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A VARIAÇÃO TERMINOLÓGICA NA LÍNGUA DE ESPECIALIDADE DOS
AGRICULTORES DE MANDIOCA NO MARANHÃO E NO RIO GRANDE DO
SUL
Luís Henrique Serra*
Resumo: O léxico de uma língua natural é um importante depósito de informação sobre
um grupo social; nele podem ser encontradas marcas culturais de um povo, ou de uma
localidade. Dessa forma, o léxico da língua portuguesa apresenta variações graças aos
diferentes contextos culturais e ambientais das diferentes localidades onde esse idioma é
falado. Da mesma forma, nas línguas de especialidade, o termo vai apresentar variações
fonéticas, fonológicas, semânticas e lexicais nos diferentes lugares onde uma atividade é
exercida. Nesse sentido, este trabalho se volta para a linguagem especializada dos
plantadores de mandioca no Maranhão e no Rio Grande do Sul, com o objetivo de
examinar a variação no interior desses subsistemas linguísticos. Os dados apontam uma
variação terminológica significativa nesses Estados.
Palavras-chave: Léxico. Socioterminologia. Língua de especialidade. Mandioca.
Abstract: The lexic of a natural language is an important place to have information
about a social group, inside it can be found culture marks of a nation or a location.
Thus, the lexic of the Portuguese language shows variation thanks to different ambiental
and culture contexts where this language is spoken. In the same way, in specialized
languages, the term shows phonetic, phonology, semantic and lexical variation in
different places where this activity are exercised. In this context, this work examines the
variation in specialized languages of manioc´s planters in Maranhão and in Rio Grande
do Sul. The two states show a significant terminology variation between the them.
KEY-WORD: Lexic. Socioteminology. Specialized languages. manioc
*Graduando do Curso de Letras da UFMA/ Bolsista de iniciação cientifica CNPq – UFMA/ Auxiliar de pesquisa do Atlas Linguistico do Maranhão – ALiMA/ UFMA.
E- mail:[email protected]
Língua e sociedade são duas entidades indissociáveis. Em todos os níveis da
língua, sobretudo no âmbito lexical, podemos encontrar indícios confiáveis da forma de
pensar e raciocinar de um povo, bem como de sua cultura. Para Labov (2008), qualquer
estudo sobre a língua que não leve em conta essa relação, acaba por cometer o mesmo
engano dos gramáticos normativistas: voltar-se para estudos muito abstratos, distantes
do uso real da língua, o que acaba por levar a verdades, por vezes, folclóricas.
Da mesma forma que na língua geral, nas línguas de especialidades, o contexto
social e físico de uma localidade vai provocar variações nos termos empregados pelos
usuários dessas línguas. Essa é a ideia principal da Socioterminologia, ciência
consideravelmente nova que questiona a negação da variação no interior das línguas de
especialidade: segundo a perspectiva normativista da terminologia tradicional, é
impensável qualquer variação em uma língua de especialidade. O princípio normativista
é uma ideia defendida pela Teoria Geral da Terminologia (TGT), teoria criada por
Eugen Wüster, no âmbito da escola de Viena.
Levando em consideração o pensamento socioterminológico, neste trabalho,
enfocamos a linguagem especializada de plantadores de mandioca de dois diferentes
estados brasileiros – Maranhão e Rio Grande do Sul – para examinar a variação
terminológica no que tange à variação diatópica, uma vez que entendemos que termos
de uma mesma atividade humana especializada apresentam variações em sua
distribuição espacial.
A seleção do locus da pesquisa levou em consideração nosso propósito –
confrontar dados do universo da mandioca recolhidos em dois estados que apresentam
características físicas, climáticas e culturais diferentes. Para a Socioterminologia, é
importante averiguar a estreita relação que se estabelece entre o universo linguístico e o
sociocultural (cf. BIDERMAN, 2001; FAULSTICH, 2006; CAMARA, 2010).
Esperamos, pois, com este trabalho, evidenciar mais uma vez que a variação
linguística é inerente a qualquer língua natural, seja sob a forma de uma língua geral ou
de uma língua de especialidade.
A terminologia e as variações terminológicas
O homem é o animal mais frágil comparado com outros animais na natureza.
Para sobreviver a um mundo hostil e selecionador dos mais fortes, o conhecimento tem
sido uma ferramenta indispensável para sua sobrevivência.
Vale ressaltar que parte desse conhecimento acumulado pelo homem está
armazenado no léxico, pois este é o resultado do processo de nomeação desenvolvido
pelos seres humanos. Segundo Biderman (2001), ao nomear os seres e suas
experiências, o homem apropria-se do real para, assim, garantir sua existência em um
mundo onde ele é o menos hábil para vencer as adversidades.
Sapir (1961, p. 45), ao enfocar o léxico, afirma que:
O léxico da língua é que mais nitidamente reflete o ambiente físico e social dos falantes. O léxico completo de uma língua pode se considerar, na verdade, como o complexo inventário de todas as ideias, interesses e ocupações que açambarcam a atenção da comunidade; e, por isso, se houvesse à nossa disposição um tesouro assim cabal da língua de uma dada tribo, poderíamos daí inferir, em grande parte, o caráter do ambiente físico e as características culturais do povo considerado.
Graças à evolução da ciência, ao longo da história da humanidade, profundas
transformações têm se dado na sociedade. Os diferentes modos de viver, de agir e de
pensar, decorrentes dessa evolução na ciência, ocasionaram diferentes formas de
organização e novos sistemas de produção no seio da sociedade. Paralelamente a esse
processo, dá-se na língua, no âmbito do léxico, o surgimento de vocábulos
especializados decorrentes das novas atividades da produção. Vocábulos novos são
introduzidos no léxico, criando assim o que hoje os linguistas chamam de língua de
especialidadei, objeto principal da terminologia (cf. BARROS, 2004).
Uma língua de especialidade (ou linguagem especializada) constitui-se como
uma subárea do léxico em que fica mais evidente o caráter objetivo e cultural (etno-
terminologia) de um grupo. Elementos do léxico geral são ressemantizados para a
produção de vocábulos profissionais, isto é, vocábulos que terão seu valor semântico
acionados somente em um contexto específico, em um texto/discurso profissional e/ou
cultural. O processo de criação terminológica (neônimos) se dá tanto de forma artificial
(normatização, padronização) e de forma natural (terminologização) (cf. BARBOSA,
2005; KRIEGER; FINATTO, 2005).
O surgimento desses novos elementos na língua fez aparecer um novo campo de
interesse no âmbito da Linguística, mais especificamente das ciências que estudam o
léxico, como a Lexicologia, a Lexicografia: a Terminologia, que, ao distanciar-se de
seus postulados clássicos e reconhecer a variação no interior das línguas de
especialidade, deu origem à Socioterminologia.
Na Socioterminologia o termo assume um papel similar ao da lexia no interior
da Lexicologia, ou seja, armazena informações culturais e sociais de uma dada
comunidade; no caso do termo, de uma atividade especializada. Um termo de uma
determinada atividade humana (agricultura, administração, web design) traz consigo
informações sobre o universo dessa atividade, bem como sobre suas relações sociais ao
longo da história. A carga semântica de um termo de uma língua de especialidade,
muitas vezes, só é conhecida por pessoas que pertencem àquele universo. Como
exemplo, podemos citar, no âmbito da administração, o termo “brainstorm”, que
designa uma reunião em que os participantes devem confrontar ideias. Esse termo é
desconhecido de grande parte da população; só quem estuda ou trabalha na área da
administração, ou de uma área que mantenha uma interface com ela, conhece-o.
Porém, a questão social do termo nem sempre foi considerada. Durante muito
tempo, a Terminologia foi uma ciência que deveria organizar o vocabulário das línguas
de especialidade e normalizá-lo, desfazendo qualquer relação com a variação que lhe é
inata.
Nos estudos teóricos da terminologia, norma, durante muito tempo, foi usada como um meio regulador da “boa expressão”, no sentido de conduzir o elaborador de dicionários terminológicos para o registro de termos “adequados” numa comunicação especializada eficiente. E, em assim sendo, a variação deveria ser regulada pela normalização terminológica. (FAULSTICH, 2006, p 27).
Antes da Socioterminologia, a Terminologia resumia-se em criar termos
normalizadores na elaboração de dicionários técnicos. Com o nascimento da
Socioterminologia, o conceito de Terminologia foi dividido em terminologia técnica e
linguística terminológica, para que dessa forma houvesse um campo da Linguística que
desse conta das variações linguísticas que aparecem nas línguas de especialidade
(FAULSTICH, 2006).
Levando em consideração a variação no interior das linguagens de especialidade,
a Socioterminologia pretende investigar, nessas linguagens, as variações
socioterminológicas (diatópica, diageracional, diacrônica e diastrática). A
Socioterminologia é, assim, uma disciplina “(...) que desenvolve metodologia de análise
para termo e para descrição, segundo as características de variação no contexto social e
linguístico onde ele ocorre. (...)” (FAULSTICH, 2006, p 31)
A mandioca e sua importância social e econômica
A mandioca é um produto genuinamente brasileiro. Desde os índios, essa planta
da família das Euforbiáceas faz parte de nossa cultura, sendo considerada por alguns
como “o trigo brasileiro”, dada a sua grande utilidade na culinária. Não são poucos os
relatores de nossa história que registram esse produto em nossa cultura, mais
precisamente na culinária, por meio da presença da tapioca, do bolo de tapioca, de
mingaus e da popular farinha d´água ou seca (ou de guerra) ou, ainda, do substituto
direto do pão de trigo – o beiju – nas mesas brasileiras, especialmente nas regiões norte
do País. Outra grande utilidade da mandioca para o homem é a produção de
biocombustíveis.
Segundo recente relatório da EMBRAPA (CUENCA; MANDARINO, 2006.), o
Brasil é o segundo maior consumidor de mandioca do mundo, perdendo apenas para a
Nigéria. A cultura da mandioca é realizada em todo o território nacional: o País tem
cerca de 1,7 milhões de hectares plantados de pés de mandioca. Segundo Cuenca e
Mandarino (2006, p. 9):
Existem atualmente no Brasil 38 milhões de hectares plantados com lavouras anuais, dos quais aproximadamente 1,7 milhões de hectares são ocupados com mandioca, sendo um dos cultivos anuais com maior área cultivada no país. A cultura da mandioca é praticada em todo o território nacional, com a utilização das mais variadas tecnologias.
O nordeste é a região do País onde mais se planta mandioca, apesar de esse
plantio ser, quase predominantemente, feito em consórcio com outras culturas. O estado
do Pará é o maior produtor nacional, sendo responsável por 19% da produção do Brasil.
Rio Grande do Sul e Maranhão ocupam juntos posição de destaque na cultura desse
produto: enquanto o Maranhão está no quinto lugar, respondendo por 6% da produção
nacional, o Rio Grande do Sul é o sexto, respondendo por 5% da produção (CUENCA;
MANDARINO, 2006).
Metodologia
Os dados deste trabalho foram selecionados de dois corpora diferentes. Em se
tratando do Maranhão, os dados são oriundos de um banco de dados terminológicos do
Atlas Linguístico do Maranhão – ALiMA, um projeto do Departamento de Letras da
Universidade Federal do Maranhão/UFMA, que, por meio da vertente Produtos
Extrativistas e Agroextrativistas Maranhenses, vem desenvolvendo um trabalho de
elaboração de glossários terminológicos de produtos significativos do ponto de vista
social e econômico para o Estado. Dentre esses produtos, destaca-se a mandioca, tema
deste artigo e de uma pesquisa de iniciação cientifica financiada pelo Conselho
Nacional de Pesquisa – CNPq e por nós desenvolvida.
No Maranhão, o corpus da pesquisa foi coletado por meio de aplicação de um
questionário semântico-lexical da mandioca, em sete importantes municípios
maranhenses na produção e cultivo da mandioca e de seus derivados: São Bento,
Pinheiro, Palmeirândia, São João dos Patos, Tuntum, Turiaçu e Pindaré-Mirim. O
questionário é aplicado a informantes selecionados de acordo com o seguinte perfil:
pessoas de ambos os sexos, com mais de dezoito anos, oriundas da localidade
pesquisada e que trabalhem com a mandioca há pelo menos cinco anos.
O questionário é constituído por cinquenta questões distribuídas em cinco
campos semânticos: plantação, colheita, instrumentos, beneficiamento e
comercialização da mandioca.
Os dados foram gravados por meio de um gravador digital Sony - ICD PX720 de
1GB. Depois de tratados, foram gravados em CD e, a seguir, transcritos
grafematicamente e armazenados no banco de dados terminológico do ALiMA.
Os dados do Rio Grande do Sul foram extraídos do artigo intitulado “A cultura
da mandioca no Rio Grande do Sul”. O artigo foi escrito e publicado por Dante de
Laytano, em 1952, no livro O folclore do Rio Grande do Sul: tradições do ciclo agro-
pastoril. Nesse artigo, Laytano produz um glossário terminológico da mandioca,
relativo ao Estado, e o utiliza em um texto explicativo sobre o processo de produção de
farinha no Rio Grande do Sul.
Para esta pesquisa, organizamos uma amostra com os dados dos dois Estados.
Os dados estão distribuídos por campos semânticos, apresentados sob a forma de
quadros em que são registradas as lexias do Maranhão e as do Rio Grande do Sul com
seus respectivos significados. Tendo em vista que nossa proposta é estabelecer um
paralelo entre os dados do Maranhão e os do Rio Grande do Sul, e que Laytano, fonte
dos dados gaúchos que utilizamos, só registrou no artigo mencionado lexias
correspondentes ao plantio e ao beneficiamento da mandioca e à culinária relacionada
com o produto, enfocamos apenas esses três campos semânticos.
O léxico da mandioca no Maranhão e no Rio Grande do Sul: o que mostram os
dados
O quadro abaixo reúne as lexias de dois campos semânticos – o plantio e a
colheita.
Quadro 1 - Plantio e Colheita
MARANHÃO RIO GRANDE DO SUL
Termo Significado Termo Significado
Coivara Tocos de árvores que sobram depois da queima
da roça
Enxada Instrumento utilizado para fazer as covas em que será
plantada a mandioca
Enxada Instrumento utilizado para fazer as covas em que será
plantada a mandioca
Facão Instrumento utilizado na colheita da mandioca
Facão Instrumento utilizado na colheita da mandioca
Enxadeco Espécie de enxada pequena que serve para retirar a raiz
da mandioca da terra, além de fazer a cova para o
plantio dos pés de mandioca
Escarrear Plantar os pés de mandioca em fileiras
Roço Limpeza feita no terreno onde estão plantados os pés de mandioca para eliminar
ervas daninhas
Suquia Nova florescência do pé da mandioca
Cova Buraco feito no chão, onde é colocado um pedaço do tronco da maniva para o
surgimento de um novo pé
Cova Buraco feito no chão, onde é colocado um pedaço do tronco da maniva para o
surgimento de um novo pé
Lêla Pés de mandioca plantados em fileira
Carreras Pés de mandioca plantados em fila
Rego Buraco feito para o plantio de vários pés de mandioca
juntos em fileiras
Tirar a muque Puxar a raiz da mandioca com as próprias mãos
Aceiros Vários pés de mandioca cobertos de palhas e terra
Nesse quadro, chamamos a atenção para os diferentes termos encontrados nos
dois Estados. Enxadeco, o primeiro deles, é espécie de enxada, que só difere da
convencional pelo tamanho do cabo e da “pá”, utilizada na colheita e no plantio da
mandioca no Maranhão; já no Rio Grande do Sul, como a colheita é feita por meio do
arranque com as mãos, a enxada é utilizada somente no plantio,e nesse caso os gaúchos
usam apenas a enxada convencional. É interessante, ainda, observar que a forma como a
colheita é feita no Rio Grande do Sul deu origem a um termo próprio, particular – tirar a
muque – formado por um verbo bastante comum, tirar, e uma lexia peculiar, como
muque, que já está quase em desuso no português brasileiro.
Encontramos, contudo, nos dois Estados termos semelhantes como enxada,
coivara, facão, cova; outro aspecto que merece destaque é a variação terminológica
expressa nos termo lêla e carreras. No Rio Grande do Sul há um termo interessante que
demonstra bem a peculiaridade que há na cultura local da mandioca: aceiros – termo
que nomeia vários pés de mandioca cobertos por palhas e terra. Essa forma de guardar a
mandioca deve-se ao clima da localidade que é frio e propenso à umidade, o que pode
estragar os pés da planta (LAYTANO, 1952).
Quadro 2 – Culinária
MARANHÃO RIO GRANDE DO SUL
Termo Significado Termo Significado
Beiju Espécie de bolo feito de tapioca. É geralmente consumido no café da manhã ou no lanche da
tarde
Beiju Uma espécie de bolo feito de tapioca. É geralmente
consumido no café da manhã ou no lanche da
tarde
Pirão Farinha de mandioca cozida com o caldo de
algum alimento
Pirão Farinha de mandioca cozida com água
Pandu Espécie de pirão feito com café e leite
Jacuba Mistura de farinha de mandioca e café preto, ou leite, substitui o café da
manhã
Chibé Espécie de molho feito com pimenta, sal, farinha e
limão.
Farofa A farinha de mandioca temperada com gordura ou
carne
Farofa Farinha de mandioca torrada com gordura
Tapioca Farinha fina de mandioca própria para a produção de
mingaus, bolos e tortas
Broinhas Bolinho de polvilho
Rosquinhas de Polvilho Bolo de polvilho com a massa torcida em forma
de argola
Paçoca Carne assada ou desfiada ou charque, preparada
com farinha de mandioca
Os termos pandu/jacuba e chibé/pirão, registrados no campo culinária, apesar de
apresentarem formas diferenciadas, possuem a mesma carga semântica. A culinária dos
dois Estados é bem similar, no que concerne ao uso da mandioca. Termos como beiju,
farofa e pirão atestam essa realidade. Outro fato interessante é que alguns termos,
familiares aos nossos ouvidos, causam-nos estranhamento com relação a seu
significado, como é o caso de paçoca. No Maranhão, esse termo alude a uma espécie de
doce e broinha; no Rio Grande do Sul, a uma espécie de farofa salgada.
Quadro 3 – Beneficiamento
MARANHÃO RIO GRANDE DO SUL
Termo Significado Termo Significado
Aviamento, casa de farinha ou casa de
forno
Local onde é beneficiada a mandioca
Atafona ou tafona Casa onde é beneficiada a mandioca
Cofo Cesto traçado, com vime ou palha de plantas
nativas que servem para o armazenamento da
farinha
Cevar Ralar a raiz da mandioca Cevar Ralar a raiz da mandioca
Caititu Máquina que serve para ralar a mandioca
Cevador Máquina para cevar; o encarregado da ceva
Cruêra Partes mais grossa da massa da mandioca que
Crueira ou carolo Partes mais grossa da mandioca
não passam pela peneira que não passam pela peneira
Forneiro Pessoa que torra a farinha no forno
Farinhada O processo de fabricar farinha
Farinhada O processo de fabricar farinha
Fornada Quantidade de farinha que se separa uma vez no forno
Sarilho Pequenas serras que servem para raspar a mandioca no caititu
Sarilho Eixo provido de pás que serve para mexer a massa no forno
Peneira Triângulo de madeira com o fundo trançado com fios de metal, que serve para separar os restos da massa no processo de peneira
Peneira Triângulo de madeira com o fundo trançado com fios de
metal, que serve para separar os restos da massa no processo de
peneira
Ponto da farinha Estado ideal de secagem da farinha
Ponto da farinha Estado ideal de secagem da farinha
Prensa Armação de madeira para espremer a massa
Prensa Armação de madeira para espremer a massa
Raspa (fazer o capote) Ato de remover a película externa da raiz da mandioca
Tipiti ou tapiti Cesto de taquara trançado, usado na prensa da mandioca
Tipiti ou tupitim Cesto trançado de taquara, usado na prensa da massa da mandioca
Forno Construção de tijolos que se acende para secar
a massa depois de prensada
Forno Construção de tijolos que se acende para secar a massa depois
de prensada
Cocho Pedaço de tronco de árvore em forma de um caixa que serve como
vasilha para o esfriamento da farinha
ao sair do forno
Gamela Vasilha onde é colocada a massa logo após a prensa para extrair a
tapioca
Gamela Vasilha onde é colocada a massa logo após a prensa para extrair a
tapioca
Masseira da massa verde
Coxo onde cai a massa da mandioca depois de prensada
Esteio e dormente Paus que seguram o cevador
É interessante observar que, apesar da distância que há entre os dois Estados, e
de suas diferentes formas de colonização, os termos apresentados nesse campo são
muito semelhantes, o que confirma a cultura da mandioca como uma cultura
nacionalmente estabelecida pelo índio antes mesmo de qualquer outra cultura que tenha
vindo de fora para somar e formar a identidade do povo brasileiro. Para ilustrar nossa
hipótese, destacamos termos como cruêra, tipiti, prensa (instrumento mais moderno),
que foram registrados em regiões bem equidistantes no País. Contudo, apesar da
semelhança na cultura da mandioca nos dois Estados, encontramos, no campo
beneficiamento, diferenças características, como as encontradas nos outros campos
acima explicitados. A masseira de massa verde, na linguagem de especialidade gaucha,
é, no Maranhão, gamela, enquanto o cevador é conhecido no Maranhão como sarilho. É
interessante observar que sarilho no Maranhão são pequenas serras que servem para
raspar a mandioca no caititu.
Conclusão
É fato que a cultura da mandioca é de suma importância para o Brasil, tanto do
ponto de vista econômico com cultural. Esse produto, como foi visto aqui, alcança
números expressivos na alimentação e no cultivo em quase todos os estados.
Provavelmente não há no Brasil um estado que não cultive a mandioca ou que não tenha
algum alimento cujos ingredientes não sejam provenientes dessa raiz brasileira. Ela é,
sem dúvida alguma, a representação direta de nossos ancestrais no DNA de nossa
cultura.
O Maranhão e o Rio Grande do Sul são dois estados que deixam bem clara essa
ideia. No cultivo e na culinária nas duas localidades, a raiz tem presença forte,
sobretudo nas regiões menos favorecidas pelo poder público, porém não é só nelas que a
mandioca se faz presente.
O universo da cultura da mandioca no Maranhão e no Rio Grande do Sul
apresenta semelhanças e diferenças que nos dão informações importantes para a análise:
as semelhanças atestam a cultura da mandioca como nacionalmente arraigada ao Brasil
e própria do País. As diferenças, por sua vez, nos mostram que, mesmo diante de um
elemento bastante popular e comum no âmbito nacional, cada comunidade dá a esse
elemento uma cor local e transforma, assim, a cultura por meio de suas peculiaridades.
A diversidade terminológica registrada nas localidades pesquisadas evidencia
que as linguagens de especialidade, assim como as línguas naturais em que estão
inseridas, são heterogêneas e variáveis, porque assim também são os homens que as
usam, em suas diversas atividades e contextos.
Referências
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tratamento transdiciplinar das unidades lexicais nos discursos etno-literários. Revista de
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BARROS, Lidia Almeida. Curso básico de terminologia. São Paulo: EDUSP, 2004.
BIDERMAN, Maria Tereza Camargo. As ciências do léxico. In OLIVEIRA, Ana Maria
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FAULSTICH, Enilde. A socioterminologia na comunicação científica e técnica. Cienc.
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KRIEGER, Maria da Graça; FINATTO, Maria José Bocorny. Introdução à
terminologia: teoria e prática. São Paulo: Contexto, 2004.
LABOV, Willian. Padrões sociolinguísticos. São Paulo: Parábola, 2008.
LAYTANO, Dante de. O folclore do Rio Grande do Sul: tradições do ciclo agro-
pastoril. Porto Alegre: Globo, 1952.
SAPIR, Edward. Linguística como ciência: ensaios. Rio de Janeiro: Livraria
Acadêmica, 1961.
i Há uma diversidade de nomenclaturas amplamente utilizadas no âmbito da Terminologia para aludir a
esse subsistema do léxico geral. Dentre elas, destacam-se: língua de especialidade, linguagem
especializada, tecnoleto, terminologia (escrito com inicial minúscula) e o popularmente conhecido
jargão (cf. BARROS, 2004; KRIEGER; FINATTO, 2004).