necessrios, quantos cenrios sero construdos e quantas cenas sero rodadas no mesmo cenrio. Todas as decises subseqentes da produo, sero inteiramente baseadas no

storyboard.Para o longa-metragem em stop-motion O estranho mundo de Jack (Henry Selick, 1993) por exemplo, foram necessrios aproximadamente 3.300 desenhos para completar o storyboard que apresenta toda a histria do filme em sua concepo visual. Mas seria muito mais complicado realizar uma produo to extensa e com tantos profissionais envolvidos sem um storyboard to bem elaborado. E um minucioso planejamento visual fundamental tanto para as grandes produes (por razes de organizao do trabalho) quanto para as produes de baixo oramento (por razes de economia de recursos). [cdC: CONCEPES/Estranho Mundo de Jack/storyboard1.jpg e 2]

Se o storyboard ser muito ou pouco elaborado depender do grau de complexidade das cenas; mas, de um modo geral, o que interessa realmente como, quando e qual a ordem dos acontecimentos, assim como as indicaes

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de cenrios, figurinos e objetos de cena. J a caracterizao visual detalhada desses elementos do filme fica a cargo do desenho de conceito. [cdC: CONCEPES/ Minority Report /storyboard/cena do beco/storyboard]

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4.1.3 Design de personagens(character design):

A caracterizao de personagens passa por um extenso processo de desenvolvimento e modificaes antes de atingir o estgio ideal. Ser um desenhista de personagens se assemelha a dirigir a escalao de um elenco, onde cada qual dever possuir um conjunto de atributos fsicos que combinem com suas respectivas personalidades e com o contexto em que esto inseridos39. H uma forte predominncia de estudos da figura humana mesmo em se tratando de personagens baseados em animais, vegetais ou objetos. Inclui-se tambm o estudo preliminar de trejeitos, no apenas a aparncia mas o gestual expressivo da figura estruturalmente falando, independente do

vesturio, mas h casos em que o personagem no se dissocia do figurino tendo suas caractersticas de serem desenhadas simultaneamente. Um personagem o conjunto de aparncia e comportamento, por isso ao ser criado a multiplicidade de posturas ser levada em conta primordialmente, diferente do que ocorre com o design de figurinos, o qual enfatiza a vestimenta antes de tudo.

Model sheet: so desenhos do personagem de diferentes pontos de vista empose esttica ou em movimento que possam suprir a provveis necessidades dos ngulos descritos no storyboard40. O model sheet principalmente usado em animao clssica para ajudar a equipe de animadores a manter o39 40

CULHANE, Animation: from script to screen, 1988. CULHANE, Animation: from script to screen, 1988.

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personagem dentro do mesmo padro. de grande utilidade, em se tratando de personagens sintticos, desenhar modelos expressando diversas emoes. Em O estranho mundo de Jack, os desenhos do personagem Cientista Malvado, serviram de referncia para a confeco e a pintura de acabamento do boneco. No filme, ele nunca aparece de p, mesmo assim, ele representado nesta posio. Quanto s expresses de Jack Skellington, no

model sheet elas ocilam do feliz ao furioso.[cdC: CONCEPES/Estranho Mundo de Jack/cientist.jpg e facesDraw.jpg]

Para A Viagem de Chihiro, os estudos no model sheet serviram para solucionar a proporo, os gestos, a postura e o comportamento de uma garota de dez anos de idade em situaes especficas, e sua estatura em relao a outros personagens fictcios como, por exemplo, o beb gigante. Toda a equipe de animadores se baseou nessas referncias desenhadas pelo supervisor de animao Masashi Ando. [cdC: CONCEPES/ A Viagem de Chihiro/ model sheet]

Na animao feita em 3D digital Procurando Nemo (Andrew Stanton, 2003), ao fazer uma anlise semitica do personagem Nemo, observa-se que suas caractersticas fsicas esto relacionadas a um elemento importante para o incremento da trama. Um ponto de tenso a partir do qual todo o enredo se desenvolver. Nemo um filhote de peixe palhao que nasceu com uma barbatana menor que a outra. Ele sobrevivente de uma tragdia que matou sua me, Coral, e deixou seu pai, Marlin, traumatizado. Sendo Nemo pequenino, portador de uma anomalia congnita e filho nico, Marlin, ao se

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tornar um pai superprotetor e neurtico por segurana, acaba podando o desenvolvimento social do peixinho. O tratamento visual dado ao personagem lida com a questo de sua aparente deficincia de maneira sensvel sem ser de forma alguma pejorativo. O design do personagem condiz com sua personalidade, pois ele esperto, agitado e curioso. Correspondentemente, ele tem olhos bem abertos, cores fortes e flexibilidade corporal o que lhe proporciona a capacidade de reagir aos exageros do pai. Muito embora o protagonista seja um peixe, suas atitudes tm como referncia uma criana no final da idade pr-escolar, por isso o personagem desenhado de forma que suas expresses sejam versteis o suficiente para transparecer sentimentos humanos. E outro dado que chama a ateno quanto caracterizao dos personagens, que nenhum deles o vilo, nem mesmo os tubares. Marlin e Nemo no tm de lutar contra um ser maligno individual, mas superar o pessimismo, o preconceito e os desafios do oceano. [cdC: CONCEPES/NEMO/personagens/nemo97.jpg a nemo99.jpg]

Em Lilo & Stitch (Chris Sanders, 2002), Stitch, um personagem idealizado por Chris Sanders, possui uma personalidade ambgua que quebra o maniquesmo tradicional dos antigos filmes dos Estdios Disney. Ele um aliengena resultante de uma experincia cientfica, com grande potencial destrutivo. Mas ao fugir de seu planeta e cair na terra, finge ser um cachorro ao esconder suas antenas e dois de seus quatro braos. Tudo para ir morar com a garotinha havaiana chamada Lilo e evitar ser pego pelos seus perseguidores. Sua aparncia fsica reflete um misto de agressividade e fofura. Segundo Sanders, o tratamento visual dado aos elementos do filme

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intencionalmente arredondado, dando-lhes um aspecto amigvel. Stitch mal criado , tem garras e presas, mas ao mesmo tempo gordinho, que sugere um pelo macio; sua expresso facial alterna entre a ferocidade e a inocncia bondosa. Ele ao mesmo tempo atraente e repulsivo. [cdI: imagens/Lilo&Stitch/]

J o visual criado para As Bicicletas de Belle Ville (Sylvain Chomet, 2003) ressalta figuras caricaturais, personagens de aspecto bizarro e formas acentuadas, ora muito magros, ora extremamente gordos. As figuras obesas foram criadas em funo do conceito por trs da Belleville, cuja estrutura urbana est calcada no consumismo, sobretudo de fast-food. Os capangas de terno preto, movem-se em forma de um bloco nico e quadrado, o que os torna facilmente identificveis como mafiosos frios e ameaadores; as trigmeas idosas, cantoras de cabar, que fazem msica tendo por instrumentos utenslios domsticos, foram inspiradas nos traos de personalidade forte e gentil da av do diretor e designer de personagem, Sylvain Chomet; a protagonista Madame Souza, baixinha, velha e mope, usa bota ortopdica, e apesar de sua aparncia frgil, demonstra fora e determinao ao vencer os obstculos na busca pelo seu neto Champion, o ciclista aptico, magro, de pernas musculosas. H tambm o mtre excessivamente meticuloso e submisso que trabalha no restaurante onde o chefe da mfia assiste apresentao das trigmeas. Tanto que ele chega a apresentar a forma de uma vara empenada para trs, tamanho o exagero de seus gestos prestativos. Esses elementos e caracteres propiciam uma atmosfera extraordinria ao desenho. As formas e expresses so exploradas ao mximo mostrando um

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traado diversificado das figuras humanas, realando o lado decadente, perecvel e frgil da matria orgnica em contraposio presena de esprito dos personagens. [cdI: imagens/Bicicletas de Belle Ville]

As figuras de Hayao Miyazaki em A Viagem de Chihiro (Hayao Miyazaki, 2001), descendem da mitologia japonesa e dos contos tradicionais sobre divindades nipnicas. Ao invs de criar seres envolvidos em batalhas com armas e superpoderes, Miyazaki optou por valorizar elementos da cultura japonesa voltada mais para as foras da natureza que para a alta tecnologia. Em seus desenhos preliminares percebe-se que suas representaes fantasiosas de espritos se baseiam na aparncia de plantas e tubrculos com mscaras e vestimentas tpicas do folclore japons, resultando esta mistura inusitada em personagens atpicos H tambm a mescla tradicional de figura humana e animal, como o caso dos homens-sapo e mulheres-sapo. A diferenciao na porcentagem de mistura entre os elementos proporciona ampla diversidade de caracteres sem comprometimento da unidade estilstica. Tal unidade se obtm pelo uso privilegiado de uma mesma tcnica de acabamento das imagens que mantm seus elementos como parte de um mesmo universo fantstico. H, por exemplo, homens-sapo e sapos humanizados, figuras cuja porcentagem de caractersticas humanas maior que as caractersticas animais e vice-versa. Seus personagens variam das figuras humanas pouco estilizadas (Chihiro e Haku), passando por tipos extremamente caricaturais (Yubaba) at chegar a figuras quase abstratas (espritos). A partir dos esboos de Miyazaki, o personagem Kamaji, que a

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princpio seria apenas um homem velho, foi desenvolvido pelos desenhistas da equipe at se tornar homem velho com seis longos e versteis braos trabalhando simultaneamente na caldeira da casa de banho A despeito de seu aspecto austero pela forma como lida com os Susuwatari criaturinhas ldicas feitas de fuligem que carregam e lanam pedras de carvo na caldeira de maneira cmica Kamaji remete figura de um sbio e chega a inspirar simpatia. Ainda mais ldico o momento em que os Susuwatari so alimentados com pequenas estrelinhas furta-cores semelhantes a suspiros. Tanto os personagens quanto os adereos que complementam seu comportamento revelam a grande sensibilidade por trs de sua concepo. [cdC: CONCEPES/ A Viagem de Chihiro]

Quando a concepo de personagens extrapola a mistura das referncias comuns realidade como monstros, feras, aliengenas, obtm-se o que chamamos de design de criaturas. O desenho de conceito neste caso mais especfico; devido a maior distncia entre o real e o imaginrio as possibilidades de criao do bizarro e do pitoresco so ainda mais amplas. Temos em H. R. Giger um inventor de criaturas por excelncia tamanha a peculiaridade dos seres fantasmagricos por ele concebidos. Suas mrbidas figuras so o resultado da mistura de figura humana com elementos orgnicos semelhantes a insetos, seres em decomposio etc. A estranheza dos personagens de Giger, que parecem extrados de pesadelos, se presta a representao de aliengenas com grande pertinncia dentro do contexto do filme Alien: o oitavo passageiro (Ridley Scott, 1979). [cdC: CONCEPES/z_adicionais/Giger]

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O mundo criado por J. R. R. Tolkien oferece um manancial de informaes que aguam a criatividade daqueles que nele se inspiraram para criar a diversidade visual de O Senhor dos Anis. A equipe de desenhistas obteve em sua literatura pontos de partida para apresentar ao diretor Peter Jackson, propostas para a concepo das criaturas repulsivas representantes do mal; dentre elas, o Balrog (uma espcie de demnio em chamas), Os Uruk-

hai, Orcs e Trolls (componentes do exrcito de Sauron), Wargs e Fell Beasts.(animais de cavalgadura). [cdC: CONCEPES/Senhor dos Anis/criaturas]

4.1.4

Design de figurinos(costume design):

O desenho indumentrio executado por figurinistas, de um modo geral, possui caracterstica esquemtica. Principalmente quando o objetivo confeccionar roupas para um elenco, o design de figurinos apresenta-se na forma tradicional pertencente ao mundo da costura, enfatizando o modelo da roupa geralmente em pose esttica e no caractersticas especficas da anatomia do personagem em poses dinmicas. Durante a confeco das roupas que ajustes so feitos levando-se em considerao a anatomia do ator e a ao a ser desenvolvida, de maneira a no inibir os gestos ou prender movimentos essenciais de acordo com a postura e a expresso.

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William Mann comenta sobre o figurinista de Hollywood, Travis Banton, subchefe do departamento de figurino da Paramount:

Ele parecia entender instintivamente o papel que o figurino desempenhava no cinema: no era s como arrumar vitrines, mas fazia parte integrante da narrativa. As roupas so usadas para contar uma histria, disse a um reprter, para realar um impulso ou ressaltar um objetivo desejado na vida do personagem em questo. Alis, ele foi o primeiro dos figurinistas de Hollywood a ver o figurino dessa forma (embora j em 1917 George James Hopkins defendesse um ponto de vista semelhante antes de ser cengrafo), e sua abordagem influente se tornou padro para todos os que vieram depois dele.41

Ngila Dickson, figurinista da trilogia O Senhor dos Anis, comenta a importncia da distino entre o figurino caracterstico de cada civilizao descrita por Tolkien. A vestimenta exibe os valores e hbitos das diferentes culturas, cada qual pertencente a uma regio com ambientao especfica, dentre as quais Hobbits (Frodo e Sam), Elfos (Legolas), Gondorianos (Faramir),

Edorianos (owin) etc. Alm de recorrer s histrias e ao roteiro, Ngila baseouseus desenhos nas ilustraes que Alan Lee havia feito para os livros de Tolkien e nos desenhos de conceito para o filme. 42 [cdC: CONCEPES/Senhor dos Anis/figurino]

Quando a narrativa no exige realidade histrica, um estilista pode inspirar-se na moda de determinada poca, porm preocupando-se mais em41

MANN, 2002, Bastidores de Hollywood:a influncia exercida por gays e lsbicas no cinema, 1910Cf. RUSSEL, The art of The return of the king, 2004, p. 9.

1969 p. 7442

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traduzir simbolicamente o personagem que em manter exatido histrica. o caso do trabalho do estilista Jean-Paul Gaultier para Ladro de Sonhos. O figurino combina com a atmosfera soturna de uma populao que vive na beira do cais. O personagem One, estivador desempregado que passa a trabalhar como artista de rua, veste um modelo de uniforme da marinha. A menina Miete, embora criana, apresenta a personalidade forte de uma mulher adulta. Seu figurino, mesmo sendo infantil, por ser vermelho, se destaca de forma agressiva em relao s roupas opacas dos garotos que, por sua vez, vestem ternos, palets, gorros e chapus, conferindo-lhes uma aparncia sisuda. [cdI: imagens/LadraodeSonhos]

Na concepo visual de super-heris, soldados, criaturas, a vestimenta est intimamente relacionada caracterizao do personagem. Super-heris so um caso a parte. Sobre o confronto existente entre mundo imaginrio e mundo real, Iser escreveu:

[...] o mundo do texto no de fato um mundo, mas para fins especficos deve ser considerado como tal [...]. Ao considerarse o mundo representado no texto como se fosse real, o prprio mundo emprico se transforma num espelho, orientando o receptor para a concepo de algo que no existe e permitindo que esse inexistente seja visualizado como se fosse realidade. [...] a ficcionalizao se converte no meio ideal para que o imaginrio se43

manifeste,

fazendo

o

invisvel

tornar-se

concebvel [...].

43

ISER, The fictive and the imaginary: charting literary antropology, 1993, p. 72,73.

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Adaptar de forma convincente personagens de quadrinhos para filmes

live-action se torna um desafio quando a inteno fazer com que haja umalgica quase pragmtica44 dentro de uma trama fictcia que pede para ser lida como real. No universo das histrias em quadrinhos, um personagem como Volverine pode usar um colante amarelo e mscara preta com pontas exageradas. Se fosse usado por um ator, num filme que no pretende ser comdia, o mesmo figurino pareceria ridculo. [cdC: CONCEPES/Xmen/figurino/xmen051.jpg a xmen100.jpg]

Um

dos

principais

problemas

dos

uniformes

de

couro

preto,

confeccionados para os X-men, era a pouca mobilidade, o que exigia maior esforo por parte dos atores para que seus gestos parecessem naturais.45 Os demais trajes usados pelos mutantes seguiram as caractersticas fsicas e pessoais de cada um. Alguns por usarem prteses, como o Noturno que possui mos com trs dedos, ps com dois, e uma calda prensil, receberam ateno especial. Como ele nasceu na Bavria, foi criado por uma rainha cigana e trabalhava num circo em Munique at ser encontrado pelos X-men, suas roupas so tpicas de sua origem e profisso. [cdC: CONCEPES/Xmen2/figurino/xmen336.jpg a xmen350.jpg] [cdC: CONCEPES/Xmen2/X_images]

Em se tratando de universo fictcio sendo lido como mundo real, manter uma coerncia narrativa para seres fantsticos com superpoderes algo deveras complexo. O que normalmente se busca a sustentao de uma linha44 45

STIERLE, Que significa a recepo dos textos ficcionais, 1979. Informaes extras contidas no disco dois da edio especial do DVD X-men 2.

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de raciocnio partindo do mesmo conceito. A transposio de personagens da

Marvel Comics para o filme Homen-Aranha (Sam Raimi, 2002) nonecessariamente seguiu a mesma linha de raciocnio em relao ao heri e ao vilo. O figurino desenhado para o Homen-Aranha procurou manter as mesmas caractersticas do uniforme original das histrias em quadrinhos, preservando atributos tanto anatmicos quanto acrobticos, bem como a colorao contrastante. Embora vrios dos desenhos de conceito feitos por Warren Manser representassem o heri aracndeo em posies dinmicas, uma srie de desenhos dele em posio esttica foi desenvolvida com base em fotografias, no intuito de definir sua musculatura e propores de acordo com a estatura do ator Tobey Maguire e dos dubls. Mais tarde esses elementos seriam incorporados ao figurino definitivo que consistia numa pea nica de malha elstica, com apenas dois fechos, vestida sobre enchimentos simulando msculos. As teias de aranha que decoram as partes em vermelho da roupa foram feitas em alto relevo, concedendo-lhe uma sofisticao adicional. Foram confeccionadas 28 roupas de homen-aranha para as cenas tanto com o ator quanto com os dubls, pois embora esse figurino proporcionasse ampla liberdade de movimentos, a malha nem sempre suportava as cenas de ao intensa, o que muito comum. Em determinadas cenas, o heri foi substitudo por um modelo em 3D digital em virtude de suas acrobacias espetaculares. [cdC: CONCEPES/HomemAranha/spider001.jpg a spider004.jpg]

Uma grande divergncia existente entre os quadrinhos e o filme que, ao invs do personagem Peter Parquer produzir um fluido caseiro que fosse expelido por um dispositivo acoplado aos seus pulsos, seu corpo produziria

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naturalmente a teia que sairia por uma abertura nas glndulas localizadas em seus punhos. Em entrevista concedida para um artigo da revista Cinescape de maro-abril de 2001, o diretor Sam Raimi explica que ter um garoto na escola secundria, que seja capaz de inventar um produto adesivo que nem mesmo a indstria 3M poderia imaginar seria um tanto fantasioso demais, mesmo para um jovem com poderes proporcionais aos de uma aranha. Por isso ele optou pelo conceito de mutao gentica ocorrida na aranha azul e vermelha que o picou. Porm o roteiro no esclarece como foi que esse mesmo garoto conseguiu uma roupa com sofisticada tcnica de silk-screen em alto relevo e acabamento de alta costura.

Quanto ao figurino do Duende Verde, sua caracterizao ficou bem distante da concepo original dos quadrinhos em que o personagem possui um visual excntrico de dia das bruxas, com roupas na cor roxa e verde. A produo alterou seu visual em funo da justificativa ao invs de criar justificativas que sustentassem, seno todas, pelo menos suas principais caractersticas de origem. De acordo com o departamento de figurino, o Duende bem aceito enquanto desenho, mas enquanto uma pessoa real vestida de duende, torna-se uma figura ridcula. Apesar de o departamento de arte ter feito testes com prteses de silicone, o que permitiria ao ator explorar suas feies enquanto que as exageradas sobrancelhas articuladas fossem manipuladas por radio controles, os produtores optaram por uma verso de mscara mais esttica. Eles argumentaram que se Norman Osbourne fosse visto colocando uma mscara de borracha, seria complicado justificar que ele fosse capaz de mudar sua expresso facial. A possibilidade de metamorfose

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fsica e alterao do semblante em momentos de insanidade, em resultado da experincia a que Norman se submete, s levada em conta quando o personagem aparece sem estar caracterizado de duende, no entanto a metamorfose de origem psicolgica, a estrutura fsica permanece a mesma. O ator Willem Dafoe teve de representar o Duende Verde com uma mscara que expunha em alguns momentos apenas seus olhos e boca. O intuito era passar a idia de que Osbourne obteve a mscara verde a partir de sua coleo particular de mascaras africanas, indgenas e carnavalescas. Foi uma incrvel coincidncia ele possuir um exemplar exatamente da mesma cor e textura da roupa de super-soldado produzida pela Oscorpe, a empresa onde trabalhava. O resultado foi que o figurino definitivo ficou high-tech, semelhante ao dos viles de seriado japons, mais esttico e menos expressivo em termos de movimentao tanto fsica quanto facial46. [cdC: CONCEPES/HomemAranha]

O diretor47 define suas prioridades quanto maneira pela qual o figurino ser inserido na narrativa. A nfase dada ao visual pode significar incoerncia. No episdio II de Guerra nas Estrelas48: O ataque dos clones (George Lucas, 2002) a vida da personagem Senadora Padm est sob constante ameaa; assim, no incio do filme ela aparece disfarada vestida como um dos soldados

VAZ, Behind the mask of Spider-Man: the secrets of the movie, 2002. Em certos casos, os produtores interferem nas decises do diretor visando bilheteria, ou questes externas ao filme. Cf. HITCHCOCK; TRUFFAUT, Entrevistas, 1989; BERNARDET, O autor no cinema: a poltica dos autores, 1994. 48 Star Wars - Odissia no espao em seis episdios: I Ameaa Fantasma (1999); II Ataque dos Clones (2002); III A Vingana dos Siths (2005); IV Uma Nova Esperana (1977); V O Imprio Contra-ataca (1980); VI O Retorno de Jedi (1983).47

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de sua escolta. Sua criada sofre o atentado em seu lugar usando a pomposa vestimenta tpica da ex-rainha Amidala e atual Senadora Padm. [cdI:imagens/StarWars/AtaquedosClones5.jpg a AtaquedosClones9b.jpg]

Em outro momento do filme, ainda sendo ameaada, ela foge de Coruscant escoltada pelo aprendiz de Jedi Anakin Skywalker, utilizando o transporte coletivo comum. Para quem est evitando chamar a ateno, a vestimenta dourada de Padm destoa de sua condio, pois ela se apresenta perante a atual rainha com o mesmo disfarce exuberante com o qual fugira. O desenho de conceito previa uma verso mais camuflada que no foi utilizada. [cdC: CONCEPES/StarWars/star wars001.jpg] [cdI:imagens/StarWars/AtaquedosClones024.jpg a AtaquedosClones046.jpg]

O diretor provavelmente optou por enfatizar mais a esttica romntica que a coerncia com a histria, inclusive na cena em que Padm atacada pela criatura Nexu e parece que sua roupa foi estrategicamente rasgada para se tornar um modelo sensual. Os desenhos de conceito, individualmente, so bem executados, sua combinao e aplicao ecltica que abre margem para questionamentos quanto adaptao, o que no impede a apreciao do universo de Star Wars pelo seu imenso pblico fiel. Mas ao analisarmos o resultado final, vemos que h uma profuso de elementos e tcnicas resultando no numa diversidade de figuras pertencentes a um mesmo universo, mas numa diversidade de universos dentro do mesmo filme. [cdI:imagens/StarWars/AtaquedosClones000.jpg a AtaquedosClones020.jpg]

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4.1.4.1 Maquiagem (make-up)

Tratando-se de um filme em live-action, o design de personagem serve, mesmo antes da escalao do elenco, para definir adereos que iro complementar aspectos fsicos como penteado, cor do cabelo, dos olhos e da pele, formato do rosto, do corpo, peculiaridades em geral. A partir da, torna-se necessrio decidir a maneira pela qual tais adereos sero aplicados de modo a alterar caractersticas fisionmicas dos atores em harmonia com o figurino. [cdC: CONCEPES/Star Wars]

Para os personagens de X-men 2 cuja aparncia se afasta muito das caractersticas humanas, a maquiagem exerceu papel fundamental na soluo visual dos mutantes. Em detrimento do tempo e da comodidade dos atores, pois a sesso de maquiagem dos personagens Noturno e Mstica chegava a durar mais de oito horas antes de cada gravao, a opo por pintar diretamente sobre a pele dos atores, o uso de prteses dentrias, lentes de contato no raro significa sacrifcio por parte dos profissionais envolvidos. Para esse segundo filme o departamento de maquiagem precisou elaborar uma nova maneira de cobrir o corpo da atriz que representava a personagem Mstica, no sentido de reduzir o tempo de produo e evitar o uso de solventes para remover a maquiagem e a cola usada para fixar as escamas. [cdC: CONCEPES/Xmen2/X_images/x-men-2-20.jpg]

Mesmo com o avano das tcnicas, longas sesses de maquiagem ainda podem significar tormenta, mas o sacrifcio feito pelos atores em prol de

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uma excelente causa. Se hoje tais dificuldades ainda existem, no passado elas eram piores. Boris Karloff enfrentou com grande abnegao horas e horas de maquiagem para imortalizar mais um de seus famosos personagens em A Mmia (Karl Freund, 1932). O efeito de pele enrugada de cadver embalsamado foi obtido pelo maquiador Jack Pierce atravs de vrias camadas de um preparo feito com cola a base de lcool (que mais txico) e algodo egpcio, que mais fino. Boris precisava ficar imvel at que cada uma das camadas estivesse seca para obter o efeito de enrugamento. Depois, o acabamento era feito com tinta criando a textura desejada. O curioso que o maquiador preparou o rosto e os antebraos do ator e enrolou o restante do corpo com ataduras impossibilitando-o de fazer suas necessidades fisiolgicas nos intervalos das gravaes. Ao que parece, no foi previsto quais seriam as implicaes das cenas em que Karloff apareceria vestido de mmia. Para manter o mistrio, depois de comear a se mover, o ator no aparece de corpo inteiro (ou meio corpo) enquanto caracterizado com ataduras49. Talvez no fosse necessrio envolv-lo de corpo inteiro por tanto tempo. Mas a despeito do sofrimento e do sacrifcio do ator, tenham sido eles desnecessrios ou inevitveis, o resultado plstico obtido nesse filme magnfico.50 [cdI:imagens/A mmia/making of]

O principio do qual se parte, a escolha da aparncia e dos meios de produo, interferem diretamente na concepo visual. Cabe ao desenhista de conceito apresentar possibilidades de soluo do aspecto dos elementos de49

A imagem na referncia [cdI:imagens/A mmia/making of/TheMummy059.jpg] em que a mmia aparece contracenando com o arquelogo uma foto para o making of. 50 Informaes extras contidas no bnus do DVD Karloff, The Mummy (A Mmia), Classic Monster Collection.

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cena. A aplicao adequada ao enredo daquilo que for escolhido, cabe ao diretor, muito embora suas decises sofram influncias alheias ao contexto ideolgico e artstico do mundo do texto. Por falta de recursos, um visual pr