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1 EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – FORO REGIONAL DE CAMPINA GRANDE DO SUL - PR O MINISTÉRIO PÚBLICO , por seu Promotor de Justiça, abaixo assinado, no uso de suas atribuições, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 127, caput; 129, III, da Constituição Federal, na Lei nº 7.347/85 e na Lei nº 8.429/92, propor o presente pedido de provimento jurisdicional de AÇÃO CIVIL PÚBLICA PELA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA Em desfavor de 1) OTÉLIO RENATO BARONI – Ex-Procurador Geral do Município de Quatro Barras, brasileiro, divorciado, advogado, inscrito na OAB-PR sob o nº 5.603, podendo ser encontrado na Praça Getúlio Vargas, nº 60, centro, Jaguariaíva – PR. e ROBERTO ADAMOSKI – Ex- Prefeito de Quatro Barras, brasileiro, casado, portador da cédula de identidade nº 720.457/SSP-PR., inscrito no CPF sob o nº 058 745 729 – 53, residente na Av. Dom Pedro II, nº 180, centro, Quatro Barras, neste Foro Regional e comarca, pelos motivos de fato e de direito que passa a expor: I. Dos fatos:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA PELA PRÁTICA DE ATO DE … · de propriedade de Roberto Bori, os quais seriam objeto da desapropriação, sendo que o município atribuiu aos mesmos o valor

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EXCELENTÍSSIMA SENHORA DOUTORA JUIZA DE DIREITO DA COMARCA DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA – FORO REGIONAL DE CAMPINA GRANDE DO SUL - PR O MINISTÉRIO PÚBLICO, por seu Promotor de Justiça, abaixo assinado, no uso de suas atribuições, vem, respeitosamente, à presença de Vossa Excelência, com fundamento nos artigos 127, caput; 129, III, da Constituição Federal, na Lei nº 7.347/85 e na Lei nº 8.429/92, propor o presente pedido de provimento jurisdicional de

AÇÃO CIVIL PÚBLICA PELA PRÁTICA DE ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA

Em desfavor de 1) OTÉLIO RENATO BARONI – Ex-Procurador Geral do Município de Quatro Barras , brasileiro, divorciado, advogado, inscrito na OAB-PR sob o nº 5.603, podendo ser encontrado na Praça Getúlio Vargas, nº 60, centro, Jaguariaíva – PR. e ROBERTO ADAMOSKI – Ex-Prefeito de Quatro Barras , brasileiro, casado, portador da cédula de identidade nº 720.457/SSP-PR., inscrito no CPF sob o nº 058 745 729 – 53, residente na Av. Dom Pedro II, nº 180, centro, Quatro Barras, neste Foro Regional e comarca, pelos motivos de fato e de direito que passa a expor: I. Dos fatos:

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I. Dos fatos: Segundo representação encaminhada pelo Secretário Municipal de Assuntos Jurídicos ao Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado – GAECO, os requeridos teriam cometido atos de improbidade administrativa, além do crime previsto no art. 299, do Código Penal. Narra a mencionada petição que em data de 22 de março de 2007, o município de Quatro Barras, através do requerido Otélio Renato Baroni, na qualidade de Procurador Geral do Município de Quatro Barras, ajuizou ação de desapropriação por utilidade pública cumulada com pedido de imissão provisória na posse, o qual foi autuado sob o nº 467/2007, em face de Roberto Bori. Na ação foram arrolados seis terrenos urbanos de propriedade de Roberto Bori, os quais seriam objeto da desapropriação, sendo que o município atribuiu aos mesmos o valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). Este r. Juízo, em data de 02 de abril de 2007 determinou a avaliação dos terrenos e nomeou perito para tal fim. Em data de 12 de abril de 2007, o município efetuou o depósito prévio, no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais). O laudo de avaliação é anexado aos autos em data de 08 de agosto de 2007, sendo que o mesmo avaliou os imóveis desapropriados em R$ 127.000,00 (cento e vinte e sete mil reais), sendo que este r. Juízo determinou ao município que complementasse o valor, para poder ser imitido na posse dos imóveis. Em data de 07 de maio de 2008, o município de Quatro Barras efetuou o depósito da quantia de R$ 56.000,00 (cinquenta e seis mil reais), através de dois cheques. Uma vez que não havia sido efetuado o valor integral da avaliação, este agente ministerial, em data de 12 de junho de 2008, pugnou pela complementação do valor, para que fosse possível a

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imissão do município na posse dos imóveis, o que foi deferido por este r. Juízo. Em data de 10 de fevereiro de 2010, a atual administração do município informa a este r. Juízo que de acordo com a documentação existente na Prefeitura, o desapropriado Roberto Bori teria recebido diretamente do município o cheque referente ao empenho nº 442/2008, sendo que após averiguações nos processos administrativos, concluiu-se que o devido foi pago em mãos ao desapropriado, através do cheque nº 85001, da conta nº 12.809-0, da agência 3848-2, do Banco do Brasil. Com base em tais dados o município requereu a imissão na posse dos imóveis, para a construção de um CMEI. Porém, quando a atual administração analisou o processo administrativo nº 1055/2008, de 15 de fevereiro de 2008, verificou que o cheque que lá constava jamais chegou aos autos de desapropriação, já que por determinação do requerido Otélio Renato Baroni, na qualidade de Procurador Geral do Município, com a anuência do então prefeito, o requerido Roberto Adamoski, o cheque deveria ser nominal ao expropriado Roberto Bori, que ao ser procurado pela atual administração afirmou que nunca foi citado nos autos de ação de desapropriação e que jamais recebeu qualquer valor referente a indenização prévia da desapropriação. Ao descobrir que o desapropriado não havia recebido o valor da desapropriação, a administração municipal requereu a microfilmagem do cheque nº 850001, e de posse da mesma, descobriu-se que o valor de R$ 56.000,00 (cinquenta e seis mil reais) havia sido depositado na conta corrente nº 0650.001.00200592-4, da Caixa Econômica Federal, em data de 11 de março de 2008. Descobriu-se, também, que o titular de tal conta era o requerido Otélio Renato Baroni. Uma vez que o valor da complementação da avaliação foi depositado na conta do então Procurador Geral do Município, e não em juízo como prevê a nossa legislação, o município não pode ser imitido na posse dos imóveis desapropriados. Além do dinheiro ter sido depositado na conta corrente do então Procurador Geral do Município de Quatro Barras, foi apurado que as assinaturas constantes na ordem de pagamento do

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Processo Administrativo nº 1055/2008 e no cheque nº 850001 não são de Roberto Bori. Analisando a documentação encaminhada pelo Município ao GAECO, a qual posteriormente foi encaminhada à Promotoria de Justiça do Foro Regional de Campina Grande do Sul – comarca da Região Metropolitana de Curitiba, por ser a detentora de atribuição para analisar o caso, conforme decisão datada de 14 de junho de 2010, verificamos que os requeridos, agindo de artifícios escusos desviaram dos cofres do município a importância de R$ 56.000,00 (cinquenta e seis mil reais) em benefício próprio. A ordem de pagamento nº 442/2008 (fls. 115 – GAECO), comprova que o então prefeito municipal, Roberto Adamoski assinou a mesma e determinou o pagamento da quantia de R$ 56.000,00 (cinquenta e seis mil reais) à pessoa de Roberto Bori, que também apôs a sua assinatura no documento. Ocorre, porém, que está evidenciado nos autos que a assinatura que consta na mencionada ordem de pagamento não pertence à pessoa de Roberto Bori, conforme faz prova o documento de fls. 221 – GAECO), bem como o endosso feito no cheque nº 850001 (fls. 117 – GAECO). O documento de fls. 209 - GAECO deixa evidente que o valor consignado no cheque acima mencionado foi depositado na conta corrente do requerido Otélio Renato Baroni. Após a divulgação dos fatos, o requerido Otélio Renato Baroni juntou petição nos autos nº 467/2007, em data de 09 de junho de 2010, mesmo não fazendo parte do processo, justificando que o valor de R$ 56.000,00 (cinquenta e seis mil reais) havia sido depositado em conta equivocada, e para evitar qualquer prejuízo ao interessado estava comprovando o depósito judicial da quantia de R$ 65.225,38 (sessenta e cinco mil, duzentos e vinte e cinco reais e trinta e oito centavos), que corresponderia ao valor de R$ 56.000,00 (cinquenta e seis mil reais) devidamente corrigido (docs. em anexo). Portanto, os requeridos agindo de comum acordo, simularam um pagamento à pessoa de Roberto Bori e acabaram se apropriando da quantia de R$ 56.000,00 (cinquenta e seis mil reais), a qual foi depositada na conta corrente no primeiro requerido.

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II. Do Cabimento da Ação Civil Pública e da Legitim idade “ad causam” do Ministério Público: Freqüentemente, quando proposta pelo Ministério Público uma ação civil pública, ante a falta de argumentos para enfrentar a questão de direito material suscitada, argüi-se a preliminar de ilegitimidade ativa ad causam como forma de tentar obstar a pretensão trazida à apreciação do Poder Judiciário. Trata-se, contudo, de alegações aventureiras, que não encontram qualquer respaldo na legislação constitucional ou infraconstitucional, muito menos na doutrina ou na jurisprudência pátrias. Promover a ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos é atribuição constitucionalmente conferida ao Ministério Público:

Art. 129. São funções institucionais do

Ministério Público:

(...)

III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.

A Lei n. 7.347/85 também prevê a legitimidade do Ministério Público para o ajuizamento da ação civil pública:

Art. 1º. Regem-se pelas disposições desta

lei, sem prejuízo da ação popular, as ações

de responsabilidade por danos morais e

patrimoniais causados:

(...)

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IV - a qualquer outro interesse difuso ou

coletivo.

Art. 5º. A ação principal e a cautelar poderão ser propostas pelo Ministério Público .

De igual forma, a Lei nº 8.625/93 (LOMP), que dispõe sobre as normas gerais para a organização da instituição nos Estados, prevê:

Art. 25. Além das funções previstas nas

Constituição Federal e Estadual, na Lei

Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda,

ao Ministério Público:

(...)

IV - promover o inquérito civil e a ação civil

pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação

dos danos causados ao meio ambiente,

consumidor, aos bens e direitos de valor

artístico, histórico, turístico e paisagístico, e

a outros interesses difusos coletivos e

individuais indisponíveis e homogêneos;

b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem.

Com relação à específica tutela ao patrimônio público, a Lei nº 8.429/92 tratou de disciplinar a ação civil pública destinada ao ressarcimento dos danos ocasionados por atos de

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improbidade administrativa, incumbindo ao Ministério Público a propositura de tal medida:

Art. 17. A ação principal, que terá o rito ordinário, será proposta pelo Ministério Público ou pela pessoa jurídica interessada, dentro de trinta dias da efetivação da medida cautelar.

Sobre a atuação do Ministério Público na proteção ao patrimônio público, leciona Hugo Nigro Mazzili:

(...) a ‘mens legis’ consiste em conferir iniciativa ao Ministério Público, seja para acionar, seja para intervir na defesa do patrimônio público, sempre que alguma razão especial exista para tanto, como quando o Estado não toma a iniciativa de responsabilizar o administrador anterior ou em exercício por danos por estes causados ao patrimônio público, ou quando contrato da Administração que esta insiste em preservar, ainda que em grave detrimento público primário. Como se vê, portanto, a defesa do patrimônio público, não cabe só ao cidadão, pelo sistema de ação popular como também é afeta ao Ministério Público (art. 129, III da CF) e aos demais legitimados do art. 5º da LACP, que podem promover a defesa judicial de qualquer interesse coletivo ou difuso - não excluída naturalmente a defesa do patrimônio público. (in Defesa dos Direitos Difusos em Juízo, RT, p. 96).

Sobre a hipótese específica de propositura de ação civil pública com base na Lei nº 8.429/92, bastante claro o entendimento de Wolgran Junqueira Ferreira: compete ao Ministério Público ou à pessoa jurídica que sofreu o dano deco rrente do

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enriquecimento ilícito, propor a ação principal (in Enriquecimento Ilícito dos Servidores Públicos no Exercício da Função, Edipro, p. 215). No mesmo sentido é o entendimento dos Tribunais Pátrios, destacando-se as recentes decisões do TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ e do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

Ação Civil Pública. Proteção ao patrimônio

público e social. Legitimidade ativa ad

causam do Ministério Público. Inteligência

do art. 129, III da CF e 1º e 5º da lei nº

7.347/85. Recurso desprovido. A

Constituição Federal, no seu art. 129, III,

criou novos fatos jurídicos como suporte da

ação civil pública, fora daqueles

mencionados no art. 1º da Lei 7.347/85,

incluindo, entre eles, a proteção do

patrimônio público e social e entregou ao

Ministério Público, como sua função

institucional a legitimidade para a sua

promoção, sendo dispensável edição de

norma regulamentadora, pois a CF, no art.

129, III limitou-se a criar novos casos de

incidência para a ação civil pública,

devendo, por isso, de aplicar, na sua

tramitação, as normas da lei. (TJPR, Ac.

11043, Ag. 44145200, 4a Câmara Cível).

(...) O campo de atuação do Ministério Público foi ampliado pela Constituição de 1988, cabendo ao Parquet a promoção do inquérito civil e da ação civil pública para a proteção do patrimônio público e social, do

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meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos, sem a limitação imposta pelo art. 1º da lei nº 7.347/85. (STJ, REsp nº 31.547-9/SP, 6a Turma, Rel. Min. Ademar Maciel - DJU 04.12.95, p. 42148).

Diante de todos esses dispositivos legais, orientações doutrinárias e decisões jurisprudenciais, constata-se que o Ministério Público tem legitimidade ativa ad causam para a propositura da presente ação civil pública. III. Do cometimento de atos de improbidade administ rativa por parte dos requeridos

O primeiro requerido Otélio Renato Baroni, na qualidade de Procurador Geral do Município de Quatro Barras, e o segundo requerido, Roberto Adamoski, na qualidade de Prefeito do Município de Quatro Barras, tinham a obrigação de zelar pelo bom desempenho da administração pública e, principalmente pela legalidade dos atos administrativos praticados. Mas, no lugar de cuidar do patrimônio público, eles preferiram descumprir a lei, simulando um pagamento, com o objetivo de se apropriar de recursos públicos.

Os princípios jurídicos contidos no corpo do art. 37 da CF são fundamentais (Rechtsgundätze) e inderrogáveis, projetando-se sobre todo o ordenamento jurídico administrativo, com a imediata vinculação dos entes de direito público. Vinculada que está a Administração deverá pautar seus atos em conformidade com os princípios consagrados na Constituição, sob pena de tornarem-se inválidos1.

1 La Constitución, por una parte, configura y ordena los poderes del Estado por ella construidos, por otra, establec e los límites del ejercicio del poder y el ámbito de libertades y derecho fundamentales, así como los objetivos positivos y l as prestaciones que el poder debe cumplir en beneficio de la comuni dad.” ((Eduardo Garcia de Enterria, La Constitucion como Norma y El Tribunal Constitucional, Civitas, Madrid, 1971, p. 49).

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Os princípios gerais de uma ciência, na visão de Norberto Bobbio2, nada mais são que “normas fundamentais ou generalíssimas do sistema, as normas mais graves”.

Sugerindo os princípios com a expressão

“mandado de otimização”, Robert Alexy3 escreveu: “Os princípios são normas que ordenam que

algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. Portanto, os princípios são mandados de otimização, que estão caracterizados pelo fato de que podem ser cumpridos em diferente grau em que a medida devida de seu cumprimento não só depende das possibilidades reais, mas também das jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras opostos.”

Também merece destaque, as colocações de

Bidart Campos4, que ao se referir à hermenêutica constitucional, pontificou que “si hay princípios generales del dereceho constitucional (y no sólo la integración) deve girar en torno de ellos, em cuanto gozan de la supremacia de la constitución a la que pertencem.”

Para Marcello Ciotola5, “os princípios são

definidos como verdades de alicerce ou de garantia de certeza a um conjunto de Juízos, ordenados em um sistema de conceitos relativos a dada porção da realidade. Entendidos como verdades fundantes de um sistema de conhecimento, os princípios, tendo por base sua generalidade ou abrangência, se dividem em onivalentes, plurivalentes e onivalentes.”

Como alicerce do conhecimento, os princípios

não podem ser dissociados do contexto geral, cabendo, nesse particular, registrar as colocações feitas por Miguel Reale6:

“Um edifício tem sempre suas vigas mestras,

suas colunas primeiras, que são o ponto de referencia e, ao mesmo tempo, elementos que dão unidade ao todo. Uma ciência é como um grande edifício que possui também colunas mestras. A tais elementos

2 Norberto Bobbio, Teoria do Ordenamento Jurídico, 6 ª ed., UNB, 1995, p. 256. 3 Robert Alexy, Sistema Jurídico, Princípios Jurídic os y Razón Práctica, Doxa: Universidad de Alicante, nº 5 4 German Bidart Campos, La Interpretacion y el Contr ol Constitucionales en la Jurisdiccion Constitucional, Ediar, Buenos Aires, 1988, p. 234. 5 Marcelo Ciolla, “Princípios Gerais de Direito e Pr incípios Constitucionais” in Os Princípios da Constituição d e 1988, Coordenado por Manoel Messias Peixinho, Ed. Lumen J uris, p. 29. 6 Miguel Reale, Filosofia do Direito, 16ª ed., Sarai va, 1994, p. 61.

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básicos, que servem de apoio lógico ao edifício científico, é que chamamos de princípios, havendo entre eles diferenças de destinação e de índices, na estrutura geral do conhecimento humano.”

Tanto os princípios como as regras de uma

Constituição se transformam em normas, porque determinam para toda a sociedade o que deve ser seguido e cultuado7.

In casu, os princípios contidos no caput do art.

37 da CF são expressos e determinados, fazendo nascer para a Administração Pública a obrigatoriedade de segui-los, sob pena de cometimento de ato ilegal, divorciado do que vem estatuído na Constituição.

Os princípios “sub oculis”, como conceituado

por José dos Santos Carvalho Filho8, são “diretrizes fundamentais da Administração, de modo que só poderá considerar válida a conduta administrativa se estiver compatível com eles.”

No campo do Direito Administrativo, onde

sempre se questiona a validade de atos baixados pelo Poder Público, o assunto em comento toma maior relevo, pois é mais do que sabido que se o foco do poder não for controlado ele vira uma tirania, onde a vontade pessoal do agente retira o vulto da legalidade.

Não existe ciência sem princípios, sendo certo

que no campo público elas foram exteriorizadas expressamente para não dar margem a divagações ou especulações, devendo o intérprete ser vigoroso em seu juízo de valor, com o objetivo de manter letra viva do que foi imposto pelo legislador constituinte. Do contrário os princípios cairiam no vazio.

A partir da Constituição de 1988, houve uma

inovação em matéria de Administração Pública, que foi a consagração dos princípios e preceitos básicos referentes à gestão da coisa pública9

7 “tanto las reglas como los principios son normas p orque ambos dicen lo que debe ser. Ambos puedem ser formulados con la ajuda de las expresiones deónticas básicas del mandato, la p ermisión y la probición. Los principios, a igual que las regkas, son razones para juicios concretos de deber ser, aun cuando sea n razones de un tipo muy diferente. La distinción entre reglas y pr incipios es pues una distinción entre dos tipos de normas.” (Ro bert Alexy, Teoria de os Derechos Fundamentales, Centro de Estu dios Constitucionales, Madrid, 1993, p. 83. 8 José dos Santos Carvalho Filho, Manual de Direito Administrativo, 8ª ed., Ed. Lumen Juris, p. 12. 9 Alexandre de Moraes, Direito Constitucional Admini strativo, Atlas, 2002, p. 19.

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devendo o Administrador pautar seus atos sintonizados com os princípios expressos no caput do art. 37, dentre outros.

Esses preceitos básicos foram

constitucionalizados para não dar margem a fortuitas dúvidas. Funcionam, assim, os princípios, como normas

fundamentais para a boa gestão da coisa pública, sendo certo, que constitui ato de improbidade administrativa quem violar, por ação ou omissão, os respectivos princípios, consoante lição do art. 11, da Lei nº. 8.429/9210.

A Constituição Federal impõe aos administradores públicos o respeito aos princípios que devem nortear a administração pública: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (artigo 37). O legislador ordinário seguiu o mesmo caminho, ao estabelecer no artigo 4º da Lei nº 8.429/92, que os agentes públicos são obrigados a velar pela estrita observância destes princípios.

Destarte, todo administrador público tem, necessariamente, que ter sua conduta pautada pelo respeito a estes princípios, deles não podendo se desviar, sob pena de anulação do ato praticado e de punição pela prática de improbidade administrativa, conforme previsto no artigo 11, da Lei nº 8.429/92, que estabelece:

"Seção III Dos atos de improbidade administrativa que

atentam contra princípios da administração pública

Art. 11. Constitui ato de improbidade

administrativa que atenta contra qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, e notadamente:

10 “Art. 11 - Constitui ato de improbidade administra tiva que atenta contra os princípios da administração públic a qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imp arcialidade, legalidade e lealdade às instiuições...”

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I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência; II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício; III - revelar fato ou circunstância de que tem ciência em razão das atribuições e que deva permanecer em segredo; IV - negar publicidade aos atos oficiais; V - frustrar a licitude de concurso público; VI - deixar de prestar contas quando esteja obrigado a fazê-lo; VII - revelar ou permitir que chegue ao conhecimento de terceiro, antes da respectiva divulgação oficial, teor de medida política ou econômica capaz de afetar o preço de mercadoria, bem ou serviço (destacamos).

Ora, se houve o desvio de dinheiro público, o qual deveria ter sido depositado em juízo, nos autos nº 467/2007, de Ação de Desapropriação, e foi depositado na conta corrente do primeiro requerido, após falsificação da assinatura do expropriado Roberto Bori, houve ilegalidade e, portanto, ofensa/atentado contra o princípio e o dever de legalidade, pois, como diz o saudoso HELY LOPES MEIRELLES:

"A legalidade, como princípio de administração

(CF, art. 37, caput), significa que o administrador público está, em toda sua atividade funcional, sujeito aos mandamentos da lei e às exigências do bem-comum, e deles não se pode afastar ou desviar, sob pena de praticar ato inválido e expor-se à responsabilidade disciplinar, civil e criminal, conforme o caso.

A eficácia de toda atividade administrativa está

condicionada ao atendimento da lei.

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Na Administração Pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é perimido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’." 11

O princípio da legalidade é um dos princípios

elementares da administração pública, de tal sorte que é em função deste que se rompe a tradição absolutista de poder por um modelo de Estado de Direito. Assim, a Administração, que se sujeitava a um poder de império, passa a estar adstrita aos ditames da lei. Para ODETE MEDAUAR, “o princípio da legalidade expressa a conotação administrativa do Estado de Direito. Na sua concepção originária vincula-se à separação de poderes e a todo o conjunto de idéias que historicamente significaram oposição às práticas do período absolutista”.12.

O primeiro momento de submissão da

Administração à lei foi no sentido de se dar garantias à liberdade dos indivíduos, de tal forma que o poder da autoridade deveria estar limitado pela norma, evitando assim o abuso ou o desvio de poder sobre o particular, com o intuito de subjugá-lo. Com o tempo se verificou que é irrealizável a total submissão da Administração à lei, ou seja, no seu aspecto formal, visto não ser possível estabelecer todos os critérios, condições e forma de aplicação do ato administrativo. Neste sentido, expressa MEDAUAR que “muitas vezes o vínculo de legalidade significa só atribuição de competência; como atribuição de poder, sem indicar o modo de exercício e as finalidades a realizar, a lei deixa de nortear a Administração, não a vincula a orientação alguma, abrindo caminho ao arbítrio e tornando impossível o exercício de controles por falta de parâmetros de avaliação”.13.

A vinculação da Administração à lei não é tão-

somente em relação ao seu aspecto formal ou tópico de um determinado caso concreto, mas refere-se a aplicação de todo o ordenamento jurídico, prioritariamente o que tange ao direito público e aos seus princípios. A legalidade enquanto princípio está inserido neste contexto de tal sorte que “a compreensão do princípio deve abranger não somente lei formal, mas

11 - In Direito Administrativo Brasileiro, 20ª edição, Malheiros Editores, São Paulo, 1995, págs. 82/83. 12 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evoluç ão, p. 141. 13 MEDAUAR, ob. cit., p. 142.

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também os preceitos decorrentes de um Estado Democrático de Direito, que é o modo de ser do Estado brasileiro, conforme prevê o art. 1º da Constituição; e ainda, deve incluir os demais fundamentos e princípios de base constitucional”.14.

É sabido, também, por todos que militam na

área do Direito Público, que os atos administrativos gozam de presunção de validade, mas, tal presunção é relativa, pois sendo notória a invalidade do ato da Administração Pública, não há que de se ponderar sobre a subsistência daquela presunção. Segundo a Doutora Carmen Lúcia Antunes Rocha, seria desarrazoado, estéril e até mesmo danoso ao interesse público, ultrapassar as fronteiras do entendimento e da lógica para, por amor à forma, permitir-se a produção de efeitos a um ato sabidamente, porque manifestamente, nulo. Como presumir válido ato da Administração Pública que atente, acintosamente, contra direitos fundamentais dos indivíduos? Como se assegurar a eficácia de um ato cuja matéria, ou cuja forma, se desvie do parâmetro constitucional expresso? A presunção de validade jurídica de um ato da Administração Pública não retira do cidadão inteligência para exercer a sua capacidade crítica e o seu direito de acionar e questionar o Estado pela sua prática, impedindo-se que efeitos sociais dela venham a resultar15.

Como já dissemos, os requeridos Otélio Renato

Baroni e Roberto Adamoski, no exercício dos cargos de Procurador Geral do Município e de Prefeito, respectivamente, não respeitaram a Constituição e as Leis, pois administraram um ente público (Prefeitura Municipal de Quatro Barras) como se fosse privado. Portanto, Excelência, se houve ofensa/atentado ao princípio e ao dever de legalidade, fica caracterizada a prática de ato de improbidade administrativa que atentam contra os princípios da Administração Pública, previsto no artigo 11, da Lei nº 8.429/92. Além de ofensa ao princípio e dever da legalidade, por óbvio também houve atentado contra o princípio da moralidade e o dever de honestidade.

14 MEDAUAR, Odete, ob. cit., p. 147. 15 Rocha, Carmem Lúcia Antunes, Princípios Constituci onais da Administração Pública, Ed. Del Rey, Belo Horizonto, 1994, págs. 124/125.

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Sobre o princípio da moralidade administrativa, também destaca DIOGENES GASPARINI:

"Para Hely Lopes Meirelles, apoiado em Manoel de Oliveira Franco Sobrinho, a moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito de bom administrador. Este é aquele que, usando de sua competência, determina-se não só pelos preceitos legais vigentes, mas também pela moral comum, propugnando pelo que for melhor e mais útil para o interesse público. A importância desse princípio já foi ressaltada pelo Tribunal de Justiça de São Paulo (RDA, 89:134), ao afirmar que a moralidade administrativa e o interesse coletivo integram a legalidade do ato administrativo."16

Na concepção kantiana que prevalecia a um século, a Moral e o Direito eram campos estanques e distantes, que não se encontravam, nem se compraziam.

Entretanto, sempre se revelou que o Direito tem

um fundamento ético, que se comunica com o embasamento e fins da Moral17.

A moral firma-se no elemento interno, volitivo,

no qual se faz enfática a necessidade da pesquisa de intenção do autor do ato, enquanto o Direito afirma-se, em regra, no elemento externo, regulável e sancionável exterior e institucionalmente.

Num como noutro caso, o que se impõe é a

conduta justa, reta, que o homem deve assumir em sua vivência com os outros.

A amoralidade é inadequada ao indivíduo, pois

faz de sua vida, dos meios e dos fins que nela se adotam e de que se vale 16 - In Direito Administrativo, 3ª edição, Editora Saraiva, São Paulo, 1993, pág. 07. 17 Rao, Vicente, O Direito e a Vida dos Direitos, 197 6, v.1, pág. 40.

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a pessoa, na grande aventura humana na experiência da libertação, a desconstrução de sua liberdade responsável. O destrutivismo quase sempre não é mais que a ausência de limites morais e jurídicos de um comportamento que deveria se voltar para a própria construção do ser humano18.

A moralidade administrativa não é uma questão

que começa e termina na qualidade dos homens, mas na qualidade dos sistemas jurídico, político e administrativo vigentes em determinada sociedade estatal.

A imoralidade administrativa é vício de razão e

de paixão. A administração pública traz o indicativo do Poder em sua organização e desempenho, pelo que o motivo e o resultado do comportamento imoral são encontrados fora e não dentro do ser humano.

O art. 37, da Constituição Federal de 1988

estabelece, expressamente, como princípio da Administração Pública, a moralidade. Os requeridos também não respeitaram o princípio da moralidade, já que simularam um pagamento para apropriação de dinheiro público, o qual após a divulgação dos fatos foi devolvido pelo requerido Otélio Renato Baroni. Não é moral, nem honesto, apropriar-se de dinheiro público para fins pessoais. Tal atitude caracteriza ato de improbidade administrativa, descrito no artigo 11 da Lei nº 8.429/92. Além do caput, a conduta dos requeridos, consistente no fato de se apropriar de dinheiro público, também violou o inciso I, do artigo 11 da Lei nº 8.429/92, que reza:

I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto na regra de competência;"

18 Rocha, Cármen Lúcia Antunes, Princípios Constituci onais da Administração Pública, 1994, E. Del Rey, Belo Horiz onte, págs. 178/179.

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Que os requeridos Otélio Renato Baroni e Roberto Adamoski praticaram ato visando fim proibido em lei é fato incontroverso, pois já discorremos bastante sobre o assunto, uma vez que eles não tinham autorização para dispor da quantia de R$ 56.000,00 (cinquenta e seis mil reais) em benefício próprio, já que o administrador público só pode fazer aquilo que está previsto em lei. Portanto, está evidente a desrespeito, por parte dos requeridos, ao princípio da legalidade. Assim, é fora de qualquer dúvida que os requeridos praticaram ato de improbidade, que atenta contra os princípios da Administração Pública. Destarte, não resta outra alternativa ao Poder Judiciário senão a aplicação das penas previs tas no artigo 12, III, da Lei nº 8.429/92. Esta punição é absolutamente necessária, principalmente em um momento que se busca o resgate da seriedade no trato da coisa pública, que se busca a probidade administrativa. Detectado o ato de improbidade o MINISTÉRIO PÚBLICO cumpriu com o seu dever de defensor da ordem jurídica, do patrimônio público, da moralidade administrativa e interesses difusos da população (como são o patrimônio público e a moralidade e honestidade na administração pública), trazendo estes fatos à apreciação da Justiça. Resta, agora, ao Poder Judiciário, em quem confiamos, dar sua resposta, mostrar que a impunida de não é a regra e que os detentores do poder também são punidos qua ndo praticam atos de improbidade. O país aguarda um novo tempo, onde impere, verdadeiramente, o Estado de Direito, a Lei, a moralidade e a honestidade na administração pública. A punição dos responsáveis por atos de improbidade além da própria punição (justa e merecida) também encarna o exemplo, para que futuros administradores não incidam nos mesmos erros.

Além de atentar contra os princípios que regem

a administração pública, os requeridos, também cometeram outros atos

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que também podem ser considerados como de improbidade administrativa, como abaixo veremos.

O requerido Roberto Adamoski, ao assinar a

ordem de pagamento nº 442/2008, bem como o cheque nº 850001, no valor de R$ 56.000,00 (cinquenta e seis mil reais), deixou de observar o contido no inc. XI, do art. 10, da Lei nº 8429/92, pois autorizou a liberação verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes, pois como se tratava de uma desapropriação por utilidade pública, a qual é regulada pelo Decreto Lei nº 3.365/41, o valor deveria ter sido depositado junto ao Banco do Brasil em nome do favorecido, conforme disposição do art. 33, §1º (“Art. 33. O depósito do preço fixado por sentença, à disposição do juiz da causa, é considerado pagamento prévio da indenização. § 1º. O depósito far-se-á no Banco do Brasil ou, onde este não tiver agência, em estabelecimento bancário acreditado, a critério do juiz”).

Logo, não existe previsão para que o

pagamento da indenização prévia seja feita diretamente ao expropriado, ainda mais na forma de cheque nominal a ele.

Não bastasse tal dispositivo legal, vemos

ainda, que de acordo com o art. 34, do mesmo diploma legal, o levantamento do valor referente a indenização prévia só pode ser feito após a comprovação da propriedade e da quitação das dívidas fiscais do imóvel (“Art. 34. O levantamento do preço será deferido mediante prova de propriedade, de quitação de dívidas fiscais que recaiam sobre o bem expropriado, e publicação de editais, com o prazo de dez dias, para conhecimento de terceiros. Parágrafo único. Se o juiz verificar que há dúvida fundada sobre o domínio, o preço ficará em depósito, ressalvado aos interessados a ação própria para disputá-lo”).

Portanto, o requerido Roberto Adamoski, na

qualidade de Prefeito, jamais poderia ter autorizado o pagamento da forma que autorizou.

Infere-se da Lei de Improbidade Administrativa precitada:

Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbarateamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no artigo 1º desta Lei, e notadamente:

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... XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular; ...

A tipificação das condutas praticadas pelo

requerido Roberto Adamoski com um ato de improbidade descrito nos arts. 10 e 11, ressume pela inequívoca vontade livre e consciente de autorizar o pagamento de uma indenização prévia em dissonância com os dispositivos reguladores da matéria, violando os deveres de honestidade, legalidade e lealdade às instituições.

Em relação ao requerido Otélio Renato

Baroni, verificamos que ele, além de infringir as disposições do art. 11, inc.I, da Lei nº 8.429/92, também infringiu o disposto no art. 9º, inc. XI, do mesmo diploma legal, já que ele incorporou ao seu patrimônio dinheiro público que era destinado a pagar desapropriação por utilidade pública.

Art. 9º. Constitui ato de improbidade administrativa importando enriquecimento ilícito auferir qualquer tipo de vantagem patrimonial indevida em razão do exercício de cargo, mandato, função, emprego ou atividade nas entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei, e notadamente: ... XI - incorporar, por qualquer forma, ao seu patrimônio bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no artigo 1º desta Lei.

As condutas que configuram improbidade

administrativa não ficam isentas de pena diante da esfera jurídica vigente, vez que o artigo 12, da Lei em comento, assegura que:

Art. 12. Independentemente das sanções penais, civis e administrativas, previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações : I - na hipótese do artigo 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando

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houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos, pagamento de multa civil de até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos; II - na hipótese do artigo 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos, pagamento de multa civil de até 2 (duas) vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos; III - na hipótese do artigo 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos .

Como se vê, o direito não se mantém inerte

frente às condutas que violem os princípios da Administração Pública e que, por conseguinte, configuram improbidade administrativa.

O Superior Tribunal de Justiça assim decidiu, in verbis:

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ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL – RECURSO ESPECIAL – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – LESÃO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS – AUSÊNCIA DE DANO AO ERÁRIO – 1. A lesão a princípios administrativos contida no art. 11 da Lei nº 8.429/92 não exige dolo ou culpa na conduta do agente, nem prova da lesão ao erário público. Basta a simples ilicitude ou imoralidade administrativa para restar configurado o ato de improbidade . Caso reste demonstrada a lesão, e somente neste caso, o inciso III, do art. 12 da Lei nº. 8.429/92 autoriza seja o agente público condenado a ressarcir o erário. 2. Se não houver lesão, ou se esta não restar demonstrada, o agente poderá ser condenado às demais sanções previstas no dispositivo como a perda da função pública, a suspensão dos direitos políticos, a impossibilidade de contratar com a administração pública por determinado período de tempo, dentre outras (...). 19

No mesmo sentido, decidem os

Tribunais de Justiças:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – LESÃO A PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS – DANO AO ERÁRIO – PROVA – Constitui ato de improbidade administrativa frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente, bem como atentar contra os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade às instituições, cuja lesão prescinde de dolo ou culpa na conduta do agente ou da prova do dano ao erário público. 20

Extrai-se ainda da sábia jurisprudência do

STJ:

19 STJ – RESP 200400295585 – (650674) – MG – 2ª T. – Rel. Min. Castro Meira – DJU 01.08.2006 – p. 404. 20 TJRO – AC 100.001.1999.013227-8 – 1ª C.Esp. – Rel. Juiz Glodner Luiz Pauletto – J. 28.06.2006.

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"ADMINISTRATIVO - AÇÃO CIVIL PÚBLICA - ATO DE IMPROBIDADE - LICITAÇÃO - IRREGULARIDADE - CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO SEM OBSERVÂNCIA DAS NORMAS ADMINISTRATIVAS PERTINENTES - LEI N. 8.429/92 - IMPOSIÇÃO DE PENA 1. Para a configuração do ato de improbidade não se exige que tenha havido dano ou prejuízo material, restando alcançados os danos imateriais. (...) Configuração objetiva do ato de improbidade, independentemente de dolo ou culpa . 4. Correta a imputação da pena de perda de direitos políticos, a teor do art. 12, III da Lei n. 8.429/92. 5. Recursos especiais improvidos". 21

Impossível negar, frente a todos os fatos

comprovados, que os requeridos ao autorizarem o pagamento de uma desapropriação em desconformidade com a lei e ao depositarem o valor da mesma, na conta pessoal do Procurador Geral do Município, cometeram atos improbidade administrativa.

Como há indícios da ocorrência de crime,

aliado ao fato de que o requerido Otélio Renato Baroni atualmente ocupa o cargo de Prefeito no município de Jaguariaíva, entendemos salutar a remessa de cópia dos autos ao Procurador Geral de Justiça, para apreciação, visto que o mencionado requerido goza de Foro Privilegiado.

IV. Dos pedidos: Isto posto, requer-se: a) a citação dos requeridos, através de oficial de justiça, para querendo, contestarem a presente ação, dentro do prazo legal, sob pena de revelia. b) a notificação do Município de Quatro Barras, a fim de que, nos termos do art. 17, § 3º, da Lei 8.429/92, na condição de pessoa jurídica interessada, integre a lide como litisconsorte, suprindo

21 REsp. 287728/SP, Min. Eliana Calmon, DJ de 29.11.04

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eventuais omissões e falhas contidas na inicial, bem como para que apresente as provas de que disponha; c) a condenação do requerido Otélio Renato Baroni nas penas previstas no art. 12, incs. I (na hipótese do artigo 9º, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, ressarcimento integral do dano, quando houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 8 (oito) a 10 (dez) anos, pagamento de multa civil de até 3 (três) vezes o valor do acréscimo patrimonial e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 10 (dez) anos) e III (na hipótese do artigo 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos), da Lei nº 8.429/92; d) a condenação do requerido Roberto Adamoski nas penas previstas no art. 12, incs. II (na hipótese do artigo 10, ressarcimento integral do dano, perda dos bens ou valores acrescidos ilicitamente ao patrimônio, se concorrer esta circunstância, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 5 (cinco) a 8 (oito) anos, pagamento de multa civil de até 2 (duas) vezes o valor do dano e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 5 (cinco) anos) e III (na hipótese do artigo 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos de 3 (três) a 5 (cinco) anos, pagamento de multa civil de até 100 (cem) vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 3 (três) anos), da Lei nº 8.429/92.

e) sejam extraídas cópias da petição inicial e de todos os documentos que a acompanham, remetendo-as à Procuradoria-

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Geral de Justiça, para análise da questão criminal, já que o requerido Otélio Renato Baroni é, atualmente, prefeito de Jaguariaíva - PR., e goza de Foro Privilegiado. e) a produção de todo tipo de prova em direito admitida, dentre elas o depoimento pessoal dos requeridos, e testemunhal. V. Valor da causa: Atribui-se a presente causa o valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais).

Campina Grande do Sul, 23 de junho de 2010 (4ª feira).

OCTACILIO SACERDOTE FILHO Promotor de Justiça