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ROBERTO HERING MEYER A OMC E AS LIMITAÇÕES DE POLÍTICAS FISCAIS INTERNAS DOS ESTADOS O CASO DO BRASIL Florianópolis 2010

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ROBERTO HERING MEYER

A OMC E AS LIMITAES DE POLTICAS FISCAIS INTERNAS DOS

ESTADOS O CASO DO BRASIL

Florianpolis

2010

UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CINCIAS JURDICAS

CURSO DE PS-GRADUAO EM DIREITO

PROGRAMA DE MESTRADO

ROBERTO HERING MEYER

A OMC E AS LIMITAES DE POLTICAS FISCAIS INTERNAS DOS

ESTADOS O CASO DO BRASIL

Florianpolis

2010

ROBERTO HERING MEYER

A OMC E AS LIMITAES DE POLTICAS FISCAIS INTERNAS DOS

ESTADOS O CASO DO BRASIL

Dissertao apresentada no Curso de Ps Graduao em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito para obteno do ttulo de Mestre em Direito.

Orientador: Professor Doutor Carlos Arajo Leonetti

Florianpolis

2010

ROBERTO HERING MEYER

A OMC E AS LIMITAES DE POLTICAS FISCAIS INTERNAS DOS

ESTADOS O CASO DO BRASIL

Esta dissertao foi julgada adequada para obteno do ttulo de Mestre em Direito

e aprovada em sua forma final pela coordenao do Curso de Ps-Graduao em

Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, na rea de Relaes

Internacionais.

Banca Examinadora:

________________________________________________________

Presidente: Professor Doutor Carlos Arajo Leonetti (UFSC)

________________________________________________________

Membro: Professor Doutor Ubaldo Cesar Balthazar (UFSC)

_________________________________________________________

Membro: Professora Doutora Caroline Proner (UNIBRASIL)

_________________________________________________________

Membro Suplente: Professor Doutor Humberto Pereira Vecchio (UFSC)

_________________________________________________________

Coordenador: Professor Doutor Antonio Carlos Wolkmer (UFSC)

Florianpolis (SC), maro de 2010.

AGRADECIMENTOS

A execuo do presente trabalho no seria possvel sem a participao de

todos aqueles citados abaixo. Agradeo de fundo do meu corao pelo amor, apoio

e pacincia de todos os que estiveram presentes nessa jornada.

Em primeiro lugar, agradeo aos meus pais por toda a educao e pelas

oportunidades de vida concedidas. Agradeo tambm a minha companheira Aila,

minha doce e amorosa incentivadora que me ajudou em todas as horas. Sem o

apoio familiar, nada disso teria sido possvel.

Em segundo lugar, agradeo aos meus amigos e companheiros, no mestrado,

na minha vida pessoal e na minha vida profissional. Todos fizeram parte e ajudaram

na concretizao deste desafio.

Em terceiro lugar, agradeo a oportunidade de realizao dos estudos

permitida pelo escritrio Martinelli. A realizao dos estudos em conjunto com os

desafios da vida profissional foi algo substancialmente difcil e penoso. Ainda assim,

meu crescimento pessoal e profissional est diretamente vinculado aos 8 anos

dessa parceria. A experincia em Genebra foi fundamental para que esse objetivo

se concretizasse.

Um agradecimento especial vai tambm para o meu orientador e colega

Leonetti. O desafio de conjugar a atividade acadmica e profissional foi sempre

respeitado e incentivado pelo professor, muito em funo de sua prpria experincia

de vida profissional. Agradeo ao suporte dado durante todo o Mestrado.

Agradeo tambm a todo o apoio do pessoal e professores da Universidade

Federal de Santa Catarina. A qualificao de seus professores e a excelncia no

ensino foi determinante para que esta oportunidade se concretizasse.

RESUMO

As recentes decises proferidas no mbito do Sistema de Soluo de Controvrsias

da OMC tm motivado a necessidade de avaliao especfica pelos Estados

Membros quando da elaborao de suas polticas fiscais internas. Alguns casos

relevantes vm sendo objeto de decises que impactam diretamente na soberania

fiscal interna como elemento de distoro de prticas comerciais internacionais. O

estudo aplicado dos casos na OMC demonstra que as clusulas da nao mais

favorecida (NMF) e do tratamento nacional (TN) tem cada vez mais suscitado

debates na formulao de polticas fiscais que, at ento, eram reflexo

intransponvel da soberania estatal de cada Estado. A questo ainda mais

evidente no caso do Acordo sobre Subsdios e Medidas Compensatrias, tendo em

vista a recente deciso proferida em matria tributria no Caso FSC. Outras normas

da OMC tambm possuem clara afetao tributria. A anlise dos casos e das

decises torna-se fundamental para que os Estados evitem questionamentos e

aplicao de decises contra suas polticas internas. No caso do Brasil, afora os

cada vez mais recorrentes questionamentos, preciso avaliar a possibilidade de

exposio de polticas estatais no mbito tributrio a questionamentos no mbito do

mecanismo de soluo de controvrsias. Os pases no dispem mais de uma

liberdade plena na configurao de polticas fiscais sem que observe a adequao

de tais polticas s normas da OMC.

PALAVRAS-CHAVES: OMC DIREITO TRIBUTRIO LIMITAO POLTICAS FISCAIS INTERNAS.

ABSTRACT

The recent decisions in the Dispute Settlement System of the WTO has been

motivating the assessment of specific necessity by the Members when elaborating

their internal fiscal policies. Some of the relevant disputes have being object of

decisions that generates direct impact in the internal fiscal sovereignty as element of

distortive international trade practices. The study of the WTO demonstrates that the

most favorite nation (MFN) and the national treatment (NT) clauses has been

generating debates in the formulation of fiscal policies which, until then, were

unbridgeable when dealing with internal sovereign of each Member. This situation

has been still more evident regarding the Subsidy and Countervailing Measures

Agreement (SCM), having in mind the evidence of the recent decision of the FSC

case. Other WTO rules also present clear tax relation. The analysis of the disputes

and its decisions is fundamental to the Members assess its policies in order to avoid

questions and disputes regarding its internal tax measures. In the case of Brazil,

besides the recent consults by the other Members, it is necessary to assess the

possibility of exposure of certain tax policies to future consults and disputes in the

Dispute Settlement System. The countries dont have a full sovereignty and freedom

to configure and define the fiscal policies without observing the relation of such

policies regarding the WTO rules.

KEYWORDS: WTO TAX LAW LIMITATION INTERNAL TAX POLICIES.

SIGLAS E ABREVIATURAS

AA - Acordo sobre Agricultura

Acordo OMC - Acordo que Institui a Organizao Mundial do Comrcio

Caso FSC - Caso United States Tax Treatment for Foreign Sales Corporation

CE - Comunidades Europias

Clusula NMF - Clusula da nao mais favorecida

Clusula TN - Clusula do tratamento nacional

COFINS - Contribuio para o Financiamento da Seguridade Social

DISC - Domestic International Sales Corporation

DSU Dispute Settlement Understanding

ESC - Entendimento Relativo s Normas e Procedimentos de Soluo sobre

Controvrsias

ETI - Extraterritorial Income Exclusion Regime

EUA - Estados Unidos da Amrica

FSC - Foreign Sales Corporation

GATS - Acordo Geral sobre o Comrcio de Servios

GATT 1947 - Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio 1947

GATT 1994 - Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio 1994

ICMS - Imposto sobre a Circulao de Mercadorias e Servios

IPI - Imposto sobre Produtos Industrializados

IVA - Imposto sobre Valor Agregado

JOBS - American Jobs Creation Act

MRPC Mecanismo de Reviso de Polticas Comerciais

MSC - Mecanismo de Soluo de Controvrsias

OMC - Organizao Mundial do Comrcio

OI Organizao internacional

OSC - rgo de Soluo de Controvrsias (da OMC)

PIB - Produto Interno Bruto

PIS - Contribuio para o Programa de Integrao Social

SCM - Acordo sobre Subsdios e Medidas Compensatrias

SPS - Acordo sobre Aplicao de Medidas Sanitrias e Fitossanitrias

TPRM - Mecanismo de Exame de Polticas Comerciais

TRIMs - Acordo sobre Medidas de Investimentos relacionadas ao Comrcio

TRIPs Acordo relativo aos Aspectos do Direito de Propriedade Intelectual

relacionados ao Comrcio

UNCTAD - Conferncia das Naes Unidas para o Comrcio e Desenvolvimento

VAT Value Added Tax (Imposto sobre Valor Agregado - IVA)

SUMRIO

INTRODUO .......................................................................................................... 12

CAPTULO 1:

A ORGANIZAO MUNDIAL DO COMRCIO OMC. OS ACORDOS COM

REFLEXO SOBRE A LEGISLAO TRIBUTRIA ................................................. 21

1.1 Uma anlise sobre as normas do GATT com reflexo fiscal ................................. 32

1.1.1 O Artigo I A Clusula da Nao Mais Favorecida (NMF) .................... 35

1.1.2 O Artigo III A Clusula de Tratamento Nacional (TN) ......................... 40

1.2 Uma anlise sobre as normas do Acordo Sobre Subsdios e Medidas

Compensatrias - SCM com reflexo fiscal ................................................................ 46

1.3 Uma anlise sobre as normas do GATS com reflexo fiscal ................................. 56

1.4 Uma anlise de outras normas da OMC com reflexo fiscal ................................. 60

CAPTULO 2:

OS JULGAMENTOS PROFERIDOS NO MBITO DA OMC COM REFLEXO

SOBRE A LEGISLAO E A ORGANIZAO FISCAL DOS ESTADOS-

MEMBROS ................................................................................................................ 66

2.1 O rgo de Soluo de Controvrsias OSC da OMC ...................................... 67

2.2 Os julgamentos de polticas fiscais com tratamento discriminatrio .................... 76

2.2.1 Controvrsias envolvendo o Artigo I A Clusula da Nao Mais

Favorecida ...................................................................................................... 78

2.2.2 Controvrsias envolvendo o Artigo III A Clusula de Tratamento

Nacional .......................................................................................................... 82

2.3 O caso emblemtico em matria fiscal. O caso Foreign Sales Corporation

FSC ........................................................................................................................... 88

2.4 Outros exemplos de disputas com afetao tributria no mbito da OMC .......... 98

CAPTULO 3:

O REFLEXO DOS ACORDOS DA OMC E DAS DECISES PROFERIDAS NO

MBITO DO OSC EM RELAO AO CASO BRASILEIRO UMA ANLISE DAS

RECENTES DISCUSSES LEGAIS E SEU POSSVEL IMPACTO FRENTE AO

ORDENAMENTO INTERNACIONAL .................................................................... 106

3.1 Dos recentes questionamentos de polticas fiscais brasileiras ......................... 107

3.2 Das recentes alteraes e discusses legais em matria fiscal com possvel

impacto junto a OMC .............................................................................................. 113

3.2.1 Das Zonas de Processamento de Exportaes - ZPEs ..................... 113

3.2.2 Da Lei 11.727/08 tributao ad rem .............................................. 119

3.2.3 Das recentes discusses judiciais com potencial contrariedade aos

acordos da OMC .......................................................................................... 122

3.2.4 Dos questionados benefcios fiscais RECAP e REPES ...................... 133

3.2.5 Da CIDE Tecnologia e da discriminao tributria no GATS .............. 137

3.2.6 Do contedo discriminatrio em matria tributria em legislaes

federais e estaduais ..................................................................................... 143

3.3 Das lies dos casos do OSC .......................................................................... 149

CONCLUSO ........................................................................................................ 153

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS ...................................................................... 160

APNDICE...............................................................................................................166

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INTRODUO

A hiptese central do presente estudo parte da premissa de que,

recentemente, em virtude da recente globalizao comercial e do surgimento de

regramentos multilaterais, os Estados vm aceitando restringir seu poder de atuao

em polticas de ordem macro-econmica, dentre elas, em especial foco aqui tratado,

o campo fiscal.

Assim, com o aumento nos volumes de comrcio internacional bem como

pela maior normatizao recente dos acordos comerciais internacionais, no mbito

da OMC - Organizao Mundial do Comrcio, os Estados vm se tornando mais

dependentes entre si na medida em que aceitam restringir seu poder de atuao em

razo da necessidade de participao efetiva nas relaes internacionais, e, com

destaque, aqui, no comrcio internacional.

Este cenrio acaba por limitar a ao dos Estados em suas polticas internas

como reflexo do fenmeno da globalizao e integrao comercial e econmica,

envolvendo desde polticas de direitos humanos at polticas de ordem macro-

econmicas, em especial aquelas de ordem fiscal.

Neste sentido, vrias podem ser as limitaes que incidem sobre os Estados

ao participarem efetivamente do comrcio internacional. Para assim usufruir dos

benefcios do comrcio, o Estado deve estar disposto a restringir parte de sua

soberania.

No obstante o objetivo da OMC de buscar a reduo e flexibilizao de

barreiras tarifrias e no tarifrias, com objetivo de promover o aumento dos fluxos

de comrcio e a promoo do desenvolvimento dos Estados-membros, a eventual

abertura de uma disputa comercial dentro de seu sistema de soluo de

controvrsias veio a permitir avaliao da OMC quanto a polticas tributrias internas

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adotadas pelos Membros. Tais avaliaes definitivamente no foram o foco principal

quando da elaborao dos acordos de comrcio.

Atualmente, o aumento das consultas e disputas existentes no mbito dos

comits dos acordos comerciais passou a demonstrar que as polticas internas por

parte dos Estados-membros, no mbito tributrio, no mais se resumem s questes

internas sobre a incorporao e ao status hierrquico dos tratados no ordenamento

jurdico nacional, estando atreladas diretamente aos acordos multilaterais existentes

no mbito da OMC.

O risco de um potencial julgamento desfavorvel em uma demanda

apresentada no mbito do mecanismo de soluo de controvrsias, com possvel

imposio de mecanismos de retaliao por parte do Estado-membro vencedor,

passa a representar assim uma razo a mais para que os Membros adotem polticas

internas que no disponham contrariamente aos acordos comerciais internacionais

celebrados no mbito da OMC.

Diante disso, o reflexo dos acordos multilaterais celebrados e, principalmente,

o resultado de algumas decises proferidas no mbito do sistema de soluo de

controvrsias, passou potencialmente a servir de norte para anlise e formulao de

polticas tributrias em nvel nacional. Em muitos casos, tais decises podem vir a

limitar a adoo de determinadas polticas internas que ultrapassem ou firam as

regras e os acordos vigentes na OMC.

Tal fato decorre, em primeira anlise, do impacto internacional que tais

polticas tributrias geram na liberalizao comercial internacional e no grau de

influncia sobre a competitividade dos produtos e servios originrios dos Estados

nacionais que as formulam, visando-se evitar a distoro dos preos internacionais

das mercadorias e servios intercambiados entre os membros.

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Sobre os acordos no mbito da OMC, os princpios basilares de no-

discriminao e de tratamento nacional do GATT (Acordo Geral de Tarifas e

Comrcio), seja do GATT/47, seja do GATT/94, bem como os outros acordos

comerciais resultantes deste arcabouo de regras, entre eles principalmente o

Subsidies and Countervailing Measures Agreement SCM (Acordo sobre Subsdios

e Medidas Compensatrias), o Acordo sobre Servios GATS e a instituio de um

rgo de Reviso de Polticas Comerciais - TPRM, acabaram por provocar as

discusses sobre aspectos de polticas tributrias cada vez mais presentes no

mbito da OMC, no mbito dos comits especficos e do prprio rgo de Soluo

de Controvrsias - OSC previsto nesta Organizao.

A anlise das normas previstas e, aliado a elas, dos principais casos relativos

a elas com afetao tributria, tende a permitir examinar a extenso alcanada pelo

sistema multilateral do comrcio, com especial foco aqui em matria fiscal.

Assim, o problema a ser enfrentado no presente trabalho vem a ser

justamente o de confirmar se demonstrvel que a OMC, por meio de seus acordos,

decises e jurisprudncias e as conseqncias legais de seu descumprimento,

podem influir nas decises soberanas dos Estados em adotar polticas fiscais

internas, a ponto de representar uma limitao ao poder de tributar dos Estados.

Mais especificamente, no caso do Brasil, preciso analisar se o pas

atualmente tem observado as normas internacionais no mbito da OMC quando da

definio interna de normas de contedo tributrio, como reflexo de sua poltica

fiscal.

Assim, busca-se analisar e apresentar recentes fatos que demonstram a

influncia cada vez maior das normas e julgamentos proferidos em mbito

internacional na tomada de decises de cunho macro-econmico, em especial no

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campo das medidas fiscais. O assunto, assim, de especial interesse para o Brasil

tendo em vista a necessidade de freqente disposio de prticas fiscais

desenvolvimentistas ou como forma de correo de situaes onde o Estado acaba

intervindo com objetivo de salvaguardar setores econmicos internos. Os projetos de

reforma fiscal, atualmente em discusso no pas, tambm geram a necessidade de

estudos sobre a compatibilizao das normas internas com os acordos multilaterais

de comrcio.

A pesquisa, anlise e estudo a ser realizada na presente abordagem tm por

objetivo o aperfeioamento dos operadores do direito tributrio e internacional,

incluindo-se neste mbito a classe acadmica, bem como a classe profissional

pblica e privada que tenha ligao com os acordos internacionais e seus reflexos

na legislao interna dos Estados-membros.

O tema em comento foi objeto de poucos estudos especficos, em especial no

Brasil, que objetivassem um panorama especfico de relao entre os acordos da

OMC e as normas tributrias internas dos Estados Membros. Neste sentido, no que

concerne a teoria de base do trabalho, em razo dessa falta de produo cientfica

na matria, h certa dificuldade em se precisar seu marco terico. Aqui, importante

citar que a recente tese de doutoramento apresentada na Universidade Federal de

Santa Catarina pelo Doutor Gilson Wessler Michels, que trata do aspecto de

aproximao das legislaes tributrias a partir do marco normativo da OMC, agrega

elementos essenciais ao presente trabalho. Entretanto, diferentemente da idia de

harmonizao tributria proposta por aquele autor, o objetivo aqui pretendido o de

investigar o papel da OMC na influncia que pode exercer, direta ou indiretamente,

no sistema tributrio dos Estados-membros, em especial no caso brasileiro.

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Em mbito nacional, busca-se com isso permitir a criao de uma fonte de

consulta ao legislador e ao setor produtivo nacional, com objetivo especfico de

evitar-se a instaurao de procedimentos no mbito da OMC que tenham por objeto

o questionamento de determinadas polticas fiscais internas.

A militncia do autor na carreira jurdica, com dedicao especial ao campo

tributrio e aduaneiro ao longo de anos, e a participao na discusso em foros

internacionais e no estudo de questes internacionais com efeitos no mbito fiscal

dos Estados, permitiram relacionar os distintos campos jurdicos do Direito

Internacional Econmico e do Direito Tributrio, demonstrando-se uma influncia

direta cada vez maior entre eles.

Ao final, busca-se comprovar se o reflexo dos acordos multilaterais e o

resultado das decises proferidas no mbito do rgo de Soluo de Controvrsias

- OSC motivam efetivamente limitaes de ordem fiscal interna, devendo o Brasil

analisar suas regras fiscais e nortear suas polticas fiscais a partir deste novo

modelo internacional.

O objetivo principal pretendido pelo presente estudo vem a ser o de identificar

e demonstrar a influncia de determinados Acordos da OMC e das decises

proferidas no DSB e seus efeitos sobre a formulao de polticas tributrias internas

dos Estados-membros, com especial anlise do caso brasileiro.

Em especfico, pretende-se analisar a influncia de normas contidas no GATT

General Agreement on Tariffs and Trade e no GATS General Agreement on

Tarifs in Services, entre elas a clusula de tratamento nacional e da nao mais

favorecida, focando a no discriminao entre produtos, servios ou investimentos

nacionais e estrangeiros, e tambm as normas contidas no SCM - Subsidies and

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Contervailing Measures, focando a ajuda estatal como fator distorsivo de comrcio,

sobre os instrumentos formulao das polticas tributrias estatais.

Mais adiante, se buscar identificar e abordar as decises proferidas no

mbito do OSC relativa a disputas envolvendo especificamente a formulao de

polticas tributrias internas pelos membros, em relao aos acordos abrangidos,

com especial foco a partir do caso Estados Unidos Tratamento tributrio para FSC

Foreign Sales Corporations.

Por ltimo, a abordagem pretender analisar a influncia exercida pelos

acordos e julgamentos proferidos em nvel internacional na formulao de polticas

fiscais dentro do ordenamento jurdico brasileiro, em especial destacando a

potencialidade ou no de questionamentos e eventuais riscos de discusses sobre

polticas e temas de afetao tributria no mbito do sistema de soluo de

controvrsias.

Procurar-se- demonstrar, a partir disso, se possvel afirmar sobre a

existncia de uma limitao na adoo de medidas de poltica fiscal consideradas

soberanas pelos Estados-membros da OMC e, em especial, se o Brasil encontra-se

exposto a riscos de ter suas polticas fiscais questionadas em mbito multilateral.

A fim de atingir os objetivos propostos, o trabalho estruturado em trs

diferentes captulos, que seguem, em linha geral, a ordem dos objetivos acima

elencada.

No captulo 1, sero abordadas as funes e origens de criao da OMC, de

forma a demonstrar sua estrutura e seus acordos que venham a se relacionar com

normas tributrias adotadas pelos Estados-membros. A partir dessa abordagem

geral, o captulo abranger certas normas especficas com maior afetao tributria.

Entre elas dedicar-se- ateno especial s normas de no discriminao contidas

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no acordo GATT, ilustrveis por meio das clusulas da nao mais favorecida e do

tratamento nacional. Da mesma forma, o captulo procurar abordar o Acordo Sobre

Subsdios e Medidas Compensatrias SCM e o Acordo Geral sobre Servios

GATS e suas normas com reflexo fiscal. Ao final, ser feita uma abordagem geral

acerca de outras normas com reflexo fiscal nos acordos da OMC com algum

destaque para o Mecanismo de Reviso de Polticas Comerciais como rgo de

acompanhamento permanente das polticas comerciais em geral, incluindo a as

polticas tributrias adotadas pelos Estados-membros.

O captulo 2 ser dedicado aos principais julgamentos proferidos no mbito da

OMC com reflexo sobre a legislao e a organizao fiscal dos Estados-membros. O

captulo iniciar com uma breve abordagem sobre o mecanismo de soluo de

controvrsias criado juntamente com a OMC e os principais efeitos de sua criao.

Adiante, o capitulo procurar examinar as decises e julgamentos proferidos a

respeito de polticas fiscais com contedo discriminatrio, de forma a exemplificar a

interpretao e aplicao das normas no discriminatrias relativas ao GATT. Em

seguida, a abordagem do caso FSC, sendo um considerado caso emblemtico em

matria tributria no mbito da Organizao Internacional, com exame profundo das

normas de afetao fiscal presentes no Acordo sobre Subsdios, buscar salientar

at que ponto a OMC poder refletir na definio de polticas fiscais por parte dos

Estados-membros. Ao final, o captulo demonstrar aspectos prticos de algumas

decises proferidas no mbito do sistema de soluo de controvrsias sobre

polticas fiscais adotadas por alguns dos pases, fazendo um apanhado geral dos

principais casos com reflexos fiscais entre as diversas contendas apresentadas ao

rgo de Soluo de Controvrsias.

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O captulo 3 apresentar os recentes questionamentos apresentados ao

Brasil em relao ao seu sistema tributrio. Seja no Mecanismo de Reviso de

Polticas Comerciais - MRPC, seja nos comits relativos aos acordos, procurar-se-

demonstrar a ateno dos Membros da OMC em relao s polticas fiscais

adotadas pelo Brasil. Em momento seguinte, passando-se anlise da legislao

interna e das recentes discusses em nvel nacional acerca da compatibilidade de

algumas normas e polticas fiscais em relao aos acordos multilaterais, com

especiais focos sobre diversas normas de carter fiscal, entre elas: (i) as Zonas de

Processamento Exportao, (ii) a recente legislao sobre o uso de tributao

especfica (ad rem) em substituio da tributao ad valorem nas importaes, (iii)

as discusses judiciais relativas ao crdito-prmio do Imposto sobre Produtos

Industrializados - IPI e a imunidade da Contribuio Social sobre o Lucro Lquido

CSLL (iv) os questionados regimes especiais REPES - Regime Especial de

Tributao para a Plataforma de Exportao de Servios de Tecnologia da

Informao e RECAP - Regime Especial de Aquisio de Bens de Capital para

Empresas Exportadoras, (v) a CIDE Tecnologia e, (vi) o contedo discriminatrio em

natureza tributria a partir de legislaes federais e estaduais. Ao final, a partir de

uma abordagem superficial a respeito da compatibilidade das exemplificaes

citadas, o captulo pretender abordar algumas lies gerais a partir dos casos

examinados pelo rgo de Soluo de Controvrsias acerca de seu impacto sobre a

formulao de polticas fiscais pelo Brasil.

Na Concluso, por fim, sero sumarizados os resultados alcanados em cada

um dos captulos para definitivamente resolver a problemtica proposta pelo

presente estudo.

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A metodologia utilizada na realizao deste trabalho baseada no mtodo

dedutivo, com observao de fenmenos particulares cada vez mais recentes para

se concluir por uma proposio geral. Portanto, da anlise de textos legais

(Acordos) e decises de casos no mbito da OMC, como mtodo auxiliar, busca-se

a concluso se a Organizao pode influenciar a adoo de polticas fiscais.

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CAPTULO 1 A Organizao Mundial do Comrcio OMC. Os acordos com

reflexo sobre a legislao tributria.

Inicialmente, para que se possa entender os objetivos especficos do

presente captulo, necessria uma breve exposio acerca da criao e dos

objetivos pretendidos com a Organizao Mundial do Comrcio e sua relevncia no

comrcio internacional.1 Aps um aporte geral sobre as normas multilaterais, se far

uma abordagem especfica sobre as normas que possuam afetao tributria, a fim

de se buscar demonstrar se a Organizao possui competncia para se imiscuir na

matria.

Assim, a criao da Organizao Mundial do Comrcio - OMC, por meio da

aprovao do Acordo de Marraqueche durante a Rodada Uruguai2, em 1994, serviu

de marco na histria do comrcio internacional. Pela primeira vez, houve a criao

de um organismo internacional com objetivo de facilitar a implementao,

administrao e superviso das prticas de comrcio adotadas pelos seus Estados-

membros.3

1 Em fevereiro de 2010, a OMC contava com 153 membros, que correspondem a cerca de 90% do

comrcio mundial de bens e servios. 2 Os principais resultados alcanados, substanciados no Acordo de Marraqueche, foram: 1) um corte

mdio nas tarifas de 37% e o aumento das linhas de produtos com tarifas consolidadas; 2) o aperfeioamento dos instrumentos de defesa comercial, com a negociao de um Acordo sobre Salvaguardas e o aperfeioamento dos Cdigos sobre Subsdios e Medidas Antidumping; 3) a integrao dos produtos agropecurios ao Sistema Multilateral de Comrcio e a reduo das barreiras no tarifrias; 4) a incorporao dos produtos txteis ao Sistema Multilateral de Comrcio, com a eliminao do Acordo Multifibras, de 1974, em 10 anos, a partir de 1995, obedecendo ao calendrio previamente acordado; 5) o estabelecimento do Acordo Geral sobre o Comrcio de Servios (GATS), que se constitui o primeiro conjunto de normas que contempla esta matria; 6) a garantia dos direitos de propriedade intelectual, atravs do Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual relacionados com o comrcio (TRIPs); 7) a instituio do Acordo sobre Medidas de Investimentos relacionadas ao comrcio (TRIMs); 8) o estabelecimento de um novo Sistema de Soluo de Controvrsias; 9) a definio de um Mecanismo de Reviso de Poltica Comercial dos pases membros; 10) a criao da Organizao Mundial do Comrcio, que iniciou suas atividades em 01/01/1995. (BARRAL, Welber. De Bretton Woods a Seattle. In: BARRAL, Welber (Org.). O Brasil e a OMC. Florianpolis: Diploma Legal, 2000, p. 25) 3 Conforme redao do Artigo III, 1 do Acordo de Marraqueche, 1. A OMC facilitar a aplicao, administrao e funcionamento do presente Acordo e dos Acordos Comerciais Multilaterais (...)

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At 1986, quando iniciada a Rodada Uruguai, que mais tarde deu origem

OMC, o sistema multilateral de comrcio era regido por um Tratado especfico

chamado Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio, o GATT/474.

O GATT/47 representava um simples acordo entre Naes, quando criado,

tornando-se, ao longo dos anos, base para diversas rodadas de negociaes sobre

o comrcio internacional, e a funcionando como coordenadora e supervisora das

regras mercantis at o final da Rodada Uruguai e criao da atual OMC5.

A partir do GATT/47, o comrcio multilateral teve 8 rodadas de negociao

que foram aperfeioando os mecanismos normativos e de controle de prticas

comerciais de seus ento chamados Estados-signatrios6. A ltima delas, entre

1986 e 1994, chamada Rodada Uruguai, culminou na aprovao do Acordo de

Marraqueche e, com ele, na criao de um organismo institucionalizado e dotado de

regras especficas definidas em diversos acordos, a OMC7.

(Redao em portugus disponvel em Acesso em 24 de fev. de 2010. 4 O GATT - General Agreements on Tariffs and Trade (Acordo Geral sobre Tarifas e Comrcio), de

1947, foi incorporado ao ordenamento brasileiro por meio da Lei 313/48 e do Decreto Legislativo 43/1950. 5 A Rodada Uruguai durou o dobro do tempo inicialmente previsto. Quando foi concluda, em 1994, os

textos negociados e seus anexos compunham 26.000 pginas de regras, abordando os mais diversos temas, e envolvendo a maior parte do comrcio mundial (BARRAL, 2000, p. 25). 6 O GATT, como o prprio nome determina, constitua de um acordo entre os pases, sendo a

referncia a estes nele contida definida como Estados-signatrios. A partir da criao da OMC, a referncia passou a ser Estados-membros ou, simplesmente, Membros. 7 A OMC, nos termos do artigo III do Acordo que a instituiu, tem como funes: (i) facilitar a aplicao,

gesto e funcionamento do acordo que institui a AMC e dos acordos comerciais multilaterais e o desenvolvimento dos seus objetivos, constituindo igualmente o foro para a aplicao, gesto e funcionamento dos acordos comerciais plurilaterais; (ii) constituir a sede prpria para as negociaes entre os seus Membros em matria de relaes comerciais multilaterais em questes abrangidas pelos acordos includos nos anexos ao acordo OMC. (iii) assegurar a aplicao do Entendimento relativo s Normas e Procedimentos sobre Soluo de Controvrsias, includo no Anexo 2 do acordo que institui a OMC; (iv) assegurar a aplicao do Mecanismo de Exame de Polticas Comerciais, previsto no Anexo III do acordo OMC e; (v) cooperar, quando necessrio, com o FMI e com o Banco Mundial e respectivas agncias,a fim de conferir coerncia concepo das polticas econmicas mundiais

http://www.mdic.gov.br/arquivos/dwnl_1196451535.doc

23

A ata final da Rodada Uruguai8, adotada por meio do Acordo de

Marraqueche, de 1994, assim deu origem OMC e aos diversos acordos

especficos9, dentre os quais se destacam:

a) O Acordo que institui a Organizao Mundial do Comrcio OMC;

b) o Anexo I, relativo aos acordos multilaterais, que dividido em trs partes

e prev os acordos multilaterais sobre comrcio de bens (Incluindo o GATT e outros

acordos), em seu Anexo 1A, o Acordo Geral sobre Comrcio de Servios (o GATS),

em seu anexo 1B, e o Acordo sobre Direitos de Propriedade Intelectual ligados ao

Comrcio (o TRIPS), em seu Anexo 1C.

c) o Anexo II, sobre o Entendimento relativo a normas e procedimentos

sobre Soluo de Controvrsias - ESC, disciplina as normas para resoluo de

disputas originadas do comrcio multilateral e abarcadas pelos Acordos objeto do

Anexo I;

d) o Anexo III, relativo ao Mecanismo de Reviso de Polticas de Comrcio

MRPC (Trade Policy Review Mechanism TPR) dos Membros, que funciona como

rgo revisor do cumprimento dos Acordos previstos no Anexo I, e, por ltimo;

e) o Anexo IV, abrangendo os Acordos Plurilaterais de Comrcio,

englobando Acordos especficos de livre escolha dos Membros, conforme seus

interesses individuais em ader-los, onde esto includos: o Acordo sobre o

Comrcio de Aeronaves Civis, o Acordo sobre Compras Governamentais, o Acordo

sobre Produtos Lcteos, e o Acordo sobre Carne Bovina.

O Anexo 1A, sobre os Acordos Multilaterais sobre o Comrcio de Bens,

prev o GATT/94, uma verso legalmente distinta do GATT/47 e da qual este faz

8 A Ata final da Rodada Uruguai foi internalizada no ordenamento jurdico brasileiro por meio do

Decreto legislativo n 30/94, ratificada por meio do Decreto n 1355/94. 9 Os textos originais relativos aos Acordos podem ser encontrados no site da OMC (www.wto.org), e

as verses em portugus (Decreto n 1.355/94) podem ser encontradas no site do Ministrio do Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior MDIC (www.mdic.gov.br)

http://www.wto.org/http://www.mdic.gov.br/

24

parte, e abarca, ainda, outros acordos especficos como: o Acordo sobre Agricultura,

o Acordo sobre Aplicao de Medidas Sanitrias e Fito Sanitrias, o Acordo sobre

Txteis e Vesturios, o Acordo sobre Aplicao de Barreiras Tcnicas ao Comrcio,

o Acordo sobre Medidas de Investimento relacionadas ao Comrcio, o Acordo

Antidumping, o Acordo sobre Valorao Aduaneira, o Acordo de Inspeo Pr-

embarque, o Acordo sobre Regras de Origem, o Acordo sobre Licenciamento de

Importaes, o Acordo sobre Subsdios e aplicao de Medidas Compensatrias, e

o Acordo sobre Salvaguardas.

Com exceo do Anexo IV, referente aos Acordos Plurilaterais anteriormente

citados, todos os outros anexos constituem um conjunto normativo nico que todos

os Membros devem aceitar em bloco10.

A partir desta breve noo introdutria acerca dos acordos internacionais de

comrcio, busca-se ali-la aos objetivos pretendidos para o presente trabalho.

Neste sentido, faz-se importante salientar que diversos acordos

internacionais no mbito da OMC possuem vrios de seus dispositivos com

aplicao ligada, de maneira direta ou indireta, a preceitos de Direito Tributrio

interno dos Estados-membros.

Em relao s regras de aplicao indireta, podem-se destacar normas que

estabelecem diretrizes sobre polticas de regras de origem de produtos, por meio do

Acordo sobre Regras de Origem, as normas que tratam dos procedimentos de

valorao aduaneira nas alfndegas, por meio do Acordo sobre Valorao

10

O "single undertaking" (ou compromisso nico) consiste na negociao de um nico pacote de objetivos, ou na negociao de vrios objetivos de forma nica. Todos os acordos multilaterais da OMC so negociados dessa forma. Na prtica, isso implica que enquanto no houver definio para algum dos pontos negociados, nada estar acordado de forma definitiva. Esta foi a principal inovao institucional da Rodada Uruguai, que ajudou a superar problemas de reciprocidade dentro sistema multilateral de comrcio. Ressalte-se que o "single undertaking" no se aplica aos acordos plurilaterais no mbito da OMC, posto que no obrigatria a adeso dos seus membros a esses acordos. (Disponvel em: Acesso em 24 de fev. de 2010.

25

Aduaneira, entre outras. No caso, tais exemplos devem ser considerados normas de

natureza meramente acessria, destinadas ao cumprimento das regras

estabelecidas pelos acordos em geral.

Em relao s regras de aplicao direta, podem ser citados

especficamente os Artigos I, II e III do GATT, o Acordo sobre Subsdios e Medidas

Compensatrias SCM, o GATS e outros, a serem diretamente abordados ao longo

do presente captulo.

Tais normas, de aplicao direta ou indireta, acabam tendo efeito nas

polticas soberanas de produo das normas tributrias internas.

Por outro lado, dentro do escopo aqui pretendido, vislumbra-se a ausncia

de uma previso especfica que vincule o Direito Internacional Econmico, regido

sobremaneira pelas normas da OMC, ao Direito Tributrio interno dos Estados-

membros dessa organizao. Em outras palavras, isso significa dizer que a OMC

no foi criada precipuamente com o objetivo de se constituir verdadeiramente em

foro para discusso de questes de natureza tributria.

Ainda assim, inegvel no imaginar a OMC analisando polticas tributrias

que, de forma direta ou indireta, impactem nos objetivos traados pelos acordos

internacionais de comrcio, qual seja de um comrcio livre e sem distores.

Ao tratar desta questo, aqui de forma introdutria, Gilson Michels, em tese

defendida recentemente, descreve que:

A OMC, apesar de ser uma OI destinada difuso do livre comrcio internacional, acaba imiscuindo-se em matria tributria, em face do uso de mecanismos protecionistas de natureza tributria por parte dos Estados. E isto est legitimado pelos seguintes fatos: (i) o grande nmero de disposies nos acordos abrangidos tratando, direta ou indiretamente, de tributao; (ii) o expressivo nmero de Membros da OMC (Membros estes que, automaticamente, aderem integra dos acordos abrangidos); e (iii) o alto grau de cumprimento das decises do MSC, mesmo aquelas relativas matria tributria.

11

11

MICHELS, Gilson. O papel da Organizao Mundial do Comrcio no processo de aproximao das ordens tributrias nacionais. Florianpolis, 2009, p. 226.

26

Com efeito, uma anlise superficial dos acordos demonstraria que sua

principal influncia se limitaria, em princpio, tributao aduaneira, principalmente

pela existncia de listas tarifrias e de concesses amplamente negociadas pelos

Membros ao longo das rodadas de negociao. Ainda assim, de se notar uma

influncia direta que algumas das normas tm nos aspectos inerentes soberania

tributria dos Estados-membros, no s quanto s tarifas aduaneiras aplicveis ao

comrcio internacional, como tambm sobre as polticas fiscais em geral.

A discusso doutrinria fundamental acerca dessa influncia direta decorre

da prpria evoluo do conceito de soberania estatal.12

A respeito do aspecto de soberania estatal aplicado em matria tributria,

Heleno Torres explica que:

Significa o poder institucionalizado que coloca o Estado como sujeito da ordem mundial, proporcionando-lhe autonomia e independncia na determinao de fatos tributveis e nos procedimentos de arrecadao e fiscalizao de tributos, nos termos das autolimitaes de fontes originariamente internas e constitucionais, bem como de fontes internacionais

13

No se pretende no presente trabalho discorrer-se acerca desse tema de

tamanha relevncia, o que demandaria um estudo especfico. De qualquer forma,

de se reconhecer que, ainda que venha se modificando ao longo dos anos, a idia

da soberania estatal est longe de ser superada nas relaes internacionais. E, junto

12

Cita-se aqui o trabalho desenvolvido por Luigi Ferrajoli (FERRAJOLI, Luigi. A soberania no mundo moderno. So Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 27-38), que trata do esvaziamento do conceito de soberania em suas dimenses interna e externa, sendo que, no caso de sua dimenso externa, seria resultado da presena de normas internacionais caracterizadas como cogentes como no caso das normas da OMC. 13

TORRES, Heleno T. Princpio da Territorialidade e tributao de no-residentes no Brasil. Prestaes de Servios no Exterior. Fonte de Produo e Fonte de Pagamento. In: TORRES, Heleno T. (Org.) Direito Tributrio Internacional Aplicado. So Paulo: Quartier Latin, 2003, p. 74.

27

com ela, a idia do poder de tributar14 constitui uma das mais importantes e tpicas

prerrogativas de um Estado soberano.

Ainda assim, ao aderirem a normas internacionais decorrentes de um arranjo

multilateral como no caso da OMC, os Estados acabam por sua livre manifestao

de vontade, e por seu livre interesse em integrar a organizao, tendo que submeter

interesses internos ao contedo desse arranjo.

A partir da premissa dos aspectos soberanos de cada Estado-membro no

que concerne ao plano fiscal interno, as normas da OMC passaram a neles refletir

como resultado de acordo internacional vinculante aos seus Estados-membros, cujo

descumprimento os expe a questionamentos ou decises decorrentes de seu

mecanismo criado para resoluo de controvrsias.

Em outras palavras, significa dizer que, na medida que o Estado se

comprometa voluntariamente com as regras dos acordos, estar ele submetido ao

cumprimento das normas em geral, sob pena de responsabilizao internacional.15

O fato resultante disso de que tais fatores acabam por provocar uma

influncia direta dos acordos internacionais de comrcio em sua soberania tributria.

Sobre tal influncia direta, Gilson Michels enfatiza que:

Do ponto de vista jurdico, o papel aqui proposto para a OMC se justifica em razo de que a organizao j conta, em seu conjunto normativo (que comumente denominado pela expresso genrica acordos abrangidos), com vrias disposies tendentes a evitar o uso da tributao como

14

Este status do poder de tributar , em verdade, resultado de dois importantes fatores. Primeiro, o de que o Estado o ente legitimado para impor gravames compulsrios, independentemente de avena prvia (o fato de existirem algumas tentativas hodiernas de estabelecimento de exaes tributrias por entes intergovernamentais ou supranacionais, no afasta a circunstncia de que tal s se d por expressa aquiescncia dos Estados). Segundo, o de que por meio da tributao que o Estado promove dois importantes tipos de atuao: uma, de natureza fiscal, destinada ao financiamento de suas atividades gerais, e outra, de natureza extrafiscal, vinculada ao alcance de objetivos outros que no o da arrecadao (incentivo a determinadas atividades ou regies geogrficas, estmulo ou desestmulo ao consumo, proteo ambiental, supresso de igualdades internas etc. (MICHELS, 2009, p. 90). 15

A Conveno de Viena sobre Direito dos Tratados dispe sobre as normas gerais aplicveis nos casos de concluso, entrada em vigor, observncia, aplicao e interpretao de Tratados, inclusive os casos de descumprimento, sujeitos a responsabilidade internacional. (Disponvel em http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm Acesso em 24 de fev. de 2010.

http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm

28

mecanismo protecionista na esfera do Comrcio Internacional, e que, pelas suas abrangncias, conformam-se como importantes restries liberdade dos Estados de exercerem, unilateralmente, aquela que tida como uma de

suas principais prerrogativas soberanas: o poder de tributar. 16

E complementa o autor ainda que:

A OMC imiscui-se em matria tributria no apenas de modo formal e direto, monitorando e eventualmente demandando pelo expurgo de medidas tributrias especficas distorcivas do livre comrcio, mas tambm de modo informal e indireto, difundindo um modo de pensar as ordens tributrias nacionais que serve para aproxim-las, ao menos do ponto de vista do objetivo de que no sirvam obstaculizao do livre comrcio.

17

Destarte, tem-se no mbito da OMC uma srie de normas de natureza

tributria que acabam por impactar na liberdade plena dos Estados-membros em

fixarem livremente suas polticas fiscais internas, sob risco de responsabilidade

atravs dos mecanismos previstos nos acordos multilaterais.

O fato que, ainda que o Estado conserve plenamente todos os aspectos de

sua soberania, ele perde, por outro lado, aspectos de autonomia e plena liberdade

para definio de suas polticas tributrias a partir das normas da OMC.

Estabelecida esta premissa bsica, de que os Estados esto adstritos s

normas internacionais com reflexos no campo fiscal, a anlise passa a recair sobre

as normas com visvel afetao tributria e influncia direta sobre as polticas

tributrias dos Estados-membros.

No mbito do GATT, por exemplo, o princpio da no discriminao

internacional, esculpido em seu Artigo I reflete na impossibilidade de

estabelecimento de normas fiscais de carter discriminatrio a respeito da diferente

origem dos produtos.

O Artigo II do GATT, por sua vez, trata da proteo aduaneira exclusiva no

comrcio de bens, o que significa dizer que o nico instrumento de carter

16

MICHELS, 2009, p. 16. 17

MICHELS, 2009, p. 111.

29

protecionista permitido aos Estados o de impor tarifas ou direitos aduaneiros s

suas importaes, por meio de uma lista de tarifas consolidada por cada um deles,

chamada de Lista de Concesses Tarifrias.

Ainda, em seu Artigo III, tambm sob corolrio do princpio da no

discriminao, o GATT prev uma norma de no discriminao interna que impe

um tratamento idntico entre os produtos de origem nacional e de origem

estrangeira.

Ao tratar dos efeitos tributrios das normas do GATT, Washington Juarez de

Brito Filho, comenta que:

Aqueles trs principais pilares do sistema multilateral de comrcio, como estabelece Raj Bhala (2001, p. vi-vii), que exatamente constituem os trs primeiros artigos do GATT, no so nada mais do que normas tributrias fundamentalmente de limitao do poder tributrio soberano dos Estados que o assinaram e ratificaram. No dizer de John Jackson (1969, p. 29), em obra que o melhor estudo substancial do GATT na verso anterior s alteraes da Rodada Uruguai, o Acordo Geral consiste precipuamente em compromissos de limitao de direitos aduaneiros e de generalizaes desses compromissos. Tudo o mais, para ele, subsidirio. Portanto, temos aqui, no fundo, uma norma de Direito Internacional Tributrio.

18

O GATT ainda prev outros artigos especficos sobre proibio de quotas,

restrio de importaes e exportaes, regras sobre a concesso de subsdios,

normas antidumping, medidas compensatrias, valorao aduaneira, regras de

origem etc, normas estas que acabam, ainda que indiretamente, interferindo na

liberdade pela definio de polticas tributrias internamente.

No mbito do Acordo sobre Subsdios - SCM, por sua vez, as normas vedam

a concesso de certos subsdios ou apoios governamentais que venham a se

constituir em fatores distorcivos ao comrcio internacional, motivando a existncia

de vantagens artificiais em detrimento da livre concorrncia.

18

BRITO FILHO, Washington J. O GATT como norma de Direito Internacional Tributrio. In: TORRES, Heleno T. (Org.) Direito Tributrio Internacional Aplicado Vol IV. So Paulo: Quartier Latin, 2007, p. 669.

30

Tambm o GATS (Acordo Geral sobre o Comrcio de Servios) e outros

acordos tratam de forma vinculante acerca de normas a serem respeitadas pelas

polticas tributrias internas dos Estados-membros.

Por ltimo, a OMC prev um monitoramento constante das polticas

comerciais dos Estados-membros, por meio do Mecanismo de Reviso de Polticas

Comerciais (TPRM). O TPRM tem natureza de atuao preventiva e consiste na

exposio peridica pelos Estados-membros das polticas relacionadas com o

comrcio internacional, incluindo, tambm, as polticas tributrias adotadas pelos

Estados-membros.

H, portanto, uma srie de efeitos decorrentes do marco multilateral

consubstanciado pela OMC nas polticas internas dos Estados-membros, sendo o

foco principal do presente as normas que resultem na afetao de polticas fiscais.

Ao tratar da questo, Gilson Michels completa que:

No exerccio do mandato que lhe foi concedido por seus Membros, a OMC atua sobre matria tributria de quatro modos distintos: (i) no mbito das negociaes que levam formulao dos acordos que compe seu conjunto normativo, com a criao de disposies que se aplicam, direta ou indiretamente, tributao (atuao normativa); (ii) por via de seu MSC, no qual medidas tributrias concretamente adotadas por seus Membros so analisadas do ponto de vista de sua conformidade com os Acordos abrangidos (atuao corretiva/punitiva); (iii) por meio da monitorao constante das polticas comerciais dos Membros, prevista no Mecanismo de Reviso das Polticas Comerciais (atuao preventiva); e (v) na esfera dos procedimentos que antecedem o ingresso de um novo Membro (tambm uma forma de atuao preventiva).

19

Tais normas j foram objeto de inmeros questionamentos e decises

especficas dentro do prprio mecanismo de soluo de controvrsias da OMC

vinculando os Estados-membros partcipes daqueles casos na adoo das decises

proferidas, bem como formando jurisprudncia para casos futuros.

19

MICHELS, 2009, p. 226.

31

Todo este marco normativo em questo, uma vez desobedecido pelos

Estados-membros da OMC, implica na possibilidade de questionamento junto ao

rgo de Soluo de Controvrsias - OSC, o que motiva uma anlise especfica de

casos j submetidos ao rgo em matria tributria e, especialmente, das situaes

que podero ser questionadas no caso brasileiro.

A anlise especfica dos dispositivos legais aqui tratados, a seguir,

fundamental para posterior compreenso das disputas em matria tributria

envolvendo seus Membros.

32

1.1 Uma anlise sobre as normas do GATT com reflexo fiscal.

Como abordado, o GATT, acordo sobre comrcio de bens previsto no Anexo

1A ao Acordo de Marraqueche representa um marco histrico para evoluo e

liberalizao do comrcio internacional de bens, permitindo um avano significativo

no processo recente de globalizao comercial.

No presente captulo, dedicar-se- a uma anlise especfica do GATT por ter

clara vinculao direta com o poder de tributar dos Estados-membros e,

conseqentemente, com liberdade estatal de definio de polticas tributrias.

De forma preliminar, convm destacar que a regulamentao do comrcio

internacional obtida a partir do GATT busca, essencialmente, a reduo de tarifas

aduaneiras aplicadas pelos Estados-membros. Tal reduo ocorre por meio de uma

Lista de Concesses Tarifrias (conforme previsto no Artigo II do acordo)20, por cada

um deles acordada e consolidada. Segundo este dispositivo, um Estado-membro da

OMC no poder cobrar ou aumentar tarifas aduaneiras que incidam sobre seu

comrcio exterior em nveis superiores queles consolidados na Lista de

Concesses Tarifrias.

Na verdade, o GATT consiste, mais que isso, em um verdadeiro cdigo de

regras gerais que regula as condutas dos Estados-membros, de forma que estas

20 Artigo II - LISTAS DE CONCESSES. 1 (a) Cada Parte Contratante conceder s outras Partes

Contratantes, em matria comercial, tratamento no menos favorvel do que o previsto na parte apropriada da lista correspondente, anexa ao presente Acordo. .(b) Os produtos das Partes Contratantes, ao entrarem no territrio de outra Parte Contratante, ficaro isentos dos direitos aduaneiros ordinrios que ultrapassarem os direitos fixados na Parte I da lista das concesses feitas por esta Parte Contratante, observados os termos, condies ou requisitos constantes da mesma lista. Esses produtos tambm ficaro isentos dos direitos ou encargos de qualquer natureza, exigidos por ocasio da importao ou que com a mesma se relacionem, e que ultrapassem os direitos ou encargos em vigor na data do presente Acordo ou os que, como conseqncia direta e obrigatria da legislao vigente no pas importador, na referida data, tenham de ser aplicados ulteriormente.

33

concesses tarifrias e, por conseqncia, a prpria liberalizao do comrcio

internacional sejam efetivamente aplicadas e respeitadas.

O objetivo principal do GATT o de contribuir para que o comrcio

internacional possa fluir com liberdade, equidade e previsibilidade.

Indo alm, Washington Juarez de Brito Filho entende que as normas do

GATT basicamente como normas de Direito Tributrio, constituindo o mais

importante diploma de Direito Internacional Tributrio21. Para Brito Filho, Heleno

Torres v o GATT como uma norma de limitao de pretenses impositivas. O

autor destaca ainda, a partir da anlise da obra de Antonio Ulckmar, que o escopo

da disciplina do sistema GATT/OMC pode ser resumido, no plano tributrio, a trs

proibies especficas: a tributao discriminatria, a tributao protetiva e a

concesso de subsdios fiscais.22

Quanto a tais proibies, imperioso primeiramente salientar que todos os

acordos, alm do GATT, constantes do Anexo 1 ao Acordo de Marraqueche, ainda

que tenham estruturas e funes bsicas distintas, tm seu apoio em certos

princpios fundamentais que vm regendo o comrcio internacional desde sua

primeira regulamentao, por meio do GATT/47. A partir dos princpios fundamentais

contidos no GATT/47, todo o marco legal da atual OMC passou a se estruturar em

diversos acordos vetores da ordem normativa comercial internacional.

Entre estes princpios fundamentais, destacam-se como vetores do Sistema

Multilateral do Comrcio: A) o princpio do tratamento geral de nao mais

favorecida (most favored nation MFN), que probe a discriminao de tratamento

entre pases, tambm conhecido como regra de no discriminao entre as

naes, constante do Artigo I do GATT; e B) o princpio do tratamento nacional

21

BRITO FILHO, 2007, p. 632. 22

BRITO FILHO, 2007, p. 632.

34

(national treatment NT), regra que veda a discriminao de tratamento entre

produtos similares nacionais e importados dentro do territrio de um pas, tambm

conhecido como regra de no discriminao entre produtos, constante do Artigo III

do GATT.

Afora as regras de no discriminao, a serem aqui abordadas de forma

especfica, convm ainda citar aquilo que dispe o Artigo II do GATT, que trata da

proteo aduaneira exclusiva no comrcio de bens, o que ocorre por meio de uma

lista de tarifas consolidadas. As tarifas aduaneiras, assim, podem ser aplicadas

como nico instrumento de carter protecionista aos Estados-membros.

A partir das listas de tarifas consolidadas pelos Estados, o objetivo principal

do GATT o de que o sistema multilateral de comrcio esteja revestido de

transparncia e previsibilidade.

Ao abordar sobre o Artigo II e os aspectos do GATT relativos aos direitos

aduaneiros como nica forma de proteo de mercado, Brito Filho comenta que:

Trata-se de incidncia tributria transparente porque suas alquotas, mesmo que sejam especficas, so facilmente identificveis e o respectivo nus econmico afervel. Sua previsibilidade advm do fato de que uma das caractersticas do sistema GATT a liberalizao paulatina do comrcio internacional por meio do emprego da tcnica da consolidao tarifria, a qual consiste que, consoante o primeiro pargrafo do artigo II do GATT, os pases concedentes se comprometem a no elevarem a alquotas dos direitos aduaneiros em propores maiores que as que foram objeto de concesso, com relao s mercadorias listadas em anexo ao acordo e dentro do prazo eventualmente convencionado, que, mediante sucessivas prorrogaes, vo se tornando definitivas. Como conseqncia, os gravames que forem exigidos em montante superior chamada tarifa consolidada no podero ser cobrados sem caracterizarem infringncia disciplina convencional.

23

A partir da anlise sobre a aplicao de uma lista de tarifas consolidada

sobre o comrcio internacional, ao abordar os princpios fundamentais de no

discriminao internacional e interna, Vera Thorstensen afirma que:

23 BRITO FILHO, 2007, p. 632.

35

O primeiro que o nico instrumento de proteo permitido dentro das atividades de trocas comerciais o definido em termos de tarifas aduaneiras, e um dos objetivos do prprio Acordo Geral de torn-las cada vez mais reduzidas. [...] O segundo que uma vez estabelecida uma nova tarifa ou concedido um benefcio, estes passam a ser estendidos de forma no discriminatria, isto , de igual modo para todas as partes contratantes. O terceiro garante que uma vez dentro da fronteira de uma parte contratante, produtos importados no podem ser discriminados com relao aos produtos nacionais.

24

Assim, as normas em comento acabam por claramente limitar a livre fixao

de polticas tributrias em relao ao comrcio internacional.

O fato que, como bem descreve Gilson Michels:

A OMC, apesar de ser uma Organizao Internacional destinada difuso do livre comrcio internacional, acaba imiscuindo-se em matria tributria, em face do uso de mecanismos protecionistas de natureza tributria por parte dos Estados.

25

Os artigos I, II e III destacados servem como norte na aplicao de polticas

que influam nas correntes e prticas de comrcio e so fundamentais na

compreenso das normas multilaterais que regem o comrcio internacional. Assim, a

partir dessa abordagem geral, faz-se necessrio uma anlise destes marcos

normativos com afetao tributria direta como amostra de limitao da soberania

tributria dos Estados-membros a partir das normas multilaterais da OMC.

1.1.1 O Artigo I - A Clusula da Nao Mais Favorecida (NMF)

No que concerne ao GATT, pedra angular do sistema multilateral do

comrcio, a principal previso limitadora da atividade fiscal interna dos Estados-

membros, como j abordado, a que implica nas regras de no discriminao entre

produtos provenientes de distintos Estados-membros, tambm chamada de clusula

24

THORSTENSEN, Vera. OMC Organizao Mundial do Comrcio. As regras do comrcio internacional e a nova rodada de negociaes multilaterais. So Paulo: Aduaneiras, 2003, p. 32. 25

MICHELS, 2009, p. 113.

36

da nao mais favorecida (NMF). A clusula est contida no Artigo I - General Most-

Favored-NationTreatment26.

Para Vera Thorstensen, o Artigo I constitui a regra da no discriminao

entre naes 27, enquanto para Gilson Michels, o artigo representa a dimenso

externa do princpio da no discriminao.28

Em relao ao Artigo I do GATT deve-se t-lo como princpio de no

discriminao em escala internacional, com aplicao especfica por meio de

medidas aduaneiras. Em outras palavras, trata-se da impossibilidade de um Estado-

membro impor uma discriminao entre produtos estrangeiros tido como similares

em razo de terem origens em diferentes pases exportadores. Assim,

exemplificando, um produto importado pelo Brasil com origem na Repblica Popular

da China dever sofrer o mesmo tipo de tratamento observado a um produto similar

importado pelo Brasil com origem nos Estados Unidos da Amrica, sem

discriminao alguma.

Ou seja, um Membro obrigado a tratar os outros de forma no menos

favorvel do que foi concedido para qualquer outro Membro em relao a qualquer

tipo de medida adotada (sejam elas medidas administrativas, legislativas etc.)

Por meio de sua aplicao, todo Membro que se disponha em aderir OMC

dever passar a tratar todos os outros Membros de forma igualitria e, por

26 Artigo I TRATAMENTO GERAL DE NAO MAIS FAVORECIDA. 1. Qualquer vantagem, favor,

imunidade ou privilgio concedido por uma Parte Contratante em relao a um produto originrio de ou destinado a qualquer outro pas, ser imediata e incondicionalmente estendido ao produtor similar, originrio do territrio de cada uma das outras Partes Contratantes ou ao mesmo destinado. Este dispositivo se refere aos direitos aduaneiros e encargos de toda a natureza que gravem a importao ou a exportao, ou a elas se relacionem, aos que recaiam sobre as transferncias internacionais de fundos para pagamento de importaes e exportaes, digam respeito ao mtodo de arrecadao desses direitos e encargos ou ao conjunto de regulamentos ou formalidades estabelecidos em conexo com a importao e exportao bem como aos assuntos includos nos 2 e 4 do art. III.

27 THORSTENSEN, 2003, p. 33.

28 MICHELS, 2009, p. 118.

37

conseqncia, se beneficiar automaticamente de todas as redues e

consolidaes aduaneiras feitas pelos outros Membros.

Conforme Gilson Michels descreve:

Assim, a clusula, verdadeira pedra angular do GATT, coloca todos os pases em p de igualdade, sem discriminao, com todos partilhando das vantagens resultantes da reduo ou eliminao dos obstculos ao comrcio (...) contribuindo para assegurar que o sistema de trocas seja relativamente seguro, coerente e previsvel, aspectos fundamentais de uma ordem comercial internacional baseada em regras.

29

Trata-se de um instituto que preconiza um tratamento geral, incondicional,

multilateral, automtico e ilimitado aplicvel s operaes de comrcio internacional,

aplicando-se tanto para importaes quanto exportaes30 realizadas entre os

Estados-membros da OMC.

Considerado pela doutrina, em especial destacado aqui o trabalho de

Federico Ortino31, tem-se o princpio de no-discriminao como o pilar fundamental

da normatizao advinda da OMC. Tambm neste sentido, destaca-se o trabalho de

Trebilcock e Howse32 de que a Clusula do artigo I a pedra angular do sistema

multilateral do regramento do comrcio internacional porque , antes de tudo, o seu

prprio mecanismo de viabilizao.

Para Matsushita, Schoenbaum e Mavroidis33, alm do Artigo I, o tratamento

da no discriminao internacional perpassa a todo o Acordo GATT.

No se pretende aqui fazer uma exaustiva anlise histrica ou especfica

quanto s diversas referncias ao princpio ao longo dos acordos da OMC, nem

29

MICHELS, 2009, p. 119. 30

MOTA, Pedro Infante. O Sistema GATT/OMC. Introduo histrica e princpios fundamentais. Coimbra: Almedina, 2005, p. 110. 31

ORTINO. Federico. Basic Legal Instruments for the liberalisation of Trade: a comparative analysis of EC and WTO Law. Studies in International Trade Law. Oxford: Hart Publishing, 2004, p. 217. 32

TREBILCOCK, Michael J.; HOWSE, Robert. The regulation of International Trade. Londres: Routledge, 3a ed. 2005, p. 49. 33

MATSUSHITA, Mitsuo; SCHOENBAUM, Thomas J.; MAVROIDIS, Petros C.; The World Trade Organization. 2

nd edition. Londres; Oxford, 2006, p. 147.

38

dissecar o princpio em seu contedo filosfico. Visa-se to somente estud-lo sob a

tica tributria.

Neste sentido, seguindo o posicionamento de Kenneth Dam34, o princpio da

no discriminao entre pases aplicvel a todos os tributos incidentes sobre

mercadorias importadas, independente de sua origem, sem exceo e em qualquer

hiptese.

J Davey e Pauwelyn35 resumem que o tratamento do Artigo I abrange: i) os

direitos aduaneiros e encargos de toda a natureza que gravem a importao ou a

exportao, ou a elas se relacionem; ii) os encargos que recaiam sobre as

transferncias internacionais de fundos para pagamento de importaes e

exportaes; iii) os mtodos de arrecadao desses direitos e encargos; iv) o

conjunto de regulamentos ou formalidades estabelecidos em conexo com a

importao e exportao; v) os tributos e regulamentos internos dos pargrafos 2 e 4

do artigo III.

Servaas Van Thiel destaca que:

A obrigao do GATT MFN busca assegurar a implementao do princpio fundamental no comrcio internacional no qual dever haver um campo equilibrado de jogo entre os competidores de dois diferentes Estados ou origens, que estiverem ativos no mesmo mercado destinatrio, de forma que no haja distoro nas vantagens comparativas de cada Estado-membro da OMC. Est tambm claro que se um pas membro garante tratamento preferencial a importaes de outro pas, tal tratamento preferencial dever ser incondicionalmente estendido para importaes de todos os membros, independente da condio de reciprocidade.

36

34

DAM, Kenneth W. The GATT. Law and International Economic Organization. Chicago: The Univerity of Chicago Press, 1977, p. 18. 35

DAVEY, William J.; PAUWELYN, Joost. MFN Unconditionality: A legal analysis of the Concept in view of its evolution in the GATT/WTO Jurisprudence with particular reference to the issue of like product. In: COTTIER, Thomas; MAVROIDIS, Petros C (coord.) Regulatory barriers and the principle of non-discrimination in World Trade Law. Ann Arbor: The University of Michigan Press, 2000, p. 13-50. 36

. The GATT MFN obligation aims at ensuring implementation of the fundamental principle in international trade that there should be a level playing field between competitors from two different home or origin states who are active on the market of the same host or destination state, so that there are no distortions to the comparative advantages of each WTO Member State. () It is also clear that if a member country grants preferential treatment to imports from another country, this preferential treatment must be unconditionally extended to imports from all member countries, not subject to a

39

fato que os termos utilizados no Artigo I so relativamente abertos e sem

indicar quais tipos de polticas tributrias estariam abrangidas. O princpio dispe

que qualquer vantagem comercial concedida dever ser igualmente oferecida a

todos os Estados-membros da OMC. Evidentemente que, a partir de tal definio, as

situaes especficas e abrangidas devero ter correspondncia quanto ao grau de

similaridade do objeto abrangido pela regra em questo.

A interpretao de seus termos, assim, depende essencialmente da anlise

dos casos concretos controversos levados a pronunciamento de jurisprudncia pelo

Sistema de Soluo de Controvrsias.

De qualquer forma, a doutrina especializada divide em duas polticas gerais,

sendo a primeira baseada em medidas de fronteira (border measures), independente

de seu carter fiscal, incidindo sobre regras e formalidades relativas a operaes de

comrcio exterior, e a segunda relativa a medidas internas (internal measures),

independente de seu carter fiscal ou meramente administrativo.37

condition of reciprocity. (Traduo nossa) (THIEL, Servaas Van. WTO and direct taxation: General report. In: LANG, Michael (Org.) WTO and direct taxation. Viena: Kluwer Law, 2005, p. 18. 37

Art. I GATT explicitly states that any trade advantage granted, must immediately and unconditionally be offered to all WTO members. The said provision does not contain an exhaustive list of Policies that should come under its purview. Rather, it establishes standards that will provide interested parties with legislative guidance as to its scope. Case law has importantly contributed a series of clarifications in this respect. The policies covered by art. I GATT can be divided into two categories: a) border measures, irrespective whether of a fiscal character (such as customs duties and charges of any kind imposed on or in connection with importation and exportation, discussed in section 2.2.1), or not (such as rules and formalities in connection with importation and exportation, discussed in section 2.2.2). b) Internal measures, irrespective whether of a fiscal character or not, are briefly addressed in section 2.2.3 and discussed in detail in a separate chapter in this volume (national treatment). O art. I do GATT explicitamente define que qualquer concesso de vantagem comercial deve ser imediata e incondicionalmente oferecida para todos os Membros da OMC. A regra em questo no contm uma lista exaustiva de Polticas que deveriam estar sob seu campo de ao. Mais que isso, ela estabelece critrio que daro noo legislativa sobre seu escopo s partes interessadas. A jurisprudncia contribuiu de forma importante com uma srie de esclarecimentos a este respeito. As polticas cobertas pelo art. I do GATT podem ser divididas em duas categorias: as medidas de fronteira, independente de seu carter fiscal (tais como tarifas aduaneiras e cobranas de qualquer tipo impostas ou em conexo com importao ou exportao, discutidas na seo 2.2.1) ou no (tais como regras e formalidades em conexo com importao e exportao, discutidas na seo 2.2.2). b) Medidas internas, independente de seu carter fiscal ou no, so resumidas na seo 2.2.3 e

40

Para concluir, Importante ressaltar ainda que o prprio GATT estabelece

excees ao princpio da nao mais favorecida, entre elas (i) o tratamento

diferenciado em favor dos pases em desenvolvimento, (ii) o tratamento diferenciado

em favor de Acordos regionais de integrao, contidos no Art. XXIV do Acordo, tais

como o MERCOSUL e/ou a Unio Europia e, por ltimo, (iii) o tratamento

diferenciado a Estados no membros da OMC e, portanto, no sujeitos a suas

regras e consequentemente, no podendo delas se beneficiar. Estas excees no

estariam sujeitas ao tratamento no discriminatrio resultado do princpio da nao

mais favorecida.

De qualquer forma, quanto ao contedo e carter tributrio do princpio da

nao mais favorecida, um Estado-membro da OMC no poder, em regra,

estabelecer diferenas de tratamento tributrio em funo de diferentes origens,

limitando-se assim seu poder estatal de regular medidas tributrias ou no tributrias

conforme interesse individual.

O Estado se mostra adstrito a obedincia ao princpio, sob pena de ser

questionado por meio do rgo de Soluo de Controvrsias - OSC, podendo

implicar em responsabilidade internacional pelo descumprimento das normas

internacionais, em especial atravs de sanes decorrentes de medidas retaliatrias

aprovadas no mbito deste OSC.

1.1.2 O Artigo III - A Clusula de Tratamento Nacional (TN)

discutidas em captulo separado neste volume (tratamento nacional) Traduo nossa. (MATSUSHITA, SHOENBAUM, MAVROIDIS, 2006, p. 206)

41

Se o princpio da nao mais favorecida constitui evidente norma de cunho

limitador de polticas fiscais, o mesmo se pode dizer que se aplica ao princpio do

tratamento nacional.

Considera-se o tratamento nacional o segundo princpio de maior relevncia

no GATT38, sendo um dos artigos mais invocados nas discusses perante o rgo

de Soluo de Controvrsias.

O Artigo III do GATT se aplica no na comparao entre produtos de origens

distintas, mas sim no contraste entre o produto importado e o produto nacional

similar, decorrente da aplicao do princpio da no discriminao no plano interno

dos Estados-membros da OMC, ou, como para Vera Thorstensen, da regra da no

discriminao entre produtos39.

O Artigo III (National Treatment on Internal Taxation and Regulation)40,

estabelece que produtos importados devero sofrer tratamento igual ou no menos

favorvel que as mercadorias similares produzidas internamente pelo Estado-

membro importador. Tais medidas legais de tratamento tm por objetivo garantir que

38

MOTA, 2005, p. 223. 39

THORSTENSEN, 2003, p. 35.

40 1. As Partes Contratantes reconhecem que os impostos e outros tributos internos, assim como leis, regulamentos e exigncias relacionadas com a venda, oferta para venda, compra, transporte, distribuio ou utilizao de produtos no mercado interno e as regulamentaes sobre medidas quantitativas internas que exijam a mistura, a transformao ou utilizao de produtos, em quantidade e propores especificadas, no devem ser aplicados a produtos importados ou nacionais, de modo a proteger a produo nacional. 2. Os produtos do territrio de qualquer Parte Contratante, importados por outra Parte Contratante, no esto sujeitos, direta ou indiretamente, a impostos ou outros tributos internos de qualquer espcie superiores aos que incidem, direta ou indiretamente, sobre produtos nacionais. Alm disso, nenhuma Parte Contratante aplicar de outro modo, impostos ou outros encargos internos a produtos nacionais ou importados, contrariamente aos princpios estabelecidos no pargrafo 1. 3. Relativamente a qualquer imposto interno existente, incompatvel com o que dispe o pargrafo 2, mas expressamente autorizado por um acordo comercial, em vigor a 10 de abril de 1947, no qual se estabelece o congelamento do direito de importao que recai sobre um produto Parte Contratante que aplica o imposto ser lcito protelar a aplicao dos dispositivos do pargrafo 2 a tal imposto, at que possa obter dispensadas obrigaes desse acordo comercial, de modo a lhe ser permitido aumentar tal direito na medida necessria compensar a supresso da proteo assegurada pelo imposto.

42

a tributao interna no constitua fator discriminatrio de comrcio em substituio

das tarifas aduaneiras consolidadas nos acordos da OMC.

Isto porque as tarifas aduaneiras previstas pela Lista de Concesses

Tarifrias devem constituir, conforme previsto pelo Artigo II, no nico fator de

discriminao entre os produtos nacionais e importados.

Assim, a norma em questo voltada ao regramento dos impostos e de

outros tributos internos e no se refere, portanto, aos direitos aduaneiros, imposto de

importao ou encargos semelhantes de efeito equivalente41. Por certo, os tributos

aduaneiros incidem especificamente sobre produtos importados no momento de sua

entrada no territrio do Estado-membro, no sendo atingidos pelo princpio esculpido

no Artigo III. Assim, uma vez importados os produtos, com recolhimento das tarifas e

liberao alfandegria, devem passar a ser tratados de forma idntica ao tratamento

conferido aos produtos domsticos similares.

Segundo Gilson Michels, atravs do princpio se busca evitar a atribuio,

aos produtos estrangeiros, de um tratamento no menos favorvel que o concedido

aos produtos nacionais similares42. E o autor complementa que a clusula de

Tratamento Nacional busca impedir a aplicao, aos produtos importados, de

tributos, leis e outras exigncias administrativas que, colocando tais produtos em

situao de desigualdade perante a proteo interna, protejam a produo nacional.

Trata-se de disciplina de limitao de polticas pblicas internas, tributrias

ou regulatrias43, atingindo e abrangendo de forma sistemtica, todo o campo de

anlise do poder normativo soberano estatal: tributrio e de polcia administrativa.

No entendimento de Washington Juarez de Brito Filho44, o princpio se refere

apenas a tributos internos incidentes na circulao interna de mercadorias, no

41

MATSUSHITA; SCHOENBAUM; MAVROIDIS, 2006, p. 168. 42

MICHELS, 2009, p. 124. 43

TREBILCOCK; HOWSE, 2005, p. 83.

43

atingindo taxas relacionadas com a prestao de servios pblicos ou o exerccio do

poder de polcia por parte da administrao aduaneira. No entendimento desse

autor, o princpio aplicar-se-ia apenas sobre os ajustes fiscais de fronteira,

conceituando o termo a partir do entendimento de Eugenio Lagemann45. de maneira

tal que suportem a mesma carga tributria que os produtos similares de produo

nacional.

Brito Filho conclui que tributos internos, para os termos do Artigo III do

GATT, seriam qualquer incidncia que onerem tanto o produto nacional quanto o

importado similar, no importando onde seja feita a sua exigncia, e que possua, no

ncleo do aspecto material de sua hiptese de incidncia, as operaes de venda,

oferta para venda, compra, transporte, distribuio ou utilizao.46

Aqui, de forma elucidativa, Gilson Michels complementa que o princpio se

aplica no somente aos tributos relacionados ao comrcio exterior, em especial nas

importaes, mas tambm aos tributos internos, referente aos vrios nveis

governamentais (federal, estadual e municipal)47.

O objetivo seria sempre o de garantir a neutralidade econmica entre o

produto nacional e o produto importado.

No entendimento de Matsushita, Schoenbaum e Mavroidis48, a clusula de

tratamento nacional visa preponderantemente o acesso a mercados, com o fim de

assegurar que as concesses tarifrias funcionem em sua plenitude e no venham a

44

Portanto, o Art. III do GATT tambm est limitado em seu escopo a tributos, sejam quais denominaes possurem, que incidam sobre modalidades de materialidades relacionadas intrinsicamente circulao das mercadorias. No se aplica a tributos (no Brasil seriam taxas) cujos fatos geradores sejam a prestao de servios pblicos (ou o exerccio do Poder de Polcia) por parte da administrao aduaneira, os quais sujeitam-se ao art. VIII, a ser examinado posteriormente. (BRITO FILHO, 2007, p. 640). 45

LAGEMANN, Eugnio. H necessidade de um imposto nico sobre o consumo no mbito do MERCOSUL? In: BALTHAZAR, Ubaldo (coord.). Reforma Tributria e Mercosul. Belo Horizonte: Del Rey, 1999, p. 185. 46

BRITO FILHO, 2007, p. 640. 47 MICHELS, 2009, p. 129. 48

MATSUSHITA; SCHOENBAUM; MAVROIDIS, 2003, p. 3 e 153.

44

ser boicotadas por medidas fiscais internas adotadas pelos Estados-membros,

destinadas a proteger a produo nacional.

Gilson Michels entende que:

A idia bsica da clusula TN evitar o protecionismo, fazendo-o por via da proibio aos membros da OMC de adotarem medidas que tenham efeito de atribuir uma vantagem aos produtos domsticos, em detrimento dos produtos estrangeiros. Com isto, o Artigo III.I do GATT reconhece que a exigncia de tributos internos e outros encargos de forma discriminatria, compromete o objetivo bsico do Sistema Multilateral do Comercio, que o da promoo do comrcio internacional livre e justo.

49

Ainda que os Estados adotem medidas tributrias internas como corolrio de

sua soberania tributria, tais medidas no devem servir como carter protecionista,

de forma a macular a liberdade competitiva entre produtos nacionais e importados,

sob pena de ofensa das regras multilaterais.

Ao tratar das medidas tributrias especficas sob o escopo dos acordos da

OMC, Michael Daly50 entende que as medidas tributrias abrangem inclusive as

medidas de tributao direta, ou seja, aquelas que no recaem efetivamente sobre

os produtos em si, mas sim sobre aqueles que produzam ou comercializam os

referidos produtos, com base na sua renda e lucro decorrentes do comrcio. Tais

medidas poderiam atingir situaes fiscais discriminatrias sobre dedues ou

depreciao de bens que encorajariam o uso de produtos domsticos, bem como

tambm sobre a concesso de crditos fiscais apenas para produtos nacionais ou

incidncia de agressivas prticas de preos de transferncia sobre produtos

importados.

No entendimento de Paulo Caliendo, a igualdade de tratamento teria

fundamento tico na justia e neutralidade fiscal como um axioma na proteo da

livre circulao de bens, da concorrncia efetiva e da eficincia de mercado,

49

MICHELS, 2009, p. 126. 50 DALY, 2005, p. 25

45

evitando-se discriminaes arbitrrias que sirvam de forma substitutiva sobre as

tarifas consolidadas51.

Gilson Michels complementa que:

Os Membros da OMC devem aplicar, portanto, aos produtos importados de outros Membros o mesmo tratamento que prestam aos produtos nacionais em matria de impostos, imposies internas, leis e regulamentos administrativos internos. Os direitos aduaneiros, dado serem intrinsicamente discriminatrios, e os outros obstculos fronteirios, por se aplicarem quando da entrada dos bens no pas da importao, no so, por conseguinte, abrangidos por esta clusula. Os impostos e outras imposies internas aplicados tanto aos produtos importados como aos nacionais no deixaro, por fim, de estar sujeitos clusula TN pelo fato de terem sido lanados sobre produtos importados por ocasio do despacho aduaneiro.

52

Assim, concebe-se o princpio do tratamento nacional esculpido no Artigo III

como uma verdadeira limitao ao poder soberano de tributar, a partir da

impossibilidade de adoo de prticas protecionistas que sirvam de incentivo

indstria nacional, em detrimento de importaes. A amplitude da norma abrange

todo e qualquer tributo ou regulamentao que distinga o tratamento de forma a

privilegiar o produto nacional em detrimento do produto importado.

Com efeito, significa dizer que o GATT dispe sobre a exigncia de no

discriminao em impostos diretos ou indiretos em decorrncia das clusulas da

nao mais favorecida e do tratamento nacional, impactando na liberdade de adoo

de medidas fiscais que venham a ferir as normas multilaterais de comrcio.

51 CALIENDO, 2005, p. 31. 52

MICHELS, 2009, p. 129.

46

1.2 Uma anlise sobre as normas do Acordo sobre Subsdios e Medidas

Compensatrias - SCM com reflexo fiscal.

As regras que tratam da definio e regramento dos subsdios estatais no

comrcio internacional so previstas e regidas pelo Acordo sobre Subsdios e

Medidas Compensatrios (Agreement on Subsidies and Coutervailing Measures

SCM). O SCM mais um dos acordos previstos no Anexo 1A ao Acordo de

Marraqueche e que define o conceito de subsdio, estabelecendo regras para sua

aplicao de modo que a utilizao de subsdios por parte dos Estados-membros

no venha a distorcer ou criar barreiras aos fluxos internacionais de comrcio.

De uma maneira geral, assim como j tratado a respeito no que concerne s

outras regras, sempre que os subsdios concedidos vierem a distorcer o comrcio

internacional, podero ser alvo de questionamentos junto ao rgo de Soluo de

Controvrsias - OSC.

Em sua primeira parte, o SCM define aquilo que constitui um subsdio para

efeitos de aplicao do acordo. Define o Artigo 1 que um subsdio existir quando

reunidas trs condies fundamentais: (a) ser dado por meio de uma contribuio do

governo, (b) significar uma vantagem ou benefcio conferido e, por fim, (c) ser

especfico a um setor ou indstria determinada.53

Para Ana Carla Bliacheriene:

Diz-se, genericamente, que o subsdio se configura quando um determinado governo, seja ele nacional ou supranacional, concede auxlios

53

PARTE 1: Disposies Gerais. Artigo 1 Definio de subsdio. 1.1 Para os fins deste Acordo, considerar-se- a ocorrncia de subsdio quando: (a) haja contribuio financeira por um governo ou rgo pblico no interior do territrio de um Membro (denominado a partir daqui governo), i.e.: (...) (b) com isso se confira uma vantagem. 1.2 Um subsdio, tal como definido no pargrafo 1, apenas estar sujeito s disposies da PARTE II ou s disposies das PARTES III ou V se o mesmo for especfico, de acordo com as disposies do Artigo 2. Artigo 2 - Com vistas a determinar se um subsidio, tal como definido no pargrafo 1 do Artigo 1, destina-se especificamente a uma empresa ou produo, ou a um grupo de empresas ou produes (denominadas neste Acordo de "determinadas empresas"), dentro da jurisdio da autoridade outorgante, sero aplicados os seguintes princpios (...).

47

a empresas de um determinado setor, diminuindo-lhe os custos e promovendo-lhe uma vantagem artificial no campo da competio internacional.

54

Este mesmo acordo, em suas partes seguintes, estabelece aquilo que

considera como subsdios proibidos, subsdios acionveis e subsdios que so

considerados pelo acordo como no acionveis, conforme descritos nas partes II

(Artigos 3 e 4), III (Artigos 5, 6 e 7) e IV (Artigos 8 e 9), respectivamente.

Os subsdios considerados proibidos so aqueles que preencham as

caractersticas da primeira parte do acordo (definio de subsdios) e que sejam

vinculados ao desempenho exportador e/ou a preferncia de produtos nacionais em

detrimento de produtos importados.

J os subsdios considerados acionveis so aqueles subsdios que

preencham as caractersticas delimitadas na primeira parte (definio de subsdios)

e que venham a causar danos indstria ou aos interesses de outro Estado-

membro.

Estas espcies de subsdios (proibidos ou acionveis) podem ser objeto de

questionamentos a fim de elimin-los ou a fim de compensar os prejuzos causados

por meio de mecanismos de retaliao econmica, conforme previsto a partir das

regras sobre soluo