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PONTIFCIA UNIVERSIDADE CATLICA DO RIO GRANDE DO SUL FACULDADE DE FILOSOFIA E CINCIAS HUMANAS PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS SOCIAIS MESTRADO EM ORGANIZAES E SOCIEDADE

DCIO SOARES VICENTE

MERCADOS VERDES: Etnografia do Pensamento Sustentvel

PORTO ALEGRE, 30 DE MARO DE 2011

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DCIO SOARES VICENTE

MERCADOS VERDES: Etnografia do Pensamento Sustentvel

Dissertao apresentada no Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Cincias Sociais.

Orientadora: Dr. Lcia Helena Alves Mller

PORTO ALEGRE 2011

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DCIO SOARES VICENTE

MERCADOS VERDES: Etnografia do Pensamento Sustentvel

Dissertao apresentada no Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da Faculdade de Filosofia e Cincias Humanas da Pontifcia Universidade Catlica do Rio Grande do Sul como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Cincias Sociais.

Orientadora: Dr. Lcia Helena Alves Mller

Aprovada em ____ de _____________ de 2011. BANCA EXAMINADORA:

________________________________________ Prof. Dr. Lcia Helena A. Muller

________________________________________ Prof. Dr. Isabel Cristina Moura Carvalho

________________________________________ Prof. Dr. Arlei Sander Damo

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Arriscar-se causa ansiedade, mas deixar de arriscar-se como destruir a prpria alma. Kierkegaard

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Agradecimentos

Meus sinceros agradecimentos para a professora Lcia Mller, que me incentivou a ingressar no mestrado, e com muita sabedoria e pacincia me orientou na execuo deste estudo. Agradeo a oportunidade que a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES) me possibilitou ao ceder a bolsa de estudos, o que permitiu a realizao deste trabalho. Aos colegas do mestrado, que me escolheram e confiaram a mim a tarefa de representante discente, companheiros e companheiras que participaram comigo de momentos importantes ao longo deste curso. Aos amigos e amigas do Ncleo de Estudos de Empresas e Organizaes (NEEO), que me possibilitaram maiores reflexes e compreenses acerca de teorias da antropologia e sociologia econmica, alm dos agradveis bate-papos. Agradeo aos professores e professoras do Programa de Ps-Graduao em Cincias Sociais da PUCRS por terem me agentado novamente. Agradeo minha famlia, pela esperana e pelo apoio. E agradeo principalmente minha me Susana, pois sem sua ajuda, nada disto teria sido possvel.

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RESUMO

Podemos caracterizar diferentes tipos de mobilizaes da sociedade em prol da natureza em cada momento da histria, desde representaes mais filosficas at decises voltadas para polticas pblicas. Entretanto, a atual discusso sobre os problemas ocasionados aos ecossistemas tem se configurado tambm em novas formas de atuao que envolve o campo econmico. Os diferentes mercados passam a ser includos como espaos de possibilidades de proteo ambiental, o que provoca mudanas perceptveis, pela adoo da noo que vem sendo denominada como desenvolvimento sustentvel e pela criao de tentativas para descarbonizar as atividades produtivas (neutralizao do CO2). Mas esta nova forma de preservao ambiental s vem sendo possvel e legitimada a partir da participao de movimentos ambientalistas, o que causa estranheza, j que estes movimentos buscaram distanciamento da lgica de mercado em outros momentos. A partir de uma abordagem etnogrfica do pensamento moderno, realizada em revistas de circulao nacional, que tratam da emergncia e das possibilidades do desenvolvimento sustentvel, este estudo tem o objetivo de compreender como o pensamento voltado para sustentabilidade constri a ideia do mercado associado proteo ambiental. Atravs desse estudo foi possvel identificar a multiplicidade de formas de pensamento, que redefinem fronteiras e/ou interseces entre natureza e cultura, entre sociedade e economia.

Palavras-chaves:

Antropologia

Econmica,

Desenvolvimento

Sustentvel,

Jornalismo de Revista, Mercados, Movimento Ambientalista.

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ABSTRACT

We can characterize different types of society mobilization in favor of nature in every coment of history, since most philosophical representations to public policy decisions facing. However, the current discussion about the problems caused to ecosystems has also set up new forms of activity involving the economic field. The different markets are to be included as reas of possible environmental protection, which causes noticeable changes by adopting the notion that has been termed as "sustainable development" and the creation of attempts to decarbonise productive activities (neutralizing CO2). But this new form of environmental preservation has only been possible and legitimate participation from the environmental movement, which is surprising, since traditionally these movements sought to distance from market logic. From an ethnographic approach of modern thought, held in national magazines, which deal with the emergency and the possibility of "sustainable development", this study aims to understand how thought toward "sustainability" constructs the concept of the market associated with environmental protection. Through this study it was possible to identify the multiplicity of ways of thinking, that redefines boundaries and / or intersections between culture and nature, between society and economy.

Keywords: Economic Anthropology, Markets, Sustainable Development, Corporate Environmentalism, Journalism Review.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Sumrio da edio n 25 da Revista Brasil Sustentvel............................96 Figura 2 - Sumrio da edio n 26 da Revista Brasil Sustentvel............................97 Figura 3 - Sumrio da edio n 17 da Revista Idea Socioambiental......................104 Figura 4 - Sumrio da edio n 18 da Revista Idea Socioambiental......................105 Figura 5 - Sumrio da edio n 14 da Revista Primeiro Plano...............................111 Figura 6 - Sumrio da edio n 15 da Revista Primeiro Plano...............................112 Figura 7 - Capas das edies 25 e 26 da Revista Brasil Sustentvel......................115 Figura 8 Capas das edies 17 e 18 da Revista Idea Socioambiental.................117 Figura 9 Capas das Edies 14 e 15 da Revista Primeiro Plano..........................119 Figura 10 Capa da Edio 14 da Revista Primeiro Plano......................................121 Figura 11 Capa da Edio 17 da Revista Idea Socioambiental.............................133 Figura 12 - Siemens Wind Power. Horns Ver 2 o parque elico Localizado na Dinamarca..........................................................................................136 Figura 13 - Igncio Sachs. Fotografia de Cludio Reis............................................146 Figura 14 - Fotografia Nascida em Bero Verde. Texto: Mal nasceu, Yara j ganhou uma rvore no jardim.....................................................................192 Figura 15 - Fotografia Banheira Ergonmica...........................................................193 Figura 16 - Fotografia de Logan Abrassi, Haiti/2007................................................214 Figura 17 - Fotografia de Logan Abrassi, Haiti/2008................................................214 Figura 18 Capa da Edio 14 da Revista Primeiro Plano......................................222 Figura 19 Capa da Edio 17 da Revista Idea Socioambiental.............................225

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LISTA DE SIGLAS

ABERJE - Associao Brasileira de Comunicao Empresarial ANFAVEA - Associao Nacional dos Fabricantes de Veculos Automotores ANVISA - Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria BCSD - Business Council for Sustainable Development BNDES - Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social C40 - Large Cities Climate Leadership Group. CBCS - Conselho Brasileiro de Construes Sustentveis CBIC - Cmara Brasileira da Indstria da Construo CBIE - Centro Brasileiro de Infra-estrutura CIB - Conselho Internacional de Estudos, Pesquisas e Documentaes de Construo CDES Conselho de desenvolvimento econmico e social CDS - Conselho de Desenvolvimento Sustentvel CEBDS - Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentvel CEMPRE - Associao empresarial dedicada promoo da reciclagem e gesto integrada do lixo CFC - Clorofluocarbonetos CGU - Controladoria Geral da Unio CIB - Conselho Internacional de Estudos, Pesquisas e Documentaes de Construo CLT - Consolidao das Leis do Trabalho CNUMAD - Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento CO2 Dixido de Carbono COP-15 - Conferncia da ONU sobre mudanas climticas COPEL - Companhia Paranaense de Energia COPPE - Coordenao de Ps-graduao da Universidade Federal do Rio de Janeiro CPTEC - Centro de Previso de Tempo e Estudos Climticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais DIEESE - Departamento Intersindical de Estatstica e Estudos Socioeconmicos DJSI - ndice Dow Jones de Sustentabilidade EUA Estados Unidos da Amrica ECO 92 - Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente ocorrida no Rio de Janeiro em 1992 ECOSOC - Conselho Econmico e Social da ONU EIR - Explorao de Impacto Reduzido EREC - Conselho Europeu de Eficincia Energtica ESAB - Ps-graduao lato sensu On-line - Educao Distncia ESPM Escola Superior de Propaganda e Marketing FEBRABAN - Federao Brasileira de Bancos FGV Fundao Getlio Vargas FIA - Fundao Instituto de Administrao FIB - Felicidade Interna Bruta FIEP - Federao das Indstrias do Paran FIESP - Federao das Indstrias do Estado de So Paulo

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FSC - Forest Stewardship Council GEE - Emisses de Gases de Efeito Estufa GIFE - Grupo de Institutos Fundaes e Empresas GRI - Global Reporting Initiative GT - Grupo de Trabalho IBAMA - Instituto Brasileiro de Meio Ambiente IBASE - Instituto Brasileiro de Anlises Sociais e Econmicas IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatstica ICMS - Imposto sobre Operaes relativas Circulao de Mercadorias e Servios IDESAM - Programa Unidades de Conservao do Instituto de Conservao e Desenvolvimento Sustentvel da Amaznia IEE - Instituto de Eletrotcnica e Energia IFPRI - Instituto Internacional de Poltica Alimentar IMAFLORA - Instituto de Manjo Certificao Florestal e Agrcola IMAZON - Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amaznia INMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Normalizao e Qualidade Industrial INPE - Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais IPCC - Painel Internacional sobre Mudanas Climticas IPEA Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada; ISA - Instituto Socioambiental ISE - ndice de Sustentabilidade Empresarial ISO - International Organization for Standardization IWEA - Associao de Energia Elica Irlandesa LEED - Leadership in Energy and Environmental Design MBA Mestrado em Administrao de Empresas MDL - Mecanismo de Desenvolvimento Limpo MEC Ministrio da Educao MMA - Ministrio do Meio Ambiente NAMAS - Nationally Appropriate Mitigation Actions NEAA - Netherlands Environmental Assessment OICA - Organizao Internacional de Fabricantes de Veculos Automotores OIT - Organizao Internacional do Trabalho OMC Organizao Mundial do Comrcio OMS - Organizao Mundial da Sade ONG - Organizao No Governamental ONGs Organizaes No-Governamentais ONU Organizao das Naes Unidas OSCIP - Organizaes da Sociedade Civil de Interesse Pblico PAC - Programa de Acelerao do Crescimento PET - Politereftalato de etileno PERI - Political Economy Research Institute PIB Produto Interno Bruto PNAD - Pesquisa Nacional por Amostra de Domiclio PNEA Poltica Nacional de Educao Ambiental PNUD - Programa das Naes Unidas para o Desenvolvimento. PNUMA - Programa de Meio Ambiente das Naes Unidas PROINFA - Programa De Incentivo A Fontes Alternativas De Energia Eltrica PUC-SP Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo RAIS - Relao Anual de Informaes Sociais REBEA - Rede Brasileira de Educao Ambiental

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REDD - Reduo de Emisses de Desmatamento e Degradao RTS - Rede Tecnologia Social SAI - Social Accountability Internacional SCBI - Sustainable Buildings and Construction Initiative TI Tecnologias da Informao e Comunicao TNC - The Nature Conservancy UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFPR Universidade Federal do Paran UFRJ - Universidade Federal do Rio de Janeiro UFSC Universidade Federal de Santa Catarina UNFCCC sigla em ingls da Conveno Das Naes Unidas Sobre Mudanas Do Clima USGBC - United States Green Building Council USP Universidade Federal de So Paulo UNEP - Programa Ambiental das Naes Unidas UNESCO - Organizao das Naes Unidas para a educao, a cincia e a cultura UNIDC - Naes Unidas sobre Drogas e Crimes WWF - World Wide Fund for Nature WBCSD - World Business Council for Sustainable Development

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SUMRIO

INTRODUO ..........................................................................................................13 1 MERCADOS E A QUESTO AMBIENTAL...........................................................18 1.1 A Emergncia de Novos Mercados .................................................................18 1.2 Mercado de Madeira Certificada......................................................................22 1.3 Mercado de Alimentos Orgnicos....................................................................24 1.4 Mercado de Alimentos Funcionais...................................................................28 1.5 Mercado das Finanas Sustentveis ...............................................................31 2 MOVIMENTO AMBIENTALISTA EM OPOSIO AO DESENVOLVIMENTO ECONMICO............................................................................................................37 2.1 Representaes Sobre a Natureza..................................................................51 2.2 Modernizao Ecolgica Uma Proposta Limitada ........................................57 2.3 Os Mltiplos Mercados ....................................................................................67 3 ETNOGRAFIA DO PENSAMENTO MODERNO ...................................................75 3.1 O Pensamento Sustentvel .............................................................................80 3.2 Jornalismo de Revista......................................................................................85 3.2.1 Narrativas..................................................................................................88 3.2.2 Fotojornalismo...........................................................................................88 4 REVISTAS .............................................................................................................90 4.1 Revista Brasil Sustentvel ...............................................................................90 4.2 Revista Ideia Socioambiental.........................................................................101 4.3 Revista Primeiro Plano ..................................................................................108 4.4 Capas ............................................................................................................114 4.5 Mudana do Padro Tecnolgico ..................................................................121 4.5.1 Cidades Sustentveis..............................................................................130 4.5.2 Mercados de Energias ............................................................................134 4.6 Para Alm da Tecnologia...............................................................................143 4.7 Selos, Relatrios, Educao Ambiental e Consumo Consciente ................151 4.7.1 Famlia e Consumo .................................................................................191 4.7.2 Slow Travel .............................................................................................194 4.7.3 Do Lixo ao Luxo ......................................................................................195 4.8 Finanas Sustentveis e Tributao Verde ...................................................198 4.9 Oportunidades e Incluso ..............................................................................202 4.10 COP-15: Em Busca de Um Novo Contrato ..................................................212 4.10.1 Mercado de Carbono e REDD ..............................................................219 5. A CONSTRUO DE UMA ECONOMIA VERDE ..........................................224 CONCLUSO .........................................................................................................239 REFERNCIAS.......................................................................................................242

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INTRODUO

As mudanas climticas como alteraes nas estaes do ano, com perodos maiores de calor, frio, chuva e secas, alm dos fatores cada vez mais presentes no nosso cotidiano, como tempestades, enchentes, furaes, estiagens, onda de calor e frentes frias tm despertado cada vez mais as preocupaes de toda a comunidade global. Vivemos num momento em que temos a sensao de que os fenmenos naturais no se encontram mais na sua normalidade. Pelo menos como entendiam os seres humanos num passado recente. Mas, o que no deixa de ser um problema social, pois as alteraes climticas tm sido apontadas como resultantes dos efeitos da interveno humana na natureza, fato mais intenso nos ltimos duzentos anos, justamente o perodo da revoluo industrial, poca de maior desenvolvimento econmico para o bem-estar da humanidade. Esse desenvolvimento agora est sendo reavaliado em razo dos processos danosos aos ecossistemas, e que tambm colocas os seres humanos em perigo. Esta situao problemtica vem mobilizado a comunidade global na criao de novos sistemas de valores, novas crenas e significados culturais que tentam orientar novas prticas e relaes sociais. Neste sentido, este trabalho tem como foco de ateno construo de mercados que visam atenuar os processos de mudanas climticas. Isto , a criao de novos mercados pensados como foras capazes de mudar os rumos do prprio desenvolvimento econmico, e, o mais contraditrio, construdos com a participao de alguns movimentos ambientais, grupos que em outros momentos se afirmaram pelo distanciamento ou pela crtica da economia capitalista. Portanto, a criao dos mercados como agentes de proteo ambiental um fenmeno recente, j que podemos demarcar seu surgimento no incio da dcada de 90, perodo em que uma nova dinmica adquire importncia mundial, isto , empresas comeam a falar sobre Responsabilidade Socioambiental, contexto onde o lucro deixa de ser visto como a nica finalidade, sendo ele condicionado por novas questes sociais e de preservao ambiental. Nos dias atuais, as empresas buscam cada vez mais uma imagem associada a altos padres ticos e os consumidores passam a buscar servios e produtos ecologicamente corretos. A partir deste contexto, a antropologia tem muito a contribuir no entendimento dos diferentes processos de participao, negociao,

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alianas e conflito que esto regendo a construo desses novos mercados voltados para a questo ambiental, na media em que as diferentes formas de pensar o desenvolvimento sustentvel, que possuem significados distintos, podem orientam as prticas sociais e se legitimar atravs de uma nova proposta de relao com a natureza. Com o objetivo de compreender as diferentes formas de pensamento que vm configurando as propostas de economia sustentvel, esta pesquisa partiu do tema a construo de novos mercados envolvidos com a questo ambiental. Assim foi possvel buscar nas representaes sociais as delimitaes das fronteiras e possveis interseces entre natureza e cultura, entre sociedade e economia. Estudo produzido sob a forma de uma etnografia do pensamento moderno, que conforme GEERTZ (1989), deve buscar as caractersticas da dimenso do pensamento de nosso tempo, interpretando todas as reflexes possveis que contm valor e norteiam a sociedade. Para realizao desta pesquisa foram mapeadas na internet revistas de circulao nacional que vm tratando da emergncia e das possibilidades dos mercados na soluo das questes ambientais. Revistas que apresentam um fluxo de informaes sobre os campos empresariais, os movimentos sociais, cientficos e o poder pblico. Foi possvel encontrar nas revistas selecionadas informaes em formas de manchetes jornalsticas, cases, artigos, colunas, entrevistas, anncios, imagens, divulgao de inovaes, etc. em torno do pensamento voltado para a sustentabilidade. No levantamento das revistas foram utilizados os temas e palavras-chaves relativas ao campo desta pesquisa: natureza, meio ambiente, sustentabilidade, desenvolvimento sustentvel, ecodesenvolvimento, movimentos ambientais, responsabilidade socioambiental empresarial ou responsabilidade social corporativa, ecologia empresarial e ambientalismo empresarial. Tambm foram escolhidas as revistas que tivessem publicaes impressas e, ao mesmo tempo disponibilizassem verses digitais nos seus websites. Alm disso, foram priorizados as revistas voltadas para o mundo empresarial e que tratam da questo ambiental. Atravs do levantamento realizado na Internet foram escolhidas as seguintes revistas: a) Revista Brasil Sustentvel, com prpria edio; b) Revista Ideia Socioambiental, com prpria edio; c) Revista Primeiro Plano, com prpria edio.

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Em relao anlise, na edio n 25 da Revista Brasil Sustentvel (Agosto e Setembro de 2009) foram analisadas a capa, sumrio, fotografias, dezesseis (16) reportagens, trs (03) entrevistas, oito (08) boxes de texto e a agenda de eventos. J na edio n 26 (Novembro e Dezembro de 2009) foram analisadas a capa, sumrio, fotografias, dezesseis (16) reportagens, trs (03) entrevistas, cinco (05) boxes de texto e a agenda de eventos. Em relao s edies da Revista Ideia Socioambiental, no n 17 da (Setembro, Outubro e Novembro de 2009) foram analisadas a capa, fotografias, nove (09) reportagens, quatro (04) entrevistas, trs (03) matrias de colunistas, um (01) artigo e treze (13) boxes de texto. Na edio n 18 (Dezembro de 2009) foram analisadas a capa, sumrio, fotografias, oito (08) reportagens, trs (03) matrias de colunistas, dois (02) artigos, uma (01) entrevista e doze (12) boxes de texto. E, finalmente, na edio n 14 da Revista Primeiro Plano (Julho, Agosto, Setembro de 2009) foram analisadas a capa, fotografias, nove (09) reportagens, uma (01) entrevista, quatro (04) artigos e quatro (04) boxes de texto. Na edio n 15 (Outubro, Novembro, Dezembro de 2009) foram analisadas a capa, fotografias, nove (09) reportagens, uma (01) entrevista, cinco (05) artigos e dez (10) boxes de texto. A soma das matrias (reportagens, entrevistas, boxes de texto, artigos, colunas e notas) analisadas nas diferentes revistas totalizou cento e cinquenta (150), mas para elaborar esta etnografia foram priorizados apenas aqueles contedos mais representativos. Tambm foram coletados dois exemplares de edies diferentes de cada revista, pois assim foi possvel realizar comparaes que expem a estrutura lgica do documento. A principal forma de coleta das revistas foi pela aquisio do documento impresso (por compra ou assinatura) e por via eletrnica (visita ao website). A coleta de informaes ocorreu no segundo semestre do ano de 2009, perodo escolhido especialmente por ter ocorrido a Conferncia da ONU sobre Mudanas Climticas (COP-15), realizada em dezembro do mesmo ano na cidade de Copenhague, Dinamarca. Esclarecida a forma de coleta dos dados, iremos descrever agora como foi estruturada esta etnografia. No primeiro captulo identificaremos a emergncia de novos mercados voltados para a questo ambiental, atravs de revistas e de outras publicaes que vm promovendo a noo de desenvolvimento sustentvel. No

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mesmo captulo tambm examinaremos alguns trabalhos da rea da sociologia econmica, como CARNEIRO (2007), GUIVANT (2003), GUIVANT e TOMIELLO (2008), RAUD (2008) e MAGALHES (2010). So pesquisas que partem das abordagens tericas de BOURDIEU (1993 e 2005) e FLIGSTEIN (2001a e b) e que traro contribuies para esta etnografia. Alm disso, iremos verificar os diferentes episdios histricos do ps-guerra, em que os movimentos ambientais atuavam em nvel internacional, principalmente em oposio economia capitalista de mercado. Autores como POLANYI (1980), MACCORMICK (1992), NIXON (1993), VIEIRA (2001), STEIL e CARVALHO (2001), ASSIS (2002), REDCLIFT (2002), RIBEIRO (2000; 2008), VIEIRA (2001), ALMEIDA (2009) e SCOTTO et. al. (2009) ajudaro na construo histrica. No segundo captulo sero analisadas de forma breve alguns contextos sociais e suas representaes sobre a natureza. LASCOUMES (1994), LVISTRAUSS (1989), RAYNAUT (2004), OLIVEIRA (2007), FLORIT (1998), e LATOUR et. al. (1998) fornecem elementos para o melhor entendimento da complexidade da relao entre natureza e cultura. Tambm revisaremos alguns trabalhos de GIDDENS (1991; 1995; 1997) para entender os pressupostos da teoria da modernizao ecolgica, desenvolvida pelos socilogos holandeses Gert Spaargaren e Arthur Mol, e suas possibilidades de entendimento dos mercados na questo ambiental. Autores como FLORIT (1998), HANNIGAN (1997), OLIVIERI (2009) MILANEZ (2009), MUNCK e SOUZA (2010) ajudaro neste item. E ainda neste captulo abordaremos os trabalhos de ZELIZER (1992, 2005 e 2007), para pensar uma nova forma de entender os mercados e explicar os esforos de combinao entre mundos hostis, no caso economia e ambientalismo. Para entender as ideias e sentidos na construo da legitimao dos mercados em torno da questo ambiental, no terceiro captulo buscaremos em GEERTZ (1989; 1997) a melhor forma de etnografar nosso objeto de pesquisa, o pensamento sustentvel, expresso nos contedos das revistas que tratam das possibilidades de emergncia de uma nova economia. No mesmo captulo os autores SCALZO (2003) e VILAS BOAS (1996) nos esclarecem como o universo do jornalismo de revistas. Tambm sero apresentadas as metodologias e tcnicas que auxiliaro nesta etnografia, a primeira voltada para anlise de narrativas (GANCHO, 2006) e a segunda para anlise de fotografias (SOUSA, 2004).

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No quarto captulo so apresentadas as revistas selecionadas: Revista Brasil Sustentvel, Revista Ideia Socioambiental e Revista Primeiro Plano. Os histricos, as equipes editoriais, pblicos de interesse, diagramaes e assuntos abordados devero ser descritos neste trabalho. Ainda no mesmo captulo so apresentados os contedos das matrias analisadas, organizadas em temticas tais como a substituio do padro tecnolgico, a busca de novas fontes de energia, a criao e exigncia dos selos e relatrios, a expanso da educao ambiental, da filosofia do consumo consciente, da critica do marketing, das novas formas de tributao e finanas, das oportunidades de negcios e de incluso social. Esses diferentes assuntos evidenciam a constatao do entrelaamento de significados interatuantes dentro da ideologia do desenvolvimento sustentvel. E, finalmente, apresentaremos interpretaes dos textos que trataram da COP-15 e as propostas de mercado de carbono e REED (Reduo de Emisses de Desmatamento e Degradao). No quinto captulo iremos analisar com mais detalhes as temticas levantadas pela pesquisa, so os conjuntos de matrias que consideramos fundamentais para descrever o pensamento sustentvel. Aspectos que possibilitam entender um pouco a multiplicidade de arranjos e combinaes especficas nas tentativas de pensar a construo de uma nova economia verde.

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1 MERCADOS E A QUESTO AMBIENTAL

Neste captulo idenficaremos alguns mercados emergentes que se baseiam na proposta de desenvolvimento sustentvel. Na verdade, trata-se de uma breve sondagem para dimensionar o tema mercados e a questo ambiental. Alm disso, tambm apresentaremos alguns trabalhos que foram desenvolvidos sobre alguns mercados especficos, como o mercado de madeira certifica, o mercado de alimentos orgnicos, o mercado de alimentos funcionais e o mercado de finanas sustentveis.

1.1 A Emergncia de Novos Mercados

cada vez mais perceptvel o surgimento de novos mercados concebidos como espaos de propostas para a preservao e conservao ambiental. Espaos que vm sendo includos nas discusses em torno dos problemas ocasionados ao meio natural, e de suas possveis solues. O prprio campo econmico vem passando por mudanas, principalmente pela apropriao e publicizao da ideia de desenvolvimento sustentvel. A edio especial Carta Verde (2010), da Revista Carta Capital, em parceria com a Revista Eletrnica Envolverde e com a revista britnica Green Futures, apresentou, em abril de 2010, a estimativa de que a economia sustentvel vai movimentar 6,5 trilhes de dlares at o fim do ano. Na consulta da Revista Pequenas Empresas & Grandes Negcios, em edio especial de Janeiro de 2010, 100 Ideias de Negcios, verificamos as propostas de negcios direcionados reduo ou substituio de produtos/servios que impactam no meio ambiente. Entre essas propostas, temos a comercializao de defensivos naturais para controle biolgico, produtos que substituiriam os agrotxicos utilizados na agricultura. Conforme a matria, o pesticida j alcana 2% desse mercado, faturando em R$ 12 bilhes no Brasil (PEQUENAS, 2010). Outro tipo de negcio que vem ganhando repercusso a produo de alimentos orgnicos, como frutas, cujo mercado j movimenta R$ 150 mil por ano no

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Brasil (PEQUENAS, 2010). Mas o destaque do mercado de alimentos orgnicos o setor voltado para os animais, com a verso orgnica de rao para ces e gatos. Segundo a Associao Nacional dos Fabricantes, o mercado de rao orgnica j movimenta R$ 5,8 bilhes no Brasil. A revista ainda traz dados do Ministrio da Agricultura, mostrando que o nmero de agricultores que aderiram algum selo orgnico dobrou no perodo de oito anos, indo de sete mil em 2002, para 15 mil em 2008. Alm disso, a revista comenta sobre o crescimento da criao de lojas especializadas em produtos orgnicos, como restaurantes, padarias e lanchonetes (PEQUENAS, 2010). A produo de cosmticos orgnicos, como hidratantes, cremes, loes e sabonetes base de leos de plantas da Amaznia, certificadas pelo Instituto Biodinmico, outro segmento que est em alta. A estimativa de criao de produtos de limpeza biodegradveis base de leos vegetais, corantes naturais e leos essenciais certificados supe um crescimento de 20% para o ano 2011. Estes produtos de limpeza biodegradveis tambm podem contribuir para a criao de nichos de mercado no setor de servios, como o de limpeza ecolgica (PEQUENAS, 2010). J no segmento de fitoterpicos, base de plantas medicinais, estima-se que as vendas neste setor movimentem cerca de um bilho de reais no pas. De acordo com dados da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (ANVISA), j existem mais de cem indstrias atuando no pas com a produo de fitoterpicos. No setor de construo civil, a tendncia so os edifcios sustentveis. Segundo Green Building Council, as solicitaes de certificao sustentvel dos prdios crescer 325% no Brasil. Para participar deste ramo, as construtoras devem se adequar s exigncias da LEED (Leadership in Energy and Environmental Design), uma certificao internacional do setor (PEQUENAS, 2010). Tambm em grande expanso se encontra a indstria de reciclagem, que no mais se restringe a papel, alumnio e plstico. J se passou a reciclar resduos de origem orgnica e eletrnica, para reutilizao. Conforme a Revista Pequenas Empresas & Grandes Negcios (2010), a reciclagem gera R$ 700 mil por ano, o que tem incentivado o desenvolvimento de pesquisa na rea. Ainda segundo a Revista Pequenas Empresas & Grandes Negcios (2010), no ramo da consultoria, a demanda de organizaes empresariais por profissionais qualificados para adotar uma viso sustentvel ou uma atitude de responsabilidade socioambiental bastante grande. As principais exigncias para

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estes profissionais so as qualificaes para a elaborao de relatrios de sustentabilidade e o conhecimento no uso das normalizaes internacionais como Accountability e GRI (Global Reporting Initiative). No mercado de trabalho, o Relatrio da Organizao Internacional do Trabalho (OIT), apresentado em 2009, estimou, at o ano de 2050, a gerao de dois bilhes de empregos para a rea da sustentabilidade. No Brasil, o relatrio indica a existncia de 2,7 milhes de postos de trabalho para a rea ecolgica (PEQUENAS, 2010). Encontramos mais algumas referncias de mercados no manual1 elaborado pelo presidente da Oscip Amigos da Terra - Amaznia Brasileira2, o jornalista Roberto Smeraldi. Um dos destaques do livro o Mercado de Crdito de Carbono. Segundo SMERALDI (2009), o mercado de crdito de carbono uma proposta que surgiu na Conferncia Mundial sobre Mudanas Climticas, em 1997, na qual 160 pases assinaram o Protocolo de Kyoto, com o objetivo de estabelecer um acordoOs manuais so livros elaborados para servirem de instrumentos que trazem passo a passo as lies de como se fazer, metodologias prprias de gerenciar, planejar, controlar e decidir. Uma ferramenta que ensina aplicar procedimentos especficos para determinadas tarefas. Os manuais oferecem apenas uma boa dose de novos conhecimentos que as organizaes devem adotar. Normalmente, so modelos de padres standartizados que prometem garantir mais racionalidade para se alcanar fins bem definidos. Um guia que possui muitos mandamentos para ao, at para aquelas rotinas que estabelecem relaes de trabalho. Portanto, no por acaso que pesquisadores como BARBOSA (1999) estudam os manuais de administrao, para buscar uma forma de entender a cultura dos negcios. Nos manuais de gerncia possvel encontrar elementos que configuram o pensamento empresarial e o imaginrio simblico das empresas, o que somos e o que queremos ser. Um conjunto de categorias que ajudam a tocar a organizao. So elementos que a pesquisadora encontrou na ideologia das prticas administrativas, importadas da viso de mundo estadunidense, no um simples modelo reproduzido, mas procedimentos de gesto que obedecem a formas pragmticas e instrumentais, percebidos como vantagem competitiva. Um conjunto de valores e smbolos compartilhados, mais ou menos, consciente e inconsciente, cujo significado passa a ser concordar, adotar e, sobretudo, comprometer-se, ou seja, um processo de internalizao, que d sentido a prticas e comportamentos das pessoas da organizao de modo mais eficiente. Entretanto, numa breve leitura, parece que o Novo Manual de Negcios Sustentveis no se preocupa em ensinar uma metodologia para melhorar a performance da empresa. Basicamente, o manual apresenta um conjunto de textos para reflexo do leitor, sobre temas como empreendedorismo e a relao com a preservao da natureza, tecnologia, mercados, interferncia social, cultura e governana participativa. O leitor mergulhar num universo de novos conceitos que esclarecem mudanas nas formas de produo, comercializao e consumo. O manual no orienta as organizaes para apenas se adaptar, mas sim, que as empresas devem mudar seus paradigmas. 2 De acordo com SMERALDI (2009), a Oscip Amigos da Terra Amaznia Brasileira uma ONG vinculada a uma rede internacional de movimentos ambientalistas que atuam em mais de cem pases. A ONG possui um histrico de atuao no tema sustentabilidade dos negcios. No comeo da dcada de 90, a organizao trouxe para o debate pblico brasileiro a questo da economia florestal. No ano de 2000, ela consegue inserir a administrao ambiental na agenda dos bancos, ao promover polticas de compra de produtos certificados. Desde 2002, a ONG fornece servios integrados para pequenos empreendimentos na Amaznia, e mais recentemente, ao fomentar um sistema brasileiro para certificao agropecuria. Um dos projetos da entidade o Balco de Servios para Negcios Sustentveis, que ao longo de cinco anos, providenciou servios de negcios subsidiados ou gratuitos para 43 micro ou pequenos empreendimentos amaznicos.1

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entre os pases industrializados para conter o aumento do chamado efeito estufa na atmosfera da Terra, causado pela queima de gases poluentes. De acordo com o jornalista:Desde ento houve mudanas expressivas no contexto: no manual de 2004 se previa um mercado global de US$ 10 bilhes para 2005, o que se verificou pontualmente (US$ 10,8 bi) e evoluiu para a faixa de US$ 70 bilhes no final da dcada. O Protocolo de Kyoto entrou finalmente em vigor, com a implementao do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Tambm, e mais importante do ponto de vista do mercado, entrou em vigor o esquema de comrcio interno europeu (ETS). E, obviamente, o maior destaque do perodo foi o relatrio cientfico do Painel Internacional sobre Mudanas Climticas (IPCC) em 2007, que alertou de forma definitiva a opinio pblica internacional (SMERALDI, 2009, p. 111).

Para Smeraldi, o mercado de crdito de carbono se caracteriza por um compromisso em que a empresa garante no emitir um determinado volume de gases de efeito estufa por um tempo determinado. um mercado constitudo de uma mercadoria fictcia, uma commodities virtual. Conforme o jornalista, existem dois mercados de crditos de carbono, o primeiro aquele que funciona a partir das exigncias normativas das polticas firmadas no mbito internacional, nacional e local. J o segundo o mercado voluntrio, no qual a transio ocorre pela livre deciso do comprador. O mercado voluntrio foi criado como uma tentativa para que se antecipasse a regulao dos negcios em torno do crdito de carbono, alm da preocupao dos investidores como o surgimento de uma legislao muito rigorosa para participao. Neste sentido, Smeraldi explica que o mercado voluntrio atendia tanto a expectativa de investidores adquirirem crditos mais baratos, com a crena de que eles valorizariam muito no futuro, quanto na melhora da imagem e reputao de determinadas empresas. Esses dois mercados funcionam a partir de permisses e por projetos. O comprador adquire a permisso de emisso, que lavrada pelo agente regulador, estabelecendo um limite geral de emisses, e permite que outros investidores negociem entre si os direitos a cada parcela do total; desta forma que vem ocorrendo na Unio Europeia. No caso das transaes baseadas em projetos, o comprador adquire redues de emisses antigas, de acordo com uma metodologia previamente estabelecida. o que ocorre com mais frequncia na bolsa de Chicago Climate Exchange.Aproximadamente 80% do atual mercado de carbono so representados pelo segmento da troca de permisses. Trata-se de um mercado j bem estabelecido e, principalmente, caracterizado por uma commodity homognea e padronizvel, portanto semelhante maioria dos produtos

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financeiros. J o segmento baseado em projetos apresenta riscos muito maiores: complexas questes de elegibilidade de cumprimento ao longo do tempo, altos custos de transao para verificao, dificuldade para prevenir fraudes, fragmentao em um grande nmero de pases situaes diferentes e, s vezes, problemas de escala para sua comercializao. Por todas estas razes, ainda no temos um mercado claramente estabelecido. Tambm, o spread entre os preos do mercado das permisses europias e aquele dos projetos do MDL tem aumentado recentemente, com os primeiros na faixa dos US$ 25-30 e os segundos naquela dos US$ 10-15, ao longo dos ltimos anos. Se no segmento das permisses o mercado dominado pela Unio Europia com uma movimentao que passou dos 50 bilhes desde 2007 naquele dos projetos mais de dois teros so oferecidos pela China, com ndia e Brasil que seguem com 6% cada um. Quem mais compra , de longe, o Reino Unido, seguido pelos outros europeus e o Japo. (SMERALDI, 2009, p. 115).

Nos diferentes captulos do manual tambm so mencionados outros mercados: alimentar, certificao de madeira, ecoturismo, eco-finanas (seguros e fundos), biocombustveis e uso da garrafa plstica de PET (Politereftalato de etileno) em novos nichos. Alm dos mercados, o manual traz o tema sobre polticas pblicas voltadas para tributao verde. Enfim, foi possvel realizar uma breve sondagem para constatar a emergncia de novos mercados voltados para a questo ambiental. No prximo item, iremos revisar alguns estudos que fornecem elementos importantes para ajudar a entender como vm sendo pensados os mercados combinados com a proteo ambiental.

1.2 Mercado de Madeira Certificada

O trabalho de CARNEIRO (2007) aborda o processo de construo do mercado de madeiras certificadas na Amaznia brasileira, que se iniciou na dcada de 90. Nesta pesquisa j possvel perceber a nova forma de atuao dos movimentos ambientalistas em cooperao com empresas. Segundo Carneiro, a criao do selo do Forest Stewardship Council (FSC) resultou na desconstruo do antigo mercado madeireiro, em que os padres de explorao poderiam ser caracterizados como predatrias e ilegais. Na busca para mudanas desta atividade econmica, organizaes juntaram-se em cooperao para criar um novo mercado baseado em critrios ambientais, sociais e econmicos, na tentativa de se aproximar da noo de desenvolvimento sustentvel. As

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organizaes Greenpeace, WWF (World Wide Fund for Nature), Amigos da Terra, Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amaznia) e Imaflora (Instituto de Manjo Certificao Florestal e Agrcola) desempenharam o papel de promotoras3 e articuladoras na configurao de uma rede social de agentes globais preocupados com a preservao ambiental. No Brasil, as organizaes Amigos da Terra, Imazon e Imaflora foram responsveis por construir a demanda de certificao de madeiras da Floresta Amaznica, o que s foi possvel pelo engajamento e comprometimento de algumas empresas. Esta cooperao possibilitou s organizaes buscarem fontes de financiamento e legislao, que foram capazes de intervir positivamente na mudana do padro de extrao de rvores. Com a iniciativa da parceria das as Organizaes No Governamentais (ONGs) Imaflora, Imazon e Amigos da Terra surgiu a Aliana para o consumo sustentvel. Carneiro chama a ateno para um dos pontos fundamentais que permitiram o sucesso da criao do mercado de certificao de madeiras. Foram realizadas pesquisas sobre o ramo de atividade (incluindo formas de manejo) e o mercado (clientes). A ONG Imazon desenvolveu pesquisas na rea tcnica para o bom manejo florestal, o que resultou na elaborao da tecnologia da Explorao de Impacto Reduzido (EIR) - mtodo que se constitui em um conjunto de tcnicas para maior eficcia econmica e menor dano ambiental na explorao dos recursos naturais. Para Carneiro, a parceria entre ONGs e empresas foi importante para o desenvolvimento de mecanismos de transferncia desta tecnologia EIR, principalmente na sua difuso. Segundo o autor, somente a produo de manuais sobre prticas florestais no bastaram para a promoo e distribuio do conhecimento. Foi preciso criar cursos de treinamento de pessoal qualificado para a propagao da tecnologia. Isto foi um dos pontos fundamentais da participao da Fundao Florestal Tropical em 1994. Esta ONG foi a responsvel pelos cursos oferecidos para diferentes empresas. Os custos destes cursos eram bancados pelas prprias empresas florestais. Carneiro mostra que o que leva as empresas a buscarem o caminho da certificao (com legalidade das operaes florestais e o engajamento em prol de3

Em alguns casos, as ONGs ambientalistas transnacionais organizavam boicote contra empresas que tinham m reputao na preservao ecolgica, conforme apresentado no artigo de Marcelo Sampaio de Carneiro.

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uma atitude de preservao) a possibilidade de obterem lucros considerveis neste econegcio, agregando valores s suas imagens de ambientalmente sustentveis, e o resultado da converso desse capital simblico em outros fontes de capitais, como a financeiro e o comercial. De acordo com Carneiro, no se pode deixar de mencionar a importncia das construes de relaes de confiana entre as ONGs, as empresas e o governo (neste caso, ele relata as intervenes e coibies do IBAMA). O pesquisador ainda chama a ateno para a fora do Agente Prescripteur4, um ator que est fora do campo, sendo capaz de impor um padro hegemnico uma nova viso. O trabalho de Carneiro serve para mostrar que a criao dos mercados o resultado efetivo de vrios agentes. A capacidade de criao do selo FSC foi o resultado do esforo de criar novas formas de processos produtivos. Pelo pioneirismo, o selo FSC hoje possui capacidade de legitimar outras formas de extrao, produo e comercializao.

1.3 Mercado de Alimentos Orgnicos

Outro estudo que traz contribuies para nossa pesquisa o de GUIVANT (2003 e 2008), que realizou pesquisas sobre alimentos orgnicos, com o foco nas relaes entre processos de comercializao e de consumo. Em pesquisas recentes, tanto acadmicas quanto mercadolgicas, a autora identificou uma crescente tendncia internacional e nacional de demanda por alimentos orgnicos, que comeou na dcada de 90. Entretanto, essa crescente demanda no resulta de uma expanso de consumidores ativistas sociais ou identificados com os pontos de vista filosficos dos novos movimentos sociais ambientalistas ou dos movimentos de agricultura orgnica, mas sim, de um novo estilo de vida5.4

HATCHUEL, Armand. Les marchs prescripteur. In: JACOB, A.; V- RIN, H. Linscription sociale du march. Paris: LHarmatan, 1995. p. 205-225. 5 A pesquisadora faz um levantamento de estudos internacionais, que identificam o consumidor de produtos orgnicos como tendo melhor escolaridade, mas no necessariamente uma renda maior. Ela tambm verifica a contradio dos dados relativos a estratos de idade e tamanho da famlia. De acordo com Guivant, as vrias pesquisas que surgiram para explicar o fenmeno do consumo de alimentos orgnicos descrevem seus consumidores como fazendo parte de transformaes culturais na valorizao da qualidade de vida e cuidados com a sade, perspectiva diferente daquelas hipteses orientadas pelas teorias da racionalidade e do individualismo metodolgico.

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Para demonstrar sua hiptese, Guivant passou a investigar a expanso dos mercados de alimentos orgnicos, que ganham cada vez mais espaos nas grandes redes de supermercados, em contextos internacionais e nacionais.O mercado mundial de orgnicos movimenta cerca de US$ 23,5 bilhes de dlares por ano, e h uma expectativa de crescimento da ordem de 20% ao ano. Neste mercado incluem-se produtos frescos, processados, industrializados e at artigos de cuidados pessoais, produzidos com matrias primas obtidas sob o sistema orgnico.(...), o mercado varejista mundial de alimentos e bebidas orgnicas aumentou de US$ 10 bilhes de dlares para 17,5 bilhes entre 1999 e 2000 (crescimento de 58% ao ano), sendo estimado para 21 bilhes em 2001, caso se mantivesse a taxa mdia de crescimento anual de 20%. (citado por GUIVANT, 2003)

Para Guivant, a demanda por alimentos orgnicos fez crescer o interesse das grandes redes varejistas de supermercados. O que fez com que as tradicionais lojas e feiras especializadas em produtos naturais passassem a ter um papel secundrio na comercializao desses tipos de alimentos no mercado. Por este motivo, a pesquisadora passou a estudar no Brasil o papel dos supermercados6 na comercializao de produtos orgnicos. O objetivo da pesquisa era saber quais eram as estratgias que estas organizaes utilizam para comercializar uma variedade de produtos orgnicos. Alm disso, a pesquisa objetivava saber quem so as pessoas que consomem este tipo de alimento. Guivant considera importante a anlise, que deve cruzar tanto crescimento de consumo orgnico quanto consumo alimentar saudvel. Neste sentido, a pesquisadora parte dos pressupostos da teoria social de Anthony Giddens7 e Ulrich Beck8, principalmente do conceito de reflexividade, para entender os novos estilos de vida. A reflexividade tpica do contexto industrial, caracterizado pelo avano da modernidade, em que os agentes, no podendo mais se basear na tradio para sua tomada de deciso, acabam examinando e avaliando informaes fornecidas pelos especialistas. O indivduo reflexivo passa a escolher entre uma pluralidade de alimentos que podem oferecer uma melhor qualidade de vida. Segundo Guivant, esses consumidores no poderiam ser classificados como ecolgico-trip, ou seja, consumidores sustentveis ou socialmente responsveis, que procurariam fortalecer formas alternativas de produo de alimentos, umaA pesquisadora estudou os grupos Po de Acar (que atua em 12 Estados brasileiros), Casas Sendas S.A. (que atua no Estado do Rio de Janeiro) Supermercados Zona Sul (tambm Rio de Janeiro) e Carrefour (atua em 14 Estados). 7 GIDDENS, Anthony. (2002), Modernidade e identidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar eds., 2002. 8 BECK, Ulrich. World risk society. Londres: Polity Press, 1999.6

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postura tica em relao ao meio ambiente. Para eles o consumo determinaria a sua relao com a natureza. Consumidores ecolgico-trip esto preocupados com os riscos ambientais que a industrializao provoca, neste sentido, sua atitude tem a ver com o interesse de salvar o planeta. Contudo, os consumidores que Guivant identifica so os que possuem um estilo de vida ego-trip, isto , procuram produtos para tornar sua vida mais saudvel. Seu interesse promover sade, beleza e esttica, demandando produtos para preveno de doenas e para a melhoria do desempenho intelectual, sexual, esportivo, etc. Neste sentido, seu encontro com o meio ambiente passa por essa personalizao de estilo de vida. So sujeitos que afirmam estarem conscientes de que esto fazendo uma escolha correta, porque costumam buscar informaes especializadas sobre os produtos que melhor trazem benefcios. Este tipo de consumidor o mais frequente nos supermercados. Guivant explica que o setor alimentar de produtos orgnicos, dos grandes grupos varejistas, tem se utilizado de estratgias diferentes. A estratgia do marketing passou a focar esse tipo de consumidor ego-trip, que busca um estilo de vida mais saudvel, considerando este um nicho de mercado. Empresas de marketing tm destacado essa postura para atrair consumidores aos supermercados. Por outro lado, no faz parte dessa estratgia substitu-los por outros produtos convencionais das gndolas dos supermercados. Nos casos estudados por Guivant, os produtos orgnicos estavam misturados com outras mercadorias. Tambm no havia informaes adequadas aos consumidos sobre a procedncia de origem orgnica nos produtos. Segundo Guivant, grande parte dos movimentos ecolgicos no v a incorporao dos alimentos orgnicos dentro dos supermercados como uma forma de desenvolvimento desejvel, e sim como um problema, pois ele exige sempre produo em grande escala. A alternativa para esses movimentos continuar resistindo, atravs das formas de produo, comercializao e consumo em pequena escala, em mercados locais e feiras. Os supermercados tm um desafio constante em negociar com os com esse tipo de produtor, tendo em vista a crescente demanda de consumidores reflexivos ego-trip. Ainda buscando entender as formas de produo, distribuio, divulgao e comercializao dos produtos orgnicos nas redes de supermercados, Julia Guivant, em parceria com Naira Tomiello, realizou o estudo sobre a identidade e a imagem empresarial do grupo Walmart, que passou a adotar estratgias de

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sustentabilidade. O objetivo da pesquisa foi compreender as ambivalncias presentes na comunicao e estratgias de sustentabilidade da empresa, em suas dimenses global/nacional e locais de atuao da empresa. Global/nacional a partir de documentos, e local, com observaes de campo e entrevistas. Segundo GUIVANT, TOMIELLO (2008), Walmart uma empresa transnacional que pauta suas aes pela padronizao global, em detrimento dos contextos nacionais e locais. Padronizao que visa diminuir custos e promover a marca do grupo em diferentes lugares do mundo, uma postura que d pouca margem adaptao dos produtos aos diferentes pases. Os principais argumentos em defesa da homogeneizao do mercado so a eficincia organizacional e a melhor oferta de preos aos consumidores. Alm disso, a prpria tecnologia, tanto comunicao quanto transporte, impe padronizao. Enfim, padronizao da produo, distribuio, marketing e administrao seriam melhores para empresa e para o consumidor. Mas, de acordo Guivant e Tomiello, a imagem de uma empresa construda a partir de outros significados, alm dos benefcios econmicos. A imagem empresarial remete, alm da eficincia, tambm confiana, a percepes positivas e verdadeiras. E pela imagem que a organizao projeta sua identidade empresarial, baseada em caractersticas ligadas ao ramo de atividade, ao tipo de pblico atendido, misso e viso da empresa. Identidade que define os limites, possibilidades e posicionamento da marca. O que coloca a Walmart numa posio de ambiguidade, segundo Guivant e Tomiello, j que a empresa acumula por todo o mundo uma srie de denncias, acusaes, crticas e processos judiciais relativos forma de administrar e fazer negcios, divulgadas por noticias tanto na mdia impressa quanto eletrnica. Neste sentido, ao adotar uma estratgia de sustentabilidade9, a empresa gera confuso ao consumidor. Para Guivant e Tomiello, a Walmart tem adotado os produtos orgnicos como uma forma de estratgia para aderir a sustentabilidade, mas tambm devido ao

A noo de sustentabilidade que Guivant e Tomiello assumem trazida do livro O bom negcio da sustentabilidade, elaborada por ALMEIDA (2002): (...) O autor sustenta que a melhor traduo para a idia de sustentabilidade est na palavra sobrevivncia. Seja do planeta, da espcie humana, das sociedades ou dos empreendimentos econmicos (citado por GUIVANT E TOMIELLO, 2008, p. 63). ALMEIDA (2002), explica que a ideia de sustentabilidade nas empresas prioriza o cuidado com o meio ambiente, bem-estar dos grupos que se relacionam com a empresa e com a melhoria da reputao organizacional. Para a empresa alcanar isso, ela deve oportunizar ao consumidor as melhores possibilidades de tomadas de decises; buscar inovao de todo tipo (tecnolgica, econmica, social, institucional e poltica); gerar e distribuir riqueza diminuindo desigualdades; gerar credibilidade ao pblico consumidor em sua imagem e reputao.

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crescimento da demanda mundial desses alimentos. O grupo aposta na mudana do perfil consumidor, que estaria mais comprometido com a qualidade de vida. No Brasil, o crescimento da produo de alimentos orgnicos est associado ao incentivo das polticas pblicas governamentais. Com essa vantagem, os supermercados adotam diversas estratgias de comercializao. As estratgias escolhidas pela Walmart, em 2007, deram origem a metas voltadas para a utilizao de energias renovveis, a busca do desperdcio zero, a comercializao de produtos ecologicamente corretos, a ampliao da oferta de produtos orgnicos, apoio ao comrcio justo e gesto de resduos. Entretanto, Guivant e Tomiello apontam que essas metas entram em choque com as antigas prticas e novas denncias, casos em que a empresa tem que indenizar seus trabalhadores por abuso, ou quando coloca nas suas prateleiras produtos fabricados por trabalhadores sem nenhuma condio estipulada pela OIT. A empresa discursa em favor da sustentabilidade, ganhando diversos prmios, e, ao mesmo tempo, oculta suas aes politicamente incorretas. O trabalho de Guivant e Tomiello pode contribuir, nesta pesquisa, no sentido de alertar para as contradies entre o discurso e prtica de algumas organizaes que assumem o slogan da sustentabilidade, o que pode representar uma armadilha para a organizao em termos de aceitao social, pois imagem e legitimao s se sustentam quando construdas juntas. Entretanto, o mercado pelo vis da sustentabilidade possibilita formas mais abertas para a crtica do que os mercados antigos e tradicionais.

1.4 Mercado de Alimentos Funcionais

Outro estudo que aborda o mercado alimentcio o de RAUD (2008), que analisa a disputa entre as empresas no segmento dos alimentos funcionais. Segundo a autora, os alimentos funcionais esto cada vez mais deixando de ser apenas um nicho de mercado, isto , eles esto substituindo produtos tradicionais. O grande sucesso deste mercado se encontra na inovao, comprometida em trazer benefcios qualidade de vida. Inovaes que adquiriram legitimidade aps comprovaes cientficas de que podem trazer benefcios em relao sade. Por

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conseguinte, o mercado de alimentos funcionais se caracteriza por possuir profissionais especializados da rea de sade. Estas caractersticas fazem este mercado se diferenciar dentro do setor alimentcio, o que restringe a participao de empresas na concorrncia, j que os investimentos em desenvolvimento de pesquisa so altos. Por esta razo, empresas como a Danone e Nestl tm concorrido pela liderana no segmento. Para entender o funcionamento do mercado alimentcio e o lanamento dos alimentos funcionais, Raud utilizou a teoria dos Campos de Pierre Bourdieu. Assim, o mercado de alimentos funcionais entendido como um campo de lutas em que os agentes se enfrentam entorno das melhores posies na estrutura. Agentes dotados de recursos diferentes, em termos do capital que possuem: financeiro, cultural, tecnolgico, etc., e que definem as estratgias de suas aes. Capitais, muitos deles desiguais, que podem configurar relaes hegemnicas dentro do campo. Relaes essas de posio, que pressionam e limitam a atuao na estrutura do campo (BOURDIEU, 1993; 2005). As empresas dominantes no campo influenciam nas estratgias das outras empresas. No entanto, no significa que as empresas dominantes so livres na escolha de suas estratgias, elas tambm sofrem presses das adversrias no campo. As multinacionais como Danone e Nestl se enfrentaram nas gndolas dos supermercados brasileiros para liderar o mercado de iogurtes funcionais. O trabalho de Raud tambm se fundamentou em Neil Fligstein. Para este autor, o Estado desempenha um papel importante na construo das instituies de mercado.(...) Os Estados modernos de economia capitalista criaram as condies institucionais para que os mercados se tornassem estveis. Identifico suas instituies esto em jogo e vejo sua construo como projetos polticos empreendidos por atores poderosos. Grandes crises societais como guerras, depresses ou a entrada de uma nao no desenvolvimento moderno so determinantes para entender o progresso econmico de uma sociedade. Uma vez estabelecidas, essas regras de construo dos mercados e de interveno nos mesmo, so chaves para a compreenso de como os novos mercados se desenvolvem numa sociedade. (FLIGSTEIN, 2001b, p. 27)

O Estado est sempre profundamente envolvido no funcionamento da economia nacional. Um bom exemplo disso, de acordo com FLIGSTEIN (2001a), foi a criao do Vale do Silcio nos Estados Unidos (EUA), considerado o bero da indstria do computador. O governo estadunidense facilitou a construo de um

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complexo industrial voltado para o desenvolvimento de tecnologias da comunicao e informao (TI) no incio da dcada de 1950. O Estado financiou a formao e as pesquisas de engenheiros, e se tornou o principal comprador de muitas das inovaes tecnolgicas no momento da criao do mercado de TI. Ele tambm participou da criao da Internet e pesquisas universitrias financiadas que permitiram o desenvolvimento de muitos softwares necessrios para o funcionamento da rede de computadores, o que resultou na emergncia de setores de transistores, semicontudores e componentes de silicone. Alm disso, o Estado promoveu concursos pblicos, j que o incio da indstria de TI estava ligado segurana nacional, principalmente produo de tecnologias voltadas para a indstria militar. Para Fligstein, o modelo de livre mercado um mito. No que os empresrios e a ideologia do empreendedorismo sejam menos importantes, mas o Estado que d as condies necessrias para funcionamento do sistema como um todo. Em alguns momentos ele desempenhou um papel mais direto e, em outros, mais discreto, e sua atuao foi muito alm de comprador e apoio financeiro. O Estado estabeleceu leis que serviram de interesse empresarial, por exemplo, a lei de propriedade intelectual a favor dos detentores de patentes. Para Fligstein, dois fatores so importantes na determinao sobre as atividades estratgicas de negcios. O primeiro tem a ver com o comportamento dos concorrentes no mercado, e o segundo com a capacidade dos Estados em definir o que constitui um comportamento aceitvel, em termos de concorrncia, pois para os gerentes e proprietrios de empresas, a principal preocupao garantir a estabilidade de suas interaes com os principais rivais. RAUD (2008) conta que em 2004 a Danone lanou no Brasil o Iogurte Activia, que j fazia sucesso em muitos pases europeus desde a dcada de 90. Em reao, a Nestl lanou o Nesvita em junho de 2006. Nesse mercado de produtos lcteos, o Estado desempenhou um papel fundamental, ao definir as regras do jogo. O Estado brasileiro tomou as precaues, de acordo com o que j era tendncia na Europa, de elaborar uma legislao especfica para analisar produtos com propriedades funcionais e/ou sade. Dentre as normas contidas no direito comercial, existia uma que exigia a comprovao cientfica da aplicabilidade funcional para a sade. No caso, a Nestl no tinha comprovao dos resultados funcionais do produto Nesvita. Em 2007, a Danone entrou na justia contra a Nestl, o que resultou em ganho e possibilidade de penalidade, caso o iogurte Nesvita aparecesse em campanhas

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publicitrias com os argumentos de alimento funcional. A penalidade era uma multa equivalente a dez mil reais por dia. Embora o trabalho de Raud no se relaciona mais profundamente com a questo ambiental propriamente dita, ele traz elementos que ajudam a pensar questes ligadas aos processos institucionais de definio de direitos, que podem vir a legitimar uma organizao em relao a outro, sob determinado conhecimento. Isso contribui para entender as novas formas de mercados que surgem com as definies de medidas criadas pelo Estado, como ndices e parmetros.

1.5 Mercado das Finanas Sustentveis

No mercado financeiro, MAGALHES (2010) apresenta as principais mudanas que vm ocorrendo com a incluso de critrios socioambientais pelas presses sociais. Porm, no se trata apenas de alterao do setor financeiro, mas como resultado da construo de um novo campo. Magalhes buscou compreender a gnese social deste novo campo, que configurado pela interao entre bancos e ONGs ambientalistas. A anlise do pesquisador mostra que o mundo das finanas est cada vez mais entrelaado com o mundo das demandas sociais e ambientais. Fato que se refora ainda mais com um tipo de paradoxo. Segundo Magalhes, o novo campo formado por critrios ambientais resultado das falhas dos mecanismos regulatrios internacionais, o que poderia aumentar a fragilidade desses mercados, restringindo a capacidade de monitorar e mitigar riscos. Somado a isso, a ausncia de leis em vrios nveis da ao empresarial no mbito transnacional, especialmente em questes relacionadas sustentabilidade, tem provocado o surgimento de variadas formas de governana privada, criadas para definir os padres sociais e ambientais dos mercados. Por outro lado, justamente a fragilidade de controle regulatrio e a ausncia de leis que favorecem e garantem a formao desse sistema, que cria conexes entre agentes financeiros privados e sociedade civil. Neste sentido, confiana, status, legitimidade e reputao viram importantes capitais simblicos no contexto das finanas sustentveis. Magalhes demonstra que os mercados no so somente moldados pelo Estado, como mostrou

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Neil Fligstein. Mas as interaes sociais entre bancos e ONGs tambm podem ser as bases para novos padres de relacionamentos econmicos. Segundo Magalhes, reputao era um critrio que os bancos utilizavam para realizar avaliaes dos riscos dos projetos.(...) Reputao um dos ativos mais importantes em todos os mercados e particularmente no mercado financeiro. Ela um dos principais fatores que garantem a fidelidade dos clientes e, principalmente, a relao entre os bancos, grandes empresas e investidores. At alguns anos atrs a reputao dos bancos se baseava principalmente na boa relao com os seus clientes e parceiros e no cumprimento da lei (MAGALHES, 2010, p. 102).

Mas essa noo ganhou um novo significado para os agentes financeiros. Em resposta, principalmente, s presses sociais, reputao passa a ser definida como uma licena social para operar. Os bancos perceberam a importncia da relao com os agentes externos para melhorar seu posicionamento no mercado. Eles comearam a se adequar s expectativas dos diferentes atores sociais para buscar reconhecimento, mas a legitimidade s alcanada com uma boa reputao nas redes de relacionamento. Os capitais simblicos passam a exercer um papel determinante na estruturao do campo das finanas sustentveis. Magalhes menciona a questo da produo da informao, que produzida pela crtica das organizaes sociais, que acaba sendo mais eficientes do que as informaes geradas pela dinmica da competio entre os agentes do mercado, como supunha a teoria econmica neo-clssica. No mercado das finanas sustentveis as presses so tanto do lado social quanto do econmico, ou seja, de cobrana das ONGs e, do outro lado, exigncia dos bancos. Assim, construda uma rede de trocas mtuas de capitais simblicos que contribuem para a legitimao de todos os participantes. Com o acmulo de capital reputacional, os bancos ganham forte poder de influncia sobre os mercados. Em contrapartida, as organizaes sociais tambm preocupam-se em manter sua reputao, pois isso garante a continuidade de suas atividades e mobilizao de recursos. Boa reputao a forma como os doadores financeiros reconhecem as ONGs como leais aos seus princpios e com capacidade de produzir resultados comprometidos. A produo dessa interao recproca gera estabilidade econmica, mudanas nos indicadores econmicos e novas polticas internas do campo. Magalhes afirma que esta relao, baseada na reputao, gera uma nova forma de

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regulao de mercado, que amplia a transparncia e coloca as decises estratgicas dos agentes privados como objeto de debate pblico, realidade que vem se disseminando em quase todo o campo financeiro.(...) Os bancos buscam construir parcerias e dilogos com organizaes sociais com a finalidade de ampliar sua insero social, fortalecer a interao com organizaes locais e criar novas oportunidades de mercado (mercados inclusivos ou negcios na base da pirmide). Podem tambm ter como objetivo o gerenciamento de conflitos e riscos de reputao, ou ainda, promover inovaes por meio de parcerias estratgicas com organizaes sociais com forte base cientfica e experincia de campo, ou por meio do dilogo com organizaes que monitoram os projetos, identificam falhas e propem mudanas substanciais nas polticas. (MAGALHES, 2010, p. 22).

Neste novo contexto de atuao social, os bancos acabam criando estratgias de relacionamento. Para apontar algumas delas, Magalhes analisou os

relatrios anuais, referentes ao ano de 2007, dos 64 bancos signatrios dos Princpios do Equador10 at 2008 (informaes que esto disponveis nos sites das instituies financeiras pesquisadas):a) As novas estratgias de relacionamento: reconhecimento da importncia de agentes externos que influenciam os padres de concorrncia ou cooperao nos mercados. Os stakeholders11 passam a fazer parte das preocupaes empresariais; b) Padres de qualidade em relacionamento com stakeholders: os bancos aderem aos padres de qualidade j reconhecidos internacionalmente, pois a empresa em particular no possui capacidade de produzir seus prprios parmetros de anlises, j que existe o problema da crescente complexidade das informaes sobre os impactos socioambientais. A adeso aos padres reconhecidos internacionalmente tambm lhes confere legitimidade imediatamente no momento do engajamento, o que torna o processo mais rpido e barato. Existem trs padres reconhecidos no setor financeiro: o

Em 2003, foram criados os Princpios do Equador, uma das iniciativas globais de ao voluntria do setor privado, com o objetivo de elaborar padres e normas socioambientais para o mercado financeiro. So dez princpios de comprometimento para projetos financeiros de gesto de questes ambientais e sociais. (Disponvel em: ). 11 O conceito de Stakeholders tem sido usado para designar a interlocuo com diferentes grupos de interesse envolvidos, de alguma forma, no processo produtivo de alguma organizao empresarial, por exemplo, investidores, fornecedores, consumidores, poderes institudos e comunidade.

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sistema AA1000SES, o ISO 14063 e o AS8000, alm do Global Report Iniciative (GRI). J os padres ISO 14063 e AS8000, conforme Magalhes, no so utilizados pelos bancos signatrios dos Princpios do Equador; c) Relacionamento orientado para a filantropia: os bancos investem em assistncia social com o objetivo de promover relacionamentos com organizaes de mbito local, assim criam canais de transferncia de recursos para as comunidades carentes. Os relacionamentos construdos com vistas filantropia tambm tm o objetivo principal de conhecer mais precisamente as demandas e tornar mais eficiente aplicao de recursos em projetos sociais. De acordo com Magalhes, estes projetos no possuem relao com os negcios dos bancos, e so, na maioria dos casos, conduzidos por fundaes; d) A promoo de negcios inclusivos: os bancos constroem parcerias com organizaes econmicas ou especializadas na promoo de negcios de pequeno porte, servios de microfinanas e outros servios financeiros e empreendimentos em comunidades de baixa renda. As parcerias visam principalmente identificar as demandas, ter acesso a informaes sobre os mercados locais, reduzir custos de transao, avaliar resultados e ampliar a escala de projetos, reduzir as diferenas de filosofia, linguagem e reduzir barreiras na relao com a comunidade. Para a conduo desses negcios e parcerias, os bancos criam servios financeiros, estruturas de avaliao de riscos e de relacionamento especficos para essa finalidade. Porm estes servios, em todos os bancos analisados, segundo Magalhes, no so as atividades financeiras mais importantes e fazem parte das polticas de responsabilidade social; e) Relacionamento orientado para a gesto da contestao social: os objetivos desse tipo de relacionamento so conhecer as vises, as expectativas, os interesses e as crticas dos stakeholders sobre as atividades bancrias. Alm disso, a partir desse relacionamento os bancos buscam adotar mecanismos para evitar ou mitigar esses riscos. Os bancos que adotam polticas inovadoras de organizao, mtodos avanados de

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relacionamento, assim como os que so os mais ativos em parcerias com as grandes ONGs globais so exatamente aqueles cujas estratgias de relacionamento com stakeholders tm como foco a gesto da contestao; f) A gesto de riscos reputacionais: bancos passam verificar os

questionamentos sobre a legitimidade de sua ao na sociedade. O cuidado dos bancos com o tipo de informao que organizaes sociais tornam pblicas sobre os impactos sociais e ambientais dos financiamentos dos bancos; g) Relacionamentos orientados para a inovao: bancos desenvolvem atividades que buscam o acesso ao conhecimento tcnico de ONGs, assim como buscam encontrar solues inovadoras para os grandes dilemas socioambientais presentes nos investimentos. Conforme Magalhes, os bancos buscam criar estratgias de relacionamento para proteger sua reputao, j as ONGs possuem algumas estratgias de ao que resultam em ganhos de legitimidade. Elas tambm dependem da capacidade de demonstrar uma reputao positiva em aspectos objetivos e subjetivos. Mas para isso, as ONGs adotam grandes aes para ganhar visibilidade, somado a fortes estratgias de comunicao que alcancem repercusses pblicas. Campanhas de denncias e boicotes so bons exemplos. Porm, os boicotes so diferentes das aes do passado, quando visavam atingir consumidores finais. Atualmente, as campanhas de boicote so direcionadas s comunidades empresariais, buscando atingir a reputao das firmas nos seus ambientes de negcios. As ONGs escolhem alvos importantes, como grandes empresas, com grandes investimentos nas marcas, reconhecidas pelo sucesso financeiro e com grande reputao nos mercados. Para isso, as organizaes preparam pesquisas detalhadas e utilizam informaes estratgicas para atingir os pontos mais vulnerveis das empresas, especialmente aqueles que ameacem a reputao delas. Os movimentos sociais ainda contam com a criao de redes nacionais e internacionais para fiscalizao, monitoramento e presso contra as instituies financeiras, quando no cumprem critrios socioambientais, muitos deles rgidos na dimenso tcnico e cientifico. As polticas socioambientais no campo das finanas sustentveis tm um forte

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embasamento tcnico e cientfico, mas as decises sobre as novas polticas se orientam por um componente poltico. Apesar de ter verificado a falta ou fragilidade de regulao estatal, como um elemento fundamental para a configurao do campo das finanas sustentveis, Magalhes conclui argumentando sobre a necessidade de criar novas leis, que aumentem a influncia das organizaes sobre os bancos, que buscam legitimidade nas estratgias de negcios. Os estudos CARNEIRO (2007), GUIVANT (2003), GUIVANT e TOMIELLO (2008), RAUD (2008) e MAGALHES (2010), revisados acima, mostram que a combinao entre mercados e as questes ambientais so bastante dinmicas. Tambm nos trazem compreenses que os mercados no so dados a priori. So processos que variam muito e podem ser pensados sob vrias formas. Portanto, estas anlises vo servir como referncias para pensar quem so os atores. Quem so os principais agentes. Qual papel do Estado. Qual a capacidade do campo cientfico nas mudanas do mercado, etc. na definio da legitimao contida nas diferentes formas de pensamento sobre mercados e sustentabilidade.

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2 MOVIMENTO AMBIENTALISTA EM OPOSIO AO DESENVOLVIMENTO ECONMICO

A principal caracterstica dos movimentos ambientalistas no sculo XX foi sua contestao ao desenvolvimento econmico. Movimentos sociais que ganharam repercusso internacional e suas reivindicaes atingiram o mbito poltico, visando promover direitos voltados para temas globais. MACCORMICK (1992) retrata o histrico do movimento ambientalista. Ele afirma que o perodo ps-guerra o momento em que emerge um novo ambientalismo de carter global, diferente das manifestaes do incio do sculo XIX, que surgiram nos Estados Unidos, e que tinha no seu contexto o debate entre as propostas de preservao (sem a presena humana) e as de conservao (para o uso racional e utilitrio dos recursos naturais). A mudana ocorreu entre os anos 40 e 60, momento em que o preservacionismo e o conservacionismo deixariam de ter grande destaque, j que a produo e os testes de artefatos nucleares da indstria da guerra ofereciam maior perigo a toda a humanidade. Segundo STEIL e CARVALHO (2001), o perodo pssegunda guerra mundial o momento em que surgem no contexto internacional as ONGs12. Na dcada de 40, essas organizaes so criadas com o ideal de autonomia em relao aos Estados-Nao, com objetivo principal de promover projetos de desenvolvimento comunitrios nos pases afetados pela guerra e onde a modernidade no tinha chegado (atuando principalmente com programas de combate pobreza). Na dcada de 60, ainda surgem movimentos sociais para protestar contra a guerra. o perodo marcado pela contracultura, anti-indstria, consumismo e a racionalidade cientfica da sociedade industrial. Eram os movimentos estudantis e

Conforme STEIL e CARVALHO (2001), o primeiro momento dessas organizaes caracterizado pela filantropia internacional. As ONGs so espaos institucionalizados privados que buscam promover valores e hbitos comportamentais modernos, principalmente em comunidades tradicionais de diferentes pases. Essas organizaes recebiam ajudas financeiras de rgos pblicos para executar projetos de interesse social. J, num segundo momento, mais especificamente nos anos 70, quando ocorre a I Conferncia Sobre o Meio Ambiente (Estocolmo), as ONGs ressurgem para serem interlocutores da questo ambiental, pois no viam capacidade nos governos de discutir e assumir um tema global como o meio ambiente, na verdade, os Estados-Nao teriam interesses fixos e limitados para estas organizaes.

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hippies, que se colocavam contra a guerra do Vietn e que valorizavam o estilo de vida natural (MCCORMICK, 1992). Depois dos protestos contra as guerras e, ao mesmo tempo, contra a produo de artefatos nucleares, os movimentos ambientalistas comeam a se deter mais nos impactos produzidos por uma sociedade industrial. neste momento que se somam s suas preocupaes com a poluio e o com aumento da populao. Em 1962 publicado o livro Primavera Silenciosa, da biloga Rachel Carson. O livro um estudo que aborda os problemas de contaminao por qumicos na agricultura. O trabalho de Rachel Carson foi muito importante porque influenciou a sensibilidade da opinio pblica em relao ao desenvolvimento econmico. Em relao ao aumento da populao, MCCORMICK (1992) cita o episdio ocorrido no ano de 1968, encontro de cientistas, empresrios e polticos que ficou conhecido como Clube de Roma, onde se discutiu os possveis problemas que o modelo de crescimento econmico poderia vir a trazer no futuro como, por exemplo, a escassez de recursos naturais. O resultado produziu o relatrio Os Limites do crescimento, publicado em 1972 pelo pesquisador Dennis L. Meadows. O estudo abordava teses de Malthus sobre o aumento da populao. Crescimento Zero foi um conceito apresentado no relatrio para realizar uma crtica s teorias econmicas. A Conferncia das Naes Unidas sobre o Meio Ambiente, promovida pela ONU, na cidade de Estocolmo, Sucia, em 1972, colocou as questes ambientais na agenda poltica internacional. O encontro, que contou com (...) representantes de 113 pases, 19 rgos intergovernamentais e quatrocentas outras organizaes intergovernamentais e no-governamentais (MCCORMICK,1992, p. 106), pode ser descrito como um marco para o movimento ambiental, pois foi a primeira vez que o meio ambiente estava sendo debatido pelos governos como um tema, mas que envolvia os problemas polticos, sociais e econmicos. O debate envolveu os pases pobres e pases ricos, com suas percepes diferenciadas das prioridades ambientais. De acordo com MCCORMICK (1992), o objetivo da conferncia era que a ONU pudesse avaliar de maneira abrangente os problemas do meio ambiente humano, assim seria possvel fazer convergir a ateno de governos e opinio pblica. Deveria tambm identificar aqueles aspectos que s poderiam ser resolvidos ou que melhor se resolveriam atravs do acordo e da cooperao internacionais, no caso, a questo que estava sendo colocada era a poluio, com destaque para a chuva cida. Estas preocupaes da ONU tinham a ver com as

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concluses apresentadas pelo relatrio Os Limites do crescimento (1972), que apontava para um futuro de cenrios apocalpticos, e com os resultados da Conferncia da Biosfera (a Conferncia Intergovernamental de Especialistas sobre as Bases Cientficas para Uso e Conservao Racionais dos Recursos da Biosfera) realizada em Paris, organizada pela Organizao das Naes Unidas para a educao, a cincia e a cultura (UNESCO), em 1968. Segundo VIEIRA (2001), a Conferncia de Estocolmo reuniu enorme quantidade de organizaes no governamentais que se engajaram na formao de novas redes transnacionais. Fato que significou o avano do movimento ambientalista internacional, j que eles tinham um papel reduzido dentro da ONU. Assim, um novo ambientalismo se formou, menos conservador e mais politizado globalmente, o que resultou no ganho de legitimidade e sua aceitao por parte dos governos nacionais, que acabaram tratando o meio ambiente como uma questo poltica. Mas, h tambm o exerccio de atividades menos reconhecidas, extraoficiais, desempenhadas pelas ONGs, como prtica de lobby em rgos mais amplos, por exemplo, na Conferncia das Naes Unidas para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCTAD) e Conselho Econmico e Social da ONU (ECOSOC).(...) As ONGs tambm influenciaram posies dos Estados-membros mediante presso domstica e esforos transnacionais; forneceram informaes, anlises e interpretaes de valor que mostram como problemas, interesses e solues so definidos; prestaram servios em nveis local, regional e nacional, recebendo e administrando fundos da ONU nesse processo (VIEIRA, 2001, p. 134).

A partir de ento, os governos no puderam mais ignorar as comunidades ambientalistas, pois elas ofereciam novos paradigmas para orientar o comportamento e valores de milhes de pessoas no mundo todo, sendo capazes de pressionar a direo da coordenao das polticas internacionais para proteo da natureza e, s vezes, sobreporem-se ao poder de governos. No entanto, segundo VIEIRA (2001), as ONGs possuem algumas dificuldades:(...) as ONGs ambientalistas enfrentam muitos obstculos para consolidar e fortalecer um movimento cuja coordenao permanece relativamente fraca, pelas seguintes razes: a) os governos resistem invaso de seu tradicional domnio de autoridade, mesmo quando procuram usar as ONGs para escorar sua legitimidade; b) os recursos das ONGs e seu acesso ao poder poltico so mnimos se comparados s foras que conduzem a destruio ambiental; c) diferenas culturais e ideolgicas entre ambientalistas dificultam a coordenao global; d) as mesmas tenses

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Norte-Sul que penetram as relaes entre Estados podem transbordar para dentro das ONGs na forma de acusaes de paternalismo ou paroquialismo (VIEIRA, 2001, p. 134).

Apesar das dificuldades, as ONGs ambientalistas no pararam de se expandir. Para VIEIRA (2001), duas foras foram responsveis para o seu crescimento. Primeiramente, a expanso das interpretaes cientficas autorizadas, que percebem problemas ambientais comuns a todos os grupos humanos. Em segunda lugar, abertura de arenas e associao globais, como a ONU, para agendas do meio ambiente. A legitimao cientfica exigiu aumento de qualificao dos membros das ONGs ambientalistas, o que produziu um novo debate mais qualificado.(...) Durante o primeiro tero do sculo XX, estas organizaes tendiam a ser formadas em torno de preocupaes sentimentais com aspectos especficos da natureza por exemplo, Amigos Internacionais da Natureza (1895). Outras organizaes foram formadas em torno de um conceito de natureza como um conjunto de recursos a ser organizado e alocado por exemplo, Unio Internacional para a Pesquisa Florestal (1891). Nas dcadas recentes, organizaes ambientais tenderam a se formar com base em uma concepo muito mais ampla e cientfica de natureza como um ecossistema por exemplo, a Sociedade Ambiental Asitica (1972). Por trs, est o enorme debate mundial no domnio cientfico. A expanso do sistema cientfico mundial criou um quadro em que quaisquer assuntos ambientais podem ser vistos como universalmente significativos e em que muitos tipos de poltica podem ser tidos como racionais. Claramente, a expanso deste sistema produziu organizaes e profisses que poderiam falar com autoridade e objetividade sobre uma vasta gama de questes ambientais (VIEIRA, 2001, p. 139).

A Conferncia de Estocolmo resultou na criao do Programa de Meio Ambiente das Naes Unidas (PNUMA). A conferncia tambm produziu uma Declarao, uma lista de Princpios e um Plano de Ao. Segundo MCCORMICK (1992), os vinte e seis princpios podem ser desmembrados em cinco grupos principais:a) A capacidade da terra de produzir recursos renovveis deveria ser mantida (...); b) O desenvolvimento e a preocupao ambiental deveriam andar juntos (...); c) Cada pas deveria estabelecer seus prprios padres de administrao ambiental e explorar recursos como desejasse, mas no deveria colocar em perigo outros pases (...); d) A poluio no deveria exceder a capacidade do meio ambiente de se recuperar (...); e) Cincia, tecnologia, educao e pesquisa deveriam ser utilizadas para promover a proteo ambiental (MCCORMICK,1992, p. 140).

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Alm das ONGs ambientalistas transnacionais, surgem na dcada de 70, na Europa, os movimentos de agricultura alternativos ao modelo industrial. Para ALMEIDA (2009) e ASSIS (2002), os movimentos de agricultura alternativa tomam conscincia da destruio que o crescimento da produo em escala industrial poderia acarretar em perda do capital gentico do planeta e criar possveis alteraes nos equilbrios dos ecossistemas. Esses processos industriais eram em boa medida herdados da Revoluo Verde, iniciada na dcada de 50. A Revoluo Verde, a partir da propaganda da indstria, estimulava os agricultores a abandonar as variedades crioulas, para o adotar sementes geneticamente local, modificadas promovia a (transgnicas), desprezava conhecimento tradicional

mecanizao no espao rural, criava novas formas de irrigao e defendia o uso de intensivos agrotxicos nas lavouras (produo com utilizao de qumicos com base sinttica, como pesticidas e adubos). Todas essas mudanas na atividade agrcola tinham como discurso o objetivo de superar a fome mundial. Entretanto, essa forma de legitimao no foi bem recebida no meio rural. O novo padro de desenvolvimento agrcola defendido pela Revoluo Verde comea a ser questionado mediante os riscos possveis que pode provocar, ou seja, a perda da biodiversidade agrcola e o progressivo empobrecimento produtivo dos solos pelo uso intensivo de agrotxicos. Alm disso, para os autores, a produo agrcola industrial poderia favorecer mais ao capital financeiro, o que deixa pouca autonomia para as prticas de agricultura familiar. A partir dessas crticas, alternativas foram buscadas para que envolvessem processos ecolgicos para a produo local, no necessariamente voltada para o mercado, j que os movimentos agrcolas alternativos defendiam uma produo autnoma, autossuficiente e sem maiores dependncias dos agentes econmicos. Boa parte dessas propostas ajudaram a configurar o que conhecemos como agroecologia, reconhecida hoje como uma cincia. Uma importante vertente dentro da agroecologia a agricultura orgnica. Tambm na dcada de 70, temos a formao dos partidos verdes na Europa. Segundo MCCORMICK (1992), o principal slogan do partido verde : "Ns no somos nem esquerda nem direita; ns estamos na frente". Dentre os partidos verdes, destaque para o Die Grnen (os Verdes), primeiro partido novo a entrar no Bundestag em 30 anos, que conseguiu representar a poltica ambiental na Europa Ocidental aps vencerem as eleies de maro de 1983, na Alemanha, obtendo 27

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cadeiras no Parlamento, superando os democratas-cristos conservadores e os social-democratas liberais de esquerda.Die Grnen defendiam de modo variado a criao de uma economia no baseada no crescimento, a subdiviso das grandes companhias em pequenas unidades, a semana de trabalho de 35 horas, impostos mais altos para grupos de renda mais alta, investimento do Estado para criao de empregos, o fim da energia nuclear, o uso sustentvel dos recursos naturais, conservao de materiais e energia, crescimento zero da populao e desarmamento nuclear (MCCORMICK,1992, p. 143).

De acordo com MCCORMICK (1992), os Partidos Verdes se espalharam pela Europa e por todo o mundo. Mesmo com uma orientao ecolgica, os Verdes so os partidos com maior variao ideolgica, pois eles no se encaixam dentro do eixo tradicional esquerda/direita; eles buscam mudanas sociais e de amplo espectro, que transcendem as divises liberal/conservador ou marxismo/capitalismo. Para Mccormick, os partidos verdes podem ser agrupados em trs categorias: 1) pequenos partidos socialistas - que adotaram polticas ambientais e se transformaram (na percepo do pblico) em partidos ecolgicos; 2) partidos liberais e agrrios - que vinham tradicionalmente enfatizando as questes ambientais; 3) os novos partidos - criados especificamente para representar um eleitorado mais consciente das questes ambientais. Outras manifestaes dos movimentos ambientalistas surgem no ano de 1980. O Programa de Meio Ambiente das Naes Unidas (PNUMA) publicou o documento Uma Estratgia Mundial para a Conservao, que questiona o modelo de desenvolvimento dos pases industrializados. Esta crtica vai ser pauta de discusso em 1987, no encontro realizado pela Organizao das Naes Unidas (ONU), em parceria com o governo Noruegus. Do evento resultou o Relatrio de Brundtland, com o ttulo de Nosso Futuro Comum. A noo13 de desenvolvimento

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A maior parte dos trabalhos que foram levantados nesta pesquisa trata a expresso desenvolvimento sustentvel como um conceito. Isso perceptvel tanto no universo empresarial quanto nas crticas do capitalismo. Nesta etnografia vamos trat-lo como uma noo ou ideia. Assim estamos buscando um distanciamento analtico, sem comprometimento com uma definio especfica. Mas, entretanto, necessrio definir uma distino entre noo/ideia em relao a conceito. Neste sentido, conceito, para este trabalho, algo que possui significado definido, consensual e institucionalizado, j a noo/ideia corresponde a diversas representaes lingusticas ou simblicas, exclusivas ou no de um grupo. Assumir a expresso como noo/ideia uma forma de relativizar, o que permite trabalhar com a heterogeneidade das formas de pensar que fazem parte do universo da nova relao entre ambientalismo e economia. Ao no assumir um certo tipo de exclusividade de definio, ou propriedade conceitual intelectual, esta pesquisa se distancia de qualquer suposta vanguarda ideolgica.

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sustentvel vai ser definida no relatrio como aquele que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das geraes futuras de suprir suas prprias necessidades. Nesta poca, segundo RIBEIRO (2000), o Relatrio de Brundtland popularizou a expresso desenvolvimento sustentvel, que no oferecia uma definio mais completa de que tipo de desenvolvimento se pretendia. A noo era imprecisa, para que de certa forma fosse constantemente elaborada e resignificada com injunes polticas e pelas mudanas temporais e espaciais. A noo tinha forte carter de um projeto alternativo ao modelo de desenvolvimento. SCOTTO et. al. (2009), traam o histrico do significado do conceito desenvolvimento sustentvel. A expresso que surgiu nos debates ambientalistas da dcada de 60 e 70, nos pases industrializados do norte, como crtica ao desenvolvimento econmico. O ideal do