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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA LEILA MARIA TESCH A Variação no Âmbito do Irrealis entre as Formas do Futuro do Pretérito e Pretérito Imperfeito do Indicativo na Fala Capixaba RIO DE JANEIRO 2007

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FACULDADE DE LETRAS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LINGÜÍSTICA

LEILA MARIA TESCH

A Variação no Âmbito do Irrealis entre as Formas do Futuro do Pretérito e Pretérito Imperfeito do Indicativo na Fala Capixaba

RIO DE JANEIRO 2007

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LEILA MARIA TESCH

A Variação no Âmbito do Irrealis entre as Formas do Futuro do Pretérito e Pretérito Imperfeito do Indicativo na Fala Capixaba

Dissertação de Mestrado apresentada à Coordenação de Pós-Graduação em Lingüística da Faculdade de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Orientadora: Professora Doutora Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva.

RIO DE JANEIRO

2007

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DEFESA DE TESE TESCH, Leila Maria. A Variação no Âmbito do Irrealis entre as Formas do Futuro do Pretérito e Pretérito Imperfeito do Indicativo na Fala Capixaba. Rio de janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2007. Dissertação de Mestrado em Lingüística.

BANCA EXAMINADORA ___________________________________________________________________________ Professora Doutora Vera Lúcia Paredes Pereira da Silva – UFRJ / Lingüística

Orientadora ___________________________________________________________________________ Professora Doutora Helena Gryner – UFRJ / Lingüística __________________________________________________________________________ Professora Doutora Célia Regina dos Santos Lopes – UFRJ / Letras Vernáculas ___________________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Luiza Braga - UFRJ / Lingüística __________________________________________________________________________ Professora Doutora Maria Eugênia Lamoglia Duarte – UFRJ / Letras Vernáculas Defendida a dissertação: Conceito: Em: / /

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Aos meus queridos e amados pais Leomar e Rosalina, por terem me

ensinado o caminho do bem, da honestidade, da persistência, da

esperança e da simplicidade. Enfim, devo-lhes tudo que sou.

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“A verdade é filha do tempo, se Aristóteles voltasse à vida, não seria Aristotélico.”

(Giordano Bruno, 1500-1600)

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AGRADECIMENTOS

A Deus que sempre cuidou de mim, orientando, confortando e abençoando-me.

À professora Drª Vera Lucia Paredes Pereira da Silva pela orientação segura e amiga.

Muito tenho aprendido com esta competente pesquisadora.

Aos meus pais por terem demonstrado o valor da instrução escolar para mim e minha

irmã, embora eles não houvessem tido muita oportunidade de acesso à escola. Agradeço

também pelo carinho, pelas orações e palavras de conforto e ânimo durante os trechos difíceis

dessa caminhada.

À minha irmã Lucineide, pelo carinho.

Ao meu namorado, André, por amar uma mulher que tem paixão pela busca do saber e

que dedica tanto tempo aos livros. Pela compreensão por eu não ter participado de sua

companhia em tantos momentos. Além da grande ajuda em vários trabalhos e pesquisas.

À Nedes e ao Felipe por me acolherem tão bem e me darem carinho e apoio.

À Regina, pela hospitalidade e carinho, jamais esquecerei a grande ajuda dessa amiga.

E ao Alexandre e Rafael, que me acolheram em sua residência de forma muito acolhedora e

carinhosa.

À Professora Drª Lílian Coutinho Yacovenco que nunca deixou de me ajudar em

diversas situações. Agradeço a ela principalmente pelo incentivo a tentar o mestrado, desde o

período da graduação ela já me preparava para participar deste curso.

Às professoras Maria da Penha Pereira Lins e Hilda de Oliveira Olímpio pelo

incentivo a continuar os estudos e pelas várias palavras de carinho.

Ao CNPq, pela bolsa concedida.

À Lílian Ferrari, coordenadora do Programa de Lingüística, que trabalhou de forma

amiga e disposta a esclarecer nossas dúvidas.

Aos meus amigos que entenderam minhas ausências e distâncias.

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Sem a ajuda dessas pessoas e tantas outras não seria capaz de concluir este mestrado.

Essa é uma vitória de todos nós, de certa forma.

Enfim, gostaria de agradecer a inúmeras pessoas pelo apoio a esta pesquisa.

Dedico a todos vocês esta pesquisa, esperando ter correspondido, dentro das minhas

limitações, ao que dela se possa exigir.

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SINOPSE

Estudo da variação entre as formas do futuro do pretérito e pretérito

imperfeito do indicativo, sintéticas (amaria e amava) e perifrásticas

(iria amar e ia amar), com a noção de irrealis, com base nos princípios

da Sociolingüística Variacionista Laboviana, num corpus constituído

de entrevistas com informantes falantes da cidade de Vitória – ES,

identificando os fatores lingüísticos e sociais correlacionados a este

fenômeno variável.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................14

2.1 O CONCEITO DE FP E PI.............................................................................................18

2.2 FUTURO DO PRETÉRITO: TEMPO, MODO OU MODALIDADE?.........................19

2.2.1 A noção de tempo .....................................................................................................20

2.2.2 As categorias modo/ modalidade..............................................................................21

2.3 A NOÇÃO DE IRREALIS .............................................................................................24

2.4 OS VERBOS MODAIS ..................................................................................................31

3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA ........................................................................................35

3.1 SOCIOLINGÜÍSTICA VARIACIONISTA ...................................................................35

3.2 FUNCIONALISMO LINGÜÍSTICO .............................................................................37

3.2.1 Gramaticalização ......................................................................................................40

4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA..............................................................................................45

4.1 GRAMÁTICAS DO PORTUGUÊS...............................................................................45

4.2 ESTUDOS ESPECÍFICOS .............................................................................................48

4.2.1 Câmara Jr. .................................................................................................................48

4.2.2 Vaz Leão ...................................................................................................................52

4.2.3 Costa .........................................................................................................................53

5 METODOLOGIA..................................................................................................................58

5.1 CARACTERIZAÇÃO DO CORPUS.............................................................................60

5.1.1 A cidade de Vitória ...................................................................................................62

5.1.1.1 Perfil do capixaba ..................................................................................................65

5.2 DESCRIÇÃO DO TRATAMENTO DOS DADOS .......................................................65

6 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS ....................................................................................67

6.1 PARALELISMO.............................................................................................................71

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6.1.1 Resultados e discussão..............................................................................................74

6.2 TIPO DE TEXTO............................................................................................................78

6.2.1 Resultados e discussão..............................................................................................84

6.3 SALIÊNCIA FÔNICA....................................................................................................86

6.3.1 Resultados e discussão..............................................................................................89

6.4 EXTENSÃO LEXICAL..................................................................................................91

6.4.1 Resultados e discussão..............................................................................................92

6.5 AMBIENTE SINTÁTICO-SEMÂNTICO .....................................................................94

6.5.1 Resultados e discussão............................................................................................100

6.6 FAIXA ETÁRIA...........................................................................................................103

6.6.1 Resultados e discussão............................................................................................104

6.7 GÊNERO/ SEXO..........................................................................................................106

6.7.1 Resultados e discussão............................................................................................108

6.8 ESCOLARIZAÇÃO......................................................................................................112

6.8.1 Resultados e discussão............................................................................................113

7 VERBOS MODAIS.............................................................................................................118

7.1 RESULTADOS REFERENTES À AMOSTRA VERBOS MODAIS.........................118

8 GRAMATICALIZAÇÃO DE IR COM A NOÇÃO DE IRREALIS .................................128

8.1 TRAJETÓRIA DE MUDANÇA SINTÁTICO-SEMÂNTICA DE IR.........................128

8.2 ANÁLISE......................................................................................................................129

8.2.1 Freqüência de ocorrência ........................................................................................130

8.2.1 Freqüência de tipo...................................................................................................134

9 CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................141

10 REFERÊNCIAS ................................................................................................................147

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LISTA DE TABELAS E GRÁFICOS

TABELAS:

Tabela 1: Totais de dados produzidos por informantes que ganharam escolarização entre o primeiro e o segundo contato - ESTUDO PAINEL, p. 56

Tabela 2: Distribuição dos informantes de acordo com as variáveis sociais, p. 61

Tabela 3: Distribuição de ocorrências das variantes FP, IMP, IA + V e IRIA + V, p. 67

Tabela 4: Distribuição de ocorrências das variantes no futuro do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo, p. 68

Tabela 5: Distribuição de ocorrências das variantes FP, IMP, IA + V e IRIA + V nos verbos não-modais, p. 69

Tabela 6: Distribuição de ocorrências das variantes no futuro do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo em verbos não-modais, p. 70

Tabela 7: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de FP em verbos não-modais, p. 75

Tabela 8: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de PI em verbos não-modais, p. 75

Tabela 9: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de IA + V em verbos não-modais, p. 75

Tabela 10: Influência do grupo de fatores PARALELISMO sem os gatilhos na escolha de FP em verbos não-modais, p. 77

Tabela 11: Influência do grupo de fatores PARALELISMO sem os gatilhos na escolha de PI em verbos não-modais, p. 77

Tabela 12: Influência do grupo de fatores PARALELISMO sem os gatilhos na escolha de IA + V em verbos não-modais, p. 77

Tabela 13: Influência do grupo de fatores TIPO DE TEXTO na escolha de FP em verbos não-modais, p. 85

Tabela 14: Influência do grupo de fatores TIPO DE TEXTO na escolha de PI em verbos não-modais, p. 85

Tabela 15: Influência do grupo de fatores TIPO DE TEXTO na escolha de IA + V em verbos não-modais, p.85

Tabela 16: Influência do grupo de fatores SALIÊNCIA FÔNICA na escolha de FP em verbos não-modais, p. 90

Tabela 17: Influência do grupo de fatores SALIÊNCIA FÔNICA na escolha de IA + V em verbos não-modais, p. 90

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Tabela 18: Influência do grupo de fatores SALIÊNCIA FÔNICA na escolha de PI em verbos não-modais, p. 90

Tabela 19: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de PI em verbos não-modais, p. 92

Tabela 20: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de IA + V em verbos não-modais, p. 93

Tabela 21: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de FP em verbos não-modais, p. 93

Tabela 22: Influência do grupo de fatores AMBIENTE SINTÁTICO-SEMÂNTICO na escolha de PI em verbos não-modais, p. 101

Tabela 23: Influência do grupo de fatores AMBIENTE SINTÁTICO-SEMÂNTICO na escolha de IA + V em verbos não-modais, p. 102

Tabela 24: Influência do grupo de fatores FAIXA ETÁRIA na escolha de PI em verbos não-modais, p. 104

Tabela 25: Influência do grupo de fatores FAIXA ETÁRIA na escolha de IA + V em verbos não-modais, p. 104

Tabela 26: Influência do grupo de fatores SEXO/ GÊNERO na escolha de FP em verbos não-modais, p. 108

Tabela 27: Influência do grupo de fatores SEXO/ GÊNERO na escolha de PI em verbos não-modais, p. 108

Tabela 28: Influência do grupo de fatores SEXO na escolha de IA + V em verbos não-modais, p. 109

Tabela 29: Influência do grupo de fatores ESCOLARIDADE na escolha de FP em verbos não-modais, p. 113

Tabela 30: Influência do grupo de fatores ESCOLARIDADE na escolha de PI em verbos não-modais, p.113

Tabela 31: Influência do fator FAIXA ETÁRIA DE 15 A 25 ANOS na escolha de FP, relacionado à OCORRÊNCIA PRECEDIDA DE GATILHO EM FP, em verbos não-modais, p. 115

Tabela 32: Distribuição dos verbos modais por entre as formas FP, PI, IA + V e IRIA + V, p. 119

Tabela 33: Influência do ITEM LEXICAL na escolha das variantes, p. 120

Tabela 34: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de PI nos verbos modais, p 122

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Tabela 35: Influência do grupo de fatores PARALELISMO, excluindo as ocorrências de gatilho, na escolha de PI nos verbos modais, p. 123

Tabela 36: Influência do grupo de fatores TIPO DE TEXTO na escolha de PI nos verbos modais, p. 123

Tabela 37: Influência do grupo de fatores FAIXA ETÁRIA na escolha de PI nos verbos modais, p. 124

Tabela 38: Influência do grupo de fatores SEXO na escolha de PI nos verbos modais, p. 124

Tabela 39: Influência do grupo de fatores ESCOLARIDADE na escolha de PI nos verbos modais, p. 125

Tabela 40: Freqüência de ocorrências do Verbo IR, p. 133

Tabela 41: Ocorrências de TIPO DE VERBO relacionado ao tipo de auxiliar, p. 139

GRÁFICOS:

Gráfico 1: Distribuição da ocorrências das variantes, p. 68

Gráfico 2: Distribuição dos dados de PI e IA + V, de acordo com a FAIXA ETÁRIA em verbos não-modais, p. 105

Gráfico 3: Distribuição dos dados de FP, PI e IA + V, de acordo com a FAIXA ETÁRIA nas MULHERES em verbos não-modais, p. 110

Gráfico 4: Distribuição dos dados de FP, PI e IA + V, de acordo com a FAIXA ETÁRIA nos HOMENS em verbos não-modais, p. 111

Gráfico 5: Distribuição dos dados de FP, PI e IA + V, de acordo com a ESCOLARIDADE na faixa etária de 15 a 25 anos, em verbos não-modais, p. 114

Gráfico 6: Distribuição dos dados de FP, PI e IA + V, de acordo com a ESCOLARIDADE na faixa etária de 26 a 49 anos, em verbos não-modais, p. 115

Gráfico 7: Distribuição dos dados de FP, PI e IA + V, de acordo com a ESCOLARIDADE na faixa etária de 50 anos ou mais, em verbos não-modais, p. 116

Gráfico 08: Distribuição dos verbos modais entre as variantes PI, FP e IA + V, p. 120

Gráfico 09: Distribuição dos dados relacionando FAIXA ETÁRIA à ESCOLARIDADE na escolha de PI na amostra verbos modais, p. 126

QUADROS:

Quadro 1: Contrato falante-ouvinte, baseado em Givón (1984), p. 26

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Quadro 2: Concepção bipartida de irrealidade, extraído de Costa (1997: 27), p. 30

FIGURA:

Figura 1: Mapa da cidade de Vitória com as sete regiões administrativas, p. 64

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1 INTRODUÇÃO

Nos últimos anos, o tempo, o modo e o aspecto verbal têm despertado o interesse de

diversos pesquisadores do português brasileiro, o que se pode comprovar através de inúmeros

trabalhos publicados a respeito do assunto. As formas de futuro, em especial, têm merecido a

atenção dos lingüistas, em estudos que têm apontado a tendência ao uso de formas

perifrásticas, paralelamente às formas da conjugação verbal regular. Assim, os tempos verbais

do futuro foram pesquisados por Gibbon (2000), na língua falada de Florianópolis; Santos

(2000), no português formal e informal falado no Rio de Janeiro; e Costa (1997; 2003), no

português informal do Rio de Janeiro, nas modalidades falada e escrita.

Este estudo analisa a variação entre as formas futuro do pretérito e pretérito imperfeito

do indicativo, sintéticas (amaria e amava, respectivamente) e perifrásticas (iria amar e ia

amar, respectivamente), na expressão de informação no âmbito do irrealis, concentrando seu

foco numa região ainda não pesquisada - a cidade de Vitória. Toma por base a Teoria

Sociolingüística Variacionista e investiga, portanto, os contextos lingüísticos e sociais

correlacionados à variação.

Assim, o corpus aqui utilizado pertence ao projeto “O português falado na cidade de

Vitória”, que se constitui de entrevistas com 46 informantes nativos da capital do Espírito

Santo, Vitória, coletadas entre 2001 e 2002. Os falantes estão estratificados de acordo com a

idade, sexo e escolaridade do entrevistado Yacovenco (2002).

Essa cidade, fundada há 450 anos, ainda não possuía estudos sistemáticos de caráter

sociolingüístico, e a formação desse banco de dados permitiu o registro da língua em seu uso

efetivo, abrindo caminho para o conhecimento mais aprofundado da realidade lingüística atual

da comunidade de fala capixaba. Além disso, pode contribuir para a ampliação do rol de

banco de dados existentes no Brasil, com descrições que venham a ser úteis para um melhor e

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mais sistemático conhecimento das diferenças e múltiplas realidades lingüísticas vivenciadas

pelos falantes do português brasileiro.

Este estudo é o primeiro a utilizar sistematicamente todo o corpus do projeto “O

português falado na cidade de Vitória”, mas se espera que seja o primeiro de uma série de

investigações que tem por objetivo mais amplo constituir um observatório da variação

lingüística nessa comunidade de fala.

Na fase de coleta de dados, verificou-se a variação futuro do pretérito/ pretérito

imperfeito do indicativo nas entrevistas realizadas e observou-se que tal variação não era

binária, pois foram encontradas paralelamente às formas sintéticas, as perifrásticas. De fato,

essa variação não se restringe ao corpus analisado, pois pode ser constatada em diversos

contextos, como na campanha publicitária de uma marca famosa de lingerie: “Se eu fosse

você, saía mais cedo do trabalho hoje. Tomava um banho bem demorado. Vestia o seu

sorriso mais bonito. Usava aquele perfume que eu adoro e sempre esqueço o nome. Se eu

fosse você, não esquecia que hoje é o nosso primeiro aniversário de casamento”.

Retomando as variantes consideradas nesta pesquisa, têm-se as seguintes formas1:

• Futuro do pretérito na forma sintética, doravante FP

(Se eu fosse você, não esqueceria que hoje é o nosso primeiro aniversário de casamento);

• Pretérito imperfeito do indicativo na forma sintética, doravante PI

(Se eu fosse você, não esquecia que hoje é o nosso primeiro aniversário de casamento);

• Futuro do pretérito na forma perifrástica, doravante IRIA + V

(Se eu fosse você, não iria esquecer que hoje é o nosso primeiro aniversário de casamento);

• Pretérito imperfeito do indicativo na forma perifrástica, doravante IA + V

(Se eu fosse você, não ia esquecer que hoje é o nosso primeiro aniversário de casamento).

1 Os exemplos foram baseados na última frase da campanha publicitária acima apontada.

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Nesta dissertação, inicialmente, é detalhado o objeto de estudo aqui analisado,

delimitando o contexto de variação. Abordam-se também as noções de tempo, modo e

modalidade, relacionando-as ao fenômeno estudado.

No capítulo 3, o fenômeno é enquadrado dentro da Teoria da Sociolingüística

Variacionista e do Funcionalismo Lingüístico, apresentado-se, também, um panorama sobre o

conceito de gramaticalização, discutindo o processo de gramaticalização do verbo pleno IR

em auxiliar.

Uma revisão de gramáticas do português, como as de Said Ali (1969), Cunha & Cintra

(2000), Luft (2000), Bechara (1989 e 2003), Mira Mateus (1983), Vilela e Koch (2001), e de

estudos específicos sobre as formas variantes que expressam o irrealis, como os de Câmara

(1956 e 2001), Leão (1961) e Costa (1997 e 2003), é mostrada no quarto capítulo.

O capítulo 5 apresenta os procedimentos metodológicos utilizados para o estudo da

variação: a caracterização do corpus e a descrição do tratamento dos dados. As hipóteses

formuladas para o fenômeno variável pesquisado estão lançadas também no quinto capítulo.

Em seguida, no capítulo 6, descrevem-se os contextos lingüísticos e sociais que se

mostraram relevantes para o fenômeno estudado em verbos não-modais. Em um primeiro

momento, define-se o grupo de fatores em questão e posteriormente interpretam-se os

resultados quantitativos obtidos por meio do programa estatístico computacional Goldvarb

(versão 2001).

Em um capítulo à parte, o sétimo, discute-se a atuação das formas variantes em verbos

modais, que foram analisados separadamente por apresentarem comportamento peculiar em

relação aos demais dados.

No capítulo posterior, apresenta-se um estudo das formas perifrásticas, analisando um

possível caminho de gramaticalização do verbo pleno IR em auxiliar. Acredita-se que essas

variantes em perífrase (IRIA + V e IA + V) estejam em processo de gramaticalização, dado

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que o verbo IR parece assumir a função de um auxiliar verbal, como em Iria estudar,

deixando de somente significar movimento, como verbo pleno, que seria sua forma “mãe”,

por exemplo, Iria à escola.

Finalmente, nas considerações finais, retomam-se os principais aspectos abordados,

comentando os resultados mais relevantes da análise quantitativa, relacionado-os às hipóteses

formuladas.

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2 O OBJETO DE ESTUDO

2.1 O CONCEITO DE FP E PI

Os tempos verbais, principalmente as formas de futuro, estão sendo bastante

explorados nas atuais pesquisas lingüísticas, principalmente na linha variacionista. Santos

(2000) investigou o uso o futuro do presente e suas formas variantes no português formal e

informal falado no Rio de Janeiro. Gibbon (2000) também analisa a expressão do tempo

futuro na língua falada por informantes nativos de Florianópolis.

Além dessas, Costa (1997) investigou a variação na noção de irrealis expressa pelas

formas de futuro de pretérito e pretérito imperfeito do indicativo, sintéticas e perifrásticas, em

amostras de língua falada e escrita. Posteriormente, Costa (2003) realizou um estudo

diacrônico do mesmo fenômeno no português do Rio de Janeiro.

Em relação ao tema aqui estudado, geralmente a variação entre as formas do futuro do

pretérito e pretérito imperfeito do indicativo não é abordada nas gramáticas tradicionais. Ao se

consultar uma gramática normativa ou livro didático de Língua Portuguesa, pode-se verificar

diversas definições para esses tempos, como a de Faraco & Moura (1994):

Pretérito imperfeito - expressa um fato no passado, mas não concluído. Ex.: Os soldados chegavam, ouviam e paravam. Futuro do pretérito - expressa um fato futuro relacionando-o com um fato passado. Ex.: Eu estudaria se tivesse tempo.

Entretanto, ao se analisar o emprego dos tempos verbais na língua cotidiana, pode-se

perceber uma certa indistinção no emprego do futuro do pretérito e do pretérito imperfeito do

indicativo, com a noção de irrealis.

É interessante pontuar o fato de o futuro do pretérito ser um tempo verbal de definição

e classificação pouco pacíficas. Segundo a tradição gramatical, o modo indicativo expressa o

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realis (indica certeza, veicula fatos reais), enquanto o subjuntivo exprime o irrealis (hipótese,

dúvida). No entanto, o futuro do pretérito expressa uma atitude do falante que, em relação ao

que enuncia, indica dúvida, assim como o pretérito imperfeito do indicativo, quando usado no

mesmo contexto. Assim, é problemático considerá-los como pertencentes ao modo indicativo,

seguindo essa acepção, embora a gramática normativa siga esse posicionamento.

Além do critério semântico para a caracterização dos modos verbais, há o sintático,

segundo o qual o subjuntivo, geralmente, é utilizado na oração subordinada. Contudo, o

emprego do futuro do pretérito e do pretérito imperfeito do indicativo, com a noção de

irrealis, oscila entre ambientes de orações subordinadas, principais e dependentes (cf. seção

6.5).

Dubois (2001: 300) afirma que o futuro verbal refere-se a uma modalidade,

apresentando uma visão dicotômica dos tempos verbais (presente e não-presente). Em relação

ao futuro do pretérito, por ele chamado condicional, menciona apenas que é a combinação do

futuro com o passado.

Câmara (1981: 123) afirma que há uma correspondência entre o futuro do pretérito e o

pretérito imperfeito do indicativo para assinalar modo.

É devido a tais questões que se discute a seguir se é possível considerar o futuro como

tempo, modo ou modalidade.

2.2 FUTURO DO PRETÉRITO: TEMPO, MODO OU MODALIDADE?

Há uma linha tênue entre tempo, modo e modalidade nas formas de futuro. Embora

muitos gramáticos definam o futuro do pretérito como o tempo que expressa um fato futuro,

relacionando-o a um passado, nota-se uma imbricação entre as categorias de tempo e modo, e

entre modo e modalidade. A seguir se discutem essas noções.

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2.2.1 A noção de tempo

A palavra tempo muito já foi discutida e comentada. Ocorre na Língua Portuguesa

uma ambigüidade entre tempo (tense), uma categoria gramatical, e Tempo (time)2, uma

entidade fundamentalmente experiencial, abstrata e ligada à seqüenciação de eventos –

anterioridade (passado), simultaneidade (presente), posterioridade (futuro). Essa ambigüidade

teve como conseqüência a prática de denominar tenses (tempo verbal) de acordo com a

seqüência de tempo (time) linear: passado, presente e futuro.

Podem ocorrer outras marcações de tempo, além das convencionais noções passado,

presente e futuro, conforme apontado por Travaglia (1991: 76): “a) com uma realização

iniciada no passado e estendendo-se até o presente; b) com realização iniciada no presente e

estendendo-se para o futuro; c) com realização onitemporal, isto é, abrangendo todos os

tempos”.

A noção temporal está associada ao verbo, na Língua Portuguesa, por intermédio de

morfemas característicos de cada um deles que expressam cumulativamente o modo, como –

ria para o FP e –va para o PI nos verbos pertencentes à 1ª conjugação e –ia para os de 2ª e 3ª

conjugações.

Há outras expressões que podem informar a ordem temporal, tais como advérbios,

numerais, conjunções ou sentenças. Entretanto, vale ressaltar a importância do verbo nesse

contexto, pois ele permite ao falante/ ouvinte situar-se no Tempo quanto ao desenrolar dos

fatos no momento em que se fala. A riqueza de morfemas temporais, que essa classe de

palavras apresenta, demonstra sua natureza dinâmica, em oposição ao caráter estático dos

nomes.

2 A fim de impedir confusões terminológicas, considera-se Tempo (com inicial maiúscula) a noção de time, ou Tempo físico, e tempo (inicial minúscula) a categoria gramatical, tense.

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A respeito do futuro do pretérito, percebe-se que esse é um tempo verbal de definição

e classificação bastante complexas, principalmente devido ao fato de expressar irrealis e estar

classificado como um dos tempos do modo indicativo, este caracterizado por exprimir o

realis, conforme exposto na seção anterior. Além disso, é designado por uma gama de

diferentes termos, como condicional e parte do período hipotético.

A forma do futuro do pretérito expressa incerteza, irrealidade, e essas atitudes são

consideradas como modais, relacionadas à categoria de modo. Portanto, torna-se difícil

distinguir temporalidade e modo, assim como tempo e modalidade ao se referir aos tempos do

futuro do indicativo (futuro do presente e futuro do pretérito), na Língua Portuguesa. Nas

formas de futuro, tempo e modo confluem.

2.2.2 As categorias modo/ modalidade

É comum perceber uma confusão entre modo e modalidade, usados muitas vezes

como equivalentes. Modo é uma categoria gramatical, enquanto a modalidade pode apresentar

várias manifestações formais além do verbo, mais ligada a noções semânticas. Assim, pode-se

dizer que toda frase é caracterizada por uma modalidade aparente ou implícita e os modos são

apenas um dos meios utilizados para exprimir a modalidade. Segundo Travaglia (1991), a

modalidade também pode ser marcada por advérbios, como ‘talvez’ e ‘provavelmente’, uma

oração principal, por exemplo ‘eu acho que’, ou por verbos do tipo ‘crer’, ‘proibir’, e ainda

pela entonação da voz do falante.

A indistinção entre modo e modalidade na Língua Portuguesa está relacionada ao fato

de a gramática tradicional distinguir uma categoria flexional de modo, atribuindo noções

distintas para o subjuntivo e para o indicativo, mas não usar o termo modalidade para referir-

se às atitudes do indivíduo acerca do que fala.

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A categoria gramatical de modo é identificada nas diversas línguas do mundo. O

inglês apresenta um sistema de verbos modais – will , can, may, must, enquanto o latim

reconhece um sistema de modo subjuntivo, indicativo e imperativo – igualmente reconhecido

pelo grego clássico – subjuntivo e optativo.

O futuro do pretérito, assim como o futuro do presente, não pode ser considerado um

tempo verbal que indica somente tempo, mas também modo. Segundo Mira Mateus et alii

(1983: 119), é até discutível considerar o futuro como tempo em línguas em que não está

gramaticalizado, dado que esse exprime sempre um valor modal.

O futuro lingüístico exprime sempre, associadamente a um valor temporal, um valor modal de não factualidade (...). No português, a seleção dos tempos e modos verbais utilizados na expressão do futuro é determinada pela modalidade em que a proposição é assertada pelo locutor.

O futuro, segundo Lyons (1977), não pode ser considerado um conceito puramente

temporal. Apresenta na enunciação um uso não-factual, envolvendo suposição, inferência,

desejo, intenção e vontade.

Não se pode afirmar que o futuro do pretérito indique somente tempo e modo. Além

desses, há também traços da modalidade. Tal traço é constatado também nas perífrases

estudadas neste trabalho. O modo é uma categoria lingüística que expressa a modalidade.

Em relação à modalidade, desde Aristóteles muitos estudiosos vêm procurando definir

e classificar os seus tipos. Pode ser considerada como a avaliação do falante sobre seu próprio

enunciado, isto é, sua opinião ou atitude a respeito da proposição que a frase expressa.

Segundo a lógica tradicional, há três tipos de modalidades:

1) Modalidade alética – diz respeito às relações entre o falante e o universo de referência.

Instaura na proposição as noções de possibilidade, necessidade, impossibilidade e

contingência, e diz respeito à verdade contida na proposição.

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2) Modalidade epistêmica – está relacionada ao tipo de conhecimento ou crença que o

falante apresenta sobre o conteúdo das proposições que enuncia.

3) Modalidade deôntica – refere-se às normas de moral, conduta, direitos e deveres. Informa

sobre o conhecimento ou julgamento que o falante tem de seu enunciado.

Contudo, outros autores3 costumam considerar apenas as modalidades epistêmica e

deôntica. A primeira diz respeito ao conhecimento, crença ou opinião, estando mais voltada

ao uso da língua para informar, enquanto a segunda está ligada à necessidade ou

possibilidade, estando relacionada ao uso da língua para agir.

A modalidade epistêmica diz respeito à língua como meio de informação, expressando

os graus ou a natureza da crença do falante sobre a verdade do que ele diz. A modalidade

deôntica relaciona-se à língua como forma de ação, geralmente com a expressão do falante

das suas atitudes perante ações possíveis realizadas por ele e por outros, Palmer (1986: 121).

O uso do termo epistêmico é justificável etimologicamente, segundo Palmer (1986:

51), tendo em vista que deriva da palavra grega episteme, significando ‘conhecimento’, assim

pode ser interpretado como mostrando o status da compreensão ou conhecimento do falante.

A modalidade epistêmica representa a mais pura delas, já que se realiza em um nível

eminentemente supra-proposicional e é responsável pela expressão de julgamentos do falante.

Essa modalidade está comprometida com a crença, verdade, probabilidade, (in) certeza,

evidência e eventualidade.

A modalidade deôntica instaura-se ao nível da proposição, estando relacionada, em um

nível mais concreto, a atos de fala em que se procura atuar sobre o interlocutor, por meio de

enunciados diretivos, avaliativos ou volitivos. Assim, estaria comprometida muito mais com a

3 Conferir Palmer (1986), Lyons (1977) e Givón (1995).

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capacidade, habilidade, obrigação, manipulação, permissão e necessidade da ação, do que

com a especulação sobre a verdade do enunciado.

Da modalidade epistêmica da lógica clássica, a gramática tradicional herdou a

oposição realis/ irrealis4. Assim, opõe-se modo indicativo – referente a eventos reais,

realizados ou certos de serem realizados – ao subjuntivo – eventos não-realizados, irreais.

Givón (1995) postula que, por estar inserida no âmbito do irrealis, a modalidade

epistêmica envolve um significado intrínseco de certeza epistêmica, por apresentar baixa

certeza ou baixa probabilidade em relação à ocorrência dos fatos.

Palmer (1986: 191) ressalta o fato de que as condições reais aparecem freqüentemente

em formas declarativas. As condições irreais, por outro lado, usam uma variedade de

artifícios, como 1) tempo pretérito, 2) subjuntivo, 3) verbos modais e 4) partículas.

A noção de irrealidade, por permear os contextos sintáticos em que é possível

constatar as formas variantes FP, PI, IRIA + V e IA + V aqui estudadas, será melhor discutida

na próxima seção, a fim de se conceituar e delimitar o que se denomina como uma informação

no âmbito do irrealis, nesta pesquisa.

2.3 A NOÇÃO DE IRREALIS

Ao construir o discurso, o homem expressa diferentes atitudes, em função de seus

objetivos e condicionamentos situacionais e interacionais. Algumas dessas atitudes, como a

certeza, dúvida, probabilidade, obrigação e necessidade, modalizam o discurso e estabelecem

o ‘contrato’ ouvinte-falante. A partir da modalidade, o falante instaura um espaço de

virtualidade, evidenciando um saber que discute com o outro as condições, as potencialidades,

as chances de realização ou não da proposição, o grau de adesão ao seu próprio enunciado.

4 Oposição entre eventos factuais (reais) e não-factuais (irreais).

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As diferentes atitudes, relacionadas ao processo de formalização lingüística de

categoria modalidade, passam a ser traduzidas pelos conceitos realis (certeza, verdade,

factual) e irrealis (hipótese, possibilidade, dúvida, condição, virtualidade), com base em

Givón (1984; 1990), e definidas a partir do ‘contrato’ falante-ouvinte.

Givón (1984, 252-253), ao definir essas duas modalidades acima apontadas, postula

que se deve ultrapassar o âmbito do lógico-semântico, é preciso assumir uma perspectiva

discursivo-pragmática. A partir dessa concepção, instaura a modalidade como um contrato

epistêmico entre o falante e o ouvinte na situação comunicativa. O lingüista estabelece três

tipos de modalidades5:

a) Conhecimento não contestado (verdade necessária, analítica e pressuposta);

b) Conhecimento assertivo do realis (verdade factual, sintética);

c) Conhecimento assertivo do irrealis (verdade possível, condicional).

Tendo em vista essas observações, Givón (1984: 254-255) elabora um esboço

relacionando atitudes e modalidades, no capítulo entitulado “Information-theoretic

preliminaries of discourse pragmatics”.

5 Essas modalidades não se constroem em termos de uma verdade absoluta, mas em relação às atitudes do falante e ouvinte a respeito do seu discurso.

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Contrato falante / ouvinte Não-contestado Realis Irrealis

Suposição do falante sobre o conhecimento que o ouvinte tem da proposição

Familiaridade ou crença na

proposição

Não familiaridade com a proposição

Não familiaridade com a proposição

Força da crença do falante na proposição

Muito forte Forte Fraca

Necessidade de o falante apoiar a proposição com evidências

Não necessária Necessária Impossível

Força das evidências do falante para apoiar a proposição

Não relevante Mais forte Mais fraca

Disposição do falante de tolerar contestação da proposição

Disposição mínima Mais disposição Muita disposição

Possibilidade de o ouvinte contestar a proposição

Baixa Média Alta

Quadro 1: Contrato falante-ouvinte, baseado em Givón (1984)

A partir desse quadro, é possível avaliar as diferentes circunstâncias pragmáticas do

uso do irrealis na negociação interativa entre falante e ouvinte. Ao expressar a irrealidade, o

falante demonstra não familiaridade com a proposição, apresenta uma fraca crença em relação

ao que afirma e é impossível apoiar a proposição em evidências. Além disso, o falante

apresenta muita disposição de permitir a contestação da proposição e é alta a possibilidade de

o ouvinte contestá-la.

Vale pontuar que no segundo volume da obra Syntax (1990), Givón reestrutura as três

modalidades em apenas duas – realis e irrealis – tendo em vista que o conhecimento não-

contestado, pressuposto, resulta do ato discursivo. Se uma proposição é aceita sem

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contestação, o ouvinte a assume como informação pressuposta no restante da conversação,

considera-a como fundo6.

De acordo com Palmer (1986: 116-117), com as condições irreais, o falante indica

vários tipos de crenças negativas – apontando que o evento é improvável ou impossível,

enquanto com a condição real há a possibilidade. Portanto, a distinção entre real e irreal é

válida considerando a opinião do falante sobre a possibilidade do evento.

Mattoso Câmara (1956) argumenta que o futuro do pretérito carrega, imanentemente,

as noções de irrealidade e condição. A irrealidade se dá por meio do contexto, não sendo um

valor intrínseco a esse tempo verbal, mas um valor modal que pode ser atribuído a ele. O

futuro do pretérito depende de uma condição pertencente a um passado que já transcorreu e a

não realização desta condição acarreta a irrealidade do evento. Estando localizado no tempo

pretérito, já transcorrido, a não realização da condição já é sabida e acarreta a irrealidade de

um evento futuro em relação a esse tempo.

Assim, para Câmara (1956: 05), no contexto de irrealidade, a condição da prótase é

imaginária, irreal, e a apódose compartilha esse traço:

são duas construções do espírito que se sustentam mutuamente, sem apoio do mundo objetivo. O esquema condicional com a forma verbal em -ria exclui, em princípio, a possibilidade de concretização dos dois processos verbais nela conjugadas: em – “se eu tivesse dinheiro” – frisa-se não somente (como sucede em – “se eu tiver dinheiro”) a circunstância de que agora não o tenho, mas ainda a convicção de que jamais a terei.

A irrealidade, portanto, está relacionada ao contexto, e não somente à forma verbal,

como no morfema –ria, do futuro do pretérito, assim o irreal dimana do contexto.

6 Tradução para background, em paralelo a foreground, figura. Para Hopper (1979), eventos que pertencem ao esqueleto do discurso equivalem à figura e o material de suporte ao fundo.

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Leão (1961: 31-32), ao pesquisar o período hipotético iniciado por se7, afirma que há

três tipos desses períodos, nos estudos de gramática latina: a) Período hipotético do real

(realis); b) Período hipotético do potencial (potentialis); c) Período hipotético do irreal

(irrealis).

No realis, “a condição é, foi ou deve ser realizada efetivamente; trata-se de fato cuja

realidade se reconhece; às vezes, é uma verdade que se deseja acentuar”. Esse período, de

acordo com a autora, caracteriza-se pelo fato de apresentar verbo no indicativo. No período

hipotético do potencial, “a condição é eventual, simplesmente possível. O fato pode realizar-

se ou não, mas não há nenhum pronunciamento do falante sobre a realidade desse fato”. Ao

expressar o irrealis “a condição é contrária à realidade. Não pôde nem pode realizar-se”.

Entretanto, Leão (ibid.: 85-86) postula que os fatos da língua nos revelam a

impossibilidade de se manter tal distinção e a necessidade de outro critério, para classificar os

períodos hipotéticos. Segundo a autora, é complexo aceitar que todo esquema8 de oração

utilizado para expressar o irrealis traduza essa irrealidade e, para melhor explicar essa

questão, apresenta os quatro seguintes exemplos:

a) Se eu tivesse asas, voaria para lá.

b) Se eu fosse você, agiria dessa maneira.

c) Se eu tivesse dinheiro, repartiria com você.

d) Se quisesses, ainda chegarias a tempo.

Segundo Leão (ibid.: 86), “as condições dos períodos a e b são irreais, impossíveis; a

de c é improvável, mas não impossível; a de d é possível, com maior grau de probabilidade

7 O período hipotético canônico pode ser resumido no esquema: SE + PRÓTASE + APÓDOSE.

8 Segundo Leão (1961: 86) este seria o esquema: SE + IMPERFEITO DO SUBJUNTIVO + FUTURO DO PRETÉRITO.

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que a de c”. Portanto, é possível constatar que a realidade ou irrealidade está no contexto e

não no molde da frase, conforme exposto pela lingüista.

Gryner (1990: 13), em sua tese de doutorado, também apresenta uma classificação

para os períodos hipotéticos em três tipos9, a partir dos estudos da gramática latina:

a) Período hipotético do real (realis) ou factual

Ex.: Se (= já que) é para bem de todos, fico.

(Considero que é para bem de todos, uma vez que acabei de ser informado disso);

b) Período hipotético do potencial (potentialis)

Ex.: Se for para bem de todos, ficarei.

(Considero que pode ser ou não ser para bem de todos);

c) Período hipotético do irreal (irrealis) ou contrafactual

Ex.: Se fosse para bem de todos, ficaria.

(Considero que não é para bem de todos).

O trabalho de Gryner, que analisa a variação de tempo-modo e conexão em prótases

do período hipotético de valor potencial, focaliza a prótase de construções como (b) acima. A

pesquisa aqui descrita, contudo, contextualiza-se na análise da variação expressa no item (c).

Semelhantemente a Costa (1997: 17-18), foi tomada a seguinte posição em relação ao

que considerar como construção irreal:

O tipo de construção hipotética a ser considerada neste trabalho se limita ao período hipotético do irreal ou contrafactual (seguindo a classificação tradicional latina), sabendo que, do ponto de vista semântico-discursivo, neste tipo pode haver nuances de probabilidade, como nos outros dois.

9 Os exemplos da autora são baseados no famoso “O fico”, episódio da história brasileira protagonizado por D. Pedro I.

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Assim, este trabalho considera sob o escopo da noção de irrealis as acepções de não-

factualidade e contrafactualidade.

Lyons (1977: 794) afirma que nas cláusulas factivas10 (factuais) o falante se

compromete com a veracidade da proposição que enuncia. E, posteriormente, relaciona a

noção de irrealis às definições de não-factualidade (o falante não se compromete com a

veracidade nem com a falsidade da proposição que enuncia) e contrafactualidade (o falante se

compromete com a falsidade da proposição que enuncia).

IRREALIS

Não-factualidade Contrafactualidade

- Dúvida quanto à irrealidade.

- Não descarta possibilidade de

realização.

- Certeza quanto à irrealidade.

- Descarta qualquer possibilidade de

realização.

Quadro 2: Concepção bipartida de irrealidade, extraído de Costa (1997: 27)

Portanto, a pesquisa, por ora descrita, considera uma concepção bipartida do irrealis –

proposições supostamente irreais (não-factuais) ou absolutamente irreais (contrafactuais)11 –

para assim abranger em uma única categoria o contexto da variação estudada. Tal postura foi

a adotada por Costa (1997 e 2003).

A seguir, a questão dos verbos modais é tratada, de forma sucinta, relacionando esses

verbos, dependendo do contexto discursivo e pragmático, à modalidade epistêmica e deôntica.

10 Lyons (1977) emprega o termo ‘factividade’10 e Palmer critica tal postura, adotando a nomenclatura ‘factualidade’, devido ao fato de o termo adotado por Lyons relacionar ‘factividade’ à noção de ‘fazer’ e não à de ‘fato’, sendo esta a noção expressa pelo termo ‘factualidade’. Portanto, assim como Palmer, este trabalho adotou a nomenclatura ‘factual’, assim como seus derivados, por exemplo, não-factual e contrafactual. 11 Diferentemente de outras propostas, neste trabalho não se considerou o termo irreal como sinônimo de contrafactual (ou contrafactualidade), como Leão (1961) e Lyons (1977).

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2.4 OS VERBOS MODAIS

Os verbos auxiliares foram relacionados à modalidade por Palmer (1986: 33), como

verbos especiais. No inglês, assim como no alemão, vários verbos modais podem ser usados

para expressar as modalidades epistêmica e deôntica. Segundo Givón (1995: 115), o tempo

verbal e os verbos modais são dois exemplos de contextos gramaticais que expressam o

irrealis.

Em relação ao uso das variantes aqui pesquisadas em verbos modais, é preciso

considerar a natureza semântica desses verbos. Essas formas verbais em variação servem para

expressar o irrealis. A partir disso, uma questão surge: FP, PI, IA + V e IRIA + V teriam

comportamento distinto nos verbos modais? Costa (1997) constatou que as formas variantes

apresentam características peculiares nesses verbos.

A autora pôde perceber que as construções perifrásticas com IA e IRIA são inibidas

em bases verbais modais, pois esses verbos já carregam alguma semântica de modalidade,

evitando-se a redundância. Sua análise mostra que o PI é mais freqüente em verbos modais

(60% das ocorrências), principalmente se o verbo apresenta valor epistêmico (eventualidade,

probabilidade, possibilidade). O FP relaciona-se mais como expressão morfológica do valor

deôntico.

Tomando por base os dados pesquisados nesta dissertação, percebe-se que a

distribuição das formas variantes parece não se dar da mesma maneira em verbos modais e

não-modais. Observe-se o exemplo a seguir, com um verbo modal mais infinitivo e outros

não-modais:

01) [tema: qualificação dos professores] porque nós não prestigiamos

determinadas pessoas... então por exemplo... um cara que é um:: um exceLENte pedreiro... técnico de segundo grau que eu falei... ele deveria dar aula no ensino técnico... ele ia pegar e faZER... é completamente diferente (cel. 43, pág. 23, lin. 23)

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A presença do auxiliar modal ‘dever’ acrescenta uma idéia distinta ao verbo ‘pegar’.

‘Deveria dar’ instaura uma informação de ‘obrigação’ ou ‘necessidade’, pois esse profissional

seria mais competente para dar aula. O uso de ‘ia pegar’ traz uma informação um pouco mais

categórica sobre o que fazer.

O verbo modal ‘dever’ apresenta uma plurivocidade semântica, atualizada por

diferentes relações contextuais, além de alternar com a locução ‘ter que/ ter de’. De acordo

com Costa (1995: 56), o modal ‘dever’ “é responsável pela expressão dos valores modais de

obrigação e necessidade, no seu uso radical, e do valor modal probabilidade, no seu uso

epistêmico”12.

Em relação à multiplicidade de valores modais desse verbo, no português, a autora

identifica cinco principais - necessidade, obrigação, conveniência, probabilidade e suposição -

sendo os três primeiros caracterizados por um uso radical e os dois últimos, epistêmico.

Assim como ‘dever’, o modal ‘poder’ também apresenta plurivocidade semântica,

como:

Capacidade, permissão, possibilidade e eventualidade – considerando os dois primeiros como usos mais lexicalizados, o terceiro como um uso mais gramaticalizado, com algum esvaziamento semântico e funcionando basicamente como auxiliar modal, e o quarto como um uso mais discursivo, funcionando como um advérbio epistêmico de possibilidade, com um grau ainda maior de esvaziamento semântico funcionando em estruturas a caminho da cristalização, tipo ‘pode ser’.

Costa (1995: 87)

Assim, os modais ‘dever’ e ‘poder’ apresentam as duas possibilidades semânticas:

deôntica (permissão, capacidade) e epistêmica (eventualidade, possibilidade).

12 A autora adota uma distinção entre uso radical e uso epistêmico, que corresponde a diferenças entre modalidade interna x modalidade externa; modalização do predicado x modalização do enunciado; operação predicativa x operação enunciativa; modalidade atuando sobre o predicado x modalidade atuando sobre o enunciado.

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02) foi péssimo ... que a gente não podia falar nada ... falou “vocês não têm o direito de falar nada” ... a gente ficava quietinho tinha nem como defender ou falava que era verdade ou falava que era mentira ... foi péssimo ... foi péssimo. (célula 11, pág. 02. lin. 15)

03) ninguém/ ninguém tá sabendo porque o Felipão quer sair da/ da

seleção entendeu?.... parece que é por causa do/ do salário agora que:: quer férias e o salário do/ do técnico da seleção não vai ser como era né?... alto... entendeu?... podia ser assim razoável... (célula 04, pág. 12, lin. 30)

No exemplo (02), a ocorrência ‘podia’ apresenta valor deôntico: permissão para falar

enquanto os pais analisavam a situação. Já em (03), o valor de ‘podia’ é epistêmico:

possibilidade do salário do técnico da seleção brasileira ser razoável – um pouco mais alto.

A partir dos exemplos supracitados, é possível perceber que a ambigüidade é desfeita

por meio do contexto, em razão de se estar trabalhando com uma amostra de língua em uso.

04) aí não consegue dormir quando chega à noite ... ela fica canSAda ... aí eu acho que ela deveria descansar mais (célula 12, pag. 09, lin.04)

Nesse exemplo, o modal ‘dever’ apresenta uma interpretação de valor epistêmico de

possibilidade ou valor deôntico de obrigação. A ambigüidade é desfeita ao se analisar o

contexto em que se deu o enunciado, tendo em vista que o informante afirma que o pai dele

consegue dormir durante o dia, enquanto a mãe não consegue, pois fica sempre fazendo

alguma coisa, como arrumar a casa, por isso “deveria descansar” é interpretado como

possibilidade.

Além dos verbos modais ‘poder’ e ‘dever’, acima comentados, também se analisam

nesta pesquisa outros: ‘ter de’/ ‘ter que’; ‘querer’; ‘tentar’; ‘preferir’; ‘pretender’ e ‘precisar’.

Este trabalho, a partir das constatações de Costa (1997), pretende verificar a parte o

comportamento dos verbos modais nas formas variantes estudadas, esperando encontrar

resultados semelhantes aos apresentados pela autora.

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Este assunto é mais discutido no capítulo 7, apresentando maiores detalhes dessa

variação em relação aos verbos modais.

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3 FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

3.1 SOCIOLINGÜÍSTICA VARIACIONISTA

A sociolingüística variacionista é um modelo teórico que tem por pressuposto a

possibilidade de sistematização da heterogeneidade lingüística. William Labov foi um dos

primeiros a relacionar as variações lingüísticas às diferenciações existentes na estrutura social

de cada comunidade, formulando a Teoria Variacionista. Labov (1972), em seu trabalho mais

conhecido, investigou o inglês de Nova York com a finalidade de descobrir não apenas como

os falantes pronunciavam o /r/, mas os fatores que orientavam a ocorrência das variantes.

Para William Labov (1972), a sociolingüística é o estudo da estrutura lingüística e sua

evolução no contexto social de uma comunidade de fala. O pressuposto básico do estudo da

variação – entendida como a coexistência de duas ou mais formas para dizer a mesma coisa,

ou seja, com o mesmo significado - é o de que a heterogeneidade lingüística não é aleatória,

mas regulada por um conjunto de regras. Segundo Chambers (1995), a variação lingüística

não é livre, mas obedece a padrões regulares que possuem significação social, revelam a

forma como as línguas os refletem e as relações sociais. Os dados podem ser analisados sem

ser necessário se recorrer ao axioma da categoricidade. A sociolingüística entende que a

homogeneidade lingüística é um mito, que pode trazer conseqüências graves na vida social.

O objeto de estudo da Sociolingüística é a língua observada, descrita e analisada em

seu contexto social, isto é, em situações reais de uso. Seu objetivo é identificar as motivações,

os fatores que controlam a variação, e o peso de cada um deles sobre a ocorrência de uma ou

outra variante.

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Vale ressaltar, também, que as correntes que antecederam a sociolingüística laboviana

explicavam os fatos lingüísticos com outros fatos lingüísticos. Não consideravam os fatores

extralingüísticos, ou seja, limitavam-se apenas à estrutura da própria língua.

Ferdinand de Saussure, no início do século XX, não exclui o componente social ao

tratar da língua. À langue ele reserva o fator social, já que é como instituição mantenedora de

uma norma compartilhada entre membros de uma certa comunidade. Já a parole diz respeito

às realizações individuais do falante, a variação.

Segundo Saussure (1995), “a língua é um fato social, no sentido de que é um sistema

convencional adquirido pelos indivíduos no convívio social.” No entanto, o aspecto social só

pode ser investigado ao se tomar os indivíduos em seu contexto social. O paradoxo de

Saussure gira em torno do fato de que, ao analisar a língua, os dados de um único falante,

geralmente o lingüista baseado em suas intuições, são suficientes para o estudo. Contudo, para

se estudar a fala individual, deve-se estudar a língua na comunidade, como assinala Chambers

(1995: 25-26). A lingüística saussureana estabeleceu a homogeneidade do sistema lingüístico

como um pré-requisito para a análise lingüística.

Depois do Estruturalismo de Saussure, Noam Chomsky (1957 e 1965) propõe o

Gerativismo, que rompe com o pensamento até então predominante, mas continua dando à

língua um tratamento que desconsidera os fatores que lhe são externos, ou seja, observa a

língua pressupondo um caráter homogêneo. Verifica-se que a Teoria Gerativa entende que o

objeto da lingüística é um sistema homogêneo e que sua atualização, por um falante-ouvinte

ideal, não seria afetada por fatores externos à língua.

Observa-se, assim, que o Estruturalismo e o Gerativismo consideram a língua como

homogênea. Dessa maneira, não consideram que um indivíduo participa de diferentes

subsistemas lingüísticos e que altera seus hábitos lingüísticos. Nota-se que tais teorias em

muito diferem da proposta sociolingüística.

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William Labov, com sua Teoria Variacionista, reage às demais teorias postulando a

heterogeneidade inerente ao sistema lingüístico, propondo analisar e sistematizar as variações

e mudanças que ocorrem a partir da fala. Como ele assinala, é impossível existir uma teoria

lingüística que não priorize a relação entre língua e sociedade.

Há uma relação entre língua e sociedade muito evidente, que não poderia deixar de

estar presente nas reflexões sobre qualquer fenômeno lingüístico. A relação entre língua e

sociedade teve papel decisivo nos estudos desenvolvidos a partir da segunda metade do século

XX, pois, até então, a lingüística não privilegiou os aspectos de natureza social, histórica e

cultural da observação, descrição, análise e interpretação do fenômeno lingüístico.

A inclinação para relacionar linguagem e sociedade está patente na reflexão de vários

autores do séc. XX. Alguns lingüistas como Antoine Meillet, Mikhail Bakhtin, Marcel Cohen,

Emile Benveniste, Roman Jakobson, constituem, apesar das diferenças teóricas, referências

bibliográficas obrigatórias na consideração social dos estudos lingüísticos.

3.2 FUNCIONALISMO LINGÜÍSTICO

Segundo Nichols (1984: 97), na lingüística atual, há três abordagens teóricas que se

destacam: o estruturalismo, o formalismo (ou abordagem gerativa) e o funcionalismo. O

estruturalismo descreve as estruturas gramaticais como fonemas, morfemas, relações

sintáticas, semânticas, constituintes e sentenças. A gramática gerativa analisa a extensão do

fenômeno, mas constrói um modelo formal da linguagem. O funcionalismo, semelhantemente

ao gerativismo e ao estruturalismo, analisa a estrutura gramatical, mas inclui na análise toda a

situação comunicativa (o propósito do evento de fala, os participantes e o contexto

discursivo).

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Uma das definições de funcionalismo o considera um movimento particular dentro do

Estruturalismo, caracterizando-se por entender a estrutura fonológica, gramatical e semântica

das línguas como determinada pelas funções que exercem nas sociedades em que operam.

A hipótese fundamental da perspectiva funcionalista é que do uso da língua – a

comunicação na situação social – origina-se a forma da língua, com as características que lhe

são peculiares, inclusive diferentes subsistemas. Isso supõe entender a língua como um objeto

maleável, probabilístico e não-determinístico.

Para o funcionalismo, a língua é um instrumento de interação social entre os seres

humanos, usado com o objetivo principal de estabelecer relações comunicativas entre os

usuários. Assim, a gramática funcional tem sempre em consideração o uso das expressões

lingüísticas na interação verbal. Segundo Neves (1997:22), “a gramática funcional visa a

explicar regularidades dentro das línguas e através delas, em termos de aspectos recorrentes

das circunstâncias sob as quais as pessoas usam a língua”.

Segundo a teoria funcionalista, a gramática está sujeita às pressões do uso e as relações

entre as unidades e as suas funções têm prioridade sobre seus limites e sua posição. Um dos

princípios básicos dessa teoria é a concepção de linguagem como atividade cooperativa entre

falantes reais.

Para Nichols (1984), a essência do funcionalismo é que a linguagem reúne fins

comunicativos. A comunicação não é somente valiosa devido ao conteúdo, denotação, sujeito

e predicado, mas também à natureza e ao propósito do evento de fala como fenômeno cultural

e cognitivo.

Os mais representativos desenvolvimentos da visão funcionalista da linguagem são

comumente relacionados às concepções da Escola Lingüística de Praga. Neves (1997: 17)

afirma que “o que se buscava, afinal, nessa análise, era a avaliação da frase efetivamente

realizada, com determinação da sua função no ato de comunicação, e com base no princípio

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de não biunivocidade entre as formas e funções”. Vale pontuar que é a Escola de Praga a

responsável pelo termo função13.

Nos Estados Unidos, essa perspectiva ganhou força a partir da década de 1970. Foi a

partir desse período que as análises funcionalistas se tornaram comuns e os estudiosos

passaram a usar o rótulo de funcionalistas, embora esse termo tenha sido utilizado

anteriormente na Escola de Praga.

De acordo com a ênfase dada à noção de função em modelos teóricos, pode-se obter

uma visão bipartida das tendências da lingüística atual, dividida em dois pólos: a) pólo

formalista: trata da estrutura sistemática das formas de uma língua, enquanto a função fica

num plano secundário; b) pólo funcionalista: analisa a relação sistemática entre as formas e as

funções de uma língua, observa a língua como um todo e as diversas modalidades de

interação social, priorizando o papel do contexto, principalmente o social.

Uma das distinções dos modelos funcionalista e formalista diz respeito ao primeiro

buscar uma explicação para fatos lingüísticos de forma associada à situação comunicativa, às

relações funcionais que estes estabelecem com o contexto lingüístico e fora deste âmbito,

como 1) que características sócio-culturais o usuário possui, 2) com quem ele fala, 3) com que

propósito fala, etc. Enquanto o segundo faz a abstração do uso ao mesmo tempo que

demonstra suas descrições e regras com exemplos artificiais e isolados.

A gramática formal enfoca as características internas da língua, relacionando-se à

langue. A gramática funcional, no entanto, relaciona-se à parole ou à interação entre os

subdomínios, defendendo uma perspectiva mais integrativa na qual todas as unidades e os

padrões da língua seriam compreendidos em termos de funções.

13 Função é um termo polissêmico, é preciso não o considerar como uma coleção de homônimos. Entretanto, vários sentidos têm em comum a noção de dependência. Assim, o papel desempenhado por um elemento lingüístico deve ser explicado em função de outros, relacionados ao processo comunicativo.

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Em termos gerais, no paradigma formal, a língua natural é considerada um objeto

formal abstrato; a gramática, uma tentativa para caracterizar esse objeto formal em termos de

regras de sintaxe formal e sua função principal consiste na expressão dos pensamentos.

Segundo o paradigma funcional, a língua é instrumento de interação social e sua função é o

estabelecimento de comunicação entre os usuários.

Tendo em vista essas definições de Funcionalismo Lingüístico, este trabalho se insere

como pertencente a essa linha. Os representantes dessa linha que são adotados neste trabalho

são Bybee, Givón, Heine, Hopper e Thompson.

3.2.1 Gramaticalização

Em linhas gerais, gramaticalização é um processo de mudança lingüística em que um

item de uma categoria lexical se transfere para uma categoria gramatical, ou um item já

gramatical se torna ainda mais gramatical (Hopper & Traugott, 1993).

É com Meillet, no século XX, que o processo de gramaticalização é visto como a

atribuição de um caráter gramatical a uma palavra anteriormente autônoma.

Há duas perspectivas de estudo da gramaticalização: a histórica, que estuda as origens

das formas gramaticais, bem como as mudanças típicas que as afetam, e a sincrônica, que

estuda o fenômeno do ponto de vista de padrões fluidos de uso lingüístico.

A gramaticalização é, portanto, um fenômeno diacrônico e sincrônico. O processo tem

um caráter gradual, pois embora se possa encontrar uma estrutura substituindo completamente

outra, por um considerável período de tempo coexistem a forma nova e a velha, que entram

em variação, sob diversas condições, e essa variação encontrada nada mais é do que o reflexo

do caráter gradual da mudança lingüística. Vale salientar que a forma “nova” não expulsa a

forma “velha” imediatamente, mas começa a ser usada como variante cada vez mais

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freqüente, até a possível substituição da forma “velha”. Assim, é injustificável e impraticável

a separação rígida entre diacronia e sincronia, visto que o processo é um contínuo, e toda

tentativa de segmentação de unidades discretas é arbitrária.

Um ponto relevante a mencionar diz respeito à existência de cinco princípios de

gramaticalização, postulados por Hopper (1991:22).

1) Estratificação (“layering”) : coexistência de diversas camadas. A emergência de novas

camadas/ variantes não implica eliminação das antigas. Ao contrário, as camadas interagem e

coexistem dentro de uma mesma área funcional. É o caso, no português, do futuro do pretérito

sintético e do perifrástico, assim como o do pretérito imperfeito nas formas sintéticas e

perifrásticas, com a noção de irrealis.

2) Divergência: remete à preservação, conservação da forma lexical que deu origem a um

processo de gramaticalização. Esta forma, a forma fonte, na terminologia de Heine et alii

(apud Omena & Braga, 1996: 79), pode permanecer como um item lexical autônomo e,

enquanto tal, sofrer ou não as mudanças que atingem os itens da classe a que pertence. O

verbo IR, por exemplo, mantém seu estatuto de verbo pleno em Iria à praia no domingo e

aparece também como verbo auxiliar na forma perifrástica: Iria terminar o texto na segunda-

feira. A divergência é um tipo de estratificação, pois implica a coexistência de formas.

3) Especialização: refere-se ao estreitamento de escolhas sofridas pelas construções

gramaticais. Uma forma pode tornar-se obrigatória, já que a possibilidade de escolha diminui.

Neste trabalho, pretende-se mostrar alguma especialização da forma perifrástica. A hipótese é

a de que ela entra na língua para expressar modalidade.

4) Persistência: diz respeito à manutenção, à permanência de vestígios do significado lexical

original, de alguns traços semânticos da forma fonte na que sofre gramaticalização. Especula-

se que o verbo IR, neste caso, mantém seu traço que expressa o curso de fatos a partir de um

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ponto locativo ou temporal qualquer. A persistência pode resultar situações ambíguas,

dependendo do contexto.

5) Decategorização: refere-se a uma diminuição do estatuto categorial de itens

gramaticalizados e, conseqüentemente, aparecimento de formas híbridas. As formas em

processo de gramaticalização tendem a perder ou neutralizar os marcadores morfológicos e os

privilégios sintáticos característicos das categorias plenas nome e verbo, e a assumir atributos

característicos de categorias secundárias como adjetivo, particípio, preposição, etc. O verbo

IR está assumindo uma posição de auxiliar na forma perifrástica. No entanto, em muitos

locais, como também é o caso de Vitória, a sentença Iria ir para Vitória sofre preconceito

lingüístico, o que demonstra que o verbo IR não adquiriu, ainda, estatuto pleno de verbo

auxiliar.

A idéia de que o uso da língua nas situações reais de comunicação envolve as

transformações que sofrem os elementos lingüísticos no decorrer do tempo põe em evidência

a unidirecionalidade dessas transformações. Assim, conforme explicita Martelotta et alii

(1996: 59),

os elementos, com o processo de gramaticalização, perdem a liberdade típica da criatividade contextualmente motivada do discurso e tornam-se mais fixos e mais regulares. Assim, advérbios de lugar assumem função de conjunção, e não vice-versa; vocábulos transformam-se em afixos, e não vice-versa.

A partir dessa noção de unidirecionalidade, defendida por alguns teóricos estudiosos

do processo de gramaticalização, as mudanças estão envolvidas em fatores de ordem

cognitiva, sociocultural e comunicativa.

Além disso, a unidirecionalidade relaciona-se ao fato de que os termos sempre partem

de uma categoria mais concreta para uma mais abstrata, numa escala que tem a seguinte

configuração, conforme estabeleceu Heine (2003: 586):

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pessoa > objeto > atividade > espaço > tempo > qualidade

Segundo Bybee (2003), a freqüência exerce papel crucial nos processos de

gramaticalização e a autora afirma que seqüências freqüentemente usadas tendem a se tornar

automáticas, funcionando como uma única unidade. Para exemplificar, cita a construção em

inglês com be going to > gonna, colocando que dentre tantos verbos que poderiam expressar

movimento, apenas a construção com go se gramaticalizou. É possível afirmar que, no

português, também podemos verificar esse fenômeno com o verbo IR, não só com o item, mas

com a construção em que se dá.

Além disso, faz algumas observações a respeito desse fenômeno:

1) A força semântica é enfraquecida pela freqüência de uso, há uma perda do sentido primeiro

da forma. No caso da construção aqui estudada, IR + verbo no infinitivo com a noção de

irrealis, percebe-se que nessas construções o sentido de movimento, característica do verbo

IR, está enfraquecido em exemplos como Iria gostar de comer uma torta;

2) Ocorre redução ou fusão fonológica com a repetição. Ainda não é muito perceptível esse

aspecto no tema explorado;

3) A freqüência propicia uma autonomia maior para a construção, ocasionando perdas e

enfraquecimentos entre associações dos seus componentes individuais com outros elementos

de mesmo uso;

4) A perda de transparência semântica leva ao uso da construção em novos contextos, com

novas associações, estabelecendo mudança semântica. O verbo pleno IR não mais apresenta

em todos os contextos a idéia de movimento. Em Ia ficar em casa, a idéia de movimento não

desapareceu, pois ficar em casa indica ausência de movimento. No entanto, na oração Ia

permanecer calado, não se encontra idéia concreta de movimento, há uma noção mais

abstrata envolvida;

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5) A autonomia do sintagma freqüente permite o seu “adentramento” na língua, preservando

características antigas. O verbo IR apresenta outros valores, mas a idéia de movimento não foi

completamente inutilizada, em Iria à escola estudar amanhã a idéia de movimento em iria

não foi completamente apagada.

Ao abordar a freqüência, Bybee (2003: 604) estabelece dois tipos: freqüência de

ocorrência (token frequency) e freqüência de tipo (type frequency). A primeira relaciona-se à

noção de freqüência da ocorrência do dado, como indica o próprio nome. A segunda se refere

à freqüência de um tipo de estrutura em particular.

A freqüência de uso aumenta à medida que as formas apresentam uma extensão

semântica ou generalização. Tornam-se mais gerais, mais abstratas no sentido, mais

amplamente aplicáveis e conseqüentemente mais freqüentes. Em relação ao verbo IR,

percebe-se que a extensão de sentido, que ultrapassa a noção de movimento e apresenta

sentidos mais abstratos, propiciou um uso mais freqüente, sendo mais aplicável. Os estágios

da forma IR foram:

espaço > tempo > situação modal (auxiliar)

As palavras derivadas com alta freqüência parecem opacas e apresentam traços de

significado que não estão presentes na forma base, são processadas como unidades

independentes das partes que as compõem. Como assinala Bybee (2003: 618), chegará um

ponto em que os falantes ficarão surpresos com a história de gonna, assim como acontece

com o verbo no futuro no português (amare + habeo).

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4 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA

Durante o estudo, encontraram-se textos que apresentavam direta ou indiretamente o

tema da alternância FP versus PI. Abordam-se a seguir questões referentes ao tema em foco

sob a ótica de Said Ali (1969), Cunha & Cintra (2000), Luft (2000), Bechara (1989; 2003),

Mira Mateus et alii (1983), Vilela e Koch (2001), Câmara Jr. (1956 e 2001), Leão (1961) e

Costa (1997 e 2003).

4.1 GRAMÁTICAS DO PORTUGUÊS

Said Ali (1969: 165)14, em sua Grammatica Secundaria de Língua Portuguesa, já

na primeira metade do século passado, afirma a possível substituição do futuro do pretérito

pelo pretérito imperfeito do indicativo ou pelo pretérito mais que perfeito do indicativo, em

orações condicionadas.

O imperfeito é geralmente preferido na linguagem familiar. A forma do mais que perfeito, também empregada na oração condicionante, encontra-se com freqüência na linguagem antiga. Comparem-se estes exemplos:

Se chovesse, eu tomava um carro. Se mais mundo houvera, lá chegara. (Camões) Se fosse feriado, não havia aula.

Na Gramática do Português Contemporâneo, Cunha & Cintra (2000: 452) apontam

os possíveis empregos do pretérito imperfeito do indicativo e no quinto tópico afirma ser

possível empregá-lo:

14 A data se refere à 8ª edição do livro, o qual foi escrito provavelmente durante a década de 1930.

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Pelo futuro do pretérito, para denotar um fato que seria conseqüência certa e imediata de outro, que não ocorreu, ou não poderia ocorrer: “O patrão é porque não tem força. Tivesse ele os meios e isto virava um fazendão”. (Monteiro Lobato, u, 236.).

Luft, em sua Moderna Gramática Brasileira (2000), não aborda diretamente o uso

do futuro do pretérito, mas apresenta informações interessantes no capítulo relacionado aos

tempos verbais. Nota-se que, primeiramente, o autor não aceita a tripartição temporal,

afirmando que o tempo futuro não existe, ou seja, em sua gramática aparece uma visão

temporal dicotômica (passado/ presente). Em seguida, Luft (2000: 131) procura esclarecer sua

posição.

os chamados ‘futuros’ são locuções de infinitivo + haver mascaradas: cantar hei, cantar hia, com aglutinação na pronúncia (1º acento tônico absorvido pelo segundo), representada na escrita: cantarei, cantaria. A semântica de ‘decisão, projeto (irei), hipótese (onde estará Fulano?), etc.’ é ‘modo’ (e não ‘tempo’), próprio de haver – auxiliar ‘modal’; tempo, só na implicação secundária de que planos, decisões, etc. se projetam no futuro. Os termos da NGB – futuro do presente/ futuro do pretérito – permitem pois esta paráfrase: o ‘futuro’ está na semântica de projeto, decisão, etc. e presente/ pretérito (imperfeito) são os do verbo haver aí camuflado: hei/ havia = hia.

Bechara (2003) não cita a substituição do futuro do pretérito pelo pretérito imperfeito

do indicativo. Coloca que o futuro do pretérito implica também a modalidade condicional, em

referência a fatos dependentes de certa duração, como em cantaria. Contudo, em sua

Moderna Gramática Portuguesa (1989: 274), afirma que o futuro do pretérito pode ser

substituído pelo pretérito imperfeito do indicativo, principalmente na conversação, “quando se

quer exprimir fato categórico”, ao citar os possíveis empregos dos tempos verbais do

indicativo. Forma análoga a Cunha e Cintra (2000).

Vilela e Koch (2001), em sua Gramática da Língua Portuguesa, definem tempo

como uma categoria gramatical realizada exclusivamente pelo verbo, e, também, como

categoria nocional, a partir de lexemas, morfemas e expressões várias. Ao definirem e

descreverem os tempos verbais, não citam o uso do pretérito imperfeito do indicativo com a

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noção de irrealis. Em relação ao futuro do pretérito, afirmam que este indica a ação verbal a

partir de um tempo passado, visto como futuro, mas sem qualquer relação com o presente e

também como uma suposição acerca de algo que no passado foi afirmado acerca do passado.

Esses autores expressam o uso do futuro como modal. Inicialmente, definem modalidade

como a atitude do falante perante a validade do conteúdo fixado no enunciado, que é

apresentado como coincidente ou não coincidente com a realidade. Existem dois tipos de

modalidade: a real e a irreal, que se referem, respectivamente, ao futuro do presente e do

pretérito. Além disso, colocam que o modo realizado no chamado futuro do pretérito exprime

1) a irrealidade no passado, 2) “desejo” com verbos de “vontade”, 3) avaliação (do valor) de

informações obtidas por canais intermediários e, ainda, 4) a suavização de uma afirmação.

Por fim, analisamos a Gramática da Língua Portuguesa, em Mira Mateus et alii

(1983) que afirmam que os tempos naturais são presente, passado e futuro, sendo que o futuro

exprime um valor modal, e, em línguas em que não está gramaticalizado, é discutível

considerá-lo um tempo. Vale ressaltar que as autoras falam da substituição do futuro do

pretérito pelo pretérito imperfeito do indicativo, acrescentando que esse emprego é expresso

corretamente.

É possível perceber a partir das abordagens de gramáticas do português analisadas que

não há a menção do termo variação. A maioria dos gramáticos prefere usar substituição ou

possíveis empregos para se referir à variação entre o futuro do pretérito e pretérito imperfeito

do indicativo. Além disso, não se referem às construções perifrásticas.

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4.2 ESTUDOS ESPECÍFICOS

4.2.1 Câmara Jr.

A forma verbal portuguesa em –ria, de Câmara Jr. (1956), é uma obra de suma

importância para a fundamentação deste trabalho. Aborda os problemas da designação dessa

forma verbal, as formas que podem substituir outras que também expressam a irrealidade.

Assim como o morfema –ria e a dificuldade de encará-lo como um tempo pertencente ao

modo indicativo, visto que não apresenta muitas características que possibilitariam considerá-

lo como tal.

O maior problema da denominação relaciona-se ao fato de que esta forma é uma

criação românica e não foi considerada pela tradição greco-latina. Muitos o chamam de

“condicional”, mas isso acarreta características de modo e não de tempo.

Segundo Câmara Jr. (1956: 04),

a denominação de condicional decorreu da focalização de um molde frasal em que nas línguas românicas figura a forma verbal em –ria: o de uma correlação em que a frase assertiva toma o aspecto de uma apódose condicionada por uma prótase condicionante.

O autor lembra que alguns gramáticos preferiram denominar essa forma ‘modo irreal’

a condicional, tentando expressar mais incisivamente assim a irrealidade da apódose.

Em relação à irrealidade, Câmara postula que dimana do contexto, e não de uma

significação intrínseca da forma em –ria. Assim, há uma relação entre o caráter modal da

irrealidade e a natureza temporal desta forma. Além disso, depende de uma condição para

poder realizar-se.

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Essa condição pode ser tratada de três maneiras: 1) desconsiderá-la ou deixá-la

implícita; 2) explicitá-la na frase na forma de um complemento e 3) destacá-la numa oração

própria, como uma prótase e apódose.

A forma verbal –ria surge historicamente como resultado da aglutinação ao infinitivo

do verbo, do pretérito habeba- do auxiliar habere encliticamente reduzido (port. –ia). Graças

a essa origem, decorrente de um pretérito, a associação formal com o futuro românico levou

alguns gramáticos a estabelecer a denominação perifrástica ‘futuro do passado’ ou do

‘pretérito’ Câmara (1956: 07). A forma em –ria surge em orações com um subjuntivo

pretérito na prótase, que impõe o uso dessa forma verbal.

Mattoso Câmara apresenta o fenômeno de substituição do futuro do pretérito por uma

categoria temporal de passado como “um emprego essencialmente coloquial e popular,

pertencente a um plano lingüístico em que não foi introduzida a forma de futuro com a mais

elaborada tripartição das categorias temporais” (1956: 74). Além disso, o autor relaciona o

uso do pretérito imperfeito na função de –ria a uma falta de projeção do fato num tempo

futuro.

Conceitua (1956: 38) o futuro do pretérito como

tudo aquilo que ultrapassa o momento atual e estabelece um além do que presente em seu sentido estrito: é como uma linha de que conhecemos o ponto de partida e daí se estende ao infinito. Mas há, concomitantemente, o que ultrapassa o estrito momento passado, focalizado pelo sujeito falante, parando, ou não, onde começa o presente: é como uma linha de que temos o ponto de partida no passado e muitas vezes no presente o ponto de chegada.

Segundo o autor, a existência de um futuro do pretérito é a conseqüência da

sistematização integral de um quadro de tempos em que se insinuou o conceito e a forma de

futuro.

O futuro do ponto de vista do momento passado pode reportar-se a um fato que:

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1) Realmente ocorreu

Ex.: Ele disse que viria (e cumpriu a promessa);

2) Está para se dar ainda

Ex.: Ele disse que viria (amanhã);

3) Não passou de uma previsão errônea, a qual afinal não se verificou

Ex.: Ele disse que viria (e não apareceu).

O terceiro caso relaciona-se à expressão do irreal. No segundo, há a possibilidade de

alternância com o futuro do presente. O primeiro é um uso do futuro do pretérito

genuinamente temporal.

Um ponto de partida virtual para a criação do futuro do pretérito está nas formas

perifrásticas com auxiliares indicando vontade, desejo, intenção, etc., com significação modal.

Essas formas firmaram-se nas antigas línguas indo-européias. Hoje ocorre algo análogo em

português, que seria a perífrase com o auxiliar IR no pretérito imperfeito.

O verbo IR funcionando como auxiliar para expressar a irrealidade, segundo o autor,

pode estar relacionado a uma repetição do ciclo que, na fase românica, levou à substituição do

futuro tradicional latino por locuções dessa ordem. Parece haver nessas construções com o

auxiliar IR uma ambigüidade intrínseca que só o contexto ou a situação pode desfazer.

Apresenta uma significação modal, demonstrando a intenção do sujeito, e o próprio sentido do

verbo ir , expressando movimento físico.

A respeito das formas em –ria, Mattoso (1956: 46) apresenta como variantes em

português a perífrase em -ia ou, mesmo, as locuções com dever, poder, etc., no pretérito

imperfeito.

São variantes mórficas de uma mesma significação básica, que às vezes, até, alternam num dado texto sob impulsos estilísticos, em que entram o propósito de quebrar a monotonia formal e, mais ainda, o de acentuar certas diferenças modais.

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A explicação para o uso do pretérito imperfeito do indicativo nas expressões de

irrealidade substituindo a forma –ria deve-se ao fato de que as formas de pretérito imperfeito

apresentavam um valor modal, nas quais o valor temporal era o do auxiliar. Foi aos poucos

que surgiu um conceito de futuro e, em relação ao auxiliar no pretérito imperfeito, uma

categoria nítida de futuro do pretérito.

Além das variantes com o pretérito imperfeito do indicativo para expressar o irreal,

Câmara Jr. cita a variante ‘havia de + infinitivo’ e o uso do pretérito mais que perfeito em –ra,

que expressa desejos sabidamente impossíveis. Porém, em português, essa variante possui

valor na linguagem literária e está em declínio no português corrente.

A respeito desses três tempos verbais para expressar a irrealidade (futuro do pretérito,

pretérito imperfeito e pretérito mais que perfeito), o autor (1956: 80) apresenta diferenciações

no uso das três formas variantes:

No pretérito imperfeito não entra ainda a categoria de futuro, coordenada com a de passado, de sorte que a apódose é atualizada no momento condicionante da prótase. No futuro do pretérito já se tem, ao contrário, um avanço da apódose como fato futuro em relação à prótase. No pretérito mais que perfeito, por seu turno, esse avanço resolve-se em recuo e a categoria de futuro desaparece numa intensificação da categoria de passado.

A partir do ponto de vista do autor, é possível perceber que a forma verbal portuguesa

em –ria apresenta um uso que vai além de muitas expectativas. Ao analisá-la, percebe-se a

importância de um estudo estilístico e gramatical conciliado que parece ter mais a ver com o

caráter popular.

Mattoso Câmara (1981: 123) discute questões bastante pertinentes relacionadas ao

assunto, principalmente a respeito do aspecto diacrônico do futuro do pretérito.

O sufixo modo-temporal do indicativo do futuro do pretérito é, por sua vez, –ria /ria/, (...) tendo-se também diacronicamente uma composição do infinitivo com formas contractas do pretérito imperfeito do verbo latino habere, português haver (cantar + ia, etc.), que, igualmente, dentro da sincronia, se mantém na mesóclise.

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E também aborda a variação entre futuro e presente, além da que ocorre entre o

pretérito imperfeito e o futuro do pretérito, relacionando a esta variação a questão da

modalidade.

A neutralização entre futuro e presente, com o uso do presente para os fatos futuros, acarreta o uso do pretérito imperfeito em vez do futuro do pretérito (...) e a correspondência entre futuro do pretérito e pretérito imperfeito se estende ao emprego atemporal dos tempos verbais para assinalar modo. Por outro lado, a oposição entre ponto de partida no pretérito, para situar o futuro, explica o futuro do pretérito para indicar dúvida no pretérito.

Vale pontuar que o autor ainda cita que há formas perifrásticas, com um infinitivo e o

auxiliar para expressar os dois tempos do futuro. E acrescenta que a variação entre os dois

tempos verbais, ora estudados, está além de ser uma questão temporal, e sim relacionada ao

valor modal, conforme se pode constatar na citação acima.

Nota-se, a partir do exposto, que para Mattoso o futuro do pretérito é considerado um

tempo verbal, porém revestido, de forma marcante, de um valor modal, seja de

condicionalidade ou de incerteza, dúvida.

4.2.2 Vaz Leão

O período hipotético, segundo Vaz Leão (1961: 13), pode ser considerado uma das

entidades sintáticas mais importantes, tendo em vista que “nele se revelam muitas

características de uma língua e, até certo ponto, desenham-se alguns traços do feitio mental

dos indivíduos que compõem a comunidade lingüística”.

Na primeira parte de sua obra, a autora aborda a dificuldade em distinguir hipótese e

condição, optando por não estabelecer nenhuma diferença. E conceitua o período hipotético

(1961: 21) como sendo “conjunto de duas orações, uma das quais (geralmente a primeira)

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exprime uma suposição, condição ou ponto de partida de raciocínio, iniciando-se pela

conjunção se e subordinando-se sintaticamente à outra”. Além disso, expõe diferentes

opiniões para considerar a estrutura do período hipotético como orações independentes ou

subordinadas.

A autora classifica o período hipotético em três tipos, baseando-se nos estudos de

gramática latina, segundo a natureza da condição expressa no primeiro membro (cf. seção

2.3): a) Período hipotético do real (realis); b) Período hipotético do potencial (potentialis); e

c) Período hipotético do irreal (irrealis).

Conforme mencionado, as gramáticas latinas classificam os períodos hipotéticos em três

tipos: realis, potentialis, irrealis. Entretanto, Leão afirma que os fatos da língua revelam a

impossibilidade de se manter tal distinção e que há necessidade de outro critério, para

classificação. Ao contrário do que sugerem as aparências, nem toda condição irreal se

expressa pelo esquema se + imperfeito do subjuntivo / futuro do pretérito, e nem sempre o

mesmo esquema traduz irrealidade.

Além disso, segundo a autora (1961: 95), “o português usa ainda o esquema se +

imperfeito do subjuntivo / futuro do pretérito em referência não ao presente ou futuro, mas a

fatos hipotéticos que não se realizam no passado, quando a apódose tem uma perífrase

formada por auxiliar modal + infinitivo”. A construção se + imp. subj. / fut. do pret. é

considerada pela autora como a hipótese que se torna mais duvidosa.

4.2.3 Costa

Costa (1997), em sua dissertação de mestrado, analisa a variação entre as formas de

futuro do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo, em suas formas sintéticas e

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perifrásticas, com a noção de irrealis, sob a perspectiva da Teoria Variacionista, investigando

os fatores lingüísticos e sociais que favorecem essa variação.

Para realizar tal pesquisa, utilizaram-se dois corpora, um de língua falada informal e

outro de língua escrita informal. Para a investigação do fenômeno na fala, utilizou a amostra

do Programa de Estudo sobre o Uso da Língua – PEUL/ UFRJ e a amostra designada como

Cartas serviu de corpus para a análise da língua escrita. Os dados analisados da amostra

PEUL foram submetidos ao pacote de programas estatísticos VARBRUL.

Ao analisar seus dados, a autora constatou 843 ocorrências das variantes na amostra

PEUL, sendo 41% de PI; 34% de FP; 23% de IA + V e 02% de IRIA + V, e 185 na amostra

Cartas, com 27% de PI; 65% de FP; 04% de IA + V e 04% de IRIA + V. Esses resultados

demonstram uma preferência da modalidade escrita pela forma de FP, enquanto na fala

informal há uma gradação entre os usos de PI, FP, IA + V e IRIA + V.

A autora chega à conclusão de que as perífrases IRIA + V e IA + V parecem não ser

meras substitutas de suas correspondentes sintéticas, pois possuem contextos sociais e

lingüísticos próprios, sendo preferidas, geralmente, quando a forma verbal é extensa. Os mais

velhos preferem a variante IRIA + V, enquanto os mais jovens IA + V.

Costa (2003), em O futuro do pretérito e suas variantes no português do Rio de

Janeiro: um estudo diacrônico, analisa a variação entre o futuro do pretérito, o pretérito

imperfeito, as perífrases ‘ia + infinitivo’ e ‘iria + infinitivo’, além da variante ‘havia de +

infinitivo’ que expressam a noção de irrealis, numa perspectiva diacrônica. O estudo utiliza

corpora que retratam o português informal do Rio de Janeiro em vários períodos, podendo

observar o comportamento do fenômeno analisado em tempo real de curta e longa duração.

As amostras utilizadas para o estudo fazem parte do banco de dados do projeto PEUL/

UFRJ em dois momentos distintos do tempo: uma amostra coletada na década de 1980 e outra

no início dos anos 2000. Utilizaram-se das técnicas de estudo da variação na comunidade de

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fala em dois tempos (tendência) e estudo da variação no indivíduo em dois tempos (painel),

visto que são essas as duas técnicas de coleta de dados para realizar um estudo lingüístico em

tempo real. A respeito da análise em tempo real de longa duração, a autora fez uso de textos

teatrais datados do início do século XVIII até final do século XX mais precisamente de 1733 a

1997. Vale ressaltar que, nesse corpus, constatou-se a presença escassa de IA + V com a

noção de irrealis e o uso de outra variante: HAVIA DE + V (infinitivo).

A partir deste trabalho, a autora pôde constatar que a variante IA + V vem se

estabelecendo como forma inovadora, enquanto HAVIA DE + V praticamente caiu em

desuso.

Em relação aos resultados de sua pesquisa, menciona, em primeiro lugar, que seus

corpora são constituídos de 673 ocorrências das formas variantes que expressam o irrealis.

Um uso equilibrado entre PI e FP, este com 38% das ocorrências e aquele com 39%, a

perífrase IA + V 17%, HAVIA DE + V 6% e IRIA + V não representou nem sequer 1% das

ocorrências.

É possível perceber a partir do banco de dados uma oscilação nas ocorrências das

formas FP e PI na linha do tempo. A variante IRIA + V apareceu poucas vezes, sendo

excluída da análise.

Os dados do estudo na Amostra 80 demonstraram que havia um empate entre as

percentagens de FP e PI, de 35 % para cada forma, desconsiderando-se os verbos modais.

Enquanto que na Amostra 00 os usos se distanciaram, ocorrendo maior freqüência de uso de

FP e decréscimo de PI, resultado inesperado no julgamento da autora. Outra constatação

relaciona-se ao uso de IA + V que ganhou força no decorrer de 20 anos, enquanto IRIA + V

manteve o mesmo patamar.

Costa tenta explicar o aumento do uso de FP por meio da suposição de que as

entrevistas da amostra 2000 apresentem maior grau de formalidade, uma maior aproximação

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do uso padrão, em relação à feita na década de 1980 e comenta que outras pesquisas

realizadas com este corpus mostraram resultados que apontam para a mesma direção.

Dezesseis dos informantes que fizeram parte da amostra PEUL, na década de 1980,

foram recontactados vinte anos depois, permitindo comparar o desempenho lingüístico deles

em duas épocas distintas de sua vida. Muitos dos informantes eram adolescentes na década de

1980, e alguns deles atingiram o nível superior completo ou incompleto. Estes informantes

usavam pouco a variante FP, entretanto, depois dos vinte anos, passaram a utilizá-la com mais

freqüência, além da grande queda de PI e uma diminuição de IA + V. Segundo a autora

(2003: 128), “isso confirma o status de maior formalidade da variante e sua vinculação à

influência da escola”.

Observe a tabela apresentada pela autora com os percentuais de uso nos dois períodos.

Variantes Amostra 80 (I) Amostra 00 (I)

FP 33 = 21% 58 = 57%

PI 56 = 36% 07 = 07%

IA + V 65 = 42% 35 = 34%

IRIA + V 01 = 0,6% 02 = 02%

Total 155 102

Tabela 1: Totais de dados produzidos por informantes que ganharam escolarização entre o primeiro e o segundo contato - ESTUDO PAINEL

Em relação aos informantes que mantiveram o mesmo grau de escolaridade, foi

possível verificar que a freqüência de FP não teve aumento.

A partir dos dados obtidos, Costa conclui seu texto afirmando que se pôde constatar

como formas variantes da noção de irrealis as perífrases com ‘ir’ e ‘haver de’ e as formas

flexionadas de PI e FP.

Em relação a um possível processo de gramaticalização do auxiliar ‘ir’, a autora

(2003: 139) afirma que este item lexical deixa de exercer função principal que indica uma

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noção semântica de movimento, passando a funcionar como um auxiliar que indica predição/

futuridade.

De qualquer forma, acreditamos que nossa análise empírica permitiu comprovar a maioria de nossas hipóteses sobre o processo de mudança que está em curso no sistema verbal do português brasileiro e que este estudo representa mais uma contribuição à história da evolução de nossa língua.

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5 METODOLOGIA

Conforme mencionado anteriormente, o objetivo desta pesquisa é descrever a variação

sistemática entre as formas de futuro do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo, nas

formas sintéticas e perifrásticas, que expressam a noção de irrealis, definidos na seção 2.3

desta dissertação.

Procura-se, neste trabalho, estabelecer a sistematicidade das formas alternantes

estudadas na comunidade de fala capixaba, a partir do banco de dados do projeto “O

português falado na cidade de Vitória”, de acordo com os contextos lingüísticos e sociais. Tal

tarefa será possível graças à metodologia da Sociolingüística Variacionista Laboviana,

comentada no terceiro capítulo desta dissertação.

Seguindo os procedimentos teórico-metodológicos da Teoria Variacionista, procurou-

se obter um número significativo de dados do uso real do capixaba. Foi obtido um total de

1080 dados das formas variantes estudadas no âmbito do irrealis. A média de ocorrências

obtidas no corpus pesquisado é de 23,47 dados por entrevista. Vale ressaltar que esta

dissertação é a primeira pesquisa a analisar sistematicamente todo o corpus desse projeto.

O pressuposto básico do estudo da variação é o de que a heterogeneidade lingüística,

tal como a homogeneidade, não é aleatória, mas regulada, governada por um conjunto de

regras. Assim, tal como existem regras categóricas que levam o falante a usar certas formas,

existem condições ou regras variáveis que funcionam para favorecer ou desfavorecer,

variavelmente e com pesos específicos, o uso de uma ou outra das formas em cada contexto.

A metodologia da Teoria da Variação constitui uma ferramenta poderosa e segura que

pode ser usada para o estudo de qualquer fenômeno variável nos diversos níveis e

manifestações lingüísticas.

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Depois de efetivada a coleta de dados, levantaram-se as hipóteses (mencionadas a

seguir na seção 5.2) sobre quais fatores lingüísticos e extralingüísticos estariam relacionados

ao uso de cada forma variante. Pesquisou-se um total de oito grupos de fatores - as variáveis

independentes. Analisaram-se cinco fatores lingüísticos: 1) Paralelismo; 2) Tipo de texto; 3)

Saliência fônica; 4) Extensão lexical; e 5) Ambiente sintático-semântico. Além de três fatores

extralingüísticos: 1) Faixa etária, 2) Gênero/ sexo e 3) Escolaridade. Após levantamento,

codificação e digitação, os dados obtidos foram submetidos ao pacote de programas

estatísticos computacional Goldvarb (versão 2001).

O Goldvarb é um aplicativo para analisar múltiplas variáveis, como a por ora descrita.

Ele possibilita a contagem dos dados, demonstrando o comportamento das variantes frente a

cada grupo de fatores, apontando os percentuais de cada um deles. O programa ainda permite

um resultado em peso relativo, calculados a partir de um modelo logístico, que possibilita

identificar a força de cada restrição em relação ao fenômeno variável. Os valores superiores a

0.5 costumam ser interpretados como favoráveis à aplicação da regra, enquanto valores

inferiores a 0.5 como inibidores. Mas é preferível avaliar esses números como uma

ordenação, pois como ressalta Naro (2004: 24) “temos que ter muita cautela ao dizermos que

um peso menor que 0.5 desfavorece a aplicação da regra ou ao compararmos valores

numéricos de pesos calculados para diversos conjuntos de dados”. Além disso, o Goldvarb

fornece a seleção estatística dos grupos de fatores por ordem de relevância.

Essa seleção se faz de acordo com o grau de significância para cada fator ou conjunto

de fatores. O programa funciona interativamente e os resultados mais significativos são

aqueles cuja significância é 0.000 ou mais próxima desse valor.

Vale salientar que os resultados numéricos obtidos pelos programas só terão valor

estatístico. Cabe ao lingüista interpretar e atribuir seu valor lingüístico. Como assinala Naro

(2004: 16), “o problema central que se coloca para a Teoria da Variação é a avaliação do

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quantum com que cada categoria postulada contribui para a realização de uma ou outra

variante das formas em competição”. No uso real da língua, que constitui o dado do lingüista,

seja na forma falada ou na forma escrita, tais categorias se apresentam sempre conjugadas; na

prática, a operação de uma regra variável é sempre o efeito da atuação simultânea de vários

fatores.

A seguir, apresenta-se a descrição da amostra analisada. E, posteriormente, quais os

tipos de ocorrências consideradas neste trabalho.

5.1 CARACTERIZAÇÃO DO CORPUS

A presente pesquisa, a exemplo de outros estudos de orientação sociolingüística,

examinou um corpus composto de representantes de uma comunidade de fala – no caso, a

capixaba.

Os informantes que compõem o banco de dados foram selecionados de acordo com a

faixa etária, sexo, escolaridade e origem. Deu-se preferência a falantes que tivessem nascido

em Vitória, porém, quando esses não foram encontrados, buscaram-se aqueles que, pelo

menos, haviam-se deslocado para a cidade até os cinco anos de idade, ou que ali tivessem

passado mais de três quartos de sua vida, no caso da faixa etária mais elevada, conforme

mencionado por Mazieira & Tesch (2002).

Vitória, fundada há mais de 450 anos, ainda não possuía estudos lingüísticos

sistemáticos de caráter sociolingüístico. Yacovenco (2002: 102) pontua a importância de se

formar um banco de dados da comunidade de fala capixaba, pois

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a formação de um banco de dados fundamentada em uma metodologia sociolingüística laboviana permite o registro da língua em seu uso efetivo, proporcionando o conhecimento mais aprofundado da realidade lingüística de uma comunidade e, por conseguinte, o ajuste do ensino de língua portuguesa, em todos os seus níveis, a uma realidade mais concreta, evitando a imposição indiscriminada de uma só norma histórico-literária, por meio de um tratamento menos prescritivo e mais receptivo das diferenças socioculturais existentes.

Na constituição desse banco de dados, definiram-se três níveis de escolaridade (ensino

fundamental, médio e superior), quatro faixas etárias (de 7 a 14 anos, de 15 a 25, de 26 a 49 e

de 50 anos em diante) e informantes dos dois sexos (homens e mulheres). As várias células

foram distribuídas aleatoriamente pelas regiões sócio-econômicas da cidade (conforme a

divisão estabelecida pela Prefeitura, melhor apresentada na seção seguinte), e tal distribuição

orientou a procura e seleção dos informantes. O corpus do projeto “O português falado na

cidade de Vitória” compõe-se de quarenta e seis entrevistas, cada uma com cerca de uma hora

duração. Observe a distribuição:

Idade 07-14 15-25 26-49 50 ou +

Sexo H M H M H M H M Totais

Ensino Fundamental 4 4 2 2 2 2 2 2 20

Ensino Médio 3 3 2 2 2 2 14

Ensino Superior 2 2 2 2 2 2 12

Número total de informantes entrevistados 46

Tabela 2: Distribuição dos informantes de acordo com as variáveis sociais

O projeto “O português falado na cidade de Vitória” escolheu como tipo de entrevista

a semidirigida15, por este tipo proporcionar uma fala natural, mesmo trabalhando com temas

pré-selecionados pelos entrevistados, já que há, também, a possibilidade de mudanças

temáticas, se assim o falante desejar.

15 Na conversa semidirigida, que é conduzida como livre, faz-se a introdução de temas, que foram previamente selecionados. Observa-se quais temáticas ajudam a nortear o diálogo, introduzindo algo de informal na entrevista, já que o falante poderá discorrer sobre os assuntos que lhe forem mais familiares.

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Na realização das entrevistas, objetivou-se a obtenção da fala espontânea, da maneira

mais natural possível, mesmo que as circunstâncias não fossem de todo favoráveis. A

gravação dessas entrevistas foi realizada a partir da conversa entre dois pesquisadores e um

informante, sendo concretizada a partir de dois contatos com o informante. No primeiro, de

duração de cerca de vinte minutos, havia o preenchimento de uma ficha social, a fim de se

obterem informações acerca do entrevistado, além de se analisarem as preferências temáticas

de cada um para facilitar a comunicação no momento da segunda entrevista. O segundo

contato, que era a entrevista propriamente dita, durava aproximadamente sessenta minutos,

tornando possível a obtenção de estilos formais e informais, linguagem familiar e própria de

situações mais tensas, comuns nas situações de entrevistas.

Esta pesquisa sobre a variação no âmbito do irrealis na fala dos capixabas pretende ser

a primeira de uma série de investigações que tem por objetivo mais amplo constituir um

observatório da variação lingüística na cidade de Vitória-ES. Espera-se que as descrições

sobre o português da cidade de Vitória realizadas por este projeto possam ser úteis para um

melhor e mais sistemático conhecimento das diferentes e múltiplas realidades lingüísticas

vivenciadas pelos falantes do português brasileiro.

5.1.1 A cidade de Vitória

Vitória, capital do Estado do Espírito Santo, é a principal ilha de um arquipélago de 34

ilhas e o centro da Região Metropolitana da Grande Vitória, formada por esta cidade e pelos

municípios de Vila Velha, Cariacica, Viana e Serra.

Fundada oficialmente em 8 de setembro de 1551, Vitória, a terceira capital mais antiga

do País, formou-se em volta das primeiras construções portuguesas, a igreja de São Tiago e o

colégio dos jesuítas, datadas de 1551, ano oficial de sua fundação. Era conhecida como Ilha

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de Santo Antônio, mas, devido a uma vitória sobre os índios, sob, segundo crença, a proteção

de Nossa Senhora das Vitórias, teve seu nome mudado para Vila de Nossa Senhora das

Vitórias.

Nos 300 anos iniciais de sua história, Vitória foi uma vila-porto, tendo enfrentado

franceses e ingleses que aportavam em busca de açúcar e de pau-brasil. Em meio ao pequeno

núcleo urbano, de feição nitidamente colonial, havia "capixabas" - roças - na língua indígena -

expressão que acabou servindo para denominar os habitantes da ilha e, posteriormente, todos

os espírito-santenses. Somente em 24 de fevereiro de 1823, ocorreu a emancipação política do

município, após a assinatura de um Decreto-Lei Imperial.

Nas últimas décadas do século XX, a cidade passou por um processo de transformação

econômica e social, graças à instalação de empresas estatais no município. Na educação,

Vitória é líder nacional em educação infantil, sendo uma referência brasileira na qualidade no

ensino, com 95,5% de taxa de alfabetização e 93,4% de taxa de freqüência escolar16.

Em relação à organização espacial, Vitória possui 93,38 quilômetros quadrados, com

uma população de aproximadamente 292 mil habitantes, em 74 bairros, alguns surgidos de

invasões, aterros ou loteamentos irregulares. Nos últimos 20 anos, Vitória precisou passar por

uma série de intervenções para amenizar os problemas resultantes de ocupação de solo

desordenada.

O município de Vitória é dividido em sete regiões administrativas. Essa divisão,

elaborada pela prefeitura para uma melhor administração da cidade, leva em consideração as

características de cada bairro. O projeto “O português falado na cidade de Vitória”, a partir

dessa divisão já estabelecida, decidiu, após leituras e discussões acerca do assunto, também

adotá-la, o que, inclusive, possibilitará um futuro estudo comparativo dessas regiões, para

16 Segundo dados da Unicef.

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constatar se possuem características comuns em seu linguajar e o que as diferencia umas das

outras.

As sete regiões administrativas são: Regional Bento Ferreira/ Jucutuquara; Regional

Continental; Regional Maruípe; Regional Praia do Canto; Regional Centro; Regional Santo

Antônio e Regional São Pedro.

A seguir, o mapa da cidade de Vitória com a distribuição das sete regiões

administrativas.

Figura 1: Mapa da cidade de Vitória com as sete regiões administrativas.

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5.1.1.1 Perfil do capixaba

Segundo dados de 200017, há em Vitória 292.304 residentes. Desse total, 39.204 têm

entre 07 a 14 anos, 60.436 entre 15 a 24 anos, 110.998 entre 25 a 49 anos e 49.987 com mais

de 50 anos. Nesta pesquisa, foram entrevistados 08 informantes de 07 a 14 anos; 14, de 15 a

25 anos; 12, de 26 a 49 anos e 12 com mais de 50 anos.

Em relação à escolaridade18, são 48.246 matrículas no Ensino Fundamental, 22.487 no

Ensino Médio e 32.734 no Ensino Superior. A taxa de analfabetismo é de aproximadamente

3%. Em um primeiro momento da constituição do banco de dados do projeto “O português

falado na cidade de Vitória”, havia a pretensão de se analisar informantes sem escolaridade

formal. Entretanto, devido à dificuldade de encontrar representantes desse grupo, tomou-se a

decisão de não os pesquisar, pois não são representativos da comunidade de fala capixaba.

Há em Vitória 274.404 residentes com 10 anos ou mais de idade, desse total 53% são

de mulheres e 47% são homens. Em relação à classe social, 86.632 habitantes não apresentam

rendimento nominal mensal, enquanto 160.772 habitantes possuem renda (sendo 81.691

homens e 79.081 mulheres).

5.2 DESCRIÇÃO DO TRATAMENTO DOS DADOS

Conforme mencionado, esta pesquisa se restringe a formas que expressam o irrealis

(cf. seção 2.3). Foram estudadas as ocorrências de FP, PI, IRIA + V e IA + V, intercambiáveis

entre si, retirando aquelas nas quais essa correlação não fosse possível.

17 Fonte: IBGE, Resultados da Amostra do Censo Demográfico 2000. Informações de acordo com a Divisão Territorial vigente em 01.01.2001.

18 Fonte: Ministério da Educação, Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP, (1) Censo Educacional 2004, (2) Censo da Educação Superior 2003.

Page 67: A Variação no Âmbito do Irrealis entre as Formas do … · 2.1 O CONCEITO DE FP E PI ... 2.4 OS VERBOS MODAIS ... Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de FP em

66

No decorrer do estudo dessas formas variantes, formularam-se as seguintes hipóteses

para o estudo aqui desenvolvido:

• O sistema verbal do português, especificamente o português informal falado na cidade de

Vitória, estaria passando por um processo de mudança quanto à indicação verbal da noção

de irrealis;

• Há motivações lingüísticas relacionadas à escolha das formas variantes;

• Além dos fatores lingüísticos, há motivações sociais relacionadas à variação dessas

formas estudadas;

• Os verbos modais apresentariam comportamento distinto dos verbos não-modais;

• As formas perifrásticas estariam sendo preferencialmente mais utilizadas às formas

sintéticas;

• As formas perifrásticas estariam sendo mais usadas pelos informantes mais jovens,

indicando uma mudança em processo, essas formas seriam uma nova forma dentro da

língua e que está ocupando um novo espaço no sistema lingüístico;

• O item IR com a noção de irrealis estaria em processo de gramaticalização;

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67

6 DESCRIÇÃO DOS RESULTADOS

Aqui se descrevem os grupos de fatores relevantes para o uso das variantes em verbos

não-modais, assim como os resultados da análise quantitativa e sua interpretação. São

apresentados em primeiro lugar os grupos de fatores lingüísticos e, em seguida, os sociais.

Porém, antes da apresentação dos vários grupos de fatores e dos seus respectivos resultados, é

interessante mostrar a distribuição das variantes.

Ao todo, foram coletadas mil e oitenta (1080) ocorrências de variantes com a noção de

irrealis, do futuro do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo, nas formas sintéticas e

perifrásticas, considerando os verbos não-modais e modais, nas 46 entrevistas de informantes

capixabas. Observe a distribuição das variantes a partir da tabela 3.

FP PI IA + V IRIA + V TOTAL

Nº 443 402 229 06 1080

% 41% 38% 21% 0% 100%

Tabela 3: Distribuição de ocorrências das variantes FP, IMP, IA + V e IRIA + V.

A primeira constatação que se pode fazer é que as formas do FP e PI têm uma

distribuição equilibrada. As formas perifrásticas não se mostraram muito recorrentes,

principalmente a construção IRIA + V, que, com seis ocorrências, não corresponde sequer a

1% dos dados. A construção perifrástica IA + V representa 21% das ocorrências.

Esse percentual do FP – 41% - não era tão esperado, mas ao se observar o número de

ocorrências das formas perifrásticas juntamente às formas sintéticas, obtém-se outro quadro.

Observe a distribuição dos resultados.

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68

Futuro do Pretérito

Pretérito Imperfeito do Indicativo

TOTAL

Nº 449 631 1080

% 42% 58% 100%

Tabela 4: Distribuição de ocorrências das variantes no futuro do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo

Ao se analisar as formas sintéticas e perifrásticas amalgamadas, é possível constatar

claramente a preferência dos informantes pelas formas no pretérito imperfeito do indicativo,

correspondendo a 58% dos dados. Segue abaixo um gráfico expondo a diferença de

distribuição ao se considerar as formas sintéticas e perifrásticas separadamente e ao

amalgamá-las, observe:

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

1

FP sintético

PI sintético

PI perifrástico

FP perifrástico

FP

PI

Gráfico 1: Distribuição da ocorrências das variantes

Portanto, a partir desses resultados, observa-se que, no geral, a informação no âmbito

do irrealis é expressa preferencialmente pelo pretérito imperfeito do indicativo, ao se

considerar as formas sintéticas e perifrásticas juntamente. No entanto, há uma predominância

das ocorrências em FP, analisando separadamente as formas sintéticas e perifrásticas.

Vale ressaltar que os resultados apresentados nas seções seguintes deste capítulo se

referem exclusivamente aos verbos não-modais. Os verbos modais foram investigados

separadamente (cf. capítulo 7), conforme esclarecido na seção 2.4.

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69

Em relação aos resultados da variação nos verbos não-modais, foi possível perceber a

preferência da variante FP nos falantes capixabas aqui investigados. Observe a distribuição a

seguir:

FP PI IA + V IRIA + V TOTAL

Nº 341 149 222 06 718

% 48% 21% 31% 0% 100%

Tabela 5: Distribuição de ocorrências das variantes FP, IMP, IA + V e IRIA + V nos verbos não-modais

É possível que esta preferência pelo FP esteja relacionada ao grau de formalidade da

entrevista. Parece que o corpus do projeto “O português falado na cidade de Vitória” manteve

uma formalidade em sua composição19. Como este trabalho é o primeiro a analisar

sistematicamente todo o banco de dados, não é possível compará-lo com outros trabalhos para

verificar se essa formalidade se reflete também em outros fenômenos variáveis.

Alguns estudos do banco de dados do projeto PEUL, referentes à análise das

entrevistas realizadas em 2000, apontaram uma aproximação maior do uso padrão de certos

fenômenos variáveis e se acredita que tal preferência possa estar relacionada a um aumento no

grau de formalidade das entrevistas, em comparação às realizadas na década de 1980.

A hipótese sobre o grau de formalidade nas entrevistas com capixabas baseia-se na

preferência pelas formas variantes aqui estudadas nas falas dos entrevistadores, pois, em um

total de 145 ocorrências em verbos modais e não-modais, 75% foram de FP, 10% de PI, 13%

de IA + V e 02% de IRIA + V. Assim, é possível verificar a tendência dos entrevistadores a

usar a forma tida como padrão.

19 Participei da composição desse corpus e fui uma das entrevistadoras em algumas entrevistas. No decorrer de algumas entrevistas, pude perceber que alguns informantes se sentiam prestigiados por participar de uma pesquisa da Universidade Federal do Espírito Santo, única universidade federal no Estado. É possível que esses informantes, por serem entrevistados por alunos da UFES, não tenham ficado totalmente à vontade no momento da entrevista, fazendo uso de uma linguagem mais cautelosa.

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70

Um outro fator que parece estar envolvido na preferência por FP é o ‘tipo de texto’,

tendo em vista que a noção de irrealis ocorre mais freqüentemente em seqüências

argumentativas, ambiente favorecedor para a variante FP (cf. 6.2.1).

A forma IA + V obteve um resultado interessante, sendo a segunda variante mais

utilizada em verbos não-modais. Esse resultado justifica que se investigue separadamente os

verbos modais e não-modais, tendo em vista que as perífrases são inibidas nos modais.

A perífrase IRIA + V apresenta pouquíssimos dados, não correspondendo a sequer 1%

das ocorrências. Tal resultado acarretou a exclusão desses dados da análise.

O PI corresponde a 21% dos dados, no entanto, ao se verificar o seu uso juntando as

formas sintéticas e perifrásticas, é possível observar o seu uso ligeiramente mais alto.

Futuro do Pretérito

Pretérito Imperfeito do Indicativo

TOTAL

Nº 347 371 718

% 48% 52% 100%

Tabela 6: Distribuição de ocorrências das variantes no futuro do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo em verbos não-modais

A seguir, citam-se os grupos de fatores lingüísticos e sociais que se mostraram

correlacionados à variação entre FP, PI e IA + V no âmbito de informação do irrealis. Como

já se disse, as ocorrências de IRIA + V não puderam ser analisadas pelo programa Goldvarb

por apresentar um baixo número de dados.

Em relação aos fatores lingüísticos, o programa estatístico selecionou como relevantes

os seguintes grupos: 1) Paralelismo; 2) Tipo de texto; 3) Saliência fônica; 4) Extensão lexical

e 5) Ambiente sintático-semântico.

Além disso, os três fatores sociais também foram selecionados pelo programa: 1)

Gênero/ sexo; 2) Escolaridade e 3) Faixa etária.

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71

6.1 PARALELISMO

“Marcas levam a marcas e zeros levam a zeros”, essa é a frase que melhor caracteriza

o paralelismo (Poplack 1979: 80). O controle deste grupo de fatores visa a identificar a

repetição sucessiva das variantes na análise dos dados.

As pesquisas de Scherre (1988; 1998) atestam a importância deste grupo, que foi

escolhido pelo programa VARBRUL como o primeiro em seus trabalhos sobre a

concordância de número no SN em português. Em sua tese de doutorado (1988), a autora

comenta a influência deste grupo em distintos fenômenos estudados a partir de várias línguas,

como espanhol, inglês, francês, quéchua, crioulo caboverdiano e português.

Scherre & Naro (1991: 30) pesquisaram a relevância do paralelismo na concordância

verbo – sujeito e predicativo - verbo e observaram que a não-concordância favorece outra

não-concordância no período, enquanto a concordância leva a outra concordância.

A partir desses resultados, pode-se perceber que há uma tendência de marcas levarem

a marcas, “assim, a distribuição das marcas no discurso apresenta-se antieconômica. As

marcas tendem a ocorrer exatamente onde não são necessárias e a não ocorrer onde seriam

úteis, ao menos no ponto de vista do ouvinte” (Scherre & Naro, 1991: 30).

Gryner (1990) confirmou a importância deste fator ao analisar a variação tempo-modo

e conexão. Lopes (1990: 46-50) também pôde verificar a relevância do paralelismo ao

analisar a variação entre as formas ‘nós’ e ‘a gente’ no português falado culto do Brasil, pois

o uso de ‘nós’ levou preferencialmente a ‘nós’ e a utilização de ‘a gente’ favoreceu a

ocorrência de ‘a gente’. Em relação à variação no tempo verbal do futuro entre as formas de

futuro do presente e presente do indicativo, Santos (2000: 70) e Gibbon (2000: 102) também

puderam atestar a influência do paralelismo na escolha das variantes.

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72

Ao analisar as variantes PI, FP e IA + V, Costa (1997: 103) obteve o grupo

paralelismo em primeiro lugar na seleção do programa VARBRUL para as três variantes, na

amostra PEUL. Costa (2003: 113) também pôde confirmar a importância deste fator na

atuação das variantes investigadas, na amostra dos falantes recontactados para o estudo de

painel.

Ao ocorrer numa cadeia de variantes, a forma de FP foi preferencialmente precedida de outra forma de FP (.79). As variantes PI e IA + V obtiveram pesos relativos ainda mais altos em situações em que apareceram precedidas, respectivamente, de formas idênticas (.90 e .91) (ou seja, há resultados bastante polarizados em se tratando destas últimas variantes: note-se que o segundo fator na hierarquia fica mais ou menos 40 pontos abaixo do primeiro).

Muitos desses autores acima apontados, como Scherre & Naro (1991), Lopes (1990),

Santos (2000), Gibbon (2000) e Costa (1997; 2003), constataram que as ocorrências isoladas

ou primeiras da série constituem ponto neutro quanto à preferência por uma das variantes.

Graças à ampla difusão do efeito desse fator em diversos estudos da sociolingüística

variacionista, “o paralelismo formal tem-se mostrado tão operativo num leque tão amplo de

fenômenos, em tantas línguas, que ele deve ser considerado com um sério candidato a

universal de uso e processamento da linguagem” (Scherre & Naro 1991: 30).

Em relação à pesquisa aqui descrita, acredita-se que o uso do PI levaria, novamente,

ao uso de outra forma no imperfeito e, por outro lado, o uso do FP propiciaria a utilização do

futuro do pretérito. Assim como construções perifrásticas com IA + V favoreceriam outra

com IA + V.

No corpus aqui analisado, distinguem-se dois tipos de ocorrências adjacentes: no

discurso do próprio informante ou em relação ao discurso do entrevistador, sendo esta

segunda possibilidade de paralelismo, caracterizada pelo caráter interacional, denominada

gatilho (cf. Scherre, 1988: 392 e Charlotte Emmerich 1984).

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73

Seguem-se abaixo, exemplificados por falas verificadas no corpus, os tipos de

paralelismos passíveis de ocorrer:

a) Ocorrência precedida de gatilho em Futuro do Pretérito, nas formas sintéticas e

perifrásticas20:

05) Entrevistador 2 – “e:: se seu irmão de treze anos resolvesse... ‘ah eu quero ir no di/ no Dia D... você concordaria assim de primeira?” Informante – “eu concordaria... eu acho assim... meu pai jamais deixaria ele ir... jamais” (cél. 38, pág. 15, lin. 32)21

b) Ocorrência precedida de gatilho em Pretérito Imperfeito do Indicativo, nas formas

sintéticas e perifrásticas:

06) Entrevistador 1 – Você tem vontade de viajar de navio ... você ia viajar de navio?

Informante – não... eu não tenho paixão... sai daQUI pra Europa de navi::o. acho que ia me entediar... (cél. 45, pág. 05, lin. 27)

c) Ocorrência isolada (e sem gatilho que a preceda)

07) [tema: vontade de ter filho] acho que do jeito que o mundo está indo... num/ num é muito bom colocar uma criança no mundo não...acho que a gente prejudicaria elas... pô... tanta droga violência por que que eu vou botar um filho no mundo ... pra ele entrar em droga em violência? (cel. 05, pág. 09, lin. 17)

d) Primeira ocorrência de uma série, sem gatilho

08) [tema: vontade de voltar ao passado] passado eu só voltaria por poucas coisas... mas eu não voltaria não... (cél. 05, pág. 05, lin. 11)

20 Em um primeiro momento, as ocorrências precedidas de gatilho nas formas sintéticas e perifrásticas foram analisadas separadamente, mas devido ao baixo número de dados das formas perifrásticas decidiu-se amalgamá-las, distinguindo-as somente por pertencerem ao futuro do pretérito ou pretérito imperfeito do indicativo.

21 A ocorrência sob análise é a que se encontra em negrito e sublinhada.

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74

e) Ocorrência em cadeia, precedida de Futuro do Pretérito, nas formas sintéticas e

perifrásticas, (na própria fala).

09) eu moraria ... adoro aquilo ali... Marechal Floria::no... Santa Isabel::... né... tem umas coisa ali muito boni/ bonitinha... agora (inint)... moraria ... talvez em que::.... moraria :: em Manguinhos (cél. 45, pág. 08, lin. 27)

f) Ocorrência em cadeia, precedida de Pretérito Imperfeito do Indicativo, na forma

sintética, (na própria fala).

10) ave Maria se você chegasse/ viesse com uma queixa do colégio da professora... você apanhava de régua lá no colégio... chegava em casa se você dissesse que apanhou da professora você apanhava de novo (cél. 45, pág. 10, lin. 21)

g) Ocorrência em cadeia, precedida de Pretérito Imperfeito do Indicativo, na forma

perifrástica, (na própria fala).

11) [tema: a criação de uma história em quadrinhos] eu que ia dar a história pra ela e ela ia desenhar ... e às vezes a gente trocava porque ela adorou a história que eu fiz..eu fiz uma história lá que:: ela ficava com/ com meu primo eu ficava com o namorado dela (cél. 05, pág. 14, lin. 08)

6.1.1 Resultados e discussão

Este grupo obteve o primeiro lugar na seleção do programa Goldvarb para as três

variantes: FP, PI e IA + V. Os resultados nas três tabelas a seguir correspondem a diferentes

rodadas do programa, tomando-se cada uma delas como aplicação separadamente.

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75

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ocor. em cadeia, precedida de FP 128/148 86% .84

Ocor. precedida de gatilho no futuro do pretérito

67/89 75% .72

Ocorrência isolada 78/185 42% .49

Primeira ocorrência de uma série 37/91 40% .46

Ocor. em cadeia, precedida de PI 16/99 16% .20

Ocor. precedida de gatilho no pretérito imperfeito do indicativo

06/22 27% .12

Ocorrência em cadeia, precedida de IA + V 09/78 11% .12

Tabela 7: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de FP em verbos não-modais

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ocor. em cadeia, precedida de FP 05/148 03% .20

Ocor. precedida de gatilho no futuro do pretérito

11/89 12% .44

Ocorrência isolada 31/185 16% .45

Primeira ocorrência de uma série 29/91 31% .72

Ocor. em cadeia, precedida de PI 56/99 56% .87

Ocor. precedida de gatilho no pretérito imperfeito do indicativo

07/22 31% .81

Ocorrência em cadeia, precedida de IA + V 10/78 12% .30

Tabela 8: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de PI em verbos não-modais

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ocor. em cadeia, precedida de FP 15/148 10% .24

Ocor. precedida de gatilho no futuro do pretérito

11/89 12% .29

Ocorrência isolada 76/185 41% .64

Primeira ocorrência de uma série 25/91 27% .47

Ocor. em cadeia, precedida de PI 27/99 27% .42

Ocor. precedida de gatilho no pretérito imperfeito do indicativo

09/22 40% .69

Ocorrência em cadeia, precedida de IA + V 59/78 75% .87

Tabela 9: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de IA + V em verbos não-modais

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76

Os resultados expostos nas tabelas (7), (8) e (9) confirmam a influência do fator

paralelismo para a escolha da variante no âmbito do irrealis: a presença de uma forma leva a

outra idêntica em contexto imediatamente posterior, tanto em ocorrências adjacentes no

discurso do próprio informante quanto em relação ao discurso do entrevistador (formas em

gatilho).

Logo, nas ocorrências em cadeia, FP favorece FP (.84), PI leva a PI (.87) e IA + V

favorece IA + V (.87). Assim como o falante tende a repetir a forma utilizada pelo

entrevistador, as ocorrências em gatilho, uma vez que o futuro do pretérito leva a FP (.72) e o

pretérito imperfeito do indicativo favorece PI (.81) e IA + V (.69). Em relação ao caso de

gatilho no pretérito imperfeito do indicativo, vale lembrar que as ocorrências de PI e IA + V

foram amalgamadas por haver poucos dados na fala dos entrevistadores de PI, apenas 6,

contra 16 de IA + V. Dessas 16 ocorrências, 09 foram precedidas de IA + V, 5 de FP e 02 de

PI, confirmando novamente a influência do paralelismo na escolha da variante, favorecendo a

repetição da mesma forma.

As formas inibidoras para FP são as precedidas de gatilho no pretérito imperfeito do

indicativo e em cadeia de IA + V. Em relação ao PI, FP em cadeia inibe o seu uso. Para IA +

V, FP em cadeia ou em gatilho funciona como a variante que desfavorece a forma perifrástica.

No início deste capítulo, antes de se descrever os fatores lingüísticos e discursivos

envolvidos na variação nos verbos não-modais, foi estabelecida a hipótese de que o projeto

“O português falado na cidade de Vitória” apresente um grau de formalidade que pode ter

favorecido a preferência de FP pelos informantes. Essa hipótese pode ser confirmada por

meio da análise das ocorrências de gatilho, pois os entrevistadores demonstraram uma

preferência pelas formas tidas como padrão (recomendada pelas gramáticas tradicionais), FP.

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77

Devido a uma possível interferência do uso da forma tida como padrão pelos

entrevistadores na escolha das variantes, decidiu-se fazer uma rodada excluindo do cálculo

estatístico as formas de gatilho, a fim de observar esse efeito na distribuição dos resultados.

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ocor. em cadeia, precedida de FP 128/148 86% .84

Ocorrência isolada 78/185 42% .54

Primeira ocorrência de uma série 37/91 40% .49

Ocor. em cadeia, precedida de PI 16/99 16% .20

Ocorrência em cadeia, precedida de IA + V 09/78 11% .13

Tabela 10: Influência do grupo de fatores PARALELISMO sem os gatilhos na escolha de FP em verbos não-modais

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ocor. em cadeia, precedida de FP 05/148 03% .21

Ocorrência isolada 31/185 16% .48

Primeira ocorrência de uma série 29/91 31% .73

Ocor. em cadeia, precedida de PI 56/99 56% .85

Ocorrência em cadeia, precedida de IA + V 10/78 12% .32

Tabela 11: Influência do grupo de fatores PARALELISMO sem os gatilhos na escolha de PI em verbos não-modais

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ocor. em cadeia, precedida de FP 15/148 10% .25

Ocorrência isolada 76/185 41% .59

Primeira ocorrência de uma série 25/91 27% .43

Ocor. em cadeia, precedida de PI 27/99 27% .40

Ocorrência em cadeia, precedida de IA + V 59/78 75% .87

Tabela 12: Influência do grupo de fatores PARALELISMO sem os gatilhos na escolha de IA + V em verbos não-modais

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78

A partir das tabelas (10), (11) e (12), é possível verificar novamente a influência do

fator paralelismo na escolha das variantes, uma vez que em ocorrências em cadeia FP leva a

FP (.84), PI favorece PI (.85) e IA + V leva a IA + V (.87).

Por outro lado, o uso das formas não-paralelas, ou seja, FP para PI e IA + V

funcionam como inibidoras - (.21) e (.25), respectivamente. Assim como PI e IA + V

desfavorecem a ocorrência de FP - (.20) e (.13), respectivamente.

As ocorrências isoladas e primeiras de uma série parecem estar situadas, para as três

variantes, em nível intermediário para a escolha da variante. O maior peso relativo para o fato

‘primeira de uma série’ foi de .73 para a escolha de PI.

6.2 TIPO DE TEXTO

A questão dos gêneros discursivos e tipos textuais tem despertado o interesse de vários

lingüistas e professores de Língua Portuguesa. É possível encontrar estudos em que a

distinção entre gênero e tipo não fica bem delimitada. Segundo Biber (1988: 170, apud

Paredes Silva, 1996: 176), as categorias de gênero são determinadas na base de critérios

externos, relacionados ao propósito do falante e ao tópico (baseadas no uso, e não na forma),

enquanto os tipos textuais representam agrupamentos de textos que são semelhantes na forma,

independente do gênero.

Os gêneros discursivos correspondem à realização dos tipos em situações

comunicativas concretas. É valido ressaltar que muitos desses gêneros são compostos por

vários tipos de texto, como nas entrevistas. É possível encontrar dentro do gênero entrevista

seqüências narrativas, descritivas e argumentativas.

A entrevista é o grande gênero discursivo que constitui o corpus do projeto “O

português falado na cidade de Vitória”, por ora analisado. Contudo, depara-se freqüentemente

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79

com uma certa dificuldade de classificar cada trecho, pois há transições muito freqüentes e

difíceis de delimitar, “verdadeiros ‘deslizamentos’ de um tipo de texto para outro” Paredes

Silva (1996: 181). Por exemplo, em uma seqüência narrativa, é possível encontrar trechos

argumentativos do informante/ narrador, quando este comenta algum evento, avaliando e

justificando as atitudes dos personagens envolvidos.

Dentre os possíveis tipos de textos, tem-se: 1) argumentação - caracterizada pela

exposição da opinião do falante; 2) narração - que se refere a um relato de fatos sobre a vida

do falante e 3) descrição - exposição detalhada sobre algum objeto ou pessoa.

Segundo Schiffrin (apud Gryner 2000: 99), “a argumentação é constituída

essencialmente por dois componentes: a posição a ser defendida e a sua sustentação, esta

última podendo corresponder à explanação, justificação, defesa e modo de apresentação”.

Assim, a estrutura argumentativa se baseia em diversos constituintes com função

argumentativa, classificados a seguir, baseados em Gryner (2000: 101-102):

1) Posição: refere-se ao posicionamento a ser defendido em que se fundamenta a seqüência

argumentativa. “Expressa a tese ou ponto de vista a ser defendido pelo locutor”;

2) Justificação: pode estar relacionada a qualquer constituinte: posição, exemplificação,

evidência formal, conclusão ou coda. “É expressa geralmente por oração introduzida pelos

conectivos causais ‘porque’ ou ‘que’ explícitos ou recuperáveis do contexto”;

3) Sustentação: é o núcleo da argumentação. Concretiza-se de duas formas: a) Evidência

formal (especificação de qualquer elemento da argumentação, inclusive da posição); b)

Evidência empírica (exemplificação do posicionamento a ser defendido);

4) Conclusão: encerra o desenvolvimento da seqüência argumentativa. “Ela é identificável

por retomar parcial ou totalmente o conteúdo da posição do locutor com o emprego de

expressões idênticas ou sinônimas”;

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80

5) Avaliação ou coda: “ocorre no fim da seqüência e expressa a atitude do locutor, que se

coloca de uma perspectiva externa à argumentação”. Apresenta, assim, uma mudança de

perspectiva do locutor e vem indicada formalmente por expressões de emoção e avaliação.

Na pesquisa aqui descrita, foi adotada essa caracterização de estruturas

argumentativas. Vale mencionar que a adoção desse posicionamento facilitou identificar quais

seqüências eram estritamente narrativas e quais se relacionavam às evidências empíricas de

argumentação, pois, embora narrativas, funcionam dentro do contexto como uma

exemplificação da tese defendida.

Garcia (1969: 362-364) também apresenta uma classificação para as partes

constituintes da seqüência argumentativa. Segundo o autor, a argumentação se sustenta a

partir da consistência do raciocínio e da evidência das provas. Em relação à segunda

categoria, pode-se dar de cinco formas: 1) os fatos propriamente ditos, 2) os exemplos, 3) as

ilustrações, 4) os dados estatísticos e 5) o testemunho.

A ilustração, de acordo com o autor, pode descrever ou narrar um fato verdadeiro em

detalhes, ela funciona para sustentar, apoiar ou justificar determinada declaração, dentro da

seqüência argumentativa.

Já as seqüências narrativas, de acordo com Garcia (1969: 225), referem-se a um relato

de um episódio, real ou fictício, de que o homem participa direta ou indiretamente. Para

Paredes Silva (1996: 178), essas seqüências se caracterizam pelo verbo no pretérito perfeito

em predicados de ação, giram em torno de eventos referentes à primeira ou à terceira pessoa,

e costumam ser organizadas sintaticamente em orações com juntura temporal.

Assim, a partir das explanações de Gryner (2000), Garcia (1969) e Paredes Silva

(1996), foi possível distinguir mais facilmente as seqüências argumentativas e narrativas.

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81

As seqüências descritivas são “a representação verbal de um objeto sensível (ser,

coisa, paisagem), através da indicação dos seus aspectos mais característicos, dos pormenores

que o individualizam, que o distinguem” Garcia (1969: 215). A estrutura descritiva,

geralmente, apresenta verbo numa forma não-perfectiva, num predicado estativo de entidades

(mais freqüentemente de terceira pessoa) e são sintaticamente centradas em estruturas

nominais Paredes Silva (1996: 178).

A partir da identificação de cada trecho da entrevista por um conjunto de traços

comuns, formularam-se as hipóteses referentes a esse grupo de fatores. Em geral, a hipótese

que norteou a entrada dos tipos textuais como grupo de fatores relaciona-se ao favorecimento

do pretérito imperfeito do indicativo em seqüências narrativas e descritivas e a preferência do

futuro do pretérito em seqüências argumentativas.

Os fatores deste grupo são:

a) Seqüências narrativas/ descritivas

As seqüências descritivas foram consideradas juntamente às narrativas, seguindo um

posicionamento de Costa (1997: 146), que pôde constatar que os resultados dos dois fatores

considerados separadamente eram muito parecidos. Além disso, nesta pesquisa foi encontrado

um número reduzido de ocorrências em descrições.

A atitude de considerar essas duas seqüências amalgamadas ainda permite uma

comparação dos resultados aqui alcançados com os apresentados por Costa (1997; 2003).

Hopper (1979: 215), ao classificar os eventos como pertencentes ao plano ‘figura’ ou

‘fundo’, estabelece que são as orações de figura que narram eventos e as de fundo dão

suporte, ampliam, comentam. Assim, as seqüências descritivas podem funcionar como

‘fundo’ das ações da figura, inseridas nas seqüências narrativas. Esse fato também

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82

possibilitou se amalgamar esses dois tipos de textos, pois um funciona como ‘esqueleto do

discurso’ – figura – enquanto o outro – fundo – é o material de suporte.

Veja alguns exemplos de uma seqüência narrativa:

FP:

12) [tema: acidente de carro] aí veio e ta/ uma moto saiu da calçada pra entrar na/ na pista... ele tentou desviar e... se ele batesse na moto seria pior... ele foi lá e (guiou) e bateu no meu carro (cél. 38, pág. 24, lin. 11)

PI:

13) [tema: o dedo polegar quebra durante um jogo] eu esperei chorar em casa assim... depois eu fui lá no médico... eu chorei... fiquei chorando... ai que vergonha... aí fiquei chorando assim... aí depois eu fui pra casa... falei assim pra minha mãe que eu ia lá no pronto socorro...lá no... que eu ia lá no/no meu plano de saúde (cél. 07, pág. 31, lin. 14)

IA + V:

14) [tema: histórias que a avó contava sobre temporais] eu lembro assim que mais marcava ela falava que /ti/ que... dia que tava chuVEN::do ...se você deixasse a janela aber/ABER::ta em frente ao es/esPELHO o raio ia enTRAR:: e bater no esPELHO... a viagem dela ...NAda a ver (cél. 35, pág. 16, lin. 24)

b) Seqüências argumentativas.

É uma seqüência em que o informante sustenta um posicionamento, tentando

convencer ou persuadir o ouvinte sobre a posição defendida. A seguir, exemplos desta

seqüência.

FP:

15) [tema: transformar um antigo hospital em um ponto turístico] muito legal porque é:: passaria tudo sobre o que a gente não sabe né que aconteCEU o que:: HOUve lá como foi feito ... aí se/se/seria bom ... acho que seria uma coisa Ótima (cél. 12, pág. 31, lin. 31)

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PI:

16) [tema: a existência de lugares mais limpos que outros] eu acho porque TÊM pessoas que:: são que têm respeito tem outras que não tem igual a do::... da rua do lá de trás... é:: as pessoas ter consci/é:: se conscientizam que não pode jogar lixo na ru::a... lá é tudo limpinho... já AQUI... tem jeito não... parece um... se fizesse um chiqueiro pra eles/ eles ficavam... ficavam (cél. 08, pág. 23, lin. 29)

IA + V:

17) [tema: vontade de ter filho] te::nho... muita.... tenho até tido muita porque... eu convivo muito com gente mais velha... gente que tem filho... mas não é uma coisa assim... que eu não/ não teria no momento né?... porque ia atrapalhar nossa... vida toda... meus planos vida inteira... mas tenho vontade (cél. 38, pág. 16, lin. 21)

IRIA + V:

18) [tema: privatização do banco Banestes] iria gerar desemprego ... eh:: ... pro Estado (cél. 23, pág. 14, lin. 33)

c) Lista de atitudes hipotéticas

Conforme anteriormente estabelecido por Costa (1997: 147), houve a necessidade de

se inserir este fator para análise do corpus em questão, uma vez que havia seqüências que não

se caracterizavam como narrativas, tampouco eram seqüências argumentativas. Segundo a

pesquisadora, “são simplesmente lista de planos que seriam realizados pelo informante sob

certas condições ou caso estas condições fossem efetivadas”.

De acordo com Schiffrin (1994, apud Costa 1997: 148), “o objetivo de uma lista é

muito mais simples: enumerar e reunir itens específicos (mesmo quando estes itens são

eventos) como realizações de uma categoria geral”.

Nas entrevistas de amostras de fala informal, é possível encontrar listas de eventos

relativos a que atitudes o informante tomaria se, por exemplo, ganhasse na loteria, fosse

prefeito da cidade, pudesse mudar a educação recebida pelos pais, participasse do programa

Big Brother, ou seja, se estivesse em uma situação criada ou sugerida pelo entrevistador, ou

até mesmo por ele próprio. Observe um exemplo de uma lista de atitudes hipotéticas:

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FP:

19) [tema: o que mudaria se fosse escritor de um livro ou novela] o telespectador ou o leitor tem que ter uma história do jeito que ele gosta... cada um tem um jeito de gostar de uma cena só que se a maioria gostasse daquele jeito eu faria daquele jeito... só que dependendo também da minha cabeça né se eu gostasse que ficasse com aquele ((risos)) aí:: licença mas não vai dar não ... prefiro aquele ali com aquele do que aquele com aquele ((risos)) é uma embolação ...mas acho que mudaria um pouco agora ... botaria até os dois pra terem um romance mais no final ... colocaria com a mesma pessoa ... provavelmente (cel. 05, pág. 15, lin. 20)

PI:

20) [Tema: se pudesse mudar a programação da televisão] eu colocava/ eu colocava mais documentário... eu tirava tipo esse filme a tarde que... (normalmente) na globo aparece... e na/ na SBT são filmes assim repeti::dos... eu colocava mais documentário algum... igual o:: Canal da Futura... tem cada programa mui::to interessante... sabe?... de se vê... pra enRIquecer alguma coisa pra/ pras pessoas (cel. 38, pág. 04, lin. 08)

IA + V:

21) [tema: se fosse convidado a participar de um reality show] eu ia aparecer lá:: e ia tentar o dinheiro né? ... com certeza né quinhentos mil é bem vindo né? (cel. 35, pág. 02, lin. 31)

6.2.1 Resultados e discussão

Este grupo foi selecionado para as três formas variantes. Os resultados encontrados

confirmam as hipóteses formuladas de que o FP é favorecido em seqüências argumentativas e

o PI em seqüências narrativas/ descritivas. A seguir a distribuição dos dados:

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Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Seqüências narrativas/ descritivas 20/181 11% .16

Seqüências argumentativas 195/326 59% .62

Lista de atitudes hipotéticas 126/205 61% .64

Tabela 13: Influência do grupo de fatores TIPO DE TEXTO na escolha de FP em verbos não-modais

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Seqüências narrativas/ descritivas 69/181 38% .66

Seqüências argumentativas 50/326 15% .48

Lista de atitudes hipotéticas 30/205 14% .37

Tabela 14: Influência do grupo de fatores TIPO DE TEXTO na escolha de PI em verbos não-modais

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Seqüências narrativas/ descritivas 92/181 50% .63

Seqüências argumentativas 81/326 24% .43

Lista de atitudes hipotéticas 49/205 23% .48

Tabela 15: Influência do grupo de fatores TIPO DE TEXTO na escolha de IA + V em verbos não-modais

As seqüências argumentativas favorecem o uso de FP (.62), confirmando a hipótese de

que este tipo textual propicia o uso de FP. Outro ambiente que possibilitou a ocorrência desta

mesma variante foi o fator ‘lista de atitudes hipotéticas’ (.64). A diferença do valor do peso

relativo desses dois fatores não é significante, parece que atuam de forma simétrica na

influência de FP. Costa (1997: 151) também testou a influência deste grupo de fatores e pôde

perceber o favorecimento de FP em seqüências argumentativas (.61), resultado semelhante ao

desta dissertação. Porém, no seu trabalho o fator ‘lista de atitudes hipotéticas’ não se mostrou

favorecedor de FP (.44), diferente do resultado do projeto “O português falado na cidade de

Vitória”.

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86

Ainda em relação à tabela (13), pode-se constatar que as seqüências narrativas/

descritivas inibem o FP.

As seqüências narrativas/ descritivas favorecem o uso do pretérito imperfeito do

indicativo, tanto nas formas sintéticas (.66) quanto nas perifrásticas (.63), conforme

imaginado ao se formular as hipóteses do fator ‘tipo de texto’. Tal resultado também foi

constatado por Costa (1997: 151) e (2003: 119), na amostra 2000.

O fator ‘tipo de texto’ também foi favorável na escolha da variante IRIA + V, tendo

em vista que o ambiente favorecedor desta variante são as seqüências argumentativas – cinco

(5) ocorrências – e um (1) dado em ‘lista de atitudes hipotéticas’. Assim, é possível confirmar

a hipótese de que seqüências argumentativas favorecem o uso de FP, seja nas formas

sintéticas seja nas formas perifrásticas.

É interessante observar que os dados que expressam a noção de irrealis ocorrem mais

freqüentemente em seqüências argumentativas (49% dos dados, num total de 1080

ocorrências). A noção de irrealis, de um modo geral, está mais fortemente associada ao

discurso argumentativo. As construções hipotéticas, aliás, são estruturas gramaticais usadas

freqüentemente como estratégia de argumentação. Este fator parece ser uma das explicações

para a maior freqüência da variante FP na análise deste estudo.

6.3 SALIÊNCIA FÔNICA

De acordo com este princípio, as formas mais salientes, que se caracterizam por serem

mais perceptíveis, são mais prováveis de serem marcadas que as menos salientes. Scherre &

Naro (1998: 509) afirmam que “o aumento da saliência do material fônico na oposição

singular/ plural dos verbos analisados aumenta as chances de concordância verbal”.

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87

O princípio da saliência fônica tem sido testado por diversos pesquisadores,

principalmente os que investigam a questão da concordância nominal e verbal. Naro (1981)

pesquisou a variação na concordância de número no português brasileiro e constatou que

ambientes de menor saliência favorecem um sistema sem marcas. Leite (2004) também pôde

perceber que formas mais salientes favorecem o uso da marca explícita de plural da

concordância verbal em redações escolares.

Lopes (1998), ao analisar a variação entre ‘nós’ e ‘a gente’, pôde identificar por meio

de seus resultados que quanto maior a diferença entre as formas do singular e plural maior

probabilidade de ocorrer o pronome ‘nós’.

Segundo Lemle & Naro (1977), entre duas formas niveladas, que se opõem, é mais

provável a manutenção dessa oposição quando existe, entre elas, uma diferenciação fônica

acentuada. Caso contrário, sendo menor essa distinção, há uma tendência a neutralizar-se a

oposição e prevalecer o uso de apenas uma das formas.

Naro (1981) estabelece dois níveis de saliência: Nível 1 (oposição não acentuada):

contém os pares nos quais os segmentos fonéticos que estabelecem a oposição são não

acentuados em ambos os membros; Nível 2 (oposição acentuada): contém os pares nos quais

os segmentos fonéticos que estabelecem a oposição são acentuados em pelo menos um

membro da oposição.

Seguindo essa hierarquia de saliência fônica, ao investigar a concordância, Scherre &

Naro (1998) puderam constatar que os níveis mais baixos dessa hierarquia favorecem a

concordância menos do que os níveis mais altos.

A respeito da variação na expressão de irrealis, acredita-se que a conjugação do verbo

é um fator lingüístico associado à variação e está relacionado à saliência fônica. Os verbos de

1ª conjugação possuem como desinências modo-temporais de futuro do pretérito e pretérito

imperfeito, respectivamente, as formas –ria e –va, enquanto os verbos de 2ª e 3ª conjugação

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as formas –ria e –ia. Assim, a variação em verbos de 1ª conjugação é mais saliente em relação

aos de 2ª e 3ª conjugações.

Torna-se preciso pontuar que os verbos irregulares ‘ser’, ‘ter’ e ‘vir’ foram

considerados à parte por apresentarem comportamento distinto dos demais verbos (seria vs.

era vs. ia ser; teria vs. tinha vs. ia ter; viria vs. vinha vs. ia vir). Assim como os verbos ‘dizer’,

‘fazer’ e ‘trazer’, marcados por apresentarem alternância no terceiro fonema do radical - /r/

vs. /z/ (diria vs. dizia vs. ia dizer; faria vs. fazia vs. ia fazer; traria vs. trazia vs. ia trazer).

Quanto à saliência fônica neste trabalho, foram consideradas as seguintes

possibilidades de ocorrências (em ordem crescente da saliência fônica):

1) Verbo ‘ser’.

Seria vs. era vs. ia ser.

2) Verbo ‘ter’ e ‘vir’.

Teria vs. tinha vs. ia ter.

Viria vs. vinha vs. ia vir.

3) Verbos com infinitivo na 1ª conjugação (oposição –ria vs. –va).

Ex.: daria vs. dava vs. ia dar; estudaria vs. estudava vs. ia estudar.

4) A saliência fônica é de /r/ vs. /z/.

Há três casos: Dizer: diria vs. dizia vs. ia dizer; Trazer: traria vs. trazia vs. ia trazer; Fazer:

faria vs. fazia vs. ia fazer.

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5) Verbos com infinitivo na 2ª e 3ª conjugações (oposição –i(e)ria vs. –ia)22.

Ex.: venderia vs. vendia vs. ia vender; partiria vs. partia vs. ia partir.

As formas mais salientes são as dos itens (1), (2) e (3), principalmente a primeira, pois

há até deslocamento do acento do tema para a desinência. Segundo a hipótese aqui formulada,

essas formas favoreceriam a presença de FP, por apresentarem uma diferenciação fônica mais

acentuada. Por outro lado, as formas menos salientes, referentes aos itens (4) e (5)

favoreceriam o PI e IA + V.

6.3.1 Resultados e discussão

Este grupo foi considerado estatisticamente significativo para as variantes FP, PI e IA

+ V. A seguir, a distribuição dos dados em relação à saliência fônica:

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

SER 88/107 82% .87

TER e VIR 26/58 44% .48

Verbos com infinitivo na 1ª conjugação 171/353 48% .53

/r/ vs. /z/ 25/49 51% .32

Verbos com infinitivo na 2ª e 3ª conjugações 31/145 21% .19

Tabela 16: Influência do grupo de fatores SALIÊNCIA FÔNICA na escolha de FP em verbos não-modais

22 A escala da saliência fônica apresentada nesta dissertação considera os itens 4 e 5 como os menos salientes. Refletiu-se sobre qual seria o menos saliente e os verbos de 2ª e 3ª conjugações foram os escolhidos por apresentarem como traço um fonema a mais entre as formas de FP e PI. No item 4, muda-se apenas um fonema /r/ vs. /z/, mas essa mudança ocorre no radical da palavra, motivo que nos levou a classificá-lo como mais saliente em relação aos verbos do item 5.

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Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

SER 16/107 14% .30

TER e VIR 11/58 18% .35

Verbos com infinitivo na 1ª conjugação 123/353 34% .56

/r/ vs. /z/ 22/49 44% .75

Verbos com infinitivo na 2ª e 3ª conjugações 50/145 34% .45

Tabela 17: Influência do grupo de fatores SALIÊNCIA FÔNICA na escolha de IA + V em verbos não-modais

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

SER 03/107 02% .05

TER e VIR 21/58 36% .55

Verbos com infinitivo na 1ª conjugação 59/353 16% .54

/r/ vs. /z/ 02/49 04% .33

Verbos com infinitivo na 2ª e 3ª conjugações 64/145 44% .86

Tabela 18: Influência do grupo de fatores SALIÊNCIA FÔNICA na escolha de PI em verbos não-modais

Na tabela (16), sobre a influência da saliência fônica na escolha de FP, pode-se

confirmar a relevância deste fator, tendo em vista que a forma verbal mais saliente – o verbo

‘ser’ – foi a que mais favoreceu a escolha de FP (.87). Enquanto a forma menos saliente –

verbos de 2ª e 3ª conjugações -funciona como inibidora de FP (.19).

Os verbos ‘fazer’, ‘dizer’ e ‘trazer’ favoreceram a ocorrência da forma perifrástica IA

+ V (.75). A modificação desses verbos para expressar o futuro do pretérito e pretérito

imperfeito do indicativo acarreta uma pequena mudança do radical – alomorfia (faria vs.

fazia; diria vs. dizia; traria vs. trazia) - possibilitando a ocorrência da forma perifrástica (IA

FAZER; IA DIZER; IA TRAZER). Quanto maior for a saliência fônica do verbo, menor a

tendência a ocorrer a perífrase IA + V, pois os verbos mais salientes – ‘ser’ (.30) e ‘ter’ e ‘vir’

(.35) – podem ser considerados como desfavorecedores dessa construção.

A respeito da escolha da variante PI, fica claro que a influência da saliência fônica

também pode ser percebida: a pouca distinção entre os morfemas –ria e –ia, marcas de FP e

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91

PI, respectivamente, na 2ª e 3ª conjugações, favorece a escolha de PI (.86), ou seja, quanto

menos saliente a forma, maior a probabilidade de ocorrer PI, confirmando a hipótese

formulada. É interessante observar que esse valor se distancia em 31 pontos do seguinte,

marcando bem a influência dela na escolha de PI. Por outro lado, a forma mais saliente – ‘ser’

– inibe a ocorrência de PI (.05), demonstrando que a forma era é bastante inibida para

expressar o irrealis.

6.4 EXTENSÃO LEXICAL

Algumas pesquisas têm observado a importância do fator extensão lexical em

correlação com fenômenos variáveis. Mollica (1989) investigou a variação de pronúncia do

gerúndio ‘ndo’ vs. ‘no’ e pôde constatar que quanto maior o número de sílabas de um verbo,

maior é a possibilidade de apagamento da oclusiva [d]. Callou (1987), ao analisar a variação

da vibrante na fala culta do Rio de Janeiro, no nível fonético/ fonológico, pôde verificar que o

menor número de sílabas de um verbo possibilita a realização de uma pronúncia aspirada [h].

Costa (1997) constatou que os verbos no infinitivo com três ou mais sílabas favorecem

a escolha das variantes perifrásticas IA + V e IRIA + V. A autora encontrou resultado

semelhante em sua tese de doutorado (2003: 120), em que as construções perifrásticas são

favorecidas em verbos no infinitivo com 3 ou mais sílabas e o FP é usado preferencialmente

com verbos de uma sílaba no infinitivo. A partir desses resultados, Costa pôde confirmar a

hipótese de que as línguas parecem demonstrar uma tendência a evitar palavras extensas e o

falante prefere distribuir o peso fonológico de um vocábulo ao usar uma perífrase.

Ao analisar este grupo de fatores, formula-se a hipótese de que quanto mais extensa

for a forma verbal no infinitivo, maior a probabilidade deste ocorrer em uma construção

perifrástica. Assim, acredita-se que este fator esteja correlacionado ao uso das formas

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sintéticas e perifrásticas, pois quanto maior a extensão lexical do verbo no infinitivo mais o

falante tenderá a usar a forma perifrástica, e se menor, a forma simples. Os fatores analisados

são:

a) Verbo principal com 1 (uma) sílaba no infinitivo

22) [tema: suposição de que o irmão fosse uma menina] Ah... eu não ia dar muito bem com uma irmã, porque eu sou muito ciumento. (cel. 01, pág. 10, lin. 32)

b) Verbo principal com 2 (duas) sílabas no infinitivo

23) [tema: emagrecimento] se eu fazer dieta ... eu tenho certeza que eu ia ficar horrível... é por que se eu até bebo adoçante... eu:: assim eu tô emagrecendo por que além de crescer pros lado eu agora tô crescendo pra cima (cel. 08, pág. 07, lin. 14)

c) Verbo principal com 3 (três) ou mais sílabas no infinitivo

24) [tema: analisa a hipótese de participar do programa ‘Casa dos Artistas’] Bom, no meu caso eu acho que não ia acontecer (cel. 01, pág. 25, lin. 02)

6.4.1 Resultados e discussão

Este grupo de fatores foi selecionado pelo Goldvarb para a variante PI.

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

1 sílaba 62/244 25% .69

2 sílabas 57/348 16% .36

3 ou + sílabas 30/120 25% .46

Tabela 19: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de PI em verbos não-modais

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A partir da tabela acima, é possível perceber que verbos monossilábicos tendem a

preferir formas em PI e verbos com duas sílabas parecem inibir essa variante.

Embora a variável IA + V não tenha sido selecionada como relevante pelo programa

computacional, é possível constatar por meio de percentagens o favorecimento da forma

perifrástica em verbos mais longos. Descrevem-se a seguir os resultados percentuais.

Fatores Aplic./total Freq. (%)

1 sílaba 50/244 20%

2 sílabas 127/348 36%

3 ou + sílabas 45/120 37%

Tabela 20: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de IA + V em verbos não-modais

Pode-se verificar o aumento do percentual na escolha de IA + V em verbos não-

modais de uma sílaba para os de duas (de 20% para 36%). Entre os verbos de 2 sílabas e os de

3 ou mais, o percentual é praticamente igual, apenas 1% de diferença entre os dois. Situação

contrária se pode observar para a variante FP.

Fatores Aplic./total Freq. (%)

1 sílaba 132/244 54%

2 sílabas 164/348 47%

3 ou + sílabas 45/120 37%

Tabela 21: Influência do grupo de fatores EXTENSÃO LEXICAL na escolha de FP em verbos não-modais

Quanto menos sílabas tiver o verbo no infinitivo, maior é a possibilidade de ocorrer o

FP: 54% para verbos no infinitivo com 1 sílaba; 47% para verbos com 2 sílabas e 37% para

verbos com 3 ou mais sílabas. Vale ressaltar que dentre os verbos monossilábicos há o item

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94

‘ser’ que corresponde a 44% desses dados e conforme mencionado anteriormente (cf. seção

6.3.1) favorece a ocorrência do FP, graças à saliência fônica.

6.5 AMBIENTE SINTÁTICO-SEMÂNTICO

Verifica-se, a partir deste grupo de fatores, de que maneira o ambiente sintático-

semântico exerce influência sobre a escolha de cada variante aqui estudada.

Os fatores deste grupo são os seguintes: apódose, apódose anteposta, oração

independente ou oração principal, encaixada contida em discurso indireto, encaixada com

prótase implícita e outras encaixadas.

Vale mencionar que a divisão deste grupo de fatores está pautada na classificação

adotada por Costa (1997; 2003).

1) Período hipotético na ordem canônica: ‘prótase’ + ‘apódose’

O período hipotético é um dos contextos sintático-semânticos em que ocorre,

geralmente, com maior freqüência, a variação entre FP e PI, em suas formas sintéticas e

perifrásticas. Segundo a gramática tradicional, este tipo de período é constituído de uma

prótase (oração subordinada condicional) e apódose (oração principal de uma oração

subordinada condicional). O período hipotético pode ser resumido pelo esquema: SE +

PRÓTASE + APÓDOSE. Vale ressaltar que as variantes pesquisadas neste trabalho se

encontram na apódose. Além disso, vale lembrar que o tipo de construção hipotética a ser

considerada nesta pesquisa se limita ao período hipotético do irreal ou contrafactual,

conforme mencionado na seção 2.3.

Costa (1997: 20) apresenta um resumo que exemplifica os vários contextos sintáticos

em que as apódoses ocorrem:

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95

a) Em período hipotético iniciado por “se”, ou por outras conjunções subordinativas (‘a

menos que’, ‘salvo que’, ‘exceto se’, ‘contanto que’, ‘caso’, ‘quando’, etc.);

b) Em período hipotético iniciado por oração reduzida de gerúndio;

c) Antecedida de adjuntos adverbiais de condição: ‘senão’, ‘caso contrário’, ‘nesse caso’,

‘assim’, ‘de outro modo’, ‘sem + substantivo’, ‘por mim’, ‘aí’ (= nesse caso, nessa hipótese),

etc.;

d) Com oração condicionante (prótase) implícita.

É preciso lembrar que neste trabalho se investiga a variação em trechos de entrevistas,

por essa razão podem ocorrer algumas apódoses que se relacionam a prótases pertencentes à

fala do entrevistador. Observe o exemplo a seguir:

25) Entrevistador 1 – Se você tivesse:: assim:: muito dinheiro o que que você faria.... o que que você gostaria de comprar? Informante – ah:: compraria uma casa... pra ge/ pra mim morar com a minha mãe com meu PAI... (cél. 09, pág. 07, lin. 26)

Não é possível verificar de maneira explícita a prótase na fala do informante, porém a

apódose se refere à prótase presente na fala do entrevistador (parece que o informante não

sente a necessidade de repetir a prótase, devido à presença dela em ambiente imediatamente

anterior).

A seguir são apontados outros exemplos do fator apódose:

FP:

26) [tema: analisa a hipótese de ser escritor de um livro ou novela] se a maioria gostasse daquele jeito eu faria daquele jeito (cél. 05, pág. 15, lin. 20)

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96

PI:

27) [tema: educação dos filhos] se eu tive::sse filho eu metia a mão... entendeu? (cél. 45, pág. 10, lin. 17)

IA + V:

28) é aí fomos parar lá... aí chegou lá eu:: eu tinha batido a cabe::ça... aí ela falou bem assim “menina você:: TEVE mui::ta sorte... por que uma distância assim de um dedinho... não bateu na sua fronte... por que se tivesse batido você ia morrer na HOra... (cél. 11, pág. 22, lin. 32)

IRIA + V:

29) [tema: importância da energia elétrica] se não tivesse energia nós iria guardar os aliMENtos (cél. 09, pág. 21, lin. 30)

A hipótese formulada para este fator é a de que este tipo de construção sintática

favoreça o uso de PI, devido ao fato de que a estrutura do período hipotético já carrega em si a

idéia de irrealidade, sendo redundante o uso de FP.

2) Período hipotético em ordem inversa: ‘apódose’ + ‘prótase’

Foram constatadas no corpus analisado ocorrências em que as apódoses estavam

antepostas. Acredita-se que essa anteposição possa estar relacionada à escolha da variante,

favorecendo o uso de FP. Tal fato foi constatado por Costa (1997: 122-123).

Conforme Costa (1997: 109) afirmou, essa hipótese está vinculada ao princípio da

iconicidade, que se baseia na inter-relação entre o plano do conteúdo (função) e o plano da

expressão (forma). Para Givón (1990: 967), as estruturas sintáticas são substancialmente

icônicas e não são arbitrárias. Assim, devido ao fato de uma expressão lingüística apresentar

não-arbitrariedade, ela se relaciona ao conteúdo que transmite.

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Essa relação entre conteúdo e forma pode apresentar conseqüências neste trabalho, já

que a quebra da ordem icônica23 pode interferir na escolha das variantes, favorecendo o uso

do FP.

A seguir são apresentados alguns exemplos retirados do corpus aqui analisado:

FP:

30) [tema: perdoar uma traição de namorada ou esposa] eu não perdoaria não se fosse caSAdo (cél. 35, pág. 21, lin. 27)

PI:

31) [tema: jogo de vídeo game] por que me deu raiva deles... eu fazia se eles fizessem uma coisa e não faziam... pra eles mudarem de emprego eles/eles tavam tudo bem... tavam com preguiça (cél. 05, pág. 10, lin. 15)

IA + V: não houve ocorrência

IRIA + V: não houve ocorrência

Além do período hipotético, há outros tipos de contexto sintático-semânticos nos quais

a variação com a noção de irrealis pode ocorrer.

3) Oração independente ou oração principal

As variantes aqui estudadas não ocorrem exclusivamente em construções que se ligam

a prótases, de períodos hipotéticos, investigadas nos dois itens anteriores. O contexto

discursivo demonstra que as variantes FP, PI, IA + V e IRIA + V podem ser encontradas em

outros tipos de cláusulas, no âmbito de informação do irrealis.

23 Considera-se ordem icônica o esquema: SE + PRÓTASE + APÓDOSE. Segundo Costa (1997: 110), considera-se essa a ordem icônica, “pois é a que reflete a seqüência temporal e/ ou lógica dos fatos no mundo real: primeiramente uma condição é estabelecida, e de sua realização ou não-realização vai depender um fato conseqüente”.

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Consideram-se incluídas neste fator as cláusulas mais independentes sintaticamente: as

absolutas, as coordenadas e as principais de subordinadas não-condicionais.

FP:

32) [tema: possibilidade de voltar ao passado] passado eu só voltaria por poucas coisas (cél. 05, pág. 05, lin. 11)

PI:

33) [tema: sistema educacional no Brasil] uns ajudava num/num colégio... uns ajudava no/no/nos hospitais... nós ajudava em tudo quanto é lugar (cél. 18, pág. 19, lin. 02)

IA + V:

34) não deu... minha irmã morreu... e os menino dela ficaram pequeno... e:: também não tinha tempo ((risos))... que antigamente tinha poucas:: faculdades... Colatina né não tinha condições de... ia ficar muito sacrificado... eu não fiz (cél. 33, pág. 01, lin. 10)

IRIA + V:

35) se você tivesse uma disparidade menor uma discrepância menor ali dos mais ricos do mais pobres acho que a violência grande parte seria vamos... dizer seria diminuída não iria acabar ... violência existe em todo lugar (cél. 39, pág. 19, lin. 11)

4) Oração encaixada em discurso indireto (complemento do verbo dicendi)

As orações objetivas contidas em discurso indireto com verbo dicendi conjugados no

passado foram consideradas à parte neste item.

FP:

36) ... tenho uma amiga minha que disse que:: ... o FMI ... gostaria muito que acabasse com a dívida externa ... mas é que eu não acredito né? (cél. 23, pág. 12, lin. 24)

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PI:

37) [desaparecimento do irmão] ele sumiu assim ... ele falou que ia num lugar e ficou demorando demorando demorando ... aí mamãe começou a reclamar (cél. 05, pág. 06, lin. 17)

IA + V:

38) Aí consegui trabalhar no depósito... aí trabalhei/ fui trabalhando no depósito ... fiz um acordo com o cara... Falei ... ó: “Vou trabalhar um ano pra você de graça e você me ajuda a tirar carteira”... Aí ele falou que ia pensar, ficou pensando (cél. 05, pág. 06, lin. 17)

5) Oração encaixada com prótase implícita

A partir do contexto, é possível perceber que certas ocorrências no âmbito do irrealis

aparecem em orações objetivas e adjetivas com prótases que não estão explicitamente nas

construções, algumas eram apenas sugeridas pelos entervistadores. Por isso, esses dados são

analisados separadamente para investigar o comportamento dessas variantes e para observar

se apresentam resultados mais próximos aos das apódoses ou das encaixadas.

FP:

39) 36) Namoraria, normalmente (cél. 01, pág. 20, lin. 15) [se a menina não fosse evangélica]

PI:

40) participava só que acho meio difícil de eu ganhar ((risos)) (cél. 01, pág. 20, lin. 12) [se fosse convidada a participar da seleção de voley]

IA + V:

41) [tema: os pais incentivarem os filhos a participar de uma igreja] eu creio ... que ia ser bem melhor... o mundo (cél. 01, pág. 20, lin. 12) [se os pais incentivassem os filhos a participar de uma igreja]

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6) Outras encaixadas

Estão inseridas nesta categoria as orações encaixadas adjetivas e completivas verbais e

nominais sem prótase implícita, lembrando que as construções de discurso indireto com verbo

dicendi pertencem ao item 4 desta seção.

FP:

42) acho que eu iria .... sei lá pro Japão pros Estados Unidos que eu também gostaria de conhecer... (cél. 05, pág. 09, lin. 08)

PI:

43) Entrevistador 1 – se a senhora tivesse oportunidade a senhora gostaria de ser enfermeira ou médica? Informante – Deus me livre... eu acho que não dava pra isso não (cél. 19, pág. 07, lin. 07)

IA + V:

44) [tema: ser convidado a participar do programa Casa dos Artistas] Bom, no meu caso eu acho que não ia acontecer (cél. 01, pág. 25, lin. 02)

IRIA + V:

45) [tema: legalização do comércio de drogas] acho que iria ser melhor... legalizasse... já que é uma coisa... CONsumida... tipo assim... tudo bem faz a conscientização... agora todo o mundo fala/ fala que fumar faz mal pra saúde... faz... mas... não tão vendendo? (cél. 25, pág. 02, lin. 30)

6.5.1 Resultados e discussão

Antes de comentar os resultados obtidos para o fator ‘ambiente sintático-semântico’,

convém esclarecer que a classificação estabelecida para este grupo, apontada nos itens de 1 a

6, sofreu uma pequena modificação. Em um primeiro momento, baseado em Costa (1997;

2003), as construções de períodos hipotéticos eram considerados separadamente: 1) Período

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hipotético na ordem canônica: prótase + apódose e 2) Período hipotético em ordem inversa:

apódose + prótase.

Entretanto, ao se analisar estatisticamente os dados, pôde-se verificar o baixo número

de ocorrências em períodos hipotéticos em ordem inversa, apenas 09, o que corresponde a 1%

dos dados. Dessas ocorrências, 8 foram de FP e 1 de PI. Esse resultado confirmou a hipótese

de que a anteposição está relacionada à escolha da variante, favorecendo o uso de FP.

Portanto, a quebra da ordem icônica (SE + PRÓTASE + APÓDOSE) interfere na escolha da

variante FP.

Devido ao baixo número de dados de apódose anteposta, decidiu-se considerar as

duas construções de período hipotético amalgamadas.

Outro fato que possibilitou essa decisão está relacionado ao comportamento

semelhante das ocorrências nos dois tipos de períodos hipotéticos, embora na ordem canônica

tenham ocorrido mais dados (184 ocorrências). No período hipotético na ordem canônica, o

FP foi utilizado preferencialmente (47%), seguido de PI (27%) e em terceiro pela variante IA

+ V (23%). Portanto, a preferência por FP seguida de PI foi mantida.

Assim, foram considerados no grupo de fatores ‘ambiente sintático-semântico’ cinco

tipos: 1) Período hipotético; 2) Oração independente ou oração principal; 3) Encaixada

contida em discurso indireto; 4) Encaixada com prótase implícita e 5) Outras encaixadas.

O ambiente sintático-semântico foi selecionado para as variantes PI e IA + V.

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Período hipotético 51/190 26% .69

Or. independente ou or. principal 72/357 20% .44

Encaixada em discurso indireto 07/32 21% .15

Encaixada com prótase implícita 03/11 27% .80

Outras encaixadas 16/122 13% .41

Tabela 22: Influência do grupo de fatores AMBIENTE SINTÁTICO-SEMÂNTICO na escolha de PI em verbos não-modais

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Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Período hipotético 43/190 22% .38

Or. independente ou or. principal 112/357 31% .52

Encaixada em discurso indireto 22/32 68% .76

Encaixada com prótase implícita 02/11 18% .43

Outras encaixadas 43/122 35% .54

Tabela 23: Influência do grupo de fatores AMBIENTE SINTÁTICO-SEMÂNTICO na escolha de IA + V em verbos não-modais

A tabela (22) demonstra que as orações encaixadas em discurso indireto inibem a

ocorrência de PI (.15). Por outro lado, o período hipotético pode ser considerado como

favorecedor desta mesma variante (.69). No entanto, o maior favorecedor de PI foi a oração

encaixada em prótase implícita (.80). Isso demonstra que, de acordo com a hipótese, ela

apresenta comportamento mais semelhante ao período hipotético.

A respeito das construções perifrásticas com a variante IA + V, é possível constatar

que elas são favorecidas em orações encaixadas, principalmente em discurso indireto (.76).

Costa (1997: 119) também pôde perceber que “as orações encaixadas são o ambiente ideal

para a ocorrência de perífrases com o auxiliar ‘ir’”.

Em relação ao período hipotético, a hipótese era de que este tipo de construção

sintática favorecesse o uso de PI, tendo em vista que a estrutura do período hipotético já

carrega em si a idéia de irrealidade, sendo redundante o uso de FP. Entretanto, os resultados

não demonstram essa influência para a escolha da variante: 51% dos dados em FP, 26% em

PI, 22% em IA + V e 1% de IRIA + V.

A seguir são descritos os resultados referentes aos fatores sociais.

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103

6.6 FAIXA ETÁRIA

A variável idade é de extrema importância em uma pesquisa sociolingüística, uma vez

que indica se certo fenômeno é apenas uma variação ou se já pode ser considerado uma

mudança em processo. Labov (1972) expressa que é de extrema importância o estudo deste

fator.

A cidade de Vitória ainda não possuía um banco de dados a que se pudesse recorrer

para comparar a atuação de variantes em diversas épocas, isto é, fazer um estudo da mudança

lingüística em tempo real. Logo, a investigação de mudança lingüística só poderia ser feita em

tempo aparente, que é realizado através do grupo de fatores “idade”.

Ao comparar a linguagem de pessoas de diferentes faixas etárias em um tempo

determinado, William Labov (1972) afirma que é possível visualizarem-se os diferentes

estágios de uma língua. Ao se adotar uma análise em tempo aparente, aceita-se a hipótese

clássica de que a linguagem é adquirida em sua grande parte até aproximadamente os 14 anos.

Assim, ao se observar a linguagem falada por um indivíduo que hoje tem 50 anos, estará

sendo recuperado o vernáculo falado há 36 anos, quando esta pessoa tinha apenas 14 anos.

Dessa forma, é possível obter uma escala de mudança em tempo real, a partir de uma escala

em tempo aparente, chamada “gradação etária”.

A faixa etária, conforme anteriormente mencionado, pode indicar se certo fenômeno

se caracteriza como um processo de variação estável ou mudança lingüística. No primeiro

caso, os jovens e os velhos apresentam comportamento lingüístico semelhante, diferenciando-

se dos falantes de meia-idade, inseridos no mercado de trabalho, que utilizam mais formas

próximas do ‘padrão’. Em processos de mudança lingüística, as formas inovadoras são mais

freqüentes entre os jovens, decaindo à medida que aumenta a faixa etária do falante.

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104

A hipótese deste trabalho prevê uma possível mudança a partir de uma análise em

tempo aparente. Espera-se que os mais jovens usem mais a forma inovadora (forma

perifrástica) e os mais velhos preservem a forma antiga (forma sintética), enquanto os

informantes de meia idade devem mostrar um comportamento neutro.

6.6.1 Resultados e discussão

Ao rodar os dados no programa Goldvarb, o fator idade foi selecionado para as formas

variantes PI e IA + V.

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

07 a 14 anos 27/130 20% .35

15 a 25 anos 34/288 11% .41

26 a 49 anos 29/140 20% .62

50 anos ou mais 59/154 38% .66

Tabela 24: Influência do grupo de fatores FAIXA ETÁRIA na escolha de PI em verbos não-modais

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

07 a 14 anos 53/130 40% .64

15 a 25 anos 84/288 29% .51

26 a 49 anos 35/140 25% .42

50 anos ou mais 50/154 32% .42

Tabela 25: Influência do grupo de fatores FAIXA ETÁRIA na escolha de IA + V em verbos não-modais

Observando as tabelas acima, é possível constatar que os índices confirmam a hipótese

de mudança no tempo aparente: os mais velhos preferem usar o PI na forma sintética (.66),

enquanto os mais jovens tendem a usar a forma perifrástica (.64).

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Em relação ao uso de PI, há um decréscimo da sua utilização à medida que se diminui

a idade do falante e ocorre uma situação inversa no uso da forma perifrástica. Observe o

gráfico abaixo:

0

10

20

30

40

50

60

70

07 a 14 anos 15 a 25 anos 26 a 49 anos 50 anos oumais

PI

IA + V

Gráfico 2: Distribuição dos dados de PI e IA + V, de acordo com a FAIXA ETÁRIA em verbos não-modais

É possível perceber claramente a importância do fator faixa etária na escolha das

formas variantes de PI e IA + V. Ao se observar os resultados de verbos não-modais,

confirma-se a hipótese de que a forma sintética pode ser substituída pela perifrástica, uma vez

que a tendência maior ao uso de IA + V está nos mais jovens (.64) e as inovações lingüísticas

são trazidas por essa faixa etária. Os mais velhos desfavorecem o uso da perífrase. Os

informantes de faixa etária intermediária (15 a 25 anos e 26 a 49 anos) parecem mostrar um

comportamento quase neutro.

Outros estudos já puderam constatar este fenômeno de mudança lingüística. Costa

(1997; 2003), Santos (2000) e Gibbon (2000) puderam confirmar a preferência dos

informantes mais velhos pelas formas sintéticas, enquanto os mais jovens tendem a usar mais

as formas perifrásticas.

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106

No entanto, os resultados da variação entre as faixas etárias não nos permitem afirmar

a existência de mudança lingüística. É preciso, para tal, complementar os resultados relativos

a tempo aparente por pesquisas em tempo real.

A respeito das 6 ocorrências de IRIA + V, desconsideradas ao se utilizar o programa

computacional, 5 delas foram realizadas por falantes de 15 a 25 anos e 1 na faixa etária de 26

a 49 anos.

6.7 GÊNERO/ SEXO

Sabe-se que a linguagem de homens e mulheres é distinta, posto que, entre outras

razões, reflete visão de mundo e atuação social diferentes. Diversos trabalhos já puderam

constatar a existência de diferenças no comportamento lingüístico das mulheres e dos homens.

Segundo Paiva (2004: 34), muitas pesquisas mostram “um padrão bastante regular em que as

mulheres demonstram maior preferência pelas variantes lingüísticas mais prestigiadas

socialmente”.

Vale salientar que, em processos de mudança lingüística, as mulheres tendem à

liderança, mas é preciso analisar o valor social da variante inovadora (prestigiada ou

estigmatizada), já que elas tendem a preferir a forma considerada prestigiada. Os homens

tomam a liderança nos processos de mudança quando a forma em questão é considerada

estigmatizada. Segundo Paiva (2004: 39), os possíveis fatores dessa influência devem-se em

parte ao fato de que elas passam mais tempo diante da televisão e da atitude deles em relação

a esse meio de comunicação. “Os homens tendem a manifestar maior reserva com relação à

mídia do que as mulheres”. Além disso, a escola é outro fator, já que as mulheres se mostram

mais receptivas à atuação normativa dessa instituição, mais predisposta à incorporação de

modelos lingüísticos.

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Paiva (2004: 42) chama a atenção para a organização social de cada comunidade e as

transformações sofridas por diversas sociedades no que se refere à definição dos papéis

feminino e masculino. E acrescenta: “essas modificações (...) podem se refletir no uso

lingüístico, seja alterando os padrões de correlação estatística, seja anulando o efeito da

variável”.

Labov (2001), no oitavo capítulo de Principles of linguistic change: social fators,

afirma haver dois princípios básicos relacionados ao paradoxo da variável sexo:

1) Numa estratificação sociolingüística estável, os homens usam, com uma freqüência maior,

as formas ‘não-padrão’.

2) Na maioria dos fenômenos de mudança lingüística são as mulheres que inovam, usando

formas ‘não-padrão’.

Assim, em processos de variação estável, as mulheres tendem a preferir as formas

‘padrão’ de maior prestígio, evitando as formas estigmatizadas. Por outro lado, em processos

de mudança lingüística, as mulheres apresentam comportamento inovador, introduzindo as

variantes ‘não-padrão’. Entretanto, Labov (2001) comenta que é preciso também considerar a

variável gênero/ sexo em interação com outras categorias sociais.

É preciso lembrar que entre as variáveis aqui pesquisadas não há nenhuma forma

estigmatizada socialmente, embora o uso de FP pareça ter um status mais prestigiado. As

gramáticas tradicionais apontam o FP como a norma e não apresentam a forma perifrástica IR

+ V. O PI é algumas vezes descrito como um possível substituto de FP.

Antes de se discutir os resultados referentes ao grupo de fatores gênero/ sexo, vale

salientar que os fatores sociais (sexo, faixa etária e escolaridade) não foram os primeiros a

serem selecionados pelo programa para as variantes estudadas, demonstrando que não podem

ser considerados como os principais envolvidos na escolha das formas estudadas. Outro fato

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108

que confirma a menor significância dos fatores sociais frente aos lingüísticos são os resultados

não muito polarizados encontrados, que serão descritos a seguir.

6.7.1 Resultados e discussão

A variável ‘gênero/ sexo’ foi selecionada para as variantes FP e PI. É interessante

notar que este grupo de fatores não foi estatisticamente relevante para a variante IA + V, a

forma inovadora. Observe os resultados:

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Homem 224/393 56% .56

Mulher 117/319 36% .42

Tabela 26: Influência do grupo de fatores GÊNERO/ SEXO na escolha de FP em verbos não-modais

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Homem 60/393 15% .43

Mulher 89/319 27% .57

Tabela 27: Influência do grupo de fatores GÊNERO/ SEXO na escolha de PI em verbos não-modais

Os resultados da tabela (26) aparentemente contrariam a hipótese inicial. Com efeito,

em relação às variantes investigadas, as mulheres não são mais conservadoras que os homens.

Ao contrário, embora a diferença não seja polarizada, os homens utilizam mais a forma

conservadora FP (.56) do que as mulheres (.42).

A tabela (27) revela que homens e mulheres se distinguem quanto ao uso de PI (.43 e

.57, respectivamente). Em relação à variante PI, vale ressaltar que não se trata de uma forma

conservadora ou inovadora, assim como não pode ser classificada como prestigiada ou

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109

estigmatizada, uma vez que é possível encontrar em algumas gramáticas normativas o seu

emprego como alternativa coloquial ao futuro do pretérito.

Costa (2003: 124), na amostra 2000 do PEUL, pôde perceber que o FP é favorecido

entre os homens e desfavorecido entre as mulheres. Isso significa que os resultados

encontrados aqui confirmam a tendência de FP ser favorecido pelo sexo masculino e PI pelo

feminino.

Embora a variável sexo não tenha sido selecionada para a variante IA + V, vale

observar a distribuição dos dados em termos percentuais:

Fatores Aplic./total Freq. (%)

Mulher 113/319 35%

Homem 109/393 27%

Tabela 28: Influência do grupo de fatores GÊNERO/ SEXO na escolha de IA + V em verbos não-modais

Os resultados da tabela 28 expõem a preferência das mulheres pela perífrase IA + V.

Esse fato pode confirmar a hipótese de Labov (2001) de que as mulheres tendem a liderar

processos de mudança lingüística quando se trata de formas não-padrão. A variante IA + V é

mais freqüente na fala das mulheres capixabas (35%), contra (27%) entre os homens.

Entretanto, vale observar que as mulheres usaram equilibradamente FP e IA + V (36%

e 35%, respectivamente). O menor percentual foi para PI - 27% dos dados. Esses resultados

não permitem afirmar se as mulheres estão liderando um processo de mudança lingüística ou

se se trata de uma variação estável.

Para uma análise mais detalhada, foi tomada a decisão de se fazer um cruzamento dos

fatores sociais sexo e faixa etária.

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110

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

07 a 14 anos 15 a 25 anos 26 a 49 anos 50 anos oumais

IA + V

FP

PI

Gráfico 3: Distribuição dos dados de FP, PI e IA + V, de acordo com a FAIXA ETÁRIA nas MULHERES em verbos não-modais

É possível perceber que as mulheres, em verbos não-modais, mantêm comportamento

semelhante nas faixas etárias entre 07 a 14 anos e 15 a 25 anos: a forma FP é favorecida,

seguida de IA + V e menos freqüentemente PI. À medida que a idade avança, as mulheres

mudam de comportamento. Em relação ao FP, a partir dos 25 anos há uma queda cada vez

mais acentuada de uso (de 49% para 36% para 17%).

O PI apresenta um aumento de uso na faixa etária de 26 a 49 anos e depois há uma

estabilidade do percentual. Esse aumento parece complementar a queda do FP.

A forma perifrástica demonstra comportamento curioso, tendo em vista que apresenta

uma pequena queda de uso até a faixa etária de 26 a 49 anos e a partir dos 50 anos há um

aumento do percentual – de 26% a 43%. É possível que nessas gerações haja um processo de

variação estável, pois as mulheres jovens e velhas apresentam percentuais mais altos que as

mulheres em meia idade (26 a 49 anos).

O maior percentual de FP nas mulheres nas faixas etárias mais jovens pode estar

relacionado ao fato delas se mostrarem mais sensíveis ao papel da escola (uma vez que,

geralmente, a idade escolar se inicia aos 7 anos – 1ª série do ensino fundamental – até por

volta dos 25 anos – conclusão do ensino superior). Além disso, na faixa etária de 15 a 25

anos, as mulheres, de forma geral, estão se inserindo no mercado de trabalho.

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111

Observe os resultados relacionando faixa etária ao sexo masculino:

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

07 a 14 anos 15 a 25 anos 26 a 49 anos 50 anos oumais

IA + V

FP

PI

Gráfico 4: Distribuição dos dados de FP, PI e IA + V, de acordo com a FAIXA ETÁRIA nos HOMENS em verbos não-modais

O gráfico 4 permite perceber alguns comportamentos distintos entre homens e

mulheres em relação à escolha das variantes analisadas. Elas apresentaram um uso mais

equilibrado entre as duas primeiras faixas etárias, entre os homens essa estabilidade ocorreu

um pouco mais tarde, nas faixas etárias intermediárias – período em que geralmente os

falantes já estão se inserindo ou já estão inseridos no mercado de trabalho. Esse fato parece

influenciar a preferência por FP, em detrimento de PI e IA + V. A partir dos cinqüenta anos,

FP passa a ser menos utilizado pelos informantes e há um aumento de percentuais para a

variante PI – momento em que o falante está em processo para se aposentar ou já está

aposentado. Por não mais estar inserido no mercado de trabalho, pode apresentar uma

linguagem menos formal, mais ‘familiar’, por isso o aumento de PI e decréscimo de FP.

A forma perifrástica IA + V apresenta comportamento distinto entre os homens e as

mulheres. Entre elas parece sofrer um processo de variação estável e entre os homens um

processo de mudança lingüística, uma vez que é a preferida entre os mais jovens e à medida

que aumenta a faixa etária, cai o seu percentual de ocorrência. No entanto, não é possível

afirmar se existe um processo de mudança em curso ou se é apenas uma variação estável por

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112

se estar trabalhando em tempo aparente, uma pesquisa em tempo real poderia legitimar essa

hipótese.

6.8 ESCOLARIZAÇÃO

A escola exerce um papel de destaque no que diz respeito ao domínio da norma culta,

prestigiada. Logo, torna-se indispensável que se considere o tempo que o falante passou na

escola.

Segundo Votre (2004: 51),

a observação do dia-a-dia confirma que a escola gera mudanças na fala e na escrita das pessoas que a freqüentam e das comunidades discursivas. Constata-se, por outro lado, que ela atua como preservadora de formas de prestígio, face a tendências de mudança em curso nessas comunidades.

Além disso, o autor (2004: 56) chama a atenção para o fato de que a escola

desempenha papel importante na tarefa socializadora que o uso de uma forma de prestígio

requer. “A escola, sozinha, não faz a mudança, mas mudança alguma se faz sem o concurso da

escola”.

No que diz respeito à expressão de irrealis, as gramáticas normativas e os livros

didáticos raramente fazem alusão à alternância futuro do pretérito – pretérito imperfeito.

Definem e comentam o uso de cada um separadamente, vinculando o imperfeito à idéia de um

passado habitual e o futuro do pretérito como um evento irreal. Poucas vezes é possível

encontrar referências ao pretérito imperfeito do indicativo como um substituto coloquial do

futuro do pretérito. Já o uso das perífrases verbais não é sequer citado ou comentado, embora

essas construções sejam bastante correntes na língua falada.

Logo, sendo o futuro do pretérito a única forma mencionada sistematicamente nas

gramáticas escolares e, conseqüentemente, ensinada pelos professores de português, espera-se

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113

que seja mais utilizada pelos informantes com maior grau de escolaridade, de nível superior,

uma vez que o processo de escolarização exerce papel normativizador.

As demais variantes – PI e IA + V -, embora não se possa afirmar propriamente que

são formas estigmatizadas, geralmente, são tidas como mais coloquiais. Essas formas são

aprendidas e difundidas a partir da interação espontânea dos usuários da língua, não por meio

das gramáticas tradicionais.

6.8.1 Resultados e discussão

Este grupo de fatores foi selecionado nas rodadas de FP e PI nos verbos não-modais.

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ensino fundamental 110/293 37% .35

Ensino médio 89/154 57% .66

Ensino superior 142/265 53% .56

Tabela 29: Influência do grupo de fatores ESCOLARIDADE na escolha de FP em verbos não-modais

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ensino fundamental 75/293 25% .62

Ensino médio 22/154 14% .39

Ensino superior 52/265 19% .42

Tabela 30: Influência do grupo de fatores ESCOLARIDADE na escolha de PI em verbos não-modais

Os índices acima apontam que os falantes com maior grau de escolaridade – ensinos

superior e médio - tendem a preferir a variante FP (.56) e (.66), respectivamente, forma

padrão difundida pelas gramáticas escolares. Por outro lado, o pouco contato com a escola –

ensino fundamental - favorece o uso da variante PI (.62). Esses resultados confirmam a

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114

hipótese de que a escola possibilita uma maior aproximação do falante em relação às formas

recomendadas pela norma.

Entretanto, os resultados constatados não demonstraram diferenças significativas entre

os ensinos médio e superior. Esperava-se que FP fosse mais favorecido nos informantes

pertencentes ao grupo de nível superior e não do médio. Assim como a forma PI fosse mais

inibida pelos falantes de ensino superior em relação aos do ensino médio.

Ao se analisar separadamente cada faixa etária e relacioná-la à escolaridade, é possível

perceber diferenças significativas, em função do papel exercido pela escola.

Distribuição dos dados entre a faixa etária de 15 a 25 anos

0%10%20%30%40%50%60%70%

EnsinoFundamental

Ensino Médio EnsinoSuperior

IA + V

FP

PI

Gráfico 5: Distribuição dos dados de FP, PI e IA + V, de acordo com a ESCOLARIDADE na faixa etária de 15 a 25 anos, em verbos não-modais

É possível perceber um aumento do uso de FP entre os níveis fundamental e médio.

Contudo, esse comportamento não se mantém entre os ensinos médio e superior. Além disso,

as formas PI e IA + V apresentam comportamento inverso a FP: diminuindo o número de

ocorrências entre os ensinos fundamental e médio e sofrendo uma ligeira elevação entre os

níveis médio e superior.

Uma possível explicação para o alto percentual de FP nos informantes de 15 a 25 anos

pode ser a influência da preferência dos entrevistadores pela forma FP (cf. seção 6.1.1)24. Para

confirmar essa hipótese, foi feita uma rodada cruzando os resultados da faixa etária e do fator

24 A faixa etária dos entrevistadores é de 18 a 25 anos, semelhante à faixa etária em questão.

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115

paralelismo, de onde se extraem os resultados referentes apenas às ocorrências precedidas de

gatilho em FP’. Observe:

Fatores Aplic./total Freq. (%)

07 a 14 anos 16/23 70%

15 a 25 anos 42/51 82%

26 a 49 anos 07/11 64%

50 anos ou mais 02/04 50%

Tabela 31: Influência do fator FAIXA ETÁRIA DE 15 A 25 ANOS na escolha de FP, relacionado à OCORRÊNCIA PRECEDIDA DE GATILHO EM FP, em verbos não-modais.

A tabela 31 confirma a hipótese de que os informantes de 15 a 25 anos apresentam

alto percentual de uso de FP em ocorrências precedidas de gatilho em FP (82%): valor maior

em 12 pontos percentuais do segundo mais utilizado para FP (70%). Esse resultado pode estar

relacionado ao fato de os informantes sentirem mais a necessidade de manter a mesma forma

lingüística apresentada pelo entrevistador, principalmente por apresentarem idades

semelhantes (os entrevistadores tinham idades entre 18 e 25 anos). É possível que tenha

ocorrido um processo de introjeção nos falantes dessa faixa etária, procurando imitar o

comportamento dos entrevistadores.

Distribuição dos dados entre a faixa etária de 26 a 49 anos

0%

20%

40%

60%

80%

EnsinoFundamental

Ensino Médio EnsinoSuperior

IA + V

FP

PI

Gráfico 6: Distribuição dos dados de FP, PI e IA + V, de acordo com a ESCOLARIDADE na faixa etária de 26 a 49 anos, em verbos não-modais

Page 117: A Variação no Âmbito do Irrealis entre as Formas do … · 2.1 O CONCEITO DE FP E PI ... 2.4 OS VERBOS MODAIS ... Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de FP em

116

Os resultados apresentados no gráfico 6 confirmam a hipótese de que o maior grau de

escolaridade influencia positivamente na escolha de FP, nos informantes de 26 a 49 anos,

além de desfavorecer o pretérito imperfeito do indicativo nas formas sintéticas e perifrásticas.

Os resultados podem estar mais polarizados nessa faixa etária e prestigiando a forma ‘padrão’,

devido ao fato de os falantes se encontrarem inseridos no mercado de trabalho nessa fase.

Distribuição dos dados entre a faixa etária com 50 anos ou mais

0%

10%20%

30%40%

50%60%

EnsinoFundamental

Ensino Médio EnsinoSuperior

IA + V

FP

PI

Gráfico 7: Distribuição dos dados de FP, PI e IA + V, de acordo com a ESCOLARIDADE na faixa etária de 50 anos ou mais, em verbos não-modais

Em relação aos informantes com 50 anos ou mais, a hipótese de que a escolaridade

favoreça a ocorrência de FP novamente não pôde ser totalmente confirmada, uma vez que há

um aumento de seu uso entre os níveis médio e superior. No entanto, essa variante sofre uma

brusca queda entre os ensinos fundamental e médio e o esperado seria uma situação inversa à

verificada. Além disso, há o aumento significativo de IA + V entre os níveis fundamental e

médio, situação também não esperada ao se formular as hipóteses este trabalho.

Uma possível explicação para esse comportamento diz respeito ao fato desses

informantes se inserirem na faixa etária que marca a saída deles do mercado de trabalho. Por

esse motivo, apresentam um uso lingüístico menos próximo do padrão, menos “cuidadoso”. A

escola parece não exercer uma influência nesses falantes de forma muito acentuada, conforme

verificado nas demais faixas etárias.

Page 118: A Variação no Âmbito do Irrealis entre as Formas do … · 2.1 O CONCEITO DE FP E PI ... 2.4 OS VERBOS MODAIS ... Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de FP em

117

A única variante que apresentou um comportamento de acordo com as hipóteses

formuladas foi PI, pois à medida que se aumenta o nível de escolaridade, diminui-se a sua

possibilidade de ocorrência.

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118

7 VERBOS MODAIS

Conforme estabelecido na seção 2.2.4, os verbos modais foram analisados

separadamente das demais ocorrências que expressam irrealis entre as formas de FP, PI, IRIA

+ V e IA + V. Há a hipótese que essas formas apresentem características peculiares em

relação aos demais dados, tendo uma influência específica na escolha das variantes estudadas.

Segundo Givón (1995: 115), o irrealis pode ser expresso pelo tempo verbal e por

auxiliares modais. Assim, os modais já instauram por si só a noção de irrealidade, o que

implicaria uma redundância conjugá-los no FP, tempo verbal por excelência denotador da

idéia de irreal.

Costa (1997) pôde verificar a preferência pela variante PI (60% dos dados), uma vez

que o morfema –ria, marca de FP, pode ser considerado redundante na expressão do irrealis.

A pesquisadora também constatou que as perífrases são inibidas em tais contextos, pois os

próprios auxiliares já carregam alguma semântica de modalidade, sendo evitada a

redundância. Espera-se verificar semelhante comportamento nos dados do corpus aqui

analisado.

Neste capítulo, portanto, são apontados os resultados referentes à amostra verbos

modais. Foram analisados os mesmos grupos de fatores da amostra de verbos não-modais e os

dados foram submetidos ao programa estatístico Goldvarb.

7.1 RESULTADOS REFERENTES À AMOSTRA VERBOS MODAIS

Nesta seção, são descritos os grupos de fatores que se mostraram relevantes para a

escolha das formas variantes FP, PI, IRIA + V e IA + V em verbos modais.

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119

Foram constatadas 362 ocorrências de verbos modais nas formas variantes estudadas.

O PI apresentou-se como mais freqüente entre as variantes, com 253 ocorrências – 69% -

seguido do FP, 102 dados – 28% - e somente 07 ocorrências com a perífrase IA – 1%. Vale

ressaltar que não foi encontrado nenhum verbo modal antecedido de IRIA. Observe a

distribuição dos resultados:

PI FP IA + V IRIA + V

253 102 07 -

69% 28% 01% -

Tabela 32: Distribuição dos verbos modais por entre as formas FP, PI, IA + V e IRIA + V

Na tabela acima, é perceptível que os verbos modais funcionam como inibidores das

formas perifrásticas. Além disso, a preferência por PI também está bastante clara (69%).

Esses resultados confirmam que o modal já marca a modalização, no âmbito do irrealis,

conforme assinalou Givón (1995: 115), portanto, o uso dele no FP e ao lado das formas

perifrásticas IA e IRIA representaria uma redundância, por isso a maior freqüência do PI nos

verbos modais.

Os resultados aqui apresentados não diferem muito dos encontrados por Costa (1997:

169). Semelhantemente aos resultados deste trabalho, a autora não encontrou formas de IRIA

+ V nas amostras PEUL e Cartas, por ela analisados, em verbos modais. Os demais resultados

condizem com esses que foram demonstrados na tabela (32). Observe a comparação dos

resultados:

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120

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

PI FP IA + V

Fala Carioca (Costa 1997)

Fala Capixaba

Gráfico 08: Distribuição dos verbos modais entre as variantes PI, FP e IA + V.

A partir do gráfico, pode-se constatar a semelhança da distribuição das formas

variantes de irrealis nos resultados dos dois trabalhos, em relação às amostras de língua

falada. O uso do PI foi mais freqüente que as demais formas em ambas pesquisas, seguido de

FP que também apresentou comportamento semelhante. Além disso, as construções

perifrásticas seguiram a mesma tendência, apresentando poucos dados de IA + V e nenhuma

ocorrência de IRIA + V.

Observe, pois, a distribuição dos verbos modais, no banco de dados aqui analisado,

entre as formas variantes PI, FP e IA + V:

ITEM LEXICAL PI FP IA + V TOTAL

Poder 98 - (68%) 44 – (30%) 1 – (0%) 143 – (40%)

Dever 39 - (54%) 32– (45%) - 71 – (20%)

Ter de (que) 58 - (72%) 20 – (25%) 02 - (02%) 80 – (22%)

Querer 50 - (94%) - 3 – (05%) 53 – (14%)

Outros25 08 - (53%) 06 - (40%) 01- (06%) 15 - (04%)

Tabela 33: Influência do ITEM LEXICAL na escolha das variantes

25 Preferir, precisar, saber e tentar.

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121

Conforme mencionado na seção 2.2.4, foram considerados como verbos modais os

itens: ‘poder’, ‘dever’, ‘ter de’/ ‘ter que’, ‘querer’, ‘preferir’, ‘precisar’, ‘saber’ e ‘tentar’,

sendo que os quatros últimos foram amalgamados, por apresentarem baixo número de

ocorrências.

O verbo modal mais freqüente foi ‘poder’, 40% das ocorrências, seguido de ‘ter de’/

‘ter que’, 22%, e ‘dever’, 20%. O verbo ‘querer’ apresentou uso quase categórico em PI - a

forma ‘quereria’ não foi constatada e a perífrase IA + V, embora pouco utilizada, teve sua

maior freqüência com esse verbo.

No caso dos modais, parece que em certos contextos a variação no âmbito do irrealis

permite apenas a alternância entre FP e PI, não havendo possibilidade de ocorrências em

perífrases. A seguir, um exemplo do corpus analisado.

46) [tema: existência de planos de saúde] deveria existir um/ um governo mais sério pra acabar com isso pra dar prioridade pra todo país pra todas as pessoas serem atendidas pelo próprio SUS (cel. 18, pág. 13, lin. 30)

A forma ‘deveria existir’ pode ser substituída por ‘devia existir’, sem acarretar

mudanças semânticas significativas. Contudo, não é possível alternar esse uso com ‘ia dever

existir’ ou ‘iria dever existir’. O verbo modal ‘dever’, geralmente, não permite a alternância

com as construções perifrásticas. Além disso, conforme mencionado na tabela seguinte, não

foram constatadas as variantes perifrásticas ao lado do modal ‘dever’.

Tendo em vista a baixa incidência, acima exposta, as formas perifrásticas não foram

consideradas ao se utilizar o programa Goldvarb. Assim, segue-se a discussão dos grupos de

fatores lingüísticos e sociais que se revelaram envolvidos com a variação entre FP e PI na

amostra de verbos modais.

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122

Em relação aos fatores lingüísticos, o programa estatístico selecionou como

relevantes os seguintes grupos: 1) Paralelismo; e 2) Tipo de texto.

Assim como na amostra de verbos não-modais, o paralelismo foi o primeiro grupo

selecionado, apresentando valor de significância 0,000, revelando-se bastante importante.

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ocor. precedida de gatilho em FP 06/22 27% .12

Ocor. precedida de gatilho em PI 07/11 63% .45

Ocorrência isolada 87/117 74% .47

Primeira ocorrência de uma série 52/66 78% .56

Ocor. em cadeia, precedida de FP 15/43 34% .19

Ocor. em cadeia, precedida de PI 72/79 91% .75

Ocorrência em cadeia, precedida de IA + V 14/17 82% .60

Tabela 34: Influência do grupo de fatores PARALELISMO na escolha de PI nos verbos modais

A partir da tabela 34, pode-se perceber a influência do paralelismo na escolha da

variante PI. Ocorrências em cadeia precedidas de PI são as que mais favorecem a manutenção

do mesmo tempo verbal. Assim como as precedidas de IA + V, forma perifrástica do pretérito

imperfeito do indicativo (portanto, envolve também o pretérito imperfeito).

Em relação à ocorrência precedida de gatilho em PI não ter se mostrado tão relevante,

conforme imaginado anteriormente, talvez possa ser explicado pelo baixo número de dados,

apenas 11. Já as ocorrências de FP, em contexto de gatilho ou em cadeia, mostraram-se

inibidores do uso de PI. Assim, pode-se confirmar a hipótese de que o uso de PI leva,

novamente, ao uso de outra forma no imperfeito, inibindo a utilização do FP.

A influência do grupo paralelismo fica mais clara ao se observar a distribuição dos

dados sem considerar as ocorrências de gatilho. Tal decisão foi tomada devido ao baixo

número desses dados e também graças aos entrevistadores utilizarem preferencialmente

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123

formas de FP, podendo influenciar o informante a também usar essa forma, enviesando os

resultados. Observe a distribuição dos resultados, excluindo os gatilhos:

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ocorrência isolada 87/117 74% .44

Primeira ocorrência de uma série 52/62 78% .53

Ocor. em cadeia, precedida de FP 15/43 34% .13

Ocor. em cadeia, precedida de PI 72/78 92% .77

Ocorrência em cadeia, precedida de IA + V 14/17 82% .49

Tabela 35: Influência do grupo de fatores PARALELISMO, excluindo as ocorrências de gatilho, na escolha de PI nos verbos modais

A importância do fator paralelismo pode ser constatada na tabela 35, nos verbos

modais, excluindo os dados de gatilho. Ocorrências precedidas em cadeia de PI,

principalmente na forma sintética, levam a um outro uso da mesma forma, como demonstra a

polarização de resultados: (.77) para PI e (.13) para ocorrências em cadeia precedidas de FP.

Assim, a partir da tabela acima, confirma-se a tendência de uma forma levar ao uso da mesma

forma, neste caso o PI.

O segundo grupo selecionado foi o ‘tipo de texto’. Conforme se imaginou, as

seqüências narrativas/ descritivas são mais freqüentes, nos verbos modais, em formas de PI,

peso relativo de .78 ( 94% das ocorrências). Por outro lado, as seqüências argumentativas e,

principalmente, a lista de atitudes hipotéticas desfavorecem a utilização do PI. Observe tais

constatações a partir da tabela a seguir:

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Seqüências narrativas/ descritivas 124/131 94% .78

Seqüências argumentativas 120/193 62% .36

Lista de atitudes hipotéticas 09/31 29% .11

Tabela 36: Influência do grupo de fatores TIPO DE TEXTO na escolha de PI nos verbos modais

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124

Os três fatores sociais - faixa etária, gênero e escolaridade - foram selecionados pelo

programa Goldvarb, mostrando-se relevantes para a escolha da forma variante nos verbos

modais.

O fator faixa etária foi o terceiro grupo selecionado pelo programa. A importância

desse fator pode ser percebida a partir do valor do grau de significância igual a 0,000. A partir

da tabela 37, pode-se constatar a influência desse fator.

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

07 a 14 anos 18/29 62% .37

15 a 25 anos 79/131 60% .32

26 a 49 anos 59/82 71% .55

50 anos ou mais 97/113 85% .69

Tabela 37: Influência do grupo de fatores FAIXA ETÁRIA na escolha de PI nos verbos modais

É possível perceber que informantes mais velhos tendem a preferir o PI e os mais

jovens tendem a usar menos essa forma em verbos modais. Esse resultado não condiz com a

literatura da sociolingüística variacionista, pois se espera que informantes de faixa etária mais

jovem prefiram usos da forma não-padrão, mas não se pode classificar o PI como tal, pois é

possível encontrá-lo como substituto de FP, em situações coloquiais.

Em relação ao fator gênero/ sexo, as mulheres se mostraram mais propícias à

utilização de PI em verbos modais. Este grupo foi considerado relevante para a escolha das

formas variantes, com grau de significância 0,001. Além disso, foi o quarto selecionado nas

rodadas do programa.

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Mulher 155/198 78% .57

Homem 98/157 62% .40

Tabela 38: Influência do grupo de fatores GÊNERO/ SEXO na escolha de PI nos verbos modais

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125

Segundo a literatura sociolingüística, o sexo influencia a variação. Contudo, nesta

pesquisa, as mulheres usaram mais a forma considerada menos prestigiada, o PI, contrariando

outras pesquisas sociolingüísticas já realizadas. Acredita-se que essa variável esteja

camuflando outros aspectos e complexas interações.

O quinto e último grupo de fator selecionado foi a escolaridade. O PI demonstra ser a

forma preferida dos informantes com menor grau de escolaridade. Em termos percentuais, é

possível perceber um uso equivalente na escolha do PI nos ensinos fundamental e médio, 75%

e 72%, respectivamente.

Fatores Aplic./total Freq. (%) Peso relativo

Ensino fundamental 106/146 72% .51

Ensino médio 68/90 75% .62

Ensino superior 79/119 66% .39

Tabela 39: Influência do grupo de fatores ESCOLARIDADE na escolha de PI na amostra VERBOS MODAIS

A partir da tabela apresentada, é possível verificar que a forma em PI não foi tão

favorecida quando os informantes tinham nível superior. Além disso, considerando-se os

resultados do peso relativo, parece que o ensino médio funciona como favorecedor do uso de

PI, com peso relativo de (.62), seguido de ensino fundamental (.51).

No gráfico a seguir, é possível perceber a relação entre faixa etária dos informantes e

nível de escolaridade. A faixa etária de 07 a 14 anos não foi considerada neste gráfico, por só

apresentar indivíduos com ensino fundamental.

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126

0%

10%

20%

30%

40%

50%

60%

70%

80%

90%

100%

15 a 25 26 a 49 50 ou +

Ens. Fundamental

Ens. Médio

Ens. Superior

Gráfico 09: Distribuição dos dados relacionando FAIXA ETÁRIA à ESCOLARIDADE na escolha de PI nos verbos modais.

Os entrevistados com ensino fundamental não apresentam um uso muito distinto no

decorrer das faixas etárias, demonstrando um comportamento mais regular em relação ao uso

de PI, nos verbos modais.

No ensino médio, a linha se eleva um pouco mais acentuadamente. À medida que é

aumentada a faixa etária dos informantes, mais freqüente se torna o uso de PI. A inclinação da

linha contínua marca a preferência dos informantes do ensino superior pela utilização do PI e

o aumento de uso dessa variante se dá proporcionalmente ao aumento da faixa etária dos

falantes.

A faixa etária em que o aumento do uso de PI se dá mais acentuadamente é com 50

anos ou mais, nos três níveis de escolaridade. No ensino fundamental, 78% dos dados são de

PI, no ensino médio 89%, e no superior 92%. Esse resultado não era esperado, pois segundo a

literatura sociolingüística a faixa etária mais velha e com maior nível de escolaridade tende a

usar preferencialmente as formas mais prestigiadas, fato não constatado na análise dos verbos

modais.

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Mais uma vez, semelhantemente ao ocorrido nos verbos não-modais, parece que nessa

faixa etária os falantes apresentam um uso lingüístico menos cuidadoso, por se inserirem na

faixa etária que marca a saída deles do mercado de trabalho.

Os informantes que se mostraram menos tendentes ao uso do PI foram os de ensino

superior na faixa etária compreendida entre 15 e 25 anos, com apenas 38% dos dados em PI.

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8 GRAMATICALIZAÇÃO DE IR COM A NOÇÃO DE IRREALIS

8.1 TRAJETÓRIA DE MUDANÇA SINTÁTICO-SEMÂNTICA DE IR

O verbo ir vem do latim ire, cuja acepção mais concreta era passar de um lugar para

outro Cunha (1986: 445).

Segundo Câmara (1956: 41), a forma perifrástica aparece com significação modal e o

autor a coloca como ponto de partida virtual para a criação do FP, com auxiliares de vontade,

desejo, intenção etc. Além disso, afirma que a perífrase IR de um futuro do pretérito tem o

desenvolvimento análogo em português no pretérito imperfeito.

Em relação ao tempo futuro (1956: 17 e 25), afirma que houve uma ascensão e

enriquecimento das formas temporais, o que corresponde, por sua vez, um empobrecimento e

decréscimo das formas modais, e pondera o fenômeno de interferência da categoria modo na

de tempo.

o futuro surgiu menos como um tempo do que como um modo. O impulso lingüístico que criou um futuro gramatical não foi o de situar o processo como posterior ao momento em que se fala, mas o de assinalar uma atitude do sujeito falante em relação a um processo assim posterior ao momento da enunciação.

Os futuros perifrásticos, segundo o autor, foram motivados pela necessidade de

introduzir as idéias modais de desejo, vontade, obrigação etc. Para ele, pode ocorrer dessas

construções com expressões modais fixarem-se com um valor temporal. Para justificar,

Câmara utiliza o argumento de que há a possibilidade e a necessidade de pôr o sistema

lingüístico a serviço da vida intelectual, ocorrendo uma intelectualização das formas

lingüísticas e um esforço para aproveitar-lhes ao máximo o valor lógico. Dá-se o que se pode

chamar de gramaticalização.

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8.2 ANÁLISE

O corpus do projeto “O português falado na cidade de Vitória”26 apresentou 271

ocorrências do verbo IR com a noção de irrealis, sendo 259 no pretérito imperfeito do

indicativo (ia) - 96% - e 12 no futuro do pretérito (iria) - 4%.

Para orientar a observação dos dados, foram tomadas como principal base teórica as

noções de gramaticalização de Bybee (2003), segundo as quais no processo de

gramaticalização ocorre o aumento da freqüência de contextos em que a forma é aplicada.

Essa freqüência não é resultado do processo, mas contribui para que ocorra, é uma força que

instiga a mudança. A lingüista apresenta dois tipos de freqüência para se analisar os processos

de gramaticalização:

a) freqüência de ocorrência - como diz o próprio nome, analisa a freqüência de ocorrência

de uma unidade.

b) freqüência de tipo - refere-se à freqüência de um tipo de estrutura em particular.

Em relação ao tema aqui abordado, acredita-se que o verbo IR esteja em processo de

gramaticalização. Pode-se constatar tal processo a partir do parâmetro da freqüência. A

construção IR + verbo no infinitivo é uma estrutura mais gramaticalizada, basta comparar

construções Iria à escola amanhã e Iria estudar para a prova. Espera-se que esse segundo

tipo de construção seja a mais freqüente, observando os percentuais de ocorrência. A hipótese

relacionada à freqüência de tipo é que a construção IR + verbo no infinitivo se apresenta com

tipos de verbos mais variados.

26 Foram utilizadas para verificar o processo de gramaticalização as 46 entrevistas do projeto.

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8.2.1 Freqüência de ocorrência

Ao analisar o corpus, constataram-se usos do verbo IR, com a noção de irrealis, em

diversos valores semânticos. Para explicitá-los, exemplificam-se esses usos a partir de alguns

esquemas de frases, por meio dos traços gramaticais que essas apresentam, com a finalidade

de expor a estrutura dessas orações. Juntamente ao esquema encontra-se um exemplo extraído

do banco de dados analisado, na tentativa de demonstrar o processo de gramaticalização do

verbo IR. Seguem-se os esquemas acompanhados dos exemplos:

a) VERBO IR (noção de movimento) + ADVÉRBIO ou LOCUÇÃO ADVERBIAL

(componente locativo):

47) [tema: passeio do filho e a namorada dele] eles iam pra Santa Teresa pra Fazenda Clube... o pai admitia... a mãe também então... eu nunca tive filha... homem:: vai né... faz... vai embora tudo bem... (cél. 33, pág. 13, lin. 19)

b) VERBO IR (noção de movimento) + ADVÉRBIO ou LOCUÇÃO ADVERBIAL

(componente locativo) + VERBO NO INFINITIVO (acompanhado de um traço de finalidade

e antecedido pela preposição para):

48) [tema: participação no programa do Big Brother] então não iria pra lá só pra ficar famoso ... oh sou V. tal, Brasil todo tá vendo meu nome é P. V. curto isso, isso, aquilo, gosto daquilo outro, gosto dessa/ gosto de Oficina, gosto desse, gosta daquilo e... acho não é tá bom só aqui mesmo (cél. 10, pág. 25, lin. 09)

c) VERBO IR (noção de movimento atenuada) + ADVÉRBIO ou LOCUÇÃO

ADVERBIAL (componente locativo) + VERBO NO INFINITIVO (acompanhado de um

traço de finalidade, sem preposição):

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49) [tema: o tratamento de uma amiga que apresentava doença grave] ela ia em São Paulo fazer o tratamento lá ... depois já falou assim ... já que não tem jeito ... então ... não vão mais fazer o tratamento em São Paulo não, vieram fazer em Vitória mesmo (cél. 46, pág. 17, lin. 22)27

d) VERBO IR (idéia de movimento atenuada) + VERBO NO INFINITIVO + ADVÉRBIO

ou LOCUÇÃO ADVERBIAL (componente locativo):

50) e eu tinha curso... e minha mãe começou a ficar preocupada...ligou duas vezes lá pro curso... aí eu falei mais minha mãe sabia que eu ia passar na casa da minha colega e num sei o quê ...” é mais sua mãe já ligou pra cá e tá super preocupada com você” (cel. 07, pág. 10, lin. 28)

e) VERBO IR (começa a perder a idéia de movimento) + ADVÉRBIO (excluindo o

componente locativo) ou CLÍTICO + VERBO NO INFINITIVO:

51) [tema: participar do programa No Limite] agora pra comer aqueles trocos eu num ia não... ah:: comer eu já reclamo de comida ruim ... comida simples que é ruim imagina aqueles trocos lá (cel. 05, pág. 19, lin. 29)

52) meu primeiro arroz saiu tudo preto ((risos)) minha mãe/ minha mãe deixou grudado pra mostrar pro meu professor de informática ... que ele ia me dar aula ... eu passei a maior vergonha minha mãe falou “a menina tem onze anos e num sabe nem fazer um arroz e num sei o quê “((risos)) (cel. 07, pág. 03, lin. 03)

f) VERBO IR (verbo auxiliar) + VERBO NO INFINITIVO:

53) essa privatização do Banestes eu acho que não é benéfica pro estado ... primeiro que ia reduzir muito a quantidade de:: ... de bancos ... sendo que ... a maioria da população ... capixaba ... eh:: creio que seja do Banestes né? (cel. 23, pág. 14, lin. 30)

27 A preposição em neste exemplo possibilita a manutenção da idéia de movimento dentro de um espaço, no caso São Paulo. Segundo Cunha & Cintra (2001: 570), a preposição em pode indicar “movimento = superação de um limite de interioridade, alcance de uma situação dentro de: a) no espaço; b) no tempo; c) na noção”.

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g) VERBO IR (verbo auxiliar) + VERBO MODAL + VERBO NO INFINITIVO:

54) [tema: informante encontra menina de quatro anos catando lixo na rua] eu ia poder fazer o quê? botar essa menina na minha casa e dar um PRAto de comida pra ela e/ e aÍ? (cel. 37, pág. 07, lin. 17)

Em (a) o verbo IR apresenta o sentido de movimento, característico da forma mãe.

Estão presentes: 1) a carga semântica do verbo pleno de movimento; 2) o componente

locativo e 3) não há o valor modal de intenção.

Em (b), o componente locativo permanece na oração. No entanto, não é possível

atestar com precisão a carga semântica do verbo pleno de movimento. Há um traço de

finalidade reforçado pela preposição para e o verbo no infinitivo.

Em (c) a finalidade é expressa somente pelo infinitivo do verbo, o que põe em dúvida

a carga semântica de movimento do verbo pleno e aponta para o primeiro passo do verbo IR

como auxiliar pleno.

A idéia do auxiliar fica clara em (d), em que o processo de esvaziamento da carga

semântica é evidente. A finalidade torna-se um traço mais fraco, já que o componente locativo

está deslocado. Pode-se perceber o começo da unidade entre verbo auxiliar IR e o verbo

principal no infinitivo. Se a construção sofrer uma mudança, trocando-se o verbo principal por

IR tem-se, por exemplo: iria ir à escola. Percebe-se que o auxiliar IR marca a morfologia

tempo/ modo.

O traço de auxiliaridade de IR também está bem claro em (e), tendo em vista que a

carga semântica de movimento está esvaziada28 e o componente locativo também não está

presente na oração. O verbo IR ainda não está unido diretamente ao verbo no infinitivo, mas a

relação entre eles já está perceptível. Entre os verbos foram encontrados advérbios de negação

e principalmente clíticos.

28 Ao assumir que a carga semântica do verbo IR está esvaziada, não se quer dizer que está completamente nula. Esse é mais um processo contínuo do que um fato consumado. Certamente há sempre um movimento no sentido de tornar-se vazia de significado.

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Em (f) a unidade está completa. Não há mais o locativo e o verbo auxiliar está

esvaziado de sua carga semântica de verbo de movimento. A finalidade ainda é um traço

presente, mas está acompanhado de outro traço, pragmático talvez, de intenção. É no verbo

principal que se encontra a carga semântica e o verbo auxiliar funciona como morfologia de

futuro.

É possível combinar, também, como ilustrado em (g), o auxiliar IR com verbo modal,

numa construção verbal tripla, como em: ia poder estudar. Nesses casos, a carga semântica de

movimento continua esvaziada e há um traço de finalidade. Entretanto, o traço modal de

intenção de fazer alguma coisa (assinalar o início da ação) está presente.

Em relação aos tipos de ocorrências do verbo IR, constatou-se nos dados analisados a

ocorrência dos sete tipos de construções com esse verbo, apontados anteriormente, nos

exemplos de (a) a (g). A seguir, tem-se a tabela com a distribuição das ocorrências.

Vale ressaltar que os esquemas construídos e apresentados na primeira coluna

representam os usos encontrados no corpus.

Valores semânticos Nº de dados Freqüência

a) verbo IR + advérbio ou locução adverbial 30 11%

b) verbo IR + advérbio ou locução adverbial + verbo infinitivo (presença da preposição para)

04 1%

c) verbo IR + advérbio ou locução adverbial + verbo infinitivo 04 1%

d) verbo IR + verbo infinitivo + advérbio ou locução adverbial 22 8%

e) verbo IR + advérbio ou clítico + verbo infinitivo 10 4%

f) verbo IR + verbo infinitivo 194 72%

g) verbo IR + verbo modal + verbo infinitivo 07 3%

Tabela 40: Freqüência de ocorrências do Verbo IR.

A partir dos dados expostos, é possível observar um processo de gramaticalização do

verbo IR com a noção de irrealis. A hipótese que o processo de gramaticalização estaria

ocorrendo pode ser constatada graças aos dados analisados, tendo em vista que, quanto mais

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gramaticalizado fosse o verbo IR, mais freqüente seria seu uso como auxiliar verbal e os

dados mostram que há um uso freqüente do verbo IR nesse contexto de auxiliar,

exemplificado em (f), com 194 ocorrências de 271 totais, isto é, 72%. Além das ocorrências,

não tão freqüentes quanto (f), nos esquemas representados por (c), que marca o início o

processo de gramaticalização, (d) em que IR funciona como auxiliar, (e) a auxiliaridade está

presente no esquema e (g), ocorrendo com um verbo modal.

No entanto, não é possível afirmar que a forma plena do verbo IR, com o significado

de movimento, desapareceu, uma vez que foram constatados 11% das formas com essa

significação. Há uma concomitância de usos, embora o verbo IR com a idéia de movimento

seja bem menos freqüente.

Vale ressaltar que não foi constatada na fala capixaba a ocorrência do tipo Iria/ia ir à

escola, demonstrando que os falantes não dissociaram a noção de movimento ao auxiliar IR.

8.2.1 Freqüência de tipo

Depois de analisada a freqüência de ocorrência do verbo IR, pretende-se verificar a

freqüência de tipos de verbos que co-ocorrem com o verbo IR. Para tal, adotou-se uma

classificação dos tipos de verbos.

Halliday (1967, apud Andrade 2005) propõe uma classificação dos verbos baseada nos

principais processos no sistema de transitividade na língua inglesa. Vale ressaltar que se adota

tal classificação na análise do fenômeno aqui estudado, para observar a importância dessa

classificação dos verbos relacionada ao uso do auxiliar IR.

Segundo essa classificação, um processo é constituído de três componentes para a

interpretação da experiência que acontece: o próprio processo, os participantes no processo e

as circunstâncias associadas ao processo (são opcionais). Esse tripé envolve categorias

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semânticas que funcionam como fenômeno do mundo real e são representados em estruturas

lingüísticas.

Segue-se abaixo a classificação, definição e exemplificações (formulados com base em

Halliday e no banco de dados analisado nesta dissertação) dos tipos de verbos:

1- Processos materiais:

São processos relacionados ao “fazer”, expressam a noção de que um “ator” realiza o

feito para um “alvo”.

Ex.:

Ator Processo Alvo

O leão pegou o turista

55) se fosse pra eu escolher, eu ia escolher um outro, mas já que o pessoal não concordou, ou depois, nem levantei a mão não, deixei eles escolherem isso aqui, aí, foi isso aqui mesmo. (cel. 10, pág. 18, lin. 30)

No exemplo (55), o sujeito ‘eu’ pratica o ato (processo) de escolher um outro

(referindo-se ao desenho da camisa de formandos de sua turma da escola), alvo da ação do

verbo.

2- Processos mentais

Relacionam-se aos verbos que expressam sentimentos, pensamentos e percepções. Os

participantes nestes processos são um experienciador e um fenômeno, assim um dos

participantes é dotado de consciência, o outro pode ser uma ‘coisa’ ou um fato.

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Ex.:

Experienciador (dotado de consciência)

Processo Fenômeno (coisa)

Maria gostou do presente

56) [tema: participação no programa Big Brother Brasil] ah eu não ia me sentir bem com as pessoas me vendo/ vendo o que eu to fazendo eu não ia gostar muito não principalmente pra aquelas que vissem minha personalidade (cel. 05, pág. 19, lin. 10)

Neste exemplo, o informante avalia o fato de vir a participar do programa Big Brother

Brasil e comenta os sentimentos possíveis dela sentir ao estar lá: “não ia me sentir bem” e

“não ia gostar”. Os dois verbos - “sentir” e “gostar” – envolvem no processo um

experienciador e um fenômeno.

3- Processos relacionais

Esses processos estabelecem uma relação entre duas entidades separadas. Uma

entidade ‘a’ pode atribuir algo a uma entidade ‘x’ ou pode identificar um entidade ‘x’.

Ex.:

Entidade ‘x’ Processo Atributo

Júlia é sábia

57) muita coisa quando era criança que eu vi... hoje em dia eu “poxa se fosse nessa época meu pai ia ser famoso” (cel. 33, pág. 23, lin. 11)

O informante expressa nesse exemplo o fato de o pai dela ‘entidade’ sofrer o processo

de ser famoso ‘atributo’. Além disso, há na cláusula o verbo auxiliar ‘ser’, característico do

processo relacional.

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4- Processos comportamentais

Referem-se a comportamentos psicológicos e fisiológicos, de natureza tipicamente

humana, como olhar, sorrir, tossir, respirar dentre outros. Estão na fronteira entre os processos

materiais e mentais.

Ex.:

Participante Processo

João sorriu

58) dentro da casa dele era um cenário de/ de bala e/ e/ e ::revólver... de tudo quanto é tipo... era um cenário então se você estivesse assistindo o jornal da / daqui de Vitória você ia ver... um cenário... o que tinha de bala (cel. 18, pág. 14, lin. 20)

‘Ia ver’ expressa um comportamento fisiológico, de natureza humana, característico

dos processos comportamentais. O participante envolvido é o sujeito ‘você’.

5- Processos verbais

São processos relacionados a qualquer tipo de troca simbólica de significado, são os

processos de ‘dizer’, como assinala Andrade (2005).

Ex.:

Aquele/aquilo que diz Processo O que é dito

Eu pedi um bife.

59) ... eu não ia dizer nada ... mas ... o problema ... tava na saúde deles en::tão:: uma pressão assim:: ... psicológica né? ... eu não tinha como fugir disso (cel. 23, pág. 08, lin. 10)

Neste exemplo, quem (não) diz é o sujeito ‘eu’, e nada seria dito.

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6- Processos existenciais

Processos que indicam que alguma coisa existe ou acontece. Podem referir-se a

pessoa, objeto, instituição, abstração, ação ou um evento. Usualmente, estas orações

apresentam um elemento circunstancial de tempo ou lugar.

Ex.:

Processo Existente Circunstância

Há um homem na porta.

60) eu cheguei a ver is::so... eu não sabia que ia acontecer isso não... mas a rua se::te ali... desce água do morro né? e ala::ga... fica tudo alagado... os /os carros não podem:: descer:: as pessoas ficam:: sem poder subir ou:: des::cer (cel. 24, pág. 15, lin. 26)

O exemplo (60) não apresenta o elemento circunstancial de tempo ou lugar, opcional

nesses processos. O informante afirma não ter conhecimento da possibilidade de ocorrer o

acontecimento – alagamento devido à chuva.

Vale ressaltar que Halliday menciona outra categoria de processo, o meteorológico.

No entanto, no corpus analisado não foi constatada tal ocorrência nos tempos investigados.

A hipótese deste trabalho em relação a esse fenômeno está ligada ao fato de que

construções mais gramaticalizadas tendem a ocorrer com um maior número de verbos. A

partir dessa hipótese, não foram considerados os dois primeiros tipos de construções,

correspondentes às letras (a) VERBO IR (idéia de movimento) + ADVÉRBIO OU

LOCUÇÃO ADVERBIAL (componente locativo) e (b) VERBO IR (idéia de movimento) +

ADVÉRBIO OU LOCUÇÃO ADVERBIAL (componente locativo) + VERBO INFINITIVO

(antecedido da preposição para). Esses dois esquemas de construção ainda apresentam o verbo

IR expressando movimento, característica da forma ‘mãe’ do verbo em questão.

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Segue-se abaixo uma tabela demonstrando a distribuição dos dados encontrados no

corpus aqui estudado, em relação ao tipo de verbo utilizado nas diferentes construções

perifrásticas com o verbo IR.

Usos Tipo de verbo

(c)29 (d)30 (e)31 (f)32 (g)33 Total Freqüência

Materiais 04 20 04 121 05 159 66%

Mentais - - 03 19 02 21 10%

Relacionais - - 01 26 - 26 11%

Comportamentais - 02 01 09 - 11 5%

Verbais - - 01 14 - 14 6%

Existenciais - - - 05 - 05 2%

Total 04 22 10 195 07 237 100%

Tabela 41: Ocorrências de TIPO DE VERBO relacionado ao tipo de auxiliar

Conforme se imaginou, à medida que a forma vai se gramaticalizando, mais é utilizada

e com maior variedade de tipos de verbos. A forma (f), considerada como uma das mais

gramaticalizadas, juntamente a (g), é usada preferencialmente em relação a (c) e (d), de

acordo com a tabela anterior, e com mais tipos de verbos. Percebe-se seu uso com todos os

tipos de verbo classificados. O esquema representado por (e) também possui usos distribuídos

pelos vários tipos de verbos, não ocorrendo somente com os existenciais.

As ocorrências de (c), (d) e (e) encontram-se distribuídas preferencialmente com tipo

de verbos materiais. Além disso, a forma (f) também é usada principalmente por verbos 29 VERBO IR (noção de movimento não muito explícita) + ADVÉRBIO ou LOCUÇÃO ADVERBIAL (componente locativo) + VERBO NO INFINITIVO (acompanhado de um traço de finalidade, sem preposição).

30 VERBO IR (começa a perder a idéia de movimento) + ADVÉRBIO (excluindo o componente locativo) ou CLÍTICO + VERBO NO INFINITIVO.

31 VERBO IR (idéia de movimento esvaziada) + VERBO NO INFINITIVO + ADVÉRBIO ou LOCUÇÃO ADVERBIAL (componente locativo).

32 VERBO IR (verbo auxiliar) + VERBO NO INFINITIVO.

33 VERBO IR (verbo auxiliar) + VERBO MODAL + VERBO NO INFINITIVO.

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materiais. Essa preferência por verbos materiais pode ser justificada pelo predomínio desse

tipo de verbo, 159 ocorrências, 66% dos dados. Vale constatar que as demais ocorrências

apresentam uma distribuição regular entre os tipos de verbos.

Há uma perceptível preferência dos informantes pelos processos materiais. Esse

favorecimento pelos processos do ‘fazer’ pode estar relacionado ao tipo de entrevista utilizado

para a coleta de dados do projeto “O português falado na cidade de Vitória”, que direcionava

as perguntas a situações mais próximas da realidade do falante.

É válido ressaltar também que os verbos relacionados ao “fazer” indicam uma noção

semântica mais próxima da idéia de movimento expressa pela forma “mãe” de IR.

Em relação a (g), é possível explicar as poucas ocorrências do verbo IR acompanhado

de verbos modais (07 dados), pois os auxiliares IA e IRIA são inibidos em bases verbais

modais, pois os próprios auxiliares já carregam alguma semântica de modalidade, evitando-se

a redundância (cf. capítulo 7).

Portanto, a hipótese de que quanto mais gramaticalizada a forma, mais seu uso é

freqüente, pode ser constatada nos dados apresentados. A forma IR + verbo no infinitivo,

como perífrase verbal na expressão de informação no âmbito do irrealis, está em processo de

gramaticalização.

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9 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa focalizou a variação entre as formas verbais de futuro do pretérito e

pretérito imperfeito do indicativo, sintéticas e perifrásticas, na expressão de informação no

âmbito do irrealis, no português falado na cidade de Vitória, Espírito Santo.

Constatou-se que, de um modo geral, os falantes capixabas apresentam uso

equilibrado entre as formas FP e PI. No entanto, ao se considerar as formas sintéticas e

perifrásticas amalgamadas (PI e IA + V; FP e IRIA + V, respectivamente), pode-se verificar

uma predominância das formas de pretérito imperfeito do indicativo, que correspondem a

58% dos dados.

Uma das hipóteses deste trabalho, na linha de outros estudos sobre verbo que o

antecederam, era a de que as formas perifrásticas estariam sendo preferencialmente mais

utilizadas às formas sintéticas. Contudo, não foi possível confirmá-la, pois o emprego de IA +

V não passou de 21% dos dados e a perífrase IRIA + V não representou sequer 1% das

ocorrências. Esse resultado expõe a pouca preferência dos falantes capixabas pelas formas

perifrásticas, tendência que se acentua ainda mais nos verbos modais, aqui tratados em

separado, devido a suas peculiaridades (a perífrase IA + V representou 1% dos dados e IRIA

+ V não foi constatada).

Apesar de as entrevistas sociolingüísticas visarem a captar um uso mais informal da

língua, há pelo menos um aspecto em que esse objetivo não foi atingido no corpus analisado:

os entrevistadores usaram mais a variante FP (em um total de 145 ocorrências, 75% foram de

FP) e isso parece ter influenciado os informantes. A explicação para o uso bastante elevado do

FP pode estar baseada no princípio do paralelismo, que se mostrou atuante em todas as

variantes aqui estudadas.

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O paralelismo foi o primeiro grupo de fatores selecionado e foi confirmada a

influência deste princípio, pois a presença de uma forma levou a outra idêntica em contexto

imediatamente posterior, tanto em ocorrência adjacente no discurso do próprio informante

quanto em relação ao discurso do entrevistador - o chamado efeito gatilho.

Outra variável lingüística que também influenciou na escolha das variantes foi o tipo

de texto. As seqüências argumentativas e a lista de atitudes hipotéticas favoreceram o uso de

FP. Por outro lado, nas seqüências narrativas/ descritivas, o PI foi a forma preferida, assim

como IA + V. Esse fator também foi preponderante nas poucas ocorrências da variante IRIA

+ V, tendo em vista que o ambiente favorecedor desta variante são as seqüências

argumentativas. Assim, é possível confirmar a hipótese de que seqüências argumentativas

favorecem o uso de FP, seja nas formas sintéticas, seja nas perifrásticas.

A noção de irrealis, de um modo geral, está mais fortemente associada ao discurso

argumentativo. As construções hipotéticas, aliás, são estruturas gramaticais usadas

freqüentemente como estratégia de argumentação, conforme afirmou Gryner (1990). Isso

pode explicar o fato de as seqüências aqui estudadas serem mais freqüentemente

argumentativas (49% dos dados). Este fator parece ser uma das explicações para a maior

freqüência da variante FP na análise deste estudo.

Em relação à saliência fônica, na amostra de verbos não-modais, o FP é favorecido

pelos verbos mais salientes – principalmente pelo item ‘ser’ - e o PI, por outro lado, é inibido

pela formas mais salientes. Esse resultado confirmou a hipótese de que as formas mais

salientes favorecem FP, por apresentarem diferenciação fônica mais acentuada. Pois, de

acordo com este princípio, as formas mais salientes, que se caracterizam por serem mais

perceptíveis, são mais prováveis de serem marcadas que as menos salientes.

A variável extensão lexical foi selecionada somente para a variante PI, em verbos não-

modais, e demonstrou que os monossílabos favorecem a sua ocorrência. Embora esse fator

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não tenha sido selecionado para IA + V como relevante, é possível constatar por meio de

percentagens o favorecimento da forma perifrástica em verbos mais longos. Esse resultado

confirmou a hipótese de que as línguas parecem demonstrar uma tendência a evitar palavras

extensas e o falante prefere distribuir o peso fonológico de um vocábulo ao usar uma

perífrase.

Quanto ao contexto sintático, os resultados apontam o período hipotético como

favorecedor de FP, contrariando a hipótese de que esse contexto já carrega em si a idéia de

irrealidade, sendo redundante o uso do FP. As orações encaixadas em discurso indireto inibem

a ocorrência de PI. Por outro lado, favorecem IA + V, confirmando os resultados de Costa

(1997: 119) que pôde perceber que as orações encaixadas são o ambiente ideal para a

ocorrência de perífrases com o auxiliar ‘ir’.

As orações encaixadas com prótase implícita podem ser consideradas como

favorecedoras de PI. Isso demonstra que, de acordo com a hipótese, elas apresentam

comportamento mais semelhante ao esperado para as construções do período hipotético,

embora os resultados aqui encontrados demonstrem que no período hipotético há uma

predominância de FP.

Em relação aos fatores sociais (gênero, faixa etária e escolaridade), vale mencionar

que os três foram selecionados pelo programa Goldvarb. No entanto, não se encontravam

entre os primeiros, considerados mais significativos. Isso demonstra que não podem ser

apontados como os de maior peso na escolha das variantes estudadas. Além disso, alguns

deles não confirmam o que se encontra na literatura sociolingüística.

Do ponto de vista do fator idade e de suas implicações para uma análise da mudança a

partir do tempo aparente, foram encontrados alguns indícios pelo fato de a variante IA + V ter

sido favorecida nos falantes mais jovens, em verbos não-modais. Sabe-se (a partir de outros

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estudos) que as perífrases são as formas inovadoras em português, e esse resultado pode

indicar um processo de mudança lingüística.

A respeito do fator gênero/ sexo, constatou-se que as mulheres usaram mais

freqüentemente PI, nas duas amostras, embora o esperado fosse encontrar uma preferência por

FP, forma mais prestigiada.

Para melhor entender esse resultado, foi feita uma rodada cruzando o fator gênero/

sexo e faixa etária, nos verbos não-modais, e foram verificados comportamentos distintos

entre homens e mulheres nas faixas etárias consideradas. As mulheres a partir dos 26 anos

tenderam a preferir a variante PI, por outro lado, pareceram evitar FP. As primeiras faixas

etárias (07 a 14 e 15 a 25 anos) apresentaram um maior percentual de FP, período em que

freqüentam a escola e buscam se inserir no mercado de trabalho. Os homens apresentaram

maior percentual de FP nas faixas etárias em que estão inseridos no mercado de trabalho (15 a

25 e 26 a 49 anos).

O favorecimento de FP na faixa etária de 15 a 25 anos, em ambos os sexos, parece

estar relacionado à entrada desses falantes no mercado de trabalho, pois nessa idade é comum

a pessoa encerrar a vida estudantil e buscar se inserir na comunidade como um profissional

(papel que pode exigir um comportamento mais formal, ou seja, mais condizente com as

normas estabelecidas, inclusive as gramaticais).

Do ponto de vista do papel da escola, este também pôde ser constatado nos resultados,

pois os informantes com menor nível de escolaridade preferiram PI, nas duas amostras,

enquanto os de maior escolaridade usaram mais freqüentemente FP. Portanto, pôde-se

confirmar que a escola possibilita uma maior aproximação do falante às formas recomendadas

pela norma.

A faixa etária de 26 a 49 anos foi a que demonstrou maior influência da escola na

escolha das variantes, tendo em vista que os resultados foram bastante polarizados. O maior

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nível educacional favoreceu FP como era de se esperar e inibiu a ocorrência de PI e IA + V.

Não custa repetir, que é nessa faixa etária que os falantes estão inseridos no mercado de

trabalho.

Quanto aos verbos modais, mereceram realmente tratamento diferenciado, pois

comportamentos distintos foram encontrados entre os verbos não-modais e os modais. No

primeiro grupo, o FP foi a forma favorecida, 48% dos dados, seguido de IA + V, 31%. Com

os verbos modais, o PI foi a forma favorecida, 69% das ocorrências, e as formas perifrásticas

foram inibidas – 1% dos dados de IA + V e nenhuma ocorrência de IRIA + V foi encontrada.

O estudo do processo de gramaticalização do verbo pleno IR com a noção de irrealis

em auxiliar mostrou-se relevante, tendo em vista o uso de IA + V (uma vez que o uso de IRIA

+ V foi insignificante).

Em relação aos tipos de freqüência, propostos por Bybee (2003) para verificar um

processo de gramaticalização - de ocorrência e de tipo - ambos foram relevantes para o

estudo. A freqüência de ocorrência demonstrou que as formas com o verbo IR como auxiliar

são mais recorrentes que as que indicam movimento. Inclusive a forma como auxiliar, do tipo

Ia estudar para a prova, foi utilizada em 87% do total de usos do verbo ir, apresentando uma

taxa relativamente alta.

A freqüência de tipo demonstrou que a forma IR como auxiliar, a mais

gramaticalizada, relacionou-se com maior variedade de verbos, com base na classificação de

Halliday (1967). Assim, pôde-se confirmar o pressuposto de Bybee que quanto mais

gramaticalizada a forma, mais freqüente é o seu uso e em diferentes contextos.

Portanto, a partir das ocorrências estudadas, pôde-se observar o processo de

gramaticalização do verbo IR no âmbito do irrealis, devido ao fato de o seu uso como auxiliar

verbal ter sido bastante recorrente, sendo inclusive o mais freqüente dos usos. Entretanto, não

se verificou o apagamento da forma “mãe”, com a significação de movimento. Os dados

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mostraram que eles podem estar seguindo o caminho espaço > tempo > situação modal

(auxiliar).

Os grupos de fatores analisados não encerram as possibilidades de sistematização de

uso das variantes. A presente pesquisa não pretende traçar um perfil definitivo da variável

investigada, mas colaborar com a sua descrição no funcionamento da língua portuguesa usada

informalmente, em uma área urbana do Brasil.

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TESCH, Leila Maria. A Variação no Âmbito do Irrealis entre as Formas do Futuro do Pretérito e Pretérito Imperfeito do Indicativo na Fala Capixaba. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2007. Dissertação de Mestrado em Lingüística.

RESUMO

Este trabalho analisa a variação entre as formas do futuro do pretérito e do pretérito imperfeito do indicativo, sintéticas (amaria e amava, respectivamente) e perifrásticas (iria amar e ia amar, respectivamente), na expressão de informação no âmbito do irrealis, na fala de informantes capixabas. Com base nos princípios da Sociolingüística Variacionista, foram investigados os contextos lingüísticos e sociais correlacionados à variação estudada. O corpus pertence ao banco de dados do projeto “O português falado na cidade de Vitória”. No conjunto, os resultados demonstraram um uso equilibrado entre as formas de futuro do pretérito e pretérito imperfeito do indicativo. Analisando-se separadamente os verbos não-modais e modais, aqueles foram mais utilizados no futuro do pretérito e estes, no pretérito imperfeito do indicativo, além de inibirem as formas perifrásticas. Os três fatores sociais (sexo, faixa etária e escolaridade) foram selecionados pelo programa computacional Goldvarb (versão 2001). A forma perifrástica IA + verbo foi favorecida nos falantes mais jovens, em verbos não-modais, resultado que pode indicar um processo de mudança em curso. Em relação aos fatores lingüísticos investigados, o paralelismo, o tipo de texto, a saliência fônica, a extensão lexical e o ambiente sintático-semântico foram significantes para a escolha das variantes. Em relação ao processo de gramaticalização do verbo IR com a noção de irrealidade em auxiliar, o estudo mostrou resultados relevantes, tendo em vista a freqüência de tipo e de ocorrência.

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TESCH, Leila Maria. A Variação no Âmbito do Irrealis entre as Formas do Futuro do Pretérito e Pretérito Imperfeito do Indicativo na Fala Capixaba. Rio de Janeiro, UFRJ, Faculdade de Letras, 2007. Dissertação de Mestrado em Lingüística.

ABSTRACT

This study analyses the variation between the verb forms of the future in the past and of the imperfect past in the indicative, both the synthetic (“amaria” and “amava”, respectively) and periphrasis (“iria amar” and “ia amar”, respectively), in expressions of information in the sphere of the irrealis, in the Portuguese as spoken by the capixabas, i.e. the people from the state of Espírito Santo, Brazil. Considering as basis the principles from variational sociolinguistics, linguistic and social contexts correlated to the variation being studied were investigated. The corpus belongs to the data bank of the project “The Portuguese as spoken in the city of Vitória”. By and large, the results demonstrate a balanced use of the past in the future and the imperfect past in the indicative. When the non-modal verbs and the modals were analysed separately, the first were more used in the future of the past; while the latter, in the imperfect past in the indicative, besides presenting the periphrastic forms. The three social factors (sex, age and education) were chosen by the computer program Goldvarb (2001version). The periphrastic IA + Verb was the most favoured by the speakers of younger age, in non-modal verbs, the result of which may indicate a process of change under course. As to linguistic factors investigated, parallelism, text type, phonic salience, the lexical extension and the syntatic and semantic ambiance were significant in the choosing of the variants. As to the grammatization process of the verb IR with the notion of irreality in auxiliary, this study presents relevant results, due to the high frequency of this type of occurrance.