208
CENTRO DE ARTES E COMUNICAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM COMUNICAÇÃO A COMUNICAÇÃO COMO DIREITO HUMANO: Um Conceito em Construção Raimunda Aline Lucena Gomes Recife, fevereiro de 2007

A comunicação como direito - conceito em construção.pdf

Embed Size (px)

Citation preview

CENTRO DE ARTES E COMUNICAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO A COMUNICAO COMO DIREITO HUMANO: Um Conceito em Construo Raimunda Aline Lucena Gomes Recife, fevereiro de 2007 2 UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE ARTES E COMUNICAO PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM COMUNICAO A COMUNICAO COMO DIREITO HUMANO: Um Conceito em Construo Raimunda Aline Lucena Gomes DissertaoapresentadaaoProgramadePs-GraduaoemComunicaodaUniversidade FederaldePernambucocomorequisitoparcial paraaobtenodottulodeMestre,soba orientao do Prof. Dr. Edgard Rebouas. Recife, fevereiro de 2007 3 Gomes, Raimunda Aline Lucena Acomunicaocomodireitohumano:umconceitoemconstruo/RaimundaAlineLucenaGomes.Recife : O Autor, 2007.206 folhas : il., quadros Dissertao(mestrado) UniversidadeFederal de Pernambuco. CAC. Comunicao, 2007. Inclui bibliografia e anexos. 1.Comunicao.2.Direitoshumanos.3. UNESCO. I.Ttulo.

659.3CDU (2.ed.)UFPE302.2CDD (22.ed.)CAC2007- 30 4 5 A Westei e Ludmila pelo amor e companheirismo no percurso desse caminho. E atodas as mulheres e todos os homens que reconhecem na utopia um compromisso histrico. 6 O dilogo este encontro dos homens, mediatizados pelo mundo, para pronunci-lo, no se esgotando, portanto, na relao eu-tu. Esta a razo por que no possvel o dilogo entre os que querem a pronncia do mundo e os que no a querem; entre os que negam aos demais o direito de dizer a palavra e os que se acham negados deste direito. preciso primeiro que, os que assim encontram negados no direito primordial de dizer a palavra, reconquistem esse direito, proibindo que este assalto desumanizante continue. Se dizendo a palavra com que, ponunciando o mundo, os homens o transformam, o dilogo se impe como caminho pelo qual os homens ganham significao enquanto homens. Por isto, o dilogo uma exigncia existencial. E, se ele oencontro em que se solidarizam o refletir e o agir de seus sujeitos endereados ao mundo a ser transformado e humanizado, no pode reduzir-se a um ato de depositar idias de um sujeito no outro, nem tampouco torna-se simples troca de idias a serem consumidas pelos permutantes.(FREIRE, 1987, p. 78 -79) Uma s voz nada termina e nada resolve.Duas vozes so o mnimo de vida, o mnimo de existncia. (BAKHTIN, 2005, p. 257) A liberdade poltica no pode se resumir no direito de exercer a prpria vontade. Ela reside igualmente no direito de dominar o processo de formao dessa vontade. (MATTELART;MATTELART,2005, p.191) 7 AGRADECIMENTOS Tantasforamaspessoas,diretaouindiretamente,acontriburemcomarealizao desse trabalho. Desejo agradecer imensamente a todas elas.MeuagradecimentoespecialaAndraTrigueiro,incansvelincentivadoraeparceira demuitossonhoselutas,pelassuasmoscomeceiaassistirsaulasdoprofessorLus Momesso,minhainspiraoparaenveredarnomundoacadmico,comseusabergeneroso, comprometido e compartilhado, sempre, com todos e todas que tm o privilgio de conhec-lo. Costumo dizer-lhe da sua grande culpa por toda essa trajetria.AgradeoimensamenteaPatrciaPaixo,amigaeirmdocorao,companheirade cafs e bolos de noiva no perodo de aulas, s 8h30 da manh (ela chegava sempre atrasada, verdade).Compartilhamostodasasalegrias,tristezas,eangstiasdesseprocesso.Temos muito a caminhar ainda. Agradeo aos colegas de turma os debates calorosos, o aprendizado jamaisesquecido,especialmenteaturmadoladobomdafora,Chico,Mannuela,Tiago, Dalmo,Rudson,PatrciaeBella(adotadaportodosns),pelosmomentosdeabsoluta descontrao, muitas risadas e tiradas inteligentes. Sem dvida, foi o lado mais suave de todo esse caminho.AgradecimentosprofessoraCristinaTeixeirapelasvaliosascontribuiespor ocasiodaqualificao,desprendimentoeleveza,quiomundodacientificidadetivesse maisacadmicas/oscomessapostura.UmgrandeobrigadaprofessoraAngelaPriysthon por ter me apresentado Stuart Hall, Slavoj Zizek, Homi Bhabha, que por sua vez me fizeram conhecerZygmuntBaumaneArjunAppadurai.Suasaulasdesconstruiramemmimalguns mitosentoerguidospelaignornciaepelopreconceito.Certamenteagradeoaprofessora Isaltina Nascimento, quando coordenadora do PPGCOM, sempre solcita e disposta a dialogar com todos ns. Jamais poderia deixar de proferir o meu imenso obrigada a Cludia, Lucy e Z Carlos, grandes profissionais na direo da secretaria do mestrado, enormes seres humanos na pacincia, solicitude, e carinho. ObrigadaaDiego,Renata,Rafael,FabianaeAnaVeloso,companheiros/asdeoutro sonho,porestaremsempredispostosacolaborarecompreenderminhasausncias.Este trabalho no teria sido concretizado sem o apoio de Nadja, grande amiga e profissional, quase uma me.Muito a agradecer Walquria, amiga e irm, por acreditar em mim e nunca permitir que eu desista dos meus sonhos. 8 Certamenteesteestudotevemuitosco-autores,entreeles/elasomeuagradecimento muitoespecialaoprofessorEdgardRebouas,pelaorientaopresente,responsvel, instigantee,nosmomentoscertos,absolutamenterigorosa;arevisorepletadecarinhoda amiga Alcidea; as fundamentais contribuies do professor Jaime Benvenuto.Esemdvida,apresenadosdireitos humanos responsabilidade de Westei Conde, meucompanheiroeamigo,quemefazacreditardiariamentenapossibilidadedessa expresso, por vezes to banalizada, transformar-se em prtica.Agradeo, sempre, por tudo, aos meus pais, presentes na saudade infinita que sinto. Emdestaque,aminhalindaedoceLudmila,omeusuperagradecimento,peloamor, carinho, compreenso nas inmeras ausncias, abraos na hora do choro e do cansao, e pela sua existncia me fazer acreditar mais e mais no ambicioso projeto de Deus: a humanidade. E claro, aos insubstituveis e fundamentais cafezinhos da paciente Neuza. 9 RESUMO Oobjetivodestadissertaoapresentarumatrajetriadaconstruodoconceitoda comunicaocomoumdireitohumano.Interessa,especificamente,oprocesso comunicacionalinterpessoalecoletivo,antesedepoisdosmeiosdecomunicaodemassa. Trabalha-secomumconjuntodepremissas:oconceitodacomunicaocomoDireito Humanoestsendoconstrudo;umtemaquesurgiuepermanececomoumdiscurso poltico-ideolgico,masqueaindanoconseguiuumlugardedestaquenaacademia, enquanto discurso cientfico; comeou timidamente a figurar como pauta poltica no universo dosdireitoshumanos;eaindafomentamuitosdissensosconceituais.Aperspectiva metodolgicafoia doEstadodaArte, dividido em trs momentos. O primeiro acompanhaa presena e evoluo do tema no universo das teorias da Comunicao e no discurso normativo dos direitos humanos; o segundo faz um resgate da construo discursiva da Organizao das NaesUnidasparaa Educao,Cincia e Cultura (UNESCO), por meio das resoluesem matriadecomunicaode1946a2005;eoterceiromomentoregistraoatualdebatee prope a defesa de uma utopia da comunicao. Ao final, a pesquisa evidencia a necessidade de construir um novo paradigma epistemolgico para o estudo das comunicaes, em dilogo comocampodosdireitoshumanos;edeafirmao,fundamentaoepositivaododireito humano comunicao no marco legal nacional e internacional. Palavras-chave: comunicao; direitos humanos; direito humano comunicao; UNESCO. 10 ABSTRACT Theobjectiveofthispaperistointroducea trajectoryofthebuildingofthecommunication concept as a human right. It interests, specifically, the process of interpersonal and collective communication, before and after the means of mass media.It works with a set of premises: the concept of communication as a Human Right that is being built.Itisathemethatappearedandremainsasapolitic-ideologicalspeech,butthatitstill didn'tgetahighlightplaceattheacademywhileasanspecificspeech;ittimidlybeganto figureasapoliticsubjectontheuniverseofthehumanrights;anditstillfomentsmany conceptualmatters.ThemethodologicalperspectivewastheoneoftheState-of-the-art, dividedinthreemoments.Thefirstaccompaniestheattendanceandthethemeevolutionon the universe of the Communication theories and on the normative speech of the human rights; thelatterrecoversthespeechbuildingoftheOrganizationoftheUnitedNationsforthe Education,LearningandCulture(Unesco),throughtheresolutionsregardingto communication from 1946 to 2005; and the third moment registers the existent argument and proposesthedefenseofacommunicationutopia.Attheend,theresearchevidencesthe necessityofbuildinganewepistemologicalparadigmforthecommunicationstudies,ina dialoguewiththehumanrightfield;andofallegation,substantiationandpositivismofthe human right to the communication on the national and international lawful mark. WORD-KEYS: Comunication; Human Rights human right to communication; UNESCO. 11 SUMRIO INTRODUO.......................................................................................................................11 1. Apresentao.........................................................................................................................12 2. Metodologia..........................................................................................................................14 3. Fundamentao terica.........................................................................................................20 4. Os Captulos da dissertao..................................................................................................21 CAPTULOI-ConstruindooConceitodaComunicaocomoumDireitoHumano: sem delimitar um incio, mas um dos possveis encontros...................................................24 1. A comunicao......................................................................................................................25 1.1 A esfera pblica: liberdade de pensamento, de expresso e informao........... ....30 1.2 A onipotncia das novas tecnologias de comunicao e informao.....................35 2. A comunicao no discurso dos direitos humanos...............................................................47 2.1 O discurso normativo internacional........................................................................52 2.2 O discurso normativo nacional...............................................................................66 3. A comunicao como direito humano: um modelo terico emergente................................72 CAPTULOIIConstruindooConceitodaComunicaocomoumDireitoHumano: antes e depois da Nova Ordem Mundial da Informao e Comunicao(NOMIC).........77 1. O discurso sobre a comunicao nas resolues da UNESCO 1946 a 2005...................78 1.1 Resolues da dcada de 1940................................................................................81 1.2 Resolues da dcada de 1950................................................................................83 1.3 Resolues da dcada de 1960................................................................................86 1.4 Resolues da dcada de 1970................................................................................89 1.5 Resolues da dcada de 1980..............................................................................101 1.5.1 O Relatrio MacBride - Um Mundo, Muitas Vozes .....................................108 1.6 Resolues da dcada de 1990..............................................................................114 1.7 Resolues da dcada de 2000..............................................................................118 CAPTULOIII-ConstruindooConceitodaComunicaocomoumDireitoHumano: para onde os debates apontam?...........................................................................................126 1. O/Os direito/os comunicao e/ou o direito humano comunicao..............................127 2. Globalizao e o direito humano comunicao................................................................129 3. A defesa de uma utopia da comunicao ...........................................................................144 12 CONSIDERAES FINAIS...............................................................................................154 BIBLIOGRAFIA...................................................................................................................159 ANEXO 01 Declarao Universal dos Direitos Humanos (1948)......................................165 ANEXO 02 Declaracin sobre los Principios Fundamentales relativos a la Contribucin de los Medios de Comunicacin de Masas al Fortalecimiento de la Paz y laComprensin Internacional, a la Promocin de los Derechos Humanos y a la Lucha contra el Racismo, el Apartheid y la Incitacin a la Guerra (1978).170 ANEXO 03 Declaracin Universal de la UNESCO sobre la Diversidad Cultural (2001).176 ANEXO 04 Declaracin sobre los Derechos de la Comunicacin (2003)..182 ANEXO 05 Carta de Braslia - Encontro Nacional de Direitos Humanos (2005)..............187 ANEXO 06 Convencin sobre la proteccin y la promocin de la diversidad de las expresiones culturales (2005)..190 13 INTRODUO 12 1. APRESENTAO O referente estudo pretende contribuir com a pesquisa cientfica que vem abordando a comunicaocomoumaquestodosDireitosHumanos.Interessa,sobremaneira,oprocesso comunicacionaldeintercmbiodeidias,informaeseconhecimentoatravsdapalavra, antes e depois do desenvolvimento das mdias massivas (impressas, radiofnicas, audiovisuais e da internet). Paraisso,trabalha-secomumconjuntodepremissas:oconceitodacomunicao comoDireitoHumanoestsendoconstrudo;umtemaquesurgiuepermanececomoum discursopoltico-ideolgico,masaindasemrelevncianaacademia,enquantodiscurso cientfico;comeoutimidamenteafigurarcomopautapolticanouniversodosdireitos humanos; e ainda fomenta muitos dissensos conceituais, como por exemplo: O que ou no comunicao?Toda comunicao direito humano?Emquemodelo(s)terico(s)paraoestudodaComunicaoseencaixaacomunicao enquanto um direito humano? necessrio a construo de um novo modelo terico?O marco legal dos direitos humanos contempla a positivao da comunicao como um direito Humano?Qual o melhor termo para declarar o conceito: direito comunicao, direitos comunicao, direito de comunicar ou direito humano comunicao? Nohnecessidadedefundamentaracomunicaocomodireitohumano, mas sim de proteg-la?Quaisseriamasbasestericasparasuafundamentaoeocontextode efetivao? Todasestasquestesapontampremnciadeinvestigaesacadmicas.Areferente pesquisatemcomoprincipalvertente,justamente,refletirsobretaisdvidas,emborano tenhaapretensodecristalizarconceitos,deestabelecerverdadesabsolutas,nemtampouco de encontrar todas as respostas, talvez at aponte mais perguntas. 13 Osobjetivossotraarumatrajetriadascontribuiestericas,nocampoda Comunicao e dos Direitos Humanos, construo do conceito; apontar as relaes entre os contextoshistricos,sociais,polticos,ideolgicos,econmicoseculturaisquefavoreceram ou no seu aparecimento; identificar possveis modelos tericos do estudo da Comunicao e dos Direitos Humanos, balizadores de uma definio; conhecer como o tema est inserido ou nonodiscursonormativodosdireitoshumanos;enfim,sistematizarumconhecimentoque arregimente,semtotalidades,argumentoscientficos-deformaalgumaabandonandosua vertente poltico-ideolgica para um dilogo entreos saberes da Comunicao e os Direitos Humanos. Dilogo este, ainda sob rasura, acontecendo, no permitindo ser encaixotado como algo resolvido e terminado.OquebemfoicolocadonorelatrioMacBride,UmMundoeMuitasVozes, primeirodocumentodaOrganizaodasNaesUnidasparaaEducao,Cinciae Cultura/UNESCO sobre o tema, serve ainda hoje. EntretantoaidiadodireitoComunicaonorecebeuaindasuaforma definitiva,nemoseucontedopleno.Longedeserjcomoparecem desejar alguns um princpio bem estabelecido, cujas conseqncias lgicas poderiamserdeduzidasapartirdeagora,aindaestnafaseemqueas pessoasrefletemsobretodasassuasimplicaesecontinuamaenriquece-lo. (UNESCO, 1983, p. 288). Nosedefendenestapesquisaanecessidadedafundamentaotericada comunicao enquanto direito humano como condio para o reconhecimento e efetivao da mesma, pois a garantia de qualquer direito se d, sobretudo, na prtica dos conflitos sociais, nosenfrentamentospolticos,econmicos,enasrelaesdepoder.Noentanto,aslutas tambmocorremnocampodasidias;noreconhecimentoelegitimaodosarcabouos tericosedosdiscursosnormativos;noprocessodeconstruodeconhecimento;nos conflitos ideolgicos e culturais; e nas disputas por hegemonia. Realmente no se pode limitar apenas em interpretar o mundo de diferentes maneiras, mas sobretudo transform-lo (MARX, ENGELS,2005,p.120)Eessatransformaoaconteceatravsdopensareagir.Aproposta, portanto,porumaprxisdacomunicaocomoumdireitohumano.Ateoriaisoladada prticasocialgeraapenasapalavreria,overbalismo,blablabl,tambmaaosemo refletir, sem o pensar, apenas ativismo (FREIRE, 1987, p.78). A luta pela efetivao desse direito j acontece concretamente, o que defende-se aqui a necessidade de outros pensamentos, reflexes, de outras contribuies para a sistematizao de um conhecimento cientfico sobre o tema em questo; de analisar a sua positivao ou no no marco legal dos direitos dumanos; de propor orientaes para um estudo mais aprofundado 14 sobreaspossibilidadesdesuaefetivao;edefomentararealizaodeoutraspesquisas acadmicas sobre o assunto. Eemboraestapesquisa,noatualmomento,noambicioneocupartodasaslacunas tericasquepossamsurgir,elademonstraumainquietao,umdesejopelodespertar,uma nsia que vai alm da curiosidade cientfica. O que a move a paixo, pois usando as palavras de Dominique Wolton (2004, p. 18):Nomomentoemqueainformaoeacomunicao,dimensesancestrais dequalquerexperinciahumanaesocial,passamaconstituirindstriase mercados, preciso desenvolver urgentemente conhecimentos e teorias para relativizarotecnicismoeoeconomismo,epreservarasdimensesde emancipaes que, desde o sculo XVI, na Europa, estiveram na origem das batalhaspelaliberdadedeinformaoedecomunicao.Paramim,no haverdemocracianoplanomundialsemumareflexotericasobreos desafiospolticos,culturais,tcnicos,antropolgicosesociaisligados comunicao. O mais importante, na informao e na comunicao, no so asferramentasnemosmercados,mas[]oserhumano,asociedadeeas culturas. Por isso, no h comunicao sem uma teoria da comunicao, isto , sem uma representao das relaes humanas e sociais, e, finalmente, sem umateoriadasociedadeedademocracia.Diga-meaqualteoriada comunicaovocadere,eulhedirei,finalmente,aqualconcepoda sociedade voc est ligado. 2. METODOLOGIAAmetodologiautilizadanesteestudoadoEstadodaArte,apartirdapesquisa bibliogrfica,naperspectivaqualitativa,dialticaedialgicadeanlise.Apesquisa bibliogrficaabasedetodoequalquertrabalhoacadmico,sejanosentidoamplo, planejamentoglobalinicialdeumtrabalhodepesquisa,ounorestrito,umconjuntode procedimentosparaidentificar,selecionar,localizareobterdocumentosdeinteresse [...](STUMPF, 2005, p. 54).SegundoStumpf(2005,p.53a59)elacomeaantesmesmodadelimitaodo problema a ser investigado, quando de uma leitura preliminar para identificar conceitos que se relacionam at chegar a uma formulao objetiva e clara do objeto. A partir da cumprir as vriasetapasdapesquisabibliogrficapropriamentedita,comoaidentificaodotemae assuntos;seleodefontes(bibliografiasespecializadas,ndicescomresumo,portais, resumos de teses e dissertaes, catlogos de bibliotecas e de editoras); localizao e obteno do material, leitura e transcrio dos dados. Portanto, a reviso da literatura crucial para o aprofundamento das abordagens ento elaboradas sobre o objeto de estudo, do que est sendo pesquisado na atualidade, das relaes 15 entreosdiferentesenfoquesdadosaotema,enfimpossibilitaaverificaodasprincipais assertivas, rasuras e dos possveis entraves tericos.Osprocedimentosanalticosescolhidos,qualitativo,dialticoedialgico,conforme Epstein(2005,p.24-25),sorecursosquedevemserdeterminadosdeacordocoma capacidadederesoluodosquestionamentospropostoseestoinseridosemdiferentes orientaes epistemolgicas. Essas orientaes diferenciam os procedimentos de pesquisa no que concerne ao agenciamento do poder a ser exercido pelo pesquisador. Este pode pretender serneutroemrelaoaoconhecimentoobtido,[]outerpropsitosdeemancipao (EPSTEIN, 2005, p. 25). Afirma ainda: Os procedimentos analticos estruturam a transformao de um discurso em outro. O discurso primeiro, geralmente o mais imediato, derivado e expresso emlinguagemdosensocomum,constitui,comovimosnaexpressode Bachelard,oprimeirodosobstculosepistemolgicos,porqueuma experinciasituadaanteseacimadacrtica,estaumelementoessencialdo esprito cientfico. Aorientaoepistemolgicadessapesquisa,ateoriacrtica,temobjetivosvoltados paraconscientizaoeemancipao.Noobstante,noexisteinteresseemsubstituiro primeirodiscursopelosegundo,masproporumaunidadedialticaentreambos,damesma forma entre o sujeito e o objeto. Rompendoaunidadedialticasujeito-objeto,avisodualistaimplicana negao ora da objetividade, submetendo-a aos poderes de uma conscincia queacriariaaseugosto,orananegaodarealidadedaconscincia, transformada,destaforma,emmeracpiadaobjetividade.Naprimeira hiptese,camosnoerrosubjetivistaoupsicologista,expressodeum idealismoantidialticopr-hageliano;nasegunda,nosfiliamosao objetivismo mecanicista, igualmente antidialtico.(FREIRE, 2002, p. 155) importanteobservartambmaimpossibilidadedeumasistematizaototalizadora de conhecimentos sobre um objeto investigado. Hoje,comousodomeioeletrnicoparapublicardocumentose disponibilizarinformaes,ofenmenodachamadaexploso documentriaouexplosodainformaoaumentouemtamanhoe complexidade,afetandoalunosepesquisadoresquesedeparamcomum volumecadavezmaiordetrabalhospublicadoseinformaessobresua especialidade. Entre os problemas que enfrentam, talvez um dos maiores seja selecionaraliteraturapertinenteentremilharesdepublicaesexistentes. (STUMPF, 2005, p. 52) Paratentardirimiraamplitudedoobjetoemquesto,apesquisaaconteceuemdois momentos fundamentais: uma primeira etapa de pr-pesquisa delimitou os conceitos centrais e suas relaes. Objetivando estabelecer um corpus, facilitar a identificao do tema e guiar o 16 levantamentodosdadosnasfontesbibliogrficasfoielaboradoumroldepalavras-chave/tpicosdiscursivos,geraiseespecficos,relacionadosaoassunto:teoriasda Comunicao,histriadacomunicao,liberdadedepensamento,liberdadedeexpresso, liberdadedeinformao,direitocomunicao,direitoscomunicao,democratizaoda comunicao, polticas de comunicao, diversidade cultural, direitos humanos, sociedade da informao, sociedade da comunicao, direito humano comunicao, nova ordem mundial da informao e comunicao. Na segunda etapa, a busca pelos referenciais bibliogrficos pertinentes, realizou-se um levantamentodelivros,dissertaes,teses,eartigoscientficos;queabordamdiretaou indiretamente o tema da comunicao e dos direitos humanos, alm de trabalhos apresentados em vrios eventos polticos e cientficos. Tambm foi selecionado e analisado um conjunto de documentos normativos (instrumentos de proteo dos direitos humanos) de mbito nacional (Estado Brasileiro), regional (Sistema Interamericano Organizao dos Estados Americanos - OEA) e global (Organizao das Naes Unidas - ONU). Segue abaixo a estrutura base de como e onde a pesquisa foi desenvolvida. A PESQUISA ENGLOBOU AS SEGUINTES FASES:Identificao do tema/problema/objeto de estudo Leitura prvia para um levantamento das premissas apresentadas Seleodasfontes(Bibliografiasespecializadas(comunicaoeDireitosHumanos), bibliografiastransversais(Histria,Filosofia,Sociologia,Economia,Poltica,Direito eEstudosCulturais)edocumentosnormativosdeDireitosHumanosdoEstado brasileiro;daOrganizaodasNaesUnidas(ONU),daOrganizaodosEstados Americanos (OEA)edaOrganizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura (UNESCO) Participao em eventos Coleta de dados Anlise Redao 17 ROTEIRO DA COLETA DE DADOS: Bibliotecas em Pernambuco Centro de Artes e Comunicao CAC- Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Central UFPE Centro de Filosofia e Cincias Humanas (CFCH) Universidade Catlica de Pernambuco (UNICAP) Bibliotecas consideradas referncia fora de Pernambuco:Metodista /SP (acesso on-line) Ctedra UNESCO/SP (acesso on-line) Universidade do Rio do Sinos (UNISINOS/RS) (acesso on-line) Universidade Federal da Bahia (UFBA )(visitada) Livrarias visitadas em Pernambuco: Siciliano Livraria Cultura Saraiva Imperatriz Sites de livros on-line www.amazon.com www.submarino.com.br Biblioteca virtual BibliotecaOnlinedoProgramadePsGraduaodaUniversidadeFederaldoRio Grande do Sul www.ppgcom.ufrgs.br Biblioteca Online de Cincias da Comunicao www.bocc.com.br BancodedadosdaAssociaoBrasileiradeTelevisoUniversitria www.abtu.org.br Portal Capes www.capes.org.br 18 Revistas Revista Latinoamericanade Cincias de la Comunicacin (ALAIC) Lua Nova, CEDEC, So Paulo, SP Papers de eventos 3EncontroNacionaldaAssociaoBrasileiradeCinciaPoltica(ABCP)-rea: Teoria PolticaPainel 2 Democracia e Justia Social II EPTIC Economia Poltica das Tecnologias da Informao e ComunicaoUniversidade Federal do Rio de JaneiroCentro Brasileiro de Estudos Latino-Americanos (CEBELA)SeminrioWACC/UNESCO/UMESPdeMdiaCidad-UniversidadeMetodistade So Paulo UMESP GRICIS(Grupederecherchesurlesindustriesculturellesetlinformatisation)dela Universidad de Quebec.) Associao Nacional dos Programas de Ps-Graduao em Comunicao - COMPS 2005 SociedadeBrasileiradeEstudosInterdisciplinaresdaComunicao-INTERCOM 2004 CD-ROM UNESCO Resolutions/Decisions (1946-2005) DireitosComunicao:ConceitosBsicosWACCWorldAssociationFor Chistian Communication 2004 Seminrio: Polticas de Comunicao: Estratgias para o Controle Social 2004 Participao em eventos Seminrio Cris-Brasil sobre o Direito Comunicao - 2005 Encontro Nacional de Direitos Humanos 2005 - Direito Humano Comunicao: Um Mundo, Muitas Vozes. Seminrio As Violaes de Direitos Humanos na Mdia Frum Social Brasileiro Seminrio TV Digital Frum Social Brasileiro VIII Intercom Nordeste/UFAL 2006 ALAIC2006VIIICongressoLatino-AmericanodeCinciasdaComunicao UNISINOS/RS 19 II ENECULT Encontro de Estudos multidisciplinares em cultura / UFBA Sites consultados www.mndh.org.br- Movimento Nacional de Direitos Humanos www.crisbrasil.org.br Articulao Nacional pelo Direito Comunicao http://www.itu.int/wsis/geneva/index-es.html www.intervozes.org.br Coletivo Brasil de Comunicao www.UNESCO.org.brOrganizao das Naes Unidas para a Educao, Cincia e Cultura http://www.cepal.org Comisin Econmica para Amrica Latina y el Caribe www.fndc.org.br Frum Nacional pela Democratizao da Comunicao http://www.compos.org.br/e-compos/-RevistadaAssociaoNacionaldos Programas de Ps-Graduao em Comunicao www.ciespal.net Centro Internacional de Estdios Superiores de Comunicacin para Amrica Latina www.intercom.org.br-SociedadeBrasileiradeEstudosInterdisciplinaresda Comunicaohttp://www.wacc.org.uk- World Association For Christian Communication www.infoamerica.org El Portal de La Comunicacin Ctedra UNESCO http://www.cecs.uminho.pt Centro de Estudos de Comunicao e Sociedade (CECS) http://lac.derechos.apc.org Monitor Polticas TIC y Derechos en Internet en Amrica Latina y El Caribe http://www.apc.org/ - La Asociacin para el Progreso de las Comunicaciones /Internet y TIC por el Desarrollo y la Justicia Social ) http://www.gddc.pt/direitos-humanos/textos-internacionais-dh/regionais.html- Gabinete de Documentao e Direito Comparado www.eptic.com.brEconomiaPolticadelsTecnologiasdelaInformacinydela Comunicacin 20 3. FUNDAMENTAO TERICA A fundamentao terica desta pesquisa se baseia em autores da comunicao social, bemcomodainterdisciplinaridadedestacomoutrasreasdeconhecimentodasCincias Sociais.Umaaproximaocompensadoresdodireitoedeoutrasdisciplinasque fundamentamosdireitoshumanos1condiopremente.Ofococentralsoasteoriasda comunicao,especialmenteateoriacrtica,sobreaindustrializaodaculturaedasmdias de massa, no perodo entre e ps-guerras mundiais; os Cultural Studies; e a economia poltica. BertoltBrechtesuateoriadordio(1927-1932),umaantecipaosreflexes realizadas sobre a democratizao da comunicao nas dcadas de 1970 e 1980 e aos debates desseinciodesculosobreosdireitoscomunicaonasociedadedainformao;as reflexesdeWalterBenjamimsobreareprodutibilidadedaobradearte,emcontrapontoa teoriadaindstriaculturaldeAdorno/Hokheimer;ateoriadeHabermassobreamudana estruturaldaesferapblica,umcenriodosdiscursosinflamadosdeJohnMilton(1644)e John Stuart Mill (1859) pelas liberdades de pensamento, expresso e de imprensa. AteoriadacomunicaodialgicadePauloFreire,suasconcepessobreutopia, viso dualista e dialtica das relaes sujeito-objeto, teoria e prtica, conscinncia e realidade, pensamentoeser;ateoriamarxistadosmeiosdecomunicaodeEnzensberger;adefesa terica e poltica de Jean Drcy sobre a comunicao ser um novo direito humano; a crtica dePhilippeBretonautopiadacomunicaomoderna;adisputadasdimenseshumanistae instrumentaldeDominiqueWolton;eapropostadosparadigmasemergentesdeBoaventura so imprescindveis para as diretrizes da utopia da comunicao apresentada, em contribuio ao processo de construo do conceito da comunicao como um direito humano. Opensamentocrticodaeconomiapolticadacomunicaosobreasociedadeda informao,aconcentraomiditica,odomniodosgrandesconglomeradosdasindstrias culturais,ocomrciodebenseserviosculturaisedeinformaosobastanteexplorados atravsdeDnisdeMoraes,VencioLima,CsarBolao,eRobertW.McChesney.Essas visestericasdialogamcomasdeZygmuntBauman,BoaventuradeSousaSantoseStuart Hall, no concernente aos conceitos de multiculturalismo e diversidade cultural. 1 Os direitos humanos no so ainda uma disciplina no campo das Cincias Sociais, muito emboraj exista um considervel arcabouo terico, em inmeros campos cientficos, como na filosofia, no direito, na sociologia, na cinciapoltica,afundament-los.Aquestotemumadimensointerdisciplinar,poisapresentaumasriede elementos que impossibilita o monoplio de uma s especialidade. (RAMREZ, Salvador Vergs. 1997, p. 11) 21 No campo dos direitos humanos, as reflexes de Fbio Konder ComparatoeDamio Trindade,analisandoaformaododiscursodosdireitoshumanosapartirdosprincipaiscontextoshistricosesociais,edeigualmaneiradeCeesHamelinksobreosdireitos comunicaoserviramdebaseparaaanlisedosdocumentosfundadores(CartaMagna Inglesa,DeclaraesdeDireitosInglesaeAmericana;asDeclaraesdeDireitose ConstituiesdaRevoluoFrancesa);edosnormativosglobais(DeclaraesdeDireitos Humanos-1948e1993;osPactosInternacionaisdeDireitosHumanos1966)eregionais (ConvenoAmericanadeDireitosHumanos-1969).NareadoDireito,paraanliseda ConstituioFederalde1988,estoastesesdeEdsonFariaseAluzioFerreira,esteltimo resgatandoosdebatescientficosepolticossobreacomunicao,ainformaoeas liberdades.Asreflexespolticasetericasdosproblemasdanovaordemmundialda informao e comunicao realizadas por Josep Gifreu e Desmond Fischer balizam a anlise das resolues da Unesco (1946 a 2005), em matria de comunicao. 4. OS CAPTULOS DA DISSERTAO A dissertao est construda a partir de temas considerados centrais, funcionando de forma interdependente teorias da comunicao, liberdades fundamentais e direitos humanos; odebateinternacionalsobreinformaoecomunicaonaUNESCO;ocontextoda globalizao econmica, social, cultural e poltica. H uma delimitao dos tempos histricos pertinentes,massemtentarconstruirumalinearidadeevolutiva,aocontrrio,oscaminhos percorridos demonstram a falcia do projeto de fim da histria e fim das ideologias. O Estado da Arte est dividido em trs momentos: o primeiro acompanha a presena e evoluodotemanouniversodasteoriasdaComunicaoenodiscursonormativodos direitoshumanos;osegundofazumresgatedaconstruodiscursivadaOrganizaodas NaesUnidasparaa Educao,Cincia e Cultura (UNESCO), por meio das resoluesem matriadecomunicaode1946a2005;eoterceiromomentoregistraoatualdebatee propeadefesadeumautopiadacomunicao.Oconjuntodoscaptulosapresentaessa trajetriadeconstruodoconceitodacomunicaocomodireitohumano,datodoseles receberem como ttulo o tema central da pesquisa, acompanhado dos subtemas. Oprimeirocaptulo,ConstruindooConceitodaComunicaocomoumDireito Humano - sem delimitar um incio, mas um dos possveis encontros, apresenta os alicerces 22 que iniciam a construo do dilogo da comunicao com o universo dos Direitos Humanos, levando em considerao a interdisciplinaridade da Comunicao Social com outras reas do conhecimento,comohistria(momentoshistricosdesseintercmbio),Filosofia(os contextosideolgicos),Sociologia(astransformaessociais),EconomiaPoltica(o desenvolvimentodocapitalismonoEstadodemocrtico),osEstudosCulturais(olocalda culturanesseprocesso),eoDireito(aafirmaoepositivaododiscursodosDireitos Humanos). Retoma e analisa os ancestrais tericos que deram incio a construo do conceito dacomunicaocomodireitohumano,comoaliberdadedeopinio,deexpressoe informao;aesferapblica,osmeiosdecomunicaodemassa,oacessoeaparticipao nesses espaos; a insero e o desenvolvimento do significado da comunicao nos discursos dosDireitosHumanos;eapontaalgumasdiretrizesdeumnovomodelotericoparaos estudos da comunicao. Osegundocaptulo,ConstruindooConceitodaComunicaocomoumDireito Humano - antes e depois da Nova Ordem Mundial da Informao e Comunicao(NOMIC), analisaasresoluesdaUNESCO,emmatriadecomunicao,dasdcadasde1940at 2000,perododeintensodebateinternacionalsobreosproblemasdainformaoe comunicao,bemcomodesurgimentoexplcitodoconceitodedireitocomunicaoe direitodecomunicar.Odestaqueficaporcontadasdcadasde1970e1980,segundo Mattelart(2002,p.110)aidadedeourodacrtica,odespertardaconscinciaplanetria sobreosproblemascomunicacionaisesuaestreitarelaocomaeconomia,apolticaea cultura.nessemomentoquepelaprimeiravezsolevantadas,explicitamente,as desigualdades de acesso e participao nos processos da comunicao no mundo, como sendo uma questo de direitos humanos. Aqui h o resgate das teses da UNESCO, todo o processo de discusso sobre aNova Ordem Mundial da Informao e Comunicao, especialmente as teorias do francsJean DArcy; e as reflexes, observaes, objees, concluses e propostas do Relatrio Um Mundo, Muitas Vozes, alm de analisar suas possveis atualidades.Noterceiroeltimocaptulo,ConstruindooConceitodaComunicaocomoum DireitoHumano-paraondeosdebatesapontam,acompanha-seasdiscussesacercada nomenclaturadoconceito;daspossibilidadesdesuaefetivaonosdiferentescontextosda globalizao(asindstriasculturais,ocapitalismoneoliberal,aconcentraodasmdiasem conglomerados, os conceitos emancipatrios do multiculturalismo e da diversidade cultural); edesenha-seumapropostainicialparaumautopiadacomunicao:odireitohumano comunicao. 23 Pode-se, ento, ser iniciado o desvelamento de mais um pretenso discurso cientfico, e poltico,queestconscientedadimensoecomplexidadedefatoresqueocerca,dos problemasqueincidem,entrecruzamesosuscitados.Nofoiperdidodevistaqueseu aprofundamento demanda uma teia quase infinita de anlises (histricas, polticas, filosficas, econmicas,culturaiseideolgicas),comdimensesdiversas.Mas,esteapenasumdos possveisdiscursossobreaconstruodoconceitodacomunicaocomoDireitoHumano. Felizmente existem muitos outros. E o que dizer da sua ordem? Gostariademeinsinuarsub-repticiamenteno discursoquedevo pronunciar hoje,enosquedevereipronunciaraqui,talvezduranteanos.Aoinvsde tomar a palavra, gostaria de ser envolvido por ela e levado bem alm de todo comeopossvel.Gostariadeperceberquenomomentodefalarumavoz semnomemeprecediahmuitotempo:bastaria,ento,queeuencadeasse, prosseguisseafrase,mealojasse,semserpercebido,emseusinterstcios, comoseelamehouvessedadoumsinal,mantendo-se,poruminstante, suspensa.Nohaveria,portanto,comeo;eemvezdeseraqueledequem parteodiscurso,euseria,antes,aoacasodeseudesenrolar,umaestrita lacuna, o ponto de seu desaparecimento possvel. (FOUCAUT, 2006, p.5-6) 24 CAPTULO I CONSTRUINDO O CONCEITO DA COMUNICAO COMO UM DIREITO HUMANO - SEM DELIMITAR UM INCIO, MAS UM DOS POSSVEIS ENCONTROS Se consideramque isso utpico, eu lhes peo que reflitam sobre o porqu de ser utpico.Teoria do Rdio 1927- 1932. (BRECHT, 2005, p. 42) 25 1. A COMUNICAO Apalavracomunicaopodelevaracaminhosinfinitosdesignificados.Elaalcana uma multiplicidade de sentidos. As tentativas de defin-la ocuparam diferentes dimenses no mundodosaber,hquemarrisquedizerquetudocomunicao.Nesseestudo,ointeresse est,precisamente,nascontribuiestericasquevmrefletindosobreacomunicaoentre aspessoaseseusmeios,nasuadimensointerpessoalecoletiva.Comunicaoestaque, atravsdousodapalavra,estruturadoradalinguagem,porsuavezconcretizadorado discurso, funcionou como um fio condutor para a afirmao da humanidade como um grupo de animais que sente, pensa, intercambia subjetividades, age e reage na relao com o outro e comanatureza,formandoumateiadepensamentoseacontecimentosconstrudaentre consensoseconflitos.Oseudesenvolvimento,daoralidadeainstrumentalizaotcnica, confunde-secomalutadahumanidadeparasobreviver,dominaranatureza,construir conhecimentoseporexpandir-se.Portanto,acomunicaoestintrinsecamenteligadas relaes de poder estabelecidas, gerando no poucas vezes a in-comunicao. Sem desconsiderar as objees ao determinismo histrico da evoluo da comunicao edesuainstrumentalizao,precisoreconhecertambmque,deformalinearemalguns aspectos e descontnua em outros, as condies comunicao contriburam com a afirmao da existncia humana, fazendo parte da sua vida material e imaterial.Talvez, inclusive, no seja pretenso afirmar que o ser humano, da forma que se reconhece hoje, no existiria sem a comunicao. Das micro relaes, no viver cotidiano da esfera privada; s macro relaes, no viversocial,cultural,polticoeeconmico,daesferapblica;oprocessodacomunicao atuoue,sobretudonosdiasatuais,atuacomoumadasbasesestruturadorasdassociedades. [...] a conscincia da necessidade de estabelecer relaes com os indivduos que o cercam o incio,paraohomem,datomadadeconscinciadequeviveemsociedade.(MARX, ENGELS, 2005, p.57). Da ser simplria a tentativa de pensar e transformar as sociedades sem considerar a forma como se comunicam internamente e entre si.

A linguagem to antiga quanto a conscincia a linguagem a conscincia real,prtica,queexistetambmparaosoutroshomenseque,assimexiste igualmenteparamim;ealinguagemsurgecomoaconscinciada incompletude,danecessidadedosintercmbioscomoutroshomens.Onde existeumarelao,elaexistepormim.Oanimalnoserelacionacom coisaalguma;simplesmentenoserelaciona.[...]Aconscincia, consequentemente, desde o incio um produto social, e o continuar sendo enquanto existirem homens. (MARX, ENGELS, 2005, p.56, grifo nosso) 26 Portanto, est a posta a condio mais bsica comunicao, a abertura ao outro, que encontrouressonncianosideaismodernos,masnosemcontradiesedisputas.O reconhecimento da relevncia dos modelos de comunicao e os diferentes tipos de interesses nos elementos que os compem aconteceram na arrancada das sociedades feudais para as pr-capitalistas,alcanandosuaconsolidaoaonascerdoprojetodemodernidadequefundiu seusalicercesnodesenvolvimentounvocodeumparadigmaepistemolgico,de transformaosocial,depoderedepoltica.Comoargumentodatroca,dointercmbio,da interaoecompreensoentreasculturas,comodeigualmaneira,comoobjetivode dominaoeexpansodasfronteirasterritoriais,comerciaisecientficas,houveo investimento macio na instrumentalizao tcnica que, por sua vez, impulsionou a alavanca daeconomiaindustrializada.NaanlisedeMarxeEngels,sobreodesenvolvimentoda divisodotrabalhonoprocessodeformaodassociedadesmodernascapitalistas, destacada a importncia dos meios de comunicao. O passo seguinte no desenvolvimento da diviso do trabalho foi a separao daproduoeocomrcio,aconstituiodeumaclasseespecialde comerciantes, uma separao que j era comum nas cidades antigas (com os judeus,entreoutros)equelogosurgiunascidadesdeformaorecente. Comissoestavadadaapossibilidadedeumaligaocomercialque ultrapassavaoscrculosmaisprximos,umapossibilidadecujarealizao dependiadosmeiosdecomunicaoexistentes(transporte,estradas, ferrovias,imprensa),doestadodaseguranapblicanoPas,condicionado pela situao poltica. (MARX, ENGELS. 2005,p. 86) Dominar o tempo e o espao passou a ser o maior desafio para o projeto moderno de conhecimento,sociabilidade,poderepoltica.Construirummodelodecomunicaoque potencializasseesseescopo,nadisputaporhegemonia,foicondiopremente.Dao nascimentodoparadigmamodernodecomunicaoviracompanhadodoseugrande paradoxo: A comunicao que deveria em princpio aproximar os homens serve na realidade pararevelartudoqueosafasta(WOLTON,2004,p.37),comotambmparacriar resistncias,muitasvezesviolentas,aosilenciamentodocontroverso.Oidealdeencontro comooutro(individualoucoletivo),atravsdainterao,confronta-secomoprojetode expansoedominao.Porsuavezanegaoseletivadapalavrafontedalutaporuma comunicao livre e diversa.Negar a palavra foi e continua sendo a forma mais comum e contundente de se negar, tambm, a comunicao. A palavra , at hoje, o principal signo criado pelo ser humano para socializar-se, para edificar culturas, promover desenvolvimento econmico, poltico e, 27 sobretudo,construirelegitimarideologias.Ousodapalavra,porvezes,maisimportante que o saber, pois o conhecimento silenciado est fadado morte. Como instrumento mximo dalinguageme,tendoapossibilidadedetrafegarportodososcamposdoconhecimento humano, a palavra logo foi identificada como uma relevante aliada nas correlaes e disputas de poder, seja para mant-lo, critic-lo, ou mesmo destitu-lo.Buscarentenderosignificadodapalavranavidasocialpassouaserumaformade conhecerassociedades,suasculturas,ideologiaseoprpriopoder.Comoumsigno construdosocialmente,apalavraumdosgrandespilaresdasagahumanaembuscade conhecer as verdades da existncia, do mundo, e das relaes entre os indivduos e o mundo. Quando Bakhtin (2004, p. 41) diz: Tantoverdade,queapalavrapenetraliteralmenteemtodasasrelaes entreindivduos,nasrelaesdecolaborao,nasdebaseideolgica,nos encontros fortuitos da vida cotidiana, nas relaes de carter poltico, etc. As palavras so tecidas a partir de uma multido de fios ideolgicos e servem de trama a todas as relaes sociais em todos os domnios. portanto claro, que apalavrasersempreoindicadormaissensveldetodasastransformaes sociais,mesmodaquelasqueapenasdespontam,queaindanotomaram forma,queaindanoabriramcaminhoparasistemasideolgicos estruturados e bem formados. Ele no s aponta a relevncia da palavra como construtora das relaes sociais, como deixa claro que a palavra tambm fruto dessas relaes, j que so tecidas a partir de uma multido de fios ideolgicos.E so justamente as relaes sociais, a forma como acontecem seatravsdaprxis,sdaaoousomentedareflexo,sepormeiododilogooudo monlogo2,seporcontatooucomunicaoumdosfatoresquedeterminamasdiferentes, desiguais,econtraditriasrealidadesecaminhostomadospelahumanidade.Ocaminhoda palavraenquantoprxis,quesefazdilogoepermiteainteraoentreosindivduose coletivos,orespeitoalteridadedosquefalam/escutamedosqueescutam/falam,oque chegacomunicao.ParaBakhtin,umasvoznadaterminaenadaresolve.Duasvozes soomnimodevida,omnimodeexistncia(BAKHTIN,2005,p.257).Eaindadestaca que: Dominarohomeminterior,vereentend-loimpossvelfazendodele objetodeanliseneutraindiferente,assimcomonosepodedomin-lo fundindo-secomele,penetrandoemseuntimo.Podemosfocaliz-loe podemos revel-lo somente atravs da comunicao com ele, por via 2 Monlogo aqui funciona como uma ao antidialgica, baseada na conquista, opresso, manipulao e desrespeito a alteridade. ausncia da dialtica nas relaes sociais. 28 dialgica.Representarohomeminterior[...]possvelrepresentandoa comunicao dele com um outro. Somente na comunicao, na interao do homem com o homem revela-se o homem no homem para outros ou para si mesmo. (2005, p. 256) ParaoeducadorPauloFreire(1987,p.83),averdadeiraeducaospossvel atravsdeumaverdadeiracomunicao.Eledesenvolveuumateoriadacomunicaocom base na prxis e no dilogo e explica que somente o dilogo, que implica um pensar crtico, capaz,tambm,deger-lo.Semele,nohcomunicaoesemestanohverdadeira educao. Para Freire, a palavra prxis, mas quando sacrificam a ao ela fica oca, quando sacrificam a reflexo ela se converte em puro ativismo. A prxis possibilita o dilogo, base da comunicao. Mas,sedizerapalavraverdadeira,quetrabalho,queprxis, transformar o mundo, dizer a palavra no privilgio de alguns homens, mas direitodetodososhomens.Precisamenteporisto,ningumpodedizera palavraverdadeirasozinho,oudize-laparaosoutros,numatode prescrio,comoqualroubaapalavraaosdemais.(FREIRE,1987, p.78, grifo do autor) Quando Paulo Freire afirma que a educao comunicao, dilogo, na medida em que no a transferncia de saber, mas um encontro de sujeitos interlocutores que buscam a significaodossignificados(FREIRE,2002,p.69),est,tambm,conceituandooatode comunicar.Todasuaobratemcomobaseacomunicaodialgica.Quandofaladeuma educaoparalibertaroserhumanodequalquersituaodeopressosocial,poltica, econmica,culturaleideolgicaestfalandodacomunicaocomoumprocessoentre sujeitos ativos, histricos, referendados na sua alteridade. Da mesma forma que Freire coloca aeducaoverdadeiracomocondioprementedehumanizaodehomensemulheres,na buscadatransformaodomundo,destacatambmcomocondicionanteumacomunicao verdadeira. [...]apropsitodoaspectohumanistaemquedeveestarinspiradoo trabalhodecomunicao[...]Aspectohumanistadecarterconcreto, rigorosamentecientfico,enoabstrato.Humanismoquenosenutrade visesdeumhomemideal,foradomundo;deumperfildehomem fabricadopelaimaginao,pormelhorintencionadoquesejaquemo imagine. Humanismo que no leve procura de concretizao de um modelo intemporal,umaespciedeidiaoudemito,aoqualohomemconcretose aliene.Humanismoque,notendoumavisocrticadohomemconcreto, pretendeumserparaele;eleque,tragicamente,estsendoumaformade quasenoser.Pelocontrrio,ohumanismoqueseimpemaotrabalhode comunicaoentre[]sujeitos,sebaseianacincia,enonadoxa,eno noeugostariaquefosseouemgestospuramentehumanitrios.Neste humanismocientfico(quenemporissodeixadeseramoroso)deveestar apoiada a ao comunicativa do agronnomo-educador. (FREIRE, 2002, p. 73 - 74) 29 Comunicarnoumprocessoemqueumsujeitoreificadorecebeindolentee passivamente os contedos que outro sujeito, que ativo, superior, detentor de verdade e do conhecimento, lhe d ou lhe impe. Comunicao interao cultural, dilogo, enquanto a extensomonlogo,invasocultural.Odiscursoextensionistaopressor,enquantooda comunicaodialgicalibertador.Anlogoeducaobancria,extensionista,oprojeto hegemnicodecomunicaodamodernidade,apresentaumatendnciaaoexercciode depositar, de transferir, de transmitir valores e conhecimentos. O emissor3 o que comunica; os receptores os que recebem o comunicado; o emissor o que sabe; os receptores, os que no sabem; o emissor o que pensa; os receptores, os pensados; o emissor o que diz a palavra; osreceptores,osqueaescutamdocilmente;oemissoroquedisciplina;osreceptores,os disciplinados; o emissor o que opta e prescreve sua opo; os receptores, os que seguem a prescrio;oemissoroqueatua;osreceptores,osquetmailusodequeatuam,na atuaodoemissor;oemissorescolheocontedoprogramtico;osreceptores,jamais ouvidos nesta escolha, se acomodam a ele; o emissor identifica a autoridade do saber com sua autoridadefuncional,queopeantagonicamenteliberdadedosreceptores;estesdevem adaptar-sesdeterminaesdaqueles;oemissor,finalmente,osujeitodoprocesso;os receptores, meros objetos. (FREIRE, 1987, p. 59) O conceito de comunicao para Paulo Freire radical (FREIRE, 1987, p. 25), pois a radicalizao sempre criadora pela criticidade que a alimenta [...], por isso libertadora. [...] porque,implicandooenraizamentoqueoshomensfazemnaopoquefizeramosengaja cadavezmaisnoesforodetransformaodarealidadeconcreta,objetiva.Averdadeira comunicaonoadmiteumasvoz,umssujeito,atransmisso,atransferncia,a distribuio, um discurso nico, mas sim a possibilidade de muitas vozes, alteridade cultural, independnciaeautonomiadossujeitos,inmerosdiscursos,enfim,estruturasradicalmente democrticas, participativas, dialgicas. Ao construir esse paradigmada comunicao, Freire vislumbratambmumoutromodelodevidasocial,derelaesentreosindivduoseas sociedades. compreendendo o ato de comunicar-se como um processo de dilogo entre dois sujeitosenoummonlogo,umcontatoentreumsujeitoativoeoutrocoisificado. entendendo que a palavra, estruturadora maior do dilogo, por sua vez alma da comunicao, no pode ser proibida, silenciada, seno proferida por todos os seres humanos. A negao da comunicao uma experincia de aprisionamento. O ser isolado morre, atrofia, deixa de 3 No texto original, no lugar das palavras emissor e receptores esto educador e educandos, respectivamente. 30 existirsocialmente.Ento,umadascondiesparasealcanarasvriasliberdadesseriao exerccio da comunicao dialgica.Nessaperspectiva,aoriginalidadedomodeloocidental,pormeiodesuas razesjudaico-cristsedosurgimentodosvaloresmodernosdoindivduo livre,estnofatodeeleterclaramenteatribudoimportnciaaoidealde emancipao individual e coletiva. Comunicar supe, de um lado, aderir aos valores fundamentais da liberdade e da igualdade dos indivduos e, do outro, a busca de uma ordem poltica democrtica. Esses dois significados tm por conseqnciaavalorizaodoconceitodecomunicaoemsuadimenso maisnormativa,aquelaqueevocaoidealdetrocas,decompreensoede partilhas mtuas. (WOLTON. 2004, p. 30). Poroutrolado,emergeadimensofuncionalquesupervalorizaasliberdades individuaisemdetrimentododilogo,apoiando-senalgicatecno-instrumentalde rentabilidade econmica e nas disputas de poder e poltica. 1.1 A Esfera Pblica: Liberdade de Pensamento, de Expresso e Informao A sada das relaes sociais da esfera privada para acontecerem tambm numa esfera pblicaestintrinsecamenteligadasnecessidadesampliadasdassociedadesnatransio paraoprojetomodernistaesedimentaodestecomoprogressolinearecontnuo.Embora, como argumenta Habermas (HABERMAS, 2003, p.15, a distino entre pblico e privado se remonteaGrciaClssica-nacidade-estadogregadesenvolvida,aesferadapolisque comumaoscidadoslivres(Koin)rigorosamenteseparadadaesferadooikos,que particularacadaindivduo(idia)-foinaascensodaeconomiacapitalistadoEstado Burgus, na Europa dos sculos XVII e XVIII, que aconteceram as principais mudanas entre essasduasesferas,nocampodasrepresentaessociais,culturais,interesseseconmicose poderpoltico.Estemomento,tendonacomunicaoumdosseusprincipaisvetores, difanotantonoreferenteslutaspelasliberdadeseigualdades,quantonaemergnciada concepofuncionalemercadolgicadacomunicao.Amudanadadimensoda comunicaocomoprocessodedilogoparadimensofuncional-tcnicaestintimamente ligadaastransformaesdaesferapblicaburguesa,quenasuaprpriaformaovivenciou contradies imensas. Comoquerqueseja,aesferapblicaburguesadesenvolvidaestligadaa umacomplicadaconstelaodepressupostossociais;elestodavezlogose modificam profundamente e, com a sua modificao, aflora a contradio da esfera pblica institucionalizada no Estado de Direito burgus: com ajuda de seu princpio, que, de acordo com a sua prpria idia, oposto a toda 31 dominao,erafundamentadaumaordempoltica,cujabasesocialno faziacomquedominaoorafossebemsuprflua.(HABERMAS,2003,p. 109) A liberdade e igualdade de dizer a palavra no estavam, na esfera privada e pblica, ao alcance de todas as pessoas. Conhecer os caminhos para desvelar o mundo era um privilgio daminoria.Deigualmaneira,osinstrumentoscriadosparaproporcionaremamediaoda troca de saberes, de idias, de informao, enfim de conhecimento, facilitando humanidade a cada dia estreitar as distncias do tempo e do espao, no foram socializados com todos os sujeitos.Asmulheres,osescravosemesmoosconsideradoshomenslivres,estesao discordaremdaordemestabelecida,tiveramdeenfrentaranegaodedizereteracesso palavra,sobretudonaesferapblicaliterriaedepoisnapoltica.Agrandemassade analfabetos e pobres da Europa moderna estavam excludos do pblico pensante. E mesmo os consideradoshomensletradoseproprietriostiveramqueenfrentaroinstitutodacensura, comonaInglaterradaprimeirametadedosculoXVII.OsLordeseComunsreunidosno parlamento,em1643,conceberamaordenaoinstauradorsdacensuraprviacontraos materiais impressos. [...]visandosuprimirosgrandesabusoseasfreqentesdesordensna impressodemuitosdocumentos,panfletoselivrosfalsos,forjados, escandalosos,sediciosos[...]EstportantodecididopelosLordeseComuns no Parlamento que nenhuma Ordenao ou Declarao de ambas ou alguma CasadoParlamentoserimpressaporalgumsemapermissodeumaou ambasasreferidasCasas;nenhumlivro,panfleto,estudo,nempartede qualquerlivro,panfleto,ouestudoserapartirdeagoraimpresso, encadernado, costurado ou posto venda por qualquer pessoa ou pessoas,a menos que o mesmo seja primeiramente aprovado ou licenciado pelas mos derepresentanteourepresentantesdeambasouumadasCasas [...](MILTON, 1999, p. 191-192) Em 1644, o puritano John Milton leu no parlamento Ingls, posteriormente publicou, o panfleto Areopagitca, um manifesto poltico contra a censura prvia e em defesa da liberdade depensamento,expressoedatolernciareligiosa.Miltonevocouapossibilidadede livremente se expor o controverso como sendo a ltima fronteira da liberdade civil; ressaltou aineficciadeproibiroslivrosconsideradossediciosospordesencorajarabuscapor conhecimentoecongelaraverdade;eacusouaprticadacensuracomosendoumaherana da Inquisio, algo inconcebvel numa Inglaterra protestante. Para ele, uma vida em liberdade prescindia de uma imprensa tambm livre. Se temosa inteno de regular a imprensa com o intuito, por essemeio, de corrigir costumes, ento devemos regulamentar todas as recreaes e 32 passatemposcomqueoshomenstantosedeleitam[...]aliberdadede imprimir ter de ficar novamentesujeita a uma comisso prelatcia de vinte membros,aprerrogativadopovoabolidae,oquepiorainda,aliberdade deaprenderdevergemerdenovo,agrilhoadapelosmesmosvelhosferros. [...] (MILTON, 1999, p. 105 141) Ficaevidenciadonoseudiscursoquealiberdadedeimprensaeraumaprerrogativa doshomenssbios,nodopovoignorante.Esseposicionamento,almdedemonstrara seletividade no acesso palavra escrita, tambm refora o valor da liberdade de pensamento e expressoindividual,princpioqueacompanhouaconstruodosdireitoscivisepolticos, em matria de comunicao, at a segunda metade do sculo passado. Porqueseestamoscertosdeterrazo,semqualquerranodeculpa;sens no condenamos nem nosso prprio ensino, por fraco e frvolo; nem o povo, como malta ignara e mpia, o que haver, ento, de mais legtimo do que um homem judicioso e letrado, e de conscincia, alm do mais, to boa quanto a dos que nos ensinaram o que sabemos, divulgar sua opinio, no de casa em casa,oquemaisperigoso,masabertamente,escrevendoedivulgandoao mundo qual a sua opinio, quais so os seus argumentos e quais os motivos aindicarqueoqueseensinahojenopodeserfundamentado?[...]Onde grande o desejo de aprender, tambm grande a necessidade de discutir, de escrever,deteropinio.Porqueaopinio,entrehomensdevalor, conhecimentoemformao.[...]Da-mealiberdadeparasaber,parafalare paradiscutirlivremente,deacordocomaconscincia,acimadetodasas liberdades. (MILTON, 1999, p. 149-159-169 ) Miltonantecipouoquecomeaasergarantidoapartirdapromulgaoda DeclaraodeDireitosInglesa(BillofRights),em1689;daDeclaraodeIndependnciae deDireitosAmaricana,em1776;edaDeclaraodeDireitosdoHomemedoCidado Francesa,em1789;-osargumentospolticosafavordeumadasprincipaisliberdades fundamentais do Estado de Direito Burgus: a liberdade de pensamento e expresso forjada na liberdade de imprensa, principal meio de comunicao das revolues liberais, na Europa do sculo XVIII. A afirmao da autonomia individual, de um indivduo emancipado dos grupos sociaisaosquaiserasubmetido,principalmenteaigreja,ganhoucontornosjurdicos definitivos. A possibilidade da insero do debate poltico na imprensa transformou esta num instrumentofundamentaldonovofrumdopblico,oEstado.Eestenovoatordaesfera pblicainstitucionalizaoacessogeralamesma,atravsdaconstituiopoltica,massem haver mudanas na estrutura da sociedade civil burguesa.Os direitos consagrados na Declarao de 1789 e nas Constituies subseqentes, por exemplo,garantiram,naprtica,aliberdadedepensamentoeexpressodoproprietrio privado e pblico leitor francs. As crticas aos fundamentos liberais de liberdade e igualdade 33 tiveramemMarxseuprincipalgestor.Eledefendeu,justamente,queoEstadocapitalista liberaltornavaincompatveloexerccio,paraocidadonoproprietrio,dosdireitos liberdadeeigualdade.Paraissoacontecerserianecessrioumadesconstruodevalorese princpios,retirandoofocodoindivduoetransferindo-oaocoletivo,aoscidados.O pensamentodeMarxelaborouumaalternativaparaaesferapblicaliberal,combasena dialtica e socializao dos meios de produo. [...] medida que camadas no-burguesas penetram na esfera pblica poltica e se apossam de suas instituies, medida que participam da imprensa, dos partidosedoparlamento,aarmadapublicidade,forjadapelaburguesia, volta-se contra a prpria burguesia. (HABERMAS,2003,p. 152) Bases primordiais concepo da esfera pblica burguesa comearam a ser destrudas, e evidenciadas pela crtica socialista e tambm liberal, por questes internas de um processo arregimentadopelascontradiessociais, econmicas e polticas do capitalismomoderno.O princpio do acesso universal foi o primeiro a cair, levando consigo a central identificao de opinio pblica com razo. Um dos grandes crticos desse modelo, o liberal ingls Stuart Mill, argumentou, em 1859, ardorosamente, em favor da participao de todas as pessoas, de todos ospensamentos,nodebatepolticodaesferapblica.Oencontrocomocontroverso,s assim,permitiriasechegaraumaconcordnciadeinteressessocialmenteefetiva,oque faltava unidade da razo e da opinio pblica. Amenosqueasopiniesfavorveisdemocraciaearistocracia, propriedadeeigualdade,cooperaoecompetio,liberdadee disciplina,eatodososoutrosantagonismosconstantesdavidaprtica, sejamexpressascomigualliberdadeereforadasedefendidascomigual talentoeenergia,noexistenenhumaoportunidadedeambososelementos obterem a sua justia; um brao da balana certamente sobe e o outro desce. Averdade,nosgrandesassuntosprticosdavida,tantoumaquestode reconciliaoecombinaodeoposiesquemuitopoucospossuem mentalidadessuficientementecapazeseimparciaisdefazeroajustamento, comacessocorreo,peloquetemdeserfeitopelogrosseiroprocesso dumalutaentrecombatentesquepelejamsobbandeirashostis. (MILL,1976,p. 76) Apesardenoquestionaroconflitoestruturaldasociedade,aexemplodeMilton, StuartMillavanounaconcepodeliberdadedepensamentoeexpresso,quando redirecionouoconceitodeopinioindividual,paraapossibilidadedaconstruo,com liberdade de acesso imprensa das opinies divergentes, de uma opinio pblica efetiva. De igual maneira, mesmo defendendo a liberdade de pensamento e expresso como a liberdade 34 deimprensa,voltouareforarqueumdireitodoqualdependeobem-estarobjetivode todos os seres humanos. Hajaesperanadeterjpassadoaalturadesernecessriodefendera liberdade de imprensa como uma das medidas de segurana num governo de tiraniaecorrupo.[...]Quandoseencontrampessoasqueformamuma exceoaparenteunanimidadedomundosobrequalquerassunto,mesmo seomundoestivarnarazo,sempreprovvelqueosdissidentestenham alguma coisa que merea a pena escutar e que a verdade perca algo pelo seu silncio. [...] Reconhecemos agora a necessidade para o bem-estar mental da humanidade(dequeoseuoutrobem-estardepende)daliberdadede expresso de opinio, [...]. (MILL, 1976, p. 9 - 77) No entanto, segundo Habermas, o ideal de uma esfera pblica ampliada, formada por umasociedadecrticaepoltica,aconteceucomoadventodosmeiosmassivosde comunicao, mas deixou de ser esfera pblica. A esfera pblica burguesa se rege e cai com oprincpiodoacessoatodos(HABERMAS,2003,p.105).Aimprensavirouempresa comercializadoradosprodutoseserviosdeinformaoedebensculturais;oespaodo jornal vendia notcias e mercadorias; e o pensador de cultura se transformou em consumidor de cultura; enfim, o Estado garantia as liberdades e a sociedade as comercializava, enterrando o debate poltico e os ltimos resqucios de uma esfera pblica burguesa ou mesmo socialista.Estas so uma das complexas engenharias do projeto de comunicao da era moderna, o exerccio pleno do dilogo; a garantia unilateral da liberdade e igualdade; e o mero uso, para finseconmicosepolticos,dacomunicaoatravsdodesenvolvimentotcnicodosseus instrumentos. A observao de Foucault (FOUCAULT, 1987, p.177), - visto, mas no v; objetodeumainformao,nuncasujeitoemumacomunicao-sobreafunodo panptico4,nassociedadesdemassa,representabemocarterextencionistada industrializao dos meios de comunicao. Para ele, o dispositivo de poder mantenedor dos paradigmasmodernoseraosegredo,avigilnciaeapunio.Umaobraanteriorquemarca umavisoapocalpticadosmeiosdecomunicaodemassa1984,deGeorgeOrwel, publicadaem1949,ondeaspessoassovigiadasporummodelodepanpticoeletrnico audiovisual. 4O Panptico de Bentham a figura arquitetural que organiza unidades espaciais onde pessoas trancafiadas em prises, hospitais, manicmios etc. no podem visualizar uma possvel vigilncia, enquanto quem vigia tem todos presos visveis. O sentimento de vigilncia constante seria um inibidor da violnciae tentativas de fuga. 35 1.2 A onipotncia das novas tecnologias de comunicao e informao Potencialmente, no perodo das duas grandes guerras mundiais e posteriormente a elas, os meios de comunicao de massa, atravs das novas tecnologias, comeam a ser estudados e otemadacomunicaoedosfluxosdeinformaoentramdefinitivamentenouniversodos saberescientficos.Sodesenvolvidasasprimeirasteoriasconsideradasfundadorasdo pensamentocomunicacional,derivadasdasmaisdiversasreasdoconhecimentohumano, comoaSociologia,Semitica,Matemtica,Filosofia,Antropologia,Psicologia,Histria, Cincia Poltica etc. Sem abandonar o seu princpio de multidisciplinaridade, a mais nova rea dosaberseconsolida,nasegundametadedosculoXX,comaconstruodeuma epistemologia prpria, e garante um espao permanente no campo das Cincias Sociais.A princpio, os centros de pesquisa fundam-se nos Pases ocidentais industrializados e desenvolvidos,comdestaqueparaosEstadosUnidos,Alemanha,FranaeInglaterra,para depoissurgiremsobosauspciosdenovosatoresdaAmricaLatina,fricaesia, principalmente no momento de ascenso dos estudos em Cultura. Mas, de qualquer forma, o pensamentosobreacomunicaoexistenteatacontemporaneidadeumaconstruo preponderantemente ocidental, com razes bem fincadas no paradigma moderno. Embora seja fato a existncia de um emaranhado de peculiaridades e fatores diversos (histricos,sociais,polticos,econmicos,culturaiseideolgicos),diferenciandoa formulao,osresultadoseaaplicabilidadedasvriasteoriasdacomunicao,umabase essencialdominouecontinuaaserhegemnicanosestudos:osmeiosdecomunicaode massa, o contedo de suas mensagens (a informao como a maior protagonista), e o impacto nas sociedades. A onipotncia das chamadas mdias obscureceu por muito tempo a prxis do processo original: a comunicao. Os primeiros a serem analisados foram o cinema e o rdio, nasdcadasde1930e1940;posteriormenteateleviso,nosanos1950;ovdeoeas tecnologias multimdias e em rede, a partir dos anos 1980. Asfissurasnarrativassurgiram,aexemplodeBertoldBrechtquandodesenvolveua sua teoria do rdio, entre 1927 e 1932. Apesar de estar pesquisando um meio de comunicao, observouqueagrandequestodaradiodifusonoera,emsi,afunodessenovoaparato tcnico,podendolevarinformaoeentretenimentoaoslaresdapoca,massimpensara fundosobreoobjetivodesuacriaoeaplicabilidade.Seriaordioumaparelhode distribuiooudecomunicao?ParaBrecht,umaparelhoqueseesgotaaotransmitir informaes, no podia ser considerado um meio de comunicao, pois esta prescindia de 36 algoalmdoacesso.Opbliconoapenastemqueserinstrudo,mastambmtemque instruir.[...]Eeupreferirianovendernadaavocs,masapenasfazer-lhesapropostade fazer da radiodifuso, em particular, um aparato de comunicao da vida pblica (BRECHT, 2005, p. 43-44-45).Apreocupaoaquiestmenosnoinstrumentotcnicoemaisnoprocesso, desencadeandoaformadesuautilizao,separadistribuiooucomunicao.Ao movimentodacomunicaoimprescindvelaparticipaodedoissujeitosativos, construindoedifundindojuntososcontedosquesefizeremdesejadosenecessrios.E complementa: Ordioseriaomaisfabulosomeiodecomunicaoimaginvelnavida pblica,umfantsticosistemadecanalizao.Isto,seriasenosomente fosse capaz de emitir, como tambm de receber; portanto, se conseguisse no apenassefazerescutarpeloouvinte,mastambmpr-seemcomunicao comele.Aradiodifusodeveria,consequentemente,afastar-sedosquea abastecemeconstruirosradiouvintescomoabastecedores.Portanto,todos osesforosdaradiodifusoemrealmenteconferir,aosassuntospblicos,o carter de coisa pblica so totalmente positivos.(BRECHT, 2005, p. 42) Odramaturgoalemojlevantavaumadasprincipaispremissasdasdiscussesque, nofinaldoltimomilnio,colocaramempautaumdiscursosobreacomunicaoea informaoultrapassandoouniversodomeroinstrumentalismotcnico,funcionalismo, difusionismo, da livre circulao da informao, dos estudos de recepo ou mesmo do eixo desenvolvimentista.Acomunicaotinhadeserpensadacomoumaquestodedireitos humanos,maisalmdosdireitosjafirmadoshistoricamenteepositivadosnosdocumentos internacionais.AvozdeBrechtperdeusonoridadecomosurgimentodasteoriascomoaMass CommunicationResearch,umacorrentedeanlisefuncionalquantitativaqueserviumesmo para responder aos administradores da mdia. A propaganda foi o principal objeto conceitual, identificadacomosendoumaformaeficaz,econmicaesemviolnciadeatrairasmassas. Seu mais clebre defensor foi Harold Lasswel, considerando o impacto desse novo dispositivo de organizao das massas, como algo positivo para a democracia de ento. Essavisoinstrumentalconsagraumarepresentaodaonipotnciada mdia,consideradaferramentadecirculaoeficazdossmbolos.A opinio comum que prevalece no ps-guerra a de que a derrota das foras alemsdeveu-seenormementeaotrabalhodepropagandadosAliados.A audinciavisadacomoalvoamorfoqueobedececegamenteaoesquema estmulo-resposta.Supe-sequeamdiaajasegundoomodelodaagulha hipodrmica, termo forjado por Lasswel para designar o efeito ou impacto 37 direitoeindiferenciadosobreosindivduosatomizados.(MATTELART; MATTELART, p. 37) Os traumas de duas grandes guerras, com a utilizao das descobertas cientficas como armas fatais, assombraram a humanidade e muitos dos cientistas de outrora. Nunca o projeto demodernidade,apoiadopelosavanostecnolgicos,foitoquestionado,comoapsos ataquesdeHiroshimaeNagazaki.Comeou,ento,umaescaladaterica,atribuindoaos veculosmassivosdecomunicaoaresponsabilidadededeterminaratrajetriada humanidade, na transio da barbrie moderna para o que hoje se conhece, mais comumente, comops-modernidade5.Oidealtecno-cientficodeNobertWiener,exemplodesseolhar, inaugurou o que Philippe Breton chama de a utopia6 da comunicao. Segundo Breton, so asteoriassalvacionistasquesurgemsobosefeitoscatastrficosdaguerra,dacorridado desenvolvimento das tecnologias de comunicao, e colocam a comunicao como o incio e o fim de todos os problemas da humanidade.NaanlisedeBreton(1992,p.24)sobreautopiadeWiener,estelanoumoda comunicaoedoqueconsideravaoseuprincipalelemento,ainformao,comooelo fundamentalentreahumanidade,aprisionadadentrodesi,eomundoexternorepresentado pelamquina.Atecnologiapermutaalivreinformaoeissocomunicao,ofenmeno central de uma sociedade sem entropias. As mquinas de comunicar resolvem, objetivamente, os problemas da vida social, sem lanar mo da poltica e da ideologia. Essa nova utopia no teminimigos,poisseuprincpiodefuncionamentooconsensoracional,promovidopelo progressotecnolgicodacomunicao.umasociedadedacomunicaoquepefima dialtica e a prxis humana. Uma sociedade de total harmonia e consenso. A garantia dessa realidade iria depender dos modelos de comunicao escolhidos, pois ummodelonoefetivadordacomunicaoverdadeiraaumentariaaentropia.Ocontrrio seria permitir que a informao circulasse livre de enfrentar qualquer obstculo. Da, a diviso conceitualentrecomunicaoeinformaoserumdosprincipaismarcostericosdessa vertente tcnica, desenvolvendo a teoria da informao [...] incompatvel com o embargo ou com a prtica do segredo, com as desigualdades de acesso informao e sua transformao emmercadoria.Oavanodaentropiadiretamenteproporcionalaorecuodoprogresso (MATTELART; MATTELART, 2005, p. 66). 5 Como no faz parte do escopo desse estudo discutir a melhor nomenclatura e conceitos a serem utilizados para designar o perodo que alguns chamam de segunda modernidade, modernidade tardia e ps-modernidade,optou-se por adotar o termo mais usual: ps-modernidade. 6 Breton utiliza o significado mais convencional da palavra utopia, do livro Utopia (1516), de Sir Thomas Moore. O que irrealista, fantasioso ou ilusrio, oferecendo uma descrio de um Estado ideal e imaginrio. De uma sociedade perfeita.(EDGAR;SEDGWICK, 2003, p. 356) 38 Opotencialemancipatrioindividual,vislumbradonadefesadasliberdadesde pensamentoeexpressocomoliberdadedeimprensa,alcanaoseupicenaconcepodo livreacessoinformao,agora,numaperspectivauniversal.Bretonchamaateno, especialmente,paraosefeitosperversosdessaconstruoterica,consideradaporele,cheia devigornostemposatuaisdasnovastecnologiasdeinformaoecomunicao(TIC),que prometeummundolivredapoltica,doEstadoregulador,dosconfrontosideolgicos, mediado por uma sociedade da informao e comunicao absolutamente livre. A negao da histria,atravsdodeterminismotecnolgico,umdosgrandesobstculosparauma compreenso mais complexa e menos simplista. Algumas das anlises que nos so propostas acusam, pois, a ausncia de um eloentreasociedadeanterior,dominadapelasideologiasdeexclusoe pelos combates polticos criminosos, e a sociedade que se perfila hoje, a dos mediaedastcnicasdecomunicao,aquelaquenosquerfazercrerno consensopoltico,nofimdaHistriaenamortedasideologias.[...]o pontodevistadeterministaquepretendequeastcnicasconduzem mudana social a partir do exterior, reduz a histria dessas mudanas a uma simpleshistriadastcnicas.Nofimdecontas,chega-seaumaexplicao limitada e simplificadora em que o nico actor verdadeiramente decisivo da mudanaoengenheiroeanicahistriaqueimportaadosobjetosque eleaperfeioa.Nodeespantar,portanto,quenonosinterroguemos muitoacercadahistriadassociedadespropriamenteditasequea modernidade nunca tenha passado. No igualmente de espantar que se fale dofuturoapenasemtermosdenovastecnologiaseno,porexemplo,em termos de projeto de mudana poltica. (BRETON, 1992, p. 98-99-100) As chamadas teorias crticas, a exemplo da indstria cultural, dos estudos culturais, da economia poltica, poderiam ser o contraponto a essa viso do domnio da comunicao pela tcnica.Noqueoschamadosnovosmarxistasdesconsiderassemamdia,nasuadimenso instrumental,oucompreendessemosproblemasdassociedadesdesvinculadosda comunicaoeinformao.Omtododeanlisesofremudanas,saindodeumaadvocacia aparentementeneutra,voltadaareproduziroestadodecoisasexistentes,parauma fiscalizao interrogativa. A evidncia da livre circulao das informaes, atravs do macio avano tecnolgico, garantindo a emancipao das sociedades, no parecia certa. Os meios de comunicaopassamaseranalisados,acimadetudo,comodispositivosdepodere dominao.Osmonoplioseoligopliosdainformao,comoasagnciasdenotcias, afirmam-secomoestruturasverticaisefechadas.Emsimesmasantidialgicas,bancriase extensionistasobstaculizamacomunicaohorizontal,bidirecional,circular,dialgica.Um dos principais argumentos era o fato da histria social dos meios de comunicao demonstrar que o impedimento para a efetivao da comunicao nunca foi tcnico, mas poltico- 39 ideolgico, scio-econmico e cultural. A tecnologia e seu avano, por si s, no determina a participao de todos e todas na comunicao. Aevoluodeumsimplesmeiodedistribuioparaummeiode comunicaonoummeroproblematcnico.Elaevitada conscientemente,porboasoumsrazespolticas.Adiferenciaotcnica entreemissorereceptorreflete-senadivisodetrabalhoentreprodutorese consumidoresdasociedade;essemecanismoadquireintensocontorno poltico na indstria da conscincia. Em ltima anlise, essa evoluo reside nacontradiobsicaentreclassesdominantesedominadas(deumlado,o capitalmonopolistaouaburocraciamonopolistae,deoutro,asmassas dependentes). (ENZENSBERGER, 2003, p. 17). Portanto,seriafundamentalaprofundarodebatecientficoepolticosobrearelao dosmodelosdedesenvolvimentodacomunicaoempreendidosnamodernidadeeas possibilidades emancipatrias e/ou repressoras para a humanidade. A massificao da cultura atravs da reprodutibilidade da obra de arte e a industrializao dos meios de expresso, que passaramatambmfuncionarcomoinstrumentosdeentretenimentoepropaganda,almde informar, foram um dos campos de estudos.Omercadoglobal,tornandoasmdiasseuprincipalmantenedor,comeouaser desenhadocomoumanecessidadedetransformaoempreendidosartes,culturae,por conseguinte,comunicao,pelapossibilidadedareproduodaobraedisseminaos massas.Umdosprimeirosaanalisarospossveispotenciaisdessatransformaofoio filsofoalemoWalterBejamim.Eleanalisouosefeitosdessenovoparadigmaartstico-cultural, procurando compreender e sistematizar as mudanas acarretadas pelas novas formas originaisdearte,apartirdesuareprodutividadetcnica.Taistransformaeseramquase inevitveis e no, necessariamente, trariam resultados negativos. Seu interesse estava mais na identificaodosaspectospositivosdetaismudanas.Astensesentretradioeinovao, entre a grande arte e as culturas do povo. Multiplicandoascpias,elastransformamoeventoproduzidoapenasuma vez num fenmeno de massas. Permitindo ao objeto reproduzido oferecer-se visoeaudioemquaisquercircunstncias,conferem-lheatualidade permanente.Essesdoisprocessosconduzemaumabaloconsidervelda realidadetransmitidaaumabalodatradio,queseconstituina contrapartidadacriseporquepassaahumanidadeeasuarenovaoatual. Esto em estreita correlao com os movimentos de massa hoje produzidos. Seuagentemaiseficazocinema.Mesmoconsideradosobformamais positivaeatprecisamentesobessaformanosepodeapreendera significaosocialdocinema,casosejanegligenciadooseuaspecto destrutivo e catrtico: a liquidao do elemento tradicional dentro da herana cultural. (BENJAMIM, 1980, p.8) 40 A industrializao da arte estava possibilitando s massas o acesso aos bens culturais. A distncia empreendida pela tradio estava sendo percorrida rapidamente e substituda por uma interao rpida, de efeitos efmeros, mas contundente na concretizao do seu objetivo, queseriatosomentedivertir.AgrandequestocriticadaporBenjamimera,justamente,o fatodemuitoscrticosreduziremsuasanlisesrelaodepoderounoconciliarartee diverso.Eoquenosepercebiaeraamudana,apenas,nomodelodediverso,quando ento ampliava e admitia a presena de novos atores. O importante seria perceber a riqueza social e cultural decorrente desse cmbio do indivduo pelo coletivo. V-sebemquereencontramos,nofimdascontas,avelharecriminao:as massasprocuramadiverso,masaarteexigeaconcentrao.Trata-sede um lugar comum; resta perguntar se ele oferece uma boa perspectiva para se entender o cinema. Necessrio, assim, esmiuar o assunto. A fim de traduzir aoposioentrediversoeconcentrao,poder-se-iadizeristo:aqueleque seconcentradiantedeumaobradearte,mergulhadentrodela,penetra-a comoaquelepintorchinscujalendanarrahaver-seperdidodentroda paisagem que acabara de pintar. Pelo contrrio, no caso da diverso, a obra de arte que penetra na massa. Nada de mais significativo com relao a isso doqueumedifcio.Emtodosostempos,aarquiteturanosapresentou modelos de obra de arte que s so acolhidos pela diverso coletiva. As leis de tal acolhida so das mais ricas em ensinamentos. (BENJAMIM, 1980, p. 26) Onzeanosdepois,em1947,divergindodiretamentecomBenjamim,Adornoe Horkheimerconstruiramatesedaindstriaculturalforjadanosinteressesideolgicosdo capitalismo,comercializandoacomunicaoeacultura,comoferramentaparaestarse legitimando junto s massas. Embora distintas, as duas vises reconheceram que, para melhor oupior,asestruturasjamaisseriamasmesmaseosolharesnopoderiammaispermanecer condicionadosacompreensodacomunicao,da arteedaculturacomodeoutrora.Epara Adorno e Horkheimer as conseqncias dessa transformao mostravam-se desastrosas para a humanidade. J de incio, eles eliminaram qualquer possibilidade emancipatria na afirmativa de que O cinema e o rdio no precisam mais se apresentarem como arte. A verdade de que nopassamdeumnegcio,elesautilizamcomoumaideologiadestinadaalegitimarolixo que propositadamente produzem. (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p.114) NoprecisariamaisfalseararealidadedograndenegciocapitalistadosculoXX, tendo nos meios cinema e rdio seus melhores representantes. O funcionamento harmnico de todas as peas dispensava argumentos contrrios ao fato do cinema, por exemplo, no passar deumgrandeempreendimentocomercial.Aengrenagemtambmeraestruturadapara transformar os espectadores em meros consumidores, o ponto nevrlgico da crtica de Adorno 41 eHorkheimer.Apassividadeconsumistadopblicoapenasabsorviaosprodutosculturais, sem crtica, sem objees. A indstria cultural ditava as regras de comportamento, os gostos, asverdadesementiras,construanovosmodelosdetica,comvaloreseideaisdevidabem adaptadosamaquinariacapitalista.Nohaviamaisanecessidadedepensar,tudojestava prontoeacabado,srestandosmassasseapropriardosprodutos.Osefeitosnotinham comoser,denenhumaforma,positivos,poisaquestonoestavanaampliaodoacesso, masnaqualidadedoscontedos.Aindstriaculturalseriaaminanoperecveldo capitalismo. Essaaparelhageminfladadoprazernotornaavidamaishumanaparaos homens. A idia de esgotar as possibilidades tcnicas dadas, a idia da plena utilizaodecapacidadesvistadoconsumoesttico,prpriadosistema econmicoquerecusaautilizaodecapacidadesquandosetratada eliminao da fome. (ADORNO, HORKHEIMER, 1985, p.130) Opotencialrevolucionriodaindustrializaodacomunicaoedaculturaestaria, portanto, na forma ou no contedo? Ou nos dois? Enzensberger termina por unir na sua teoria, sobreosmeiosdecomunicaoeoquedenominatambmdeindstriadaconscincia,a forma e o contedo como potenciais emancipatrios e repressores, dependendo dos interesses aquedeveriaservir.Suaanliseno,nemdeperto,totalizadora.Eledefendeopoder revolucionriodosmeiosdecomunicao,mesmoinseridosemumarealidadedeindstria, comvistasapenasaopoderatravsdoacmulodecapital.Nodeixadereconhecerqueas mdiaseletrnicasalavancaramaindstriadaconscincia,quandotornou-seomarca-passo do desenvolvimento socioeconmico das sociedades industriais tardias (ENZENSBERGER, 2003, p.11). A invaso, por esta indstria, de todos os outros setores da produo, assumindo cadavezmaisfunesdecomandoedecontrole,determinouopadrodatecnologia dominante.Essepadro,chamadoapartirdofinaldosanos1970deIndstriasCulturais, consolidouainformao,oconhecimentoeosbensculturaiscomofontesdepodere, principalmente, de capital.Noentanto,oprocessodeacelerao,empreendidopelocapitalismoainda monopolista,dasindstriasculturais,terminouporgerarsuasprpriascontradiese,ao mesmotempo,eledeveret-la.Squedependendodascondiesprodutivasdeum determinado momento o problema insolvel; discrepncias cada vez maiores so geradas de forma acelerada e so explosivas em potencial [...] (ENZENSBERGER, 2003, p.12). Seriam essasfissuras,atravsdousodasmdiaspararepresso,quedeveriamserocupadasporum outro modelo de comunicao, o uso das mdias para emancipao. 42 Uso das mdias para repressoUso das mdias para emancipao7 Programa de controle centralizadoProgramas descentralizados Uma emissora, vrios receptoresTodo receptor: um emissor potencial Imobilizao de indivduos isoladosMobilizao das massas Abdicao passiva do consumoInterao dos participantes, feedback Processo de despolitizaoProcesso de aprendizagem poltica Produo por agentes especializadosProduo coletiva Gerenciamentoporproprietriosou burocratasAuto-organizao Paracompreendermelhortodoesseprocesso-odesenvolvimentodaindstria cultural, at antes das novas tecnologias digitais, e das indstrias culturais, era das mdias em rede,ambastendocomofocoprincipalousodacomunicaoedaculturaparafins emancipatriose/ourepressores-tambmnecessrioidentificarasreaisnecessidadesde suasexistncias,ouapenasconstatarseususosequivocados.Ocapitalismoatualpoderiater seestruturadoexplorandonecessidadeserradasouatendidoareaisdemandas,masdeforma falseada.Aforadeatraoexercidapeloconsumoemmassa,porm,noresidena imposiodenecessidadesfalsas,masnafalsificaoeexploraode necessidades muito reais e legtimas, sem as quais o processo parasitrio da publicidadeseriainofensivo.[...]Issovaletambmparaaindstriada conscincia.Ofatodasmdiaseletrnicasseremirresistveisnosedevea umtruquerefinadoqualquer,masaforaimprescindveldenecessidades sociaisprofundas,quemesmonaatualorganizaocorrompidadessas mdias mantm sua evidncia (ENZENSBERGER, 2003, p.60). Pensarprofundamenteaculturacomoumfenmenosocialfoiamissodos pensadores dos Cultural Studies. Esses estudiosos, como Raymond Williams, Terry Eagleton, Frederic Jamenson,e Stuart Hall, ampliam a anlise metodolgica marxista para o universo dacultura.Asnovasinvestigaescientficasbuscaramcompreenderasrelaesentre cultura, comunicao, poltica, economia; a formao das identidades; os fluxos entre o centro e as periferias; as ligaes entre as culturas locais e a globalidade. O determinismo econmico dateoriaMarxistanomaisdavacontadeexplicarfenmenoscomoaviolnciadomstica contra as mulheres, o racismo norte-americano, a homofobia, a xenofobia, enfim uma srie de modificaes que levavam consigo um forte contedo cultural. 7 (ENZENSBERGER, 2003, p.67). 43 Outroposicionamentoinovador,nocasodosEstudosCulturaisLatinoAmericano, desconstruiu a tese do imperialismo cultural dos meios de comunicao de massa. A viso de uma cultura tradicional sendo destruda pela publicidade da coca-cola foi, aos poucos, sendo dissipadapelafiguracomplexa,resistenteeinovadoradosubalterno/perifrico.Por conseguinte,acultura,oumelhor,asculturaspassaramaserconsideradaselementos essenciais na luta por hegemonia e melhores condies de vida para todos os povos. Dopopularaomassivo:ameraenunciaodessepercursopoderesultar desconcertante.Opercurso,semduvida,indicaamudanadesentidoque hojenospermiteirdeumacompreensodosprocessossociaisbaseadana exterioridadeconspirativadadominaoaoutraqueospensaapartirda hegemonia pela qual se luta, na qual se constituem as classes e se transforma incessantementearelaodeforasesentidosquecompematramado social. Pensar a indstria cultural, a cultura de massa, a partir da hegemonia, implicaumaduplaruptura:comopositivismotecnologista,quereduza comunicaoaumproblemademeios,ecomoetnocentrismoculturalista, que assimila a cultura de massa ao problema da degradao da cultura. Essa duplarupturaressituaosproblemasnoespaodasrelaesentreprticas culturaisemovimentossociais,isto,noespaohistricodos deslocamentosdalegitimidadesocialqueconduzemdaimposioda submissobuscadoconsenso.(BARBERO,2003,p.137-138,grifodo autor) Asdcadasde1970e1980,representaramsignificativamenteasdisputaspor hegemonia.Comoavanodastecnologiasdigitaisdeinformaoecomunicao,os holofotespassaramadestacar,almdosmeioseseusefeitos,dequeformase retroalimentavam os modelos desiguais de comunicao e de desenvolvimento econmico. A pergunta no passou a ser somente: que meios existem e que qualidade de comunicao est sendofeita?Esim:queprejuzospodemacarretar,aindivduosecoletivos,anegaodo direitodesecomunicarnassociedadescomplexasdeummundoindustrializadoe competitivo?Ospaseschamadosperifricos-ps-coloniaisedeterceiromundo-comearama indagar sobre os possveis implicativos resultantes da relao entre a desigual distribuio dos bensmateriaiseadesigualdadenofluxodosbenssimblicosinformao,conhecimento, artes, valores, crenas, modos de vida. O que o empobrecimento de alguns povos tinha a ver comasuaimpossibilidadedesecomunicar?Eoqueessadificuldadeacarretavaaoseu desenvolvimentosocial,sedimentaodasuaidentidadeeaoreconhecimentodesua alteridade? Que relaes poderiam existir entre a cultura e a comunicao e estas que dilogo poderiam manter com os quadros econmicos, polticos e ideolgicos? 44 Apartirdestasriedequestionamentos,debatessotravadossobosauspciosdas NaesUnidaseduasnovasordensplanetriassoreivindicadas:umanovaordem econmica,eumanovaordemmundialdainformaoecomunicao.Otemada comunicao introduzido nos debates como uma questo de direitos humanos. Especialistas domundo,solicitadospelaOrganizaodasNaesUnidasparaaEducao,aCinciaea Cultura(UNESCO),oorganismodaONUresponsvelporconduzirosdebates,passama estudarumadefiniosobreodireitocomunicao,ouodireitodecomunicar,asduas expresses mais usadas poca.As pesquisas tinham como documento base o texto, considerado precursor, do francs JeanDArcy,entoDiretordosServiosVisuaisedeRdionoEscritriodeInformao Pblica da ONU. Ele propunha a criao de um novo direito humano, alegando que hoje em dia parece possvel um novo passo adiante: o direito do homem comunicao (UNESCO, 1983, p. 290-291). Nesse momento, o tema ficou envolvido apenas na discusso mais poltica, que propriamente cientfica. At o final dos anos de 1980, quando a UNESCO, passou a no maisusarnassuasResoluesGeraisostermosNovaOrdemEconmicaInternacional, NovaOrdemMundialdaInformaoeComunicao,edireitocomunicaooude comunicar, no se tinha uma construo consensuada sobre o conceito em si. A ONU e a UNESCO, com suas discusses sobre a liberdade de informao eolivrefluxodeinformaoquecontinhammuitosdosmesmos elementos,comoodireitodecomunicar-,logoseviramembaraadasem manobrasideolgicasepolticasconflitantes.Seriatilalgumamaneirade romperoimpasse.Odireitodecomunicarparecia,aosolhosdealguns,propiciarestaformulao.Paraoutros,porm,eraumacomplicao. [...]Muitasdaspessoasquejestavamengajadasnosestudosedebatesda ONUsobrealiberdadedeinformaoesobreolivrefluxodeinformao recearamqueaintroduodonovoconceitoconfundiriaeprocrastinaria suas deliberaes. (FISHER, 1982, p. 28) Foi um debate que, naquele momento, no resvalou para o campo dos estudos tericos daComunicao,nemdosdireitoshumanos,pelomenosnonostermosdefendidospor DArcy. Dentro dos estudos tericos da Comunicao, o campo das polticas de comunicao e da economia poltica so os que mais aportam sobre as questes levantadas pelos debates da UNESCO. A economia poltica da comunicao, por exemplo, comea a se preocupar com o andamentodaspolticasdecomunicaopblicasaseremefetivadasporumEstado-Nao cadadiamaisdebilitado,elongedoseupapeldepromotordademocracia.Oprojetode Estadomnimodoneoliberalismo,modelopolticoqueaprisionaaglobalizaonuma dimensoeconmica,aumentaofossoentreoprimeiroeterceiromundo.Aculturaea 45 comunicao assumem papis de protagonistas como atividades hipervalorizadas pelo capital dolivremercado,eoolhardospesquisadoressevoltaparaasindstriasculturais.Atotal ausncia de regulamentao, chamada por Mattelart (2002, p. 146-155) de capitalismo sem atritos, mundo sem leis e sem mediadores.Apassagemaoplural,indstriasculturais,noeracertamenteummeroefeito semntico,emboraumestudomaisaprofundadodolxicodesvelearazodeserdotermo. Almdasquestesmeramenteideolgicasededominaopoltica,diga-sedepassagem fundamentais, as pesquisas trazem um teor de anlise econmico e social, preocupado com o acmulo de capital, como fonte absoluta de poder. A crtica tambm do lucro. A dimenso econmicadaglobalizao,definitivamente,empregaalgicadomercadolivreaosbens culturais,aoconhecimentoeainformao.Tudosoprodutoseserviosgeradoresdeum capitalcadadiamaisimaterial.Conheceraengenhariadascomplexasindstriasdecultura, sabercomofuncionaoseuesquemadeproduoedistribuio,comosearticulam politicamente, e como atua o Estado nessa nova conjuntura passou a ser o ponto nevrlgico.[...]Noquesereferesanlisesmarxistasqueadotamessepontodevista, temsidocomumacrticasabordagensmaisantigasdosmeiosde comunicaodemassa,queosentendiamfundamentalmentedopontode vistadosprocessosdedominaopolticaedereproduoideolgica.A economia da comunicao e da cultura, na sua vertente crtica, ao contrrio, tem procurado indagar-se sobre as funes dos meios no prprio processo de acumulaodecapital,comoqueprioriza,oraaproblemticada publicidade,oraadosmeiosdecomunicaodemassacomolocus privilegiadodaacumulaodocapitalnoatualestgiodedesenvolvimento docapitalismo.[...]Noobstante,defendoanecessidadedeuma compreenso do fenmeno da Indstria Cultural que d conta, tanto de suas funesnoprocessodeacumulaodocapital,quantodasrelacionadas reproduo ideolgica do sistema (BOLAO, 2000, p. 17). Aconjunturapolticadoinciodosanosde1990,comaquedadomurodeBerlim, simbolizandoosepultamentodo socialismo real, impulsiona o discurso dos fins: dahistria, dasideologias,dasutopias,dasmacroteorias,dosuniversalismos.Apartirda,osgovernos neoliberais na defesa de um novo mediador, o mercado de bens e servios de uma economia cada vez mais globalizada atravs das novas tecnologias de informao e comunicao (TIC), intensificamoutrodiscurso:odasociedadedainformao,daintelignciaglobal,da interatividadeglobal,revoluoglobaldascomunicaes,convergnciatecnolgica,do tecnoglobal.OusodasTICtorna-seagrandepromessadeliberdade,acomunicaotudo para a sociedade da informao.NolugardaUNESCO,oporta-vozagoraaUnioInternacionalde Telecomunicaes,umorganismotcnicodasNaesUnidas,queorganizaaprimeiraea 46 segundafasedaCpulaMundialdaSociedadedaInformao(CMSI),em2003e2005.Na vozdeorganizaesno-governamentaisinternacionais,comoaAssociaoMundialde RadiodifusoComunitria(AMARC),otemadodireitocomunicao,nostermos defendidos por Jean DArcy, reivindicado como pauta imprescindvel Cpula, mas, ainda, no consegue ressonncia suficiente para ser inserido nos documentos finais.Opensamentotericosobreacomunicaolana-sesobreouniversodomais festejadoeaclamadomeio:ainternet.Asinvestigaesabordamastransformaes determinadasecondicionadaspelaredeinternacionaldecomputadores;suaspossibilidades para,finalmente,omundopodervivenciarumacomunicaolivre,semobstculosde nenhuma natureza; o fluxo livre de informao; os intercmbios culturais e o livre acesso ao conhecimento,comoumarealidadefinalmentetangvel;aressignificaodospapisde emissorereceptor;oestabelecimentodenovospadresdesocializaocultural,coma presena do multilingismo na rede; a criao de novos paradigmas de comunicao como o ciberespao e a cibercultura; enfim, infinitas dvidas, muitas profecias, e preocupaes com a funo,oscontedos,eprincipalmenteemgarantiroacesso.Emaisquestionamentos:tudo estar resolvido quando a internet chegar a todos os lares do mundo? A tecnologia,porsi, garantidora da emancipao? A utopia de Wiener ter-se- concretizado? Vivemos hoje numa sociedadedecomunicao?(BRETON,1992,p.117).Algumasvisessobreapresente realidade, que no so respostas as perguntas: A emergncia da internet a partir do final da dcada de 1980 e o surgimento daWorlWideWebem1994prolongaramaprecedenteevoluodaesfera pblica,introduzindoaomesmotempoelementosradicalmentenovos:a interconexo geral, a desintermediao e a comunicao de todos com todos. Eulevantoahiptesedequearevoluodociberespaovaireestruturar profundamenteaesferapblicamundial,oqueterprofundasrepercusses sobre a vida democrtica. (LVY, 2004, p. 369) Uma outra: Considero grave o fato de convivermos com uma abundncia de dados, sons eimagensqueseoriginam,namaiorpartedasvezes,defontesdeemisso controladasporsuperempresasquesemovimentampelaterrasemprestar contas a ningum, exceto a seus acionistas. Os globalfilos poderiam objetar quejamaisahumanidadesedeparoucomtantasinformaes,imagense sons. Mas quem comanda e centraliza a disseminao dos bens simblicos? Quemdefineoquevaiserproduzidoecomoeondevaiserdivulgado? (MORAES, 2004, p. 208) E por ltimo: Oentus