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A Geologia submarina do sul de Portugal Continental e o projecto de Extensão da Plataforma Continental jurídica Pedro Terrinha (1) e Nuno Lourenço (2,3) 1. Laboratório Nacional de Energia e Geologia 2. Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar 3. Universidade do Algarve

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A Geologia submarina do sul de Portugal Continental e o projecto de Extensão da Plataforma Continental jurídica Pedro Terrinha (1) e Nuno Lourenço (2,3)

1. Laboratório Nacional de Energia e Geologia 2. Estrutura de Missão para os Assuntos do Mar 3. Universidade do Algarve

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Portugal localiza-se a norte da fronteira de placas litosféricas Eurásia-África, região onde ocorre sismicidade geralmente moderada mas com ocorrência histórica e geológica de mega-sismos e tsunamis e instrumental de sismos com magnitude elevada (sismo de 1969 com magnitude M=7 com epicentro a cerca de 200 km a sudoeste de Sagres).O sismo de magnitude estimada M~8.4-8.9 (Baptista et al., 2003) e tsunami de 1 de Novembro de 1755, que destruiu a cidade de Lisboa, centros urbanos do Algarve, do sudoeste de Espanha e noroeste de Marrocos, foi sentido em regiões tão remotas como a Finlândia e o tsunami provocou danos na costa do Brasil, sul de Inglaterra e seiches nos lagos da Escócia. A sua fonte sismogénica, alvo de grande discussão na comunidade científica, foi certamente gerada na região que abrange o Golfo de Cádiz, a parte sul da margem sudoeste portuguesa e a montanha submarina de Gorringe. Diversas fontes sismogénicas foram propostas, das quais se salientam, os cavalgamentos dos bancos submarinos de Gorringe e Guadalquivir, a Falha Marquês de Pombal, a Falha de Ferradura ou a zona de subducção a oeste do Golfo de Cadiz (Zitellini et al., 1999, 2001; Gutscher et al., 2002; Gràcia et al., 2003; Terrinha et al., 2003; Baptista et al., 2003, Terrinha et al., 2009). O mapa de estruturas tectónicas activas para a área imersa (Fig. 1) foi elaborado com base na interpretação da topografia submarina (batimetria multifeixe) e perfis sísmicos de reflexão multicanal. A maior parte das estruturas encontra-se publicada em Sartori et al. (1994), Tortella et al. (1997), Gutscher et al. (2002), Gràcia et al. (2003), Terrinha et al. (2003, 2009), Zitellini et al. (1999, 2001, 2004), Duarte et al. (2009 e aceite para publicação), Rosas et al. (2009).

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A área mapeada excede largamente a plataforma continental algarvia, abarcando as zonas onde se concentram os enxames de epicentros instrumentais (Fig 2). O traçado das falhas resulta da interpretação da batimetria multifeixe SWIM, publicada por Zitellini et al. (2009) e da interpretação de perfis sísmicos de reflexão multicanal obtidos em diversas campanhas de investigação em geologia marinha (Iberian Atlantic Margin, Banda et al., 1995; Arco Rifano, Torelli et al., 1997; Big Sources for Earthquakes and Tsunamis, Zitellini et al., 2001; VOLTAIRE) e, ainda, por companhias petrolíferas, ESSO, CHALLENGER, CHEVRON, nas décadas de 1970 e 1980, na Bacia Algarvia. Estas campanhas realizaram ainda sondagens mecânicas profundas cujos resultados foram utilizados para identificação e cartografia de horizontes sismostratigráficos. As falhas que estão representadas no mapa de estruturas tectónicas activas (Fig. 1) foram classificadas com base nas evidências claras de deslocamento dos horizontes sismostratigráficos estabelecidos para o intervalo temporal Pliocénico-Presente ou que, na ausência destas evidências, apresentassem correspondência geométrica ou cinemática com “nuvens” de sismicidade (Fig. 2). O projecto NEAREST (Integrated observation from NEAR shore sourcES of Tsunamis: towards an early warning system; http://nearest.bo.ismar.cnr.it/ ) financiado pela União Europeia executou, pela primeira vez na região onde terá sido gerado o sismo de 1755 e onde ocorre a sismicidade mais

Fig. 1 - Mapa sintético das principais falhas activas actualmente identificadas na região do Algarve (zona emersa e imersa. Área imersa: vermelho, falhas activas no Holocénico; castanho, falhas activas cegas; azul, componente extensional mesozóica; castanho tracejado, falhas activas no Pliocénico ou inferidas. Área emersa: cheio, falhas reconhecidas no campo; tracejado, inferidas. Falhas da área emersa retiradas de Carrilho et al. (2004). As falhas numeradas aplicam-se à tabela 1.

Fig. 2 – Distribuição geográfica da Rede Sísmica NEAREST (triângulos a azul, LOBSTER; e a vermelho, GEOSTAR, OBS- Ocean Bottom Seismometres) e da Rede de Estações em Terra (triângulos verdes, com a * indicação das estações usadas neste trabalho) no Golfo de Cádis. Distribuição de epicentros de sismos instrumentais adquiridos pelas estações em terra, para o mesmo período de aquisição da Rede Sísmica NEAREST, numa distância de 75km da vizinhança das OBS (círculos vermelhos, dados de F. Carrilho (IM) e do Relatório Preliminar do Cruzeiro NEAREST, 2008).

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significativa do sul Portugal, sudoeste de Espanha e noroeste de Marrocos, a monitorização da sismicidade durante um ano, tendo ainda, experimentalmente, realizado a monitorização continua da pressão da água do mar na estação GEOSTAR, com o intuito de ensaiar os primeiros passos na instalação de uma estação de alarme de tsunami na costa algarvia (Figuras 3 e 4). A instalação dum sistema de alarme deste tipo poderá, obviamente associada à implementação da logística social (educação da população, organização de rede de socorros…) permitir a mitigação dos danos materiais e humanos resultantes dum grande sismo e tsunami.

Figura 3- A estação de monitorização multi-paramétrica GEOSTAR instalada a cerca de 3200m abaixo do nível do mar durante cerca de um ano (2008-09) através do projecto NEAREST (Integrated observation from NEAR shore sourcES of Tsunamis: towards an early warning system; http://nearest.bo.ismar.cnr.it/ ).

Figura 4- A bóia de inter-comunicação satélite – GEOSTAR do projecto NEAREST (Integrated observation from NEAR shore sourcES of Tsunamis: towards an early warning system; http://nearest.bo.ismar.cnr.it/ ). Tabela 1 – Cinemática, comprimento e magnitude do sismo máximo para as falhas representadas na figura 1.

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Em 1997, Portugal retificou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM). Como outros Estados Costeiros, pela aplicação do Artigo 76º da referida convenção, Portugal pode verificar e estudar os critérios nele contidos por forma a alargar a sua Plataforma Continental. O texto contido no artigo 76º da CNUDM resultou de um longo processo de negociações com diferentes actores ligados às áreas científica, jurídica e politica. Em consequencia, a terminologia utilizada faz uso, nem sempre diferenciado entre definições geocientíficas e jurídicas. A plataforma continental, no quadro da convenção, é um conceito jurídico, definido como: A plataforma continental de um Estado costeiro compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em toda a extensão do prolongamento natural do seu território terrestre, até ao bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de 200 milhas marítimas das linhas de base a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância." (CNUDM, art. 76, par. 1). Ao contrário do que é frequentemente referenciado nos media, este conceito nada tem a ver com a ZEE – Zona Económica Exclusiva, que se refere aos direitos de soberania para exploração, conservação e gestão dos recursos naturais vivos e não-vivos na coluna de água e espaço aéreo sobrejacente (CNUDM art. 56). No essencial, os processos de extensão da plataforma continental tratam da delimitação da plataforma continental (como conceito jurídico) para lá do limite das 200 MN, permitindo aos estados costeiros, direitos exclusivos de soberania para a exploração e aproveitamento dos recursos naturais no leito e subsolo marinhos das suas plataformas (CNUDM, art. 77). No artigo 76º são igualmente estabelecidos os critérios que permitem a delimitação do bordo da plataforma continental. Na sua leitura mais simples, este limite é estabelecido pelo cruzamento da melhor de duas fórmulas positivas (i.e. que permitem extensão) com a melhor de duas formas negativas que a impedem (Fig.5). Todo o processo de extensão está dependente da determinação da posição dos pontos do pé de talude, definidos como os pontos de máxima variação do gradiente, segundo o máximo gradiente, na base do talude continental. Uma das fórmulas positivas – a regra de Hedberg – pressupõe a identificação da linha que une os pontos que distam 60

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milhas dos pontos do pé de talude; a outra fórmula positiva – a regra de Gardiner – estabelece uma relação entre a espessura da cobertura sedimentar e a distância ao ponto do pé de talude mais próximo de cada ponto considerado. Cada ponto é elegivel para o limite exterior se a espessura da cobertura sedimentar na sua vertical corresponder a pelo menos 1% da distância ao ponto do pé de talude mais próximo. As fórmulas negativas compreendem a linha que dista 350 MN das linhas de base recta ou a linha que dista 100 MN da isobatimétrica dos 2500 m. Da intersecção do caso mais favorável da aplicação das regras positivas com o caso mais favorável da aplicação das regras negativas, resulta o limite exterior da plataforma continental. Para lá desse limite o leito e subsolo marinhos são designados com o a AREA e a sua exploração económica é geridas pela International Seabed Authority (Autoridade Internacional dos Fundos Marinhos). A coluna de água sobrejacente é classificada como high Seas nos termos da CNUDM.

Figura 5. – Bloco diagrama onde são apresentadas graficamente as fórmulas negativas e positivas que definem na sua intersecção o limite exterior da plataforma continental.

Da aplicação das fórmulas contidas no artigo 76º da CNUDM, resulta que os dados necessários a qualquer processo de extensão, permitem a descrição da forma e natureza dos leitos marinhos e da sua subsuperfície. As geociências têm um papel central nestes estudos já que as metodologias normalmente utilizadas para aqueles fins emanam das disciplinas da hidrografia, geologia e geofísica marinhas. Na tabela 2 são apresentados os métodos utilizados em função do fim específico no contexto da aplicação do artigo 76º.

Tabela 2 – Métodos geocientíficos utilizados em função de aspectos concretos de Aplicação do Artigo 76 da CNUDM.

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Artigo 76º da CNUDM Métodos Geocientíficos

Geomorfologia dos fundos (Regra Hedberg)

Batimetria Multifeixe

Localização do TOC Sísmica de refracção e MC Métodos de Campos potenciais

Definição e Análise dos processos de base do Talude

Sísmica de refracção e MC Batimetria Multifeixe Sísmica de alta resolução Observação directa – ROV “Corers”

Natureza e Composição dos fundos Petrologia e Geoquímica Observação directa -ROV

Espessura da cobertura sedimentar (Regra de Gardiner)

Sísmica de refracção e MC

Batimétrica dos 2500 m Batimetria multifeixe

Portugal tem presentemente o maior levantamernto batimétrico do mundo correspondente a 820 dias efectivos de navegação e à cartografia de mais de 1.8 milhões de quilómetros quadrados: Foram realizados mais de 5000 km de linhas sísmicas multicanal e de alta resolução e foram realizados mais de 100 metgulhos com o ROV LUSO para a recolha de amostras geológicas correspondendo a cerca de 150 dias efectivos de navegação. O limite exterior da plataforma continental, que resultou da avaliação destes dados é apresentado na figura 6 e corresponde a uma área total de cerca de 2.1 milhões de quilómetros quadrados. Os recursos vivos e não vivos dos fundos marinhos constituem-se cada vez mais como alternativa à exploração dos mesmos em Terra. Á medida que a escassez dos recursos aumenta nas áreas continentais, com correspondente aumento dos preços e que a tecnológia prospectiva e extractiva progride, a exploração dos recursos minerais metálicos e não metálicos, energéticos (nos quais se incluem os hidratos de metano) e genéticos nos grandes fundos marinhos torna-se cada vez mais exequível e rentável. Muitos desses recursos encontram-se nas plataformas continentais e nas suas zonas de extensão, tornando estas áreas de solo e subsolo um novo património para o estado costeiro. Os diferentes tipos de recursos minerais metálicos (ISA) e energéticos reconhecidos e descritos para Portugal encontram-se projectados no mapa da figura 7 onde se apresenta o limite exterior da plataforma continental Portuguesa. Com a extensão da plataforma continental, a inventariação dos recursos nomeadamente através da sua distribuição e abundância são imperativos uma vez que nenhum trabalho sistemático de inventariação de ocorrências e de avaliação de reservas foi ainda levado a cabo por Portugal. Com o Projecto de Extensão da Plataforma Continental, multiplicam-se os motivos para consolidar os dados já existentes e avaliar dos recursos naturais nela contidos.

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Figura 6. – Limite Exterior da Plataforma Continental de Portugal (linha a vermelho) e limites da ZEE de Portugal Continental e Arquipélagos dos Açores e da Madeira. A área a verde corresponde corresponde à plataforma continental estendida, compreendendo cerca de 2.1 milhões de quilómetros quadrados.

Figura 7. – Mapa com as ocorrências de recursos minerais reconhecidas no interior da plataforma continental portuguesa delimitada pela linha a amarelo. Limites da ZEE do continento e Arquipélagos da Madeira e Açores representados pelas linhas a preto. Fontes: recursos minerais metálicos (International Seabed Authority); Vulcões de lama e hidratos de metano (adaptado de Leon et al., 2006).

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Portais da Internet de Interesse: Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM) http://www.un.org/Depts/los/convention_agreements/convention_overview_convention.htm Comissão de Limites da Plataforma Continental http://www.un.org/Depts/los/clcs_new/clcs_home.htm International Seabed Authority http://www.isa.org.jm/en/home http://nearest.bo.ismar.cnr.it/ SADOGEOROB - Variações da linha de costa, neotectónica, e evolução do delta submarino do Sado durante o Quaternário: uma abordagem integrando a geologia e veículos robóticos submarinos” http://e-geo.ineti.pt/projectos/SADOGEOROB/ NEAREST - Integrated observations from NEAR shore sourcES of Tsunamis: towards an early warning system http://nearest.bo.ismar.cnr.it/