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DIREITO ADMINISTRATIVO

CURSO SEMESTRAL

FUNDAMENTAL 2010

Professores: Frederico Telho e Sandro de Abreu.

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AXIOMA JURÍDICO Direito Administrativo

Profs. Frederico Telho/ Sandro de Abreu 1

PONTO 1

DIREITO ADMINISTRATIVO

Este capítulo foi originalmente elaborado pelo Prof. Frederico Telho. As atualizações seguintes foram realizadas pelos Profs. Frederico Telho e Sandro de Abreu.

1. BREVE INTRODUÇÃO 1.1. Evolução Histórica (Origem) do Direito Administrativo

Muito embora a doutrina majoritária reconheça o surgimento do

Direito Administrativo a partir do nascimento do Estado de Direito (período pós-revoluções burguesas), há quem constate a existência de normas administrativas ainda na Idade Média, mesmo que ainda não integrassem um ramo próprio e ainda se enquadrassem no direito civil.

Com o fim da Idade Média, no período das monarquias absolutistas, as normas administrativas pouco evoluíram, já que os monarcas eram autoridades soberanas (representantes dos homens e de Deus) e, por isso, não se submetiam ao império das leis. Nesse período, inclusive, vigorou a Teoria da Irresponsabilidade do Estado, baseada nos postulados de que the king can do no wrong e le roi ne peut mal faire.

Até então, o absolutismo reinante e o enfeixamento de todos os poderes governamentais nas mãos do soberano não permitiam o desenvolvimento de quaisquer teorias que visassem reconhecer direitos aos súditos. Vivia-se o domínio da vontade onipotente do monarca, cristalizada na máxima romana quod principi placuit legis habet vigorem e, subseqüentemente, na expressão egocentrista de Luiz XIV, para quem L’État c’est moi.

É induvidoso, portanto, que o impulso decisivo para a formação do Direito Administrativo foi dado pela Teoria da Separação dos Poderes, desenvolvida por Montesquieu (L’Esprit des Lois, 1748) e acolhida universalmente por todos os países constituídos como Estado de Direito.

Na França, após a Revolução (1789), foram tripartidas as funções do Estado em: executiva, legislativa e judicial. Nesse contexto, verificou-se a especialização das atividades do governo e a independência dos órgãos incumbidos de realizá-las. Surgiu, portanto, a necessidade de julgamento dos atos da administração, o que, inicialmente, ficou a cargo do Parlamento, mas, posteriormente, foi reconhecida a conveniência de se desligar as atribuições políticas (do Parlamento) das judiciais.

Ainda, em um estágio mais avançado, foram criados, a par dos

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tribunais judiciais, os tribunais administrativos. Surgiu, assim, a jurisdição administrativa (ou justiça administrativa) e, como corolário lógico, foi-se estruturando um conjunto de normas autônomas de Direito, que especificamente regulavam a Administração Pública e suas relações, inclusive com terceiros (administrados, particulares e/ou cidadãos).

É preciso notar, entretanto, que o Direito Administrativo não se desenvolveu da mesma forma em todos os países. O contexto sóciopolítico-administrativo de cada Estado impôs, caso a caso, uma evolução peculiar. “A disciplina experimentou maior avanço nos Estados mais atuantes, aqueles que não se limitavam simplesmente à manutenção da ordem pública, desenvolvendo suas atividades nos mais diversos setores, como saúde, educação, cultura e previdência social e, até mesmo, atuando no domínio econômico. Desta maneira, é imperioso distinguir o direito administrativo aplicado no chamado Estado de Polícia, do Estado do Bem-estar e do Estado Providência, vez que cada um destes apresenta níveis diversos de interferência estatal nas relações com seus cidadãos.” (Romeu Felipe Bacellar Filho). 1.2. O Direito Administrativo no Brasil

O Direito Administrativo no Brasil não se atrasou, cronologicamente, em relação às demais nações. Em 1851, foi criada essa cadeira (Dec. 608, de 16.8.1851) nos cursos jurídicos existentes e, já em 1857, era editada a primeira obra sistematizada sobre o tema (Elementos de Direito Administrativo Brasileiro, de Vicente Pereira do Rego, que, à época, era professor da Academia de Direito do Recife na América Latina1).

Durante o Império, sucederam àquela obra os seguintes livros: (a) Veiga Cabral, Direito Administrativo Brasileiro, Rio, 1859; (b) Visconde do Uruguai, Ensaio sobre o Direito Administrativo Brasileiro, 2 vols., Rio, 1862; (c) A. J. Ribas, Direito Administrativo Brasileiro, Rio, 1866; (d) Rúbio de Oliveira, Epítome do Direito Administrativo Pátrio, São Paulo, 1884.

Com a República, os estudos sistematizados de Direito Administrativo continuaram a evoluir, já, agora, sob a influência do Direito Público Norte-Americano, que, inclusive, inspirou o modelo de federação adotado no Brasil.

De lá para cá, inúmeras obras foram editadas, o que indica que a curva da evolução histórica do Direito Administrativo no Brasil foi extremamente profícua e se apresenta promissora. São contínuos e substanciosos os estudos sobre o tema, o que confirma a previsão de Goodnow, para quem “os grandes problemas de Direito Público Moderno são de caráter quase exclusivamente administrativo”.

1 TÁCITO, Caio. O primeiro livro sobre Direito Administrativo na América Latina. RDA 27/428.

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2. CRITÉRIOS PARA DEFINIÇÃO (FORMAÇÃO) DO CONCEITO DO DIREITO ADMINISTRATIVO Dentre os diversos critérios utilizados na definição do Direito Administrativo, chamamos a atenção para os seguintes: a) CRITÉRIO (OU ESCOLA) POSITIVISTA, LEGALISTA, EXEGÉTICA, EMPÍRICA, CAÓTICA OU FRANCESA: o Direito Administrativo é simplesmente o estudo das normas que regem a Administração Pública. CRÍTICA: o Direito não se esgota pelo estudo das “leis”; b) CRITÉRIO (OU ESCOLA) DO PODER EXECUTIVO (pensamento de autores italianos, como Raggi, Posada de Herrera e Ranelleti): o Direito Administrativo é o estudo dos atos do Poder Executivo. CRÍTICA: existem atos administrativos que provêm dos Poderes Legislativo e Judiciário; c) CRITÉRIO TELEOLÓGICO (pensamento do italiano Vittorio Emanuelle Orlando): o Direito Administrativo seria um sistema harmônico de normas e princípios jurídicos que regulam a atividade do Estado, no intuito de viabilizar o alcance dos seus fins. No Brasil, este critério é defendido por Oswaldo Aranha Bandeira de Mello, para quem o Direito Administrativo é “o ordenamento jurídico da atividade do Estado-poder, enquanto tal, ou de quem faça as suas vezes, de criação de utilidade pública, de maneira direta e imediata”. CRÍTICA: outras disciplinas de direito público também seriam abrangidas por este critério; d) CRITÉRIO NEGATIVO OU RESIDUAL (adotado por Tito Prates da Fonseca): o conceito do Direito Administrativo é subsidiário, ou seja, é o estudo de todas as atividades estatais, salvo aquelas que envolvam o direito privado (patrimonial), a atividade legislativa e a atividade jurisdicional; e) CRITÉRIO DA DISTINÇÃO ENTRE ATIVIDADE JURÍDICA E SOCIAL DO ESTADO: distingue a atividade jurídica não contenciosa exercida pelo Estado e a atividade social por ele exercida supletivamente. Mário Masagão e José Cretella Júnior adotam este critério e, por isso, conceituam o Direito Administrativo, em sentido objetivo, como o conjunto de princípios que regulam a atividade jurídica não contenciosa do Estado e, em sentido subjetivo, como aquele que regula a constituição dos seus órgãos e respectivos meios de ação;

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f) CRITÉRIO DAS RELAÇÕES JURÍDICAS (defendido pelo francês Laferrière): o Direito Administrativo é o estudo das relações travadas entre a Administração e os administrados (cidadãos e/ou particulares). CRÍTICA: em outras disciplinas também há relações entre Administração e administrados, como no Direito Tributário; g) CRITÉRIO DA HIERARQUIA (criado por René Foignet): o Direito Administrativo é o estudo da atuação dos órgãos inferiores do Estado, enquanto o Direito Constitucional estuda a atuação dos órgãos superiores. CRÍTICA: tanto o Direito Administrativo quanto o Constitucional estudam o Estado, independentemente da hierarquia de seus órgãos. O diferencial reside, respectivamente, no fato de que aquele cuida da dinâmica do Estado (o seu aparelhamento) e este se dedica a sua estrutura; h) CRITÉRIO (OU ESCOLA) DO SERVIÇO PÚBLICO: o Direito Administrativo é o estudo das atividades estatais (disciplina, organização e regência) da prestação de serviços públicos. CRÍTICA: limita, injustificadamente, o objeto de estudo do Direito Administrativo; i) CRITÉRIO PERSONATIVO: o Direito Administrativo é o estudo das pessoas jurídicas públicas (ou de direito público). CRÍTICA: incorre no equívoco da generalidade. As empresas públicas e as sociedades de economia mista têm personalidade jurídica de direito privado e são também estudadas pelo Direito Administrativo; j) CRITÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: vários autores adotam este critério, inclusive Hely Lopes Meirelles. Segundo este critério, leva-se em consideração, na conceituação do Direito Administrativo, a Administração Pública no seu sentido objetivo, subjetivo e formal;

OBSERVAÇÃO: O professor Toshio Mukai apresenta as seguintes divisões doutrinárias acerca dos conceitos de Direito Administrativo: a) corrente dualista: o Direito Administrativo seria aplicado a uma parte restrita da atuação estatal, sendo a outra remanescente regida pelo direito privado; b) corrente intermediária: todo o direito aplicável à Administração deve ser denominado de Direito Administrativo, sendo ele de natureza pública ou privada; c) corrente unitária: existe um só direito aplicável à Administração, o Direito Administrativo. Rejeita-se a idéia de aplicação do direito privado às atividades do Estado. Toshio Mukai adota esta última corrente (unitária) e afirma que “o Estado poderá realizar muitas atividades similares à dos particulares, [...] mas

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jamais poderá identificar sua vontade ou processo aos de um sujeito privado e menos ainda atuar com fins privados”. 3. CONCEITO E CONTEÚDO DO DIREITO ADMINISTRATIVO 3.1. Conceito

O conceito e o conteúdo do Direito Administrativo variam conforme o critério teórico adotado pelo doutrinador/intérprete (conferir item “2”, acima).

O Direito Administrativo brasileiro, em síntese, pode ser entendido como o conjunto de normas, especialmente princípios jurídicos, que regem a atividade administrativa, as entidades e órgãos da Administração Pública, bem como os agentes públicos, tudo com a finalidade cogente de satisfação das necessidades coletivas (interesse público).

Apóia-se, portanto, no modelo denominado “europeu-continental”, originário do direito francês e adotado pela Itália, Espanha, Portugal, dentre outros países europeus. É também chamado de “direito administrativo descritivo”, que se opõe ao modelo “anglo-americano” (ou anglo-saxão), porque tem por objeto a descrição e delimitação dos órgãos e serviços públicos, sendo derrogatório do direito privado (o modelo inglês, por seu turno, se fundamenta na atuação administrativa, sem derrogação do direito privado, integrando a própria Ciência da Administração).

3.2. Conteúdo (ou Objeto)

Ao Direito Administrativo compete o estudo da atividade ou função

administrativa exercida direta ou indiretamente, sua estrutura, seus bens, seu pessoal e sua finalidade. O seu estudo recai sobre os atos/contratos administrativos editados pelo Poder Executivo, bem como pelos Poderes Legislativo e Judiciário.

A despeito da enorme controvérsia na doutrina, pode-se afirmar que, por função administrativa, entende-se o dever do Estado de atender o interesse público, com a satisfação do comando decorrente dos atos normativos. O cumprimento do dever legal, como se verá, poderá decorrer da função exercida por pessoa jurídica de direito público ou mesmo de direito privado (no caso da atividade descentralizada). O que não se discute, no caso, é a absoluta submissão da Administração Pública à lei (em sentido amplo), que sempre lhe impõe a conduta esperada. Ante tal submissão, os poderes instrumentais da Administração Pública hão de ser entendidos como deveres (daí a idéia de poder-dever ou dever-poder).

O estudo da Administração Pública, em face do conceito proposto, é,

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substancialmente, o objeto (conteúdo) do Direito Administrativo. 4. NATUREZA JURÍDICA DO DIREITO ADMINISTRATIVO

O Direito Administrativo integra o ramo do direito público, pois em suas relações há sempre a presença, seja direta ou indireta, do Estado, que exerce suas atividades sob um regime de prerrogativas e sujeições, observados os limites impostos pelo manto protetor dos direitos fundamentais.

As normas de Direito Administrativo são, portanto, predominantemente, de Direito Público (incidem, também, mesmo que em menor proporção, normas de Direito Privado nas relações regidas pelo Direito Administrativo). 5. RELAÇÕES DO DIREITO ADMINISTRATIVO COM OUTROS RAMOS JURÍDICOS (A INTERDISCIPLINARIDADE)

O estudo do Direito não mais comporta a análise isolada e estanque

de um ramo jurídico. Na verdade, o Direito é um só. As relações jurídicas é que podem ter naturezas diferentes. Assim, mesmo que de forma sucinta, é cabível indicar alguns pontos comuns em que o Direito Administrativo se tangencia com outras disciplinas jurídicas.

No entanto, antes de se adentrar no exame da interdisciplinaridade, vale a pena relembrar um assunto sempre comentado. Trata-se da antiga e dicotômica classificação romana, que admitia bipartir o Direito em dois grandes (e intocáveis) ramos jurídicos: (a) o Direito Público; e (b) o Direito Privado.

Esta classificação, atualmente, encontra-se superada, tal como registram praticamente todos os estudiosos do assunto. É quase pacífico o raciocínio de que todo ramo jurídico contém, de algum modo, normas de ambos os campos (ou seja, normas de Direito Público e de Direito Privado). Nenhuma disciplina, portanto, se afigura inflexível quanto à natureza das normas que a integram. Se tal fundamento é verdadeiro, não menos o é o fundamento de que, em cada ramo do Direito, predominam as normas de Direito Público ou de Direito Privado, umas sobre as outras. O que não se admite é a idéia de que, em determinado ramo jurídico, as normas sejam exclusivamente de Direito Público ou de Direito Privado, sem qualquer interligação entre elas.

Assim, pode-se afirmar, com certeza, que o Direito Administrativo se insere no ramo do Direito Público, tal como ocorre com o Direito Constitucional, o Direito Penal, o Direito Processual, o Direito Eleitoral, entre outros (isso não quer dizer, repita-se, que não haja normas de Direito Privado incidentes nas relações regidas pelo Direito Administrativo – a dicotomia absoluta não mais se sustenta).

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De outro turno, no campo do Direito Privado, ficam, em última instância, o Direito Civil e o Direito Comercial (ou Empresarial). Mais uma vez, nesse particular, vale anotar que há normas tipicamente de Direito Público incidentes nas relações regidas pelo Direito Civil e Comercial.

Agora, fechando esse grande parêntese e retornando-se a interdisciplinaridade, pode-se afirmar que a relação de maior intimidade do Direito Administrativo é com o Direito Constitucional. E não poderia ser de outra maneira. É o Direito Constitucional que alinha as bases e os parâmetros do Direito Administrativo que, na verdade, revela-se como o lado dinâmico daquele. Na Constituição da República estão esculpidos os princípios da Administração Pública (art. 37), a matriz das normas sobre servidores públicos (arts. 39/41), além das competências atribuídas ao Poder Executivo (arts. 84/85). São mencionados, ainda, na Lei Maior, os institutos da desapropriação (arts. 5º, XXIV; 182, § 4º, III; 184 e 243), das concessões e permissões de serviços públicos (art. 175), dos contratos administrativos e licitações (arts. 37, XXI e 22, XXVII), da responsabilidade extracontratual do Estado (art. 37, § 6º), entre outros.

O Direito Administrativo ainda se toca no Direito Processual, especialmente pela circunstância de que, em ambos os ramos, a figura do “processo” aparece. Apesar das peculiaridades no tratamento do assunto em um e noutro ramo do Direito (princípios próprios, procedimentos diferenciados, etc.), é certo que existem inevitáveis pontos de ligação entre as figuras do processo (ou procedimento) administrativo e do processo judicial. Apenas como exemplo, vale lembrar que o direito ao contraditório, à ampla defesa e à duração razoável do processo incide tanto em uma como noutra categoria (art. 5º, LV e LXXVIII da CF). Ainda, especificamente quanto ao processo administrativo de natureza disciplinar, são aplicáveis alguns postulados e normas do processo penal. Já no que diz respeito ao processo civil, é importante lembrar que, em suas normas, existem previsões de prerrogativas processuais aplicáveis à Administração Pública, quando em juízo (arts 188 e 475 do CPC).

A relação com o Direito Penal se consuma por meio de vários elos de ligação. Um deles é a previsão, no Código Penal, dos crimes contra a Administração Pública (arts. 312/326) e a definição dos sujeitos passivos desses delitos (art. 327, caput e § 1º). A interseção se dá, também, no caso das normas penais em branco, aquelas cujo conteúdo pode se completar pelas normas de Direito Administrativo.

Ainda, com relação ao Direito Tributário, há matérias conexas e relacionadas. Uma delas é a que outorga ao Poder Público o exercício do Poder de Polícia, atividade tipicamente administrativa, que é remunerada por taxas (arts. 145, II da CF; e arts. 77/78 do CTN). De outro ângulo, tem-se que as normas de arrecadação tributária se inserem dentro do contexto do Direito Administrativo.

O Direito do Trabalho é outra disciplina que apresenta alguns pontos de contato com o Direito Administrativo. É inegável que as normas

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que regulam a função fiscalizadora das relações de trabalho estão integradas no Direito Administrativo. Ainda, é de se reconhecer que ao Estado-Administração é permitido o recrutamento de servidores pelo regime trabalhista, aplicando-se, preponderantemente, a essa relação jurídica as normas da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT (com a EC 19/98, houve a queda do regime jurídico único dos servidores públicos).

Há, também, relações entre o Direito Administrativo e o Direito Civil e Comercial (ou Empresarial). Diga-se, aliás, que são intensas essas relações. A guisa de exemplo, vale anotar que a teoria civilista dos atos e negócios jurídicos e a teoria geral dos contratos se aplicam supletivamente aos atos e contratos administrativos (vide, por exemplo, o art. 54 da Lei nº 8.666/93). Em outra vertente, pode-se destacar que é lícito ao Estado criar empresas públicas e sociedades de economia mista para a exploração de atividade econômica (art. 173, § 1º da CF), cujos atos constitutivos serão regidos por normas de Direito Comercial.

Por derradeiro, é de se atentar para as relações que alguns novos ramos jurídicos mantêm com o Direito Administrativo. Como exemplo, cita-se o Direito Urbanístico, que, objetivando o estudo, a pesquisa e as ações de política urbana, contém normas tipicamente de Direito Administrativo. Poderia até mesmo dizer-se, sem receio de errar, que se trata de verdadeiro subsistema do Direito Administrativo (muito embora, para maioria da Doutrina, o Direito Urbanístico é ramo autônomo). O Estatuto da Cidade (Lei nº 10.257/2001) dispõe sobre vários instrumentos típicos do Direito Administrativo, como as licenças, as obrigações urbanísticas, o estudo prévio de impacto de vizinhança, a desapropriação, etc. 6. FONTES

Não há entendimento pacífico, na doutrina, quanto às fontes do Direito Administrativo. Basicamente, diz-se que a principal fonte é a lei, entendida como norma escrita superior em relação às demais fontes, de caráter impessoal, o que engloba todos os atos normativos, com abrangência ampla, desde as normas constitucionais até as instruções/circulares e demais atos decorrentes do poder normativo estatal.

Outras fontes, ao lado da lei, inspiram o Direito Administrativo, a saber: a jurisprudência, a doutrina, os princípios gerais do direito, o costume e a doutrina.

6.1. A Lei

É a regra escrita, geral, abstrata e impessoal, que tem por conteúdo

um direito objetivo, no seu sentido material, e, no sentido formal, é

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considerada como todo e qualquer ato/disposição emanado do Poder Legislativo.

De acordo com sua destinação, recebe o nome de lei constitucional, lei administrativa, lei civil, lei penal, lei processual, lei tributária, lei comercial, etc. O seu conteúdo é que lhe emprestará a natureza de norma de ordem pública ou de ordem privada (lex privata), o que não quer dizer que toda norma de ordem pública será de Direito Público. Tanto é assim que as normas aplicáveis ao casamento e sua dissolução, a despeito de tangenciarem o Direito Civil (ramo do Direito Privado), possuem o conteúdo de normas de ordem pública.

A lei, como norma jurídica, deve ser entendida, em seu sentido material, como todo ato normativo imposto coativamente pelo Estado aos particulares, com a finalidade de regular as relações entre eles e, ainda, entre os próprios cidadãos/administrados.

A lei, em acepção ampla, é fonte primária do Direito Administrativo e, assim, abrange todos os atos normativos resultantes do poder legiferante e do poder normativo estatal: lei constitucional (superior a todas); lei complementar; lei ordinária; lei delegada; medida provisória; decreto legislativo; resolução do Senado; decreto de execução; decreto autônomo; decreto autorizado/delegado; instrução ministerial; regulamento; regimento; circular; portaria; ordem de serviço, etc..

6.2. A Jurisprudência

A jurisprudência é formada pelas decisões reiteradas sobre um

mesmo assunto, em um mesmo sentido. As decisões isoladas dos tribunais são computadas como simples precedentes e não se equivalem à amplitude conceitual da jurisprudência.

Para alguns doutrinadores, a jurisprudência não é fonte do Direito, mas mero indicativo de valor moral. Todavia, parece-nos acertado indicá-la como fonte, posto que é marcante sua influência no delineamento de diversos institutos (especialmente de Direito Administrativo), tais como a responsabilidade civil do Estado, a intervenção do Estado na propriedade privada, os casos de apuração de ilícitos funcionais e, ainda, a dosimetria da sanção disciplinar.

Atualmente, ante o advento da súmula vinculante (EC 45), a jurisprudência ganhou ainda mais contorno e força como fonte do Direito e, por assim ser, fonte do próprio Direito Administrativo.

Todavia, cumpre ressaltar que, a despeito do que estabelece o artigo 103-A da CF/88 (após a EC nº 45/2004)2 e o artigo 28 da Lei nº 2 Art. 103-A da CF/88: “O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.”

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9.868/993, não vige no nosso ordenamento jurídico o princípio norte-americano do stare decises, segundo o qual a decisão de um órgão jurisdicional (não necessariamente da Suprema Corte) vincula as instâncias inferiores, para os casos idênticos. 6.3. Os Princípios Gerais do Direito

Os princípios gerais do direito são os postulados que dirigem toda a

legislação e, por isso, apresentam-se como fonte do Direito Administrativo. Os princípios aplicáveis à Administração Pública, estejam previstos expressa ou implicitamente na Constituição, bem como aqueles que estejam estabelecidos em outros atos normativos, têm a natureza de princípios gerais do direito e são de observância obrigatória.

6.4. O Costume

Sempre que há deficiência legislativa no disciplinamento da

Administração Pública objetiva (lacuna), é possível utilizar-se do costume como fonte do Direito Administrativo. Nesse sentido, a praxe burocrática serviria como parâmetro informativo ao Direito Administrativo, desde que não se mostre contrária à lei e à moral. Vale lembrar, ainda, por oportuno, que o costume exige a prática reiterada, uniforme, contínua e de acordo com a moralidade administrativa, para que, então, seja ele considerado fonte do Direito Administrativo.

Hodiernamente, sua presença é objeto de muitos questionamentos, tendo em vista a evolução normativa experimentada com (e após) a Constituição da República de 1988. 6.5. A Doutrina

Segundo o magistério de Hely Lopes Meirelles, “a doutrina é elemento construtivo da Ciência Jurídica”, com reflexo direto na elaboração das leis, nas decisões proferidas pelo Poder Judiciário, na solução de conflitos e no âmbito da própria Administração Pública. É o que se costuma chamar de opinio iures doctorum, em alusão à percepção que se tem dos diversos ramos do saber jurídico, por parte dos estudiosos do direito.

3 Art. 28, parágrafo único da Lei nº 9868/99: “A declaração de constitucionalidade ou de inconstitucionalidade, inclusive a interpretação conforme a Constituição e a declaração parcial de inconstitucionalidade sem redução de texto, têm eficácia contra todos e efeito vinculante em relação aos órgãos do Poder Judiciário e à Administração Pública federal, estadual e municipal.” Lembre-se que o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do parágrafo único do artigo 28 da Lei 9868/99, por ocasião do julgamento da RCL nº 1880/SP (Informativo nº 289).

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7. CODIFICAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO O Direito Administrativo não é um direito codificado, como é o Direito Civil, Penal, Processual, etc.. Na verdade, há uma infinidade de leis esparsas que definem, hoje, seus contornos dogmáticos, tais como a Lei de Licitações e Contratos Administrativos, Lei de Processo Administrativo, Estatutos de Servidores, etc. (isso, sem se falar, nas inúmeras normas administrativas sediadas, originariamente, na Constituição Federal). Atualmente, há quem defenda a não codificação do Direito Administrativo, como há os que defendem a sua codificação parcial e outros que defendem a codificação total. Um exemplo de codificação do Direito Administrativo é encontrado no Código Administrativo de Portugal. 8. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO ADMINISTRATIVO

Para a adequada interpretação do Direito Administrativo não se pode olvidar de seu aspecto constitucional. As decisões em matéria administrativa devem passar pelo filtro constitucional, por meio do processo denominado de filtragem constitucional. Com isso, impõe-se o respeito às regras e princípios, tanto expressos quanto implícitos, previstos na Constituição da República.

De outro turno, como decorrência do regime jurídico-administrativo, o intérprete, ao lidar com o Direito Administrativo, deverá ainda se atentar para quatros fatores: a) a desigualdade jurídica entre o administrador e o cidadão: a administração goza de privilégios (ou prerrogativas) decorrentes do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado, o que gera relações preponderantemente verticais; b) a indisponibilidade do interesse público; c) a discricionariedade; d) a presunção de legitimidade dos atos da Administração Pública (art. 19, II da CF/88); OBSERVAÇÃO: a analogia é admitida no Direito Administrativo (o encaixe de situações semelhantes). Já a interpretação extensiva não é admitida, uma vez que envolve a criação de norma administrativa nova. 9. SISTEMA ADMINISTRATIVO OU SISTEMA DE CONTROLE JURISDICIONAL DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Por sistema administrativo (ou sistema de controle jurisdicional da Administração Pública, como se diz modernamente), entende-se o regime adotado pelo Estado para a correção (verificação/controle) dos atos/contratos administrativos supostamente ilegais/ilegítimos praticados pelo Poder Público, por quaisquer de seus “departamentos” de governo.

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Vigem, presentemente, dois sistemas bem diferençados: (a) o sistema do contencioso administrativo ou de jurisdição administrativa, jurisdição dupla ou dúplice, também chamado de sistema francês; (b) e o sistema judiciário ou de jurisdição única ou comum, conhecido também por sistema inglês.

Não se admite a existência do chamado sistema misto. Esta nomenclatura, muito além de imprópria, não serve para definir um sistema administrativo em si (autônomo). Na verdade, como bem pondera Miguel de Seabra Fagundes, hoje em dia, “nenhum país aplica um sistema de controle puro, seja através do Poder Judiciário, seja através de tribunais administrativos”4. O que caracteriza o sistema administrativo é a predominância da jurisdição comum ou da jurisdição especial, e não a exclusividade de uma ou de outra. Na prática, como visto, todos os sistemas seriam mistos, o que desnatura esta equivocada classificação. 9.1. Sistema do Contencioso Administrativo (ou Sistema Francês)

O sistema do contencioso administrativo foi originariamente adotado na França, de onde se propagou para outras nações. É resultante da acirrada luta que se travou entre a Monarquia e o Parlamento, que então exerciam funções jurisdicionais, e os Intendentes, que representavam as administrações locais.

A Revolução (1789), imbuída de liberalismo e ciosa da independência dos Poderes, pregada por Montesquieu, encontrou ambiente propício para separar a “Justiça Comum” da “Justiça da Administração”. Com isso, atendeu-se não apenas ao desejo de seus doutrinadores, mas também aos anseios do povo, já descrente da ingerência judiciária nos negócios do Estado. Separaram-se os Poderes. E, ao extremar os rigores dessa separação, a Lei 16, de 24.08.1790, dispôs: “As funções judiciárias são distintas e permanecerão separadas das funções administrativas. Não poderão os juízes, sob pena de prevaricação, perturbar, de qualquer maneira, as atividades dos corpos administrativos”.

A Constituição de 3.8.1791 consignou: “Os tribunais não podem invadir as funções administrativas ou mandar citar, para perante eles comparecerem, os administradores, por atos funcionais”.

Firmou-se, assim, na França, o sistema do administrador-juiz, vedando-se à Justiça Comum conhecer de atos da Administração, os quais se sujeitam unicamente à jurisdição especial do contencioso administrativo, que gravita em torno da autoridade suprema do Conselho de Estado, pedra fundamental do sistema francês. Essa orientação, aliás,

4 FAGUNDES, Miguel de Seabra. O Controle dos Atos Administrativos pelo Poder Judiciário, 1957, p. 133, nota 1.

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foi conservada na reforma administrativa de 1953 e, mais tarde, mantida pela vigente Constituição francesa de 4.10.58.

No sistema francês, todos os tribunais administrativos sujeitam-se, direta ou indiretamente, ao controle do Conselho de Estado, que funciona como juízo de apelação (juge d´appel), como juízo de cassação (juge de cassation) e, excepcionalmente, como juízo originário e único de determinados litígios administrativos (juge de premier et dernier ressorte), uam vez que dispõe de plena jurisdição em matéria administrativa.

“Como no passado – explica Vedel, em face da reforma administrativa de 1953 -, o Conselho de Estado é, conforme o caso, juízo de primeira e última instâncias, corte de apelação ou corte de cassação. A esses títulos ele conhece ou pode conhecer de todo litígio administrativo”.5

Na organização atual do contencioso administrativo francês, o Conselho de Estado, no ápice da pirâmide da jurisdição especial, revê o mérito das decisões, como corte de apelação dos Tribunais Administrativos (denominação atual dos antigos Conselhos de Prefeitura) e dos Conselhos do Contencioso Administrativo das Colônias. E, ainda, como instância de cassação, o Conselho de Estado controla a legalidade das decisões do Tribunal de Contas, do Conselho Superior da Educação Nacional e da Corte de Disciplina Orçamentária (Lei de 25/09/48).

Embora caiba à jurisdição administrativa o julgamento do contencioso administrativo (“ensemble de litiges que peut faire naitre l´activité de l´Administration”), certas demandas de interesse da Administração ficam sujeitas à Justiça Comum, desde que se enquadrem numa destas quatro ordens: (a) litígios decorrentes de atividades públicas com caráter privado; (b) litígios que envolvam questões de estado e capacidade das pessoas; (c) litígios de repressão penal; (d) litígios que se refiram à propriedade privada.

Como a delimitação da competência das “duas Justiças” está a cargo da jurisprudência, são freqüentes os conflitos de jurisdição, os quais são solucionados pelo Tribunal de Conflitos, integrado por dois ministros de Estado (Garde des Sceaux e Ministre de la Justice), por três conselheiros do Conselho de Estado e por três membros da Corte de Cassação.

As atribuições do Conselho de Estado são, portanto, de ordem administrativa e contenciosa. O governo dele se serve na expedição de avisos e no pronunciamento sobre matéria de sua competência consultiva, além de que atua como órgão jurisdicional nos litígios em que é interessada a Administração ou seus agentes.

A composição e funcionamento do Conselho de Estado são complexos, bastando recordar que, atualmente, é integrado por cerca de

5 BONNARD, Roger. Le Contróle Jurisdictionnel de l´Administration, 1934, p. 152.

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duzentos membros, recrutados entre funcionários de carreira (indicados pela Escola Nacional de Administração), auditores, juristas e conselheiros. Suas atividades se distribuem entre duas seções (a administrativa e a contenciosa), subdividindo-se esta última (a contenciosa) em nove subseções.

A jurisdição deste órgão supremo da Administração francesa é manifestada por meio de um desses quatro recursos: (a) contencioso de plena jurisdição (ou contencioso de mérito ou, ainda, contencioso de indenização), pelo qual o litigante pleiteia o restabelecimento de seus direitos feridos pela Administração; (b) contencioso de anulação, pelo qual se pleiteia a invalidação de atos administrativos ilegais, que são aqueles contrários à lei e/ou à moral ou, ainda, desviados de seus fins (détournement de pouvoir), que, por isso, é também chamado de recurso por excesso de poder (recours d´excés de pouvoir); (c) contencioso de interpretação, pelo qual se pleiteia a declaração do sentido do ato e de seus efeitos em relação ao litigante; (d) contencioso de repressão, pelo qual se obtém a condenação do infrator à pena administrativa prevista em lei, como nos casos de infração de trânsito ou de atentado ao domínio público.

O sistema do contencioso administrativo francês, como se vê, é complicado na sua organização e atuação. Por isso mesmo, ele recebe adaptações e simplificações nos diversos países que o adotam, tais como a Suíça, a Finlândia, a Grécia, a Turquia, a lugoslávia, a Polônia e a antiga Tcheco-Eslováquia, embora sempre guarde, em linhas gerais, a estrutura francesa.

Não abonamos a excelência desse regime. Entre outros inconvenientes sobressai o do estabelecimento de dois critérios de Justiça: um, a jurisdição administrativa; o outro, a jurisdição comum. Além disso, como bem observa Ranelletti, o Estado moderno, por ser Estado de Direito, deve reconhecer e garantir ao indivíduo e à Administração, por via da mesma Justiça, os seus direitos fundamentais, sem privilégios de uma jurisdição especial constituída por funcionários da própria Administração e sem as garantias de independência que se reconhecem necessárias à magistratura.

Na França, o contencioso administrativo se explica pela instituição tradicional do Conselho de Estado, que integra o regime daquele país como uma peculiaridade indissociável de sua organização constitucional, mas não nos parece que, em outras nações, esse sistema possa apresentar vantagens sobre o sistema judiciário (ou de jurisdição única). 9.2. Sistema Judiciário (ou Sistema de Jurisdição Única/Sistema Inglês)

O sistema judiciário (ou sistema de jurisdição única/sistema inglês ou, ainda, modernamente denominado de sistema de controle judicial) é

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aquele em que todos os litígios – de natureza administrativa ou de interesses exclusivamente privados – são resolvidos judicialmente pela Justiça Comum, ou seja, pelos juízes e tribunais do Poder Judiciário. Tal sistema é originário da Inglaterra, de onde se transplantou para os Estados Unidos da América do Norte, Bélgica, Romênia, México, Brasil, entre outros países.

A evolução desse sistema está intimamente relacionada com as conquistas do povo contra os privilégios e desmandos da Corte inglesa.

Primitivamente, o poder de administrar (no qual se inseria o poder de legislar), bem como o poder de julgar concentravam-se na Coroa. Com o tempo, o poder de legislar (Parlamento) foi diferenciado do poder de administrar (Rei), muito embora ainda permanecesse com a Coroa o poder de julgar. O Rei, portanto, era o único destinatário de todos os recursos dos súditos que, inseguros, como se direitos não possuíssem, viam na figura do monarca a personificação da injustiça. O povo era dependente da graça real na apreciação de suas reclamações e, apenas depois de muitas reivindicações populares, foi criado o chamado Tribunal do Rei (King Bench). Esse órgão, por delegação da Coroa, passou a decidir as reclamações contra os funcionários do Reino.

Tal sistema, porém, ainda era insatisfatório, uma vez que os julgadores dependiam do Rei, que podia afastá-los do cargo ou, ainda, ditar-lhes ou reformar-lhes as decisões (dependia-se, ainda, da chancela real nos julgamentos).

Algum tempo depois, o Tribunal do Rei passou a emitir, em nome próprio, ordens aos funcionários contra quem os recursos eram apresentados, além de expedir mandados de interdição que coibiam atos ilegais e/ou arbitrários. Tornaram-se usuais, portanto, o writ of certiorari, para remediar os casos de incompetência e ilegalidades graves; o writ of injunction, remédio preventivo destinado a impedir que a Administração modificasse determinada situação; o writ of mandamus, destinado a suspender certos procedimentos administrativos arbitrários; sem se falar no writ of habeas corpus, já considerado garantia individual desde a Magna Carta (1215).

Do Tribunal do Rei, que só conhecia e decidia matéria de direito, passou-se para a Câmara Estrela (Star Chamber), com competência em matéria de direito e de fato, além de jurisdição superior sobre a Justiça de Paz dos Condados.

Todavia, ainda restava a última etapa da independência da Justiça Inglesa. Em 1701, por meio do Act of Seulement, os juízes foram desligados do Poder Real, além de que se tornaram estáveis em seus cargos, com competência para julgar questões comuns e administrativas. Era, portanto, a instituição do Poder Judicial, independente do Poder Legislativo (Parlamento) e do Poder Administrativo (Rei), com jurisdição única e plena para conhecer e julgar todos os atos e procedimentos da Administração, bem como para solucionar os eventuais problemas

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decorrentes do direito privado. O sistema de jurisdição única trasladou-se para as colônias norte-

americanas e nelas se arraigou tão profundamente que, proclamada a Independência (1775) e fundada a Federação (1787), tornou-se cânone constitucional (Constituição dos EUA, art. III seção 2ª).

Pode-se afirmar, sem risco de erro, que a Federação Norte-Americana é a que conserva, na sua maior pureza, o sistema de jurisdição única (ou do judicial control), que se afirma no rule of law, ou seja, na supremacia da lei.

Ao definir esse regime, Dicey informa que ele se resume na submissão de todos à jurisdição ordinária, cujo campo de ação coincide com o da legislação, sendo co-extensivo e equivalente ao poder de legislar. Nem por isso, porém, os Estados Unidos deixaram de criar tribunais administrativos (como são exemplos a Court of Claims, Court of Custom Appeals, Court of Record e Comissões de Controle Administrativo de certos serviços ou atividades públicas de interesse público), com funções regulamentadoras e decisórias (Interstate Commerce Commission, Federal Trade Commission, Tariff Commission, Public Service Commission, etc.). Essas comissões e tribunais, porém, não proferem decisões definitivas e conclusivas para a Justiça Comum, cabendo ao Poder Judiciário torná-las efetivas (enforced), quando resistidas, além de poder rever a matéria de fato e de direito já apreciada administrativamente.

A prática administrativa norte-americana levou a doutrina a afirmar, com inteiro acerto, que a existência desse duplo freio (do processo judicial e das Comissões/Tribunais Administrativos) visa a enfrentar e neutralizar os abusos do poder burocrático ou, pelo menos, reduzir o procedimento da Administração à condição de simples inquérito preliminar.

Não existe, pois, no sistema anglo-saxônico, que é o da jurisdição única (da Justiça Comum), o contencioso administrativo do regime francês. Toda controvérsia, litígio ou questão entre particular e a Administração (ou entre seus agentes e a própria Administração) resolve-se perante o Poder Judiciário, que é o único competente para proferir decisões com autoridade final e conclusiva (o chamado final enforcing, o que equivale à coisa julgada judicial).

9.3. O Sistema Administrativo adotado no Brasil

No Brasil-Império, houve uma tentativa, por meio do artigo 142 da Constituição de 1824, de criação do contencioso administrativo. Diz-se tentativa, pois a justiça administrativa não era independente. Suas decisões poderiam ser revistas pela administração ativa, ou seja, pelo Imperador.

Em seguida, com a instauração da primeira República (1891), o Brasil adotou o sistema da jurisdição única, ou seja, o sistema do controle

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administrativo pela Justiça Comum. Por isso mesmo, Ruy Barbosa, em interpretação autêntica de nossa primeira Constituição Republicana, afirmou, peremptoriamente, que "ante os arts. 59 e 60 da nova Carta Política, é impossível achar-se acomodação no Direito brasileiro para o contencioso administrativo”.

As Constituições posteriores (1934, 1937, 1946 e 1967/1969) afastaram a idéia da jurisdição administrativa coexistente com a justiça ordinária (comum). Trilhava-se uma tendência já manifestada pelos mais avançados estadistas do Império, que se insurgiam contra aquele incipiente contencioso administrativo da época. Vale lembrar, porém, que a Emenda Constitucional n. 7/77 estabeleceu a possibilidade de criação de dois contenciosos administrativos (arts. 11 e 203), que não chegaram a ser instalados e que, agora, com a Constituição de 1988, ficaram definitivamente afastados.

A orientação brasileira foi haurida no Direito Público Norte-Americano, que nos forneceu o modelo para a nossa primeira Constituição Republicana, pautada no rule of law e no judicial control. Essa filiação histórica é de suma importância para se compreender o Direito Público brasileiro, especialmente o Direito Administrativo, e não se invocar, inadequadamente, princípios do sistema francês como informadores de nosso regime político-administrativo e de nossa organização judiciária. Nesta seara, especificamente, mantivemo-nos vinculados ao sistema anglo-saxônico.

O sistema da jurisdição única, adotado pelo Brasil, já foi definido no tópico precedente, porém, convém repetir. É o sistema da separação de funções entre o Poder Executivo e o Poder Judiciário, vale dizer, separação de funções entre o administrador e o juiz. Com essa idéia, torna-se inconciliável o contencioso administrativo, já que todos os interesses (de particulares ou do próprio Poder Público) sujeitam-se a uma única e mesma jurisdição conclusiva: a jurisdição do Poder Judiciário.

No entanto, é preciso dizer que não se nega à Administração o direito de decidir. Absolutamente não. O que se lhe nega é a possibilidade de exercer funções materialmente judiciais (ou judiciais por natureza) e de emprestar às suas decisões força e definição próprias dos julgamentos judiciários (res judicata).

Entre nós, como nos Estados Unidos da América do Norte, vicejam órgãos e comissões com “jurisdição administrativa” (parajudiciais), mas suas decisões não têm caráter conclusivo para o Poder Judiciário e, por isso, sempre estão sujeitas à revisão judicial (conferir, abaixo, a observação anotada).

Para a correção judicial dos atos/contratos administrativos ou para remover a resistência dos particulares às atividades públicas, a Administração e os administrados dispõem dos mesmos meios processuais admitidos pelo Direito Comum e, se necessário, recorrerão ao mesmo Poder Judiciário, uno e único, que decide os litígios de Direito

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Público e de Direito Privado (art. 5, XXXV da CF). Esse é o sentido da jurisdição única adotada no Brasil. OBSERVAÇÃO: Prevalece, no nosso ordenamento jurídico, o sistema de jurisdição única. Entretanto, considerando que o ordenamento jurídico-administrativo brasileiro convive com órgãos administrativos que possuem competência para julgar matérias específicas, torna-se relevante as seguintes observações inerentes à polêmica figura da “jurisdição não-judicial” em comparação com a “jurisdição judicial”. Segundo Humberto Theodoro Jr., jurisdição “é o poder que toca ao Estado, entre as suas atividades soberanas, de formular e fazer atuar praticamente a regra jurídica concreta que, por força do direito vigente, disciplina determinada situação jurídica”. Em outras palavras, é o poder-dever do Estado de dizer o direito aplicável ao caso concreto. Considerando que a tônica do “processo” é a solução de uma controvérsia (lide), o que presume a aplicação concreta da norma legal (direito), diante de um caso específico, resta a dúvida quanto à possibilidade, ou não, de que a Administração (concebida, aqui, sob o critério residual) exerça “jurisdição não-judicial”. Hely Lopes Meirelles foi categórico ao afirmar que existe jurisdição administrativa, já que se trata de um poder estatal, com manifestação tanto no Judiciário, como no Executivo e até mesmo no Legislativo.6 O professor José dos Santos Carvalho Filho, por sua vez, afirma que, “na via administrativa, as autoridades não desempenham função jurisdicional”. Nesse mesmo sentido, Marçal Justen Filho afirma que, “supor a existência de processo com cunho de jurisdicionalidade, fora do âmbito do Poder Judiciário, é contrário à Constituição”. Este último autor, no entanto, admite que o artigo 52, I e II, da CF/88, veicula uma exceção à proibição de que a jurisdição seja exercida fora do Poder Judiciário7. O problema, portanto, parece ser de ordem terminológica, notadamente quando se agrega, genericamente, ao termo “jurisdição”, o final enforcing power. Independentemente da posição que se queira adotar, um fator não pode ser desconsiderado: a prerrogativa de dizer o direito em caráter final e conclusivo (o final enforcing power) é inerente à jurisdição judicial, exercida pelo Poder Judiciário (art. 5º, XXV da CF/88).

6 “Afaste-se a errônea idéia de que decisão jurisdicional ou ato de jurisdição é privativo do Judiciário. Não é assim. Todos os órgãos e Poderes têm e exercem jurisdição nos limites de sua competência institucional, quando aplicam o Direito e decidem controvérsia sujeita à sua apreciação. Privativa do Judiciário é somente a decisão judicial, que faz coisa julgada em sentido formal e material, erga omnes. Mas a decisão judicial é espécie do gênero jurisdicional, que abrange toda decisão de controvérsia no âmbito judiciário ou administrativo.” (Hely Lopes Meirelles) 7 Esses dispositivos constitucionais tratam da competência privativa do Senado Federal para processar e julgar, nos crimes de responsabilidade, o Presidente e o Vice-Presidente da República, os Ministros de Estado, os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica (nos crimes de mesma natureza e conexos com os do Presidente e do Vice-Presidente da República), os Ministros do STF, os membros do Conselho Nacional de Justiça e do Conselho Nacional do Ministério Público, Advogado-Geral da União, bem como o Procurador-Geral da República.

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PONTO 2

REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO

Este capítulo foi originalmente elaborado pelos Profs. Frederico Telho e Leonardo Buissa Freitas. As atualizações seguintes foram realizadas pelos Profs. Ronie Crisóstomo França e Frederico Telho.

1. CONCEITO DE REGIME JURÍDICO-ADMINISTRATIVO

O regime jurídico-administrativo é o “conjunto harmônico de princípios e normas que regem os bens, os órgãos, os agentes e a atividade administrativa, a qual visa a realizar concreta, direta e imediatamente, os fins desejados pelo Estado” (Wander Garcia).

É, pois, o responsável por atribuir ao Direito Administrativo o contorno e a racionalidade que o caracteriza, proporcionando autonomia científica à referida disciplina. Possui importância nitidamente metodológica.

Celso Antônio Bandeira de Mello caracteriza o regime jurídico-administrativo por dois princípios basilares, dos quais se originam os demais. São eles: (a) a supremacia do interesse público sobre o privado; e (b) a indisponibilidade do interesse público.

Segundo o renomado doutrinador, o entrosamento (a conciliação) entre as prerrogativas da Administração Pública e os direitos dos particulares/cidadãos (“binômio prerrogativas e sujeições” – Maria Sylvia Zanella Di Pietro) se constrói pela noção de supremacia do interesse público sobre o privado e indisponibilidade do interesse público.

Verifica-se, ademais, a importância da noção de interesse público para o Direito Administrativo. Vale lembrar, porém, que, atualmente, há autores que criticam a doutrina de Celso Antônio e afirmam que o verdadeiro princípio-base do Direito Administrativo seria o próprio princípio do interesse público (ou o princípio da dignidade da pessoa humana). Esta corrente dissidente não vinga e se escora em vozes isoladas, como a dos Professores Carlos Ari Sundfeld, Marçal Justen Filho, Paulo Ricardo Schier, dentre outros poucos doutrinadores.

O interesse público, portanto, continua a ser a mola-mestra do Direito Administrativo, que, em sua concepção clássica, impõe a busca do bem comum, o atendimento dos interesses de uma determinada sociedade, levando-se em consideração os indivíduos que a formam e o primado dos direitos fundamentais. Essa é a obrigação (objetivo) do Estado.

A doutrina italiana (Renato Alessi) cunhou a segmentação entre interesse público primário e secundário, sendo o primeiro o verdadeiro interesse da coletividade (o bem comum) e o segundo, o interesse da própria Administração Pública, que, muitas vezes, não coincide com o

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interesse da sociedade. Assim, é notório que o dever do Estado sempre será realizar o interesse público primário e não o secundário.

O atendimento do interesse público pelo Estado nos traz a noção de função administrativa, ou seja, o Estado titulariza o poder outorgado pelo povo, o qual, no exercício da função administrativa, transforma-se no dever de atendimento do interesse público. Daí a designação poder-dever da Administração Pública.

De seu turno, Celso Antônio chega a inverter aquelas palavras, pois, para ele, o exercício da função administrativa denota a atividade de um dever, do qual decorre um poder limitado por aquele. Daí defender o multicitado doutrinador a existência de um dever-poder e não poder-dever (ou meramente poder).

Com essas breves considerações a respeito do regime jurídico-administrativo, cumpre-nos, agora, explicitar alguns dos demais princípios administrativos que informam esse sistema, sejam eles expressos ou implícitos. 2. PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS

Princípios administrativos são os postulados fundamentais que

inspiram todo o modo de agir da Administração Pública. Representam cânones pré-normativos, que norteiam a conduta do Estado quando no exercício de atividades administrativas. Cretella Junior bem observa que não se pode encontrar qualquer instituto do Direito Administrativo que não seja informado pelos respectivos princípios.

A doutrina moderna tem-se detido, para a obtenção do melhor processo de interpretação, no estudo da configuração das normas jurídicas. Segundo tal doutrina (destacam-se, nela, os ensinamentos de Robert Alexy e Ronald Dworkin), as normas jurídicas admitem classificação em duas categorias básicas: os princípios e as regras.

As regras são operadas de modo disjuntivo, vale dizer, o conflito entre elas é dirimido no plano da validade: aplicáveis ambas a uma mesma situação, uma delas apenas a regulará, atribuindo-se à outra o caráter de nulidade. Os princípios, ao revés, não se excluem do ordenamento jurídico na hipótese de conflito: dotados que são de determinado valor ou razão, o conflito entre eles admite a adoção do critério da ponderação de valores (ou ponderação de interesses), vale dizer, deverá o intérprete averiguar a qual deles, na hipótese sub examinen, será atribuído grau de preponderância. Não há, porém, nulificação do princípio postergado. Este, em outra hipótese e mediante nova ponderação de valores, poderá ser o preponderante, afastando-se o outro princípio em conflito.

Adotando-se essa nova análise, poderá ocorrer, também no Direito Administrativo, a colisão entre princípios, sobretudo os de índole constitucional, sendo necessário verificar, após o devido processo de

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ponderação de seus valores, qual o princípio preponderante, que será então aplicável à hipótese concreta.

Os autores não são unânimes quanto a tais princípios, muitos deles originários de enfoques peculiares da Administração Pública e, por isso, entendidos pelos estudiosos como de maior relevância.

A Constituição Federal enuncia alguns princípios básicos que regem a Administração, que serão considerados princípios expressos e, ainda, outros serão destacados, haja vista que são aceitos pelos publicistas (e são igualmente aplicáveis à Administração), que serão denominados de princípios reconhecidos.

2.1. Princípios Expressos

A Constituição vigente, ao contrário das anteriores, dedicou um

capítulo à Administração Pública (Capítulo VII do Título III) e, no seu artigo 37, deixou expressos os princípios a serem observados por todas as pessoas administrativas de qualquer dos entes federativos. Convencionamos denominá-los de princípios expressos, exatamente pela menção constitucional.

Esses princípios revelam diretrizes fundamentais da Administração, de modo que só se poderá considerar válida a conduta administrativa se ela guardar plena compatibilidade com os referidos princípios.

2.1.1. Princípio da Legalidade

O princípio da legalidade é, certamente, a diretriz básica da conduta

dos agentes da Administração. Por ele, entende-se que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Se não foi, diz-se que a atividade é ilícita.

Tal postulado, consagrado após séculos de evolução política, tem por origem mais próxima a criação do Estado de Direito, ou seja, o Estado que deve respeitar as suas próprias leis (art. 5º, II; e art. 37, ambos da CF).

O princípio "implica subordinação completa do administrador à lei. Todos os agentes públicos, desde o que lhe ocupe a cúspide até o mais modesto deles, devem ser instrumentos de fiel e dócil realização das finalidades normativas". Na clássica e feliz comparação de Hely Lopes Meirelles, “na administração pública não há liberdade nem vontade pessoal. Enquanto na administração particular é lícito fazer tudo que a lei não proíbe, na Administração Pública só é permitido fazer o que a lei autoriza. A lei para o particular significa ‘pode fazer assim’; para o administrador público significa ‘deve fazer assim’”.

É extremamente importante verificar qual o efeito que o princípio da legalidade revela aos direitos dos indivíduos. Na verdade, para a garantia de seus direitos, os indivíduos se escoram na própria existência do

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princípio da legalidade. Quer dizer, aos cidadãos é autorizada a verificação de lisura da conduta administrativa, ante o confronto do ato/contrato com a lei. Conclui-se, pois, inarredavelmente, que, havendo dissonância entre a conduta e a lei, deverá aquela ser corrigida para se eliminar a ilicitude.

Não custa lembrar, ainda, que, na teoria do Estado moderno, há duas funções estatais básicas: a de criar a lei (legislação) e a de executar a lei (administração e jurisdição). Esta última pressupõe o exercício da primeira, de modo que só se pode conceber a atividade administrativa diante dos parâmetros já instituídos pela atividade legiferante. Por isso, diz-se que administrar é função subjacente à de legislar. O princípio da legalidade denota exatamente essa relação: só é legítima a atividade do administrador público se estiver condizente com o disposto na lei.

Por derradeiro, é importante ressaltar que, em função do agigantamento das atividades estatais e da “criação” de uma sociedade complexa, além da falibilidade da lei em sentido estrito (que não mais supre todos os reclamos da sociedade), o princípio da legalidade passa a ter um sentido mais amplo, a abarcar não somente a lei em sentido estrito, mas também a todo o Direito, tendo como paradigma a própria Constituição.

O Administrador Público, portanto, deve obediência não somente à lei em sentido estrito, mas também aos princípios e valores albergados pelo sistema administrativo-constitucional. Do princípio da legalidade caminhamos para o princípio da legitimidade (Diogo de Figueiredo Moreira Neto), para o princípio da juridicidade (Eduardo Soto Kloss e Ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha), para o princípio da constitucionalidade (Juarez Freitas) ou para o princípio da supremacia constitucional.

De certa forma, pode-se dizer que essa nova visualização do princípio da legalidade foi sufragada pela Lei de Processo Administrativo (Lei 9.784/99), que, no parágrafo único de seu art. 2º, estatui, depois de arrolar os princípios aos quais deve a Administração Pública obediência, que, no processo administrativo, será observado o critério da atuação conforme a lei e o direito (inciso I).

2.1.2. Princípio da Impessoalidade ou Imparcialidade

A referência a este princípio no texto constitucional, no que toca ao

termo impessoalidade, constituiu uma surpresa para os estudiosos, que não o empregavam em seus trabalhos (Juarez Freitas informa, inclusive, que o constituinte de 1988 errou ao designar o princípio da imparcialidade de princípio da impessoalidade. A doutrina estrangeira consagra a designação princípio da imparcialidade e não impessoalidade).

Impessoal é "o que não pertence a uma pessoa em especial", ou seja, aquilo que não pode ser voltado especialmente a determinadas pessoas. O princípio da impessoalidade, portanto, previsto no caput do artigo 37 da CF/88, indica que a Administração Pública deve agir sem

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estabelecer privilégios, sem regalias, sem perseguições e em obediência ao dever de eqüidade.

O princípio, de certa forma, objetiva a igualdade de tratamento que a Administração deve dispensar aos administrados que estejam em idêntica situação jurídica (eqüidade). Neste ponto específico, o princípio da impessoalidade representa uma das facetas do princípio da isonomia.

Por outro lado, para que seja realmente impessoal, a Administração deve voltar-se exclusivamente para o interesse público, e não para o privado. Com isso, deve-se analisar o princípio da impessoalidade sob três (principais) vertentes: (a) o dever de o agente agir em conformidade com o interesse público, sem o estabelecimento de privilégios/prejuízos; (b) a atuação do agente público é imputada ao órgão público ao qual pertence; (c) não se admite o uso indiscriminado das experiências pessoais do agente público, quando em desacordo com o Direito e a moral administrativa.

Quanto ao item (a) acima (uma das vertentes do princípio da impessoalidade), vale dizer que, neste ponto específico, o princípio da imparcialidade toca no princípio da finalidade (ou seja, o alvo a ser alcançado pela Administração é somente o interesse público; e não se alcança o interesse público se for perseguido o interesse particular).

Ainda, não se pode deixar de falar da relação que a finalidade da conduta administrativa mantém com a lei. "Uma atividade e um fim supõem uma norma que lhes estabeleça, entre ambos, o nexo necessário", na feliz síntese de Ruy Cirne Lima. Como a lei, em si mesma, deve respeitar a isonomia, já que isso é imposto pela Constituição da República (art. 5º, caput e inc. I), a função administrativa, nela baseada, também deverá fazê-lo, sob pena de desvio de finalidade (este desvio ocorre sempre que o administrador se afasta do escopo que lhe deve nortear o comportamento – o interesse público).

Embora sob a expressão desvio de finalidade, o princípio da impessoalidade tem proteção no direito positivo infraconstitucional: o art. 2º, alínea "e", da Lei nº 4.717/65 (ação popular) considera nulos os atos lesivos ao patrimônio, causados por desvio de finalidade.

2.1.3. Princípio da Moralidade

O princípio da moralidade impõe que o administrador público não

dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto. Vale acrescentar, ainda, que tal forma de conduta deve existir não somente nas relações entre a Administração e os particulares em geral, como também internamente, ou seja, na relação entre a Administração e os agentes públicos que a integram.

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O artigo 37, caput, da Constituição Federal refere-se, expressamente, ao princípio da moralidade e pode-se dizer, sem receio de errar, que foi bem aceito no seio da coletividade, já sufocada por assistir, na história, aos desmandos de maus administradores, freqüentemente na busca de seus próprios interesses ou de interesses inconfessáveis, relegando para último plano os preceitos morais de que não deveriam se afastar.

Com isso, o constituinte pretendeu coibir a imoralidade no âmbito da Administração Pública. Pensamos, todavia, que somente quando os administradores estiverem realmente imbuídos de espírito público (na consciência pessoal de cada um dos gestores), é que o princípio será fielmente observado.

Embora o conteúdo da moralidade seja diverso da legalidade, o fato é que aquele está normalmente associado a este. Em algumas ocasiões, a imoralidade consistirá na ofensa direta à lei e aí violará, ipso facto, o princípio da legalidade. Em outras situações, a violação do Direito residirá no tratamento discriminatório, positivo ou negativo, dispensado ao administrado. Neste último caso, estará vulnerado, também, o princípio da impessoalidade, que se põe como requisito, em última análise, da legalidade da conduta administrativa.

O desapego à moralidade pode afetar vários aspectos da atividade administrativa. Quando a imoralidade consiste em ato de improbidade que, como regra, causa prejuízo ao erário público, o diploma legal a ser aplicado é a Lei nº 8.429/1992. Nesta lei, há previsão: (a) das hipóteses que configuram típicos atos de improbidade (desonestidade); (b) das sanções aplicáveis a agentes públicos e terceiros responsáveis; (c) dos instrumentos processuais adequados à proteção dos cofres públicos, com a admissão, entre outras, das ações de natureza cautelar de seqüestro e arresto de bens, bem como do pedido de bloqueio de contas bancárias e aplicações financeiras, sem contar, logicamente, a ação principal de perdimento de bens, a ser ajuizada pelo representante do Ministério Público ou pela pessoa jurídica de direito público interessada na reconstituição de seu patrimônio lesado.

Outro instrumento relevante de tutela jurisdicional, para dar guarida ao princípio da moralidade administrativa, é a ação popular, contemplada no artigo 5., LXXIII, da CF/88. Antes, apenas direcionada à tutela do patrimônio público econômico, a ação popular passou a proteger, mais especificamente, outros bens jurídicos de inegável destaque social, como o meio ambiente, o patrimônio histórico e cultural, além da própria moralidade administrativa. Pela via da ação popular, regulamentada pela Lei nº 4.717/1965, qualquer cidadão (título de eleitor) pode deduzir a pretensão de anular atos do Poder Público que estejam contaminados pela imoralidade administrativa. Por isso, advogamos o entendimento de que o tradicional pressuposto da lesividade, tido como aquele causador de dano efetivo ou presumido ao

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patrimônio público, restou bastante mitigado diante do novo texto constitucional (ele era bastante adequado à idéia, hoje superada, de que se podia promover ação popular apenas para a defesa do patrimônio em seu sentido econômico). Quando a Constituição se refere à defesa de “ato lesivo à moralidade administrativa”, deve-se entender que a ação é cabível pelo simples fato de ofender esse princípio, independentemente de haver ou não efetiva lesão patrimonial (econômica).

Por fim, não se pode esquecer da ação civil pública, prevista no artigo 129, III, da CF (uma das funções institucionais do Ministério Público) e regulamentada pela Lei nº 7.347/1985. Trata-se de mais um dos instrumentos de proteção à moralidade administrativa. Quando se diz que a ação civil pública foi movida para resguardar o “patrimônio social” ou, ainda, para proteger algum “interesse difuso”, estar-se-á defendendo a moralidade administrativa. A Lei Orgânica do Ministério Público (Lei nº 8.625/1993), inclusive, consagra, com base naqueles bens jurídicos, a defesa da moralidade administrativa pela ação civil pública.

Desse modo, é fácil observar que não faltam instrumentos de combate a condutas e atos ofensivos ao princípio da moralidade administrativa. Cumpre, portanto, aos órgãos competentes, bem como aos cidadãos, a necessária diligência para que questionem (e invalidem) os atos viciados, aplicando-se aos responsáveis as punições previstas em lei.

2.1.4. Princípio da Publicidade

O princípio da publicidade é também mencionado na Constituição da

República. Por ele, diz-se que os atos da Administração Pública devem merecer a mais ampla divulgação possível, inclusive entre os administrados. Constitui fundamento desse princípio, propiciar a possibilidade de controle da legitimidade da conduta dos agentes públicos. Somente com a transparência da atividade administrativa é que poderão os indivíduos aquilatar a legalidade ou não dos atos/contratos e o grau de eficiência de que se revestem.

É para observar esse princípio que os atos administrativos são publicados em órgãos de imprensa e/ou afixados na sede dos entes/órgãos públicos. O que importa, com efeito, é dar a eles a maior publicidade, haja vista que, somente excepcionalmente (em raríssimas hipóteses), admite-se o sigilo na Administração.

O princípio da publicidade pode ser reclamado por intermédio de dois instrumentos básicos: (a) o direito de petição – permite aos indivíduos que se dirijam aos entes/órgãos públicos para formular qualquer tipo de postulação (art. 5º, XXXIV, "a", da CF); e (b) as certidões – são expedidas pelos entes/órgãos públicos e registram a verdade de fatos administrativos, cuja publicidade permite aos administrados a defesa de seus direitos ou o esclarecimento de certas

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situações (art. 5º, XXXIV, "b", da CF). Se negado o exercício desses direitos ou, ainda, se não veiculada a

informação (ou veiculada incorretamente), o prejudicado poderá dispor de instrumentos constitucionais para garantir a restauração da legalidade, seja via mandado de segurança (art. 5º, LXIX, CF) ou habeas data (art. 5º, LXXII, CF). Na verdade, não se deve perder de vista que todas as pessoas têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo, com exceção das situações resguardadas por sigilo (art. 5º XXXIII, CF). O exercício desse direito, de estatura constitucional, há de pressupor, necessariamente, a obediência, pela Administração Pública, do princípio da publicidade.

Ainda, é importante registrar que todas as pessoas administrativas devem se submeter ao princípio da publicidade, sejam as que constituem as próprias pessoas estatais (de direito público), sejam as que, mesmo que de direito privado, integrem o quadro da Administração Pública (Indireta), como é o caso das entidades paraestatais (empresas públicas e sociedades de economia mista).

Várias questões sobre a publicidade dos atos/contratos administrativos foram enfrentadas pelo STF, via Ações Diretas de Inconstitucionalidade de leis estaduais, ajuizadas por Governadores de Estado.

Nesses casos, o STF rejeitou a alegação de vício de iniciativa parlamentar, já que a matéria veiculada pela lei estadual atacada, não se referia à criação, estruturação e atribuições de órgão público, o que, então, seria de iniciativa reservada do Chefe do Executivo (art. 61, § 1º, II, "e", CF). O mesmo tribunal rejeitou, ainda, a alegação de inferioridade do Executivo em relação ao Legislativo e o Judiciário, em virtude de norma que exigia a publicidade de atos, programas, obras ou serviços implementados pelo Executivo, sempre com caráter educativo, informativo ou de orientação social, proibindo-se a veiculação de nomes, símbolos ou imagens que pudessem caracterizar promoção pessoal de autoridades públicas. O STF indeferiu a medida cautelar, sob o argumento de que não havia plausibilidade jurídica da tese, tendo em vista que a norma guardava plena compatibilidade com o disposto no artigo 37, § 1º, da CF.

Entretanto, sob outro aspecto, foi deferida a medida cautelar para suspender a eficácia do dispositivo que vedava qualquer publicidade que constituísse propaganda direta ou subliminar, já que haveria dificuldade, na prática, de identificar o que seria propaganda direta e subliminar, fato que poderia causar prejuízo ao dever de informar e prestar contas, inerente à competência do Chefe do Executivo.

Outra questão enfrentada pelo STF diz respeito à regra que exigia, nas publicações do Executivo (em jornais, comunicados, avisos, etc.), a obrigação de mencionar, expressamente, quais os custos do ato/contrato para os cofres públicos. O tribunal deferiu a liminar sob a alegação de que

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a exigência legal ofendia os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, sobretudo porque a obrigação só era destinada ao Executivo. Além disso, a exigência provocaria mais custos ao erário, violando, em última análise, o princípio da economicidade.

Finalmente, vale lembrar que o STF deferiu medida cautelar para determinar a suspensão da norma que obrigava o Poder Executivo a informar à Assembléia Legislativa, trimestralmente, todos os gastos com publicidade, divulgação de comunicados oficiais e/ou publicações legais. O tribunal entendeu que tal imposição extrapolava, aparentemente, a regra do artigo 71, I, da CF, segundo a qual compete ao Congresso Nacional apreciar, anualmente (e não trimestralmente), as contas do Presidente da República.

Sem embargo da circunstância de que a publicidade dos atos constitui a regra, o sistema jurídico, repita-se, instituiu algumas exceções, tendo em vista a excepcionalidade da situação e os riscos que a eventual divulgação poderia acarretar. O próprio art. 5º, XXXIII, da CF, resguarda o sigilo de informações quando indispensável à segurança da sociedade e do Estado. O mesmo ocorre na esfera judicial. Segundo o art. 93, IX, da CF, com a redação dada pela EC 45/2004, a lei poderá excepcionar a publicidade dos julgamentos e, portanto, limitar o acesso de pessoas em determinados casos, quando será permitida apenas a presença das partes envolvidas e de seus advogados, ou, ainda, se for o caso, apenas destes últimos. A Constituição, na verdade, pretendeu proteger o direito à intimidade, considerando-o prevalente, em certas ocasiões, sobre o princípio do interesse público à informação. Em outras palavras, a própria Carta Constitucional admitiu o conflito entre tais princípios e indicou, na ponderação de valores a ser feita pelo intérprete, a preponderância do direito de sigilo e intimidade sobre o princípio geral de informação (publicidade).

2.1.5. Princípio da Eficiência

A Emenda Constitucional nº 19/98, que guindou ao plano

constitucional as regras relativas ao projeto de reforma do Estado (Ministro Bresser Pereira), acrescentou, ao caput do artigo 37, o princípio da eficiência (denominado, no projeto de Emenda, de "qualidade do serviço prestado").

Com essa atitude, o Governo pretendeu conferir direitos aos usuários dos diversos serviços prestados pela Administração Pública, direta ou indiretamente (inclusive por meio de delegação). Não é difícil perceber que a inserção desse princípio na ordem constitucional revela o descontentamento da sociedade diante de sua antiga impotência para lutar contra a deficiente prestação de serviços públicos, que, sem margem de dúvida, já causou incontáveis prejuízos aos usuários. De fato, se os serviços prestados pelo Estado ou por seus agentes delegados sempre

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ficaram inacessíveis para os usuários (pelo menos para grande parte deles), é preciso assegurar-lhes os meios efetivos para a garantia de seus direitos. É evidente que os (poucos) meios que já existiam se revelaram insuficientes ou inócuos para sanar as irregularidades patrocinadas pelo Poder Público.

O referido princípio prevê, a longo prazo, maior possibilidade de exercício da cidadania. Trata-se, na verdade, de dever constitucional imposto à Administração Pública, que não poderá dele se desviar, sob pena de responsabilização.

Entretanto, vale lembrar que, de nada adiantará a previsão (formal e expressa) desse princípio, mesmo que no texto constitucional, se não forem estabelecidos meios para assegurar, na prática, os direitos dos usuários. Sabe-se que, há muito, o § 3º do artigo 37 (CF/88) aguardava regulamentação que, se tivesse sido levada a efeito, teria minimizado os problemas de acesso ao serviço público (a redação deste dispositivo, mesmo antes do advento da EC 19/98, previa, expressamente, a edição de lei para regular as reclamações relativas à prestação de serviços públicos). É preciso, portanto, potencializar o princípio da eficiência, sob pena de se tornar letra morta.

É preciso ainda anotar que o princípio da eficiência não alcança apenas os serviços públicos prestados diretamente à coletividade. Ao contrário, ele deve ser observado também em relação aos serviços administrativos internos das pessoas federativas e das pessoas a elas vinculadas. Significa dizer que a Administração Pública deve recorrer à moderna tecnologia e aos métodos atualmente adotados para obter a qualidade máxima na execução de suas atividades, com a criação, inclusive, de novo organograma de suas funções gerenciais e da competência dos agentes públicos.

A Emenda Constitucional nº 45/2004 (denominada "Reforma do Judiciário") acrescentou o inciso LXXVIII ao artigo 5º da Constituição da República e, portanto, garantiu "a todos, no âmbito judicial e administrativo, [...] a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação". O novo mandamento, cuja feição é a de direito fundamental, tem por conteúdo o princípio da eficiência, no que se refere ao acesso à justiça, além de estampar inegável reação da sociedade contra a excessiva demora na tramitação e julgamento dos processos, o que, praticamente, tornava inócuo o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário (art. 5º, XXXV da CF). Nota-se, ainda, que a nova norma constitucional não se restringe aos processos judiciais, mas também atinge aqueles que tramitam na via administrativa.

Não basta, como já dito, que seja incluído um novo mandamento no texto constitucional, mas é preciso que outras medidas sejam adotadas, por leis e regulamentos, para que a garantia venha à tona com a intensidade pretendida. Por esse motivo, inclusive, é que o artigo 7º da

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EC nº 45/2004 determinou a instalação, pelo Congresso Nacional, de comissão especial mista, com o objetivo de elaborar, em 180 (cento e oitenta) dias, os projetos de lei para sua regulamentação. Ainda, foi imposta a essa mesma comissão, a obrigação de promover alterações na legislação federal, no intuito de ampliar o acesso à justiça e tornar mais célere/efetiva a prestação jurisdicional, tal qual é o anseio de toda a coletividade.

Atualmente, os publicistas têm apresentado vários estudos sobre a questão concernente ao controle da atividade administrativa com fundamento no princípio da eficiência. O tema é bastante complexo, seja porque é preciso respeitar as diretrizes e prioridades dos administradores públicos, bem como os recursos financeiros disponíveis (princípio da reserva do possível), seja porque não se pode admitir o desrespeito (e a ignorância) do princípio constitucional da eficiência. É preciso, pois, traçar qual o real sentido/limite do princípio da separação dos poderes (obs.: quanto aos controles administrativo e legislativo, não há dúvida de sua ampla incidência, inclusive no que pertine ao controle de mérito dos atos/contratos administrativos. A questão é tormentosa quando se discute a amplitude do controle jurisdicional da Administração Pública).

A eficiência não se confunde com a eficácia, tampouco com a efetividade. A eficiência está relacionada com o modo pelo qual se processa/desempenho da atividade administrativa (o sentido é a própria conduta dos agentes públicos). Por outro lado, a eficácia guarda relação com os meios e instrumentos empregados pelos agentes no exercício de suas funções administrativas (o sentido é tipicamente instrumental). Finalmente, tem-se que a efetividade é voltada para os resultados obtidos pela conduta administrativa (o sentido é o real alcance dos objetivos).

Apesar de possuírem sentidos (significados) diferentes, o desejável é que eficiência, eficácia e efetividade caminhem simultaneamente. Muito embora seja essa a intenção, vale lembrar que é possível a realização de condutas administrativas com eficiência, mas sem eficácia ou efetividade. Ainda, sob outro prisma, pode-se notar que eventual conduta pode não ser muito eficiente, mas, em face da eficácia dos meios, acaba por ser dotada de efetividade. Finalmente, diz-se que é possível admitir condutas eficientes e eficazes, mas não dotadas de efetividade, posto que não foram alcançados os resultados desejados.

2.2. Princípios Reconhecidos

Além dos princípios expressos, a Administração Pública ainda se

orienta por outras diretrizes também incluídas em sua principiologia, que, por isso, apresentam a mesma relevância. A doutrina e a jurisprudência referem-se a elas usualmente, o que denota sua aceitação geral e as impõem como regras a serem seguidas pela Administração Pública. Trata-

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se dos denominamos princípios reconhecidos.

2.2.1. Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado

As atividades administrativas são desenvolvidas pelo Estado em

benefício da coletividade. Mesmo quando a conduta visa algum interesse estatal imediato, o fim último de sua atuação é sempre o interesse público. Caso não esteja presente esse objetivo, a conduta estará inquinada de desvio de finalidade.

Desse modo, não é o indivíduo em si o destinatário da atividade administrativa, mas sim o grupo social. Deixa-se a era do individualismo exacerbado e o Estado passa a se caracterizar como o Welfare State (Estado do bem-estar), dedicado a atender o interesse público. Logicamente, as relações sociais ensejam, em determinados momentos, um conflito entre o interesse público e o interesse privado, mas, nesse embate, há de prevalecer sempre o interesse público.

Trata-se, de fato, do primado do interesse público. O indivíduo tem que ser visto como integrante da sociedade e, por isso, seus direitos não podem, por regra, se sobrepor aos direitos sociais.

Como exemplo, podemos citar a presença do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado quando, na desapropriação, o interesse público suplanta o interesse do proprietário. Isso ainda ocorre nos casos de condutas emanadas do poder de polícia da Administração Pública, em que são estabelecidas restrições ao direito do particular em nome do interesse público.

2.2.2. Princípio da Indisponibilidade do Interesse Público

O interesse público (e aí se incluem os bens públicos) não pertence

à Administração, muito menos a seus agentes. Cabe-lhes apenas geri-lo, conservá-lo, tudo em prol da coletividade, que é a sua única e verdadeira titular.

O princípio da indisponibilidade indica que a Administração não pode livremente dispor do interesse público. Ela atua em nome de terceiros (o povo) e, por essa razão, é que os bens públicos só podem ser alienados na forma que a lei exigir. Ainda, é por esse motivo que os contratos administrativos reclamam, como regra, a realização de licitação, na busca da proposta mais vantajosa.

Esse princípio, em verdade, se apega à premissa de que todo cuidado exigido no trato do interesse público visa beneficiar a própria coletividade.

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2.2.3. Princípio da Autotutela

Não há dúvida de que a Administração Pública comete equívocos no exercício de sua atividade. Caso se defronte com seus erros, é possível que ela reveja seus próprios atos/contratos e, por conseqüência, restaure a regularidade. Não é uma mera faculdade, mas um dever, já que não se admite que, diante de situações reprováveis, a Administração Pública permaneça inerte e desinteressada. Na verdade, apenas quando é restabelecida a ordem, é que se dá cumprimento ao princípio da legalidade (o princípio da autotutela é, pois, corolário do princípio da legalidade).

A revisão de seus próprios atos/contratos (autotutela) pode (e deve) ser feita de ofício. Nesse mister, inclusive, não deve a Administração Pública apenas sanar as irregularidades, mas também é necessário que as previna.

Por oportuno, vale registrar, ainda, que a autotutela envolve dois aspectos da atividade administrativa: (a) a legalidade, em relação a qual a Administração, de ofício, procede à revisão de atos/contratos ilegais; e (b) o mérito, quando se reexamina os atos administrativos sob a ótica da conveniência e oportunidade de sua manutenção/desfazimento.

A capacidade de autotutela está hoje consagrada e é, portanto, objeto de firme orientação do STF, conforme consta dos enunciados das Súmulas 346 e 473. 2.2.4. Princípio da Continuidade (dos Serviços Públicos)

Os serviços públicos visam atender as necessidades coletivas em determinados setores sociais (muitas das vezes, o que se atende são necessidades prementes e inadiáveis da sociedade). Por isso, não se admite, por regra, a interrupção dos serviços públicos.

É com fundamento nesse princípio, que a Constituição da República (art. 37, VII) exige a regulamentação, por lei específica, do direito de greve dos servidores públicos (obs.: antes da EC 19/98, a CF previa a regulamentação por lei complementar). No setor privado, vale notar que o legislador constituinte, muito embora tenha reconhecido o direito de greve para os trabalhadores, ressalvou, no art. 9º, § 1º, que “a lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade”. Esse panorama demonstra, sem dúvida, preocupação de não ocasionar interrupção na prestação dos serviços públicos.

Outro exemplo desse princípio, que é sempre referido pela doutrina, está na seara dos contratos administrativos. Para se evitar a paralisação das obras e serviços, é vedado ao particular-contratado, dentro de certos limites (há, portanto exceção), opor, em face da Administração Pública, a chamada exceção de contrato não cumprido (exceptio non adimpleti

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contractus). Na verdade, o princípio em foco guarda estreita pertinência com o

princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Em ambas as regras, o que se pretende é poupar a coletividade de eventuais prejuízos, caso os interesses particulares ganhem realces injustificados.

É evidente que a continuidade dos serviços públicos não tem caráter absoluto, muito embora constitua a regra geral. Em certas situações, o princípio é excepcionado e, portanto, permite-se a paralisação temporária da atividade, como nos casos de reparos técnicos e realização de obras para a expansão/melhoria dos serviços.

Por outro lado, nos casos em que o serviço é remunerado por tarifa, pagamento que se caracteriza como preço público, de caráter tipicamente negocial (prestados, freqüentemente, por concessionários/permissionários), há a possibilidade de sua suspensão quando ocorre inadimplemento da tarifa pelo usuário. É o caso, para exemplificar, dos serviços de energia elétrica e telefonia. 2.2.5. Princípio da Segurança Jurídica (ou Princípio de Proteção à Confiança)

As teorias jurídicas modernas sempre procuraram realçar a crise

entre os princípios da legalidade e da estabilidade das relações jurídicas. Se, de um lado, não se pode relegar a observância dos atos/condutas aos parâmetros estabelecidos na lei, de outro é preciso evitar que situações jurídicas permaneçam instáveis, o que provocaria incertezas. A prescrição e a decadência, pois, conferem destaque ao princípio da estabilidade das relações jurídicas (ou princípio da segurança jurídica).

No direito comparado, especialmente no direito alemão, os estudiosos têm dedicado esforços a defender a necessidade de estabilização de certas situações jurídicas, principalmente em virtude do transcurso do tempo e da boa-fé. Distinguem, portanto, os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança. Ao primeiro, confere-se relevo ao aspecto objetivo do conceito (inafastabilidade da estabilização jurídica). Ao segundo, realça-se o seu aspecto subjetivo (destaca-se o sentimento do indivíduo em relação aos atos administrativos, dotados de presunção de legitimidade e legalidade).

No Brasil, porém, essa distinção não ganha relevo. Os princípios da segurança jurídica e da proteção à confiança passaram a constar, expressamente, da legislação infraconstitucional pátria, com o advento da Lei Geral do Processo Administrativo Federal (Lei nº 9.784/99), em que ficou consignado, no seu artigo 54, que “o direito da Administração de anular os atos administrativos de que decorram efeitos favoráveis para os destinatários decai em 5 (cinco) anos, contados da data em que foram praticados, salvo comprovada má-fé". A norma, como se pode observar, conjuga os aspectos de tempo e boa-fé, mas se dirige essencialmente a

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estabilizar relações jurídicas pela convalidação de atos administrativos inquinados de ilegalidade.

A jurisprudência aponta alguns casos em que foram convalidadas situações jurídicas ilegítimas, com a aplicação da teoria do fato consumado. Em certas ocasiões, é melhor convalidar o ato/fato do que suprimi-lo da ordem jurídica, hipótese em que o transtorno seria de tal modo expressivo que chegaria ao extremo de ofender o princípio da estabilidade das relações jurídicas. Com a positivação desse princípio, portanto, tornou-se mais fácil sustentar o fato ilegítimo anterior e, com isso, consolidar situações de fato que se firmaram ao longo do tempo.

Decorre, portanto, da regra do artigo 54 da Lei 9784/99, a clara intenção de sobrelevar o princípio da proteção à confiança, de modo que, após cinco anos e desde que tenha havido boa-fé, fica limitado o poder de autotutela da Administração Pública que, em conseqüência, não mais poderá apagar os efeitos favoráveis que o ato produziu para seu destinatário.

2.2.6. Princípio da Motivação O princípio da motivação impõe à Administração Pública o dever de fundamentar as suas decisões, a fim de possibilitar o acesso a essas informações e, conseqüentemente, abrir a possibilidade de controle pelos órgãos competentes. Sobre a aplicação desse princípio, há debates quanto à sua abrangência. Para parcela da doutrina, a motivação é obrigatória apenas quando a lei exige e/ou quando se cria prejuízos aos destinatários do ato. Para a outra parcela da doutrina, da qual nos filiamos (e é majoritária), a motivação tornou-se obrigatória em toda e qualquer atividade da Administração Pública. 2.2.7. Princípio da Finalidade Para Hely Lopes Meirelles, o princípio da finalidade nada mais é do que expressão do próprio princípio da impessoalidade/imparcialidade.

Já para Celso Antônio Bandeira de Mello, o princípio da finalidade é tratado com independência e se consubstancia no dever de atendimento da finalidade pública prevista, expressa ou implicitamente, no ordenamento jurídico. A Lei 9784/99, inclusive, determina o atendimento do “fim público” no seu artigo 2º, parágrafo único, incisos III e XIII. 2.2.8. Princípio da Isonomia (ou Princípio da Igualdade) Esse princípio nos impõe o dever de tratar os iguais de forma igualitária e os desiguais de forma desigual, na medida de suas desigualdades. Para avaliar se houve ou não quebra da isonomia, apesar

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das dificuldades e do subjetivismo vigorante nesta matéria, é necessário atentar para o fator de discriminação e, portanto, verificar se este fator está de acordo com a norma. Deve haver sempre pertinência lógica entre o que se está discriminando e a razão jurídica para a referida discriminação. Exemplo: se um determinado edital de concurso para salva-vidas estabelece proibição de participação de deficientes físicos, verifica-se claramente a pertinência lógica entre a discriminação e os objetivos a serem alcançados pelo concurso, não havendo, então, ofensa ao princípio da isonomia. 2.2.9. Princípio da Razoabilidade

A doutrina moderna tem procurado alinhar também, entre os

princípios da Administração Pública, o denominado princípio da razoabilidade.

Em nosso entender, porém, é necessário examinar com precisão o real sentido desse princípio, sob pena de se chegar a conclusões dissonantes dos postulados de Direito Público.

Razoabilidade é a qualidade do que é razoável, ou seja, aquilo que se situa dentro de limites aceitáveis, ainda que os juízos de valor que provocaram a conduta sejam diversos. O que é totalmente razoável para uns pode não o ser para outros. Mas, mesmo quando não o seja, é de se reconhecer que a valoração se situou dentro dos standards (padrões) de aceitabilidade.

Dentro desse contexto, há quem diga que o juiz não pode controlar a conduta do administrador sob a mera alegação de que não a entendeu razoável. Não lhe é lícito substituir o juízo de valor do administrador, sob pena de ofensa à separação dos poderes. Fala-se, portanto, que o juiz apenas poderá controlar os aspectos relativos à legalidade da conduta, ou seja, verificar a presença ou não dos requisitos que a lei exige para a validade dos atos/contratos administrativos.

Desse modo, quando alguns estudiosos indicam que “a razoabilidade vai se atrelar à congruência lógica entre as situações postas e as decisões administrativas”, parece-nos que a falta da referida congruência viola, na verdade, o principio da legalidade. Na hipótese, o vício está nas razões impulsionadoras da vontade ou no seu objeto (conteúdo). A falta de razoabilidade, portanto, é mero reflexo da inobservância de requisitos exigidos para a validade do ato. Por outro lado, quando a falta de razoabilidade se verifica em conduta que mira o interesse particular, estará violado o princípio da moralidade ou o da impessoalidade.

Com isso, desejamos frisar que o princípio da razoabilidade deve ser observado pela Administração Pública na medida em que sua conduta se apresente dentro dos padrões normais de aceitabilidade. Se atuar fora

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desses padrões, algum vício estará, sem dúvida, contaminando o comportamento estatal. Significa dizer, por fim, que não há violação ao referido princípio quando a conduta administrativa é inteiramente revestida de licitude.

Nesse sentido, temos por acertada a noção de que o princípio da razoabilidade se fundamenta nos princípios da legalidade e da finalidade, tal como ressalta Celso Antônio Bandeira de Mello. Não se pode supor que a correção judicial possa invadir o mérito administrativo, que reflete o juízo de valoração do administrador. "Tal não ocorre porque a sobredita liberdade é liberdade dentro da lei, vale dizer, segundo as possibilidades nela comportadas" (Celso Antônio). Assim, uma providência desarrazoada está, em verdade, em desconformidade com a lei (foge aos limites impostos pela lei).

Assim, na esteira da doutrina mais autorizada e rechaçando algumas interpretações radicais, é preciso lembrar que, quando se pretende imputar ofensa ao princípio da razoabilidade, é preciso que se tenha em mente a idéia de que a ação é efetiva e indiscutivelmente ilegal. Não existe, portanto, conduta legal (sentido lato) que vulnere o princípio da razoabilidade.

Dissentimos, por conseguinte, da doutrina que advoga a eliminação do poder discricionário da Administração diante da aplicação do princípio da razoabilidade (na verdade, o poder discricionário é moldado/limitado pelo princípio da razoabilidade, mas não eliminado). É verdade que o referido princípio restringe a margem de escolha do administrador, mas também é verdade que o administrador continua detendo o poder jurídico de valorar suas condutas/decisões, pois essa é sua atribuição (não concordamos, pois, com a posição doutrinária que atribui ao Judiciário o poder de, praticamente, substituir a vontade do administrador. O que se admite é apenas o controle de contornos, da margem da discricionariedade).

2.2.10. Princípio da Proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade (ainda em evolução) tem sido

acatado em alguns ordenamentos jurídicos (como é o caso do brasileiro) e apresenta alguns pontos de semelhança com o princípio da razoabilidade. Diz-se, inclusive, que ambos os princípios se põem como instrumento de controle jurisdicional da Administração Pública.

Entretanto, quanto à origem, tem-se que o princípio da razoabilidade nasceu e se desenvolveu na elaboração jurisprudencial anglo-saxônica, enquanto o princípio da proporcionalidade é oriundo da Suíça/Alemanha, estendido, posteriormente, para a Áustria, Holanda, Bélgica, entre outros países europeus.

O maior fundamento do princípio da proporcionalidade é o excesso de poder. Sua finalidade é, exatamente, conter atos (decisões/condutas)

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de agentes públicos que ultrapassam os limites adequados, com vistas a atender o objetivo pretendido pela Administração Pública. O Poder Público, quando intervém nas atividades sob seu controle, deve sempre atuar, mas sua conduta deve se processar com equilíbrio, sem excessos e proporcionalmente ligada ao fim a ser atingido.

Segundo a doutrina alemã, para que a conduta estatal esteja de acordo com o princípio da proporcionalidade, ela deve se revestir de três fundamentos: (a) adequação – o meio empregado na atividade administrativa deve ser compatível com o fim pretendido; (b) exigibilidade – a conduta deve ser necessária, no sentido de que não há outro meio menos gravoso para alcançar a finalidade pública, ou seja, o meio escolhido é o que causa o menor prejuízo possível; (c) proporcionalidade em sentido estrito – as vantagens a se conquistar superam as desvantagens.

O princípio, que grassou no Direito Constitucional, hoje incide também no Direito Administrativo. É necessário, contudo, advertir que, embora o aludido princípio possa servir como instrumento de controle da atividade administrativa, sua aplicação leva em conta, repita-se, o excesso de poder. Não pode, porém, interferir no critério discricionário de escolha do administrador público (antes da escolha ser feita). Em conseqüência, sua aplicação exige equilíbrio do julgador, que deverá considerar, com acuidade, todos os elementos da hipótese sob sua apreciação, sob pena de ele se tornar o próprio agente transgressor do princípio que pretende aplicar.

Examinada, conquanto em síntese, a fisionomia dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, chega-se à conclusão de que ambos constituem instrumentos de controle dos atos estatais abusivos (o que já foi exaustivamente destacado). No processo histórico de formação desses postulados, porém, pode-se afirmar que o princípio da razoabilidade nasceu com perfil hermenêutico, voltado primeiramente para a lógica e a interpretação jurídica e, só agora, é adotado para a ponderação de outros princípios. Já o princípio da proporcionalidade veio a lume com direcionamento objetivo, material, visando, desde logo, o balanceamento de valores, como a segurança, a justiça, a liberdade, etc.. Na verdade, "confluem ambos, pois, rumo ao (super) princípio da ponderação de valores e bens jurídicos, fundante do próprio Estado de Direito Democrático contemporâneo (pluralista, cooperativo, publicamente razoável e tendente ao justo)".

Ainda, por oportuno, vale frisar que o STF, por vários julgados, já sedimentou a idéia de que a sede material dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade encontra-se no princípio do devido processo legal, previsto no artigo 5º, LIV da CF/88 (trata-se, portanto, de princípios implícitos). E, por derradeiro, incumbe anotar que o princípio da proporcionalidade, para a maioria da doutrina, insere-se no princípio da

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razoabilidade. Isso porque a razoabilidade exige a proporcionalidade entre os meios e os fins a serem atingidos (é a idéia da verificação do chamado binômio adequação x necessidade). 2.10.11. Princípio da Especialidade

Esse princípio, específico do Direito Administrativo (e não aquele

com nome idêntico, estudado e aplicado genericamente por força da Hermenêutica Jurídica) revela que, de acordo com o artigo 37, XIX, da CF/88, exige-se lei específica no processo de criação ou de autorização de criação dos entes que integram a Administração Pública Indireta. É a tal lei específica, inclusive, que definirá a finalidade de atuação (e existência) desses novos Entes.

PONTO 3

ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Este capítulo foi originalmente elaborado pelos Profs. Frederico Telho e Leonardo Buissa Freitas. As atualizações seguintes foram realizadas pelos Profs. Ronie Crisóstomo França e Frederico Telho.

1. ESTADO

A sociedade moderna se estruturou na forma de Estados que, em sua concepção clássica, são entendidos como nações politicamente organizadas. Os elementos do Estado são: o povo, o território e o governo soberano (divergências doutrinárias à parte).

Afastando-se de discussões da atualidade, como a questão da soberania dos Estados diante do processo de globalização, tem-se por certo que essas organizações societárias possuem duas espécies de representação: (a) internacional, em que se verifica o relacionamento com outros Estados (art. 4º da CF); e (b) interna, que é estruturada de acordo com as características adotadas por cada ente estatal.

No caso brasileiro, verifica-se que o Estado adotou a forma federativa de organização, o que indica a sua divisão em unidades autônomas (processo chamado de descentralização política). Cada uma dessas unidades tem personalidade jurídica de direito público e seu próprio círculo de poder (competências). São designadas da seguinte forma: (a) União; (b) Estados; (c) Distrito Federal; e (d) Municípios (art. 1º c/c art. 18, CF e art. 41, I a III, CC/02).

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Ao diminuir um pouco o foco, constata-se que as referidas unidades federativas (autônomas) possuem sua organização político-administrativa específica, ou seja, sua própria Administração Pública.

Cumpre ressaltar, portanto, que o poder do Estado de auto-organização política e administrativa, originado de sua soberania, apesar de ser uno, sofre uma segmentação prática, denominada de funções de poder. Essas funções, que foram inicialmente estruturadas por Montesquieu, são assim denominadas: (a) função legislativa ou normativa (Poder Legislativo); (b) função jurisdicional (Poder Judiciário); e (c) função administrativa (Poder Executivo) – art. 2º da CF/88.

É necessário frizar que a segmentação de funções de poder não é estanque (lembre-se, inclusive, que elas guardam uma relação de independência e harmonia entre si). Além de possuírem suas funções típicas (legislar, administrar ou julgar), exercem também funções correlatas, denominadas de funções atípicas: (a) o Legislativo julga, quando o Senado, por exemplo, processa o Presidente da República e/ou os Ministros do Supremo Tribunal Federal por crimes de responsabilidade (art. 52, I e II, CF); o Legislativo também administra, quando organiza os seus serviços internos (art. 51, IV, e 52, XIII, CF); (b) o Judiciário exerce função normativa, quando, por exemplo, elabora o seu regimento interno (art. 96, I, “a”, CF), bem como administra, quando organiza os seus serviços (art. 96, I, “a”, “b”, “c”; e art. 96, II, “a”, “b”, ambos da CF); (c) o Executivo8, por sua vez, exerce função normativa, quando, por exemplo, edita medidas provisórias (art. 62, CF), expede regulamentos (art. 84, IV, CF) e/ou edita leis delegadas (art. 68, CF).

Vê-se, portanto, que a Administração Pública (e, por conseqüência, a atividade administrativa) encontra-se presente em todos os entes da federação (União, Estados, Distrito Federal e Municípios). 2. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: CONCEITO E SENTIDOS

A doutrina se utiliza de vários critérios para conceituar

Administração Pública (que é o objeto de estudo do Direito Administrativo).

Hely Lopes Meirelles se vale do critério formal (conjunto de órgãos instituídos para atingir as finalidades do governo), do critério material (conjunto de funções para o desempenho dos serviços públicos) e do critério operacional (caracteriza-se como o desempenho perene e sistematizado dos serviços próprios do Estado).

Diógenes Gasparini, por sua vez, faz uso do critério negativista ou residual (toda a atividade do Estado, excluída a legislativa e jurisdicional); do critério formal, orgânico ou subjetivo e do critério material ou objetivo.

8 O Executivo não exerce função jurisdicional no atual ordenamento jurídico pátrio. Discorda, porém, deste posicionamento, o Professor Diogo de Figueiredo Moreira Neto (Contencioso administrativo, Forense, RJ, 1977).

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Ainda, para José dos Santos Carvalho Filho, a compreensão da Administração Pública se concentra em dois enfoques (a) o objetivo (função administrativa); e (b) o subjetivo (conjunto de órgãos). Normalmente, o termo Administração Pública é grafado com letras maiúsculas quando se refere ao sentido subjetivo e com letras minúsculas quando atinente ao sentido objetivo ou material.

É por isso que se diz que a doutrina, consensualmente, admite que a expressão Administração Pública é de certo modo duvidosa, posto que exprime mais de um sentido. Aponta-se como supostas razões dessa confusão a extensa gama de tarefas e atividades que compõem o objetivo do Estado ou, ainda, o próprio número de órgãos e agentes públicos incumbidos de sua execução.

2.1. Administração Pública – Sentido Objetivo

Administrar (verbo) indica gerir, zelar, enfim, uma ação dinâmica de

supervisão. Pública (adjetivo) significa não apenas algo ligado ao Poder Público, como também vinculado à coletividade/sociedade.

O sentido objetivo da expressão administração pública (que aqui deve ser grafada com iniciais minúsculas) consiste na própria atividade administrativa, exercida pelo Estado, por seus órgãos e agentes. Caracteriza-se, enfim, pela idéia da função administrativa (atividades de fomento, poder de polícia, serviço público e intervenção).

Trata-se da própria gestão do interesse público, que é executada pelo Estado, seja por intermédio da prestação de serviços públicos, seja por sua organização interna, seja, ainda, pela intervenção no setor econômico/privado, mesmo que de forma restritiva (poder de polícia). Em todas essas hipóteses, o que se administra é a coisa pública (res publica) e, por isso, a sociedade será sempre a destinatária da gestão, ainda que a atividade beneficie, de forma imediata, o Estado. A idéia é garantir proteção, segurança e bem-estar para os cidadãos.

2.2. Administração Pública – Sentido Subjetivo

A expressão Administração Pública (aqui grafada com iniciais

maiúsculas) também significa o conjunto de pessoas jurídicas, órgãos e agentes incumbidos de executar as atividades administrativas.

Esse critério leva em consideração o sujeito da função administrativa, ou seja, quem a exerce de fato. É uma classificação sob a ótica dos agentes que realizam a conduta administrativa.

A Administração Pública, sob o ângulo subjetivo, não deve ser confundida com qualquer dos Poderes estruturais do Estado, sobretudo o Poder Executivo, ao qual se atribui usualmente o exercício da função administrativa. Para a perfeita noção de sua extensão, é necessário destacar a função administrativa em si, e não o Poder em que é ela

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exercida. Embora seja o Poder Executivo o administrador por excelência, é certo que nos Poderes Legislativo e Judiciário há numerosas tarefas que constituem atividade administrativa, como é o caso, por exemplo, das que se referem à organização interna dos seus serviços e dos seus servidores. Desse modo, todos os órgãos e agentes que, em qualquer desses Poderes, exerçam função administrativa, serão integrantes da Administração Pública.

Por isso mesmo que a Constituição vigente, com louvável técnica, dispôs em separado sobre a Administração Pública (Capítulo VII do Título III) e sobre os Poderes estruturais da República (Capítulos I, II e III do Título IV).

Os órgãos e agentes a que nos referimos integram as entidades estatais, ou seja, aquelas que compõem o sistema federativo (União, Estados, Distrito Federal e Municípios – Administração Direta).

Entretanto, vale lembrar que existem algumas pessoas jurídicas incumbidas, por aquelas, do exercício de função administrativa. Estas pessoas também se incluem no sentido subjetivo de Administração Pública (Autarquias, Fundações Públicas, Sociedades de Economia Mista e Empresas Públicas – Administração Indireta). 3. ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNO

Apesar da dificuldade de se estabelecer uma segmentação rígida entre atividade administrativa e atividade política ou de governo (em ambas há a aplicação da lei), o que pode ser constatado é que a política envolve atividades co-legislativas e de direção (atividades que decorrem diretamente da Constituição), enquanto a administrativa compreende o serviço público, a intervenção, o fomento e a polícia.

A afirmação de que a atividade de governo está afastada de controle não é verdadeira. Desde que haja qualquer tipo de lesão (abusividade), seja individual ou difusa, haverá a possibilidade de controle. 4. ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA (CENTRALIZAÇÃO, DESCENTRALIZAÇÃO E DESCONCENTRAÇÃO)

O Governo e a Administração, como criações abstratas da Constituição e das leis, atuam por intermédio de suas entidades (pessoas jurídicas), de seus órgãos (centros de decisão) e de seus agentes (pessoas físicas investidas em cargos e funções).

Nesse sentido, é importante destacar que a Administração Pública pode ser organizada de forma centralizada, descentralizada ou desconcentrada.

Quando o próprio Estado exerce uma determinada atividade administrativa, diz-se que ela é exercida centralizadamente. Os entes

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centrais são aqueles criados pela própria Constituição da República, por um processo denominado de descentralização política.

Quando um determinado ente, visando uma maior organização interna, divide-se em órgãos públicos com competências diversas dentro de uma determinada hierarquia, estamos diante de um processo denominado de desconcentração.

Quando o Estado, em razão da eficiência e da especialização, cria pessoas distintas, sem hierarquia e com personalidade jurídica própria, tem-se o fenômeno da descentralização administrativa que, levando-se em conta o direito comparado, admite várias formas: (a) descentralização territorial ou geográfica – ocorre em Estados unitários (França, Portugal, Itália, Espanha, Bélgica). No Brasil, a figura dos extintos territórios federais era conseqüência deste processo específico de descentralização. O ente criado recebe uma competência administrativa genérica (saúde, segurança, assistência social, dever de atendimento às políticas públicas) para ser exercida nos seus limites territoriais e permanece totalmente submisso à orientação legal expedida pelo ente central (cf. Marcus Vinícius Corrêa Bittencourt); (b) descentralização por serviços, funcional ou técnica – criação de pessoas distintas para a prestação de serviços públicos (outorga); e (c) descentralização por colaboração – por intermédio de contrato ou ato unilateral, transfere-se a execução de determinado serviço para pessoa jurídica de direito privado, conservando o poder público a titularidade daquele serviço e o seu controle (delegação). 4.1. ADMINISTRAÇÃO DIRETA

A Administração Direta é, ao mesmo tempo, centralizada e desconcentrada. É a própria esfera política (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) que exerce, diretamente, suas atribuições/competências (por si e/ou por meio de seus órgãos). Ela é formada, no âmbito federal, pela Presidência, Ministérios e demais órgãos inferiores. No âmbito estadual, pela Governadoria, pelas Secretarias e demais órgãos. E, no âmbito municipal, pela Prefeitura, pelas Secretarias e demais órgãos. 4.2. ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

O Estado pode decidir (politicamente) que a melhor maneira de desempenhar uma determinada atividade é criar (por disposição legal específica) uma outra pessoa jurídica, a quem será atribuída a prestação do serviço. Isso alivia o ente central e cria um corpo técnico especializado, com vistas à otimização do serviço. Essa nova pessoa poderá ostentar natureza jurídica de direito público (com prerrogativas e sujeições

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específicas) ou de direito privado (contando, nesse caso, com mais agilidade do que o ente estatal/central).

O conjunto de pessoas jurídicas, de direito público ou de direito privado, criadas por lei (ou com criação autorizada por lei), para desempenhar a atividade estatal, forma a chamada Administração Indireta. Este conceito abrange as Autarquias (inclusive as Agências Reguladoras), bem como as Fundações Públicas, as Sociedades de Economia Mista, as Empresas Públicas e as Associações Públicas (espécies de Consórcios Públicos – Lei 11.107/05).

OBSERVAÇÕES: (a) As Organizações Sociais, as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) e os Serviços Sociais Autônomos (Sistema “S”) não integram a Administração Indireta (tampouco a Direta), pois são entidades de direito privado alheias à estrutura governamental, mas que se relacionam com o Poder Público por intermédio de parcerias (contrato de gestão e termo de parceria). Trata-se do chamado Terceiro Setor, que será objeto de exame oportunamente; (b) A Administração Pública Direta federal é organizada pelas Leis 9.649/98 e 10.683/03 (bem como pelo DL 200/67), enquanto a Administração Indireta é regida, com mais especificidade, pelo referido Decreto-Lei 200/67. As administrações estaduais e municipais guardam certa semelhança com a organização federal, muito embora, no âmbito municipal, não haja Poder Judiciário. 4.3. ÓRGÃOS PÚBLICOS 4.3.1. Conceito

Os órgãos públicos são entendidos (conceituados) como unidades abstratas que sintetizam vários círculos de atribuições (Celso Antônio) ou, ainda, como centros especializados de competências (Hely Lopes Meirelles), que fazem parte da estrutura da Administração Pública Direta e/ou Indireta (art. 1º, §2º, inc. I, da Lei 9784/99).

Em outras palavras, pode-se dizer que os órgãos públicos são compartimentos na estrutura estatal a que são cometidas determinadas funções. São integrados por agentes públicos que, quando executam as atividades administrativas, manifestam a própria vontade do Estado. 4.3.2. Teorias sobre as Relações do Estado (com os Agentes Públicos)

O Estado, em verdade, constitui uma ficção dotada de personalidade

jurídica. Tendo em vista que a sua ação provém dos agentes que o compõem, foram desenvolvidas, ao longo do tempo, várias teorias que

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buscavam entender a natureza jurídica dessa relação existente entre o Estado e os seus agentes. Vejamos: (a) teoria do mandato – os agentes públicos seriam mandatários do Estado. Crítica: o Estado não possui vontade própria e, por isso, não possui poderes para outorgar mandato; (b) teoria da representação – os agentes públicos seriam representantes do Estado. Crítica: o Estado seria considerado incapaz e, por isso necessitaria de representação. No caso de usurpação dos poderes da representação, o Estado, como incapaz, não seria responsável, o que, por si só, seria um grande absurdo (para não se dizer um retrocesso); e (c) teoria do órgão (Otto Gierke, Berlim/Alemanha, 1857) – a vontade manifestada pelos agentes públicos é a vontade de seus órgãos que, por conseguinte, é a vontade das pessoas jurídicas que eles integram. Esta é a teoria adotada pelo direito brasileiro.

Por oportuno, vale registrar ainda que a teoria do órgão está vinculada ao princípio da imputação volitiva. Como o órgão público não ostenta personalidade jurídica, a sua vontade (a que lhe é imputada) recai sobre a pessoa jurídica que ele integra. Por isso, não é relevante o fato de o agente de determinado órgão ter sido ou não legitimamente investido em sua função pública (função de fato ou funcionário de fato – teoria da aparência). O ato praticado por aquele agente, com aparência de legitimidade, será considerado como manifestação do órgão que o agente integra e, conseqüentemente, será atribuído à pessoa jurídica correspondente. 4.3.3. Teorias de Caracterização do Órgão (ou da Natureza do Órgão)

A doutrina, depois de sedimentar essas premissas (tópicos 4.3.1 e

4.3.2 acima), formulou teorias para caracterizar os órgãos públicos: (a) teoria subjetiva – o órgão seria o próprio agente público. Crítica: se o agente desaparecer, desaparece também o órgão; (b) teoria objetiva – os órgãos públicos seriam as próprias unidades funcionais (círculos de competência). Crítica: ignoram-se os agentes e, assim, ignora-se o próprio querer (vontade) e agir da Administração Pública; (c) teoria eclética, técnica ou mista – une as idéias das duas teorias acima (subjetiva e objetiva) e, por isso, recai nas críticas já demonstradas;

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, os órgãos públicos são caracterizados por dois elementos: (a) o feixe de atribuições e (b) o agente. Quer dizer, o órgão público é um círculo efetivo de poder que, para tornar efetiva a vontade do Estado, precisa estar integrado por

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agentes. Os dois elementos (objetivo e subjetivo) são exigidos, mas não constituem uma só unidade9. 4.3.4. Criação, Estruturação e Extinção de Órgãos Públicos

A respeito da criação, estruturação e extinção de órgãos públicos, é

necessário verificar alguns dispositivos constitucionais. Os órgãos públicos não são livremente criados e/ou extintos pela

mera vontade da Administração Pública. A sua criação e/ou extinção dependem de lei, conforme dispõe o artigo 48, X e XI, da CF.

A iniciativa de lei visando à criação e/ou extinção de órgãos públicos é privativa do Presidente da República e, por simetria, é privativa dos demais chefes do Poder Executivo (estadual e municipal), conforme dispõe o art. 61, §1º, II, “e”, CF.

De outro lado, é certo que a estruturação e as atribuições dos órgãos públicos deixaram de ser matéria submetida à reserva legal e, portanto, podem ser veiculadas por decreto (autônomo) do Chefe do Poder Executivo (art. 84, VI, “a”, CF), de acordo com a alteração constitucional promovida pela EC n. 32/2001.

A referida reforma constitucional, ao modificar as redações do artigo 61, §1º, II, “e” e do artigo 84, VI, “a”, definiu, entre as competências do Presidente da República, o poder de dispor, mediante decreto, sobre a organização e o funcionamento da Administração Pública federal, desde que não implique aumento de despesa, tampouco a criação e/ou extinção de órgãos públicos. Nessas condições, portanto, é legítima a transformação/reengenharia de órgãos públicos por ato privativo do Chefe do Executivo (sem lei).

Por derradeiro, vale lembrar que a nova diretriz constitucional já era endossada por parte da doutrina, que entendia ser lícito ao Executivo criar órgãos auxiliares, inferiores/subalternos, desde que aproveitasse os cargos já existentes, com competências delegadas por lei, sem que fossem praticados atos que pudessem ferir/constranger direito dos particulares. Muito embora houvesse divergência sobre o assunto, com o advento da EC 32/2001, a dúvida foi dirimida.

4.3.5. Capacidade Processual

Em regra, os órgãos públicos, por não ostentarem personalidade jurídica, não possuem capacidade processual ou personalidade judiciária (não são pessoas e, por isso, não se enquadram na regra do artigo 7º do CPC). Os seus atos são imputados, portanto, à pessoa jurídica à qual estão vinculados (teoria do órgão).

9 Apontamentos sobre os Agentes e Órgãos Públicos, RT, SP, 1975, p. 65.

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Todavia, há casos excepcionais, em que a personalidade judiciária do órgão aparece, principalmente quando se trata de estruturas de envergadura constitucional que agem na defesa de suas prerrogativas e competências (cf. TJGO, Duplo Grau de Jurisdição 4659-8, Rel. Des. Charife Oscar Abrão, j. 21.08.97). Pode-se pensar, nesses casos, em litígios envolvendo órgãos públicos pertencentes a uma mesma pessoa jurídica, o que tornaria inviável a inclusão do ente em um dos pólos da relação jurídico-processual, sob de pena de confusão de partes. Isso pode ocorrer, como é mais comum, entre órgãos da mesma natureza, como na hipótese de litígio entre os Poderes Executivo e Legislativo.

Outra situação anômala, em que se atribui, excepcionalmente, capacidade processual a órgão, está prevista no artigo 82, III do CDC (Lei 8.078/90). De acordo com a referida lei, os órgãos públicos podem promover a liquidação e execução de indenizações, quando o objeto da ação versar sobre algum aspecto consumerista. Essa situação processual, frisa-se, foge à regra e, por isso, só é admitida em razão de expressa previsão legal.

Por fim, é de se lembrar que não há que se falar em litisconsórcio entre órgãos públicos e a pessoa jurídica a que pertencem. Se a pessoa pode figurar no pólo ativo/passivo da ação (o que, como vimos, é a regra), não há porque se cogitar da possibilidade de inclusão do órgão como parte processual.

OBSERVAÇÃO: os eventuais litígios entre órgãos simples (comuns) da Administração Pública devem ser resolvidos internamente, pelos órgãos a que são subordinados, levando-se em consideração o princípio da hierarquia administrativa. 4.3.6. Classificação dos Órgãos Públicos

A doutrina aponta uma série de critérios classificatórios. Vejamos os

mais importantes: (a) quanto à pessoa federativa – leva em conta a estrutura a que os órgãos estão integrados: órgãos públicos federais, estaduais, distritais e municipais; (b) quanto à situação estrutural – leva em conta a situação do órgão na estrutura estatal. Podem ser: (i) diretivos (detêm funções de comando e direção) e subordinados (incumbidos das funções rotineiras de execução); ou (ii) simples (apenas um órgão na estrutura) e compostos (vários órgãos na sua estrutura); (c) quanto à composição: (i) singulares (integrados por um só agente, como as Chefias do Executivo); (ii) coletivos (os mais comuns; são integrados por vários agentes), que podem ser: de representação unitária (a vontade do dirigente é a vontade do órgão, como, por exemplo, um Departamento/Coordenadoria, em que a vontade do órgão é

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representada pela vontade de seu Diretor/Coordenador); e de representação plúrima (órgãos colegiados; a exteriorização da vontade do órgão emana da unanimidade ou maioria da vontade dos agentes que o compõem, como, por exemplo, os conselhos, comissões e/ou tribunais administrativos).

OBSERVAÇÃO: ressalte-se, contudo, que, se o ato é de rotina administrativa, a vontade do órgão de representação plúrima será materializada pela manifestação volitiva apenas de seu presidente (pode, inclusive, ocorrer delegação de competência, conforme autoriza o parágrafo único do artigo 12 da Lei 9.784/99). Ademais, no caso de impetração de Mandado de Segurança contra ato de órgão coletivo, a notificação para prestar informações deverá ser dirigida exclusivamente ao agente que exerça a sua presidência.

4.4. Os Agentes Públicos

Os agentes públicos constituem o elemento físico da Administração.

Na verdade, não se poderia conceber essa estrutura sem a sua presença. Como visto (teoria do órgão), são eles que projetam a vontade do Estado.

A grosso modo, pode-se dizer que agentes públicos são todos aqueles que, a qualquer título, realizam função pública (prepostos do Estado). Compõem, portanto, a trilogia fundamental que dá o perfil da Administração: órgãos, agentes e funções (José dos Santos Carvalho Filho). 5. ATIVIDADE ESTATAL – FORMAS DE DESEMPENHO (SERVIÇOS PÚBLICOS E EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE ECONÔMICA)

A Constituição da República fez opção pelo sistema capitalista de produção (livre iniciativa), com alguns temperamentos (art. 1º, IV e art. 170).

Nessa perspectiva, tem-se que a atividade econômica, por regra, fica a cargo da iniciativa privada e, ao Estado, incumbe o papel de regulador e fiscalizador da atividade exercida pelos particulares (art. 174 da CF). Excepcionalmente, porém, é autorizado ao Estado o desempenho de atividade econômica, desde que fundado em relevante interesse coletivo ou por imperativo da segurança nacional (art. 173 da CF). Nestes casos, haverá intervenção do Estado no domínio econômico.

Assim, é possível afirmar que a atividade estatal reflete, por regra, a prestação de serviços públicos (art. 175 da CF) e, excepcionalmente, a realização de atividade econômica (art. 173 da CF).

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O Plano Diretor da Reforma do Estado10 identifica a sua atuação em quatro setores, nos seguintes termos: (a) núcleo estratégico – o governo, em sentido lato. É o setor que define as leis e as políticas públicas, bem como exige o seu cumprimento; (b) atividades exclusivas – serviços que só o Estado pode realizar, nos quais se detecta o poder extroverso (poder regulamentar, poder de fiscalizar, poder de fomentar, poder de cobrar tributos, poder de polícia, previdência social básica, emissão de passaportes, etc.); (c) serviços não exclusivos – o Estado atua simultaneamente com outras organizações não-estatais e privadas. Não apresentam a expressão do poder do Estado, muito embora o ente estatal se faça presente, porquanto as atividades aqui desenvolvidas (saúde, educação, pesquisa) são relevantes e atendam a direitos humanos fundamentais; e (d) produção de bens e serviços para o mercado – área de atuação das empresas. As atividades se voltam para o lucro e estão a cargo do Estado porque a iniciativa privada não amealhou capital suficiente para o investimento ou, ainda, porque são atividades estratégicas/monopolistas.

Com isso, pode-se concluir que o Estado desempenha (e pode desempenhar) suas atividades de diversas maneiras. 6. OS PRINCIPAIS INTEGRANTES DA ADMINISTRAÇÃO INDIRETA

Desde o advento do Decreto-Lei nº 200/67 (e suas subseqüentes alterações), são consideradas entidades da Administração Pública Indireta (art. 4º, II, DL 200/67) as Autarquias, as Fundações Públicas, as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista.

É importante destacar, porém, que a Lei 11.107/05 criou uma nova pessoa jurídica, com prazo determinado de duração, que foi denominada de Consórcio Público. Esse novo ente poderá ostentar a natureza jurídica de direito privado, sem fins econômicos, ou, ainda, de direito público, sendo que, neste último caso, integrará a Administração Pública Indireta e assumirá a forma de Associação Pública (art. 1º, §1º; art. 4º, IV e art. 6º, I, §1º). O novo Código Civil, no inciso IV de seu artigo 41, equipara as Associações Públicas às Autarquias (autarquia interfederativa ou autarquia multifederada).

10 Disponível em: www.planejamento.gov.br/gestão/conteúdo/publicações/plano diretor/português_tudo.htm

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6.1. Autarquias 6.1.1. Autarquias Comuns 6.1.1.1. Conceito – Terminologia – Fundamento Legal

As Autarquias são pessoas jurídicas de direito público integrantes da

Administração Indireta, criadas e extintas por lei específica (art. 37, XIX CF), despidas de caráter econômico, para desempenhar funções típicas do Estado.

O conceito de Autarquia, portanto, exige a presença de alguns elementos, quais sejam: (a) personalidade jurídica de direito público; (b) instituída (criada) por lei específica; (c) com finalidade de prestar serviços públicos de natureza social e de atividades administrativas (objeto).

Etimologicamente, o termo Autarquia significa governo próprio ou autogoverno (autos + arquia). O governo sugerido pela Autarquia implica em autonomia estritamente administrativa, sem nenhuma conotação política. Ao criar a Autarquia, o Estado visa conferir-lhe algumas funções que merecem ser efetivadas de forma descentralizada.

A Autarquia, portanto, possui autonomia administrativa e financeira, além de patrimônio próprio, com atuação independente em relação à Administração Direta. Esse é o significado de autos + arquia = governo próprio.

A fundamentação legal desses entes (as Autarquias) está inserta no Decreto-Lei 200/67 (Estatuto da Reforma Administrativa Federal), em seu artigo 4º , II, “a” e artigo 5º, I. A Constituição da República também trata das Autarquias, quando faz menção à Administração Indireta do Estado e, inclusive, faz uso do vocábulo entidades autárquicas (art. 37, XIX; art. 109, I; e art. 144, § 1º, I, todos da CF).

6.1.1.2. Criação – Extinção – Personalidade Jurídica

Ao moldar a Autarquia, o Decreto-Lei 200/67 apenas limitou a dizer

que ela seria criada por lei, com personalidade jurídica, sem definir se seria de direito público ou de direito privado. Resta claro, hoje, que as Autarquias são pessoas jurídicas de direito público. Esta qualificação é, aliás, ratificada pelo novo Código Civil (art 41 , IV da CC/02).

Vale ressaltar que o “nascimento” de uma Autarquia não segue as exigências do Código Civil, segundo o qual “a existência legal das pessoas jurídicas começa com a inscrição no registro próprio de seus contratos, atos constitutivos ou estatutos”. Por se tratar de um ente com personalidade jurídica de direito público, o início da sua existência se dá no mesmo momento da vigência da lei que a criou.

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A lei que cria a Autarquia é de iniciativa privativa do chefe do Executivo (art. 61, § 1º, II, “e” CF). E, como é criada por lei, a extinção das Autarquias também deve se dar por lei (aplicação do princípio da simetria das formas jurídicas ou paralelismo jurídico).

6.1.1.3. Objeto e Patrimônio das Autarquias

O Decreto-Lei 200/67, quando delineou os aspectos jurídicos das

Autarquias, apenas consignou que elas seriam destinadas a executar atividades típicas da Administração Pública. Como essa expressão é bastante lacônica, além de variável no tempo e espaço, pode-se afirmar que o objeto da Autarquia é igualmente variável, para que então se molde ao que venha ser considerada atividade própria (ou típica) da administração em determinado contexto histórico-político-administrativo. Hoje, diz-se que o objeto da Autarquia é a execução de serviço público de natureza social, típica atividade administrativa.

O patrimônio das Autarquias é composto de bens públicos. Por isso, são eles impenhoráveis e imprescritíveis. Dessarte, não é permitido ao administrador que proceda à alienação dos bens da Autarquia. Como é de praxe, a alienação de bens públicos, quando possível, deve obedecer as prescrições legais respectivas, como, por exemplo, o artigo 17 da Lei 8666/93.

6.1.1.4. Classificação das Autarquias – Regime de Pessoal

São várias as formas de classificar as Autarquias (doutrina). Comumente, as classificações levam em consideração os seguintes fatores: (a) nível federativo (autarquias federal, estadual, distrital e municipal); (b) objeto (autarquias assistenciais, previdenciárias/INSS, culturais/UFG, profissionais/OAB, administrativas/INMETRO-BACEN, de controle/ANATEL-ANEEL); (c) regime jurídico (autarquia de regime comum, sujeita a disciplina jurídica sem qualquer especificidade; autarquias de regime especial, dotadas de disciplina específica, com prerrogativas especiais e diferenciadas). Os elementos definidores das autarquias em regime especial podem aparecer conjunta ou separadamente e são os seguintes: poder normativo-técnico, autonomia decisória, independência administrativa, autonomia econômico-financeira (ex.: as universidades constituídas sob a forma de Autarquia que, por força do art. 207 da CF, são detentoras de maior autonomia, seja ela didático-científica, seja maior liberdade de pensamento ou menor controle político, haja vista a previsão de mandato fixo para seus chefes, os reitores).

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OBS. nº 1 – É possível criar Autarquias interestaduais ou intermunicipais? Não. Se isso ocorresse, seria provocada uma deformidade no sistema da Administração Direta e Indireta, segundo o qual cada pessoa descentralizada fica vinculada apenas ao ente federativo que a criou. Se houver necessidade de atuação conjunta de diversos entes centrais, a solução encontrada é a celebração de convênios ou consórcios públicos (gestão associada, art. 241 da CF e, ainda, Lei 11.107/2005). OBS. nº 2 – Por força da edição da Lei 9649/98, os serviços de fiscalização de profissões regulamentadas (CRM, OAB, etc.) seriam exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público, mediante autorização legislativa (art. 58). Os serviços de fiscalização de profissões constituem atividades típicas do Estado, por meio dos quais se exerce poder de polícia, com conseqüente aplicação de sanções, o que, portanto, é insuscetível de delegação a entidades privadas (ADIN nº 1.717-DF – Informativo 163 STF). Com a revogação do artigo 39 da Constituição Federal (EC nº

19/95) e a conseqüente extinção do regime jurídico único dos servidores públicos, as Autarquias poderão instituir o regime estatutário ou celetista, conforme o que a lei estabelecer. Pode ser, inclusive, que a Administração Direta adote o regime estatutário para seus servidores e celetista para algumas ou todas as Autarquias a ela vinculadas.

6.1.1.5. Foro – Controle – Responsabilidade Civil

Por força do artigo 109 da CF, as Autarquias federais, nos litígios comuns, desde que atuem como autoras, rés, assistentes ou oponentes, têm suas causas processadas e julgadas na Justiça Federal (ressalvados os casos de foros especiais, como falência, acidente do trabalho, justiça eleitoral e trabalhista). Já as Autarquias estaduais e municipais, nos processos em que figuram como partes ou intervenientes, terão seu curso na Justiça Estadual comum, conforme dispuser o Código de Organização Judiciária (em Goiás, é na Vara da Fazenda Pública Estadual).

Para garantir a persecução dos fins estabelecidos em lei, as Autarquias se sujeitam a controle/tutela (supervisão estatal), que impede o seu distanciamento das finalidades propostas pelo ente instituidor e garante certa harmonia com a atuação administrativa global do Estado. O controle sempre pressupõe previsão legal específica, uma vez que, por regra, as Autarquias são autônomas.

Por isso, as leis criadoras de Autarquias prevêem alguns instrumentos de controle como: (a) a indicação/destituição de seus

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dirigentes é feita pelo Chefe do Executivo (controle político); (b) necessidade de elaboração de relatórios, boletins, balancetes, balanços e informações; (c) realização de auditoria e avaliação periódica de rendimento e produtividade; (d) possibilidade de intervenção por motivo de interesse público (art. 26 do DL 200/67). Ainda, é possível a interposição de recurso administrativo impróprio, para a Secretaria/Ministério supervisor (superior hierárquico), com fundamento no direito constitucional de petição (art. 5º, XXXIV, “a”).

Ainda, quanto ao controle, vale lembrar que as Autarquias se submetem à fiscalização financeiro-orçamentária dos Tribunais de Contas (art 71 da CF), bem como se submetem ao controle jurisdicional (seja de seus atos de direito privado, seja de seus atos tipicamente administrativos).

Em conclusão, ressalta-se que as Autarquias editam atos administrativos, que são dotados de presunção de legitimidade, exigibilidade e auto-executoriedade. Ademais, utilizam de contratos administrativos e são obrigadas a licitar (art.37, XXI da CF c/c Lei nº 8.666/93).

Quanto à responsabilidade civil (extracontratual) das Autarquias, é preciso dizer que elas se submetem à regra do artigo 37 , § 6º , da CF, em que está consagrada a teoria da responsabilidade objetiva do Estado (independe de culpa na conduta do agente). 6.1.1.6. Prerrogativas das Autarquias

Quando em juízo, as Autarquias são consideradas Fazenda Pública

e, por isso, nos processos em que é parte o seu prazo é contado em quádruplo para contestar e em dobro para recorrer (art 188 do CPC).

No que pertine à sua situação fiscal, vale notar que as Autarquias gozam de prescrição qüinqüenal (as dívidas e direitos em favor de terceiros contra as Autarquias prescrevem em cinco anos). Há ainda imunidade tributária (vedação de instituição de impostos sobre patrimônio, renda e serviços das Autarquias, desde que vinculados às suas finalidades essenciais ou delas decorrentes – imunidade condicional), além de que seus créditos estão sujeitos à regra especial da execução fiscal (os créditos autárquicos são inscritos como dívida ativa e serão cobrados via ação de execução fiscal, nos termos da Lei 6830/80).

Em relação a seus bens/rendas, diz-se que são impenhoráveis (a execução, em seu desfavor, está sujeita ao sistema de precatórios), imprescritíveis (seus bens não podem ser adquiridos por usucapião, por vedação do art. 200 do DL 9.760/46; arts. 183, §3º e 191, ambos da CF; e art. 102 do CC/02), além de sua alienabilidade é limitada e não podem ser objeto de direito real de garantia, como o penhor e a hipoteca.

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6.1.2. Autarquias Especiais

Na clara lição de Odete Medauar, “a expressão autarquias de regime especial surgiu, pela primeira vez, na Lei 5.540, de 28.11.1968, art. 4º, para indicar uma das formas institucionais das universidades públicas. Nem esta lei, nem o Dec.-lei 200/67 estabeleceram a diferença geral entre as autarquias comuns e as autarquias de regime especial. As notas características das últimas vão decorrer da lei que instituir cada uma ou de uma lei que abranja um conjunto delas (como ocorre com as autarquias universitárias)” (Direito Administrativo Moderno, RT, 12ª ed., 2008, p.73).

Muito embora, genericamente, não seja possível traçar as exatas (e especiais) características das chamadas autarquias em regime especial (o que, portanto, as diferenciariam da outra espécie do gênero autarquia, quais sejam as autarquias comuns), pode-se afirmar que, em tese, haverá, em favor das autarquias especiais, uma diminuição de controle por parte do ente central (que a criou). Em outras palavras, as autarquias especiais terão, de certa forma, mais autonomia do que as comuns, o que pode ser em maior ou menor grau, caso a caso.

O controle do ente central sobre uma autarquia especial, por ser “diminuído” (em comparação aos controles naturais incidentes sobre as autarquias comuns), implicará, por vezes: (i) menor controle político (ou seja, não se cogitará da livre nomeação e exoneração dos chefes/presidentes/diretores da autarquia especial por decisão isolada, única, a qualquer tempo e desmotivada do Chefe do Executivo); (ii) menor controle administrativo (ou tutela administrativa ou controle finalístico), com a proibição, por vezes, de recursos administrativos impróprios e menos influência na gestão financeira das autarquias especiais.

Já o controle externo, seja pelo Tribunal de Contas (cuidado aqui com a OAB!), seja pelo Poder Judiciário (este, quando provocado) ocorrerá, praticamente, na mesma medida do que é natural às autarquias comuns.

De um olhar sobre a doutrina, a par de controvérsias e classificações divergentes minoritárias, é possível afirmar que as autarquias em regime especial (ou autarquias especiais) incluiriam: (a) as autarquias em regime especial de ensino; (b) as autarquias de competência regulatória; (c) as agências reguladoras; e (d) os Conselhos Profissionais (com um cuidado muito grande para o tratamento ímpar atribuído, especialmente pela jurisprudência, à OAB, em distinção com os demais Conselhos Profissionais).

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6.1.2.1. Autarquias em Regime Especial de Ensino

A vigente Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei nº 9.394/96) garante, até porque é preceito constitucional (desde a CF/88), a chamada autonomia universitária (art. 207 da CF). Essa lei, porém, não revela qual a forma a ser adotada por uma instituição de ensino superior pública, quando de sua constituição. Em período legislativo anterior, porém, a revogada disciplina legal acerca das Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024/61 e Lei 5.540/68), previa que as “universidades públicas” poderiam ser criadas como autarquias ou fundações. Falava-se, já naquela época, em autonomia universitária (mesmo que apenas no plano infraconstitucional), além de que foi a Lei nº 5.540/68 que, ao inovar no ordenamento jurídico, categorizou as instituições de ensino superior públicas como autarquias de regime especial.

Nessas circunstâncias, é certo que convivemos, na atualidade, com autarquias que se dedicam ao ensino superior, como “universidades públicas” e, por deterem a referida autonomia universitária, ostentam maior liberdade de agir em relação às autarquias comuns. Muito embora não se trate, o caso, de autonomia política, inerente apenas aos Entes Federados (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), é induvidoso que as autarquias em regime especial de ensino gozam de tamanha liberdade que o art. 54 da atual LDB chega a prever que elas gozarão de um estatuto jurídico especial (ou seja, regimentos elaborados por elas próprias, com sentido de normas principais a se seguir), além, é claro, de outras características diferenciadas como a existência de órgãos superiores colegiados (de composição mista), com poderes amplos deliberativos e normativos.

A autonomia e os objetivos das atividades universitárias impedem que se apliquem às universidades oficiais o mesmo tratamento das autarquias comuns, como bem ensina Odete Medauar, amparada nas lições de Caio Tácito e Anna Cândida da Cunha Ferraz. Por fim, vale frisar que se observa nítida diminuição do controle político, na medida em que a nomeação do Reitor é feita pelo Chefe do Executivo, mas está presa a nomes constantes de uma lista (geralmente tríplice) elaborada pela própria Universidade (por regra, em eleição paritária entre alunos, servidores e professores). Além do mais, uma vez nomeado, o Reitor tem direito a mandato, que não pode ser cassado direta e imediatamente pela autoridade nomeante (cf. Súmula 47 do STF).

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6.1.2.2. Autarquias de Competência Regulatória A importância de se falar dessa espécie de autarquia especial é

eminentemente técnico-didática, com a finalidade precípua de separá-la das chamadas agências reguladoras.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello, insistentemente, afirmam que o fenômeno da regulação/fiscalização, que é coincidente com o Plano Nacional de Desestatização e o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (EC 19/95), não é nada novo. De forma coerente e acertada, aqueles ilustres administrativas ensinam que, no Brasil, há tempos, já existiam entes com competência regulatória, qualificados como autarquias especiais, quais sejam, por exemplo, o Banco Central do Brasil (BACEN) e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE).

Essas pessoas já exerciam (e ainda exercem) funções reguladoras, normativas e fiscalizadoras, com grande liberdade em relação ao ente central que as criou. Para atender as peculiaridades de suas atividades, esses entes são dotados de maior “autonomia” do que a que é ostentada pelas chamadas autarquias comuns.

Em resumo, pode-se dizer que o BACEN é uma autarquia de regime especial, em razão de suas atribuições. Com efeito, por força do artigo 21, VII, da CF/88, a competência para emissão de moedas é da União por meio do Banco Central. O BACEN também tem por finalidade fiscalizar as atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras, entre outras funções.

Já o Conselho Administrativo de Defesa Econômica é uma autarquia vinculada ao Ministério da Justiça. Possui regime especial de atuação, em face de seus objetivos de regramento do desenvolvimento econômico nacional, com o controle das práticas antitruste, de infrações à ordem econômica, eliminação da concorrência e dominação dos mercados (monopólio).

A diferença de regulação entre essas pessoas (de competência regulatória) e as agências reguladoras é mínima: aquelas mantêm regulação ampla, em diversos setores, serviços e atividades, com influência geral sobre o mercado, por exemplo; estas, por outro lado, atuam com altíssima qualificação e especificidade técnica, bem como setorial, voltadas para a regulação de um serviço público e/ou atividade específicos. 6.1.2.3. Agências Reguladoras

As Agências Reguladoras são consideradas entre as chamadas Autarquias Especiais (ou Autarquias de Regime Especial).

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O modelo de agências tem sua origem no regime norte-americano (independent agencies e independent regulatory agencies). Esses entes são vocacionados para a regulamentação econômica ou social.

No Brasil, na chamada “era Collor”, a Lei 8031/90 (Plano Nacional de Desestatização – PND), hoje revogada pela Lei 9491/97 (e suas alterações subseqüentes – Leis 9.635 e 9.700), inaugurou o sistema de agências, com o intuito de resolver a falência de qualidade, continuidade e generalidade na prestação dos serviços públicos, reduzir o déficit público e sanear as finanças governamentais (o foco era a eficiência). Com isso, foram transferidas à iniciativa privada as tarefas que o Estado executava de forma dispendiosa. Isso se operou por um processo de privatização, com a alienação das chamadas paraestatais.

O Estado, portanto, afastou-se de algumas tarefas (que eram executadas por intermédio de paraestatais), como a telefonia, petroquímica, mineração, eletricidade, transportes, siderurgia, etc.. Fez-se necessário, então, a instituição de órgãos/entes reguladores.

As Agências Reguladoras, portanto, são órgãos/entes da Administração Direta ou Indireta, com função de regular alguns determinados setores (matérias). Sua aparição está ligada, como visto, à privatização de vários serviços antes desempenhados pelo Estado. Na lição de Diogo de Figueiredo Moreira Neto, a privatização do serviço correspondeu à "publicização" da regulamentação e do controle sobre ele exercido.

É que, ainda na lição do referido mestre, o modelo anterior pressupunha a acumulação pelo Estado das funções de prestador e de fiscal do serviço. O Estado, assim, não tinha interesse real de expor as deficiências do serviço que ele próprio prestava.

Essa “nova” idéia, porém, encontra resistência na doutrina de Celso Antonio Bandeira de Mello, que adverte: se o Estado é mau prestador, é muito pior fiscal.

As Agências fazem parte de um grupo especial de Autarquias que surgiram como proposta de modernização do Estado. O objetivo principal dessas novas Autarquias é o controle das pessoas jurídicas de direito privado incumbidas da prestação dos serviços públicos, que os realizam sob a forma de concessão/permissão. Ainda, é necessário dizer que o objetivo ainda se estende à intervenção estatal no domínio econômico, com o fim de evitar eventuais abusos cometidos pelas referidas pessoas da iniciativa privada.

Genericamente, pode-se afirmar que as Agências Reguladoras assumem os poderes que antes competiam ao Estado, em concessões, permissões e autorizações de serviço público. A Constituição prevê dois órgãos reguladores: Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL (criada pela Lei 9.472/97) e a Agência Nacional do Petróleo – ANP (criada pela Lei 9.478/97). As demais Agências têm apenas previsão legal.

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Além da regulação de serviços públicos (por exemplo, ANATEL, ANEEL, ANTT), há Agências que se dedicam ao controle do uso de bens públicos (como a Agência Nacional de Águas – ANA), ao fomento e fiscalização de atividade privada (Agência Nacional do Cinema – ANCINE), e, ainda, à fiscalização de serviços de interesse público (como a Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA).

A doutrina e a jurisprudência (bem como a própria lei) consagraram a definição de Agência Reguladora como "Autarquia de Regime Especial", já que há mandato fixo para seus dirigentes, as suas decisões assumem caráter final na esfera administrativa, há receitas próprias e, portanto, maior autonomia11.

As Agências Reguladoras assumiram aquelas obrigações que antes incumbiam ao Estado, como poder concedente, e passaram a regulamentar os serviços concedidos (criando comandos sub legem), realizar licitações para escolha de concessionários, definir o valor da tarifa a ser cobrada dos usuários, receber “denúncias” e reclamações, etc. (Maria Sylvia Zanella Di Pietro).

Ainda, é necessário fazer referência ao poder regulador das Agências. Os seus limites ainda não foram devidamente traçados pela jurisprudência, mas a doutrina vem se manifestando no sentido de que, sob a égide do Estado de Direito, o ente regulador poderia apenas estabelecer comandos com fundamento em base legal anterior (respeito ao princípio da legalidade). Com isso, as Agências editarão regulamentos técnicos, utilizando-se do espaço normativo que lhes foi confiado por lei. O STF, inclusive, chegou a analisar essa questão. Ao julgar o pedido de medida cautelar na ADIN 1668 (foco era a ANATEL), assim decidiu:

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE (Medida Liminar) 1668 [...] Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, apreciando normas inscritas na Lei nº 9472 , de 16/07/97, resolveu [...] deferir, em parte, o pedido de medida cautelar, para: a) quanto aos incisos IV e X, do art. 19, sem redução do texto, dar-lhes interpretação conforme à Constituição Federal, com o objetivo de fixar exegese segundo a qual a competência da Agência Nacional de Telecomunicações para expedir normas subordina-se aos preceitos legais e regulamentares que regem a outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações no regime público e no regime privado, vencido o Ministro Moreira Alves, que o indeferia (Plenário, 20.08.1998).

Por derradeiro, quanto ao regime de pessoal, vale frisar que a Lei

9986/00 previa o regime celetista para os servidores das Agências

11 Vide, por exemplo, o artigo 8º, § 2º da Lei 9.472/97 (ANATEL): "A natureza de autarquia especial conferida à Agência é caracterizada por independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes e autonomia financeira".

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Reguladoras, mas essa regra foi suspensa, liminarmente, pelo STF (ADIN 2310). Posteriormente, a Medida Provisória n. 155/2003, previu que os servidores das Agências seriam ocupantes de cargo efetivo. Atualmente, a Lei 10.871/04 estruturou em cargos a organização administrativa interna desses entes.

Esses entes, por desempenharem a fiscalização (lato sensu), que é atividade típica (própria) do Estado, necessitam de garantir estabilidade aos seus servidores, para que bem desempenhem suas atribuições. Seria o reconhecimento de um núcleo de atividades cujos servidores devem ser submetidos a regime estatutário, com estabilidade que lhes permita decisões isentas e técnicas. OBSERVAÇÃO: No Estado de Goiás, há apenas uma Agência Reguladora, qual seja a AGR – Agência Goiana de Regulação, Controle e Fiscalização de Serviços Públicos. 6.1.2.4. Dos Conselhos Profissionais

“Trata-se de organismos destinados, em princípio, a ‘administrar’ o exercício de profissões regulamentadas por lei federal. São geridos por profissionais da área, eleitos por seus pares. De regra, têm estrutura federativa, com um órgão de nível nacional e órgãos de nível estadual.”

“As leis que regulamentam profissões e criam ordens ou conselhos transferem-lhes competência para exercer a fiscalização do respectivo exercício profissional e o poder disciplinar. A chamada polícia das profissões, que originariamente caberia ao poder público, é, assim, delegada às ordens profissionais que, nessa matéria, exercem atribuições de poder público” (Odete Medauar, Direito Administrativo Moderno, 12ª ed., 2008, p. 95).

Algumas leis, criadoras desses entes, não especificam a sua natureza, se de direito público ou de direito privado. Porém, é certo que algumas o fizeram e ora conferiram personalidade jurídica de direito público (como a Ordem dos Músicos – Lei 3.857/60; o Conselho de Farmácia – Lei 3.820/60, entre outros), ora conferiram personalidade pública somada à natureza de autarquia (como é o caso, por exemplo, do Conselho de Medicina e do Conselho de Psicologia).

A doutrina, portanto, tem denominado esses entes de autarquias para-administrativas, corporações autárquicas, corporações profissionais, instituições corporativas e até mesmo espécie de autarquias em regime especial. É, aliás, a própria jurisprudência que reconhece a natureza autárquica dessas pessoas, muito embora haja resistência de parte da doutrina em afirmar que elas integram a Administração Indireta, até mesmo por entenderem que não se enquadram nos preceitos do DL 200/67.

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Há pouco tempo, quando da edição da Lei nº 9.649/98, foi atribuída a esses entes a natureza de direito privado, mas o dispositivo específico desta lei foi atacado por ADI perante o STF (ADI 1717/DF) que, ao julgá-la, declarou a inconstitucionalidade da regra nesse particular. Com isso, sem dúvida, os Conselhos Profissionais continuaram a ser considerados como autarquias, porém, como se vê, autarquias especiais (já que possuem características peculiares). Essas pessoas, portanto, estão sujeitas ao controle pelo Tribunal de Contas, além de contabilidade pública; guardam obrigação de contratar pessoal pela regra do concurso público; e suas anuidades têm natureza tributária (cobradas em juízo, portanto, via execução fiscal). A propósito do assunto, vale o exame da seguinte ementa de julgado do Supremo Tribunal Federal:

CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. ENTIDADES FISCALIZADORAS DO EXERCÍCIO PROFISSIONAL. CONSELHO FEDERAL DE ODONTOLOGIA: NATUREZA AUTÁRQUICA. Lei 4.234, de 1964, art. 2º. FISCALIZAÇÃO POR PARTE DO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO. I. - Natureza autárquica do Conselho Federal e dos Conselhos Regionais de Odontologia. Obrigatoriedade de prestar contas ao Tribunal de Contas da União. Lei 4.234/64, art. 2º. C.F., art. 70, parágrafo único, art. 71, II. II. - Não conhecimento da ação de mandado de segurança no que toca à recomendação do Tribunal de Contas da União para aplicação da Lei 8.112/90, vencido o Relator e os Ministros Francisco Rezek e Maurício Corrêa. III. - Os servidores do Conselho Federal de Odontologia deverão se submeter ao regime único da Lei 8.112, de 1990: votos vencidos do Relator e dos Ministros Francisco Rezek e Maurício Corrêa. IV. - As contribuições cobradas pelas autarquias responsáveis pela fiscalização do exercício profissional são contribuições parafiscais, contribuições corporativas, com caráter tributário. C.F., art. 149. RE 138.284-CE, Velloso, Plenário, RTJ 143/313. V. - Diárias: impossibilidade de os seus valores superarem os valores fixados pelo Chefe do Poder Executivo, que exerce a direção superior da administração federal (C.F., art. 84, II). VI. - Mandado de Segurança conhecido, em parte, e indeferido na parte conhecida. (STF, Pleno, MS 21797/RJ, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 18.05.01)

No mesmo sentido, caminha a orientação atual do Superior Tribunal de Justiça:

“[...] A solução da controvérsia parte da premissa, já assentada pela jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, de que os conselhos de fiscalização profissional possuem natureza jurídica de autarquia, sujeitando-se, portanto, ao regime jurídico de direito público. Confiram-se, a propósito, os seguintes precedentes: ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. AUTARQUIA FEDERAL.

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COMPETÊNCIA. JUSTIÇA FEDERAL. DECADÊNCIA. TERMO A QUO. LESÃO AO DIREITO. IMPETRANTE. OMISSÃO. JULGADO A QUO. IMPOSSIBILIDADE DE AVERIGUAÇÃO. NÃO-INDICAÇÃO DE OFENSA AO ART. 535 DO CPC. RAZÕES RECURSO ESPECIAL. I - Por se tratarem os conselhos de fiscalização de profissão de autarquias federais, a competência para o processamento e julgamento da presente lide é da Justiça Federal, com esteio no art. 109, I, da CF. [...] IV - Agravo regimental improvido." (AgRg no REsp 479.025/DF, Rel. Min. FRANCISCO FALCÃO, Primeira Turma, DJ 20/10/03; sem grifo no original) ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL. CONSELHOS PROFISSIONAIS. PROCESSOS DISCIPLINAR E ÉTICO. COMPETÊNCIA DO CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. CLASSIFICAÇÃO COMO ENTIDADE AUTÁRQUICA. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL PROCESSAR E JULGAR (ART. 109, I E IV, DA CF/88). JURISPRUDÊNCIA DO STJ. PRECEDENTES. - O Superior Tribunal de Justiça entende que os Conselhos Regionais de fiscalização do exercício profissional têm natureza jurídica de autarquia federal e, como tal, atraem a competência da Justiça Federal nos feitos de que participem. (CF/88, Art. 109, IV). (AgRg no REsp 314.237/DF, Rel. Min. HUMBERTO GOMES DE BARROS, Primeira Turma, DJ 9/6/03; sem grifo no original) MANDADO DE SEGURANÇA. CONSELHO REGIONAL DE FARMÁCIA DO DISTRITO FEDERAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. I - Os Conselhos Regionais de Farmácia têm a natureza jurídica de autarquias federais, competindo, por isso, à Justiça Federal apreciar mandados de segurança ajuizados contra o seu presidente. II - Conflito de que se conhece a fim de declarar-se a competência do MM. Juízo Federal, suscitado." (CC 19.402/DF, Rel. Min. ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Primeira Seção. DJ 26/6/97; sem grifo no original) Nesse mesmo sentido é a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal: Mandado de segurança. - Os Conselhos Regionais de Medicina, como sucede com o Conselho Federal, são autarquias federais sujeitas à prestação de contas ao Tribunal de Contas da União por força do disposto no inciso II do artigo 71 da atual Constituição. - Improcedência das alegações de ilegalidade quanto à imposição, pelo TCU, de multa e de afastamento temporário do exercício da Presidência ao Presidente do Conselho Regional de Medicina em causa. Mandado de segurança indeferido. (MS 22.643/SC, Rel. Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, DJ 4/12/98; sem grifo no original)” (STJ, 5ª Turma, REsp 820696/RJ, trecho do voto condutor do acórdão, Rel. Min. Arnaldo Esteves de Lima, DJe 17.11.08)

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6.1.2.4.1. O caso peculiar da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB)

A OAB é classificada como autarquia sui generis (quer dizer, nem é autarquia comum, nem é autarquia especial “típica”). Para a jurisprudência, especialmente dos tribunais superiores, não há dúvida de que a ORDEM realmente não está inserida na estrutura da Administração Pública (Direta ou Indireta).

A propósito, reza o artigo 44, § 1º, do Estatuto da OAB, que ela não mantém vínculo nenhum com órgãos da Administração Pública, nem funcional, nem hierárquico. Sua anuidade não ostenta natureza tributária, por isso mesmo cobrada via execução comum, sem contabilidade pública e nem mesmo interferência de controle do Tribunal de Contas.

Trata-se, pois, de uma espécie de serviço público independente, mas, repita-se, nem mesmo inserida e classificada como autarquia especial tipicamente falando/pensando (é algo sui generis mesmo, na literalidade do termo!).

O fundamento de tal raciocínio e conclusão é, sem dúvida, a importância e status constitucional da OAB, como função essencial à administração da justiça. Para melhor encaixe do assunto, é importante a leitura e compreensão do temário perante o Superior Tribunal de Justiça, nos seguintes termos:

“Embora constitua serviço público e goze de imunidade tributária em relação a seus bens e suas rendas, nos termos do art. 44, caput, e art. 45, § 5º, da Lei n.º 8.906/94, a natureza jurídica da OAB não se ajusta perfeitamente ao conceito de autarquia. A doutrina adota o entendimento de que a OAB possui natureza de autarquia especial ou sui generis, pois, mesmo incumbida de realizar serviço público, nos termos da lei que a instituiu, não se inclui entre as demais autarquias federais típicas, já que não busca realizar os fins da Administração. Assim, a anuidade paga pelos advogados não pode ser enquadrada no conceito de tributo, cuja definição legal é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção por ato ilícito, instituída por lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada. (art. 3º do CTN) Segundo bem elucida o Min. Castro Meira, no REsp 572.080/PR, publicado no DJ 3.10.2005, acerca da natureza jurídica da contribuição para a OAB, verbis: Cuida-se, em verdade, de contribuição de caráter associativo, que não sofre as limitações próprias das exações tributárias. O valor da contribuição não obedece a nenhuma regra de quantificação; não há alíquota, nem base de cálculo. O valor é definido pelo respectivo Conselho Seccional, na conformidade do que preceitua o art. 58, inciso IX, da Lei n.º 8.906/94 (Estatuto), verbis: Art. 58. Compete privativamente ao Conselho Seccional:

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IX - fixar alterar e receber contribuições obrigatórias preços de serviços e multas. Assim, a Lei n.º 8.906/94 (Estatuto) assegura à OAB uma contribuição para o custeio de sua missão institucional. A norma sob referência apenas faculta à entidade a cobrança de contribuição de seus respectivos inscritos, sem, contudo, delinear-lhe qualquer regra relativa à sua quantificação, bem como omitindo-se quanto às questões relativas ao vencimento ou à forma de pagamento, que ficam a cargo de cada Seccional. Essa contribuição, embora autorizada por lei, não se reveste de natureza tributária, eis que não se submete às limitações impostas pelo regime jurídico-tributário, em especial, ao princípio da legalidade. A sua instituição, valoração e cobrança é ato privativo de cada Conselho Seccional da OAB, independentemente de ato legislativo. Diante disso, a Primeira Seção desta Corte pacificou o entendimento de que as cobranças das anuidades da OAB, por não possuírem natureza tributária, seguem o rito do Código de Processo Civil, e não da Lei n. 6.830/80.” (STJ, 2ª Turma, REsp 915753/RS, trecho do voto condutor do acórdão, Rel. Min. Humberto Martins, DJ 04.06.07).

No âmbito do Supremo Tribunal Federal, chama a atenção o julgado da ADI 3026/DF, ocorrido em 08.06.06, pelo Pleno, assim ementado (relatoria Min. Eros Grau):

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 1º DO ARTIGO 79 DA LEI N. 8.906, 2ª PARTE. "SERVIDORES" DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. PRECEITO QUE POSSIBILITA A OPÇÃO PELO REGIME CELESTISTA. COMPENSAÇÃO PELA ESCOLHA DO REGIME JURÍDICO NO MOMENTO DA APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. IMPOSIÇÃO DOS DITAMES INERENTES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). INEXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A ADMISSÃO DOS CONTRATADOS PELA OAB. AUTARQUIAS ESPECIAIS E AGÊNCIAS. CARÁTER JURÍDICO DA OAB. ENTIDADE PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO INDEPENDENTE. CATEGORIA ÍMPAR NO ELENCO DAS PERSONALIDADES JURÍDICAS EXISTENTES NO DIREITO BRASILEIRO. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DA ENTIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. VIOLAÇÃO DO ARTIGO 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A Lei n. 8.906, artigo 79, § 1º, possibilitou aos "servidores" da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista. Compensação pela escolha: indenização a ser paga à época da aposentadoria. 2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta. 3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como "autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas "agências". 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle

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da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária. 6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público. 7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidades corporativas. Possui finalidade institucional. 8. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente. 9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se dê interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição do Brasil ao caput do artigo 79 da Lei n. 8.906, que determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores da OAB. 10. Incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB. 11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade. 12. Julgo improcedente o pedido.

6.2. Fundações Públicas

As Fundações Públicas são patrimônio submetido a um fim específico, delineado por um estatuto, dotado de personalidade jurídica própria, que pode ser de direito público (neste caso, de natureza autárquica) ou de direito privado.

Definir a natureza jurídica do ente é importante para se aferir se a Fundação gozará ou não de prerrogativas processuais da Fazenda Pública, de execução especial contra a Fazenda Pública, bem como de juízo privativo (Varas da Fazenda Pública, onde houver).

O Código Civil/1916 não fazia referência às Fundações de Direito Público, no que foi seguido pela Reforma Administrativa (art. 5º, I do DL 200/67) e pelo novo Código Civil/2002 (pela regra de seu art. 44, entende-se que todas as Fundações são pessoas jurídicas de direito privado). Entretanto, para a maioria da doutrina, inclusive o próprio STF, há sim Fundações de direito público, que são equiparadas às Autarquias, sobretudo quando dependam de verbas públicas (já que a típica Fundação, no seu modelo privado, é um patrimônio independente, que por si só e por seus frutos, propicia o alcance de seus objetivos institucionais).

Para o STF, este é o distintivo predominante: a Fundação Pública de direito público não é sustentada por receitas próprias e sim por recursos

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do ente federado instituidor. Quando se trata de Fundação Pública de direito privado, seus bens não estarão protegidos e, portanto, poderão ser penhorados, além de que sua responsabilidade civil não se encaixa na regra do artigo 37, §6º da CF/88 e seu pessoal será celetista. O leading case, no STF, é o RE 101.126-RJ (1984), no qual restou assentado:

RE 101126 / RJ – Relator: Min. MOREIRA ALVES EMENTA: ACUMULAÇÃO DE CARGO, FUNÇÃO OU EMPREGO. FUNDAÇÃO INSTITUÍDA PELO PODER PÚBLICO. NEM TODA FUNDAÇÃO INSTITUÍDA PELO PODER PÚBLICO É FUNDAÇÃO DE DIREITO PRIVADO. AS FUNDAÇÕES INSTITUÍDAS PELO PODER PÚBLICO, QUE ASSUMEM A GESTÃO DE SERVIÇO ESTATAL E SE SUBMETEM A REGIME ADMINISTRATIVO PREVISTO, NOS ESTADOS-MEMBROS, POR LEIS ESTADUAIS SÃO FUNDAÇÕES DE DIREITO PÚBLICO, E, PORTANTO, PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PÚBLICO. TAIS FUNDAÇÕES SÃO ESPÉCIES DO GÊNERO AUTARQUIA, APLICANDO-SE A ELAS A VEDAÇÃO A QUE ALUDE O PARÁGRAFO 2. DO ART. 99 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. [...] RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO.

Ainda, no mesmo sentido, o RE 215.741-SE, da Relatoria do

Ministro Maurício Corrêa: RE 215741 / SE – Relator: Min. MAURICIO CORREA EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. FUNDAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE. CONFLITO DE COMPETÊNCIA ENTRE A JUSTIÇA FEDERAL E A JUSTIÇA COMUM. NATUREZA JURÍDICA DAS FUNDAÇÕES INSTITUÍDAS PELO PODER PÚBLICO. 1 - A Fundação Nacional de Saúde, que é mantida por recursos orçamentários oficiais da União e por ela instituída, é entidade de direito público. 2 – Conflito de competência entre a Justiça Comum e a Federal. Artigo 109, I da Constituição Federal. Compete à Justiça Federal processar e julgar ação em que figura como parte fundação pública, tendo em vista sua situação jurídica conceitual assemelhar-se, em sua origem, às autarquias. 3 – Ainda que o artigo 109, I da Constituição Federal, não se refira expressamente às fundações, o entendimento desta Corte é o de que a finalidade, a origem dos recursos e o regime administrativo de tutela absoluta a que, por lei, estão sujeitas, fazem delas espécie do gênero autarquia. 4 – Recurso extraordinário conhecido e provido para declarar a competência da Justiça Federal.

Ainda, vale lembrar que lei complementar deve definir a área de

atuação das fundações públicas (art. 37, XIX, in fine da CF), que, geralmente, é voltada para as finalidades sociais, como ensino, pesquisa, cultura, assistência social e médica.

Nos termos do DL 200/67 (art. 5º, IV, alterado pela Lei 7.596/87), Fundação Pública é "a entidade dotada de personalidade jurídica de direito

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privado, sem fins lucrativos, criada em virtude de autorização legislativa, para o desenvolvimento de atividades que não exijam execução por órgãos ou entidade de Direito Público, com autonomia administrativa, patrimônio gerido pelos respectivos órgãos de direção e funcionamento custeado por recursos da União e outras fontes". Por derradeiro, anota-se que o Ministério Público é o curador das fundações. Porém, segundo ponderadas vozes doutrinárias, esse controle não tem razão de ser, no que pertine às Fundações Públicas. Por se tratar (o controle exercido pelo MP), de um controle finalístico (que visa evitar o distanciamento da fundação de seus fins institucionais), é certo que esta função já incumbe ao Estado (ente central), além de que são submetidas ao controle externo do Tribunal de Contas.

6.3. Empresas Estatais

São chamadas de empresas estatais as Sociedades de Economia

Mista e as Empresas Públicas, além de outras empresas que o Estado detenha controle acionário (obs.: o que distingue a Sociedade de Economia Mista de uma empresa que o Estado detenha controle acionário é a origem legal, a sua participação na gestão da empresa e a vontade de fazer dela um instrumento de ação do próprio Estado).

A sua criação é autorizada por lei e seu efetivo nascimento se dá com o registro de seus atos constitutivos. São extintas mediante autorização legal, depois de atendidos os trâmites legais (liquidação da empresa).

Sujeitam-se ao regime próprio das empresas privadas (art. 173 CF), com as derrogações previstas na Constituição12. Seus bens, portanto, podem ser penhorados, caso não estejam afetados a prestação de serviço público; não gozam das prerrogativas estatais; seus atos e contratos são de direito privado; não se encaixam na regra especial de prescrição contra o Estado (qüinqüenal). Com a EC nº 19/98, a Constituição Federal (art. 173) passou a prever a edição de uma lei que trataria do Estatuto Jurídico de Empresas Públicas/Sociedades de Economia Mista e suas subsidiárias13. A licitação somente lhes seria imponível, para Celso Antonio Bandeira de Melo, quando não prejudicasse sua atuação no mercado.

Os seus empregados são celetistas, muito embora se submetam ao concurso público para ingresso. Os litígios porventura existentes (na relação de trabalho) serão dirimidos pela Justiça do Trabalho.

12 Como exemplo de derrogação do regime privado pela Constituição, anota-se que a remuneração dos agentes vinculados às empresas estatais se submeterá ao teto previsto no artigo 37, XI da CF. 13 Empresas subsidiárias são aquelas cujo controle acionário e a gestão de atividades são atribuídos à estatal; são as sociedades controladas de que fala a Lei 6404/76.

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A doutrina reconhece duas atividades às estatais: exploradoras de atividades econômicas (art. 173, § 1º CF) e prestadoras de serviço público (art. 175 da CF).

As prestadoras de serviço público não são concessionárias stricto sensu, salvo de possuírem recursos expressivos (privados ou públicos) de pessoas diferentes (uma empresa pública estadual que explore serviço da União, por exemplo). Caso seja a prestadora de serviço formada com capitais exclusivos da pessoa de direito público central não há concessão e sim outorga.

Uma interessante discussão, baseada na distinção acima, se dá quanto à possibilidade das estatais falirem. Celso Antônio Bandeira de Mello entende que, por força do artigo 173, § 1º da CF (impede que a lei conceda vantagens a elas em relação às empresas privadas), as estatais, se exploradoras de atividade econômica, podem falir e, ao Estado, não seria imputável responsabilidade subsidiária. Caso contrário, elas seriam mais atrativas, por envolverem menos risco (já que o Estado sempre garantiria suas dívidas). No caso, porém, de prestadoras de serviço público, também se admite a possibilidade de sua falência, mas os bens afetados ao serviço público seriam impenhoráveis e, portanto, não seriam arrecadados para compor a massa falida. Finalmente, cabe ressaltar que antigo comando normativo (artigo 242 da Lei 6404/76) vedava a falência da Sociedade de Economia Mista e estabelecia a responsabilidade subsidiária do Estado por seus débitos (essa regra, no entanto, foi revogada pela Lei 10303/2001).

Uma polêmica relativamente recente cerca a possibilidade de controle dos atos das empresas estatais pelo Tribunal de Contas. Apesar de a doutrina ter sempre se manifestado em sentido positivo, o STF firmou precedente no sentido dessa impossibilidade:

Sociedade de Economia Mista e Tomada de Contas (Informativo STF 259). Concluindo o julgamento de dois mandados de segurança (v. Informativo 250), o Tribunal, por maioria, decidiu que não é aplicável o instituto da tomada de contas especial ao Banco do Brasil S/A, sociedade de economia mista. Tratava-se, na espécie, de julgamento conjunto de dois mandados de segurança impetrados pelo Banco do Brasil S/A contra atos do Tribunal de Contas da União - TCU (Decisões 854/97 e 664/98) que determinaram ao mesmo Banco que instaurasse, contra seus empregados, tomada de contas especial visando a apuração de fatos, identificação de responsáveis e quantificação de dano aos próprios cofres relativamente à assunção, por agência, de dívida pessoal de ex-gerente, e ao prejuízo causado em decorrência de operações realizadas no mercado de futuro de índices BOVESPA. O Tribunal entendeu que os bens e direitos das sociedades de

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economia mista não são bens públicos, mas bens privados que não se confundem com os bens do Estado, de modo que não se aplica à espécie o art. 72, II, da CF, que fixa a competência do TCU para julgar as contas dos responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos. Vencidos os Ministros Carlos Velloso, relator, e Ellen Gracie, que votaram pelo indeferimento da ordem sob o fundamento de que o inciso II do art. 71 da CF é expresso ao submeter à fiscalização do TCU as contas dos administradores e demais responsáveis por entidades da administração indireta (...) Reajustaram os votos anteriormente proferidos os Ministros Maurício Corrêa e Sydney Sanches. (MS 23.627-DF e MS 23.875-DF, Relator Originário Min. Carlos Velloso, Redator para Acórdão Min. Ilmar Galvão, 7.3.2002).

6.3.1. Sociedade de Economia Mista

Trata-se de pessoa jurídica de direito privado, com criação

autorizada por lei (art. 37, XIX da CF), sob a forma de sociedade anônima (sempre), com mescla de capital público e privado, mas sempre com controle acionário do Estado, que será o responsável por sua gestão. O artigo 5º, II do Decreto-Lei 200/67 assim lhe conceitua: "a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, criada por lei para a exploração de atividade econômica, sob a forma de sociedade anônima, cujas ações com direito a voto pertençam, em sua maioria, à União ou à entidade da administração indireta". Ocasionalmente, porém, podem as Sociedade de Economia Mista prestarem serviços públicos, como ocorria com a extinta ELETROBRÁS. 6.3.2. Empresa Pública

Trata-se de pessoa jurídica de direito privado, com criação

autorizada por lei, sob qualquer das formas admitidas em direito, mas com capital integralmente público. Sua conceituação legal está no artigo 5º do Decreto-Lei 200/67: “a entidade dotada de personalidade jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União, criada por lei para a exploração de atividade econômica que o Governo seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência administrativa, podendo revestir-se de qualquer das formas admitidas em Direito”. Apesar dessa dicção legal, há exemplos de Empresas Públicas que prestam serviço público, como é o caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT (art. 21, X da CF).

Vale frisar ainda que, por força daquele mesmo artigo 5º do Decreto-Lei 200/67, “desde que a maioria do capital votante permaneça de propriedade da União, será admitida, no capital da Empresa Pública, a participação de outras pessoas jurídicas de direito público interno, bem

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como de entidades da Administração Indireta da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios". Dessa idéia, portanto, que o Professor Celso Antonio Bandeira de Mello elaborou o seu conceito, qual seja: “é a pessoa jurídica criada por lei como instrumento de ação do Estado, com personalidade de Direito Privado, mas submetida a certas regras especiais decorrentes de ser coadjuvante de ação governamental, constituída sob quaisquer das formas admitidas em Direito e cujo capital seja formado unicamente por recursos de pessoas de Direito Público interno ou de pessoas de suas Administrações indiretas, com predominância acionária residente na esfera federal". Este conceito refere-se à Empresa Pública federal. 6.3.3. Principais Semelhanças e Diferenças entre as Empresas Públicas e as Sociedades de Economia Mista 6.3.3.1. Traços Comuns (a) mesmo tratamento para criação e extinção; (b) personalidade jurídica de direito privado, submetendo-se a um regime híbrido, semi-público, misto ou “pigmentado”; (c) sujeição ao controle estatal; (d) vinculação aos fins definidos na lei que autoriza a criação da empresa. 6.3.3.2. Traços Distintivos (a) as Empresas Públicas podem se constituir de qualquer forma empresarial, civil ou comercial, inclusive inédita; já as sociedades de economia mista sempre se organizarão sob a forma de sociedade anônima; (b) nas empresas públicas, o capital deverá ser sempre e totalmente público, independentemente do ente que provier; já nas sociedades de economia mista, o capital será público e privado, com a exigência de participação majoritária do poder público; (c) quanto à competência (juízo competente), (i) as Empresas Públicas federais possuem foro na Justiça Federal, conforme dispõe o art. 109, I, da CF. Já as Sociedades de Economia Mista, mesmo as federais, bem como as Empresas Públicas estaduais e municipais, litigarão na Justiça Comum Estadual (Súmula 556 do STF: “É competente a Justiça Comum para julgar as causas em que é parte sociedade de economia mista”; e Súmula 42 do STJ: “Compete à Justiça Comum Estadual processar e julgar as causas cíveis em que é parte sociedade de economia mista e os crimes praticados em seu detrimento”); (ii) porém, caso haja interesse da União, a competência será transferida para a Justiça Federal (Súmula 517 do STF: “As sociedades de economia mista só têm foro na Justiça Federal, quando a União intervém como assistente ou oponente”).

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6.4. Associações Públicas – Consórcios Públicos

O fundamento constitucional dessa “nova” estrutura está no artigo 241 da CF que, há pouco, foi regulamentado pela Lei 11.107/05.

Segundo a referida Lei, cada Consórcio Público é fruto de contrato celebrado entre os Entes Federados/Políticos (União, Estados, Municípios e o Distrito Federal) que, para a realização de objetivos de interesse comum, podem vir a se vincular uns aos outros, visando sempre a gestão associada de serviços públicos (é a ideia de cooperação federativa, de concretização de um projeto comum).

Com o contrato, que deve ser posteriormente ratificado por leis específicas, nasce uma nova pessoa jurídica, que é justamente a “representante” do Consórcio (e, digamos, em uma linguagem menos ou nada técnica, é o próprio Consórcio).

Em seguida, a Lei 11.107/05 diz que os Consórcios podem assumir a natureza jurídica de direito privado ou de direito público. E, se tiverem natureza de direito público, serão chamados de Associações Públicas e integrarão a estrutura da Administração Pública Indireta de todos os entes consorciados.

Caso seja de direito privado, ao que parece, o Consórcio será um Ente Paraestatal, excluído da estrutura formal ou subjetiva da Administração Pública (a despeito de divergências doutrinárias, em especial de José dos Santos Carvalho Filho).

Por fim, vale anotar que o representante do Consórcio será um dos Chefes do Executivo dos entes consorciados, eleito entre e por seus pares, caso a caso (cf. e comentar o art. 41, IV, do Código Civil). 7. Agências Executivas

Como o próprio nome indica, agência executiva está relacionada com a execução/operacionalidade. Sua função visa à efetiva implementação da atividade descentralizada.

A previsão de criação das agências executivas foi estabelecida pelos artigos 51 e 52 da Lei 9649/9814, segundo os quais a Administração Direta poderá conceder o status de agências executivas a autarquias e fundações públicas, mediante o estabelecimento de certas condições ligadas à eficiência e redução de custos (contratos de gestão – art. 37, §8º CF).

As agências executivas não são novas pessoas administrativas. Em verdade, elas representam uma qualificação (título/adjetivo) atribuída por um ato administrativo que reconhece características ao ente preexistente (autarquia ou fundação pública). Esse ato, no âmbito federal, é de competência do Presidente da República e é 14 Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios também podem instituir agências executivas, desde que tenham lei específica.

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exteriorizado mediante decreto, por meio da indicação do Ministério supervisor da respectiva autarquia ou fundação.

Para a expedição do referido decreto é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (a) existência de plano estratégico de reestruturação e desenvolvimento institucional em andamento; (b) celebração de contrato de gestão com o respectivo Ministério supervisor, momento em que serão estabelecidas as regras para se implementar uma maior autonomia gerencial, orçamentária e financeira, com prazo mínimo de um ano.

Esse título pode ser retirado, caso, por exemplo, o ente qualificado deixe de cumprir (ou simplesmente não cumpra) as metas definidas no contrato de gestão (a desqualificação também pode ocorrer com o termo final do prazo anotado no decreto, sem sua renovação; em quaisquer dessas hipóteses, a desqualificação é sempre feita por decreto – paralelismo jurídico).

Vale registrar, por oportuno, que uma parte da doutrina critica duramente a previsão de agências executivas por intermédio de contratos de gestão. Para ela, a maior independência desses entes deveria ser estabelecida mediante lei e não por mero contrato, além de que o dever de eficiência deve nortear toda e qualquer pessoa da Administração Pública, independentemente da existência de contratos de gestão.

As autarquias/fundações qualificadas como agências executivas distinguem-se das autarquias/fundações comuns por possuírem maior autonomia administrativa15 em relação ao Poder Executivo, além de ostentarem funções peculiares. A finalidade, nesse contrato, é a obtenção de melhores resultados (Administração Gerencial). Um exemplo de agência executiva é o Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial – INMETRO. 8. Setores da Economia Nacional

Analisando a economia nacional, pode-se dividi-la em quatro setores: (a) no primeiro setor encontra-se o Estado, por meio da Administração Direta e Indireta; (b) no segundo setor encontra-se a iniciativa privada que, sob o regime da livre iniciativa, tem como escopo primordial o lucro; (c) no terceiro setor encontram-se as entidades de natureza privada, sem fins lucrativos, que exercem atividades de interesse social ou coletivo e que recebem incentivos do Estado.

O crescimento de entes pertencentes ao terceiro setor faz parte de um processo de reformulação do Estado brasileiro, iniciado com o Plano Diretor da Reforma do Estado, que foi o marco para a estruturação de uma Administração Pública voltada para os resultados, chamada de

15 Na prática, a maior autonomia administrativa significa, de acordo com a Lei 8666/93 (art. 24, I, II e parágrafo único), maiores limites (mais amplos) para dispensa de licitação.

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Administração Gerencial (idéia que se contrapõe à Administração Burocrática). 9. Terceiro Setor

O terceiro setor é formado pelas entidades da sociedade civil, "não

vinculadas à organização centralizada ou descentralizada da Administração Pública"16, com personalidade jurídica de direito privado, de finalidade pública e não-lucrativas.

O conceito engloba as chamadas Organizações Não-Governamentais – ONGs (ou entes de cooperação que, atualmente, ainda são denominados de paraestatais17, uma vez que estão ao lado do Estado, mas não se confundem com ele). Os entes do terceiro setor realizam suas atividades (serviços) em colaboração com o Estado e, para isso, recebem incentivos, especialmente por meio de fomento18 (recursos, isenções tributárias e outras benesses estatais).

A finalidade básica dessa parceria (sentido lato) é possibilitar à Administração Pública exercer o controle de resultados sobre os entes de cooperação (administração gerencial). O Estado, em verdade, firma parcerias com o Terceiro Setor, com a intenção nítida de aproveitar sua capilaridade e o regime jurídico menos rigoroso (daí falar-se que essas pessoas se submetem ao regime jurídico privado, que é derrogado parcialmente, em certos casos, por normas de direito público). São exemplos de entes de cooperação: os serviços sociais autônomos; as entidades de apoio; as organizações sociais e as organizações da sociedade civil de interesse público (OSCIP). 9.1. Serviços Sociais Autônomos (Sistema “S”)

São entidades de direito privado que não exercem serviços públicos delegados, mas sim atividade privada de interesse público ou serviços não exclusivos do Estado.

Segundo Hely Lopes Meirelles, “são todos aqueles instituídos por lei, com personalidade de direito privado, para ministrar assistência ou ensino a certas categorias sociais ou grupos profissionais, sem fins lucrativos, sendo mantidos por dotações orçamentárias ou por contribuições parafiscais”.

16 DA ROCHA, Sílvio Luís Ferreira. Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003, p.13. 17 O Professor Hely Lopes Meirelles discorda dessa terminologia. Para ele, as paraestatais são as empresas estatais (as sociedades de economia mista e empresas públicas). Essa sua concepção, porém, está superada na atualidade. 18 Fomento, para Sílvio Luís Ferreira da Rocha (op. cit., p. 19) consiste na "ação da Administração com vista a proteger ou promover as atividades, estabelecimentos ou riquezas dos particulares que satisfaçam necessidades públicas ou consideradas de utilidade coletiva sem o uso da coação e sem a prestação de serviços públicos".

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As contribuições parafiscais são recolhidas compulsoriamente pelos contribuintes definidos em lei, normalmente pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS, e repassadas às entidades beneficiárias (vide art. 240 da CF).

Os serviços sociais autônomos são constituídos sob a forma de fundações, sociedades civis, associações ou com estruturas peculiares previstas em lei.

A sua criação envolve, inicialmente, a autorização legislativa e a criação efetiva das Confederações Nacionais.

José dos Santos Carvalho Filho entende que incide, a favor desses entes, a imunidade tributária prevista no art. 150, VI, “c”, da CF.

Apesar de a maioria da doutrina entender que esses entes se subordinam aos ditames da Lei 8666/93, em função da capacidade tributária e do controle dos órgãos competentes, o TCU adota entendimento mais brando. Para a referida Corte de Contas, eles não se subordinam à Lei 8666/93, mas sim a regulamentos próprios simplificados, aprovados pela própria pessoa jurídica, denominado de Regulamento Simplificado do Sistema “S” (TC-001.620/98-3, DOU de 7.8.1998).

A competência para julgar as ações judiciais que envolvem essas pessoas é da Justiça Comum Estadual, nos termos do Enunciado da Súmula 516 do STF.

Os seus empregados são regidos pela CLT. Todavia, os atos de seus dirigentes são passíveis de Mandado de Segurança, responsabilidade pessoal por danos, improbidade administrativa, responsabilização criminal e controle pelos Tribunais de Contas. A responsabilidade civil é objetiva (art. 37, §6º, da CF).

Por derradeiro, é importante mencionar, a título de exemplificação, que os Decretos-Leis 9403/46 e 9853/1946 autorizaram as Confederações Nacionais da Indústria (CNI) e do Comércio (CNC) a criarem, respectivamente, o Serviço Social da Indústria (SESI) e o Serviço Social do Comércio (SESC). Há, ainda, outros entes que integram o chamado Sistema “S”, quais sejam: SENAI – Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial, Decreto-Lei 4.048/1942; SENAC – Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial, Decreto-Lei 8.621/46; SEBRAE – Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas; SENAR – Serviço Nacional de Aprendizagem Rural; SEST – Serviço Social de Transporte; SENAT – Serviço Nacional de Aprendizagem do Transporte. 9.2. Entidades de Apoio

As entidades de apoio são pessoas jurídicas de direito privado que

exercem, sem fins lucrativos, atividades e/ou serviços sociais não exclusivos do Estado, relacionados à ciência, pesquisa, saúde e educação. Normalmente atuam junto a hospitais públicos e universidades públicas.

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São instituídas diretamente pelos próprios servidores públicos, em nome próprio e com recursos próprios, para exercerem atividades de interesse da entidade estatal. Adquirem, normalmente, a forma de fundação privada, mas podem adquirir a forma de associação ou cooperativa, que celebram vínculos com o Estado por meio de convênios (não são criadas por lei).

Recebem fomento do Estado, por meio de dotações orçamentárias, cessão provisória de servidores públicos, permissão provisória de uso de bens públicos, etc..

Apesar disso, Maria Sylvia Zanella Di Pietro entende que essas entidades não se submetem ao regime jurídico-administrativo, ou seja, não realizam licitação e seus contratos são de direito privado, além de que seus empregados são celetistas, contratados sem concurso público. Seria, portanto, uma forma de fugir do regime de direito público.

Para complicar, essas entidades não possuem disciplina legal específica. Existe apenas a Lei 8.958/94, regulamentada pelo Decreto 5205/04, que define normas de relações entre as instituições federais de ensino superior/instituições de pesquisa científica e tecnológica com as fundações de apoio (ou entidades de apoio).

Já que são, por regra, fundações privadas, submetem-se às regras do novo Código Civil (2002), inclusive com a fiscalização do Ministério Público.

Por fim, vale anotar que se submetem ao prévio registro e credenciamento, renovável bienalmente, nos Ministérios da Educação e da Ciência e Tecnologia.

9.3. Organizações Sociais Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, as organizações sociais são pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, instituídas por iniciativa de particulares, para desempenhar serviços sociais não exclusivos do Estado, com incentivo e fiscalização do Poder Público, mediante vínculo jurídico instituído por meio de contrato de gestão. A Lei 9637/98 prevê a qualificação dessas entidades pelo Poder Executivo, cujas atividades sejam ligadas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde. Para a sua configuração, é necessário o preenchimento (cumprimento) de alguns pressupostos: (a) personalidade jurídica de direito privado; (b) atividade sem finalidade lucrativa; (c) atuação nas áreas descritas no parágrafo acima. As organizações sociais não são delegatárias de serviços públicos. Exercem atividade privada, em nome próprio, com o incentivo do Estado (recursos orçamentários, bens públicos e cessão de servidores, com ônus para o órgão cedente). Os bens públicos serão cedidos, dispensada a

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licitação, mediante permissão de uso, consoante cláusula expressa do contrato de gestão.

Os mentores da Reforma Administrativa falam, inclusive, em "publicização dos serviços não-exclusivos do Estado”, ou seja, “sua transferência do setor estatal para o público não-estatal" (por exemplo: extingue-se uma fundação pública e destina-se seus recursos a uma organização social, que goza de maior autonomia e maior fiscalização pela sociedade).

São declaradas como entidades de interesse social e utilidade pública, para todos os efeitos legais. Quanto a esses entes, inclusive, incide a hipótese de dispensa de licitação prevista no inciso XXIV do artigo 24 da Lei 8666/93, muito embora sejam obrigados, por regra, a adotar procedimentos próprios para contratação de obras, produtos e serviços (art. 17 da Lei 9637/98).

Seus atos estão sujeitos a controle dos Tribunais de Contas (art. 70, parágrafo único da CF e art. 9º da Lei 9637/98). Seus dirigentes podem ser remunerados, desde que atendidos os limites previstos no contrato de gestão e os valores de mercado (art. 7º, II da Lei 9637/98).

Caso a entidade não respeite os ditames estabelecidos no contrato de gestão, inclusive a necessária prestação de contas, o Poder Executivo poderá desqualificá-la como organização social, mediante a instauração de prévio processo administrativo. Seus dirigentes responderão por eventuais prejuízos e, nestes casos, haverá a reversão dos bens e valores entregues à entidade.

Vê-se, portanto, que não se trata de novos entes, mas de qualificação (título) outorgada a pessoas jurídicas preexistentes.

9.4. Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP)

Criada pela Lei 9790/99 (regulamentada pelo Decreto 3100/99),

essa nova forma de parceira entre o Poder Público e os particulares (sem fins lucrativos) é realizada mediante sua qualificação (outorga de um título ao particular). Foi estabelecido um regime bastante parecido com o das organizações sociais.

O artigo 1º, §1º, da Lei 9790/99 define o que se entende por entidades sem fins lucrativos, para fins de sua qualificação como sociedade civil de interesse público.

O artigo 2º da referida Lei 9790/99 prevê o rol das pessoas que não podem ser qualificadas como organização da sociedade civil de interesse público e o artigo 3º, de seu turno, enuncia o rol de atividades (áreas de atuação) que permitem qualificar o ente.

O requerimento de qualificação da entidade é formalizado perante o Ministério da Justiça, que analisará todos os requisitos previstos em lei e,

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se for o caso, expedirá o certificado de qualificação (arts. 5º e 6º da Lei 9790/99).

O vínculo entre o Poder Público e a organização da sociedade civil de interesse público será feito mediante termo de parceria, no qual serão detalhados todos os direitos e obrigações das partes (arts. 9º e 10). Assim é formalizada a parceria.

A OSCIP está obrigada a adotar procedimentos próprios para contratação de obras, produtos e serviços (art. 14 da Lei 9790/99).

Seus dirigentes podem ser remunerados, desde que atendidos os limites previstos no termo de parceria e os valores de mercado (art. 4º, VI da Lei 9790/99).

O controle desses entes será exercido pelo órgão do Poder Público vinculado à área de atuação da organização, bem como pelo Conselho de Políticas Públicas (art. 11 da Lei 9790/99). Seus atos ainda estão sujeitos a controle dos Tribunais de Contas (art. 70, parágrafo único da CF e art. 12 da Lei 9790/99).

A OSCIP que deixar de preencher os requisitos exigidos pela lei, perderá a sua qualificação, mediante prévio processo administrativo, instaurado pelo Ministério Público ou por qualquer cidadão (arts. 7º e 8º).

Ademais, se houver indícios de malversação de recursos públicos, serão tomadas as medidas previstas no art. 12 e 13 da multicitada Lei 9790/99.

Vê-se, portanto, que não se trata de novos entes, mas de qualificação (título) outorgada a pessoas jurídicas preexistentes.

9.4.1. Distinções entre a Organização Social e a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) (a) no caso de Organizações Sociais, exige-se a participação de agentes do Poder Público no seu Conselho de Administração, o que não ocorre com a OSCIP; (b) no caso de Organizações Sociais, o vínculo é realizado mediante contrato de gestão, enquanto na OSCIP o vínculo se firma por termo de parceria; (c) no caso da OSCIP, exigem-se os seguintes documentos contábeis para sua qualificação: balanço patrimonial, demonstrativo de resultados do exercício, declaração de isenção do imposto de renda. Essa exigência, porém, não ocorre nos casos de Organização Social; (d) as Organizações Sociais, na verdade, são utilizadas para substituir órgãos que foram extintos, enquanto a OSCIP possui, como objetivo, a cooperação com o Estado, sem que a atividade deixe de ser desempenhada por ele (a atividade da OSCIP, portanto, é mais ampla).

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10. Contratos de Gestão ou Acordo-Programa

Tendo em vista que mencionamos, especialmente nos tópicos “7” e “9.3.” acima (agências executivas e organizações sociais), a figura do contrato de gestão (ou acordo-programa), é necessário, para melhor compreensão da organização administrativa e do próprio terceiro setor, que anotemos algumas breves observações acerca desse instrumento jurídico.

O contrato de gestão é um ajuste firmado entre a Administração Pública Direta centralizada (por seus entes ou por seus órgãos) e entes/pessoas da Administração Indireta ou do setor privado. Neste contrato, o Poder Público estabelece metas a serem cumpridas.

A Constituição da República, no §8º de seu artigo 37, prevê a figura do contrato de gestão que, sem dúvida, integra uma das fases/partes do processo de mutação vivenciado pela Administração Pública brasileira (a era do privilégio a eficiência; a mudança de concepção, da Administração Burocrática para a Administração Gerencial).

É interessante notar que há diferença de significados entre o contrato de gestão realizado com a Administração Indireta e aquele que é celebrado com entes privados. No primeiro caso, o contrato visa conferir maior independência, maior autonomia à entidade da Administração Indireta. Já no segundo caso, o ajuste visa restringir a autonomia da pessoa (privada) que, em troca, recebe benefícios do Poder Público (Maria Sylvia Zanella Di Pietro).

Ainda, no que pertine à natureza jurídica do contrato de gestão, vale lembrar que, se estabelecido com órgãos da Administração Direta, não serão considerados contratos. A ausência de personalidade jurídica dos órgãos desnatura a natureza desse instrumento que, portanto, neste caso, não passaria de simples termo de compromisso (esta é a abalizada opinião de Maria Sylvia Zanella Di Pietro).

Ademais, é de se frisar que, nem mesmo os contratos de gestão celebrados entre a Administração Indireta e o Poder Público, são considerados, unanimemente, contratos. Pela ausência de interesses contrapostos (e sim convergentes), fala-se, na doutrina, que essas figuras se encaixariam melhor na figura do convênio (esta é, mais uma vez, a opinião da Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro; há, porém, quem divirja de seu posicionamento, como é o caso da Professora Odete Medauar, para quem essa distinção – de interesses contrapostos ou convergentes – não influencia na caracterização do instrumento que, em quaisquer dessas hipóteses, será sempre considerado contrato).

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PONTO 4

PODERES DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Este capítulo foi elaborado e atualizado pelo Prof. Frederico Telho.

1. INTRODUÇÃO Como já se disse, o regime jurídico-administrativo é formado, na sua substância, por prerrogativas e sujeições da Administração Pública. Isso indica que o administrador público age de acordo com as prerrogativas outorgadas pela lei (em sentido amplo). Com isso, surge a noção dos chamados poderes do administrador público (ou poderes administrativos).

Ainda, em contraponto a esses poderes, surgem os deveres do administrador público, que também são decorrentes da lei (em sentido amplo).

A confluência desses dois aspectos conforma o agir (o atuar) da Administração Pública, sempre com o objetivo de alcançar o interesse público. 2. PODER-DEVER

A palavra poder sugere faculdade, uso de prerrogativas segundo o

desejo de quem detém o poder. Para a Administração Pública, porém, não é assim. O poder, em verdade, corresponde, ao mesmo tempo, a um dever. Daí falar-se em poder-dever (ou dever-poder, na exata dicção de Celso Antônio Bandeira de Mello).

Há, sem dúvida, inteira subordinação do poder em relação ao dever, tanto que aquele não pode ser exercido livremente, sujeitando-se sempre a uma finalidade específica (e mais, finalidade de interesse público).

O uso do poder, ilicitamente, encerra a idéia de abuso do poder e, por conseguinte, a ilegalidade do ato praticado. Esse uso ilegal pode decorrer da incompetência do agente, do distanciamento da finalidade do ato ou, ainda, de sua equivocada execução. Por isso, fala-se em ato ilegal por excesso de poder e desvio de finalidade, bem como abuso de poder por irregular execução do ato. Para alguns, o abuso de poder corresponde ao gênero, de que são espécies o desvio de finalidade e o excesso de poder.

Haverá desvio de finalidade sempre que o ato for praticado com finalidade diversa daquela estatuída pela lei (ex.: desapropriação decretada não porque o bem imóvel do particular revela interesse público, mas sim para satisfazer o desejo pessoal de seu proprietário). Veja que a lei sempre define a finalidade, mas o ato dela se divorcia.

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De outro turno, haverá excesso de poder sempre que o conteúdo do ato fugir aos limites a ele impostos.

Se o ato foi praticado com desvio de finalidade, será ele, sempre, ilegal (e, por isso, é nulo). Se o ato decorre de excesso de poder, poderá, eventualmente, ser mantido, desde que afastado o seu vício (aplicam-se, aqui, as regras de que não há nulidade sem prejuízo e de que não se anula o todo em razão de nulidade de parte – art. 55 da Lei 9784/99 e art. 184 do CC/2002).

Esses atos, quando eivados de nulidade, por abuso de poder, poderão ser questionados administra ou judicialmente (neste último caso, utiliza-se, com freqüência, do Mandado de Segurança – art. 5º, LXIX e LXX da CF, bem como a Lei 1.533/51; da Ação Popular – art. 5º, LXXIII da CF e Lei 4.711/65; e da Ação Civil Pública – art. 129 da CF e Lei 7.347/85). 3. DEVERES (PODERES-DEVERES GENÉRICOS) DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Os principais deveres do administrador público são os seguintes (todos eles são corolários diretos de princípios do regime jurídico-administrativo): (a) poder-dever de agir: o administrador público, ao contrário do particular, sempre deverá agir diante de alguma situação que beneficie/prejudique a coletividade. Dessa constatação, inclusive, decorrem duas conseqüências: (i) a irrenunciabilidade dos poderes administrativos; e (ii) a omissão do agente, diante de situações que exijam sua atuação, caracteriza abuso de poder que, inclusive, poderá ensejar a responsabilização da Administração Pública (Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino); (b) dever de eficiência: esse dever foi erigido a princípio constitucional pela EC/19/95 e indica a necessidade de uma melhora qualitativa das atividades desenvolvidas pela Administração Pública. Indica e requer o aperfeiçoamento da máquina administrativa e maior produtividade do servidor. São indicativos dessa nova forma de visualizar a Administração Pública: (i) a possibilidade de perda do cargo do servidor público estável em razão de insuficiência de desempenho; (ii) o estabelecimento, como condição para a aquisição da estabilidade, de avaliação especial de desempenho; (iii) a possibilidade de celebração de contratos de gestão, com a intenção de propiciar maior controle de resultados de suas atividades, etc.; (c) dever de probidade: indica o dever de honestidade, de agir com respeito ao princípio da moralidade. Os atos de improbidade administrativa, conforme disposição do §4º do artigo 37 da CF, “importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública,

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a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível.”. Essa previsão constitucional foi regulamentada pela Lei n. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa), em que foram classificados os atos de improbidade administrativa que geram enriquecimento ilícito, que geram prejuízo ao erário e os que ofendem os princípios da Administração Pública. (d) dever de prestar contas: é uma obrigação inafastável de quem gere ou administra dinheiro público (coisa alheia/res publica). 4. PODERES (PODERES-DEVERES ESPECÍFICOS) DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Os poderes administrativos são os seguintes: vinculado,

discricionário, hierárquico, disciplinar, regulamentar e de polícia (por questões didáticas, não iremos referir aos poderes, como poderes-deveres, mas essa idéia deve permear a leitura e deve servir de norte à interpretação do Direito Administrativo).

4.1. Poder Vinculado

É o poder de praticar atos sem a mínima (ou inexistente) liberdade

de escolha. Não cabe ao administrador público fazer juízo de conveniência ou oportunidade a respeito da prática do ato (motivo do ato) e nem escolher o seu conteúdo (objeto do ato).

O ato administrativo vinculado, portanto, “é aquele cujos elementos (sujeito, objeto, forma, motivo e finalidade) são previamente determinados em lei, de modo que, se ocorrer o requisito fático correspondente, não há outra opção senão a sua prática com as conseqüências previstas. É mais adequado denominar a circunstância da vinculação de restrição ou dever de agir, uma vez que ela denuncia uma situação na qual a Administração Pública sujeita-se totalmente à lei” (Irene Patrícia Nohara).

Por fim, resta lembrar que todos os atos, inclusive os emanados do poder discricionário, são vinculados quanto à competência, à finalidade e à forma (por isso que se diz que não há ato plenamente discricionário).

4.2. Poder Discricionário

Como contraposto da atividade inteiramente vinculada (à lei), pode-

se afirmar que há situações em que o legislador faz contemplar alguma liberdade (margem de escolha) para o administrador, atribuindo-lhe o que se convencionou chamar de discricionariedade.

O poder discricionário é, portanto, exercido sempre que a atividade administrativa resultar da opção, permitida pela lei e realizada pelo

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administrador. A essência do poder discricionário está no juízo de oportunidade e conveniência.

Discricionariedade absoluta, porém, não há. A atividade administrativa está sempre vinculada ao fim a que se destina e a escolha somente ocorre quando a lei a permitir. O ato discricionário indica liberdade, porém dentro dos limites legais. A liberdade não se confunde com arbitrariedade.

Com isso, o agente elege a opção que melhor atende ao interesse público, diante do caso concreto. Em outras palavras, "pelo poder discricionário que lhe outorgou o legislador, a autoridade administrativa há de determinar como pertinente, entre várias possibilidades de solução, aquela que melhor responde no caso concreto à intenção da lei" (Fritz Fleiner, citado por Celso Antônio Bandeira de Mello).

A discricionariedade, assim, jamais dirá respeito à finalidade, à forma e, por óbvio, à competência para a prática do ato, porquanto esses requisitos de atuação válida sempre serão definidos pela lei. Além da discricionariedade provinda dos juízos de conveniência e oportunidade, parte da doutrina ainda reconhece a existência da discricionariedade nos chamados conceitos jurídicos indeterminados (boa-fé, decoro, bons costumes, manifestações de apreço, moralidade pública). O que se diz é que todo conceito jurídico indeterminado possui uma zona de certeza, um núcleo no qual não há margem para dúvida, e uma zona de incerteza (zona de penumbra, zona gris ou halo de indeterminação do conceito), em que não se pode estabelecer uma única conduta jurídica válida. Nessa zona de incerteza há também discricionariedade não passível de controle pelo Poder Judiciário.

A doutrina e a jurisprudência modernas revelam uma tendência cada vez maior de limitação do poder discricionário da Administração Pública. Essa limitação, afora outros fatores, advém da normatividade dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Esses princípios refutam condutas abusivas ou excessivas e atingem o motivo e o objeto dos atos discricionários, com a exigência de alcance fiel da finalidade pública. Cumpre pontuar que Celso Antônio e Maria Sylvia, ao contrário de Hely Lopes Meirelles, não reconhecem autonomia aos poderes discricionário e vinculado. Para eles, o que há são aspectos dos atos que indicam maior discricionariedade ou vinculação plena. 4.3. Poder Hierárquico

Com esse poder, a Administração Pública se organiza

estruturalmente, escalona seus órgãos, define suas competências (na forma da lei) e ainda reparte suas funções.

Do poder hierárquico decorrem algumas prerrogativas como, por exemplo, delegar e avocar competências (arts. 11/15 da Lei 9784/99), dar ordens, fiscalizar e rever as atividades de órgãos inferiores.

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Não se admite a recusa de funções delegadas (dever de obediência), salvo se não permitida ou contrária à lei. Ao agente que delegou a competência, ademais, não caberá qualquer responsabilização pelo ato praticado (RDA, 96:77), uma vez que o delegado não age em nome do delegante, mas no exercício de competência que recebeu. Não se confunde com a delegação de atribuições de um Poder para outro que, inclusive, é vedada pela Constituição.

4.4. Poder Disciplinar

Corresponde ao dever de punição administrativa, diante do

cometimento de faltas funcionais ou violação de deveres por agentes públicos. Não permite, assim, que seja sancionada conduta de particulares e também não se confunde com o exercício do jus puniendi do Estado. É decorrente do poder hierárquico, do dever de obediência às normas e posturas internas da Administração.

Há doutrinadores que apresentam o poder disciplinar como atividade discricionária da Administração. Essa idéia, porém, deve ser vista com temperamentos. Há dever na apuração e aplicação de sanção. Porém, é certo que a discricionariedade incide na escolha da sanção a ser imposta e na sua tipificação.

A apuração de qualquer falta funcional exige sempre a observância de procedimento legal, assegurada a ampla defesa e o contraditório (art. 5º, LV da CF). Tanto que não há apuração de responsabilidade administrativa por verdade sabida. A punição, portanto, sempre depende de processo administrativo e a eleição da sanção deverá ser razoável/proporcional à falta praticada. Admite-se, inclusive, a revisão judicial da sanção imposta sempre que não concorrerem requisitos de validade (a motivação, notadamente).

4.5. Poder Regulamentar

O poder regulamentar refere-se à capacidade atribuída

constitucionalmente ao Chefe do Poder Executivo de editar atos normativos gerais e abstratos (decreto/regulamento de execução, decreto/regulamento autônomo e decreto/regulamento autorizado).

Na doutrina, há quem prefira falar em poder normativo, ao invés de poder regulamentar. Na verdade, para esta corrente, o poder normativo engloba o poder regulamentar, mas não se esgota nele. Quer dizer, a Administração Pública pode ainda editar outros atos com efeitos gerais e abstratos, que não aqueles de competência do Chefe do Executivo, como, por exemplo, resoluções, portarias, deliberações, instruções, etc..

Em qualquer hipótese, vale ressaltar que o poder normativo não pode ser exercitado contra legem, uma vez que é limitado pelo sistema

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constitucional e pelo comando legal. Os atos resultantes do poder normativo são considerados leis em sentido material e se sujeitam a mesma técnica de apresentação e as mesmas regras de vigência. 4.5.1. Decreto/Regulamento de Execução

É editado em função de uma determinada lei e visa a sua fiel execução (art. 84, IV da CF). O decreto de execução pretende detalhar o conteúdo da lei e, por isso, não pode fugir aos seus limites, seja para restringi-la, amplia-la ou contraria-la (são atos normativos secundários).

É possível que algumas leis, não auto-executáveis, sejam editadas. Algumas, inclusive, prevêem expressamente a necessidade de regulamentação. O decreto de execução, portanto, como ressalta Hely Lopes Meirelles, é condição suspensiva para a execução da lei.

4.5.2. Decreto/Regulamento Autônomos ou Independentes

Existem sistemas constitucionais que reconhecem capacidade ao

Chefe do Poder Executivo de expedir regulamentos como atos primários, derivados da Constituição. Esses regulamentos autônomos ou independentes dividem-se em: (a) externos (normas dirigidas ao cidadão); e (b) internos (normas de organização, competência e funcionamento da Administração Pública).

Hely Lopes Meirelles aponta ainda uma outra espécie de decreto autônomo, que seria decorrente de lei, mas que estabelece diretrizes não contempladas pela norma primária. Seria um decreto praeter legem.

Até pouco tempo, não se reconhecia a existência desses decretos em nosso ordenamento jurídico (STJ, REsp 156.858/PR, rel. Min. Adhemar Maciel). Contudo, em função da EC 32/2001, que alterou a redação do inciso VI do artigo 84 da Constituição da República, passamos a admitir a existência desses decretos na nova ordem constitucional, nos seus estritos limites (organização e funcionamento da administração e a extinção de cargos vagos).

Ainda, por oportuno, vale anotar que, por força do parágrafo único do artigo 84, a competência para edição de decreto autônomo pode ser delegada.

Nesse contexto, pode-se afirmar que, hoje, reconhece-se a chamada reserva de administração (matérias só reguladas por ato administrativo).

4.5.3. Decreto/Regulamento Autorizado ou Delegado

Há regulamento autorizado ou delegado quando a lei determina,

expressamente, a sua complementação pelo Poder Executivo.

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O regulamento autorizado não se confunde com a lei delegada. Esta é ato normativo primário, que deve obedecer aos requisitos exigidos pelo artigo 68 da CF, enquanto aquele é ato administrativo secundário.

O STF já se manifestou contrariamente à chamada delegação em branco, uma vez que o parlamento não pode abdicar de suas funções institucionais (papel de legislador).

Apesar dessa decisão do STF, a doutrina e o Poder Judiciário (em outros níveis) admitem a utilização do regulamento autorizado em matérias não reservadas à lei. A lei apenas estabelece os limites e os contornos da matéria a ser regulada, normalmente de ordem técnica (registro de operações no mercado de capitais, estabelecimento de modelos de notas fiscais, elaboração de lista com medicamentos, modelo de receituário especial, etc.). O regulamento autorizado possui, pois, a mesma natureza jurídica da norma penal em branco e é utilizado, normalmente, por órgãos de natureza eminentemente técnica (Comissão de Valores Mobiliários, Conselho Nacional de Trânsito, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, etc.).

Caso o decreto discrepe da lei, seja extrapolando os seus limites (ultra legem) ou contrariando os seus ditames (contra legem), o controle judicial será de legalidade, ou seja, não se admitirá controle de constitucionalidade (STF, ADIN 1.339/BA, rel. Min. Maurício Corrêa). Todavia, caso haja ofensa direta à Constituição, sem que haja lei anterior (hipóteses de decretos autônomos), aí sim caberá controle de constitucionalidade. 4.6. Poder de Polícia (ou Polícia Administrativa) 4.6.1. Conceito

O artigo 78 do Código Tributário Nacional apresenta o conceito legal

de poder de polícia: é “a atividade da Administração Pública que, limitando ou disciplinando direito, interesse ou liberdade, regula a prática de ato ou abstenção de fato, em razão de interesse público concernente à segurança, à higiene, à ordem, aos costumes, à disciplina da produção e do mercado, ao exercício de atividades econômicas dependentes de concessão ou autorização do Poder Público, à tranqüilidade pública ou ao respeito à propriedade e aos direitos individuais ou coletivos.”

De seu turno, o professor Hely Lopes Meirelles afirma que o poder de polícia é “a faculdade de que dispõe a Administração Pública para condicionar e restringir o uso e gozo de bens, atividades e direitos individuais, em benefício da coletividade ou do próprio Estado”.

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, o poder de polícia é “a atividade da Administração Pública, expressa em atos normativos ou concretos, de condicionar, com fundamento em sua supremacia geral e na

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forma da lei, a liberdade e a propriedade dos indivíduos, mediante ação ora fiscalizadora, ora preventiva, ora repressiva, impondo coercitivamente aos particulares um dever de abstenção (‘non facere’) a fim de conformar-lhes os comportamentos aos interesses sociais consagrados no sistema normativo".

Vê-se, portanto, que o poder de polícia decorre do princípio da supremacia do interesse público sobre o privado. Por isso que se diz que o poder de polícia impõe que os direitos individuais devam atender ao interesse público, ao bem-estar social, sujeitando-se a imposições oriundas da Administração.

O poder de polícia é exercido por todas as esferas da federação, de acordo com sua competência, que é determinada com esteio no princípio da predominância do interesse. Na lição de Hely Lopes Meirelles, caso o interesse seja nacional, a regulamentação e o policiamento são de competência da União. Caso o interesse seja regional (dos Estados), a competência é estadual e caso o interesse seja local, a competência é municipal.

É possível apontar, exemplificativamente, os seguintes setores do poder de polícia: polícia de caça, florestal e de pesca; edilícia; de tráfego e trânsito; de logradouros públicos; sanitária; de medicamentos; de divertimentos públicos e condições de higiene; da atmosfera e das águas.

4.6.2. Diferença entre a Polícia Administrativa e a Polícia Judiciária É importante e necessário estabelecer a distinção entre polícia administrativa e polícia judiciária:

POLÍCIA ADMINISTRATIVA POLÍCIA JUDICIÁRIA (a) incide sobre bens, direitos e atividades; (b) atuação no âmbito da função administrativa; (c) é exercida por vários órgãos públicos, dos mais diversos setores da Administração Pública;

(a) incide sobre pessoas; (b) prepara a atuação da função jurisdicional; (c) é exercida por órgãos de segurança (polícia civil e polícia federal);

4.6.3. Meios de Atuação do Poder de Polícia

Os meios de atuação do poder de polícia são subdivididos em: (a) poder de polícia originário, que é executado pelas pessoas da Administração Direta; (b) poder de polícia delegado (ou outorgado), que é exercido pelas pessoas da Administração Indireta.

A doutrina majoritária (e jurisprudência) não admite a delegação do poder de polícia a particulares ou pessoas da iniciativa privada (ADIN 1.717 – Conselhos Profissionais). A

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exclusividade de exercício desse poder pelo Estado é, inclusive, sufragada pela Lei das Parcerias Público-Privadas (art. 4º, III da Lei 11.079/04). Contudo, vale lembrar que os atos materiais, que precedem o exercício propriamente dito do poder de polícia, podem ser praticados por particulares, por não afetar a imparcialidade do poder público (como, por exemplo, a que trabalha com radares eletrônicos).

O poder de polícia pode se expressar preventivamente (atos normativos, ordens, vistoria, notificações, licenças ou autorizações) e repressivamente (multa, dissolução de reunião, interdição de atividade, apreensão de mercadorias, fechamento de estabelecimento, demolição de construção irregular, internação de pessoa com doença contagiosa, etc.).

4.6.4. Atributos do Poder de Polícia

4.6.4.1. Discricionariedade

Em geral, sabe-se que a Administração Pública pode valorar a oportunidade e conveniência na prática de atos do poder de polícia, ao estabelecer o motivo e optar, dentro do princípio da legalidade, pelo seu conteúdo (objeto).

A finalidade, porém, sempre estará adstrita ao atendimento do interesse público. E vale lembrar, ainda, que a sanção (sempre) deverá estar prevista em lei e deverá (sempre) ser proporcional à infração cometida.

Essa é a idéia de discricionariedade (jamais arbitrariedade e/ou omissão) que, inclusive, não é atributo absoluto do poder de polícia. Em alguns casos, a lei poderá vincular totalmente a atividade de polícia, como, por exemplo, nos casos de concessão de licença para construir.

4.6.4.2. Auto-executoriedade

A auto-executoriedade informa o poder que a Administração Pública

possui de, direta e imediatamente, executar os atos administrativos emanados do poder de polícia, sem a participação do Poder Judiciário (como exemplo, o art. 80, III da Lei 8666/93).

Todavia, em alguns casos, especialmente aqueles que envolvem maior gravidade, a Administração pode, por cautela, obter prévia autorização judicial, como ocorre, por exemplo, nos casos de demolições de edificações irregulares.

De outro lado, vale registrar que alguns atos administrativos emanados do poder de polícia não são auto-executáveis como, por exemplo, a cobrança de multas, quando o particular resiste ao seu pagamento espontâneo.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello, os atos são dotados de auto-executoriedade quando há previsão

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legal para sua prática ou em situações emergenciais de defesa da coletividade.

Fala-se que a auto-executoriedade afasta a necessidade de observância, para a edição e efeitos do ato, dos princípios do contraditório e da ampla defesa, haja vista a idéia de prevalência do interesse público que permeia o poder de polícia (nesse sentido: RT, 692:77). Porém, o que ocorre, em verdade, não é o abandono do devido processo legal, mas sim a postergação do contraditório e da ampla defesa (chamado de contraditório diferido).

Por derradeiro, é importante lembrar que a auto-executoriedade não significa restrição de acesso ao Poder Judiciário. Caso o particular se sinta violado em seu direito, poderá questionar a medida administrativa na esfera judicial.

4.6.4.3. Coercibilidade

Indica a possibilidade de imposição das medidas aplicadas pela

Administração Pública, de forma cogente (obrigatória), inclusive com a utilização de força policial. Está intimamente ligada ao aspecto da auto-executoriedade. 4.6.5. Sanções

As sanções decorrentes do poder de polícia são, por exemplo, a

multa, a apreensão de bens, de mercadorias, o fechamento de estabelecimento, a proibição de fabricação, a inutilização de gêneros, etc.. 4.6.6. Alvarás de Licença e de Autorização

O alvará constitui gênero, do qual são espécies o alvará de licença e o alvará de autorização.

A licença não pode ser negada/recusada pela Administração Pública sempre que o particular preencher todos os requisitos legais para a sua obtenção, tal como ocorre nos casos de licença de funcionamento de bares e restaurantes, licença para construir e licença para o exercício de atividade profissional. O particular, ante a eventual recusa ou omissão da Administração Pública, pode se valer, inclusive, do Mandado de Segurança para assegurar seu direito líquido e certo.

A autorização, porém, é discricionária (precária) e, por isso, pode ser negada/recusada, assim como pode ser invalidada a qualquer tempo pela Administração Pública, tal como ocorre na autorização para portar arma de fogo e na autorização para pesca amadora.

Por fim, resta anotar que o alvará pode ser anulado (por ilegalidade), revogado (por conveniência e oportunidade/interesse público) ou cassado (por ilegalidade na sua execução/culpa do particular).

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4.6.7. Limites do Poder de Polícia Ainda que dotada de discricionariedade, a atividade administrativa

decorrente do poder de polícia jamais pode se divorciar da lei e dos fins por ela propostos, com respeito, principalmente, aos direitos fundamentais do cidadão (limite indicado pelo princípio da legalidade).

Ainda, pode-se dizer que o exercício do poder de polícia encontra limites em seus próprios fundamentos, ou seja, somente será permitido condicionar o exercício de direitos individuais desde que seja em prol do interesse público.

Por fim, é indispensável lembrar que o poder de polícia deve ser orientado pela necessidade, proporcionalidade e adequação das atividades administrativas (José dos Santos Carvalho Filho), com obediência ao princípio do devido processo legal (due process of law) e fuga das situações que configurem abuso de poder.

PONTO 5

ATOS ADMINISTRATIVOS

Este capítulo foi elaborado e atualizado pelo Prof. Frederico Telho.

1. INTRODUÇÃO

Todo acontecimento, seja natural ou humano, que acarrete

conseqüências na seara jurídica é denominado fato jurídico. Os fatos jurídicos subdividem-se em: (a) fatos jurídicos em sentido estrito, que são os eventos naturais com conseqüências jurídicas (morte, nascimento, passagem do tempo, etc.); e (b) atos jurídicos, que são atos humanos com conseqüências jurídicas. Estes últimos (os atos jurídicos) podem ser unilaterais (promessa de recompensa), bilaterais (contratos) ou plurilaterais (contrato de sociedade). 2. CONCEITO

Diante dessas breves linhas introdutórias, pode-se afirmar que os atos administrativos são atos jurídicos (atos humanos unilaterais; se bilaterais, serão contratos administrativos).

Segundo Hely Lopes Meirelles, “ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir,

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modificar, extinguir e declarar direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria.”

Já para Celso Antônio Bandeira de Mello, ato administrativo é a “declaração do Estado (ou de quem lhe faça às vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”. 2.1. Atos Privados praticados pela Administração Pública

Em determinadas situações, a Administração Pública entabula atos e contratos de natureza privada, igualando-se à situação dos particulares (esses atos/contratos situam-se no gênero atos da administração). Isso ocorre, por exemplo, no caso de doação; permuta; quando uma sociedade de economia mista vende, no mercado, bens de sua propriedade; quando um banco estatal celebra um contrato de conta-corrente com o particular ou, ainda, quando assina um cheque. 2.2. Fatos Administrativos

Os fatos administrativos nada mais são do que a expressão (o

resultado) de um ato administrativo. Trata-se de atos materiais que, por isso, não têm por fim a produção de efeitos jurídicos. A eles não se aplica, portanto, o regime jurídico dos atos administrativos.

São exemplos de fatos administrativos: a construção de uma ponte, a demolição de um prédio, a limpeza das ruas, a instalação de um serviço público, a apreensão de mercadorias, a desapropriação de um bem particular, etc..

Apesar de não ostentarem a finalidade de produzir efeitos jurídicos, os fatos administrativos podem apresentar conseqüências jurídicas no âmbito da responsabilidade civil.

OBSERVAÇÃO: Os Professores Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello apresentam classificação diferenciada. Vejamos: (a) Maria Sylvia coloca o fato administrativo como espécie do gênero fato jurídico em sentido estrito. A referida doutrinadora estabelece ainda diferença entre fato administrativo e fato da administração (aqueles produzem efeitos e estes não); (b) Celso Antônio engloba, entre os fatos administrativos, a omissão da Administração Pública (silêncio da Administração), muito embora ela produza efeitos jurídicos. Para ele, o silêncio da Administração não pode ser conceituado como ato, independentemente de ela ter ou não desejado o resultado.

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3. Requisitos (Elementos, Pressupostos ou Condições de Validade) dos Atos Administrativos

São cinco os requisitos dos atos administrativos: competência,

finalidade, forma, motivo e objeto (acerca da validade dos negócios jurídicos, vale conferir o art. 104 do CC/02).

A falta de um desses elementos pode levar à invalidação do ato (anulação pela Administração Pública ou pelo próprio Poder Judiciário).

OBSERVAÇÃO: Celso Antônio Bandeira de Mello apresenta uma classificação diferente. O renomado doutrinador refere-se a pressupostos e elementos do ato (que não são sinônimos). "Elementos do ato são realidades intrínsecas do ato" (o conteúdo e a forma), enquanto “os pressupostos são de validade e de existência do ato, conforme condicionem a existência ou a lisura jurídica do ato". Os pressupostos de existência são: (a) o objeto; (b) a pertinência ou imputação da atuação ao Estado. Já os pressupostos de validade são: (a) subjetivo (sujeito); (b) objetivos (motivo e requisitos procedimentais); (c) teleológico (finalidade), (d) lógico (causa): (e) formalísticos (formalização).

3.1. Competência

A competência é o poder legalmente conferido ao agente público

para o desempenho específico das atribuições de seu cargo (Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino).

Celso Antônio Bandeira de Mello, por sua vez, define competência como o “círculo compreensivo de um plexo de deveres públicos a serem satisfeitos mediante o exercício de correlatos e demarcados poderes instrumentais, legalmente conferidos para a satisfação de interesses públicos”.

A competência, ainda segundo as lições de Celso Antônio, apresenta as seguintes características: (a) o seu exercício é obrigatório; (b) é irrenunciável; (c) é intransferível ou inderrogável; (d) é imodificável pela vontade do agente (decorrência do princípio da legalidade); (e) é imprescritível; e (f) parte da doutrina ressalta a sua improrrogabilidade;

Muito embora a competência seja, por regra, intransferível, sabe-se que é possível delegá-la e avocá-la, nos termos dos artigos 11 a 15 da Lei 9784/99 (exemplos de delegação e avocação: art. 84, parágrafo único; art. 93, XIV; e art. 103-B, §4º, III, todos da CF/88).

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Quando o administrador tentar burlar o requisito da competência, haverá abuso de poder, na espécie denominada excesso de poder. A propósito, vale lembrar que a Professor Maria Sylvia Zanella Di Pietro aponta, ao lado do excesso de poder, duas outras formas de vícios incidentes sobre a competência, quais sejam: a função de fato e a usurpação de função (ou usurpação de competência).

A usurpação de função refere-se àquela pessoa que, não mantendo nenhuma ligação com a Administração Pública, passa a exercer funções próprias da “máquina”. Trata-se de conduta criminosa, considerada pela maioria da doutrina como ato inexistente.

3.2. Finalidade

A finalidade indica o objetivo mediato de toda a atuação da

Administração Pública, que é o atendimento do interesse público. É elemento sempre vinculado, que pode estar previsto expressa ou implicitamente na lei.

O seu desrespeito, além de violar os princípios da moralidade e/ou impessoalidade, configura abuso de poder, na espécie denominada desvio de finalidade.

O ato que não atender ao interesse público, estará viciado no seu elemento (requisito) finalidade, como é o caso, por exemplo, da desapropriação sem interesse público que a justifique ou, ainda, da concessão de vantagens a servidor apaniguado. Outra forma de atentar contra o elemento finalidade, diz respeito à realização de atos com finalidade diversa daquela prevista em lei, como, por exemplo, na remoção de servidor ex officio, como forma de punição.

3.3. Forma

A forma é o elemento exteriorizador do ato administrativo e,

segundo Hely Lopes Meirelles, é vinculado e imprescindível para a validade do ato (princípio da solenidade).

Apesar desta posição doutrinária, é necessário lembrar que o artigo 22 da Lei 9784/99 verbera que, não havendo previsão legal de forma específica, será ela livre e, portanto, caberá à Administração Pública, de acordo com o critério da conveniência e oportunidade, adotar a forma mais adequada para a necessidade do caso concreto. Por outro lado, se a lei prevê expressamente a forma, o seu desrespeito configura vício insanável do ato administrativo.

Por fim, é importante frisar que, excepcionalmente, admitem-se ordens não-escritas, como, por exemplo, nas ordens verbais do superior; gestos, apitos e sinais no trânsito; cartazes e placas que expressam ordem da Administração Pública, etc..

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OBSERVAÇÃO: há autores que incluem o modo de preparação do ato e a sua divulgação como expressões da forma exigida em lei e, por isso, passam a constituir requisito de validade do ato.

3.4. Motivo

Os motivos (ou causa) são as circunstâncias fáticas e de direito que

determinam/autorizam a prática do ato. O motivo pode estar expresso (ato vinculado) ou não (ato discricionário) na lei.

3.4.1. Motivo e Motivação

O motivo e a motivação não se confundem. A motivação é a

exposição dos motivos, a sua exteriorização, a declaração escrita dos motivos que determinaram a realização de um determinado ato administrativo. Todo ato administrativo possui, portanto, motivos (mesmo que não estejam expressos – motivação – no ato).

A Lei 9784/99, expressamente, previu o princípio da motivação (art. 2º), além de arrolar os casos em que se exige, obrigatoriamente, a motivação (art. 50).

Discute-se, na doutrina e na jurisprudência, a amplitude/alcance do princípio da motivação, especialmente diante da regra do mencionado artigo 50 da Lei 9784/99. Muito embora a questão seja controversa, é certo que o dever de motivar os atos administrativos alberga uma plêiade enorme de situações.

3.4.2. Motivação dos Atos Administrativos: Teoria dos Motivos Determinantes

Em função da normatividade dos princípios constitucionais,

particularmente os que se referem à Administração Pública, o dever de motivação passa a incidir como regra em todos os atos administrativos (divergências à parte, como mencionado no tópico precedente). Talvez, a única possibilidade de exceção à motivação seja o ato de nomeação e exoneração ad nutum de servidor ocupante de cargo em comissão.

A partir do momento que o administrador, mesmo considerando as hipóteses de atos discricionários (e a corrente que defende exceções à regra do dever de motivar), expõe os motivos determinantes para a realização de um ato, a eles se vincula (STJ: RSTJ, 3:917). A motivação constante do ato deve, portanto, guardar conformação com a realidade concreta, de fato e de direito, o que não significa, porém, que o ato se transformou em ato discricionário. Caso não haja essa conformação, o ato é nulo, o que abre ensejo a declaração de sua invalidade (essa teoria, portanto, está ligada ao plano de validade do ato administrativo).

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3.5. Objeto O objeto (ou conteúdo) do ato administrativo corresponde ao efeito

jurídico pretendido (adquirir, resguardar direitos, etc.) e decorre de expressa previsão legal. Para ser válido, o ato deve possuir objeto lícito e moralmente admitido. Como exemplo, vale citar o caso de uma multa de trânsito, em que do ato (auto de infração) é punir o infrator de uma regra administrativa.

Nos atos discricionários, o objeto dependerá da análise da conveniência e oportunidade, haja vista que depende da escolha da Administração Pública.

OBSERVAÇÃO: é a liberdade de escolha (nos dois últimos elementos, motivo e objeto) que caracteriza o ato discricionário.

4. ATRIBUTOS (OU CARACTERÍSTICAS) DO ATO ADMINISTRATIVO

Os atributos são as características/qualidades dos atos

administrativos.

4.1. Presunção de Legitimidade A presunção de legitimidade ou veracidade está presente em todo

ato administrativo e decorre de uma necessidade da Administração Pública, uma vez que suas atividades seriam inviáveis caso ela fosse obrigada a recorrer (sempre e previamente) ao Poder Judiciário para validar seus atos.

A presunção de legitimidade é relativa (juris tantum), ou seja, o vício porventura existente no ato poderá ser alegado e questionado pela parte prejudicada interessada (admite prova em contrário e transfere-se o ônus da prova para quem o invoca).

Outra característica ressaltada pela Professora Maria Sylvia Zanella Di Pietro é a de que, mesmo quando o ato apresente alguma nulidade absoluta, em função da presunção de legitimidade, não poderá ser alegada de ofício pelo Poder Judiciário.

4.2. Imperatividade (ou Coercibilidade ou Poder Extroverso)

A imperatividade se refere à qualidade de determinados atos que

podem ser exigidos/executados coercitivamente pelo Estado (como ocorre, por exemplo, nos atos normativos, nos atos punitivos e nos atos de polícia administrativa). São chamados de atos de império.

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Por outro lado, é importante lembrar que determinados atos (de interesse do administrado), como as licenças e autorizações, não possuem força coercitiva, uma vez que dispensam esse atributo (atos de gestão).

4.3. Auto-executoriedade

A auto-executoriedade informa o poder que a Administração Pública

possui de, direta e imediatamente, executar seus atos administrativos, sem a participação do Poder Judiciário (como exemplo, o art. 80, III da Lei 8666/93).

Todavia, em alguns casos, especialmente aqueles que envolvem maior gravidade, a Administração pode, por cautela, obter prévia autorização judicial, como ocorre, por exemplo, nos casos de demolições de edificações irregulares.

De outro lado, vale registrar que alguns atos administrativos não são auto-executáveis como, por exemplo, a cobrança de multas, quando o particular resiste ao seu pagamento espontâneo.

Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello, os atos são dotados de auto-executoriedade quando há previsão legal para sua prática ou em situações emergenciais de defesa da coletividade.

Fala-se que a auto-executoriedade afasta a necessidade de observância, para a edição e efeitos do ato, dos princípios do contraditório e da ampla defesa, haja vista a idéia de prevalência do interesse público que permeia o poder de polícia (nesse sentido: RT, 692:77). Porém, o que ocorre, em verdade, não é o abandono do devido processo legal, mas sim a postergação do contraditório e da ampla defesa (chamado de contraditório diferido).

Por derradeiro, é importante lembrar que a auto-executoriedade não significa restrição de acesso ao Poder Judiciário. Caso o particular se sinta violado em seu direito, poderá questionar a medida administrativa na esfera judicial.

OBSERVAÇÃO: O Professor Celso Antônio Bandeira de Mello arrola, distintamente da auto-executoriedade, os atributos da exigibilidade e executoriedade. A exigibilidade se refere à obrigação do administrado de cumprir o ato. Já a executoriedade se refere à possibilidade de a própria Administração Pública, materialmente, praticar o ato. 4.4. Tipicidade

Esse atributo não é tratado por todos os doutrinadores (e nem

integra a classificação majoritária). É corolário do princípio da legalidade e indica a previsão das espécies de atos de acordo com a previsão legal.

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5. Classificação dos Atos Administrativos

A classificação dos atos administrativos é tema muito diversificado na doutrina (grande divergência).

Neste tópico, pretendemos abordar as mais importantes classificações: (a) quanto aos seus destinatários: atos gerais e atos individuais; (b) quanto ao alcance de seus efeitos: atos internos e atos externos; (c) quanto à capacidade de produção de efeitos jurídicos: atos perfeitos, imperfeitos, pendentes e consumados; (d) quanto ao seu objeto: atos de império, de gestão ou de expediente; (e) quanto ao seu regimento (ou quanto à liberdade da Administração para decidir): atos vinculados e atos discricionários; (f) quanto à composição da vontade: atos simples, complexos e compostos. 5.1. Atos Gerais/Normativos e Atos Individuais/Concretos

Os atos gerais (ou normativos) se assemelham a lei, uma vez que

encerram comandos gerais e abstratos. Atingem todos os administrados/particulares que se encontrem na situação neles descrita. Exemplos: decretos regulamentares, instruções normativas, circulares, etc..

Os atos individuais (ou concretos) são aqueles que possuem destinatários determinados (ou determináveis) e, por isso, atingem situação jurídica particular. Podem conter mais de um destinatário. Exemplos: nomeação, exoneração, autorização, decreto de desapropriação ou de tombamento, etc.. 5.2. Atos Internos e Atos Externos

Atos internos são aqueles que produzem efeito apenas no âmbito da

Administração Pública (interna corporis). Exemplos: portaria de remoção de um servidor, ordens de serviço, portaria de criação de grupos de trabalho, etc..

Os atos externos, por sua vez, atingem os administrados/particulares em geral e, por isso, acarretam efeitos fora do ente/órgão que os editou. Exemplos: decretos, regulamentos, nomeação de candidatos aprovados em concurso público, etc..

5.3. Atos de Império, Atos de Gestão e Atos de Expediente

Atos de império (jus imperii) são aqueles impostos coercitivamente,

em que é retratado o princípio da supremacia do interesse público sobre o

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privado. São também chamados de atos de autoridade. Exemplos: desapropriação, interdição de atividade, apreensão de mercadorias, etc..

Atos de gestão (jus gestionis) são atos típicos de administração, relativos aos bens e serviços, sem qualquer coerção sobre os administrados. Exemplos: alienação ou aquisição de bens pela administração, aluguel de imóvel de propriedade de uma autarquia, etc..

Atos de expediente são atos internos da Administração Pública, que dão andamento aos serviços desenvolvidos pela entidade (atos tipicamente de rotina). Exemplos: encaminhamento de documentos, formalização de processos, cadastramento de processo, etc..

5.4. Atos Vinculados e Atos Discricionários

Os atos vinculados são aqueles em que a lei estabelece todos os

requisitos e condições de sua realização. Não há nenhuma margem de escolha para o administrador, que está proibido de realizar juízo de conveniência e oportunidade. Exemplo: licença.

Os atos discricionários são aqueles em que a Administração Pública possui margem de escolha, nos limites da lei, quanto ao conteúdo (objeto), seu modo de realização, sua oportunidade e sua conveniência administrativa (motivo). Exemplo: autorização.

5.5. Ato Simples, Ato Complexo e Ato Composto

Ato simples é o que decorre de manifestação de um único órgão,

seja ele unipessoal ou colegiado. Ato complexo é o que necessita da manifestação de dois ou mais

(diferentes) órgãos (obs.: o ato complexo não se confunde com o processo administrativo). Exemplos de ato complexo: concessão de regime especial tributário, que necessita de pareceres favoráveis dos Ministérios da Fazenda e da Indústria e Comércio; portarias conjuntas da Secretaria da Receita Federal e Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional; ato de registro de aposentadoria, pensão e reforma pelos Tribunais de Contas.

Ato composto é aquele cujo conteúdo resulta da manifestação de um único órgão, mas necessita da chancela de um outro órgão para que produza efeitos (efeito instrumental). Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, esse segundo ato (de aprovação, autorização, ratificação, visto ou homologação) pode ser posterior ou prévio em relação ao ato principal. Exemplo: nomeação de autoridades sujeita a aprovação do Poder Legislativo.

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5.6. Ato Constitutivo, Ato Extintivo, Ato Declaratório, Ato Alienativo, Ato Modificativo e Ato Abdicativo

Ato constitutivo é aquele que cria uma nova situação jurídica

individual para o administrado/particular perante a Administração Pública. Exemplos: concessão de uma licença, nomeação de servidor, aplicação de sanção administrativa, etc..

Ato extintivo (ou desconstitutivo) é aquele que põe fim a situações jurídicas individuais existentes. Exemplos: cassação de uma autorização, demissão de servidor, etc..

Ato declaratório é aquele que apenas declara uma situação preexistente, visando preservar o direito do administrado. Exemplos: expedição de certidão, apostilamento de títulos de nomeação, etc..

Ato alienativo é aquele que tem por fim a transferência de bens ou direitos de um titular a outro. Exemplo: edição de um decreto que transfere bens móveis de uma entidade a outra.

Ato modificativo é aquele que visa alterar situações preexistentes, sem provocar a sua supressão. Exemplos: alteração de horários de uma dada seção/departamento, mudança de local da realização de uma reunião, etc..

Ato abdicativo é aquele que o titular abdica ou abre mão de um determinado direito. Normalmente é incondicional e irretratável e, diante da indisponibilidade dos bens públicos, requer autorização legislativa.

5.7. Atos de Governo

A Constituição Federal (art. 102, III, c) trata, especificamente, do

chamado ato de Governo. Assim, ainda que a doutrina não o considere possível, é admitido expressamente no texto constitucional: (a) refere-se a ato praticado pelo Chefe do Poder Executivo (Presidente da República, Governadores e Prefeitos); (b) refere-se ao relacionamento com os Poderes Legislativo e Judiciário; (c) retrata uma decisão de importância para a entidade estatal (União, Estado-Membro, Município).

São exemplos de atos de Governo: (a) veto a projeto de lei; sanção, promulgação e publicação de lei – atos comuns aos Chefes do Poder Executivo; (b) declaração de guerra; decretação de intervenção federal – atos exclusivos do Presidente da República.

Quanto ao controle externo (no caso, pelo Poder Judiciário), há divergência sobre o assunto. Muito embora sejam atos marcados sobretudo por ampla margem de discricionariedade (sanção e veto, notadamente), podem, em tese, ser controlados jurisdicionalmente, inclusive quando abusivos (nada está excluído da apreciação judicial – art. 52, XXXV da CF).

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5.8. Ato Válido, Ato Nulo e Ato Inexistente Ato válido é aquele que obedeceu todas as formalidades legais (seus

elementos estão de acordo com o ordenamento jurídico). Ato nulo é aquele que nasce com vício insanável. Ato inexistente é aquele que possui apenas aparência de

manifestação de vontade da Administração Pública, mas que não chegou a se aperfeiçoar como ato administrativo. São atos inexistentes aqueles que se originaram de quem usurpou a função pública (usurpação de competência) ou, ainda, segundo Celso Antônio Bandeira de Mello, aqueles atos cujos objetos são manifestamente impossíveis (como, por exemplo, a ordem para a prática de um crime).

5.9. Ato Perfeito, Ato Pendente e Ato Consumado

Ato perfeito é aquele que teve seu ciclo de formação encerrado,

esgotou todas as fases de sua produção (possui todos os elementos). Ato pendente é aquele que está sujeito a condição ou termo para

produzir efeitos. Ato consumado é aquele que já exauriu ou produziu todos os seus

efeitos.

6. NOÇÕES DE PERFEIÇÃO, VALIDADE, EFICÁCIA E EXEQUIBILIDADE

A perfeição, como se disse, está relacionada com o processo de

formação do ato. A validade, por sua vez, diz respeito à verificação da conformidade

do ato com a lei (se seus elementos estão ou não de acordo com o ordenamento jurídico).

A eficácia diz respeito à capacidade de produção de efeitos imediatos (o conceito de exeqüibilidade pode ser utilizado como sinônimo de eficácia).

Esta é a classificação utilizada por Celso Antônio Bandeira de Mello e, inclusive, a classificação mais utilizada em concursos públicos. Com isso, pode-se estabelecer o seguinte quadro: • Ato perfeito, válido e eficaz; • Ato perfeito, inválido e eficaz; • Ato perfeito, válido e ineficaz; e • Ato perfeito, inválido e ineficaz.

OBSERVAÇÃO: (a) Hely Lopes Meirelles estabelece uma segmentação entre a eficácia e a exeqüibilidade dos atos administrativos. Para ele, o ato seria eficaz mesmo quando dependesse de alguma condição ou termo. Ato exeqüível,

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por sua vez, seria o ato desprovido de qualquer tipo de impedimento (condicionante) de sua eficácia; (b) a lei não pode prejudicar o ato jurídico perfeito (art. 5º, XXXVI, da CF e art. 6º da LICC).

7. ESPÉCIES DE ATOS ADMINISTRATIVOS

Neste ponto específico, constata-se, mais uma vez, uma grande divergência doutrinária. Alguns autores apresentam as espécies dos atos administrativos divididas em duas categorias: (a) quanto ao conteúdo: autorização, licença, admissão, permissão, aprovação e homologação; e (b) quanto à forma: decreto, portaria, resolução, circular, despacho e alvará.

Abaixo, porém, será estudada a enumeração clássica das espécies de atos administrativos (Hely Lopes Meirelles). 7.1. Atos Normativos Atos normativos são comandos gerais e abstratos aplicáveis a todos os administrados. Cabem aqui as mesmas observações feitas a respeito do poder regulamentar (ou normativo) da Administração Pública. 7.2. Atos Ordinatórios Atos ordinatórios são atos de organização interna da Administração Pública, direcionados aos seus servidores. Exemplos: instruções, circulares internas, avisos, portarias, ordens de serviço e ofícios. 7.3. Atos Negociais Os atos negociais ocorrem quando há coincidência de interesses da Administração e do administrado, ainda que o interesse da Administração Pública seja apenas indireto. Esses atos são desprovidos de imperatividade/coercibilidade e não se confundem com contratos administrativos (os atos negociais são, sem dúvida, manifestações unilaterais de vontade da Administração, que vão de encontro com vontade do particular). Esses atos podem ser vinculados (definitivos) ou discricionários (precários). Exemplos: licença, autorização e permissão. 7.3.1. Licença

Trata-se de ato vinculado e, a princípio, definitivo. O particular,

desde que atenda aos requisitos exigidos em lei, possui direito subjetivo a

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sua obtenção. Exemplo: concessão de alvará para a realização de uma obra, para o funcionamento de um estabelecimento, licença para exercício de uma profissão, licença para dirigir, etc..

7.3.2. Autorização

Trata-se de ato discricionário e precário. De todos os atos, é o que

mais apresenta precariedade, justamente porque vigora o interesse do particular neste tipo de ato negocial. Cabe à Administração Pública, de acordo com a conveniência e oportunidade, deferir ou não a autorização, além de que conserva o direito de revogá-la, sem direito a indenização.

Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, existem três tipos de autorização no nosso ordenamento: (a) autorização (do particular) para o desempenho de determinada atividade de seu exclusivo interesse, sem a qual a conduta seria considerada ilegal. Exemplo: autorização para porte de arma de fogo (art. 6º da Lei 9437/97, revogada pela Lei 10.826/2003); (b) autorização de uso de bem público. Exemplo: autorização de uso do passeio público por bancas de jornais, autorização para bloquear o trânsito de uma rua; (c) autorização de serviço público. Exemplo: autorização para a prestação de condutor autônomo de passageiros (táxi);

OBSERVAÇÃO: muito embora seja essa a noção doutrinária a respeito da autorização, é induvidoso que a Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9472/97), em função do que dispõe o art. 21, XI, da CF, “criou”, em seu art. 131, §1º, uma autorização de natureza vinculada (concessão de direito subjetivo ao particular de explorar os serviços de telecomunicações mediante autorização, desde que preenchidos os requisitos estabelecidos em lei). Está claro, portanto, que esta autorização (a que alude a Lei Geral de Telecomunicações) possui todas as características de uma licença (Maria Sylvia Zanella Di Pietro). De seu turno, sobre o assunto, Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo ensinam que o legislador ordinário teria optado pela palavra autorização, apenas em função da (equivocada) redação do dispositivo constitucional acima citado. Sobre o assunto, ainda não há manifestação do STF.

7.3.3. Permissão

Segundo a mais abalizada lição doutrinária, permissão é ato

discricionário e precário, por meio do qual se concede ao particular o direito de exercer determinada atividade com interesse predominante da coletividade. Exemplo: permissão de uso de bem público.

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A permissão difere da concessão, uma vez que não é contrato, mas sim ato administrativo.

Há a possibilidade de a Administração Pública estabelecer condições na permissão, o que retira, de certa forma, o seu caráter precário (e, por isso, exige-se motivação na sua revogação, bem como pode surgir eventual direito à indenização).

OBSERVAÇÃO: com o advento de nossa atual Constituição (1988), a delegação de serviços públicos passou a ser obrigatoriamente precedida de licitação (art. 175). Nesse trilhar, seguindo-se a legislação ordinária (Lei 8987/95 – Lei da Concessão e Permissão de Serviços Públicos; art. 40), vê-se que a permissão é utilizada como forma de delegação de serviços públicos, a título precário e mediante licitação. Com isso, não há dúvida de que a permissão de serviço público tem sua natureza jurídica (de ato administrativo) desnaturada, posto que, em verdade, é um contrato administrativo (de adesão e precário!) – Maria Sylvia Zanella Di Pietro. José dos Santos Carvalho Filho, porém, não adentra nesse debate e fica fora da discussão travada pela maioria da doutrina.

7.4. Atos Enunciativos

Os atos enunciativos apenas atestam, certificam ou declaram uma

situação jurídica preexistente, relativa a um particular. Exemplos: certidão (cópia de registro constante de algum livro em poder da Administração que seja de interesse do administrado – art. 5º, XXXIV, “b” da CF); atestado (declaração da Administração acerca de uma situação relacionada à atividade de seus órgãos, não constante de livros/arquivos); parecer (a partir do momento em que é aprovado pela autoridade competente passa a vincular a Administração; são os chamados pareceres normativos ou pareceres vinculativos).

7.5. Atos Punitivos

É a forma que a Administração Pública possui de punir os

administrados/particulares (poder/atos de império) e os seus agentes públicos (poder disciplinar). Dependem de prévio processo administrativo, com respeito ao contraditório e à ampla defesa. Exemplos: multa por infração de trânsito e sanção aplicada em processo administrativo disciplinar.

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8. INVALIDAÇÃO OU DESFAZIMENTO DOS ATOS ADMINISTRATIVOS

Os atos administrativos, muito embora possam apresentar vícios ou,

ainda, possa a Administração Pública não mais revelar interesse na sua manutenção, exigem uma manifestação formal do Poder Público para que sejam retirados do mundo jurídico. Essas manifestações podem ocorrer de várias formas, como, por exemplo, pela anulação, revogação ou cassação.

8.1. Anulação

A anulação do ato administrativo ocorre quando há vício de

legalidade ou ilegitimidade. Pode ser realizada pela Administração Pública e/ou pelo Poder Judiciário (gera efeito ex tunc).

Em regra, a anulação dos atos administrativos não gera direito à indenização e não admite convalidação. Todavia, é preciso flexibilizar esse entendimento no caso, por exemplo, de terceiros de boa-fé, tendo em vista, principalmente, a presunção de legitimidade dos atos administrativos (exemplo: caso de servidor ilegitimamente nomeado para cargo público).

8.2. Revogação

A revogação é uma forma, praticada pela própria Administração

Pública, de retirada do mundo jurídico de atos administrativos que, apesar de válidos e legítimos, tornaram-se inconvenientes, inoportunos ou desnecessários (de acordo com o interesse público).

É ato discricionário e exclusivo da Administração (gera efeito ex nunc, haja vista a validade/legalidade de sua anterior existência).

8.2.1. Atos Irrevogáveis

Muito embora a revogação seja um ato discricionário, sua

abrangência não é ilimitada. Há casos que, por razões de ordem lógica e jurídica, não podem (mais) ser revogados: (a) atos consumados, que exauriram seus efeitos; (b) atos vinculados, porque nesses o administrador não possui liberdade de ação; (c) atos que geraram direito adquirido (art. 5º, XXXVI, CF); (d) atos que integram um procedimento – a cada novo ato ocorre a preclusão do ato anterior; (e) os meros atos administrativos – seus efeitos são previamente estabelecidos em lei;

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8.3. Cassação A cassação ocorre quando o beneficiário do ato administrativo

descumpre os requisitos exigidos para a sua manutenção. É uma espécie de sanção.

8.4. Outras Formas de Extinção do Ato Administrativo

As formas de extinção dos atos administrativos (acima identificadas)

integram o grupo de desfazimento volitivo, ou seja, em que há uma manifestação do Poder Público. Todavia, há formas de desfazimento que independem de manifestação de vontade, quais sejam: (a) extinção natural – exemplo: permissão de uso concedida por dois meses; (b) extinção subjetiva – exemplo: falecimento do indivíduo que possui porte de arma; (c) extinção objetiva – exemplo: ato de interdição de uma empresa que foi extinta; (d) caducidade – ocorre quando uma nova lei muda a situação jurídica anterior e, com isso, acarreta o desfazimento do ato anterior (há incompatibilidade da lei com o ato anterior). Exemplo: caducidade de autorização para explorar parque de diversões em local que, posteriormente, em função da nova lei de zoneamento, foi considerado incompatível; (e) contraposição – é a extinção ordenada por ato administrativo posterior cujos efeitos são contrapostos ao primeiro. Exemplo: a extinção dos efeitos do ato de nomeação pela subseqüente demissão do servidor; (f) renúncia – decorre da manifestação de vontade (expressa) do beneficiário do ato. Exemplo: quando o particular requer a revogação de sua autorização para uso de bem público.

9. Convalidação de Atos Administrativos

A convalidação pode também ser denominada de aperfeiçoamento,

saneamento ou sanatória. Durante certo tempo, a doutrina tradicional não reconhecia a

possibilidade de convalidação de atos administrativos, pois, se havia alguma espécie de vício no ato, deveria ser declarada a sua nulidade (Diógenes Gasparini ainda comunga desse posicionamento, hoje ultrapassado).

Todavia, a Lei de Processo Administrativo (Lei 9784/99) reconheceu, expressamente, a existência da teoria dualista dos atos (agora aplicável, sem dúvida, ao Direito Administrativo: ato nulo e ato anulável, este último passível de convalidação).

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Muito embora a Lei de Processo Administrativo trate a convalidação como um ato discricionário, os Professores Maria Sylvia Zanella Di Pietro e Celso Antônio Bandeira de Mello, por força do pensamento da Professora Weida Zancaner, defendem a idéia de que, como regra geral, a convalidação é ato vinculado (exceção seria o ato discricionário praticado por autoridade incompetente).

Por derradeiro, vale anotar que o artigo 54 da Lei 9784/99 prevê hipótese de convalidação tácita dos atos administrativos, enquanto o artigo 55 revela duas possibilidades de convalidação (expressa). A convalidação gera efeito ex tunc. 9.1. A Convalidação e os Diferentes Vícios do Ato Administrativo 9.1.1. Competência

O ato praticado com vício de incompetência em razão do sujeito

admite convalidação, desde que a competência prevista em lei não seja exclusiva.

O ato praticado com vício de incompetência em razão da matéria não admite convalidação (hipótese de competência exclusiva).

9.1.2. Finalidade e Motivo

Os elementos finalidade e motivo não admitem convalidação.

9.1.3. Objeto Se o objeto é ilegal não há possibilidade de convalidação.

9.1.4. Forma Desde que não seja essencial à validade do ato, a forma pode ser

convalidado (art. 22 c/c art. 55 da Lei 9784/99).

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PONTO 6

SERVIDORES PÚBLICOS

Este capítulo foi elaborado originalmente pelo Prof. Fabrício Motta, atualizado posteriormente pelos Profs. Fabrício Motta, Frederico Telho e Sandro de Abreu. 1. CONCEITO – NOÇÕES INICIAIS

Sendo uma pessoa jurídica, o Estado não tem como agir de mão

própria. Só se faz presente através das pessoas físicas que em seu nome manifestam determinada vontade, e é por isso que essa manifestação volitiva acaba por ser imputada ao próprio Estado. São elas que agem pelo Estado. Elas são os agentes públicos, expressão de sentido amplo, que designa qualquer pessoa física que presta serviços ao Estado e às pessoas jurídicas componentes da Administração Indireta, "ainda que o façam apenas ocasional ou episodicamente", como aduz CABM - "Quem quer que exercite funções estatais, enquanto as exercita, é um agente público".

Neste sentido a definição legal que fornece a L8429/92, em seu artigo 2º, e o Código Penal:

Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação, contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo, emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior. Código Penal art. 327: Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública. § 1º - Equipara-se a funcionário público quem exerce cargo, emprego ou função em entidade paraestatal, e quem trabalha para empresa prestadora de serviço contratada ou conveniada para a execução de atividade típica da Administração Pública.

Alguns integram o aparelho estatal, em sua organização direta ou

indireta. Outros são alheios ao aparato estatal, como concessionários, permissionários, delegados de função ou ofício público, alguns requisitados, gestores de negócios. Formarão um grupo encarregado da condução do aparelho estatal. Necessário lembrar que o Governo muda, mas a Administração permanece. Não há mais falar em spoil's system

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(sistema dos despojos), pelo qual o novo governante indicaria todos os cargos componentes da administração.

Apreender o alcance do conceito torna-se imperioso para o enquadramento das condutas previstas na Lei do Mandado de Segurança, na Lei de Improbidade Administrativa e na Lei de Abuso de Autoridade, entre outras. Dois são os requisitos para caracterização do agente público (CABM): a natureza estatal da atividade desempenhada; e a investidura nela19.

Para atuar em nome do Estado, faz-se necessário possuir um título jurídico, um ato de nomeação, um mandato, uma contratação. A natureza deste título determinará a natureza do vínculo do servidor com o Estado.

2. CLASSIFICAÇÃO 2.1. Agentes Políticos

Idéia ligada à de governo e à de função política - na lição de Renato Alessi, "uma atividade de ordem superior dirigida a determinar os fins da ação do Estado, a assinalar as diretrizes para as outras funções, buscando a unidade da soberania estatal". Para MSZ, no Brasil, é função que se concentra no Executivo e Legislativo. Os membros do Judiciário, do Ministério Público e do Tribunal de Contas não participam direta ou indiretamente das decisões governamentais. Para a autora, "não basta o exercício de funções constitucionais" para a caracterização da categoria, a menos que se considere como tal todos os servidores integrados em instituições com competência constitucional, como a Advocacia Geral da União, as Procuradorias dos Estados, a Defensoria Pública, os Militares. Considera como típicos agentes políticos, porque exercem atividades de governo e exercem mandato, para o qual são eleitos, apenas os Chefes do Executivo, seus auxiliares diretos (neste caso, são nomeados), e os membros do Legislativo.

A mesma autora identifica, porém, tendência a considerar os membros da Magistratura e do Ministério Público como agentes políticos. Quanto à Magistratura, considera que a função, em certo sentido, é política, posto que corresponde ao exercício de uma parcela da soberania estatal - dizer o direito em última instância. Já no pertinente aos membros do MP, tal condição derivaria da função de controle que lhes foi

19 Tenha-se presente, entretanto, que o defeito que invalida a investidura de um agente não acarreta, por si só, a invalidade dos atos que este praticou. É a teoria do funcionário de fato (que requer a aparência de legalidade da situação). Em homenagem ao princípio da boa-fé dos administrados, da aparência, da segurança jurídica e da presunção de legalidade dos atos administrativos, reputam-se válidos os atos por ele praticados, se por outra razão não forem viciados. Oswaldo Aranha Bandeira de Mello dá notícia do caso de um escravo fugitivo chamado Bárbario Felipe, que, ocultando sua condição, pediu e obteve a função de pretor em Roma. Vindo, depois, a ser descoberto, seus atos dantes praticados como pretor foram considerados válidos.

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confiada pela CF/88. Em ambos os casos, seu vínculo é estatutário, ainda que tal estatuto seja próprio.

Já HLM inclui no conceito os membros do Ministério Público, Magistratura, TC, diplomatas. Seriam caracterizados por sua independência funcional, pelas atribuições governamentais, judiciais ou quase judiciais. CABM os enxerga como formadores da vontade superior do Estado, com vínculo não de natureza profissional com o Estado, e sim de natureza política.

O STF, quando se manifestou sobre o tema, posicionou-se no sentido de que os magistrados são agentes políticos (RE 228.977/SP).

Em síntese, agentes políticos caracterizam-se por: (a) terem funções de direção e orientação estabelecidas na Constituição; (b) por ser normalmente transitório o exercício de tais funções, de acordo com o postulado republicano (que exige a transitoriedade dos mandatos); (c) sua investidura se dá através de eleição, que lhes confere direito a um mandato; excepcionalmente (auxiliares do Executivo), são nomeados; (d) a doutrina aponta unanimemente os Chefes do Executivo, seus auxiliares diretos e os membros do Poder Legislativo como agentes políticos. Existe polêmica sobre os membros da Magistratura e do MP. 2.2. Agentes Particulares Colaboradores

Particulares que exercem funções especiais que podem se qualificar como públicas, sempre como resultado do vínculo jurídico que os prende ao Estado. Alguns exercem verdadeiro múnus público, sujeitando-se a certos encargos a favor da coletividade, transitoriamente. Fazem-no sob diversos títulos: (a) DELEGAÇÃO DO PODER PÚBLICO. De que são exemplos os empregados de concessionárias de serviço público, os que exercem serviços notariais (236 CF - caráter privado, exige concurso para ingresso) e de registro. Exercem função pública em seu próprio nome, sem vínculo empregatício, porém sob fiscalização. Recebem remuneração paga pelos terceiros usuários do serviço. (b) MEDIANTE REQUISIÇÃO, NOMEAÇÃO OU DESIGNAÇÃO. Exercendo função pública relevante. Jurados, mesários. Em geral não percebem remuneração, sendo recompensados por outra forma. (c) GESTORES DE NEGÓCIOS. Assumem espontaneamente determinada função pública em momento de emergência - epidemia, incêndio, enchente.

Podem nem sequer receber remuneração, sendo compensados de outra maneira, como apostilamento da situação nos prontuários funcionais ou a concessão de um período de descanso remunerado após a tarefa.

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Exemplo clássico são os jurados, mesários, integrantes de juntas apuradoras, os concessionários e permissionários de serviços públicos e os titulares de ofícios de notas e registro não oficializados (art. 236 CF – caráter privado por delegação do Poder Público – vide L8935/94 – em princípio, não ocupam cargo público, mas a jurisprudência do STF não é segura nesse sentido, conforme se vê dos precedentes contraditórios a seguir):

STF ADInMC 2415-SP, Inf. STF 254 (dez/2001); Concluído o julgamento do pedido de medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Notários e Registradores do Brasil - ANOREG-BR contra o Provimento 747/2000 (com as alterações do Provimento 750/2001), do Conselho Superior da Magistratura do Estado de São Paulo, que reorganiza as delegações de registro e de notas do interior do Estado mediante a acumulação e desacumulação de serviços, extinção e criação de unidades (v. Informativos 231, 243 e 247). O Tribunal, por maioria, acompanhou o voto do Min. Ilmar Galvão, relator, que indeferia a liminar por entender que os serviços notariais e de registro não são cargos públicos, (...). Serviços Notariais e Responsabilidade Os titulares das serventias de notas e registros são servidores públicos em sentido amplo, pois são ocupantes de cargo público criado por lei, submetido à fiscalização do Estado e diretamente remunerado à conta da receita pública, bem como provido por concurso público. Com esse entendimento, a Turma confirmou acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que condenou o Estado, ora recorrente, baseado na sua responsabilidade civil por dano causado por serventuário de cartório de registro a adquirente de imóvel. Afastou-se a alegação do recorrente no sentido de que os oficiais de registro não detêm a condição de servidores públicos para efeito da responsabilidade objetiva do Estado por serem os serviços notariais exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público (CF, art. 236). Precedente citado: RE 178.236-RJ (DJU de 11.4.97). RE 187.753-PR, rel. Min. Ilmar Galvão, 26.3.99.

2.3. Servidores Públicos

Pessoas físicas que prestam serviços ao Estado e às entidades da Administração Indireta, profissionalmente, com vínculo empregatício e mediante remuneração paga pelos cofres públicos. Possuem com o Estado uma relação de natureza profissional e caráter não eventual sob vínculo

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de dependência. Fazem do serviço público uma profissão, de caráter geralmente definitivo (existem funções de natureza transitória, mas não são a regra). Subdivide-se em categorias de acordo com a natureza de seu vínculo com o Estado:

(a) SERVIDOR ESTATUTÁRIO. Submete-se a regime estabelecido em lei por cada uma das unidades da federação e modificável unilateralmente, desde que respeitados os direitos já adquiridos pelo servidor. Quando nomeados, ingressam numa situação jurídica pré-definida, à qual se submetem com o ato da posse. Seu posto de trabalho denomina-se CARGO PÚBLICO20; (b) EMPREGADO PÚBLICO. É contratado sob regime celetista, com as alterações decorrentes da CF. Aqui não podem Estados e Municípios disciplinar o vínculo, posto que lhes falece competência para legislar sobre Direito do Trabalho (CF, art. 22, I). Ficam portanto submetidos à legislação federal, que proíbe alterações unilaterais do contrato de trabalho (Enunciado 51/TST). No âmbito da União, gozam de certa estabilidade (pela L9962/00, não há dispensa sem justa causa - art. 3º. Destaque-se que tal lei não pode ser aplicada a cargos públicos em comissão).21 Seu posto de trabalho denomina-se EMPREGO PÚBLICO; (c) SERVIDORES TEMPORÁRIOS. Contratados para exercer funções temporárias, mediante regime jurídico especial a ser definido em lei de cada unidade da federação. Baseia-se no permissivo constitucional do artigo 37, IX (vide L8745/93; no Estado de Goiás, Lei Estadual 13.196/1997 e 13.664/2000) - "a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público". Seu posto de trabalho denomina-se FUNÇÃO PÚBLICA.

2.4. Militares

Pessoas físicas que prestam serviços ao Estado, com vínculo estatutário sujeito a regime jurídico próprio, mediante remuneração paga pelos cofres públicos. A EC19/98 lhes excluiu da categoria; antes a seção se denominava "dos servidores públicos militares". Agora, apenas "dos militares". Só se aplicam as normas constitucionais relativas a servidores quando houver expressa previsão.

20 Conjunto de atribuições e responsabilidades, criado por lei em número determinado, com nome certo e remuneração especificada por meio de símbolos numéricos ou alfanuméricos. 21 Registre-se, ainda, a jurisprudência pacífica do TST, que reconhece a existência da possibilidade de dispensa sem justa causa de empregados de sociedades de economia mista e empresas públicas. O Tribunal entende que tais entes sujeitam-se à disciplina própria das empresas privadas, podendo fazer dispensas imotivadas desde que paguem as verbas indenizatórias cabíveis. Vide OJ247 – SDI / TST.

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2.5. Agentes de Fato

Mesmo sem uma investidura normal e regular, executam uma função pública em nome do Estado. José dos Santos Carvalho Filho propõe sua divisão em: (a) agentes necessários: são aqueles que praticam atos e executam atividades em situações excepcionais, em colaboração com o Poder Público. Como regra, seus atos são referendados pelo Estado; (b) agentes putativos: desempenham a função pública na presunção de que há legitimidade, embora não tenha havido investidura de acordo com os critérios legais. Alguns de seus atos podem ser questionados internamente, mas externamente devem ser convalidados, para evitar que terceiros de boa-fé sejam prejudicados (teoria da aparência – para o terceiro há uma fundada suposição de que o agente é de direito). Vide 328 CP – Usurpação de função pública. 3. ESTUDO DO REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICOS CIVIS

Constitucionalmente, as regras para os servidores civis estão na CF 39-41. Os militares dos Estados, Distrito Federal e Territórios estão no artigo 42 CF. Os militares das Forças Armadas da União, no artigo 142, §3º CF.

Como já visto, essencialmente temos servidores ocupantes de CARGO, EMPREGO e FUNÇÃO. Para os fins deste trabalho, importa especialmente o estudo do regime estatutário.

a) Regime estatutário. As regras básicas da relação devem estar previstas em lei, sendo que esta deve observância às numerosas disposições constitucionais a respeito. Como características: • pluralidade normativa: os estatutos funcionais são

múltiplos. Cada ente federado, como decorrência de sua autonomia, tem o poder de organizar seus serviços e seus servidores. Sobre este ponto, vale transcrever o seguinte precedente: STF - RE-169173 / SP Relator(a): Min. MOREIRA ALVES EMENTA: Servidor público. Adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei. Art. 7º, XXIII, da Constituição Federal. - O artigo 39, § 2º, da Constituição Federal apenas estendeu aos servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios alguns dos direitos sociais por meio de remissão, para não ser necessária a repetição de

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seus enunciados, mas com isso não quis significar que, quando algum deles dependesse de legislação infraconstitucional para ter eficácia, essa seria, no âmbito federal, estadual ou municipal, a trabalhista. Com efeito, por força da Carta Magna Federal, esses direitos sociais integrarão necessariamente o regime jurídico dos servidores públicos civis da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, mas, quando dependem de lei que os regulamente para dar eficácia plena aos dispositivos constitucionais de que eles decorrem, essa legislação infraconstitucional terá de ser, conforme o âmbito a que pertence o servidor público, da competência dos mencionados entes públicos que constituem a federação. Recurso extraordinário conhecido, mas não provido. Votação: Unânime.

• vínculo de natureza institucional: não existe contrato entre o servidor estatutário e o Poder Público. Não se negociam cláusulas, o servidor ingressa em uma situação jurídica já delineada pela lei.

• Constitui competência privativa do Chefe do Poder Executivo a iniciativa de lei que verse sobre regime jurídico de servidores ligados à Administração Direta e autárquica (CF, 61, §1º, II, a), inclusive aumento de sua remuneração. Neste sentido, vide a NOVA súmula do STF, de nº 679: "A fixação de vencimentos dos servidores públicos não pode ser objeto de convenção coletiva".

Alguns agentes não ocupam cargos públicos - exercem FUNÇÃO PÚBLICA, definida residualmente - é aquele conjunto de atribuições ao qual não corresponde um cargo ou emprego público. Seu regime jurídico é nosso próximo assunto:

b) Regime especial. Características: (Vide permissivo constitucional: art. 37, IX CF /

92, X CEst) • lei reguladora deve advir de cada ente federado; • natureza contratual, de acordo com os termos

constitucionais; • os contratos devem ter sempre prazo determinado; • temporariedade da função: a necessidade que tais

serviços visam cobrir é sempre temporária. Descabe contratar servidores temporários para funções permanentes. Neste sentido já se pronunciou o STF, na ADInMC 2125-DF (Info STF 184):

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Deferido pedido de liminar em ação direta ajuizada pelo Partido dos Trabalhadores, para suspender, até decisão final, a eficácia do art. 2º da MP 2.014/2000, que autoriza o Instituto Nacional de Propriedade Industrial a efetuar contratação temporária de servidores, por doze meses, nos termos do art. 37, IX da CF (CF, art. 37, IX: “a lei estabelecerá os casos de contratação por tempo determinado para atender a necessidade temporária de excepcional interesse público;”). O Tribunal, à primeira vista, entendeu haver relevância na tese sustentada pelo autor, em que se alegava inconstitucionalidade por ofensa à obrigatoriedade de concurso público para a investidura em cargo ou emprego público (CF, art. 37, II), por se tratar de contratação por tempo determinado para atender necessidade permanente — atividades relativas à implementação, ao acompanhamento e à avaliação de atividades, projetos e programas na área de competência do INPI —, não se enquadrando na hipótese prevista no inciso IX do art. 37 da CF.

• Excepcionalidade do interesse público justificador da contratação: situações administrativas comuns não autorizam o uso do permissivo constitucional. Vide a decisão do STF no Inf. 202:

Contratação Temporária de Defensores Públicos. Deferida medida liminar em ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil contra a Lei 6.094/2000, do Estado do Espírito Santo — que autoriza o Poder Executivo a realizar contratação temporária de Defensores Públicos, em caráter emergencial — para suspender, até decisão final, com eficácia ex nunc, incluída a cessação dos contratos firmados, a eficácia da Lei impugnada. O Tribunal, à primeira vista, considerou relevante a tese sustentada pelo requerente no sentido de que a contratação de defensores públicos, sem concurso público, ofenderia os arts. 37, II, e 134 da CF. ADInMC 2.229-ES, rel. Min. Marco Aurélio, 14.9.2000. (ADI-2229).

Na Administração Direta, autarquias, fundações públicas,

idealmente, o regime de emprego público só deve ser utilizado para atividades subalternas. Neste sentido os ensinamentos de CABM: "é admissível a contratação de empregados para prestação de serviços materiais subalternos pela Administração Direta, fundações e autarquias sob regime celetista". A razão é simples: apenas o regime estatutário garante estabilidade ao servidor. Servidores celetistas podem ser demitidos sem justa causa. Um fiscal não se sentiria seguro em sua atuação (que pode desagradar a muitos) se pudesse ser demitido a

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qualquer momento. Daí o conceito de carreiras exclusivas de Estado, albergado pela CF/88 em seu artigo 247. 4. COMPETÊNCIA LEGISLATIVA

A competência para organizar o serviço público é da entidade

estatal a que pertence o respectivo serviço, como reflexo da autonomia dos entes federados instituída pela Constituição. As normas estatutárias federais (Lei 8112/90) não se aplicam aos servidores estaduais ou municipais, nem as do Estado de Goiás (Lei Estadual 10.460/88) se estendem aos servidores dos Municípios. Apenas deverão ser observadas as disposições mínimas constantes da Constituição Federal.

É que as entidades estatais são competentes para organizar e manter seu funcionalismo22, criando cargos e funções, instituindo carreiras e classes, fazendo provimento e lotações, estabelecendo vencimentos e vantagens, delimitando os deveres e direitos dos servidores e fixando regras disciplinares, mas não podem contrariar o estabelecido na Constituição da República como normas gerais de observância obrigatória na organização do seu pessoal e dos respectivos regimes jurídicos.

5. ORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Normalmente, a organização administrativa prevê cargos agrupados em classes, sendo que estas se dispõem verticalmente em carreiras. Classe é o agrupamento de cargos de idênticas atribuições, responsabilidades e vencimentos; constituem os degraus de acesso na carreira.

Carreira é o agrupamento de classes da mesma profissão ou atividade, escalonadas segundo a hierarquia do serviço, para acesso privativo dos titulares dos cargos que a integram. As carreiras iniciam-se e terminam nos respectivos quadros.

Quadro é o conjunto de carreiras, cargos isolados e funções gratificadas de um mesmo serviço, órgão ou Poder. O quadro pode ser permanente ou provisório, mas sempre estanque, não admitindo promoção ou acesso de um para outro.

Cargo de carreira é o que se escalona em classes, para acesso privativo de seus titulares, até o da mais alta hierarquia profissional (Por exemplo, em um hospital podemos ter médicos de primeira, segunda e terceira categorias). Já o cargo isolado é o que não se escalona em

22 Mas atenção: a CF/88, em seu artigo 21, XIV, diz que compete à União "organizar e manter a polícia civil, a polícia militar e o corpo de bombeiros militar do Distrito Federal (...)". Daí a redação da NOVA súmula 647 do STF: "Compete privativamente à União legislar sobre vencimentos dos membros das polícias civil e militar do Distrito Federal".

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classes, por ser o único na sua categoria (Presidente da República, por exemplo). Os cargos isolados constituem exceção no funcionalismo, porque a hierarquia administrativa exige escalonamento das funções para aprimoramento do serviço e estímulo aos servidores, através do instituto da promoção. 6. NORMAS CONSTITUCIONAIS SOBRE O REGIME JURÍDICO DOS SERVIDORES PÚBLICO 6.1. Acessibilidade

Quem pode ser servidor público? Ao estabelecer a acessibilidade aos cargos públicos a todos os brasileiros (art. 37, I) a Constituição condiciona expressamente o acesso à função pública por parte de estrangeiros à existência de expressa previsão legal23.

Entre brasileiros, apenas são válidas as distinções entre brasileiros natos e naturalizados fundadas na Constituição. A CF estabelece cargos privativos de brasileiro nato em seu art.12, § 3º (Presidente da República, Presidente da Câmara dos Deputados, Presidente do Senado Federal, Ministro do Superior Tribunal Federal, carreira diplomática, oficial das Forças Armadas, Ministro de Estado da Defesa), bem como os cargos constantes do artigo 89, VII CF.

Por outro lado, o mesmo art. 37, I, condiciona a acessibilidade aos cargos públicos ao preenchimento dos requisitos estabelecidos em lei. Com isso, fica o Poder Público investido do poder de, por via legislativa, estabelecer requisitos para acesso a determinados cargos, como especificamente autoriza o art. 39, §3º CF24.

O princípio da isonomia veda exigências meramente discriminatórias, devendo sempre haver um critério justo e lógico de discrime. Os requisitos deverão ser os que, objetivamente considerados, se mostrem necessários ao desempenho da função pública. Por exemplo, manifestou-se o STF no seguinte precedente:

Informativo 191 Concurso Público: Exigência de Altura Mínima

23 A CF/88 prevê o acesso de professores universitários estrangeiros (vide CF 207, §1º, igualmente condicionado à forma legal). 24 Este parágrafo igualmente estende alguns dos direitos dos trabalhadores em geral aos servidores públicos, a saber, os constantes do artigo 7º da CF/88, incisos: IV - salário mínimo; VII - remuneração nunca inferior ao salário mínimo, mesmo para quem recebe remuneração variável; VIII - 13º salário; IX - remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; XII - salário família; XIII - duração da jornada de trabalho (8h diárias e 44 h semanais); XV - repouso semanal remunerado; XVI - remuneração de serviço extraordinário; XVII - férias anuais remuneradas com 1/3 a mais na remuneração; XVIII - licença gestante 120 dias; XIX - licença paternidade; XX - proteção do mercado de trabalho da mulher, previsto em lei; XXII - redução dos riscos de trabalho, por normas de saúde, higiene e segurança; XXX - proibição de diferença de remuneração por sexo, idade, cor ou estado civil.

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Não é desarrazoada a exigência de altura mínima de 1,60m para o preenchimento de cargo de delegado de polícia do Estado do Mato Grosso do Sul, prevista na Lei Complementar 38/89, do mesmo Estado. A Turma entendeu que, no caso, a exigência mostrou-se própria à função a ser exercida, não ofendendo, portanto, o princípio da igualdade (CF, art. 5º, caput). Vencido o Min. Marco Aurélio, relator, por considerar que a referida exigência seria incompatível com o cargo de delegado de polícia, já que este quase sempre exerce funções de natureza interna, não se fazendo necessário o porte intimidador. RE 140.889-MS, rel. orig. Min. Marco Aurélio, red. p/ o acórdão Min. Maurício Corrêa, 30.5.2000.

Neste sentido também é válido transcrever a NOVA súmula do STF,

de nº 683: "O limite de idade para a inscrição em concurso público só se legitima em face do art. 7º, XXX, da Constituição, quando possa ser justificado pela natureza das atribuições do cargo a ser preenchido".

Importante frisar que as exigências previstas em lei para acesso ao cargo público devem incidir no momento da posse e não na inscrição, conforme a Súmula STJ 266: "O diploma ou habilitação legal para o exercício do cargo deve ser exigido na posse e não na inscrição para o concurso público".

Realçando a necessidade de quaisquer requisitos estarem previstos em lei, podemos ainda trazer à colação a nova Súmula do STF, de nº 686: "Só por lei se pode sujeitar a exame psicotécnico a habilitação de candidato a cargo público".

6.2. Princípio do Concurso Público

A fim de atender ao princípio da isonomia, a CF prevê a obrigatoriedade de concurso público, para a investidura em cargo ou emprego público, isto é, para o ingresso em cargo isolado ou no cargo inicial da carreira, nas entidades estatais, suas autarquias, suas fundações públicas e empresas estatais. O concurso é um meio de propiciar igual oportunidade a todos os interessados em ingressar no serviço público.

A Súmula 685 do STF reza que "É inconstitucional toda modalidade de provimento que propicie ao servidor investir-se, sem prévia aprovação em concurso público destinado ao seu provimento, em cargo que não integra a carreira na qual anteriormente investido".

Mas é polêmico o limite do mandamento, havendo precedentes nos quais o STF admitiu transformação e integração de carreiras, às vezes de maneira não isenta de críticas. Sirvam como exemplo:

Reestruturação de Carreiras e Concurso - Info 119 Por maioria, o Tribunal julgou improcedente a ação direta de inconstitucionalidade requerida pelo Partido dos Trabalhadores - PT contra dispositivos da LC 10.933/97 do Estado do Rio Grande do Sul

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que, ao criar a carreira de Agente Fiscal do Tesouro do Estado, nela consolidando as atribuições das carreiras de Auditor de Finanças Públicas e de Fiscal de Tributos estaduais as quais entram em extinção, concedera aos servidores destes cargos o direito de optarem pelo enquadramento nos cargos da nova carreira ou de permanecerem no exercício de suas respectivas funções. Reconheceu-se a inexistência de impedimento à opção assegurada pela norma impugnada, tendo em vista a afinidade de atribuições das carreiras consolidadas. Vencidos os Ministros Néri da Silveira, Maurício Corrêa, Sydney Sanches, Moreira Alves e Celso de Mello, que julgavam parcialmente procedente a ação, ao fundamento de que o dispositivo impugnado possibilita a admissão, sem a exigência de concurso público (CF, art. 37, II), na carreira de Agente Fiscal do Tesouro do Estado, cujas atribuições são mais amplas do que aquelas dos cargos em extinção. ADIn 1.591-RS, rel. Min. Octavio Gallotti, 19.8.98. Unificação de Carreiras e Concurso - Info 295 Em seguida, o Tribunal, julgando o mérito do pedido formulado na ação direta acima mencionada (nos termos do art. 12 da Lei 9.868/99), por maioria, declarou a constitucionalidade do art. 11 e parágrafos 1º a 5º da Lei 10.549/2002 (lei de conversão da Medida Provisória 43/2002), que transforma os cargos de assistente jurídico da Advocacia-Geral da União em cargos de advogado da União. (...) rejeitando-se, ainda, a argüição de inconstitucionalidade material por violação ao princípio do concurso público (CF, art. 37, II, e art.131, § 2º), porquanto ambos os cargos têm as mesmas atribuições e vencimentos, bem como requerem o preenchimento dos mesmos requisitos para a investidura. Considerou-se, portanto, que a unificação da carreira de assistente jurídico (advogado com atividade consultiva) com a de advogado da União (advogado com atividade litigiosa) visou a racionalização dos trabalhos da AGU. Vencidos o Min. Maurício Corrêa, que julgava procedente em parte o pedido para declarar a inconstitucionalidade das expressões que permitiam a transformação dos cargos que estivessem ocupados, e o Min. Marco Aurélio, que julgava integralmente procedente o pedido formulado na ação pelo vício formal. Precedente citado: ADI 1.591-RS (DJU de 30.6.2000). ADI 2.713-DF, rel. Ministra Ellen Gracie, 18.12.2002. (ADI-2713)

Desde a Constituição de 1967 os concursos públicos só podem ser

de provas ou de provas e títulos, ficando, assim, afastada a possibilidade de seleção com base unicamente em títulos, como ocorria na vigência da Constituição de 1946. A prova de títulos pode ter caráter eliminatório (Vide RE 221.966-DF, Info STF 151).

Ainda, oportuno transcrever a NOVA súmula 684: "É inconstitucional o veto não motivado à participação de candidato a concurso público". Esta

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súmula alcança fases de "entrevistas" e "investigação social" dos candidatos.

Vale ressaltar os limites da apreciação judicial sobre o concurso público:

Concurso Público e Exame de Prova Não cabe ao Poder Judiciário, em matéria de concurso público, substituir-se à banca examinadora nos critérios de correção de provas e avaliação de questões, mas apenas verificar a ocorrência de ilegalidade no procedimento administrativo. Com esse entendimento, a Turma não conheceu de recurso extraordinário em que se pretendia a anulação de questões de prova, cujo conteúdo não estaria compreendido no programa do concurso. Precedentes citados: MS 21.176-DF (RTJ 137/194) e RE 140.242-DF (DJU de 21.11.97). RE 268.244-CE, rel. Min. Moreira Alves, 9.5.2000.

Vencido o concurso, entretanto, o primeiro colocado adquire direito

subjetivo à nomeação com preferência sobre qualquer outro, desde que a Administração se disponha a prover o cargo (a conveniência e oportunidade do provimento ficam à inteira discrição do Poder Público). O que não se admite é a nomeação de outro candidato que não o vencedor do concurso, pois, nesse caso, haverá preterição do seu direito25.

O concurso tem validade de até dois anos, contados da homologação, prorrogável uma vez, por igual período, conforme dispõe o art. 37, III, da CF. Pode haver, por exemplo, concurso com prazo de um ano, prorrogável por mais um ano.

Durante o prazo de validade do concurso, os aprovados têm prioridade em relação a novos concursados. Neste sentido é a disposição do art. 37, IV da CF. O Estatuto dos Servidores da União (L8112/90) veda a abertura de novo concurso enquanto existir candidato aprovado em concursos anteriores (dentro do prazo de validade - art. 12, §2º). 6.3. Provimento de Cargo Público

Após o concurso segue-se um procedimento para o provimento do cargo, que se inicia com a nomeação do candidato aprovado. Provimento, é o preenchimento do cargo público, com a designação de seu titular (HLM).

O provimento pode ser originário ou inicial e derivado. Provimento inicial é o que pressupõe a inexistência de vinculação entre a situação de serviço anterior do nomeado e o preenchimento do cargo. Assim, tanto é provimento inicial a nomeação de pessoa estranha aos quadros do serviço público quanto a de outra que já exercia função

25 Neste sentido a Súmula 15 do STF: "Dentro do prazo de validade do concurso, o candidato aprovado tem direito a nomeação, quando o cargo for preenchido sem observância da classificação".

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pública como ocupante de cargo não vinculado àquele para o qual foi nomeada.

O provimento derivado é sempre uma alteração na situação de serviço do provido, que já possui vínculo com o Poder Público; por exemplo, é o caso da promoção (o funcionário ascende na carreira) ou na reintegração (retorno do servidor ilegalmente demitido). Sobre o assunto, recordar a redação da Súmula STF 685, já transcrita.

O provimento originário dá-se através da nomeação, que nas palavras de JSCF é o "ato administrativo que materializa o provimento originário de um cargo".

Depois da nomeação, dá-se a posse, ato de aceitação, pelo servidor, dos termos da relação jurídica que manterá com o Estado. O servidor atesta seu pleno conhecimento do regime jurídico a que estará subordinado, e lhe são conferidas as prerrogativas, os direitos e os deveres do cargo ou do mandato. Sem a posse o provimento não se completa, nem pode haver exercício da função pública. É a posse que marca o início dos direitos e deveres funcionais, como, também, gera as restrições, impedimentos e incompatibilidades para o desempenho de outros cargos, funções ou mandatos. Por isso mesmo, a nomeação regular só pode ser desfeita pela Administração antes da posse do nomeado. No entanto, a anulação do concurso, com a exoneração do nomeado, após a posse, só pode ser feita com observância do devido processo legal e a garantia de ampla defesa26.

O exercício do cargo é decorrência natural da posse. É o exercício que marca o momento em que o funcionário passa a desempenhar legalmente suas funções e adquire direito às vantagens do cargo e à contraprestação pecuniária devida pelo Poder Público. O exercício marca o termo inicial de contagem do tempo de serviço e do período de estágio probatório.

Com a posse, o cargo fica provido e não poderá ser ocupado por outrem, mas o provimento só se completa com a entrada em exercício do nomeado. Se este não o faz na data prevista, a nomeação e, conseqüentemente, a posse tornam-se ineficazes, o que, juntamente com a vacância do cargo, deve ser declarado pela autoridade competente.

Observe-se, por fim, que a exigência de prévia aprovação em concurso é para os cargos de provimento efetivo, não se aplicando aos cargos de provimento em comissão e às funções de confiança, baseados na relação de confiança entre a autoridade e seus nomeados, nomeáveis e exoneráveis ad nutum (CF, art. 37, II).

Investidura, segundo o professor HLM, é o "ato ou procedimento legal que vincula o agente público ao Estado". Para JSCF a investidura se completa com a posse; para HLM é necessário o exercício.

26 Súmula 16 do STF: "Funcionário nomeado por concurso tem direito à posse". Já a Súmula 17 prevê: "A nomeação de funcionário sem concurso pode ser desfeita antes da posse".

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A desinvestidura de cargo ou emprego público pode ocorrer por demissão ou exoneração. Demissão é punição por falta grave; exoneração é desinvestidura de ofício ou a pedido do interessado - neste caso, desde que não esteja sendo processado judicial ou administrativamente. O seguinte acórdão é bastante ilustrativo:

STJ: ROMS 1853 / RS Rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA ADMINISTRATIVO - MANDADO DE SEGURANÇA - ESTAGIO PROBATORIO - EXONERAÇÃO - DEMISSÃO - ATO MOTIVADO - AMPLA DEFESA (C.F., ART. 5., LV). 1. DEMISSÃO, COMO PENA ADMINISTRATIVA, APLICAVEL AO FUNCIONARIO ESTAVEL OU NÃO, PRESSUPÕE O COMETIMENTO DE INFRAÇÃO DISCIPLINAR OU CRIME FUNCIONAL, COM REGULAR APURAÇÃO EM PROCESSO ADMINISTRATIVO OU JUDICIAL. A EXONERAÇÃO OU DISPENSA NÃO E DISCIPLINAR, INDEPENDENTE DE COMPROVAÇÃO DA PRATICA DE INFRAÇÃO, BASEANDO-SE EXCLUSIVAMENTE NA CONVENIENCIA DA ADMINISTRAÇÃO PUBLICA OU A PEDIDO DO FUNCIONARIO, SE CARATER PUNITIVO. SE, POR VONTADE DA ADMINISTRAÇÃO E SUFICIENTE O ATO MOTIVADO. 2. DURANTE O ESTAGIO PROBATORIO, SE O CANDIDATO, EMBORA DEMONSTRADA NO CONCURSO PARA O PROVIMENTO DE CARGO, A CAPACIDADE DE CONHECIMENTO OU INTELECTUAL, DIANTE DA INAPTIDÃO OU DE INEFICIENCIA, NÃO CORRESPONDENDO AS EXIGENCIAS ESTABELECIDAS PARA A CONFIRMAÇÃO E ESTABILIDADE, FICA SUJEITO A EXONERAÇÃO, MEDIANTE ATO JUSTIFICADO EM FATOS CONCRETOS E GRAVES, APURADOS NOS PROCEDIMENTOS OU PROCESSOS ADMINISTRATIVOS REGULARMENTE INSTAURADOS E APRECIADOS PELA AUTORIDADE COMPETENTE. (...).

Quando a lei cria um cargo, ou quando seu titular se aposenta,

falece ou é exonerado ou demitido, o cargo entra em situação de vacância. Esta é, portanto, a situação do cargo que está sem ocupante (OM).

6.4. Estágio Probatório

É o período compreendido entre o início do exercício do funcionário e a aquisição de sua estabilidade. Tem por objetivo permitir à Administração aquilatar a conveniência ou não de permanência do servidor no serviço público, mediante a verificação dos requisitos estabelecidos em lei para a aquisição da estabilidade (idoneidade moral, aptidão, disciplina, assiduidade, dedicação ao serviço, eficiência etc.). Para esse estágio só se conta o tempo no exercício do mesmo cargo, não sendo computável o tempo de serviço prestado em outra entidade estatal, nem o período de exercício de função pública a título provisório.

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Comprovado durante o estágio probatório que o funcionário não satisfaz as exigências legais da Administração, pode ser exonerado justificadamente pelos dados colhidos no serviço, na forma estatutária. Essa exoneração27 não é penalidade, não é demissão; é simples dispensa do servidor, por não convir à Administração sua permanência, uma vez que se revelaram insatisfatórias as condições de seu trabalho na fase experimental, sabiamente instituída pela Constituição para os que almejam a estabilidade no serviço público. Sobre o assunto, importante destacar as Súmulas 20 e 21 do STF: Súmula 20 "É necessário processo administrativo, com ampla defesa, para demissão de funcionário admitido por concurso"; Súmula 21 "Funcionário em estágio probatório não pode ser exonerado nem demitido sem inquérito ou sem as formalidades legais de apuração de sua capacidade".

O servidor fica sujeito a exoneração, durante o estágio probatório, desde que se comprove administrativamente sua incapacidade ou inadequação para o serviço público. Passado o interstício de três anos, e realizada a avaliação por Comissão especialmente instituída para tal fim (art. 41, §4º CF), o servidor alcança a condição de estável. Vale salientar que o STF decidiu recentemente que a avaliação acima referida não é obrigatória, bastando o decurso do tempo para que o servidor alcance a estabilidade (de certa forma contrariando a letra expressa da CF/88).

Informativo STF 317 Indeferido mandado de segurança em que se pretendia a recondução do impetrante ao cargo público que exercera anteriormente no Ministério Público Federal, e no qual adquirira estabilidade, sob a alegação de que a estabilidade no novo cargo público, exercido na Prefeitura Municipal do Estado de São Paulo, somente seria implementada após a avaliação de desempenho no referido cargo, o que ainda não ocorrera. O Tribunal, ressaltando que o direito de retorno ao cargo anterior ocorre enquanto o servidor estiver submetido a estágio probatório no novo cargo, cujo prazo é de 2 anos, na forma prevista no art. 20 da Lei 8.112/90, negou o direito do impetrante, já que o pedido de recondução fora feito após o transcurso de mais de 3 anos no novo cargo. Salientou-se, ainda, que a ausência de avaliação de desempenho do servidor não afasta a presunção da estabilidade no novo cargo, pelo decurso do prazo de mais de 3 anos. (...) MS 24.543-DF, rel. Min. Carlos Velloso, 21.8.2003.

Obs: vide MP 431\2008

27 Recordando, demissão e exoneração constituem institutos diversos no Direito Administrativo: demissão é dispensa a titulo de penalidade funcional; exoneração é dispensa a pedido ou por conveniência da Administração, nos casos em que o servidor pode ser dispensado(servidor que não cumpre as condições do estágio probatório; servidor que, tendo tomado posse, não entra em exercício no prazo legal; a juízo da autoridade competente, nos casos de cargo em comissão; e para atender a limites de gasto com pessoal - 169 CF).

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6.5. Estabilidade

É a garantia constitucional de permanência no serviço público outorgada ao servidor que, nomeado por concurso para cargo de provimento efetivo, tenha transposto o estágio probatório de três anos28 (CF, art. 41) e tenha sido avaliado por comissão especial no que diz respeito a seu desempenho. Estabilidade é o direito de não ser desligado, senão em virtude de: a) processo administrativo, assegurada ampla defesa; b) sentença judicial transitada em julgado; c) procedimento de avaliação periódica de desempenho, assegurada ampla defesa.

O art. 169, § 4º CF prevê a possibilidade de exoneração de servidor estável, se o limite estabelecido para gastos com pessoal (Lei de Responsabilidade Fiscal) não tiver sido atingido, com a redução de 20% das despesas com cargo em comissão e com a exoneração de servidores não estáveis. A hipótese encontra-se regulada pela Lei 9801/99.

A nomeação em caráter efetivo é condição para a aquisição da estabilidade. Não alcança estabilidade aquele nomeado para cargo em comissão, porquanto sua investidura se dá em caráter precário (pode ser demitido ad nutum). Os efetivos não são exoneráveis ad nutum, qualquer que seja o tempo de serviço no cargo, porque a nomeação com esse caráter traz ínsita a condição de permanência enquanto bem servirem à Administração.

Assim, efetividade é uma característica do cargo e estabilidade um atributo pessoal do ocupante do cargo, adquirido após a satisfação de certas condições de seu exercício. A efetividade é um pressuposto necessário da estabilidade. Sem efetividade não pode ser adquirida a estabilidade (exceção feita ao art. 19 ADCT).

O art. 19 do ADCT, acima referido, prevê um favor constitucional conferido àquele servidor admitido sem concurso público há pelo menos cinco anos antes da promulgação da Constituição. Preenchidas as condições insertas no preceito transitório, o servidor é estável, mas não é efetivo, e possui somente o direito de permanência no serviço público no cargo em que fora admitido, todavia sem incorporação na carreira, não tendo direito a progressão funcional nela, ou a desfrutar de benefícios que sejam privativos de seus integrantes. Não tem direito à efetivação, a não ser que se submeta a concurso público, quando, aprovado e nomeado, fará jus à contagem do tempo de serviço prestado no período de estabilidade excepcional, como título.

Os direitos do titular do cargo restringem-se ao seu exercício, às prerrogativas da função e aos vencimentos e vantagens decorrentes da investidura, sem que o servidor tenha propriedade do lugar que ocupa,

28 O prazo anterior era de dois anos, e a garantia abrangia "os servidores nomeados em virtude de concurso público", havendo vários acórdãos que a reconheciam ao ocupante de emprego público.

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visto que o cargo é inapropriável pelo servidor. Daí por que a Administração pode suprimir, transformar e alterar os cargos públicos ou serviços independentemente da aquiescência de seu titular, uma vez que o servidor não tem direito adquirido à imutabilidade de suas atribuições, nem à continuidade de suas funções originárias.

O servidor poderá adquirir direito à permanência no serviço público, mas não adquirirá nunca direito ao exercício da mesma função, no mesmo lugar e nas mesmas condições, salvo os vitalícios, que constituem uma exceção constitucional à regra estatutária. O poder de organizar e reorganizar os serviços públicos, de lotar e relotar servidores, de criar e extinguir cargos é indespojável da Administração, por inerente à soberania interna do próprio Estado, como bem dizia Hely Lopes Meirelles.

Ao servidor estável garante, ainda, a Constituição o direito de se reintegrar no mesmo cargo, quando invalidada por sentença judicial a demissão, e o eventual ocupante da vaga será reconduzido ao cargo de origem, sem direito a indenização, aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade (CF, art. 41, § 2º).

A reintegração é reingresso do servidor ao mesmo cargo de que fora demitido, com o pagamento integral dos vencimentos e vantagens do tempo em que esteve afastado, uma vez reconhecida a ilegalidade da demissão em decisão judicial. Como reabilitação funcional, a reintegração acarreta, necessariamente, a restauração de todos os direitos de que foi privado o servidor com a ilegal demissão.

Com a volta do reintegrando ao cargo, por decisão judicial, quem o ocupava perde o lugar, sem direito a qualquer indenização. Se se tratar de primeira investidura, será aproveitado em outro cargo ou posto em disponibilidade; se o ocupante veio de outro cargo, retornará, automaticamente, ao anterior. De qualquer forma, dará sempre o lugar ao reintegrado (CF, art. 41, § 2º). 6.6. Direito de Greve e Sindicalização

Permite a CF a associação sindical e a greve de servidor público, nos seguintes termos: "VI - é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical"; "VII - o direito de greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica".

Apenas há que se tecer alguns comentários. A negociação coletiva, principal atributo da organização sindical, resta severamente enfraquecida pela previsão de que o regime funcional e a remuneração dos servidores da Administração Direta, autárquica e fundacional somente pode ser veiculado por meio de lei. Assim, as condições de trabalho, vantagens funcionais e outros pontos, que usualmente são os debatidos em acordos e convenções coletivas, não poderão ser alterados senão por intermédio de lei (STF 679, já transcrita acima).

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Igualmente, o direito de greve foi considerado pelo STF como norma de eficácia limitada, é dizer, dependente de complementação legislativa. Até o advento desta lei, não poderá o servidor utilizar-se deste direito, sujeitando-se às penalidades funcionais cabíveis. Algumas decisões vêm atenuando o rigor desta interpretação:

TJGO SEGUNDA CAMARA CIVEL DJ 13388 DE 27/09/2000 RELATOR: DES GERALDO DEUSIMAR ALENCAR DUPLO GRAU DE JURISDICAO-6396-0/195 EMENTA: "DUPLO GRAU DE JURISDICAO. MANDADO DE SEGURANCA. SERVIDORES MUNICIPAIS. GREVE. PUNICAO ARBITRARIA. I - FERE DIREITO LIQUIDO E CERTO DAS IMPETRANTES O ATO DO SECRETARIO MUNICIPAL QUE FAZ ANOTACAO NOS RESPECTIVOS PRONTUARIOS DELAS E CORTE DE SEUS PONTOS, SEM LHE DAR DIREITO DE DEFESA POR TEREM ELAS PARALISADO SUAS ATIVIDADES ESCOLARES POR UM DIA, JA QUE O DIREITO DE GREVE E DEFESA SAO GARANTIDOS CONSTITUCIONALMENTE. (ARTS. 5º LV, 9º E 37 VII CF). II - REMESSA IMPROVIDA. DECISAO UNANIME".

STF: MI 20 / DF - DISTRITO FEDERAL - Relator(a): Min. CELSO DE MELLO Publicação: DJ DATA-22-11-96 EMENTA: (...) DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição. A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta - ante a ausência de auto- aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição - para justificar o seu imediato exercício. O exercício do direito público subjetivo de greve outorgado aos servidores civis só se revelará possível depois da edição da lei complementar reclamada pela Carta Política. A lei complementar referida - que vai definir os termos e os limites do exercício do direito de greve no serviço público - constitui requisito de aplicabilidade e de operatividade da norma inscrita no art. 37, VII, do texto constitucional. Essa situação de lacuna técnica, precisamente por inviabilizar o exercício do direito de greve, justifica a utilização e o deferimento do mandado de injunção. A inércia estatal configura-se, objetivamente, quando o excessivo e irrazoável retardamento na efetivação da prestação legislativa - não obstante a ausência, na Constituição, de prazo pré-fixado para a edição da necessária norma regulamentadora - vem a comprometer e a nulificar a situação subjetiva de vantagem criada pelo texto constitucional em favor dos seus beneficiários. (...).

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6.7. Proibição de Acumulação Remunerada

A proibição de acumulação de cargos, empregos e funções, tanto na Administração direta como na indireta29 (CF, art, 37, XVI e XVII), constitui uma maneira de evitar o exercício ineficiente da função pública. O cargo público encerra a idéia de servir a todos, e não a idéia de enriquecer alguns. Assim, importante destacar que a vedação só vale para acumulação remunerada30.

Abrem-se algumas exceções, para melhor aproveitar a capacidade técnica e científica de determinados profissionais, desde que haja compatibilidade de horários, e observado em qualquer caso o teto vencimental explicitado na CF/88, art. 37, XI: (a) 2 cargos de professor; (b) 1 cargo de professor e outro cargo, técnico31 ou científico; (c) 2 cargos ou empregos de profissão regulamentada de profissional de saúde. Regra própria está prevista para a Magistratura (art. 95, parágrafo único, I) e Ministério Público (art. 128, §5º, II, d). Todas as hipóteses tratam de duas acumulações, sendo impossível haver tripla acumulação. Assim já decidiu o STF:

Acumulação de Cargo Público

Considerando que a CF/88, nas hipóteses em que admite a acumulação de cargos, empregos ou funções, veda a percepção remunerada resultante de três posições no serviço público, incluindo-se aquela decorrente de aposentadoria, a Turma deu provimento a recurso extraordinário para reformar acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro que reconhecera o direito de servidor público a acumular os vencimentos do cargo de médico do Estado e do cargo de professor adjunto da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, com os proventos de outro cargo de médico, sob o entendimento de que a vedação constante da CF não abrange os proventos de aposentadoria (...) Precedentes citados: RE 163.204-SP (DJU 15.3.96) e RE 141.730-SP (DJU 3.5.96). RE 141.376-RJ, rel. Min. Néri da Silveira, 2.10.2001.

29 Como esclarece JSCF, a proibição alcança ainda subsidiárias e sociedades controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público. 30 Se o servidor já goza de estabilidade ou está há certo tempo em emprego, com vínculo celetista, e passa em outro concurso, pode pedir licença não-remunerada (para assuntos particulares) ou suspensão do contrato de trabalho e assumir o novo cargo/emprego? O artigo 29, I da Lei 8112/90 prevê o instituto da recondução, pelo qual o servidor estável não-aprovado no estágio probatório de outro cargo regressa a seu cargo de origem. JSCF tem por justo e equânime o instituto, pois a CF proíbe apenas a acumulação remunerada. A licença perduraria até o momento em que o servidor adquirisse estabilidade no novo cargo ou emprego, data na qual se exoneraria do antigo posto. Segundo JSCF, "Não tem cabimento exigir-lhe [do servidor] que se exonere do cargo anterior como condição para a posse no novo cargo; isso é o mesmo que obriga-lo a trocar situação de estabilidade por outra, de instabilidade". 31 Cargo técnico é o que exige conhecimentos profissionais especializados para seu desempenho.

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Existia polêmica acerca da possibilidade de cumular proventos

com vencimentos decorrentes de cargo público. Importante trazer à colação o seguinte precedente do STF, quando restou firmada a tese a respeito da acumulação de proventos com vencimentos:

RE 163204 / SP - Relator(a): Min. CARLOS VELLOSO EMENTA: CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO. PROVENTOS E VENCIMENTOS: ACUMULAÇÃO. C.F., art. 37, XVI, XVII. I. - A acumulação de proventos e vencimentos somente e permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição. C.F., art. 37, XVI, XVII; art. 95, parágrafo único, I. Na vigência da Constituição de 1946, art. 185, que continha norma igual a que está inscrita no art. 37, XVI, CF/88, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal era no sentido da impossibilidade da acumulação de proventos com vencimentos, salvo se os cargos de que decorrem essas remunerações fossem acumuláveis. II. - Precedentes do STF: RE-81729-SP, ERE-68480, MS-19902, RE-77237-SP, RE-76241-RJ. III. - R.E. conhecido e provido. STF: RE 141376 / RJ Relator(a): Min. NÉRI DA SILVEIRA EMENTA:- Recurso extraordinário. Administrativo. Funcionalismo Público. Acumulação cargos. 2. Acórdão que concedeu mandado de segurança contra ato administrativo que afirmou a inviabilidade de tríplice acúmulo no serviço público. 3. Alegação de ofensa ao art. 37, XVI e XVII, da CF/88, e art. 99, § 2º, da CF pretérita. 4. A acumulação de proventos e vencimentos somente é permitida quando se tratar de cargos, funções ou empregos acumuláveis na atividade, na forma permitida pela Constituição. Precedente do Plenário RE 163.204. Entendimento equivocado no sentido de, na proibição de não acumular, não se incluem os proventos. RE 141.734-SP. 5. Recurso conhecido e provido, para cassar a segurança.

Essa orientação foi expressamente adotada pela EC 20/99, que

alterou a redação do art. 37, § 10 da CF/88, consignando que é vedada a acumulação de proventos de aposentadoria decorrentes de cargo público, membros das Polícias Militares, Corpos de Bombeiros Militares ou militares das Forças Armadas com a remuneração de cargo, emprego ou função pública, ressalvados os cargos acumuláveis na forma da Constituição, os cargos eletivos e os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração.

6.8. Sistema Remuneratório

Vencimento, em sentido estrito, é a retribuição pecuniária devida ao servidor pelo efetivo exercício do cargo, correspondente ao padrão

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fixado em lei32. A percepção de vencimentos pelo exercício do cargo é a regra; pode haver função gratuita, como são as honoríficas e as de suplência, mas cargo gratuito é inadmissível. Daí resulta que todo aquele que for investido num cargo e o exercer como titular ou substituto tem direito ao vencimento respectivo, até para evitar enriquecimento ilícito da Administração.

Vencimentos são o padrão somado com as vantagens pecuniárias auferidas pelo servidor a título de adicional ou gratificação. Aqui também cabe falar em remuneração, como a soma das várias parcelas remuneratórias a que faz jus o servidor, em virtude de sua situação funcional.

Por vantagens pecuniárias entendam-se as parcelas acrescidas ao vencimento-base em decorrência de uma situação fática previamente estabelecida em lei. As vantagens têm pressupostos certos e específicos, e por isso são pagas somente aos servidores que os preencham33, portanto sem caráter de generalidade. Vantagens com caráter geral são aumento dissimulado de vencimentos.

Os vencimentos (padrão + vantagens) só por lei podem ser fixados, segundo as conveniências e possibilidades da Administração, observando-se que a nova Constituição consagrou aos servidores públicos a irredutibilidade de seus vencimentos (art. 37, XV). Essa garantia protege o servidor contra redução direta ou nominal de seus vencimentos, não o amparando em face da perda do poder aquisitivo de seus vencimentos, ou mesmo da incidência de novos impostos sobre o numerário. Abrange o vencimento básico do cargo e as parcelas incorporadas, bem como o salário contratado. Os adicionais e gratificações devidos em virtude de serviço ou condição temporária não são cobertos pela irredutibilidade:

STJ: GRATIFICAÇÕES. REDUÇÃO. (Info STJ 66) A Turma negou provimento ao recurso, afirmando que só os vencimentos são irredutíveis; as gratificações, salvo aquelas de caráter individual, podem, para efeito de aplicação do denominado redutor salarial, sofrer limitações quantitativas. Assim, a gratificação de produtividade deve ser alcançada pelo mencionado redutor, alcançando inclusive o 13º salário caso a remuneração final ultrapasse o limite legal estabelecido. Precedentes citados: RMS 6.638-GO, DJ 8/6/1998, e RMS 8.350-SP, DJ 30/6/1997. RMS 8.852-ES, Rel. Min. Fernando Gonçalves, julgado em 15/8/2000.

32 A remuneração do pessoal administrativo ligado ao Poder Legislativo não estava submetida à reserva de lei; essa situação mudou com a EC19/98, que alterou os artigos 51, IV e 52, XIII da CF, estabelecendo às Casas Legislativas apenas a prerrogativa da iniciativa. Os subsídios dos Deputados e Senadores, bem como do Presidente e Vice-Presidente da República, e dos Ministros de Estado são de competência exclusiva do Congresso (49, VII e VIII); como se trata de competência exclusiva, a fixação se dará não por lei, mas sim por resolução. O subsídio dos Ministros do STF será fixado por lei (de iniciativa do STF), segundo o art. 48 XV c/c art. 96, II, b da CF/88, valendo lembrar que a EC 41/2003 extinguiu a necessidade de iniciativa conjunta anteriormente prevista. 33 JSCF, Op. cit., p.561.

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O sistema remuneratório do servidor sofreu sensível mudança com o advento da Emenda 19/98, que previu nova forma de remuneração, chamada subsídio, prevista no art. 39, §4º da CF/8834.

A nota distintiva do subsídio é sua natureza de parcela única, sem o acréscimo de vantagens remuneratórias de qualquer espécie. A CF estabelece que certas carreiras serão remuneradas necessariamente por subsídio (além do 39, §4º, o artigo 144 §9º e o artigo 135 da CF), e abre a possibilidade para que outras carreiras também recebam por subsídio, desde que se trate de servidor de carreira (art. 39, §8º).

O aumento de vencimentos ou subsídio dos servidores da Administração direta, autárquica e fundacional, como já dito, depende de lei de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo; já que apenas ele está em condições de saber quando e em que limites pode majorar a retribuição de seus servidores (vide disposições do art. 169 CF).

É importante consignar que a EC41/2003 voltou a tentar estabelecer um teto remuneratório, para evitar vencimentos e proventos de valor considerado absurdo (Arts. 37, XI e 40, §11). A incidência desta previsão sobre os atuais servidores/inativos será objeto de apreciação pelo STF. 6.9. Revisão Remuneratória

O artigo 37, X da CF prevê direito à revisão da remuneração dos

servidores, implementada por intermédio de lei específica, devendo ser geral, alcançando todos os servidores. Sua periodicidade deverá ser anual (podendo cada ente federado estabelecer o momento da revisão). Os índices revisionais devem ser idênticos para todos os atingidos.

Na esfera federal, consultar a Lei 10331/01, que estabelece o mês de janeiro para a revisão, incluindo proventos e pensões, em índice a ser estipulado em lei específica. O STF já declarou a mora de entes federados que não se desincumbiram do dever legislativo sob comento:

Revisão Geral de Remuneração: Omissão O Tribunal declarou a inconstitucionalidade por omissão de medida para tornar efetiva a norma constitucional que assegura a revisão geral anual de remuneração dos servidores públicos (CF, art. 37, X), da parte do Governador do Distrito Federal e de diversos Governadores de Estado, aos quais cabe a iniciativa do projeto de lei. Julgando parcialmente procedentes várias ações diretas, o Tribunal assentou a mora do Poder Executivo de vinte Estados e do Distrito Federal no encaminhamento do projeto de lei visando a revisão geral anual de remuneração dos servidores públicos, dando-se-lhes ciência

34 O membro de Poder, o detentor de mandato eletivo, os Ministros de Estado e os Secretários Estaduais e Municipais serão remunerados exclusivamente por subsídio fixado em parcela única, vedado o acréscimo de qualquer gratificação, adicional, abono, prêmio, verba de representação ou outra espécie remuneratória, obedecido, em qualquer caso, o disposto no art. 37, X e XI.

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da decisão (CF, art. 37, X: “a remuneração dos servidores públicos e o subsídio de que trata o § 4º do art. 39 somente poderão ser fixados ou alterados por lei específica, observada a iniciativa privativa em cada caso, assegurada revisão geral anual sempre na mesma data e sem distinção de índices”.). Precedente citado: ADIn 2.061-DF (DJU de 29.6.2001). ADIn 2.481-RS, 2.486-RJ, 2.490-PE, 2.492-SP, 2.525-DF, rel. Min. Ilmar Galvão, 19.12.2001.

Os vencimentos dos servidores podem variar, sempre segundo lei, por dois motivos principais: pela alteração do poder aquisitivo da moeda, quando teríamos um reajuste destinado a manter o equilíbrio da situação financeira dos servidores públicos; e pela elevação real do padrão remuneratório de determinados cargos ou classes funcionais, em índices não proporcionais ao do decréscimo do poder aquisitivo.

Nas duas hipóteses poderá haver injustiças, geradas por aumentos setoriais, que deixem de aquinhoar determinadas categorias. Conforme a STF 339, entretanto, estas distorções não poderão ser corrigidas pelo Judiciário: "Não cabe ao Poder Judiciário, que não tem função legislativa, aumentar vencimentos de servidores públicos sob fundamento de isonomia".

6.10. Aposentadoria dos Servidores Públicos

Conceito mais amplo do que aposentadoria é previdência. Regime

previdenciário, para JSCF, seria "o conjunto de regras constitucionais e legais que regem os benefícios outorgados aos servidores públicos em virtude da ocorrência de fatos especiais expressamente determinados"; encerra a idéia de cautela diante de problemas e adversidades encontrados pelos servidores e seus familiares no curso de sua relação com o Poder Público.

A previdência tem, assim, o propósito de acumular recursos visando atender eventualidades sociais determinadas. No mundo inteiro, geralmente os servidores públicos possuem um regime próprio de previdência social, distinto dos trabalhadores da iniciativa privada. Uma das razões para isso é que em geral o setor privado remunera melhor do que o sistema público, incumbindo a este, portanto, proporcionar uma previdência melhor ao servidor.

A Constituição brasileira prevê dois regimes de previdência: o geral, com sua disciplina básica contida nos artigos 201/2 da Constituição (aplica-se aos trabalhadores em geral, aos servidores públicos celetistas, aos servidores públicos temporários e àqueles servidores que ocupam apenas cargo em comissão35); e o especial, previsto no artigo 40 da CF,

35 Art. 40, § 13 da CF: Ao servidor ocupante, exclusivamente, de cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração, bem como de outro cargo temporário ou de emprego público, aplica-se o regime geral de previdência social.

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aplicável aos servidores estatutários ocupantes de cargo efetivo36, bem como aos vitalícios.

O regime próprio, que nos interessará mais de perto neste trabalho, foi regulamentado pela Lei 9717/98, que estabelece as regras básicas do regime, sendo lei nacional (obriga a todas as esferas federativas). Esclareça-se, por oportuno, que a tendência é a aproximação dos dois regimes (inclusive este foi o objetivo declarado da EC41/2003).

Aposentadoria, para MSZ, “é o direito à inatividade remunerada, assegurado ao servidor público em caso de invalidez, idade ou requisitos conjugados de tempo de exercício no serviço público e no cargo, idade mínima e tempo de contribuição”. O ato de aposentadoria está sujeito a controle específico do Tribunal de Contas quanto à sua legalidade (71, III CF).

A aposentadoria é mera expectativa de direito enquanto não alcançada a totalidade das exigências legais para sua concessão (o fato gerador do benefício); consumado o prazo fixado, tem ele direito adquirido ao benefício. O direito à aposentadoria rege-se pela lei vigente à época da reunião dos requisitos necessários.

Os benefícios previdenciários caracterizam-se pela onerosidade, segundo JSCF, é dizer, empregam recursos públicos em sua concessão. Neste diapasão, a EC20/98 introduziu a idéia de contributividade, é dizer, no curso de sua relação com o Poder Público, deverão os servidores concorrer com pagamentos que lhes assegurarão acesso ao benefício futuro. A CF ainda impõe seja observado o equilíbrio atuarial e financeiro, de forma que haja a maior correspondência possível entre o ônus da contribuição e o valor dos futuros benefícios.

A contribuição do servidor é fixada por lei editada pela respectiva pessoa federada, e pode variar, de acordo com a situação concreta de cada uma delas. A Lei 9783/99 criou a contribuição na esfera federal. Como contrapartida à contribuição do servidor (11% - percentual básico, no qual poderá haver acréscimos, a depender da faixa de ganho do servidor), há a contribuição da União e seus entes autárquicos.

A EC41/2003 busca reintroduzir no sistema a contribuição de inativos e pensionistas, conforme se vê da nova redação do art. 40, caput, e §18 da CF/88. A Emenda ainda estabeleceu um "abono de permanência" para aquele servidor que, mesmo já tendo reunido os requisitos para aposentar-se voluntariamente, opte por permanecer em atividade (ficará isento da contribuição previdenciária até aposentar-se). O STF, até julho de 2004, julgando ADI que tem por objetivo impugnar referida norma, manifestou 2 votos pela inconstitucionalidade, e 1 pela constitucionalidade do dispositivo.

A remuneração paga ao servidor aposentado recebe a designação de PROVENTOS. Pela redação dada pela EC41/2003 ao artigo 40, §3º da

36 A CF determina a aplicação subsidiária dos requisitos e critérios fixados para o regime geral ao regime especial (art. 40, §12).

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CF/88, não mais corresponderão à integralidade da remuneração. Deverá ser feita uma média de seus salários de contribuição, para se auferir o valor do benefício (sistema semelhante ao do regime geral).

Ainda, a EC41/2003 alterou a redação do §8º do artigo 40, acabando com a paridade entre servidores e inativos. Na redação original, o parágrafo previa que os proventos receberiam revisão, sempre na mesma data e nos mesmos índices, sempre que houvesse alteração de vencimentos dos servidores ativos, bem como qualquer alteração na carreira da qual advenha aumento do padrão remuneratório37.

A EC 20/98 instituiu a possibilidade dos entes federados criarem regime de previdência complementar para seus servidores ocupantes de cargo efetivo (CF 40), caso em que poderão submeter as respectivas aposentadorias ao teto aplicável ao regime geral de previdência. Somente abrange aqueles que ingressarem no serviço público após a instituição do novo regime; para os demais, dependerá de expressa opção (CF 40, §16).

As regras básicas para o Fundo estão previstas na Lei 9717/98 (lei nacional). Os fundos precisam ter autonomia financeira. Seus recursos não podem ser usados para empréstimos de qualquer natureza, inclusive para pessoas administrativas centralizadas ou não; só podem aplicar em títulos públicos do governo federal. O ideal é que o fundo previdenciário tenha destinação exclusivamente previdenciária (segregação do fundo), com a legislação que o crie prevendo mecanismos que impeçam desvios de recursos. 6.11. Responsabilidade do Servidor – Deveres

Sobre o tema, peço vênia para transcrever parte da versão anterior deste trabalho, de autoria dos professores Leonardo Buissa Freitas e Fausto Mendanha Gonzaga:

O servidor tem seus deveres, as suas proibições e, no desempenho

de suas funções, podem cometer infrações e por elas têm de ser responsabilizados. A responsabilidade pode ser de três ordens: civil, penal e administrativa, sendo que as sanções civis, penais e administrativas podem ser cumuladas, sendo independentes entre si (art. 125, Lei 8.112/90). (a) Responsabilidade Civil: “ é a obrigação que se impõe ao servidor de reparar o dano causado à Administração por culpa ou dolo no desempenho de suas funções. Não há para o servidor responsabilidade objetiva ou sem culpa. A sua responsabilidade nasce com o ato culposo e lesivo e se exaure com a indenização. Essa responsabilidade (civil) é independente das demais (administrativas e criminal) e se apura na forma

37 Até mesmo percepção de vantagens remuneratórias que apenas disfarcem aumento de vencimentos. Algumas vantagens são inextensíveis, porque pressupõem o fato do servidor estar em atividade, como seria o caso de uma gratificação de desempenho (é impossível aferir a produtividade de um servidor inativo).

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do Direito Privado, perante a Justiça Comum.” (Hely L. Meirelles). O art. 122 prevê tal espécie de responsabilidade. O § 2º fala em ação regressiva, isto é conseqüência lógica do art. 37, § 6º da Constituição que impõe à Administração a responsabilidade objetiva (sem culpa), mas confere a mesma o direito de regresso contra o responsável por dolo ou culpa (responsabilidade subjetiva). Cumpre observar que as responsabilidades são independentes (art. 125) e que a responsabilidade civil somente será afastada se a absolvição criminal for fundamentada em inexistência de fato ou de autoria e não por falta de provas ou prescrição ou outro motivo (art. 126). (b) Responsabilidade penal: é a que resulta do cometimento de crimes funcionais. Ex: arts. 312-327, Código Penal; Lei 4898/65 (abuso de poder); Lei 8.137/90 (art. 3º - crimes funcionais contra a ordem tributária), . Há a previsão no art. 123 do estatuto. Os efeitos da condenação podem ser, além das penas privativas de liberdade, restritivas de direito e multa, a perda do cargo ou inabilitação para função pública, a perda de bens, o impeachment, etc. Sobre os atos de improbidade, convém lembrar a dicção do § 4º do art. 37 da Constituição. (c) Responsabilidade Administrativa: “é a que resulta da violação de normas internas da Administração pelo servidor sujeito ao estatuto e disposições complementares estabelecidas em lei, decreto ou qualquer outro provimento regulamentar da função pública. A falta funcional gera o ilícito administrativo e dá ensejo à aplicação de pena disciplinar, pelo superior hierárquico, no devido processo legal .”(Hely L. Meirelles). O art. 124 da Lei 8112/90 prevê tal responsabilidade. Convém lembrar que a sanção administrativo ou disciplinar não depende de processo civil ou criminal, podendo, inclusive, ser dada antes de findo processo civil ou criminal correspondente. É mister apenas processo administrativo disciplinar ou sindicância, garantindo-se ao servidor o direito à defesa, ao contraditório e aos recursos a ele inerentes (art. 5º, LV, CF). A absolvição criminal só afastará a responsabilidade administrativa quando negar a existência do fato ou sua autoria (art. 126). Na esfera federal, o art. 127 prevê as penas de advertência, suspensão, demissão, cassação de aposentadoria ou disponibilidade, destituição de cargo em comissão e destituição de função comissionada.

Pelo que foi visto, o servidor pode responder administrativa, civil e penalmente pelo mesmo fato, sendo independentes as responsabilidades e podendo ser cumulativas as sanções.

Importante lembrar do teor da Súmula 18 do STF, a qual reza que "pela falta residual, não compreendida na absolvição pelo juízo criminal, e admissível a punição administrativa do servidor publico".

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PONTO 7

SERVIÇO PÚBLICO

Este capítulo foi originalmente elaborado pelo Prof. Leonardo Buissa Freitas, atualizado pelos Profs. Ronie Crisóstomo França e Sandro de Abreu.

1. FORMAÇÃO DO CONCEITO A doutrina realça a importância da noção, como inaugural de nova

fase do entendimento do fenômeno estatal. Com efeito, o surgimento do conceito de serviço público desloca o eixo do Direito Público - de "poder" para "serviço aos administrados", como ensina Celso Antonio Bandeira de Mello38.

A chamada Escola do Serviço Público surgiu na França. Leon Duguit considerava o serviço público como atividade ou organização, abrangendo todas as funções do Estado. Em sua concepção, o Estado é uma cooperação de serviços públicos organizados e fiscalizados pelos governantes. Em torno da noção de serviço público gravitaria todo o direito público. Trata-se de conceito muito amplo, que abrange qualquer atividade estatal.

Neste sentido também, a lição de Mário Mazagão, que considerava serviço público "toda atividade que o Estado exerce para cumprir os seus fins". Para José Cretella Júnior, serviço público "é toda atividade que o Estado exerce, direta ou indiretamente, para a satisfação das necessidades públicas mediante procedimento típico do Direito Público".

Maria Sylvia Zanella Di Pietro critica os conceitos até aqui mencionados, considerando que pecam pela amplitude com que formulados. Caso se busque uma noção mais estrita e científica do termo, deve-se adotar aqueles que confinam o serviço público entre as atividades exercidas pelo Estado, com exclusão das funções legislativa e jurisdicional. Além disso, existem outras atividades administrativas, como, por exemplo, o poder de polícia. Finalmente, nem todos os serviços públicos são prestados pelo Estado.

Celso Antônio Bandeira de Mello o conceitua como "toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados, que o Estado assume como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou por quem lhe faça as vezes, sob um regime de Direito Público - portanto, consagrador de prerrogativas de supremacia e

38 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo, Malheiros, 14ª ed., p. 600.

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de restrições especiais - , instituído em favor dos interesses definidos como públicos no sistema normativo"39.

Com efeito, é o sistema normativo que indica quais as atividades que devem receber o status de serviço público40. Gaston Jèze já defendia que é o Estado, por intermédio do Poder Legislativo, que erige ou não em serviço público tal ou qual atividade, respeitados os limites constitucionais. Sendo a escolha política, nada obsta, por exemplo, que um Município institua como público o serviço funerário41.

Para formação do conceito, portanto, adotam-se (geralmente) três elementos: (a) subjetivo - considera a pessoa prestadora da atividade. É serviço público aquele prestado pelo Estado - a CF/88 diz claramente que incumbe ao Poder Público a prestação de serviço público (art. 175); (b) material - atividade exercida. É serviço público aquela atividade que tem por objeto a satisfação de necessidades coletivas, interesses prestigiados pelo ordenamento; (c) formal - regime jurídico do serviço: público, derrogatório e exorbitante do direito comum. O serviço público obedece a regras próprias, diversas das que regem os serviços privados42.

Nos primórdios do conceito, a simples junção dos elementos era válida: serviços públicos eram as atividades de interesse geral, prestada pelo Estado, sob regime jurídico público.

Passado o período do Estado liberal, começou a se ampliar o leque de atividades assumidas, abrangendo serviços comerciais e industriais, para cuja gestão logo percebeu o Estado estar despreparado. Passou a delegar sua execução a particulares, por meio de contratos de concessão ou a criar pessoas jurídicas de direito privado especialmente para esse fim, que atuariam sob regime de direito privado, predominantemente.

Dessa maneira ficaram vulnerados os elementos subjetivo e formal. Daí os autores falarem em crise da noção de serviço público. A noção não permaneceu estática; passou a abranger atividades de natureza comercial, industrial e social. O conceito, assim, varia conforme o lugar e a época analisados.

O ideal então é restringi-lo, para diferenciá-lo do poder de polícia, do fomento e da intervenção na propriedade privada (as demais

39Idem, ibidem. 40 Conforme leciona Dinorá Adelaide Musetti Grotti (O Serviço Público e a Constituição Brasileira de 1988, Malheiros, 2003, p.101): "A expressa referencia constitucional de alguma atividade como serviço público elimina qualquer objeção que se pudesse fazer à sua identificação como tal (...). Existirá serviço público porque assim foi determinado pela Constituição". 41 É claro, a atividade escolhida deverá se da competência do ente instituidor; e o artigo 173 da CF/88 deverá ser respeitado, ao dispor sobre a excepcionalidade da atuação do Estado na atividade econômica. 42 Para Gaston Jèze, "Dizer que, em determinada hipótese, existe serviço público, equivale a afirmar que os agentes públicos, para darem satisfação regular e contínua a certa categoria de necessidades de interesse geral, podem aplicar os procedimentos de direito público, quer dizer, um regime jurídico especial".

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atividades do Estado). Maria Sylvia conceitua serviço público como toda atividade material que a lei atribui ao Estado para que a exerça diretamente ou por meio de seus delegados, com o objetivo de satisfazer concretamente às necessidades coletivas, sob regime jurídico total ou parcialmente público.

O serviço público seria a alcunha genérica reservada a certas atividades (prestação de utilidade ou comodidade material), destinadas a satisfazer a coletividade em geral, as quais, em dado tempo e lugar, o Estado reputa não devam estar confiadas simplesmente à livre iniciativa, sujeitas à fiscalização e controle genérico por parte do Estado.

A importância de tais atividades faz com que o Estado as assuma como próprias, e, em conseqüência, as coloque sob disciplina peculiar, um regime jurídico de Direito Público.

A instituição de um regime próprio, ao tempo em que fornece instrumental àqueles que prestam o serviço, defende sua prestação adequada diante de terceiros que visem obstá-la (o serviço será desempenhado com bens afetos à prestação, e, portanto, impenhoráveis; as decisões tomadas no exercício do serviço poderão ser impostas desde logo - executoriedade e presunção de legitimidade), mas também diante do próprio Estado e do sujeito que os esteja desempenhando. Visa-se assim resguardar o direito dos administrados e dos usuários.

A titularidade do serviço é sempre do Estado, a teor do artigo 175 da Constituição Federal. Entretanto, na maior parte dos casos, ele não o presta diretamente. Ele apenas o disciplina e promove sua prestação, conferindo a entes estranhos ao seu aparelho administrativo a titulação para que os desempenhem.

Por razões complexas demais para serem tratadas no âmbito deste trabalho, a idéia de que o Estado é ineficiente, incapaz e que está atuando em áreas da qual deve se abster grassa hoje em nossos meios de comunicação, impondo-se como pensamento único. Deve haver enxugamento da máquina, através do fenômeno da privatização ou desestatização.

Passarão os serviços estatais, assim, para entes que terão a titularidade da prestação do serviço. Os termos e as condições são do Estado, que passa a deter apenas o poder de fiscalizar a prestação, e a situação dura enquanto o interesse público assim o recomendar. Na linha das considerações de Celso Antônio, entretanto, é necessário frisar que o Estado é mau prestador, mas muito pior controlador e fiscalizador.

Há casos em que o Estado não detém a exclusividade do serviço, e então não se cogita desta outorga. Certos serviços serão públicos quando prestados pelo Estado, mas a Constituição não veda o acesso da iniciativa privada. No caso destes serviços - educação (CF 209), saúde (CF 199), previdência (CF 202) e assistência social (CF 204) - não há que se falar em concessão de serviço público. O Estado pode apenas fiscalizar a prestação da atividade, utilizando-se de seu poder de polícia.

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2. PRINCÍPIOS DO SERVIÇO PÚBLICO Celso Antônio ensina que, "como toda e qualquer noção jurídica,

esta - serviço público - só tem préstimo e utilidade se corresponder a um dado sistema de princípios e regras; isto é, a um regime, a uma disciplina peculiar"43.

Daí falar o mestre no traço formal ínsito à noção de serviço público: o peculiar regime jurídico a regê-lo, de direito público. Critica a expressão serviço público econômico (seria aquele prestado sob regime predominantemente privado), como noção inútil. Distingue os seguintes princípios: (a) a obrigação do Estado em prestá-lo, a teor do art. 175 da CF, que inclusive possibilita ao cidadão lesado pela ausência do serviço acesso à via judicial para que sejam reparados eventuais danos pela ausência comprovada do benefício; (b) princípio da supremacia do interesse público, eis que norteado pelos interesses da coletividade, não os interesses secundários do Estado ou de quem ocasionalmente esteja prestando o serviço; (c) princípio da adaptabilidade, atualização, modernização, sempre dentro das possibilidades econômicas do Estado; (d) princípio da universalidade (aberto à generalidade do público); (e) princípio da impessoalidade (veda discriminações entre usuários); (f) princípio da continuidade (veda interrupções e greves; permite encampamento); (g) princípio da transparência (direito à informação sobre o serviço); (h) princípio da motivação; (i) princípio da modicidade das tarifas, equilibrando-se entre o valor que remunere condignamente o prestador, mas que ao mesmo tempo não onere excessivamente nem exclua os beneficiários. Em cumprimento a tal cânone, permite-se mesmo haja subsídio estatal, na busca de uma tarifa acessível, que garanta a universalização do serviço; (j) princípio do controle sobre a sua prestação.

É importante tecer considerações mais demoradas acerca de alguns destes cânones. 2.1. Princípio da Igualdade dos Usuários

O serviço público é atividade de grande importância para a sociedade, devendo ser disponibilizado ao corpo social como um todo, ou melhor, a todos os cidadãos que se enquadrem nos requisitos legais para acesso ao serviço. Tais requisitos, por óbvio, não podem ferir a Constituição, estabelecendo exigências desarrazoadas para o desfrute do

43 Op. cit., p. 601.

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serviço44. Alguns autores preferem falar em princípio da generalidade ou universalidade do serviço público. Da igualdade dos usuários deriva o princípio da NEUTRALIDADE - a fruição é um direito derivado da condição de cidadão, não estando condicionado a convicções político-partidárias. 2.2. Princípio da Mutabilidade

A fim de atender ao interesse público (que norteou a assunção pelo

Estado, daquela atividade que se torna serviço público), pode o Estado alterar a forma de prestação do serviço, a fim de torná-lo mais eficiente, mais ágil. Pode ser alterado também o regime do servidor público, para melhor atender aos interesses do serviço. As inovações técnicas devem ser incorporadas ao serviço, para que seja prestado de maneira cada vez melhor. 2.3. Princípio da Continuidade do Serviço Público

Se o serviço público é a prestação de atividade considerada

essencial à comunidade, então ele não pode sofrer interrupções. A aplicação deste princípio ajuda a solucionar várias questões, como a greve de servidor público, a possibilidade de encampação do serviço, o corte de fornecimento por inadimplemento do usuário.

Importante tratar da delicada questão do corte no fornecimento de serviços públicos submetidos a regime de contraprestação pecuniária, como energia elétrica e água tratada. Sobre o tema, é possível listar os seguintes argumentos, a favor e contra o corte.

A favor do corte: a redação do artigo 6º, §3º, II da Lei de Concessões (L8987/95); a atitude deve-se e justifica-se pelo comportamento do próprio usuário; e o fato de que não se trata de serviços obrigatórios, estando submetidos a regime contratual. Recebe-os quem contrata com a concessionária, estabelecida, no momento do ajuste, a contraprestação sabida como obrigatória.

Contra o corte: vide o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor (CDC), ao tratar dos serviços essenciais e dá-los por contínuos; lembre-se dos riscos existentes para a saúde pública e para a segurança dos cidadãos, em caso de corte. Ainda, é importante ressaltar que o ordenamento jurídico prevê via própria para cobrança de débitos de natureza pecuniária, e a atitude de corte de fornecimento expõe o consumidor a constrangimento, conduta vedada pelo CDC. Assim:

44 Atente-se para o fato de que a incidência deste princípio não obsta que sejam estabelecidas categorias diversas de usuários, com tarifas diferenciadas, atendendo às particularidades do segmento, possibilidade contemplada pela Lei de Concessões (L8987/95 - art.13). Seria o caso de serviço público de transporte municipal de passageiros, em que se colocasse à disposição dos usuários um serviço standard, simples, com tarifa normal, e um serviço "executivo", com um ônibus dotado de ar-condicionado, TV, assentos individuais, mais comodidade, enfim, o que justificaria que o usuário que optasse por esta categoria de serviço pagasse uma tarifa um pouco maior.

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STJ: RESP 442814 / RS; rel. Min. JOSÉ DELGADO EMENTA: ADMINISTRATIVO. DIREITO DO CONSUMIDOR. AUSÊNCIA DE PAGAMENTO DE TARIFA DE ENERGIA ELÉTRICA. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO. CORTE. IMPOSSIBILIDADE. ARTS. 22 E 42, DA LEI Nº 8.078/90 (CÓDIGO DE PROTEÇÃO E DEFESA DO CONSUMIDOR). 1. Recurso Especial interposto contra Acórdão que entendeu ser ilegal o corte de fornecimento de energia elétrica, em face de inadimplemento do Município recorrido. 2. Não resulta em se reconhecer como legítimo ato administrativo praticado pela empresa concessionária fornecedora de energia e consistente na interrupção do fornecimento da mesma em face de ausência de pagamento de fatura vencida. 3. A energia é, na atualidade, um bem essencial à população, constituindo-se serviço público indispensável subordinado ao princípio da continuidade de sua prestação, pelo que se torna impossível a sua interrupção. 4. O art. 22, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, assevera que "os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos". O seu parágrafo único expõe que "nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados na forma prevista neste código". Já o art. 42, do mesmo diploma legal, não permite, na cobrança de débitos, que o devedor seja exposto ao ridículo, nem que seja submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça. Os referidos dispositivos legais aplicam-se às empresas concessionárias de serviço público. 5. Não há de se prestigiar atuação da Justiça privada no Brasil, especialmente, quando exercida por credor econômica e financeiramente mais forte, em largas proporções, do que o devedor. Afronta, se assim fosse admitido, aos princípios constitucionais da inocência presumida e da ampla defesa. 6. O direito do cidadão de se utilizar dos serviços públicos essenciais para a sua vida em sociedade deve ser interpretado com vistas a beneficiar a quem deles se utiliza. 7. Caracterização do periculum in mora e do fumus boni iuris para sustentar deferimento de ação com o fim de impedir suspensão de fornecimento de energia. 8. Recurso Especial não provido. STJ, RESP 122812 / ES; rel. Min. MILTON LUIZ PEREIRA EMENTA: Corte no fornecimento de água. Inadimplência do consumidor. Ilegalidade. 1. É ilegal a interrupção no fornecimento de energia elétrica, mesmo que inadimplente o consumidor, à vista das disposições do Código de Defesa do Consumidor que impedem seja o usuário exposto ao ridículo. 2. Deve a concessionária de serviço público utilizar-se dos meios próprios para receber os pagamentos em atrasos. 3. Recurso não conhecido.

Sobre corte de serviço prestado a ente público, confira-se:

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STJ, MC 2543 / AC; rel. Min. FRANCISCO FALCÃO EMENTA: PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. CORTE NO FORNECIMENTO DE ÁGUA. ESTADO INADIMPLENTE. IMPOSSIBILIDADE. MEDIDA CAUTELAR PROCEDENTE. O corte no fornecimento de água em prédios do Estado atinge não somente aquele ente da Federação, mas o próprio cidadão, porquanto a inviabilidade da utilização do prédio e a conseqüente deficiência na prestação dos serviços decorrentes atingem diretamente todos os munícipes. - O corte, utilizado pela Companhia para obrigar o usuário ao pagamento de tarifa, extrapola os limites da legalidade, existindo outros meios para buscar o adimplemento do débito. - Precedentes. - Medida cautelar procedente.

2.4. Princípio da Participação dos Usuários

O artigo 37, §3º da CF assegura ao cidadão o direito de participar

da fiscalização e controle dos serviços públicos. Nesta linha, vêm sendo instalados disque-denúncias, realizadas audiências públicas, criadas ouvidorias, nomeados cidadãos como membros de conselhos consultivos, etc. O art. 30 da Lei nº 8.987/95 e o art. 33 da Lei nº 9.074/95 prevêem a representação dos usuários na comissão encarregada da fiscalização da concessionária (princípio da participação dos usuários).

Os direitos dos usuários estão previstos no artigo 7º da L8987/95, entre os quais é possível listar: receber o serviço adequado; receber do poder concedente e da concessionária as informações para a defesa de interesses pessoais e coletivos; obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha; levar ao conhecimento do Poder Público e da concessionária as irregularidades de que tenha conhecimento, referentes ao serviço prestado, e outros. 3. ROL BÁSICO DE SERVIÇOS PÚBLICOS SEGUNDO A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA – REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS PARA A SUA PRESTAÇÃO

Já se disse que a escolha de determinada atividade como serviço público é política. Em determinado país e momento histórico, tem-se que uma área deve ser reconhecida como própria do Estado, ou aberta à sua atuação. O sistema normativo brasileiro possui vários dispositivos erigindo serviços como públicos.

A repartição de competências para a prestação de serviço público ou de utilidade pública pelas três entidades estatais - União, Estado-membro, Município - opera-se segundo critérios técnicos e jurídicos, tendo-se em vista sempre os interesses próprios de cada esfera administrativa, a

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natureza e extensão dos serviços, bem como a capacidade para executá-los vantajosamente para a Administração e para os administrados.

José Afonso da Silva nos ensina que as competências foram distribuídas de acordo com o princípio da predominância do interesse45; é dizer, à União caberão aquelas matérias e questões de predominante interesse geral, nacional, ao passo que aos Estados tocarão aquelas matérias de predominante interesse regional, e aos Municípios, os assuntos de interesse local.

O quadro de distribuição é conhecido: poderes reservados ou enumerados da União (arts. 21 e 22); poderes remanescentes para os Estados (art. 25, § 1º); poderes indicativos para o Município (art. 30).

Ainda, parece necessário distinguir a competência material ou executiva da competência legislativa. A primeira é a competência para a execução dos serviços, que pode ser privativa (art. 21) ou comum (art. 23). A segunda refere-se à capacidade de editar leis e pode ser também privativa (art. 22), concorrente (art. 24) e suplementar (arts. 22, § 2º, e 30, II).

Quando se tratar de competência concorrente, a competência da União limita-se a estabelecer normas gerais (24, §1º); estas, porém, não excluem a legislação complementar dos Estados (§ 2º); inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades (§ 3º); mas a superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário (§ 4º).

A competência legislativa suplementar foi deferida aos Estados (art. 24, § 2º), mas estendida também aos Municípios, aos quais compete "suplementar a legislação federal e estadual no que couber" (art. 30, II).

No que nos interessa mais de perto, o art. 21, em seus incisos X, XI e XII define alguns serviços públicos de competência da União: manter o serviço postal e o correio aéreo nacional, explorar os serviços de telecomunicações, radiodifusão sonora e de sons e imagens, serviço de energia elétrica, etc.

Essa enumeração não é exaustiva. A L9074/95 (art. 1º) define igualmente alguns serviços e obras públicas, de competência da União, que se sujeitam ao regime de concessão ou permissão. Em seu artigo 2º traz um rol de serviços que não são públicos, pois independem de concessão, permissão ou autorização.

Convém recordar que os serviços de saúde e educação são serviços de interesse público, mas não podem ser prestados sob o regime de concessão ou permissão, tendo em vista que os arts. 199 e 209 da CF estabelecem a possibilidade da iniciativa privada, de forma livre, exercê-los, apenas submetendo-se à fiscalização.

45 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 17ª ed. São Paulo: Malheiros, 2000. p. 478.

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A competência do Estado-membro para a prestação de serviços públicos não está discriminada constitucionalmente, pelo fato de, como já exposto, a competência do Estado ser remanescente (CF, 25, §1º). A exceção fica por conta da exploração e distribuição dos serviços de gás canalizado, que afasta inclusive a competência do Município para sua distribuição local (art. 25, § 2º).

Assim, é tarefa inútil procurar relacionar exaustivamente os serviços da alçada estadual, cujo rol variará segundo as possibilidades do Governo e as necessidades de suas populações. Por exclusão, pertencem ao Estado-membro todos os serviços públicos não reservados à União nem atribuídos ao Município pelo critério de interesse local46.

Parece lícito atribuir ao Estado os serviços e obras que ultrapassam as divisas de um Município ou afetam interesses regionais (transporte público intermunicipal). Pela mesma razão, compete ao Estado-membro a realização de serviços de interesse de grupos ou categorias de habitantes disseminados pelo seu território, e em relação aos quais não haja predominância do interesse local sobre o estadual.

A competência do Município para organizar e manter serviços públicos locais está reconhecida constitucionalmente como um dos princípios asseguradores de sua autonomia administrativa (art. 30). A única restrição é a de que tais serviços sejam de seu interesse local. O que caracteriza o interesse local é a predominância desse interesse para o Município em relação ao eventual interesse estadual ou federal acerca do mesmo assunto.

A Constituição da República, entretanto, discrimina algumas áreas como próprias da atuação municipal. Assim o transporte coletivo, que tem caráter de essencialidade (art. 30, V); a obrigação de manter programas de educação pré-escolar e de ensino fundamental (inc. VI); com os serviços de atendimento à saúde da população (inc. VII); com o ordenamento territorial e o controle do uso, parcelamento e ocupação do solo urbano (inc. VIII); e com a proteção ao patrimônio histórico-cultural local (inc. IX).

Quanto aos serviços comuns, relacionados no art. 23, lei complementar deverá fixar normas para a cooperação entre as três entidades estatais, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (parágrafo único). Para alguns desses serviços, porém, como o de saúde, a Constituição já determinou que sua prestação seja feita através de um "sistema único", envolvendo todas as entidades estatais (art. 198).

46 Os Estados têm se utilizado de legislação própria para erigir em serviço público a exploração de loterias. Essas leis estaduais são objeto de controle concentrado perante o STF, resumidamente por alegada invasão de matéria privativa da União. É que segundo o artigo 22, inciso XX da CF/88, compete privativamente à União legislar sobre consórcios e sorteios.

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4. CLASSIFICAÇÃO A atribuição primordial da Administração Pública é oferecer

utilidades aos administrados, não se justificando sua presença senão para prestar serviços à coletividade. Esses serviços podem ser essenciais ou apenas úteis à comunidade, daí a necessária distinção entre serviços públicos e serviços de utilidade pública; mas, em sentido amplo e genérico, quando aludimos a serviço público, abrangemos ambas as categorias.

Levando-se em conta a essencialidade, a adequação, a finalidade e os destinatários dos serviços, podemos classificá-los em: públicos e de utilidade pública; próprios e impróprios do Estado; administrativos e industriais; uti universi e uti singuli.

(a) quanto à essencialidade: (i) serviços públicos propriamente ditos ou de necessidade pública são os que a Administração presta diretamente à comunidade, por reconhecer sua essencialidade e necessidade para a sobrevivência do grupo social e do próprio Estado. Por isso mesmo, tais serviços são considerados privativos do Poder Público, no sentido de que só a Administração deve prestá-los, sem delegação a terceiros, mesmo porque geralmente exigem atos de império e medidas compulsórias em relação aos administrados. Exemplos desses serviços são os de defesa nacional, polícia, preservação da saúde pública; (ii) serviços de utilidade pública são os que a Administração, reconhecendo sua conveniência (não essencialidade, nem necessidade) para os membros da coletividade, presta-os diretamente ou aquiesce em que sejam prestados por terceiros (concessionários, permissionários ou autorizatários), nas condições regulamentadas e sob seu controle, mas por conta e risco dos prestadores, mediante remuneração dos usuários. São exemplos dessa modalidade os serviços de transporte coletivo, energia elétrica, gás, telefone;

(b) quanto à delegabilidade: (i) serviços próprios do Estado são aqueles que se relacionam intimamente com as atribuições do Poder Público (defesa nacional, segurança, polícia, higiene e saúde públicas etc.) e, para sua execução, a Administração usa da sua supremacia sobre os administrados. Por esta razão, só devem ser prestados por órgãos ou entidades públicas, sem delegação a particulares. Tais serviços, por sua essencialidade, geralmente são gratuitos ou de baixa remuneração, para que fiquem ao alcance de todos os membros da coletividade; (ii) serviços impróprios do Estado são os que não afetam substancialmente as necessidades da comunidade, mas satisfazem interesses comuns de seus membros, e, por isso, a Administração os presta mediante remuneração, por seus órgãos ou entidades descentralizadas (autarquias, empresas públicas, sociedades de economia mista, fundações governamentais), ou

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delega sua prestação a concessionários, permissionários ou autorizatários. Esses serviços, normalmente, são rentáveis e podem ser realizados com ou sem privilégio (não confundir com monopólio), mas sempre sob regulamentação e controle do Poder Público competente. Para MSZ , serviços impróprios são as atividades privadas submetidas a fiscalização estatal; (c) quanto ao objeto: (i) serviços administrativos são os que a Administração executa para atender a suas necessidades internas ou preparar outros serviços que serão prestados ao público, tais como os da imprensa oficial, das estações experimentais e outros dessa natureza; (ii) serviços industriais (ou comerciais) são aqueles que produzem renda para quem os presta, mediante a remuneração da utilidade usada ou consumida, remuneração, esta, que, tecnicamente, se denomina tarifa ou preço público, por ser sempre fixada pelo Poder Público, quer quando o serviço é prestado por seus órgãos ou entidades, quer quando por concessionários, permissionários/autorizatários. Os serviços industriais são impróprios do Estado, por consubstanciarem atividade econômica que só poderá ser explorada diretamente pelo Poder Público quando "necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei" (CF, art. 173).

(d) quanto à determinação do usuário: (i) serviços uti universi ou gerais são aqueles que a Administração presta sem ter usuários determinados, para atender à coletividade no seu todo, como os de polícia, iluminação pública, calçamento, coleta de lixo, prevenção de doenças e outros dessa espécie. Esses serviços satisfazem indiscriminadamente a população, sem que se erijam em direito subjetivo de qualquer administrado à sua obtenção para seu domicílio, para sua rua ou para seu bairro. Estes serviços são indivisíveis, isto é, não mensuráveis na sua utilização. Daí por que, normalmente, os serviços uti universi devem ser mantidos por imposto (tributo geral), e não por taxa ou tarifa, que é remuneração mensurável e proporcional ao uso individual do serviço; (ii) serviços uti singuli ou individuais são os que têm usuários determinados e utilização particular e mensurável para cada destinatário, como ocorre com o telefone, a água e a energia elétrica domiciliares. Esses serviços, desde que implantados, geram direito subjetivo à sua obtenção para todos os administrados que se encontrem na área de sua prestação ou fornecimento e satisfaçam as exigências regulamentares. São sempre serviços de utilização individual, facultativa e mensurável, pelo quê devem ser remunerados por taxa (tributo) ou tarifa (preço público), e não por imposto.

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5. GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO A Constituição Federal, ao assegurar o direito de greve, estabeleceu que a lei definirá os serviços essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade (art. 9º). A L7783/89 define como serviços essenciais: o de água, de energia elétrica, gás e combustíveis; o de saúde; o de distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos; o funerário; o de transporte coletivo; o de captação e tratamento de esgoto e lixo; o de telecomunicações; o relacionado com substâncias radioativas; o de tráfego aéreo; o de compensação bancária e o de processamentos de dados ligados a esses serviços (art. 10). A nossa Lei Maior (art. 37, VII) prevê a possibilidade de greve de servidores, direito que será exercido "nos termos e nos limites estabelecidos em lei específica". A L7783/89 veda expressamente sua aplicação à espécie (art. 16). Sobre o assunto, Ives Gandra da Silva Martins assentou, em artigo publicado na Folha de São Paulo, em 21 de novembro de 2001:

“Ninguém é obrigado a ser servidor público. Se o for, entretanto, deve saber que a sua função oferece mais obrigações e menos direitos que na atividade privada. O servidor é antes de tudo um servidor da comunidade, sendo seus direitos condicionados aos seus deveres na sociedade. (...) Tendo em vista que a ‘continuidade dos serviços públicos’ é um princípio básico do direito administrativo e que os contribuintes pagam tributos para receber tais serviços sem solução de continuidade, à evidência, todos aqueles que sofrerem danos em virtude da interrupção de sua prestação gerada pela greve têm direito de demandar reparação, inclusive por danos morais, contra o Estado. Este, por sua vez, está obrigado a dar início a ação de regresso contra os responsáveis pela paralisação de tais atividades essenciais à sociedade, que poderão ter que ressarcir o Estado, mesmo depois de aposentados, em face da imprescritibilidade da referida ação.”

Confira-se ainda o seguinte julgado, oriundo do Tribunal de Justiça

do Estado de Goiás:

AI 11343-2/180 RELATOR DES MAURO CAMPOS. EMENTA: "AGRAVO DE INSTRUMENTO. GREVE. SERVIDOR PÚBLICO MUNICIPAL. LIMINAR. 1. NAO FERE NORMA LEGAL A CONCESSAO DE MEDIDA LIMINAR PARA ENCERRAR GREVE DE SERVIDORES PUBLICOS MUNICIPAIS. 2. O DIREITO PREVISTO PELO DISPOSTO NO ARTIGO 37, VII, DA CONSTITUICAO FEDERAL, NAO E AUTO APLICAVEL, PORQUANTO ESTA CONDICIONADO A EDICAO DE LEI COMPLEMENTAR. 3. RECURSO IMPROVIDO ".

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6. PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO – DELEGAÇÃO E OUTORGA

Os serviços públicos estão sob a responsabilidade exclusiva do Estado (175 CF), que pode prestá-los diretamente ou por intermédio de alguém qualificado para tanto (casos de permissão ou concessão do serviço). A execução do serviço pode ser direta (Estado titular e prestador do serviço, via órgãos da Administração Direta) ou indireta (Estado titular do serviço, com terceiro responsável pela execução). É que o Poder Público pode transferir a titularidade ou a execução do serviço, por outorga47 ou delegação48, a autarquias, entidades paraestatais, empresas privadas ou particulares individualmente. A distinção entre serviço outorgado e serviço delegado é fundamental, porque aquele é transferido por lei e só por lei pode ser retirado ou modificado, e este tem apenas sua execução transpassada a terceiro, por ato bilateral ou unilateral, pelo quê pode ser revogado, modificado e anulado.

A delegação é menos que outorga, porque esta traz uma presunção de definitividade e aquela de transitoriedade, razão pela qual os serviços outorgados o são, normalmente, por tempo indeterminado e os delegados por prazo certo, para que ao seu término retornem ao delegante. Mas em ambas as hipóteses o serviço continua sendo público ou de utilidade pública, sempre sujeito a regulamentação e controle do Poder Público.

7. FORMAS DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO

Quando o Estado se subdivide em órgãos, ele faz uma divisão

interna de suas competências, dentro de si próprio. Neste caso, ele gera graus hierárquicos. A Administração se organiza em forma de pirâmide, com graus de coordenação e subordinação entre os níveis. Em um mesmo nível, há coordenação. Entre níveis diversos, subordinação. Aqui temos o fenômeno da DESCONCENTRAÇÃO. Desconcentração implica em transferência de competência de um órgão para outro, mas dentro da Administração Direta mediante alguns critérios (hierárquico, territorial, geográfico ou matéria).

Já quando cria uma pessoa jurídica diversa e lhe repassa suas atividades, o Estado procede a uma DESCENTRALIZAÇÃO, criação de

47 Há outorga quando o Estado cria uma entidade e a ela transfere, por lei, determinado serviço público ou de utilidade pública. 48 Há delegação quando o Estado transfere, por contrato (concessão) ou ato unilateral (permissão ou autorização), unicamente a execução do serviço, para que o delegado o preste ao público em seu nome e por sua conta e risco, nas condições regulamentares e sob controle estatal.

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outro centro de direitos e obrigações. É "outra pirâmide", sem relação hierárquica com o ente central. Existe entre criador e criatura relação diversa, que a doutrina administrativa chama de controle finalístico ou tutela. A lei que criou ou autorizou a criação do ente lhe repassou certas atividades, certos misteres de cuja execução ele não pode se desviar, sob pena de correção de rumos por meio do ente central.

As pessoas jurídicas criadas pelo Estado obedecem a certas características comuns. Assim, todas elas possuem personalidade jurídica própria, patrimônio próprio, sua própria organização hierárquica interna. Têm origem na vontade do Estado, expressada através da lei, que pode criá-las ou autorizar sua criação (e também extingui-las). Servem ao interesse público, razão de sua existência. Para garantir que sirvam aos fins estatais, o Estado exerce sobre elas controle finalístico.

Mas possuem também distinções. As pessoas jurídicas com regime de direito público possuem praticamente as mesmas prerrogativas e sujeições do Estado. Já as pessoas jurídicas de direito privado submetem-se ao regime jurídico de direito privado (art. 173, §1º, II), com algumas mudanças (derrogações), devido a sua origem e fins públicos.

Na prática, a autonomia de órgãos e entidades é bastante limitada. Neste sentido, Alexandre Santos Aragão49 tece ácida crítica sobre os conceitos tradicionais, aduzindo que:

"A mera criação de pessoa jurídica da Administração Indireta, sem que possua um grau de razoável autonomia para desenvolver suas atribuições, não tornará seu desempenho mais ágil e eficiente. A desconcentração também é, por sua vez, mera forma de organização interna que não altera os vínculos hierárquicos tradicionais. Nenhuma delas, portanto, se tomadas nos seus conceitos tradicionais, constituirão necessariamente verdadeira descentralização. Em todo o mundo, podemos constatar que a Administração Pública caminha para a descentralização em sentido material, sendo irrelevante a sua caracterização formal/tradicional, vista acima. O que importa é que a determinados centros de competência seja conferida considerável autonomia de atuação, independentemente deles serem constituídos ou não como pessoas jurídicas. [...] Parte da doutrina afirma mesmo que os entes personalizados sem autonomia sequer podem ser considerados verdadeiras pessoas jurídicas. Por mais fortes razões, também não se poderia deles inferir qualquer descentralização. Ambas as categorias, centrais no mundo do Direito Administrativo, estariam falseadas. Neste sentido é que Garrido Falla, seguindo Ferrara, fala de 'pessoas jurídicas fictícias', desprovidas de substrato real, ou seja, de um

49 As fundações públicas e o novo Código Civil, In Revista Brasileira de Direito Público nº 01, Abril/Maio/Junho de 2003, Ed. Fórum, p. 15-6.

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regime jurídico que realmente as trate como tal, que lhes confira um grau razoável de liberdade de agir".

8. MEIOS DE PRESTAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO (a) execução direta: é realizada pelo próprio ente estatal, pela autarquia etc.; (b) execução indireta: é aquela que o responsável pela sua realização comete a terceiro. Serviço próprio ou delegado feito por outrem é execução indireta; 9. MODALIDADES DE DELEGAÇÃO 9.1. Concessão

O art. 175 CF dispõe que "incumbe ao Poder Público, na forma da

lei, diretamente ou sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos". Seu parágrafo único estabelece a necessidade de lei que disponha sobre: o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; os direitos dos usuários; política tarifária; obrigação de manter serviço adequado.

A Lei 8987/95 foi editada no intuito de estabelecer o regime jurídico dos contratos de concessão, a menos dos serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens (art. 41), que mereceu tratamento diferenciado na CF (art. 223). Estabelece normas gerais, é lei nacional, que se impõe a Estados e Municípios, que deverão obedecer aos seus ditames, sempre que optarem por realizar concessão ou permissão50.

O que é transferido no contrato de concessão é tão-só o exercício da atividade pública. O Poder Público mantém total disponibilidade sobre o serviço concedido. Poderá inclusive encampá-lo se o interesse público assim exigir.

A concessão pode se apresentar sob a modalidade simples, onde há apenas a delegação da execução do serviço, ou sob a modalidade precedida de execução de obra pública, onde o objetivo do Poder Público é a obra a ser construída/conservada, sendo que o concessionário se remunerará através da exploração da obra concedida.

A concessão de serviço público é relação jurídica complexa. Toda concessão fica submetida a duas categorias de normas: as de natureza regulamentar e as de ordem contratual. As primeiras disciplinam o modo 50 A Lei 8666/93 tem aplicação subsidiária, consoante disposto em seu art. 124, que dispõe: "Aplicam-se às licitações e aos contratos para permissão ou concessão de serviços públicos os dispositivos desta Lei que não conflitem com a legislação específica sobre o assunto".

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e forma de prestação do serviço; as segundas fixam as condições de remuneração do concessionário. Como as leis, aquelas são alteráveis unilateralmente pelo Poder Público segundo as exigências da comunidade; como cláusulas contratuais, estas são fixas, só podendo ser modificadas por acordo entre as partes.

São normas regulamentares ou de serviço todas aquelas estabelecidas em lei, regulamento ou no próprio contrato visando à prestação de serviço adequado; cláusulas econômicas ou financeiras são as que concernem com a retribuição pecuniária do serviço e demais vantagens ou encargos patrimoniais do concessionário e que mantêm o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.

Durante o contrato, a concessionária tem a garantia da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro e o Estado, além de contar com a prestação do serviço à população, tem a disponibilidade para alterar e modificar as condições de cumprimento do contrato, sempre que o interesse público exigir (princípio da mutabilidade ou adequação do serviço público).

O repasse da execução do serviço ou obra depende de lei autorizadora. O art. 2º da L9074 estabelece que: "é vedado à União, aos Estados e aos Municípios executarem obras e serviços públicos por meio de concessão ou permissão, sem lei que lhes autorize e fixe os termos, dispensada a lei autorizativa nos casos de saneamento básico e limpeza urbana e nos já referidos na Constituição Federal, nas Constituições Estaduais e nas Leis Orgânicas do Distrito Federal e dos Municípios, observado, em qualquer caso, os termos da Lei nº 8.987, de 1995".

Ao final da concessão ocorre a chamada reversão, que nada mais é do que a incorporação, pelo poder concedente, do patrimônio da concessionária que está afetado ao serviço público quando do término da concessão. A reversão implica em indenização do patrimônio não amortizado ou depreciado. 9.1.1. Formas de Extinção da Concessão de Serviço Público

(a) advento do termo contratual; (b) encampação (retomada do serviço por motivo de interesse público); (c) caducidade (culpa da concessionária); (d) rescisão (culpa do poder concedente); (e) anulação (vício anterior ao contrato); e (f) extinção da empresa. 10. PERMISSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO

A permissão, tradicionalmente, é ato (não contrato) unilateral e

precário, intuitu personae, por meio do qual o Poder Público transfere a

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alguém o desempenho de serviço de sua alçada, proporcionando, à moda do que faz na concessão, a possibilidade de cobrança de tarifas dos usuários51. Encontra-se constitucionalmente condicionada à realização de licitação (175 CF), e pode ser gratuita ou onerosa.

Seria utilizada quando o particular não necessitasse alocar grandes capitais para a prestação do serviço público, de forma que a revogação unilateral pelo poder concedente não lhe causaria maiores transtornos, não havendo sequer falar em indenização (sendo esta a grande diferença entre concessão e permissão, ao menos na doutrina clássica).

A prática administrativa, entretanto, mostrou que o Poder Público utilizou-se indevidamente da permissão em situações em que a concessão era de rigor. Passou, por exemplo, a prever prazos para a permissão (permissão condicionada ou qualificada), desnaturando o caráter precário do instituto. Neste caso, teremos conseqüências específicas, como atesta o seguinte julgado:

RESP 403905 / MG; rel. Min. JOSÉ DELGADO ADMINISTRATIVO E PROCESSUAL CIVIL. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO PARCIAL. TRANSPORTE COLETIVO PÚBLICO. TERMO DE PERMISSÃO, COM CARACTERÍSTICAS DE CONCESSÃO. INDENIZAÇÃO. ALEGAÇÃO DE PREJUÍZOS DECORRENTES DE TARIFAS DEFICITÁRIAS. INOCORRÊNCIA DE PROCEDIMENTO LICITATÓRIO. ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA DE BOA-FÉ DO CONTRATANTE. PREVALÊNCIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O PARTICULAR. 1. Recurso Especial interposto contra v. Acórdão que julgou improcedente ação intentada por empresas permissionárias do serviço público de transporte coletivo da Região Metropolitana de Belo Horizonte, com vistas a obter indenização por prejuízos decorrentes de tarifas deficitárias impostas ao setor, causadoras do desequilíbrio econômico-financeiro do ajuste firmado por ocasião da permissão. 2. Ausência de prequestionamento sobre aspectos suscitados que não foram objeto de debate pela decisão recorrida no ambiente do apelo extremo. 3. Termo de Permissão assinado pelo Poder Público e pela permissionária. Os elementos componentes do mencionado Termo levam a que se considere que, entre partes, houve, verdadeiramente, a Concessão de serviço público. 4. Exigência de procedimento licitatório prévio para validação de contrato de concessão com a Administração Pública, quer seja antes da Constituição Federal de 1988, quer após a vigência da mencionada Carta. 5. Não havendo a licitação, a fim de garantir licitude aos contratos administrativos, pressuposto, portanto, para a sua existência, validade e eficácia, não pode se falar em concessão e, por conseqüência, nos efeitos por ela produzidos. 6. As relações contratuais do Poder Público com o particular são desenvolvidas com obediência rigorosa ao princípio da legalidade. Ferido tal princípio, inexiste direito a ser protegido, para qualquer das partes, além de determinar responsabilidades administrativas, civis (improbidade

51 O conceito é de Celso Antônio Bandeira de Mello, Op. cit., p. 680.

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administrativa) e penais, quando for o caso, para o administrador público. 7. Em razão do uso indiscriminado das permissões de serviço público, é de se lhe atribuir efeitos análogos aos do instituto da concessão de serviço público quando a complexidade da atividade deferida por meio daquele instituto seja de tal monta que exija um longo prazo para o retorno dos altos investimentos realizados no intuito de viabilizar a sua prestação. 8. Este direito está condicionado à licitude da atividade prestada pelo permissionário, de modo que, ausente prévio procedimento licitatório, não há que se falar em manutenção do equilíbrio econômico-financeiro que nele deveria ser estipulado, cabendo ao permissionário, em atenção ao princípio da supremacia do interesse público sobre o particular e à sua inexistente boa-fé, suportar os ônus decorrentes de uma ilegalidade que lhe favoreceu." 9. Recurso parcialmente conhecido e, nesta parte, improvido.

Celso Antônio e Maria Sylvia entendem que, nos casos em que se

fixou prazo para a permissão, deve-se entender o ato como concessão, emprestando-lhes os efeitos daí decorrentes. O nome não muda a natureza das coisas. Como bem aduziu CABM, “É óbvio que uma relação jurídica não se identifica meramente pelo fato de estar batizada de um ou outro modo, mas pelo conjunto de normas proposto para regulá-la”. Alertam para a necessidade de ser anotado prazo nos casos de permissão, não sendo admitida a permissão ad aeternum.

O art. 175, I CF parece conferir caráter contratual à permissão, no que foi secundado pelo art. 40 da L8987/93, que estabelece que será formalizada mediante contrato de adesão que observará os termos desta lei, das demais normas pertinentes e do edital de licitação, inclusive quanto à precariedade e à revogabilidade unilateral do contrato pelo poder concedente. O parágrafo único deste artigo estabelece que às permissões aplica-se o disposto nesta lei.

A lei mereceu severa crítica de Celso Antônio, por prever um contrato precário e revogável unilateralmente, numa tentativa esdrúxula de conciliar as divergências doutrinárias sobre o instituto. 11. AUTORIZAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO

Na lição de Maria Sylvia, autorização de serviço público seria “o ato

administrativo unilateral e discricionário pelo qual o Poder Público delega ao particular a exploração de serviço público, a título precário”52. Aponta como referência constitucional da espécie o artigo 21, XII CF. Sua nota distintiva é que interessa exclusivamente ao autorizatário. Neste sentido o instituto está previsto na L9074/95: 52 Op. cit., p. 218.

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Art. 7o São objeto de autorização: I - a implantação de usinas termelétricas, de potência superior a 5.000 kW, destinada a uso exclusivo do autoprodutor; II - o aproveitamento de potenciais hidráulicos, de potência superior a 1.000 kW e igual ou inferior a 10.000 kW, destinados a uso exclusivo do autoprodutor.

Não seria caso de se falar em serviço público, eis que não há atendimento de necessidades coletivas. Sem embargo, a L9472/97 trata da autorização em termos diferentes, ao prever a possibilidade de prestação do serviço (art. 131) sob regime jurídico privado, em iniciativa bastante discutível sob o prisma constitucional. Registrem-se, finalmente, os ensinamentos de HLM, para quem “Serviços autorizados são aqueles que o Poder Público, por ato unilateral, precário e discricionário, consente na sua execução por particular para atender a interesses coletivos instáveis ou emergência transitória”53. São serviços sujeitos, por índole, a constantes modificações do modo de sua prestação ao público e a supressão a qualquer momento, o que agrava sua precariedade. A remuneração de tais serviços é tarifada pela Administração. A execução deve ser pessoal e intransferível a terceiros. Em princípio, não exige licitação; poderá ser adotada qualquer espécie de seleção para escolha do melhor autorizatário. Entende ser modalidade adequada para serviços que não pedem especialização na sua prestação ao público (táxi, despachantes, pavimentação de ruas por conta dos moradores, guarda particular de estabelecimentos ou residências), os quais, embora não sendo uma atividade pública típica, convém que o Poder Público conheça e credencie seus executores e sobre eles exerça o necessário controle no seu relacionamento com o público e com os órgãos administrativos a que se vinculam para o trabalho.

Seus executores não são agentes públicos, nem praticam atos administrativos; prestam, apenas, um serviço de interesse da comunidade, por isso mesmo controlado pela Administração e sujeito à sua autorização. A contratação desses serviços com o usuário é sempre uma relação de Direito Privado, sem participação ou responsabilidade do Poder Público. 12. CONVÊNIO ADMINISTRATIVO

Convênios administrativos são acordos firmados por entidades públicas de quaisquer espécies, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes. Segundo o magistério de Hely Lopes Meirelles, convênio é

53 Op. cit., p. 352.

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acordo, mas não é contrato (Maria Sylvia concorda, mas Odete Medauar discorda).

Existe uma igualdade jurídica entre os signatários do convênio, destarte, não há vinculação contratual entre os entes que o compõem. Qualquer partícipe pode denunciá-lo e retirar sua cooperação quando desejar, só ficando responsável pelas obrigações e auferindo as vantagens do tempo em que participou voluntariamente do acordo.

Os convênios não adquirem personalidade jurídica, permanecendo como simples aquiescência dos partícipes para a realização de objetivos comuns. Desta forma, há que considerar que se trata de uma cooperação associativa, livre de vínculos contratuais.

A organização dos convênios não tem forma própria, mas sempre se fez com autorização legislativa e recursos financeiros para atendimento dos encargos assumidos no termo de cooperação.

A execução dos convênios, comumente, fica a cargo de uma das entidades participantes, ou de comissão diretora. Por isso é que recomenda a organização de uma entidade civil ou comercial com a finalidade específica de ar execução aos termos do convênio, a qual receberá e aplicará seus recursos nos fins estatutários, realizando diretamente as obras e serviços desejados pelos partícipes ou contratando com terceiros. 13. ORGANIZAÇÕES SOCIAIS

Como forma descentralização na prestação dos serviços públicos a lei 9637 de 15/05/2005 traçou uma nova forma de desestatização, onde o Estado se afasta do desempenho direto de alguns serviços públicos, delegando-os a pessoas de direito privado não integrantes da Administração Pública.

Estas pessoas incumbidas da execução de serviços públicos em regime de parceria com o Poder público, instrumentalizado por contratos de gestão, constituem as denominadas organizações sociais. Não se trata de uma nova modalidade de pessoa jurídica, apenas de uma qualificação especial, um título jurídico concedido por lei a determinadas entidades que atentam as especificidades da lei. Estas entidades, quando declaradas como de interesse social e utilidade pública podem receber recursos orçamentários e usar bens públicos necessários à consecução de seus objetivos (arts. 11/12). Admite-se ainda para estas entidades a cessão especial de servidor público, com ônus para o governo (art 14).

Para que uma entidade seja habilitada como organização social, a lei exige o cumprimento de alguns requisitos tais como: definição do objeto social da entidade, sua finalidade não lucrativa, a proibição de distribuição de bens ou parcelas do patrimônio líquido e a publicação anual no Diário Oficial da União de relatório financeiro, entre outros mencionados no art 2º da Lei 9637/98.

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As organizações sociais celebram com a Administração contratos de gestão com o objetivo de formar a parceria necessária ao fomento e à execução das suas atividades. Embora tenha a denominação de contrato, na verdade o que ocorre é a celebração de um convênio, pois que não há contrato neste tipo de ajuste. Trata-se de pactos bilaterais sem a contraposição de interesses, na verdade, há uma cooperação entre pactuantes com vistas a objetivos de interesses comuns.

A organização social poderá sofrer desqualificação de seu título quando forem descumpridas as disposições fixadas no contrato de gestão. Neste caso, instaura-se um processo administrativo para tal, sendo assegurado o contraditório e a ampla defesa.

Uma vez recebidos recursos financeiros do Poder Público, a lei exige que as organizações sociais estejam sujeitas à fiscalização de suas atividades e proceder ao exame de prestação de contas. Qualquer irregularidade ou ilegalidade dever ser prontamente comunicada ao Tribunal de Contas, sob pena de responsabilização do agente fiscalizador.

Havendo malversação de bens ou recursos públicos, as autoridades incumbidas da fiscalização deverão representar ao Ministério Público, à Advocacia-Geral da União ou à Procuradoria da entidade, para que sejam requeridos judicialmente a decretação da indisponibilidade dos bens da entidade e o seqüestro dos bens dos dirigentes, de agentes públicos e de terceiros envolvidos com o fato delituoso e possivelmente beneficiados com enriquecimento ilícito. 14. OSCIP – ORGANIZAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL DE INTERESSE PÚBLICO

Instituídas pela Lei 9.790/99, OSCIP’S são organizações de direito privado, sem fins lucrativos, que atuam no desenvolvimento de projetos e programas de interesse público nas áreas previstas na legislação vigente, destacando-se como principal objetivo deste modelo de gestão pública o fortalecimento do capital humano, pelo amento da participação social na condução de políticas públicas e na alocação de recursos.

A parceria entre Estado e OSCIP é materializada pelo Termo de Parceria, instrumento no qual são discriminadas as atividades a serem desempenhadas, responsabilidades, direitos, obrigações, metas e resultados a serem atingidos, além de indicadores de desempenho para que a execução das atividades objeto do Termo sejam realizadas de maneira efetiva, transparente e com maior controle social.

Quem pode se qualificar como OSCIP? Pode se qualificar como OSCIP a pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, constituída nos termos da lei civil. Considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações

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ou parcelas de seu patrimônio auferidas mediante o exercício de suas atividades e que os aplica integralmente na consecução de seu objeto social.

Quais atividades devem desempenhar a OSCIP? Podem pleitear o título de OSCIP as entidades que promovam pelo menos uma das seguintes atividades: 1- assistência social; 2-cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; 3- educação gratuita; 4-segurança alimentar e nutricional; 5- defesa, preservação e conservação do meio ambiente, gestão de recursos híbridos e desenvolvimento sustentável; 6- saúde gratuita; 7-trabalho voluntário; 8- desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; 9- experimentação não lucrativa de novos modelos sócio-produtivos de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito; 10- defesa dos direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita; 11- defesa da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais; 12- estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias, produção e divulgação de informações e conhecimento técnicos e científicos; 13- fomento do esporte amador.

Quem não pode se qualificar como OSCIP? Mesmo que se dedique às atividades retro elencadas, não podem obter o título de OSCIP: 1- a sociedade comercial; 2- o sindicato, a associação de classe ou representativa de categoria profissional; 3- a instituição religiosa ou voltada para a disseminação de credo, culto ou prática devocional e confessional; 4- a organização partidária e assemelhada e suas fundações; 5- a entidade de benefício mútuo destinada a proporcionar bens ou serviços a um círculo restrito de associados ou sócios; 6- a entidade ou empresa que comercialize plano de saúde e assemelhados; 7 – a instituição hospitalar privada não gratuita e sua mantenedora; 8- a escola privada dedicada ao ensino formal não gratuito e sua mantenedora; 9- a cooperativa; 10- a fundação pública; 11- a organização creditícia a que ser refere o art. 192 da CF, que tenha qualquer vinculação com o sistema financeiro nacional; 12- a entidade desportiva e recreativa dotada de fim empresarial. 15. PPP – PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA

A Lei 11.079/2004 define PPP (parceria público-privada) como contrato administrativo de concessão, mas uma concessão especial, diversa da que usualmente é praticada pela Administração. Nesta modalidade, o particular presta o serviço em seu nome, mas não assume todo o risco do empreendimento, uma vez que o Poder Público contribui financeiramente para sua realização e manutenção.

Trata-se de uma nova forma de participação do setor privado na implantação, melhoria e gestão da infra-estrutura pública, principalmente

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nos setores de rodovias, ferrovias, hidrovias, portos, energia, etc.. Duas são as modalidades de parceria público-privada: concessão patrocinada – onde a concessão de serviços ou obras públicas envolve uma contraprestação do Poder Público adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários; e concessão administrativa, quando a remuneração do serviço é feita integralmente pela Administração.

Para fins de PPP’s, deve-se constituir uma SPE (sociedade de propósito específico) para implantar e gerir o objeto da parceria, sendo vedado à Administração ser titular da maioria do seu capital votante.

A contratação da parceria público-privada deverá ser precedida de licitação, na modalidade de concorrência, mas uma modalidade de concorrência especial, em que é admitida, se previsto no edital, um leilão a viva voz, depois de aberta as propostas escritas.

PONTO 8

RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO Este capítulo foi elaborado e atualizado pelos Profs. Fabrício Motta, Frederico Telho e Leandro Zedes. 1. INTRODUÇÃO

Segundo José dos Santos Carvalho Filho (2004, p.425), quando o

direito trata da responsabilidade, induz de imediato à circunstância de que “alguém, o responsável, deve responder perante a ordem jurídica em virtude de algum fato precedente”.

Ensina que “não pode haver responsabilidade sem que haja um elemento impulsionador prévio (...) é necessário que o indivíduo a que se impute responsabilidade tenha a aptidão jurídica de efetivamente responder perante a ordem jurídica pela ocorrência do fato. No que diz respeito ao fato gerador da responsabilidade, não está ele atrelado ao aspecto da licitude ou ilicitude. Como regra, é verdade, o fato ilícito é que acarreta a responsabilidade, mas, em ocasiões especiais, o ordenamento jurídico faz nascer a responsabilidade até mesmo de fatos lícitos”.

Pode haver responsabilidade civil, penal ou administrativa, de acordo com a natureza da norma que a preveja. São, em princípio, instâncias independentes. O autor exemplifica com o servidor que incorra em constante impontualidade: estará cometendo ilícito administrativo, mas sua conduta é um indiferente civil e penal. Eventualmente, pode haver cumulação de responsabilidades, quando a conduta violar mais de uma norma.

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A responsabilidade civil tem como pressuposto o dano (ou prejuízo). O novo Código Civil (Lei 10.406/02) enfrenta o assunto, em seus artigos 186 e 92754.

Toda responsabilidade gera sanção. A sanção aplicável em caso de responsabilidade civil é a indenização, que se configura como o montante pecuniário que representa a reparação dos prejuízos causados pelo responsável55.

Considerando-se que o Estado é uma pessoa jurídica, portanto sem existência material, temos que ele, diretamente, não poderá causar danos a quem quer que seja. Seus agentes é que poderão prejudicar terceiros, ficando o Estado obrigado a indenizar.

Como ressalta Maria Sylvia, falar-se em responsabilidade do Estado significa estudar sua responsabilização em decorrência das funções entre as quais se reparte o poder estatal: administrativa, jurisdicional e legislativa. A autora conceitua responsabilidade extracontratual do Estado como “a obrigação de reparar danos causados a terceiros em decorrência de comportamentos comissivos ou omissivos, materiais ou jurídicos, lícitos ou ilícitos, imputáveis aos agentes públicos” (DI PIETRO, 2004, p.548). 2. EVOLUÇÃO DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO

A doutrina não costuma divergir no estudo da evolução histórica da responsabilidade civil estatal. Podem ser identificadas, com algumas variações, três fases que marcaram o tratamento legislativo, doutrinário e jurisprudencial do tema. (a) Irresponsabilidade

A idéia inicial a respeito do tema remetia à completa irresponsabilidade do Estado pelos atos de seus agentes. Era a idéia em voga na época do Estado absolutista (“the king can do no wrong”, “le roi ne peut mal faire”), e ainda sob a égide do Estado liberal, que muito pouco interferia na vida dos particulares. Com o tempo, e o surgimento da idéia de Estado de Direito (no qual também o ente estatal submete-se ao ordenamento jurídico), passou-se a admitir a responsabilização do Estado.

Sérgio Cavalieri Filho, ao ensinar que a irresponsabilidade é a própria negação do direito, informa que “no Brasil, não passamos pela

54 Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. 55 No caso de indenização por dano moral, ela não corresponderá ao preço da dor (prelium doloris), mas sim como compensação.

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fase da irresponsabilidade do Estado. Mesmo à falta de disposição legal especifica, a tese da responsabilidade do Poder Público sempre foi aceita como princípio geral e fundamental de direito” (2003, p.24O). Nos Estados Unidos e na Inglaterra, onde já vigeu esta concepção, desde a década de 40 não mais é admitida a irresponsabilidade do Estado. (b) Teorias civilistas sobre a responsabilidade estatal

Superada a fase da irresponsabilidade, passou-se a admitir a responsabilização do Estado nos moldes civilistas. Inicialmente, dividiam-se os atos do Estado em atos de império (praticados no exercício das prerrogativas derivadas da soberania) e atos de gestão (atos praticados em nivelamento ao particular), admitindo-se a responsabilidade do Estado apenas por atos de gestão, nunca por atos de império. Posteriormente, predominou a responsabilização subjetiva do Estado, nos moldes civilistas, cabendo ao lesado comprovar a culpa ou dolo do Estado para exigir a reparação.

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p.885), “responsabilidade subjetiva é a obrigação de indenizar que incumbe a alguém em razão de um procedimento contrário ao direito culposo ou doloso — consistente em causar um dano a outrem ou em deixar de impedi-lo quando obrigado a isso”. (c) Teorias publicistas sobre a responsabilidade estatal

Inicialmente, é importante relembrar o célebre caso Agnès Blanco (1873), marco da autonomia do direito administrativo, em que uma vagonete de empresa pública atropelou uma criança, na cidade de Bordeaux, decidindo o Conselho de Estado francês que a responsabilidade patrimonial estatal deve ser julgada com base em regras especiais, distintas daquelas do direito privado, condenando o Estado a indenizar.

Em evolução posterior, criou-se a teoria da culpa anônima ou falta do serviço. O lesado não precisaria identificar o agente estatal causador do dano, bastando comprovar o mau funcionamento do serviço, mesmo que fosse impossível apontar o agente que o provocou. A teoria abriga ao menos três hipóteses: a inexistência do serviço, o mau funcionamento do serviço ou o retardamento do serviço. Ainda se fala, portanto, em ônus probatório - o lesado tem de comprovar a falta do serviço.

Como ensina Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p.886), “é mister acentuar que a responsabilidade por “falta de serviço”, falha do serviço ou culpa do serviço não é, de modo algum, modalidade de responsabilidade objetiva. É responsabilidade subjetiva porque baseada na culpa (ou dolo) (...) Com efeito, para sua deflagração não basta a mera objetividade de um dano relacionado com um serviço estatal. Cumpre que exista algo mais, ou seja, culpa (ou dolo), elemento

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tipificador da responsabilidade subjetiva”. Atualmente, seguindo a evolução sinalizada pelo Conselho de

Estado francês, costuma-se adotar a teoria da responsabilidade objetiva do Estado. Isto porque, como aponta José dos Santos Carvalho Filho, “se tomou plenamente perceptível que o Estado tem maior poder e mais sensíveis prerrogativas do que o administrado. É realmente o sujeito jurídica, política e economicamente mais poderoso. O indivíduo, ao contrário, tem posição de subordinação, mesmo que protegido por inúmeras normas do ordenamento jurídico”.

Sendo assim, não seria justo que, diante de prejuízos oriundos da atividade estatal, tivesse ele que se empenhar demasiadamente para conquistar o direito à reparação dos danos. Diante disso, passou-se a considerar que, por ser mais poderoso, o Estado teria que arcar com um risco natural decorrente de suas numerosas atividades: à maior quantidade de poderes haveria de corresponder um risco maior. Surge, então, a teoria do risco administrativo, como fundamento da responsabilidade objetiva do Estado.

Ensina Sérgio Cavalieri Filho (2003, p.238) que “a Administração Pública gera risco para os administrados, entendendo-se como tal a possibilidade e dano que os membros da comunidade podem sofrer em decorrência da normal ou anormal atividade do Estado. Tendo em vista que essa atividade é exercida em favor de todos, seus ônus devem também ser suportados por todos, e não apenas por alguns”. A teoria do risco baseia-se, enfim, no princípio da igualdade da repartição dos encargos, ou seja, se da atuação do Estado, em geral, decorre beneficio para toda a sociedade, é justo que toda a sociedade responda também quando um de seus membros sofre prejuízo decorrente da ação estatal, que embora destinada a produzir benefícios à coletividade, pode ocasionalmente causar prejuízos, potencializados pela característica auto-executória dos atos administrativos.

A diferença entre a teoria do risco administrativo e a do risco integral, não aceita em nosso ordenamento, é que nesta última hipótese não é possível se afastar a responsabilidade estatal por meios das causas excludentes, enquanto naquela, embora sejam raros os casos, isto é possível. A teoria do risco integral eleva o Estado a verdadeiro segurador universal.

O Código Civil de 1916 previa a responsabilidade do Estado em termos que a doutrina enxergava como civilistas (responsabilidade subjetiva, dependente da demonstração de culpa)56. É que os pressupostos presentes no artigo - procedimento contrário ao direito e falta a dever prescrito em lei - revelam que a responsabilidade estatal não se configuraria diante de fatos lícitos, mas só diante de atos culposos.

56 Art. 15. As pessoas jurídicas de direito público são civilmente responsáveis por atos de seus representantes que nessa qualidade causem danos a terceiros, procedendo de modo contrário ao direito ou faltando a dever prescrito por lei, salvo o direito regressivo contra os causadores do dano.

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O novo Código Civil (Lei 10406/02), em seu artigo 43, encontra-se em sintonia com a atual Constituição (art. 37, §6°):

“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade cansem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo”.

Daí se dizer que o Brasil adota, atualmente, a teoria da

responsabilidade objetiva, na modalidade risco administrativo. Não se perquire de dolo ou culpa do agente. Basta o mero exercício da atividade e a ocorrência de dano relacionado. E o caso da responsabilidade por dano nuclear, também constitucionalmente prevista como objetiva (21, XXIII, “c” CF/88). 3. ANÁLISE DA REGRA INSCRITA NO ARTIGO 37, §6° DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Estabelece a Constituição da República:

“Art.37. §6° - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.

Da redação do artigo 37, §6° CF percebe-se tratar ele de duas

relações jurídicas distintas: • Uma, a relação entre o Estado e a vítima do ato, é regida pela regra da responsabilidade objetiva; • A outra relação, entre o Estado e seu servidor, regida pela responsabilidade subjetiva. E dizer, o Estado somente irá obter ressarcimento da quantia despendida com a indenização junto a seu servidor caso reste comprovada sua atuação dolosa ou culposa.

É necessário, para uma correta compreensão, precisar o alcance do comando constitucional. (a) Pessoas jurídicas alcançadas

Indubitável a inclusão dos entes políticos, ou seja, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. Também as autarquias e as fundações públicas regidas pelo direito público.

As pessoas privadas prestadoras de serviços públicos igualmente estão abrangidas. Aqui, teremos as empresas públicas, sociedades de economia mista e fundações públicas de direito privado que prestem

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serviço público; os concessionários e permissionários (175 CF). Obviamente, o comando não alcança as empresas estatais que explorem atividade econômica.

Carvalho Filho (p.434) entende abrangidos pela disposição os serviços sociais autônomos, pelo caráter social de suas atividades e pelo vinculo que mantém com o Estado, posto que surgiram através de lei autorizadora, que inclusive criou fontes de receita para seu sustento.Exclui, entretanto, a responsabilidade objetiva das organizações sociais e das organizações da sociedade civil de interesse público. Justifica seu entendimento na ausência de fins lucrativos e na função de auxílio aos entes públicos; “não se nos afigura que esse tipo de parceria desinteressada e de cunho eminentemente social carregue o ônus da responsabilidade objetiva, quando, sem a parceria, estariam as referidas pessoas reconhecidamente sob a égide do Código Civil”.

(b) Dano causado a terceiros

O dano deve ser causado a terceiros em decorrência da atividade ligada à prestação do serviço público. De acordo com Cavalieri Filho (2003, p.246), “terceiro indica alguém estranho à Administração, alguém com o qual o Estado não tem vinculo jurídico preexistente. Logo, o §6° do art. 37 da Constituição só se aplica à responsabilidade extracontratual do Estado. Não incide nos casos de responsabilidade contratual, porque aquele que contrata com o Estado não é terceiro”.

Claramente, deve haver nexo causal entre o dano causado a terceiros e a conduta omissiva ou comissiva do Estado ligada à prestação de serviços públicos.

Em recente julgamento, onde ficaram vencidos os Ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello, o STF entendeu que a responsabilidade objetiva das prestadoras de serviço público não se estende a terceiros, já que somente o usuário é detentor do direito subjetivo de receber um serviço público ideal, não cabendo ao mesmo, por essa razão, o ônus de provar a culpa do prestador do serviço na causa do dano. Em seu voto, aduziu o Relator, Min. Carlos Velloso,

“Essa me parece, na verdade, a melhor interpretação do dispositivo constitucional, no concernente às pessoas privadas prestadoras de serviço público: o usuário do serviço público que sofreu um dano, causado pelo prestador do serviço, não precisa comprovar a culpa deste. Ao prestador do serviço é que compete, para o fim de mitigar ou elidir a sua responsabilidade, provar que o usuário procedeu com culpa, culpa em sentido largo. É que, conforme lição de Romeu Bacellar, "é o usuário detentor do direito subjetivo de receber um serviço público ideal". A ratio do dispositivo constitucional que estamos interpretando parece-me mesmo esta: porque o "usuário é detentor do direito subjetivo de receber um serviço público ideal",

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não se deve exigir que, tendo sofrido dano em razão do serviço, tivesse de provar a culpa do prestador desse serviço. Fora daí, vale dizer, estender a não-usuários do serviço público prestado pela concessionária ou permissionária a responsabilidade objetiva - CF, art. 37, § 6º - seria ir além da ratio legis”. (RE 262651/SP, rel. Min. Carlos Velloso, 16.11.2004, noticiado no Informativo n.370) Assim ficou a ementa do Acórdão: “CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO: RESPONSABILIDADE OBJETIVA. PESSOAS JURÍDICAS DE DIREITO PRIVADO PRESTADORAS DE SERVIÇO PÚBLICO. CONCESSIONÁRIO OU PERMISSIONÁRIO DO SERVIÇO DE TRANSPORTE COLETIVO. C.F., art. 37, § 6º. I. - A responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva relativamente aos usuários do serviço, não se estendendo a pessoas outras que não ostentem a condição de usuário. Exegese do art. 37, § 6º, da C.F. II. - R.E. conhecido e provido” RE 262651/SP Rel. Min. CARLOS VELLOSO. Deve-se ressaltar que este entendimento pode ser alterado na

conclusão do julgamento do RE 459749/PE, rel. Min. Joaquim Barbosa57, em que o mesmo que a responsabilidade civil das pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviço público é objetiva também relativamente aos terceiros não-usuários do serviço (c) Os “agentes do Estado”

Por agentes do Estado (causadores do dano) deve-se entender aquelas pessoas físicas capazes de manifestar vontade em nome do Estado, no sentido mais amplo possível. Devem atuar na qualidade de agentes públicos, ou seja, responde o Estado pelos atos praticados no exercício da função pública. O agente estatal que cause dano a alguém em sua vida privada responderá com seu próprio patrimônio por seus atos.

Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou recurso extraordinário interposto pelo Estado de São Paulo contra acórdão do Tribunal de Justiça daquele Estado que, reconhecendo a existência de responsabilidade objetiva, condenara o ente federativo a indenizar vítima de disparo de arma de fogo, pertencente à corporação, utilizada por policial durante período de folga. Alegava-se, na espécie, ofensa ao art. 37, §6°, da CF, uma vez que o dano fora praticado por policial que se

57 Os Ministros Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Carlos Britto acompanharam o voto do relator. O processo encontra-se sob vista do Min. Eros Grau.

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encontrava fora de suas funções públicas. Seguindo o Relator, que retificou seu voto anterior, o STF

“considerou inexistente o nexo de causalidade entre o dano sofrido pela recorrida e a conduta de policial militar, já que o evento danoso não decorrera de ato administrativo, mas de interesse privado movido por sentimento pessoal do agente que mantinha relacionamento amoroso com a vítima. Asseverou-se que o art. 37 §6°. da CF exige, para a configuração da responsabilidade objetiva do Estado, que a ação causadora do dano a terceiro tenha sido praticada por agente público. nessa qualidade, não podendo o Estado ser responsabilizado senão quando o agente estatal estiver a exercer seu oficio ou função. ou a proceder como se estivesse a exercê-la. Entendeu-se, ainda, inadmissível a argüição de culpa, in vigilando ou in eligendo, como pressuposto para a fixação da responsabilidade objetiva estatal, que tem como requisito a prática de ato administrativo pelo agente público no exercício da função e o dano sofrido por terceiro. (Informativo n.370; RE 363423/SP, rel. Min. Carlos Britto, 16.11.2004)”.

Entretanto, como lembra Carvalho Filho, “havendo vinculação da conduta com a situação de agente público, o Estado será civilmente responsável”. Também o Supremo Tribunal Federal já decidiu:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATWO. RESPONSABILIDADE CWIL DO ESTADO. C.F., art. 37, § 6°. 1. - Agressão praticada por soldado, com a utilização de arma da corporação militar: incidência da responsabilidade objetiva do Estado, mesmo porque, não obstante fora do serviço, foi na condição de policial-militar que o soldado foi corrigir as pessoas. O que deve ficar assentado é que o preceito inscrito no art. 37, § 6°, da C.F., não exige que o agente público tenha agido no exercício de suas funções, mas na qualidade de agente público. II. - R.E. não conhecido. (RE 160.401-SP, rel. Min. Carlos Velloso, 20.4.99)”.

Este entendimento foi reiterado recentemente pela 2ª Turma do

STF, que “(...) deu provimento a recurso extraordinário interposto contra acórdão do tribunal de justiça local que, reconhecendo a responsabilidade civil objetiva do Estado do Ceará, condenara-o a indenizar família de policial de fato, morto em horário em que prestava serviço, ao fundamento de que o Poder Público, ao permitir tal situação, assumira os riscos conseqüentes, não importando os motivos do crime — v. Informativo 431. Considerou-se inexistente o nexo de causalidade entre a atividade de policial exercida pela vítima e sua morte, independentemente do fato daquela exercer a função de modo irregular. Asseverou-se que o agente causador do óbito era estranho aos quadros da Administração Pública e que cometera o delito motivado por interesse privado, decorrente de ciúme de sua ex-companheira. RE 341776/CE, rel. Min. Gilmar Mendes, 17.4.2007” (Informativo 463).

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4. PRESSUPOSTOS PARA RESPONSABILIZAÇÃO OBJETIVA DO ESTADO

A doutrina não costuma divergir ao apontar a existência de dano e o nexo causal entre aquele e o comportamento administrativo como pressupostos para a caracterização da responsabilidade objetiva do Estado. É importante, contudo, dissecar os demais elementos que se encontram contidos nessa singela enumeração dos pressupostos. (a) Existência de dano

É necessário alertar que a atuação estatal, mesmo lícita, pode acarretar dever de indenizar. Por exemplo, se decidir a Administração por fechar o centro da cidade a automóveis, surgirá o dever de indenizar os proprietários de edifícios ou lotes-garagem. Em caso de nivelamento de rua, surge o dever de indenizar os proprietários da casas acima ou abaixo do nível da rua.

O dano pode ser material (causa lesão ao patrimônio do indivíduo atingido) ou moral (atinge a esfera interna, moral e subjetiva do lesado, provocando-lhe dor)58. Mas o dano deve ser jurídico, e não meramente econômico59. Neste sentido o acórdão colacionado por Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery (Código Civil anotado, 2 ed., p. 174):

“O Estado terá o dever de indenizar o dano decorrente tanto de ação lícita quanto ilícita. No entanto, somente por dano jurídico será impositivo esse dever, não por mero dano econômico. A construção de ponte, acarretando prejuízo ao serviço de travessia do rio até então efetuado por embarcações, provoca dano econômico para aqueles que auferiam vantagem com esse serviço. Inexistindo, contudo, direito à prestação desse serviço por parte de empregados da empresa que o prestava, dano jurídico não se configura, o que afasta a imputada responsabilidade civil” (RT 779/3 28)

Para os casos de comportamento lícito do Estado, exige-se que

o dano seja especial - aquele que onera apenas um grupo de pessoas, e não a coletividade como um todo - e anormal - de tal monta que fuja dos inconvenientes diários que somos obrigados a tolerar para uma boa 58 A CF previu, em seu artigo 5°, incisos V e X, a figura do dano moral dissociada do dano material, reconhecendo sua autonomia. 59 No mesmo sentido a lição de Celso Antônio (2004, p.902): “o dano assim considerado pelo Direito, o dano ensanchador de responsabilidade, é mais que simples dano econômico. Pressupõe sua existência, mas reclama, além disso, que consista em agravo a algo que a ordem jurídica reconhece como garantido em favor de um sujeito. (...) por isso, a mudança de uma escola pública, de um museu, de um teatro, de uma biblioteca, de uma repartição, pode representar para comerciantes e profissionais instalados em suas imediações evidentes prejuízos, na medida em que lhes subtrai toda a clientela natural derivada dos usuários daqueles estabelecimentos transferidos. Não há dúvida de que os comerciantes e profissionais terão sofrido um dano patrimonial, inclusive o “ponto” ter-se-á destarte desvalorizado. Mas não haverá dano jurídico”.

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convivência social. Exemplifica Celso Antônio (2004, p.9O6): “Por essa razão descabe responsabilidade do Estado pela simples intensificação da poeira numa via pública objeto de reparação, inobstante tal fato provoque, como é natural, deterioração mais rápida da pintura dos muros das casas adjacentes. Idem com relação à transitória e breve interrupção da rua para conserto de canalizações, cujo efeito será obstar ao acesso de veículos às casas de seus proprietários, o que os obrigará, eventualmente, ao incômodo de alojá-los em outro sítio, com possíveis despesas geradas por isto”. (b) Nexo causal entre o dano e a conduta administrativa

Para a responsabilização, deve restar constatada a ocorrência de fato administrativo, de conduta da administração, comissiva ou omissiva. Ainda que o agente atue fora de suas atribuições, mas a título de exercê-las, o fato é tido como administrativo, pela má escolha do agente (culpa in eligendo) ou pela má fiscalização de sua conduta (culpa in vigilando). Como bem ensina Hely Lopes Meirelles (p.61), “O abuso no exercício das funções por parte do servidor não exclui a responsabilidade objetiva da Administração. Antes, a agrava, porque tal abuso traz ínsita a presunção de má escolha do agente público para a missão que lhe fora atribuída”.

Não obstante, deve haver um nexo causal entre o fato administrativo e o dano. Se o dano decorre de fato que não pode ser imputado à Administração, não cabe falar em indenização. Se o dano decorre de fato de terceiro ou de culpa exclusiva da vítima, por exemplo.

A pesquisa do liame causal entre fato e dano é objeto de estudo de três principais teorias. A teoria da equivalência das condições não faz distinção entre causa e condição, considerando que todas as condições que concorrem para um mesmo resultado têm um mesmo valor. Como explica Carlos Roberto Gonçalves (2004, p.69), “toda e qualquer circunstância que haja concorrido para produzir o dano é considerada uma causa. Sua equivalência resulta de que, suprimida uma delas, o dano não se verificaria”. A teoria é criticada por permitir uma regressão infinita na cadeia causal. A teoria da causalidade adequada, ao seu turno, considera como causa “o antecedente não só necessário, mas também adequado à produção do resultado. Logo, nem todas as condições serão causa, mas apenas aquela que for a mais apropriada a produzir o evento (...) o problema reside em saber qual, entre várias condições, será a adequada. Considera-se como tal aquela que, de acordo com a experiência comum, for a mais idônea para gerar o evento” (CAVALIERI FILHO, 2003, p.69). Por fim, a teoria dos danos diretos e imediatos, espécie de amálgama das anteriores, exige, como o nome diz, relação direta entre o dano e a causa. Segundo esta teoria, adotada no art.403 do Código Civil, “é indenizável todo dano que se filia a uma causa, desde que ela lhe seja causa necessária, por não existir outra que explique o mesmo dano. Quer a lei

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que o dano seja o efeito direto e imediato da inexecução (...) não é, portanto, indenizável o chamado “dano remoto”, que seria conseqüência indireta do inadimplemento” (GONÇALVES, 2004, p.71).

Com fundamento no ordenamento brasileiro, já assentou o STF que "a teoria adotada quanto ao nexo de causalidade é a teoria do dano direto e imediato, também denominada teoria da interrupção do nexo causal, que, sem quaisquer considerações de ordem subjetiva, afasta os inconvenientes das outras duas teorias existentes: a da equivalência das condições e a da causalidade adequada. Essa teoria, como bem demonstra Agostinho Alvim ("Da Inexecução das Obrigações", 5ª ed., nº 226, pág. 370, Ed. Saraiva, São Paulo, 1980), só admite o nexo de causalidade quando o dano é efeito necessário de uma causa, o que abarca o dano direto e imediato sempre, e, por vezes, o dano indireto e remoto, quando, para a produção deste, não haja concausa sucessiva. Daí, dizer Agostinho Alvim (1. c): "os danos indiretos ou remotos não se excluem, só por isso; em regra, não são indenizáveis, porque deixam de ser efeito necessário, pelo aparecimento de concausas. Suposto não existam estas, aqueles danos são indenizáveis." (369820/RS Rel. Min. Carlos Velloso, noticiado no Informativo 329).

Sobre a existência e caracterização do nexo causal, é ilustrativa a jurisprudência do STF sobre indenização devida a vítimas de homicídios perpetrados por marginais fugitivos de penitenciárias. O STF reconhece a responsabilidade do Estado, mas a elide quando já se tenham passado “meses” da fuga, por falta de nexo causal. Vejamos:

“Não ofende o § 6°, do art. 37 da CF (“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.”) acórdão que reconhece o direito de indenização a herdeiros de vítima de homicídio praticado por detento logo após sua fuga. Com base nesse entendimento e afirmando a responsabilidade objetiva do Estado, tendo em vista a existência de nexo de causalidade entre a falha do sistema de vigilância do Estado e o dano sofrido, a Turma manteve acórdão que responsabilizara o Estado do Rio de Janeiro pela morte da vítima” (RE 136.247-RJ, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 20.6.2000, noticiado no Informativo 194). “Por ofensa ao art. 37, § 6°, da CF (“As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviço público responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros,...”), a Turma reformou acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, que julgara procedente ação indenizatória movida contra o Estado por viúva de vítima de homicídio praticado por detento, meses após sua fuga da prisão. Inexistência de nexo de causalidade entre a falha do sistema de vigilância do Estado e o dano sofrido”. (RE 184.118-RS, rel. MIN.

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ILMAR GALVÃO, 05/05/98, noticiado no Informativo 109).

Enfim, reconhecidos os pressupostos (dano e nexo causal), temos que a defesa do Estado, na ação de indenização, só pode procurar descaracterizá-los: inexistência de fato administrativo, de dano ou de nexo causal.

Por último, é relevante anotar que de acordo com a jurisprudência prevalecente no Supremo Tribunal Federal (AI 455846, Rel. Mm. Celso de Mello em 11.10.04), os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público são: (a) a alteridade (distinção, especialidade) do dano; (b) a causalidade material entre o eventus damni e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público; (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público, que, nessa condição funcional, tenha incidido, como na espécie, em conduta comissiva, independentemente da licitude, ou não, do seu comportamento funcional (RTJ 140/63 6); e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal (RTJ 55/503 - RTJ 71/99 -RTJ91/377-RTJ99/1155 -RTJ 131/417). 5. CAUSAS ATENUANTES E EXCLUDENTES DA RESPONSABILIDADE DO ESTADO

Como foi dito, o reconhecimento da teoria da responsabilidade objetiva não significa ser o Estado responsável por qualquer dano que sofra particular. A vida é repleta de riscos, bem como a atividade econômica. Não se adota a chamada teoria do risco integral8 no direito brasileiro. (a) Participação do lesado

O reconhecimento da teoria da responsabilidade objetiva não

significa ser o Estado responsável por qualquer dano que sofra particular. A vida é repleta de riscos, bem como a atividade econômica. Não se adota a chamada teoria do risco integral60 no direito brasileiro.

Cabe perquirir do comportamento da vítima no episódio que lhe provocou o dano. A culpa concorrente do lesado atenua a responsabilidade do Estado; a culpa exclusiva elimina qualquer sanção contra o ente estatal. Analisando a possibilidade de existência de concausas, Celso Antônio (2004, p.907) esclarece que “Pode ocorrer que o dano resulte de dupla causação. Hipóteses haverá em que o evento

60 Para a teoria do risco integral, segundo HLM (Op. cit., p.558), “modalidade extremada da doutrina do risco administrativo, abandonada na prática, por conduzir ao abuso e à iniqüidade social”, “(...) a Administração ficaria obrigada a indenizar todo e qualquer dano suportado por terceiros , ainda que resultante de culpa ou dolo da vítima”.

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lesivo seja fruto de ação conjunto do Estado e do lesado, concorrendo ambos para a geração do resultado danoso. Ainda aqui não haverá falar em excludente da responsabilidade estatal. Haverá, sim, atenuação do quantum indenizatório, a ser decidido na proporção em que cada qual haja participado para a produção do evento”.

Jose dos Santos Carvalho Filho traz interessante precedente, em que um semáforo defeituoso contribuiu para um acidente automobilístico, ficando, entretanto, provado que os motoristas envolvidos trafegavam com excesso de velocidade; caracterizada a culpa concorrente, só tiveram direito a indenização parcial61. Aplica-se o sistema de compensação de culpas, advindo do direito civil. Neste sentido o artigo 945 do novo Código Civil62. (b) Atos praticados por terceiros

O Estado pode ser civilmente responsabilizado, de acordo com a Constituição Federal, por atos praticados por seus agentes, nessa qualidade. Como bem esclarece Hely Lopes Meirelles (p.566), “o legislador constituinte cobriu só o risco administrativo da atuação ou inação dos servidores públicos; não responsabilizou objetivamente a Administração por atos predatórios de terceiros, nem por fenômenos naturais que causem danos aos particulares. Para a indenização destes atos e fatos estranhos à atividade administrativa observa-se o princípio geral da culpa civil, manifestada pela imprudência, negligência ou imperícia na realização do serviço público que causou ou ensejou o dano. Daí porque a jurisprudência, mui acertadamente, tem exigido a prova da culpa da Administração nos casos de depredação por multidões e de enchentes e vendavais que causem danos aos particulares”. Nestes casos, como se verá, à ocorrência do fato deverá somar-se a omissão específica da Administração.

(c) Fatos imprevisíveis

Podem ocorrer ferimentos ao patrimônio do particular em

decorrência de acontecimentos imprevisíveis, não imputáveis ao Estado. São os institutos do caso fortuito e força maior. Orlando Gomes agrupa as duas hipóteses sobre a rubrica acaso, ensinando que "todo o esforço empregado pela doutrina para bifurcar o acaso resultou numa confusão, que hoje se procura evitar, ou mesmo contornar, eliminando-a pura e simplesmente, atenta a circunstância de que é o mesmo o efeito atribuído pela lei"63.

61 Op. cit., p. 439. 62 Art. 945. Se a vítima tiver concorrido culposamente para o evento danoso, a sua indenização será fixada tendo-se em conta a gravidade de sua culpa em confronto com a do autor do dano. 63 Obrigações, p. 158-9.

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O Código Civil brasileiro, em seu art.393, parágrafo único, não distingue entre caso fortuito e força maior: “O caso fortuito ou e força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar, ou impedir”. Segundo Carlos Roberto Gonçalves (2003, p.127) “o caso fortuito geralmente decorre de ato ou fato alheio à vontade das partes: greve, motim, guerra. Força maior é a derivada de acontecimentos naturais: raio, inundação, terremoto”.

São fatos que estão fora do alcance de previsão das pessoas e, portanto, em princípio, excluem a responsabilidade do Estado. Entretanto, pode ocorrer que a um fenômeno imprevisível venha se somar a ação ou omissão culposa do Estado (que deixou de tomar alguma providência necessária, por exemplo) e nesse caso teremos concausas, havendo apenas a mitigação da responsabilidade estatal.

É o que se verifica na queda de árvores sobre carros estacionados em perímetro público, em decorrência das chuvas. É comum que à ocorrência de grandes chuvas some-se a omissão estatal no cuidado com as árvores, causando sua queda. O mesmo ocorre no caso de entupimento de bueiros e deslizamentos em encostas. Também cabe colacionar o exemplo de atos praticados por multidões. É bastante comum haver depredações de propriedade particular por grupos em protesto. Em princípio, trata-se de ato praticado por terceiros. Entretanto, as peculiaridades de cada caso podem demonstrar que o Estado poderia ter evitado o acontecimento. Sua omissão culposa permitiu que ele ocorresse ou potencializou seus efeitos. E então haverá responsabilidade parcial.

Carvalho Filho traz à colação o seguinte julgado do TJ-RJ: "Responsabilidade Civil do Poder Público - Revolta da População - Bomba - Culpa. Para obter a indenização contra o Estado por ter o autor sido atingido por uma bomba durante incidentes de revolta da população pela majoração das passagens de ônibus, necessária se faz a comprovação da culpa do Estado no fato" (Ap. Cível 454/90, 6ª Câmara Cível, Rel. Des. Pestana de Aguiar, julgado em 19/3/1991).

Essas questões serão esclarecidas com maior cuidado a seguir, no trato da Responsabilidade por omissão estatal.

6. RESPONSABILIDADE CIVIL POR CONDUTAS OMISSIVAS

Quando a conduta estatal for omissiva, nem sempre haverá

responsabilização do Estado. Ela só ocorrerá se houver culpa, caracterizada por descumprimento de dever legal de agir, impedindo a consumação do dano.

Como bem explica Celso Antônio Bandeira de Mello, “o Estado só responde por omissões quando deveria atuar e não atuou, vale dizer: quando descumpre o dever legal de agir. Em uma palavra: quando se comporta ilicitamente ao abster-se (...) A responsabilidade por omissão é

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responsabilidade por comportamento ilícito. E é responsabilidade subjetiva, porquanto supõe dolo ou culpa em suas modalidades de negligência, imperícia ou imprudência, embora possa tratar-se de uma culpa não individualizável na pessoa de tal ou qual funcionário, mas atribuída ao serviço estatal genericamente. É a culpa anônima ou faute de service dos franceses, entre nós traduzida por 'falta de serviço'. É que, em caso de ato omissivo do poder público, o dano não foi causado pelo agente público. E o dispositivo constitucional instituidor da responsabilidade objetiva do poder público, art. 107 da CF anterior, art. 37, § 6º, da CF vigente, refere-se aos danos causados pelos agentes públicos, e não aos danos não causados por estes, 'como os provenientes de incêndio, de enchentes, de danos multitudinários, de assaltos ou agressões que alguém sofra em vias e logradouros públicos, etc.' Nesses casos, certo é que o poder público, se tivesse agido, poderia ter evitado a ação causadora do dano. A sua não ação, vale dizer, a omissão estatal, todavia, se pode ser considerada condição da ocorrência do dano, causa, entretanto, não foi. A responsabilidade em tal caso, portanto, do Estado, será subjetiva”. ('Curso de Direito Administrativo', Malheiros Ed. 5º ed., pp. 489 e segs.)

Estas lições têm sido aceitas pelo Supremo Tribunal Federal, que tem caracterizado a responsabilidade estatal por omissão como subjetiva:

“CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL DAS PESSOAS PÚBLICAS. ATO OMISSIVO DO PODER PÚBLICO: LATROCÍNIO PRATICADO POR APENADO FUGITIVO. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA: CULPA PUBLICIZADA: FALTA DO SERVIÇO. C.F., art. 37, § 6º. I. - Tratando-se de ato omissivo do poder público, a responsabilidade civil por tal ato é subjetiva, pelo que exige dolo ou culpa, esta numa de suas três vertentes, a negligência, a imperícia ou a imprudência, não sendo, entretanto, necessário individualizá-la, dado que pode ser atribuída ao serviço público, de forma genérica, a falta do serviço. II. - A falta do serviço (faute du service dos franceses) não dispensa o requisito da causalidade, vale dizer, do nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao poder público e o dano causado a terceiro. III. - Latrocínio praticado por quadrilha da qual participava um apenado que fugira da prisão tempos antes: neste caso, não há falar em nexo de causalidade entre a fuga do apenado e o latrocínio. Precedentes do STF: RE 172.025/RJ, Ministro Ilmar Galvão, "D.J." de 19.12.96; RE 130.764/PR, Relator Ministro Moreira Alves, RTJ 143/270. IV. - RE conhecido e provido. (RE 369820 Relator Min. CARLOS VELLOSO julgado em 04.11.2003).

Em recentes pronunciamentos, o mesmo STF delimita com exatidão

a área de responsabilidade do Estado por condutas omissivas (falta de fiscalização e vigilância), como se percebe da leitura de alguns excertos do Informativo do STF:

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“A Turma negou provimento a recurso extraordinário no qual se pretendia, sob a alegação de ofensa ao art. 37, § 6º, da CF, a reforma de acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Norte que, entendendo caracterizada na espécie a responsabilidade objetiva do Estado, reconhecera o direito de indenização devida a filho de preso assassinado dentro da própria cela por outro detento. A Turma, embora salientando que a responsabilidade por ato omissivo do Estado caracteriza-se como subjetiva — não sendo necessária, contudo, a individualização da culpa, que decorre, de forma genérica, da falta do serviço —, considerou presente, no caso, o nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao Poder Público e o dano, por competir ao Estado zelar pela integridade física do preso. Precedentes citados: RE 81602/MG (RTJ 77/601), RE 84072/BA (RTJ 82/923)”. (RE 372472/RN, rel. Min. Carlos Velloso, 4.11.2003, noticiado no Informativo n.329).

“Por entender ausente o nexo de causalidade entre a ação omissiva atribuída ao Poder Público e o dano causado a particular, a Turma conheceu e deu provimento a recurso extraordinário para, reformando acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, afastar a condenação por danos morais e materiais imposta ao mesmo Estado, nos autos de ação indenizatória movida por viúva de vítima de latrocínio praticado por quadrilha, da qual participava detento foragido da prisão há 4 meses. A Turma, assentando ser a espécie hipótese de responsabilidade subjetiva do Estado, considerou não ser possível o reconhecimento da falta do serviço no caso, uma vez que o dano decorrente do latrocínio não tivera como causa direta e imediata a omissão do Poder Público na falha da vigilância penitenciária, mas resultara de outras causas, como o planejamento, a associação e própria execução do delito, ficando interrompida, portanto, a cadeia causal. Precedentes citados: RE 130764/PR (RTJ 143/270), RE 172025/RJ (DJU de 19.12.96) e RE 179147/SP (RTJ 179/791)”. (RE 369820/RS, rel. Min. Carlos Velloso, 4.11.2003. noticiado no Informativo n.329).

No mesmo sentido o seguinte aresto do Tribunal de Justiça do Estado de

São Paulo: "Furto de carro estacionado na via pública durante a noite. Responsabilidade subjetiva do Estado. Não demonstrada. Inexiste o dever do Estado de indenizar o proprietário de veículo furtado, que estava estacionado livremente, à noite, na via pública. A omissão, que enseja a responsabilidade subjetiva, traduz-se no que se denomina faute du service, quando o Poder Público devia agir e não agiu, agiu mal ou tardiamente. Tal só ocorreria se o veículo estivesse sob a sua guarda, acobertado e fiscalizado por agentes

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públicos, como nas chamadas 'zonas azuis'". (TJSP, 3ª Câmara, AC 074607-5/5-00, rel. Des. Rui Stoco, j. 26.07.2000).

Carvalho Filho lembra a hipótese de descumprimento de ordem

judicial, ou retardamento em seu cumprimento, inclusive trazendo o seguinte precedente do STF:

Responsabilidade Civil do Estado e Omissão A Turma, entendendo não caracterizada na espécie a alegada ofensa ao art. 37, § 6º, da CF, e afirmando a responsabilidade objetiva do Estado, manteve acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Paraná que reconhecera o direito de particular à indenização, pelo Estado, por danos causados em sua propriedade em face de invasão por membros do movimento dos sem-terra, ante o descumprimento da ordem judicial que determinara à polícia militar estadual o reforço no policiamento da área invadida (...). RE 283.989-PR, rel. Min. Ilmar Galvão, 11.9.2001.

7. RESPONSABILIDADE POR ATOS LEGISLATIVOS Segundo Carvalho Filho, legislar constitui uma das atividades

estruturais do Estado, ato que espelha o exercício da soberania estatal. Assim, em regra, a edição de leis (mesmo que contrárias aos interesses de grupos sociais e indivíduos) não tem o condão de acarretar danos indenizáveis aos membros da coletividade, até pelo caráter genérico e abstrato do ato normativo e pelo fato de que a lei nova não poderá alcançar o direito adquirido nem o ato jurídico perfeito (CF 5º XXXVI).

Hely Lopes Meirelles, com a habitual percuciência, indaga: “Onde, portanto, o fundamento para a responsabilização da Fazenda Pública se é a própria coletividade que investe os elaboradores da lei na função legislativa e nenhuma ação disciplinar têm os demais Poderes sobre agentes políticos?”64

O acima exposto aplica-se, claro, à hipótese de legislar o Estado em estrita observância aos mandamentos constitucionais. A edição de leis inconstitucionais dará ensejo a indenizações, se comprovado o efetivo dano e após seja a lei declarada inconstitucional pelo órgão competente para tanto. Registre-se a opinião contrária de HLM.

Leis de efeitos concretos podem gerar prejuízos que devem ser indenizados. Por exemplo, lei que crie reserva florestal. O proprietário da área faz jus à indenização.

64 Op. cit., p.563-4.

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8. RESPONSABILIDADE POR ATOS JUDICIAIS Trata-se aqui da responsabilidade por atos tipicamente judiciais, é

dizer, decisões. Quanto aos atos de natureza administrativa praticados por juiz, aplica-se o que foi dito sobre os atos administrativos em geral.

Em princípio, também o ato jurisdicional (uma sentença, por exemplo) é reflexo da soberania estatal, dela não advindo possibilidade de responsabilização do Estado.

O artigo 133 do CPC prevê a possibilidade do juiz responder por perdas e danos quando proceda dolosamente no exercício de suas funções ou quando omita ou retarde, sem justo motivo, providência que deva ordenar de ofício ou a requerimento da parte.

Sendo o juiz um agente do Estado, será o ente estatal chamado a responder, sendo-lhe garantido o direito de regresso.

O artigo 5º, LXXV da CF prevê a possibilidade de indenização ao "condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença", disposição que JSCF entende como a consagração constitucional da previsão de indenização na revisão criminal (630 CPP). Ao tratar de erro, o artigo parece dirigir-se a condutas culposas. Caso se trate de ato civil, que cause prejuízos à parte, entende deve o prejudicado lançar mão dos recursos e meios judiciais de irresignação.

É firme a jurisprudência do STF no sentido de que “a responsabilidade objetiva do Estado não se aplica aos atos dos juízes, a não ser nos casos expressamente declarados em lei” (AI 486143 AgR, Rel. Min.Carlos Velloso, em 21.09.2004).Com o mesmo fundamento,o STF já “conheceu de recurso extraordinário do Estado do Paraná e lhe deu provimento para reformar acórdão do Tribunal de Justiça estadual, que reconhecera o direito de indenização a adquirente de imóvel com base no presumido error in judicando do juiz que anulara a venda do bem por fraude à execução - já que o mesmo era objeto de penhora -, cuja penhora não havia sido arquivada no cartório de registro de imóveis, sem prova da má-fé do adquirente”. (RE 219.117-PR, rel. Min. Ilmar Galvão, 3.8.99, noticiado no Informativo n. 156)

Em outro julgamento, apreciando ação de indenização por danos morais proposta por prefeito contra juiz, com base nos termos usados em decisão prolatada em ação popular e em discurso proferido publicamente, o STF reconheceu a ilegitimidade passiva do magistrado demandado, já que a ação deveria ter sido proposta contra o Estado. O acórdão referente ficou assim redigido:

“Recurso extraordinário. Responsabilidade objetiva. Ação reparatória de dano por ato ilícito. Ilegitimidade de parte passiva. 2. Responsabilidade exclusiva do Estado. A autoridade judiciária não tem responsabilidade civil pelos atos jurisdicionais praticados. Os magistrados enquadram-se na espécie agente político, investidos

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para o exercício de atribuições constitucionais, sendo dotados de plena liberdade funcional no desempenho de suas funções, com prerrogativas próprias e legislação específica. 3. Ação que deveria ter sido ajuizada contra a Fazenda Estadual - responsável eventual pelos alegados danos causados pela autoridade judicial, ao exercer suas atribuições -, a qual, posteriormente, terá assegurado o direito de regresso contra o magistrado responsável, nas hipóteses de dolo ou culpa. 4. Legitimidade passiva reservada ao Estado. Ausência de responsabilidade concorrente em face dos eventuais prejuízos causados a terceiros pela autoridade julgadora no exercício de suas funções, a teor do art. 37, § 6º, da CF/88. 5. Recurso extraordinário conhecido e provido”. (RE 228.977-SP, rel. Min. Néri da Silveira, 5.3.2002).

Em julgamento recente, o STF apreciou o caso de reitor de

Universidade Federal que, preso preventivamente, fora denunciado por peculato doloso consistente na suposta apropriação de remuneração paga a servidores-fantasmas inseridos na folha de pagamento da instituição. O extinto Tribunal Federal de Recursos - TFR mantivera a sentença de 1º grau que desclassificara a imputação para o delito de peculato culposo mas o TCU, posteriormente, em tomada de contas especial, eximira o recorrido e o vice-reitor de toda responsabilidade pelo episódio, o que ensejara, por parte deste último, pedido de revisão criminal que, deferido pela Corte a quo, absolvera-o. Em conseqüência disso, o ex-reitor propusera, então, ação ordinária de indenização por danos morais, decorrentes não apenas da condenação, desconstituída em revisão criminal, mas também da custódia preventiva. Alegava-se, na espécie, contrariedade ao art. 5º, LXXV, da CF (“o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como que ficar preso além do tempo fixado na sentença;”). O Supremo entendeu

“(...) que se trataria de responsabilidade civil objetiva do Estado. Aduziu-se que a constitucionalização do direito à indenização da vítima de erro judiciário e daquela presa além do tempo devido (art. 5º, LXXV), reforçaria o que já disciplinado pelo art. 630 do CPP (“O tribunal, se o interessado o requerer, poderá reconhecer o direito a uma justa indenização pelos prejuízos sofridos.”), elevado à garantia individual. No ponto, embora se salientando a orientação consolidada de que a regra é a irresponsabilidade civil do Estado por atos de jurisdição, considerou-se que, naqueles casos, a indenização constituiria garantia individual, sem nenhuma menção à exigência de dolo ou de culpa do magistrado, bem como sem o estabelecimento de pressupostos subjetivos à responsabilidade fundada no risco administrativo do art. 37, § 6º, da CF. Salientou-se, ainda, que muito se discute hoje sobre o problema da prisão preventiva indevida e de outras hipóteses de

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indenização por decisões errôneas ou por faute de service da administração da Justiça, as quais não se encontram expressamente previstas na legislação penal. Vencido o Min. Ricardo Lewandowski que fazia ressalvas à plena adoção da tese da responsabilidade objetiva do Estado no tocante a revisões criminais, em especial, nas ajuizadas com base no inciso III do art. 621 do CPP (“Art. 621. A revisão dos processos findos será admitida:... III - quando, após a sentença, se descobrirem novas provas de inocência do condenado ou de circunstância que determine ou autorize diminuição especial da pena.”). RE 505393/PE, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 26.6.2007. Noticiado no Informativo n. 473.

9. REPARAÇÃO DO DANO

(a) Indenização e prescrição

A indenização é o montante pecuniário que traduz a reparação do dano, dos prejuízos oriundos do ato lesivo. Deve recompor integralmente seu patrimônio (danos e lucros cessantes, acrescidos, se for o caso, de juros de mora e correção monetária). Pode ser feita administrativamente, em processo administrativo no qual seja pleiteada a indenização. Após acertamento do devido, através de produção de provas, poder-se-á inclusive chegar a ajuste, sendo pago o valor acordado.

Não havendo acordo, pode o lesado propor ação judicial de indenização. O direito a indenização é de natureza pessoal. Prescreve em cinco anos o direito de propor a ação respectiva (art. 1º do Dec. lei 20.910/32), contados a partir do fato danoso (quando o responsável pelo fato for agente de entidade de direito público - União, Estados, Distrito Federal, Municípios e suas autarquias e fundações de direito público).

Este prazo também vale para os entes de direito privado prestadores de serviços públicos por ampliação decorrente da L9494/97, alterada pela MP 2.180-35/2001, artigo 1º-C:

Art. 1o-C. Prescreverá em cinco anos o direito de obter indenização dos danos causados por agentes de pessoas jurídicas de direito público e de pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos.

O novo Código Civil reduziu consideravelmente os prazos

prescricionais. O prazo geral de prescrição caiu para dez anos (art. 205). E, no particular, o art. 206, §3º, V fixa prazo de três anos para a prescrição da pretensão de reparação civil. Carvalho Filho entende o preceito extensível aos entes públicos e privados prestadores de serviço público.

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(b) Pólo passivo da ação

A ação, para JSCF, pode ser dirigida tanto contra a pessoa estatal quanto em face do agente estatal, sendo, neste último caso, subjetiva a responsabilidade. Segundo o autor, a Constituição Federal teria dado ao lesado a possibilidade de escolher o pólo passivo da demanda, por ser a parte mais fraca. Pode ainda acionar ambos, em litisconsórcio facultativo. De acordo com Celso Antônio (2004, p.917), “a vítima pode propor ação de indenização contra o agente, contra o Estado, ou contra ambos, como responsáveis solidários (litisconsórcio facultativo), nos casos de dolo ou culpa”.

José Afonso da Silva, ao seu turno, em sua obra "Curso de Direito Constitucional Positivo", (14ª ed., pág. 620), ensina:

"Responsabilidade civil significa a obrigação de reparar os danos ou prejuízos de natureza patrimonial (e, às vezes, moral) que uma pessoa cause a outrem. (...) A obrigação de indenizar é da pessoa jurídica a que pertencer o agente. O prejudicado há que mover a ação de indenização contra a Fazenda Pública respectiva ou contra a pessoa jurídica privada prestadora de serviço público, não contra o agente causador do dano. O princípio da impessoalidade vale aqui também (...) O terceiro prejudicado não tem que provar que o agente procedeu com culpa ou dolo, para lhe correr o direito ao ressarcimento dos danos sofridos. A doutrina do risco administrativo isenta-o do ônus de tal prova, basta comprove o dano e que este tenha sido causado por agente da entidade imputada. A culpa ou dolo do agente, caso haja, é problema das relações funcionais que escapa à indagação do prejudicado. Cabe à pessoa jurídica acionada verificar se seu agente operou culposa ou dolosamente para o fim de mover-lhe ação regressiva assegurada no dispositivo constitucional, visando a cobrar as importâncias despendidas com o pagamento da indenização. Se o agente não se houve com culpa ou dolo, não comportará ação regressiva contra ele, pois nada tem de pagar."

O Supremo Tribunal Federal, contudo, entendeu em sentido diverso:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO. ADMINISTRATIVO. ESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO: § 6º DO ART. 37 DA MAGNA CARTA. ILEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM. AGENTE PÚBLICO (EX-PREFEITO). PRÁTICA DE ATO PRÓPRIO DA FUNÇÃO. DECRETO DE INTERVENÇÃO. O § 6º do artigo 37 da Magna Carta autoriza a proposição de que somente as pessoas jurídicas de direito público, ou as pessoas jurídicas de direito privado que prestem serviços públicos, é que poderão responder, objetivamente, pela reparação de danos a terceiros. Isto por ato ou omissão dos respectivos agentes, agindo estes na qualidade de agentes

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públicos, e não como pessoas comuns. Esse mesmo dispositivo constitucional consagra, ainda, dupla garantia: uma, em favor do particular, possibilitando-lhe ação indenizatória contra a pessoa jurídica de direito público, ou de direito privado que preste serviço público, dado que bem maior, praticamente certa, a possibilidade de pagamento do dano objetivamente sofrido. Outra garantia, no entanto, em prol do servidor estatal, que somente responde administrativa e civilmente perante a pessoa jurídica a cujo quadro funcional se vincular. Recurso extraordinário a que se nega provimento. (RE 327904/SP, rel. Min. Carlos Britto, 15.8.2006)

Proposta a ação em face do Estado, discute-se se deve ou pode ele

denunciar a lide (art. 70, III CPC) ao servidor que provocou o dano. O dispositivo legal determina que seja denunciada a lide "àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda". A literalidade do dispositivo leva parte da doutrina a entender como obrigatória a denunciação.

Outros entendem ser facultativa a denunciação, que poderá ou não ser feita. Caso o Estado considere mais conveniente, poderá acionar depois o servidor, em ação autônoma. De acordo com a jurisprudência predominante no STJ, “da análise do artigo 37, § 6º, da Constituição Federal, conclui-se que buscou o constituinte, ao assegurar ao Estado o direito de regresso contra o agente público que, por dolo ou culpa, cause danos a terceiros, garantir celeridade à ação interposta, com fundamento na responsabilidade objetiva do Estado. Dessarte, ainda que, a teor do que dispõe o artigo 70, III, do CPC, seja admitida a denunciação da lide em casos como tais, não é ela obrigatória. A anulação do feito baseada no indeferimento da denunciação da lide ofenderia a própria finalidade do instituto, que é garantir a economia processual na entrega da prestação jurisdicional”. (ERESP 128051 Rel. Min. FRANCIULLI NETTO (1117) Órgão Julgador 1ª turma Data do Julgamento 25/06/2003);

O mesmo STJ já decidiu, no mesmo sentido, que “a denunciação da lide só é obrigatória em relação ao denunciante que, não denunciando, perderá o direito de regresso, mas não está obrigado o julgador a processá-la, se concluir que a tramitação de duas ações em uma só onerará em demasia uma das partes, ferindo os princípios da economia e da celeridade na prestação jurisdicional. A denunciação da lide ao agente do Estado em ação fundada na responsabilidade prevista no art. 37, § 6º, da CF/88 não é obrigatória, vez que a primeira relação jurídica funda-se na culpa objetiva e a segunda na culpa subjetiva, fundamento novo não constante da lide originária. Não perde o Estado o direito de regresso se não denuncia a lide ao seu preposto” (RESP 620829 Rel. Min. LUIZ FUX Órgão Julgador 1ª turma Data do Julgamento 21/10/2004).

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Calha ainda transcrever os seguintes julgados daquela Corte:

STJ: RESP 235182 / RJ DJ de 28/02/2000 Rel. Min. JOSÉ DELGADO PROCESSUAL CIVIL. ACIDENTE DE TRÂNSITO. INDENIZAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DENUNCIAÇÃO À LIDE DO MOTORISTA DA VIATURA ABALROADA. DESNECESSIDADE, EM FACE DOS PRINCÍPIOS DA ECONOMIA E CELERIDADE PROCESSUAIS. PRECEDENTES. AÇÃO REGRESSIVA GARANTIDA. 1. Ação movida no intuito de reivindicar da União indenização por acidente de trânsito provocado por viatura militar. 2. Sentença de primeiro grau que, em decisão preliminar, excluiu da lide o passageiro e não aceitou a denunciação à lide do motorista do veículo abalroado. 3. A responsabilidade pelos atos por eles praticados quando em serviço ativo - o que jamais foi negado pela União - é imputada ao Poder Público do qual são agentes, dado o princípio da despersonalização dos atos administrativos. Tem-se, pois, por incabível a denunciação à lide, uma vez que, sendo a responsabilidade da União objetiva, independe da aferição de existência de culpa ou não, por parte de seus agentes. 4. A jurisprudência desta Corte Superior tem enveredado pela esteira de que "embora cabível e até mesmo recomendável a denunciação à lide de servidor público causador de dano decorrente de acidente de veículo, uma vez indeferido tal pedido, injustificável se torna, em sede de recurso especial, a anulação do processo para conversão do rito sumário em ordinário e admissão da denunciação, em atenção aos princípios da economia e celeridade processuais" (REsp nº 197374/MG, Rel. Min. Garcia Vieira), além de que "em nome da celeridade e da economia processual, admite-se e se recomenda que o servidor público, causador do acidente, integre, desde logo, a relação processual. Entretanto, o indeferimento da denunciação da lide não justifica a anulação do processo" (REsp nº 165411/ES, Rel. Min. Garcia Vieira) e, por fim, que "os princípios da economia e da celeridade podem justificar a não anulação parcial do processo onde indevidamente não se admitiu denunciação da lide (CPC, art. 70, III), ressalvado ao denunciante postular seus eventuais interesses na via autônoma." (REsp nº 11599/RJ, Rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira). 6. Recurso improvido. STJ: AGA 396230/BA Rel. Min. PAULO MEDINA DJ de 11/03/2002 PROCESSUAL CIVIL - AGRAVO DE INSTRUMENTO - ART. 70, INC. III, DO C.P.C. - AÇÃO DE INDENIZAÇÃO - RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO - DENUNCIAÇÃO À LIDE DO AGENTE PÚBLICO PRETENSAMENTE CAUSADOR DO DANO - DESNECESSIDADE - TEORIA OBJETIVA ABARCADA PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Tendo a Constituição Federal abarcado a teoria objetiva da responsabilidade, todo dano ocasionado ao particular, por servidor público, há de ser ressarcido, independentemente da existência de dolo ou culpa deste. Assim, pela via oblíqua, forçoso é de se concluir que a denunciação à lide, in casu, embora recomendável, é desnecessária à satisfação do

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direito do prejudicado, e não afasta a possibilidade de o denunciante requerer o direito alegado, posteriormente, na via própria, haja vista não ter o art. 70, inc. III, do Estatuto Processual Civil, norma do direito instrumental, o poder de aniquilar o próprio direito material. Precedentes. Agravo regimental improvido.

Por fim, existem aqueles que entendem não poder haver

denunciação da lide, baseados principalmente na diferença de fundamentos dos pedidos. O Estado responde objetivamente; seu servidor, apenas subjetivamente (dolo ou culpa). É que, caso admita-se a denunciação, neste caso, estar-se-á frustrando o direito que a Constituição outorgou ao lesado (visando celeridade e economia processual); ele deverá aguardar a solução processual da lide entre Estado e servidor. A posição recebe a adesão de Hely Lopes Meirelles, Celso Antônio e Carvalho Filho. Maria Sylvia di Pietro, ao seu turno, seguindo a lição de Yussef Sahid Cahali, entende que não cabível a denunciação quando a ação fundar-se na culpa anônima do serviço ou apenas na responsabilidade objetiva decorrente do risco (2004, p.561). Há precedentes do STJ que abrigaram a tese, entendendo que a denunciação é incabível quando implicar em atraso do feito:

STJ: RESP 433442 / SP DJ 25/11/2002 Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA PROCESSUAL CIVIL. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. ANULAÇÃO DE ESCRITURA. CARTÓRIO. ESTADO. INADMISSIBILIDADE. Não se admite a denunciação da lide pretendida com base no inciso III do art. 70 do Código de Processo Civil, se o seu desenvolvimento depender da realização de outras provas além daquelas que serão produzidas em razão da própria necessidade instrutória do feito principal, em face da introdução de elemento novo. Recurso não conhecido. STJ: RESP 299108 / RJ Rel. Min. CESAR ASFOR ROCHA DJ 08/10/2001 PROCESSUAL CIVIL. DENUNCIAÇÃO DA LIDE. INADMISSIBILIDADE. Não se admite a denunciação da lide pretendida com base no inciso III do art. 70 do Código de Processo Civil se o seu desenvolvimento importar, como no caso, na necessidade de o denunciado invocar fato novo ou fato substancial distinto do que foi veiculado na defesa da demanda principal, como no caso, não estando o direito de regresso comprovado de plano, nem dependendo apenas da realização de provas que seriam produzidas em razão da própria necessidade instrutória do feito principal. Recurso não conhecido.

10. A AÇÃO DE REGRESSO Quando caracterizado o dolo ou culpa do servidor, pode o Estado

ressarcir-se da indenização que teve que pagar ao lesado, através do direito de regresso.

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Pode haver solução na esfera administrativa. Caso não haja acordo, pode ser intentada a ação judicial. Incumbe ao Estado o ônus de provar o dolo ou culpa do agente (CPC 333, I). Discute-se o momento da propositura da ação de regresso.

É que a Lei Federal 4619/65 dispõe que deve ser proposta a ação em até 60 dias a contar da data do trânsito em julgado da sentença condenatória. O artigo 306, §2º da Lei 10460/88 (Estatuto dos Funcionários Civis do Estado de Goiás) prevê que "Tratando-se de dano causado a terceiro65, responderá o funcionário perante a Fazenda Pública Estadual, em ação regressiva, proposta depois de transitar em julgado a decisão de última instância que houver condenado a Fazenda a indenizar o terceiro prejudicado". Não há prazo expresso previsto.

Celso Antônio Bandeira de Mello (2004, p.916) enumera como requisitos necessários à propositura da ação de regresso:

(a) condenação da pessoa de direito público (ou pessoa privada prestadora de serviço público) a indenizar terceiro por ato lesivo do agente; e (b) o agente responsável haja se comportado com dolo ou culpa.

Carvalho Filho, ao seu turno, entende que a ação só pode ser proposta após o efetivo pagamento da indenização (é o momento em que surge o prejuízo, que dá ensejo ao direito de regresso). Argumenta que pode ser que o lesado desista da indenização, e não haverá falar em regresso.

O STJ possui jurisprudência nos dois sentidos:

“DENUNCIAÇÃO DA LIDE. AÇÃO INDENIZATÓRIA. SERVIDOR PÚBLICO CULPADO. Admite-se a denunciação à lide, em ação de indenização movida contra o Estado, do servidor público culpado, podendo aquele executar a sentença sem ter que mover outra ação. Não é necessário o deslinde da ação indenizatória contra o Estado para que este venha a exercer seu direito de regresso contra o seu agente”. REsp 236.837-RS, Rel. Min. Garcia Vieira, julgado em 3/2/2000. ADMINISTRATIVO E CONSTITUCIONAL. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO. AÇÃO REGRESSIVA. DIES A QUO DE INCIDÊNCIA DO PRAZO PRESCRICIONAL: CONCRETO E EFETIVO PAGAMENTO, PELO ESTADO, DO VALOR A QUE FOI CONDENADO. Não há que se falar em ação regressiva sem o ocorrer de um dano patrimonial concreto e efetivo. A decisão judicial, transita em julgado, nada obstante possa refletir um título executivo para o Estado cobrar valor pecuniário a que foi condenado satisfazer, somente vai alcançar o seu mister, se executada. Até então, embora o condenar já se faça

65 Em caso de prejuízo causado ao Estado, o §1º prevê que será liquidada nos termos do artigo 150 do Estatuto, que prevê desconto nos vencimentos em até 24 parcelas, acrescidas de juros legais.

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evidente, não se pode falar em prejuízo a ser ressarcido, porquanto o credor tem a faculdade de não exercer o seu direito de cobrança e, nesta hipótese, nenhum dano haveria, para ser ressarcido ao Erário. O entender diferente propiciaria ao Poder Público a possibilidade de se valer da ação regressiva, ainda que não tivesse pago o quantum devido, em evidente apropriação ilícita e inobservância de preceito intrínseco à própria ação regressiva, consubstanciado na reparação de um prejuízo patrimonial. Demais disso, conforme a mais autorizada doutrina, por força do disposto no §5º do art. 37 da Constituição Federal, a ação regressiva é imprescritível. Recurso especial conhecido e provido. (RESP 328391 / DF Relator(a) Ministro PAULO MEDINA Órgão Julgador - SEGUNDA TURMA Data do Julgamento 08/10/2002)

11. JURISPRUDÊNCIA PREDOMINANTE DO STF E DO STJ (a) Responsabilidade Civil do Estado: Prestadores de Serviço Público e Terceiros Não-Usuários

O Supremo Tribunal Federal, vencidos os Ministros Joaquim Barbosa e Celso de Mello, entendeu que a responsabilidade objetiva das prestadoras de serviço público não se estende a terceiros não-usuários, já que somente o usuário é detentor do direito subjetivo de receber um serviço público ideal, não cabendo ao mesmo, por essa razão, o ônus de provar a culpa do prestador do serviço na causação do dano. Em seu voto, aduziu o Relator, Min. Carlos Velloso,

“Essa me parece, na verdade, a melhor interpretação do dispositivo constitucional, no concernente às pessoas privadas prestadoras de serviço público: o usuário do serviço público que sofreu um dano, causado pelo prestador do serviço, não precisa comprovar a culpa deste. Ao prestador do serviço é que compete, para o fim de mitigar ou elidir a sua responsabilidade, provar que o usuário procedeu com culpa, culpa em sentido largo. É que, conforme lição de Romeu Bacellar, "é o usuário detentor do direito subjetivo de receber um serviço público ideal". A ratio do dispositivo constitucional que estamos interpretando parece-me mesmo esta: porque o "usuário é detentor do direito subjetivo de receber um serviço público ideal", não se deve exigir que, tendo sofrido dano em razão do serviço, tivesse de provar a culpa do prestador desse serviço. Fora daí, vale dizer, estender a não-usuários do serviço público prestado pela concessionária ou permissionária a responsabilidade objetiva - CF, art. 37, § 6º - seria ir além da ratio legis”. (RE 262651/SP, rel. Min. Carlos Velloso, 16.11.2004, noticiado no Informativo n.370)

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(b) Responsabilidade Civil de servidor e cobrança da indenização pela Administração

De acordo com o STF,

“a obrigação de indenizar os cofres públicos, no caso concreto pelo prejuízo decorrente do desaparecimento dos talonários citados, advém da responsabilidade civil do servidor, e poderá até ser resolvida mediante desconto em folha, mas desde que haja a aquiescência do servidor. Caso contrário, como aqui ocorre, cabe à Administração, propor ação de indenização contra o responsável. A Lei 8.112/90, ao reportar-se à responsabilidade civil dos servidores públicos da União (artigo 121 e seguintes), disciplina a forma de atuação da Administração, em tais casos, tendo em vista a necessidade de submeter ao Poder Judiciário a confirmação, ou não, do ressarcimento, apurado na esfera administrativa. 11. Sobre a forma de proceder em situações dessa natureza, esclarece mestre Hely Lopes Meirelles ser válido o desconto em folha "inclusive na hipótese prevista no § 6º do artigo 37 da CF, mas, em qualquer caso, é necessária a concordância do responsável, porque a Administração não pode lançar mão dos bens de seus servidores, nem gravar unilateralmente seus vencimentos, para ressarcir-se de eventuais prejuízos. Faltando-lhe esta aquiescência, deverá recorrer às vias judiciais, quer propondo ação de indenização contra o servidor, quer executando a sentença condenatória do juízo criminal ou a certidão da dívida ativa (no caso de alcances e reposições de recebimentos indevidos). 12. Condenar o impetrante à pretendida indenização, sem a sua permissão, seria violar o seu direito individual, garantido constitucionalmente de não ser privado de seus bens sem o devido processo legal (CF 88, artigo 5º, LIV). Não se aplica, no caso, a auto-executoriedade do procedimento administrativo, dado que a competência da Administração acha-se restrita às sanções de natureza administrativa em face do ato ilícito praticado pelo servidor, não podendo alcançar, compulsoriamente, as conseqüências civis e penais, estas sujeitas à decisão do Poder Judiciário. 13. As disposições do artigo 46 da Lei 8.112/90, longe de autorizar a Administração a executar a indenização apurada em processo administrativo, apenas regulamenta a forma como poderá ocorrer o pagamento pelo servidor, logicamente após sua concordância com a conclusão administrativa ou a condenação judicial transitada em julgado. 14. Resta, portanto, à Administração recorrer às vias ordinárias para obter o ressarcimento do prejuízo apurado no processo administrativo, aplicando-se, por analogia, os procedimentos previstos na Lei 8.429/92, que regula a apuração dos atos de improbidade administrativa praticados por servidores públicos”. (MS 24182/DF, Rel. Min. Maurício Corrêa, noticiado no Informativo 337).

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(c) Responsabilidade do membro do Ministério Público

De acordo com o STF, em julgamento realizado ainda sob a égide da Constituição de 1967,

“Responsabilidade civil da Fazenda Pública por ato opinativo de Representante do Ministério Público no exercício de suas funções em procedimento de jurisdição voluntária (alvará). Parecer não vinculativo da atividade do Juiz. Não incidência dos artigos l07 da C.P. e 85 do C.P.C.. Recurso extraordinário indeferido. Agravo de instrumento com seguimento negado. Agravo regimental improvido. l. Não responde civilmente a Fazenda Pública por ato opinativo do Ministério Público no procedimento judicial que não vincula o Poder Judiciário (art. l07 da C.F.). 2. O art. 85 do C.P.C. refere-se a responsabilidade pessoal do Representante do Ministério Público por dolo ou fraude e não a responsabilidade do Poder Público por atos daquele. 3. Recurso extraordinário indeferido. Agravo de instrumento com seguimento negado. Agravo regimental improvido”(AI 102251 Rel: Min. SYDNEY SANCHES, Julgamento: 20/09/1985).

(d) Responsabilidade por atos praticados por cartórios

De acordo com o Pretório Excelso,

“Os titulares das serventias de notas e registros são servidores públicos em sentido amplo, pois ocupantes de cargo público criado por lei, submetido à fiscalização do Estado e diretamente remunerado à conta da receita pública, bem como provido por concurso público”. Com esse entendimento, o Tribunal confirmou acórdão do TJ-PR que condenou o Estado, baseado na sua responsabilidade civil por dano causado por serventuário de cartório de registro a adquirente de imóvel, afastando-se a alegação do recorrente no sentido de que os oficiais de registro não detêm a condição de servidores públicos para efeito da responsabilidade objetiva do Estado por serem os serviços notariais exercidos em caráter privado por delegação do Poder Público (CF, art. 236). (RE 187.753-PR, rel. Min. Ilmar Galvão, 26.3.99). No mesmo sentido, já entendeu o Pretório Excelso que “Não ofende o § 6º do art. 37 da CF acórdão que reconhece o direito de indenização contra a Fazenda do Estado de São Paulo em decorrência do reconhecimento de firma falsa, por serventuário de Cartório oficializado, no termo de transferência de assinatura de linha telefônica”. (RE 201.595-SP, rel. Min. Marco Aurélio, 28.11.2000).

(e) Responsabilidade por omissão no combate à dengue

RECURSO ESPECIAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. MINISTÉRIO PÚBLICO. LEGITIMIDADE. INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS. EPIDEMIA DE DENGUE. DANO COLETIVO E ABSTRATO.

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RESPONSABILIDADE CIVIL POR OMISSÃO. SERVIÇO DEFICIENTE NÃO-CONFIGURADO. INDENIZAÇÃO INDEVIDA. 1. O art. 127 da Constituição Federal estabelece a competência do Ministério Público para promover a defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis por meio da ação civil pública, na forma do art. 129 da Carta Magna e do art. 1º, IV, da Lei n. 7.347/85, abarcando quaisquer direitos transindividuais, sejam eles difusos ou coletivos, ou mesmo individuais homogêneos, não havendo "taxatividade de objeto para a defesa judicial" de tais interesses. 2. A responsabilidade civil por omissão, quando a causa de pedir da ação de reparação de danos assenta-se no faute du service publique, é subjetiva, uma vez que a ilicitude no comportamento omissivo é aferido sob a hipótese de o Estado deixar de agir na forma da lei e como ela determina. 3. A responsabilidade civil do Estado, em se tratando de implementação de programas de prevenção e combate à dengue, é verificada nas seguintes situações distintas: a) quando não são implementados tais programas; b) quando, apesar de existirem programas de eficácia comprovada, mesmo que levados a efeito em países estrangeiros, o Estado, em momento de alastramento de focos epidêmicos, decida pela implementação experimental de outros; c) quando verificada a negligência ou imperícia na condução de aludidos programas. 4. Incabível a reparação de danos ocasionada pela faute du service publique quando não seja possível registrar o número de vítimas contaminadas em decorrência de atraso na implementação de programa de combate à dengue, não tendo sido sequer comprovado o efetivo atraso ou se ele teria provocado o alastramento do foco epidêmico. 5. Incabível a reparação de danos ocasionada abstratamente à coletividade, sem que seja possível mensurar as pessoas atingidas em razão de eventual negligência estatal, mormente em havendo fortes suspeitas de que a ação estatal, se ocorrida atempadamente, não teria contribuído para evitar o dano nas proporções em que se verificou. 6. Recurso especial do Município Currais Novos não-conhecido. 7. Recursos especiais da União e da Funasa providos em parte. (REsp 703471 / RN Rel.Min. JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, 2ª Turma, DJ 21.11.2005)

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(f) Imunidade Parlamentar Material e Exclusão da Responsabilidade Civil (Informativo 379)

IMUNIDADE PARLAMENTAR EM SENTIDO MATERIAL (INVIOLABILIDADE). DISCURSO PROFERIDO POR DEPUTADO DA TRIBUNA DA CASA LEGISLATIVA. ENTREVISTA JORNALÍSTICA DE CONTEÚDO IDÊNTICO AO DO DISCURSO PARLAMENTAR. IMPOSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL DO MEMBRO DO PODER LEGISLATIVO. PRESSUPOSTOS DE INCIDÊNCIA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA IMUNIDADE PARLAMENTAR. PRÁTICA “IN OFFICIO” E PRÁTICA “PROPTER OFFICIUM”. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. - A garantia constitucional da imunidade parlamentar em sentido material (CF, art. 53, “caput”) exclui a responsabilidade civil do membro do Poder Legislativo, por danos eventualmente resultantes de manifestações, orais ou escritas, desde que motivadas pelo desempenho do mandato (prática “in officio”) ou externadas em razão deste (prática “propter officium”), qualquer que seja o âmbito espacial (“locus”) em que se haja exercido a liberdade de opinião, ainda que fora do recinto da própria Casa legislativa. - A EC 35/2001, ao dar nova fórmula redacional ao art. 53, “caput”, da Constituição da República, consagrou diretriz, que, firmada anteriormente pelo Supremo Tribunal Federal (RTJ 177/1375-1376, Rel. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE), já reconhecia, em favor do membro do Poder Legislativo, a exclusão de sua responsabilidade civil, como decorrência da garantia fundada na imunidade parlamentar material, desde que satisfeitos determinados pressupostos legitimadores da incidência dessa excepcional prerrogativa jurídica. - Essa prerrogativa político-jurídica - que protege o parlamentar em tema de responsabilidade civil - supõe, para que possa ser invocada, que exista o necessário nexo de implicação recíproca entre as declarações moralmente ofensivas, de um lado, e a prática inerente ao ofício legislativo, de outro, salvo se as declarações contumeliosas houverem sido proferidas no recinto da Casa legislativa, notadamente da tribuna parlamentar, hipótese em que será absoluta a inviolabilidade constitucional. Doutrina. Precedentes. - Se o membro do Poder Legislativo, não obstante amparado pela imunidade parlamentar material, incidir em abuso dessa prerrogativa constitucional, expor-se-á à jurisdição censória da própria Casa legislativa a que pertence (CF, art. 55, § 1º). Precedentes: RE 140.867/MS, Rel. p/ o acórdão Min. MAURÍCIO CORRÊA (Pleno) – Inq. 1.958/AC, Rel. p/ o acórdão Min. CARLOS BRITTO (Pleno).

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(g) Ilegitimidade Passiva ad causam dos Agentes Públicos (STF)66

PONTO 9

CONTROLE ADMINISTRATIVO

Fiscalização financeira e orçamentária. Tribunal de Contas

Este capítulo foi elaborado pelo Prof. Fabrício Motta e, posteriormente, atualizado pelos Profs. Fabrício Motta e Frederico Telho. 1. INTRODUÇÃO: ESTADO DE DIREITO E CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

O destacado jusfilósofo italiano Norberto Bobbio bem destaca a

importância do controle no Estado de Direito:

66 A propósito, cf. TELHO, Frederico Leonardo Mendonça. Responsabilidade civil do Estado e (im)possibilidade de se demandar diretamente o agente público. In: INSTITUTO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DE GOIÁS (IDAG); MOTTA, Fabrício (Org.). Direito público atual: estudos em homenagem ao Professor Nélson Figueiredo. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 185-209.

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(...) Estado de direito significa não só a subordinação dos poderes públicos de qualquer grau às leis gerais do país, limite que é puramente formal, mas também subordinação das leis ao limite material do reconhecimento de alguns direitos fundamentais considerados constitucionalmente, e, portanto, em linha de princípio invioláveis. (...) do Estado de direito em sentido forte, que é aquele próprio da doutrina liberal, são parte integrante todos os mecanismos constitucionais que impedem ou obstaculizam o exercício arbitrário e ilegítimo do poder e impedem ou desencorajam o abuso ou o exercício ilegal do poder” (BOBBIO, 1994, p.32.).

Nesse contexto, a existência de um poder controlador exsurge como

instrumento de defesa da sociedade em relação ao Estado, como garantia da submissão deste à lei e atuação conforme os princípios que lhe são impostos pelo ordenamento jurídico.

A existência de mecanismos de prestação de contas dos agentes públicos perante a sociedade – accountability - apresenta-se como o grande desafio para o futuro da democracia nos Estados, em um século que apresentou como grande feito político justamente a consolidação dos regimes democráticos. Assim, o controle dos cidadãos sobre seus governantes é uma questão política central que traz consigo implicações técnicas complicadas no sentido de sua efetivação. A transparência na administração pública confere governabilidade – conceito que se liga ao de legitimidade - aos estados democráticos. Quanto mais clara for a responsabilidade do agente perante a sociedade e a cobrança desta em relação à administração, mais democrático será o regime.

2. CONTROLE DA ADMINISTRAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL

Em virtude da ligação indissolúvel entre Estado Democrático de

Direito e controle, nossa Constituição é farta no tocante aos meios de se controlar a Administração Pública: há o controle interno, exercido pela própria administração; o controle efetuado pelo Ministério Público, dentro de suas atribuições de defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis; o controle efetuado mediante provocação ao judiciário; o controle social, exercitado pelo cidadão, através de instrumentos determinados; e por fim o controle externo, em seu aspecto político exercido pelo Legislativo e em seus aspectos técnicos executado pelos Tribunais de Contas. Cumpre-nos, inicialmente, identificar as espécies de controles incidentes sobre a Administração.

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2.1. Espécies de Controle

As modalidades de controle podem ser classificadas de acordo com diversos critérios de incidência. Inicialmente, de acordo com a lição de José dos Santos CARVALHO FILHO (2004, p.853), o controle sobre o Estado pode ser político ou administrativo. O controle político “tem por base a necessidade de equilíbrio entre os poderes estruturais da República. Nesse controle, cujo delineamento se encontra na Constituição, pontifica o sistema de freios e contrapesos, nele se estabelecendo normas que inibem o crescimento de qualquer um deles em detrimento de outro e que permitem a compensação de eventuais pontos de debilidade de um para não deixá-lo sucumbir à força de outro”. O controle político somente pode ser exercitado nas formas expressamente previstas na Constituição (são exemplos, dentre outros, a indicação de membros dos Tribunais Superiores pelo Executivo; a possibilidade de veto do poder executivo e da derrubada deste pelo Legislativo e a sustação, pelo Legislativo, dos atos do Executivo que exorbitem do poder regulamentar). O controle administrativo, ao seu turno, não objetiva harmonizar o exercício dos poderes políticos, mas somente controlar o exercício de uma das funções estatais – a função administrativa.

(a) Quanto ao órgão que exerce o controle, este pode ser administrativo, legislativo ou judicial

De acordo com o posicionamento do órgão controlador em relação

ao órgão controlado, o controle pode ser interno ou externo. Obviamente, o controle interno é o exercido por órgão inserido na mesma pessoa jurídica que engloba o órgão controlado (art. 74 CF). Ao contrário, o controle externo é exercido por órgão ou entidade que se insere em pessoa jurídica diversa da que engloba o órgão controlado. De acordo com o art. 71 da Constituição Federal, “o controle externo, a cargo do Congresso Nacional, será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União”.

(b) Quanto ao momento em que é exercido o controle

O controle pode ser prévio, concomitante ou posterior à prática do ato controlado. O controle prévio, segundo Hélio MILESKI (2003, p.145) “antecede a realização do ato administrativo, no sentido de evitar procedimento contrário à lei e ao interesse público, com o intuito de manter a ação administrativa dentro de princípios adequados à boa prestação dos serviços públicos”. De acordo com Hely Lopes MEIRELLES (1996, p.608) “toda atuação dos Tribunais de Contas deve ser a posteriori, não tendo apoio constitucional qualquer controle prévio sobre atos ou contratos da Administração direta ou indireta, nem sobre a

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conduta de particulares que tenham gestão de bens ou valores públicos, salvo as inspeções e auditorias in loco, que podem ser realizadas a qualquer tempo”.

Em recente julgamento, o TJ-GO entendeu como inconstitucional Resolução do Tribunal de Contas do Estado que submetia as despesas da Administração à liberação prévia do órgão de controle:

“O TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE GOIAS, NOS TERMOS DO ART. 71 DA CF/88, E POR SIMETRIA, AS NORMAS INSERTAS NO ART. 25, PAR. 1 E 26 DA CONSTITUICAO DO ESTADO DE GOIAS, FOI INVESTIDO DE PODERES MAIS AMPLOS QUE ENSEJAM, AGORA, A FISCALIZACAO CONTABIL, FINANCEIRA, ORCAMENTARIA, OPERACIONAL E PATRIMONIAL DAS PESSOAS ESTATAIS E DAS ENTIDADES E ORGAOS DE SUA ADMINISTRACAO DIRETA E INDIRETA. NO ENTANTO, ENCONTRA-SE FORA DE SUA ALCADA A FUNCAO LEGIFERANTE, MAXIME QUANDO SE TRATAR DE MATERIA ORCAMENTARIA DE INICIATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO E DE COMPETENCIA EXCLUSIVA DA ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, APOS OITIVA DE SUAS COMISSOES. III - CONFIGURA CONTROLE PREVIO DAS DESPESAS PUBLICAS A IMPOSICAO DE NORMAS QUE EXIGEM O VISTO DO TRIBUNAL DE CONTAS NAS NOTAS DE EMPENHO E/OU ORDEM DE PAGAMENTO, ANTES DA EFETIVA EXECUCAO DA DESPESA, PELO PODER EXECUTIVO. A EDICAO DE NORMA QUE TAL, ALEM DE CONFIGURAR INVASAO DE RESERVA LEGAL, DENOTA QUEBRA DA HARMONIA E INDEPENDENCIA DOS PODERES ESTATAIS, AFETANDO A AUTONOMIA ADMINISTRATIVA E FINANCEIRA PERTINENTE A CADA UM DELES. SEGURANCA CONCEDIDA POR MAIORIA." (MS 10895-2/101 Rel. Des. Borges de Almeida, 4ª Câmara Cível, 2003)

O controle concomitante, como o nome indica, é exercido ao mesmo

tempo que a ação ou ato administrativo objeto do controle, como ocorre com a realização de inspeções e auditorias pelos Tribunais de Contas, por exemplo. Por fim, o controle posterior objetiva fiscalizar atos e ações já praticados, “com a finalidade de proceder a uma avaliação sobre sua correção e legalidade, com o objetivo de promover sua aprovação ou homologação e, no caso de encontrar erros, falhas e vícios, adotar medidas que levem à sua correção ou desfazimento” (MILESKI, 2003, p.146). São exemplos o registro dos atos de admissão e aposentadoria de servidores, pelos Tribunais de Contas, além do julgamento das contas apresentadas pelos responsáveis por bens e valore públicos.

(c) Quanto à natureza do controle

No tocante à natureza ou finalidade do controle, costuma-se

identificar o controle de legalidade e o controle de mérito. O controle de legalidade, em razão da submissão da Administração ao princípio de

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mesmo nome, abrange a verificação da adequação dos atos e ações administrativas aos preceitos legais. Objetiva-se, em suma, verificar se a Administração obedeceu às prescrições legais (em sentido amplo) em seus atos e ações. O controle de mérito objetiva fiscalizar a conveniência e a oportunidade da prática de determinados atos pela Administração. Desta maneira, abrangendo espectro mais amplo que a simples legalidade, o controle de mérito acarreta a necessidade de verificação de todos os elementos do ato administrativo, sobretudo o alcance da finalidade pública determinada pelo ordenamento. A doutrina tradicional (Hely Lopes Meirelles, José dos Santos Carvalho Filho) costuma admitir o controle de mérito somente quando realizado pela própria Administração Pública, não se submetendo à sindicabilidade do Poder Judiciário. Contudo, observa-se forte tendência doutrinária (Celso Antônio Bandeira de Mello, Odete Medauar, Juarez Freitas e Romeu Bacellar, dentre outros) inclinando-se no sentido da ampliação da apreciação da discricionariedade por parte do poder judiciário. Como aduz Maria Sylvia Zanella DI PIETRO (2004, p.212) “o que se procura é colocar essa discricionariedade em seus devidos limites, para distinguí-la a interpretação (apreciação que leva a uma única solução, sem interferência da vontade do intérprete) e impedir as arbitrariedades que a Administração Pública pratica sob o pretexto de agir discricionariamente”. 2.2. Fiscalização Financeira, Operacional, Contábil, Orçamentária e Patrimonial

Nos termos do art. 70 da Constituição Federal, a fiscalização

contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder. Os preceitos contidos nesta seção são considerados de reprodução obrigatória nas Constituições Estaduais, com relação à fiscalização de Estados e Municípios. Por isso, todas as lições aqui estudadas a respeito da fiscalização da União aplicam-se, com as devidas adaptações, à fiscalização dos outros entes federais. Como bem ensina MILESKI (2003, p.239), essa fiscalização “é um sistema que visa a acompanhar, avaliar e julgar a regularidade dos atos praticados pelos agentes públicos que têm a função de arrecadar a receita, executar a despesa e administrar os bens e valores públicos, submetendo tais atos a um controle nos seus aspectos contábeis, financeiros, orçamentários, operacionais e patrimoniais”. O controle incide sobre toda a atividade financeira do Estado, que consiste em obter, gerir e aplicar recursos públicos.

Percebe-se que a fiscalização tratada não será realizada apenas mediante confronto dos atos e fatos com a lei, ou seja, não constituirá em

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mero controle de legalidade. Com efeito, a fiscalização operacional “visa a avaliar o grau de cumprimento dos objetivos e metas previstos na lei orçamentária; determinar a eficiência (máximo de rendimento sem desperdício de gastos e tempo), a eficácia (realização das metas programadas) e a economicidade (operação ao menor custo possível) dos atos de gestão praticados; avaliar a eficácia do controle na administração dos recursos humanos, materiais e financeiros, identificando as áreas críticas na organização e funcionamento da Administração, com vistas a formular recomendações que possibilitem superar as observações mais significativas (Manual de Auditoria Operacional do TCU)”. O controle, enfim, é não só de legalidade, como de mérito (abrange, como diz a Constituição, a fiscalização da legitimidade, economicidade, aplicação de subvenções e renúncias de receitas).

Como visto, a Constituição estabelece que a fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial é exercida, de forma integrada e sistêmica, por meio de duas modalidades de controle: interno e externo. O controle interno é exercido em estrutura própria de cada um dos poderes. De acordo com o art.74 da Constituição Federal, reproduzido com as devidas alterações no artigo 29 da Constituição Estadual:

Art.74 - Os Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário manterão, de forma integrada, sistema de controle interno com a finalidade de: I - avaliar o cumprimento das metas previstas no plano plurianual, a execução dos programas de governo e dos orçamentos da União; II - comprovar a legalidade e avaliar os resultados, quanto à eficácia e eficiência, da gestão orçamentária, financeira e patrimonial nos órgãos e entidades da administração federal, bem como da aplicação de recursos públicos por entidades de direito privado; III - exercer o controle das operações de crédito, avais e garantias, bem como dos direitos e haveres da União; IV - apoiar o controle externo no exercício de sua missão institucional.

Foi dito que os controles interno e externo devem funcionar de forma integrada. Esclarece JACOBY (2003, p.93) que “a principal função do controle interno, para apoiar o controle externo, está no dever de orientar a autoridade pública no sentido de evitar o erro, efetivar um controle preventivo, colher subsídios mediante o controle concomitante para determinar o aperfeiçoamento das ações futuras, rever os atos já praticados para corrigi-los antes mesmo da atuação do controle externo”. A importância destinada pela Constituição Federal ao controle interno foi tamanha que ficou estabelecido, no art.74 §1º:

“Os responsáveis pelo controle interno, ao tomarem conhecimento de qualquer irregularidade ou ilegalidade, dela darão ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilidade solidária”.

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No Estado de Goiás, o controle interno do Poder Executivo é feito pelo Gabinete de Controle Interno, que teve suas atribuições fixadas pelo Decreto n° 5.913, de 11 de março de 2004. Além disso, Assembléia Legislativa, Tribunal de Justiça, Ministério Público e Tribunais de Contas possuem suas estruturas próprias de controle interno.

2.3. Controle Externo da Administração Pública – Anotações a respeito dos Tribunais de Contas

No Brasil, no começo da República Rui Barbosa idealizou o Tribunal

de Contas com o intuito inicial de controlar e resguardar a execução orçamentária, tornando o orçamento uma peça soberana. Celso Antônio BANDEIRA DE MELLO, referindo-se aos Tribunais de Contas, asseverou que "como o Texto Maior desdenhou designá-lo como Poder, é inútil ou improfícuo perguntarmo-nos se seria ou não um Poder. Basta-nos uma conclusão ao meu ver irrefutável: o Tribunal de Contas, em nosso sistema, é um conjunto orgânico perfeitamente autônomo”.

Nesse sentido, os Tribunais de Contas são órgãos autônomos e independentes, que auxiliam e fiscalizam os três poderes, porém sem subordinação de nenhuma espécie a qualquer deles. A estas Cortes compete auxiliar o legislativo, em qualquer de seus âmbitos, no controle externo da Administração Pública. A utilização pela Constituição do termo “auxílio” não pode dar margem ao entendimento de que há uma relação de hierarquia entre os Tribunais de Contas e o Legislativo. Como esclarece a professora Odete MEDAUAR (1993, p.140), “confunde-se, desse modo, a função com a natureza do órgão. (...) a Constituição Federal, em artigo algum, utiliza a expressão órgão ‘auxiliar’; dispõe que o controle externo será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas”.

O tratamento dispensado pela Constituição Federal à questão nos permite concluir que as Cortes de Contas, em virtude de sua função fiscalizadora, constituem órgãos atípicos, que não se enquadram nas rígidas linhas da tripartição dos poderes, sendo responsáveis pelo controle da aplicação de quaisquer verbas públicas. Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO (2003, p.48) caracteriza o Tribunal de Contas como órgão essencial, dotado de autonomia constitucional.

Concluímos com a lição do eminente Ministro do STF Carlos Britto, antigo Procurador do Ministério Público junto ao TCE-SE: “[...] o Tribunal de Contas não é órgão do Congresso Nacional, não é órgão do Poder Legislativo, e quem disso é a Constituição, com todas as letras, no art.44. (...) Além de não ser órgão do Legislativo, o Tribunal de Contas não é órgão auxiliar, naquele sentido de subalternidade, de linha hierárquica (...) o perfil do Tribunal de Contas normativo está todo inserido na Constituição. Foi o legislador constituinte que traçou por inteiro o modo de ser normativo dos Tribunais de Contas”. Apesar de despisciendo, não custa acrescentar que o Tribunal de Contas também não pertence ao

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judiciário: é órgão de extração constitucional, que não se encaixa nas linhas rígidas da tripartição.

2.3.1. Divisão de Atribuições entre os Tribunais de Contas

O controle externo leva necessariamente em conta as características

do Estado Federal, onde cada ente federado possui autonomia, autogoverno e auto-administração. Desta maneira, é importante asseverar com relação à existência de diversos Tribunais de Contas: • O Tribunal de Contas da União, com sede no Distrito Federal, é responsável pela fiscalização dos valores, bens e recursos da União; • Os Tribunais de Contas dos Estados, são responsáveis pela fiscalização dos valores, bens e recursos de cada um dos Estados; • Os Tribunais de Contas do Município são responsáveis pela fiscalização dos valores, bens e recursos do Município. Existem somente dois: Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro e Tribunal de Contas do Município de São Paulo; • Os Tribunais de Contas dos Municípios são responsáveis pela fiscalização dos valores, bens e recursos de todos os Municípios do Estado, e não de somente um Município. Atualmente, existem Tribunais de Contas dos Municípios dos Estados de Goiás, Ceará, Pará e Bahia; • As contas dos municípios dos demais Estados onde não existe Tribunal de Contas dos Municípios são fiscalizadas pelo Tribunal de Contas do Estado – TCE.

Essas observações nos auxiliam na compreensão do disposto nos §§ 1º e 4° do artigo 31 da Constituição Federal, a saber:

§ 1º - O controle externo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio dos Tribunais de Contas dos Estados ou do Município ou dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios, onde houver. (...) § 4º - É vedada a criação de Tribunais, Conselhos ou órgãos de Contas Municipais.

O Supremo Tribunal Federal consagrou o entendimento de que “A

vedação contida no §4° do art. 31 da Constituição Federal só impede a criação de órgão, Tribunal ou Conselho de Contas, pelos Municípios, inserido na estrutura destes. Não proíbe a instituição de órgão, Tribunal ou Conselho, pelos Estados, com jurisdição sobre as contas municipais. (ADI 154-RJ, Rel. Min. Octávio Galloti)”.

No mesmo sentido:

“TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS - CRIAÇÃO - EXTINÇÃO. A INTERPRETAÇÃO SISTEMATICA DOS §§ 1. E 4. DO ARTIGO 31 DA CARTA DA REPUBLICA E CONDUCENTE A CONCLUIR-SE QUE OS

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ESTADOS-MEMBROS TEM O PODER DE CRIAR E EXTINGUIR CONSELHOS OU TRIBUNAIS DE CONTAS DOS MUNICÍPIOS. A EXPRESSAO "ONDE HOUVER" INSERTA NO PRIMEIRO PARAGRAFO ALBERGA A EXISTÊNCIA PRESENTE E FUTURA DE TAIS ÓRGÃOS, SENDO QUE O OBICE A CRIAÇÃO FICOU RESTRITO A ATIVIDADE MUNICIPAL - PRECEDENTE: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 154, RELATADA PELO MINISTRO OCTAVIO GALLOTI, COM ACÓRDÃO PUBLICADO NO DIARIO DA JUSTIÇA DE 11 DE OUTUBRO DE 1991(ADI 867-MA, Rel. Min. Marco Aurélio)”.

Em resumo: é vedada, pela Constituição, a criação de Tribunais de

Contas restritos a um Município, estando acolhidos pela Carta apenas os Tribunais já existentes à data da promulgação da Constituição, ou seja, do Rio e de São Paulo. Nada impede, contudo, que se criem nas Constituições Estaduais Tribunais de Contas dos Municípios, para fiscalizar as contas de todos os Municípios de um Estado (ADI 445-DF, Rel. Min. Néri da Silveira).

De acordo com o art. 75 da Constituição, as normas estabelecidas para o TCU aplicam-se, no que couber, à organização, composição e fiscalização dos Tribunais de Contas dos Estados e do Distrito Federal, bem como dos Tribunais e Conselhos de Contas dos Municípios. Desta maneira, as considerações que serão feitas a partir do exame das competências constitucionais do TCU aplicam-se às competências do TCE e do TCM do Estado de Goiás, sendo ressaltadas, quando necessário, as especificidades.

2.3.2. Funções dos Tribunais de Contas

Com relação à natureza das funções das Cortes de Contas, existem

divergências históricas na doutrina e jurisprudência pátrias. Uma corrente de pensamento sustentou a função jurisdicional, enquanto outra restringiu as decisões à mera manifestação de vontade administrativa. A questão central parece concentrar-se na acepção do termo julgamento, utilizado pela Constituição Federal, para designar as decisões dos Tribunais de Contas.

Apesar de os Tribunais de Contas não integrarem o elenco de órgãos do Poder Judiciário, ressaltava Seabra FAGUNDES (1957, p.142), que inobstante isso, o art. 71 § 4ª, lhe comete o julgamento da regularidade das contas dos administradores e demais responsáveis por bens ou dinheiros públicos, o que implica em investi-lo no parcial exercício da função judicante. Não bem pelo emprego da palavra julgamento, mas sim pelo sentido definitivo da manifestação da corte, pois se a regularidade das contas pudesse dar lugar a nova apreciação (pelo Poder Judiciário), o seu pronunciamento resultaria em mero e inútil formalismo. Sob esse aspecto restrito (o criminal fica à Justiça da União) a Corte de

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Contas decide conclusivamente. Os órgãos do Poder Judiciário carecem de jurisdição para examiná-lo.

No mesmo sentido é a lição do saudoso PONTES DE MIRANDA, declarando que "a função de julgar as contas está claríssima no texto constitucional. Não havemos de interpretar que o Tribunal de Contas julgue e outro juiz as rejulgue depois. Tratar-se-ia de absurdo bis in idem."6 Com clareza e decisão assevera CRETELLA JÚNIOR(1988, p.14): “Na realidade, nem uma das muitas e relevantes atribuições da Corte de Contas, entre nós, é de natureza jurisdicional. A Corte de Contas não julga, não tem funções judicantes, não é órgão do poder judiciário, pois todas as suas funções, sem exceção, são de natureza administrativa”.

Tendo em conta que o constituinte originário, repetindo

Constituições anteriores, empregou a expressão “julgar” para algumas deliberações do Tribunal de Contas, o pronunciamento de tais Cortes deve ser acatado pelo Poder Judiciário, vez que não pode rejulgar o que já foi julgado, como acentua o já citado mestre Pontes de Miranda. O julgamento sobre as contas, decidindo a regularidade ou irregularidade, é soberano, privativo e definitivo. A desconstituição judicial de decisão do Tribunal de Contas somente poderá ocorrer se caracterizada incompetência, violação à ampla defesa, ao contraditório, ao devido processo legal ou no caso de irregularidade grave no curso do processo.

Nesse diapasão, no rol de competências exaustivamente elencadas no texto constitucional, no tocante à fiscalização orçamentária, patrimonial, financeira, contábil e operacional, identificam-se casos em que a decisão dos Tribunais de Contas deve ser soberana, na esfera administrativa. Embora não tenham caráter jurisdicional, que implica definitividade, as decisões destas cortes sobrepõem-se às decisões dos órgãos controlados.

2.3.3. Competências Constitucionais dos Tribunais de Contas

Uma leitura acurada do artigo 70 da Carta Maior nos permite

conhecer as competências dos Tribunais de Contas. Deve ser relembrado, inicialmente, que as Cortes de Contas possuem atribuições em que atuam como auxiliares do Legislativo, bem como outras em que atuam de forma soberana, com total independência e autonomia.

(a) Emissão de parecer prévio sobre as contas do Poder Executivo (art. 71, I da CF)

Nesse sentido, ao apreciar mediante parecer as contas prestadas anualmente pelo Presidente da República, o Tribunal de Contas da União exerce uma função consultiva, tipicamente auxiliar do Poder Legiferante.

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As contas do Chefe do Executivo são, então, tecnicamente analisadas e encaminhadas para o julgamento que cabe ao Legislativo, in casu o Congresso Nacional.

Impende relevar que o parecer prévio emitido pelo Tribunal de Contas competente sobre as contas de Prefeito Municipal somente deixa de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal, na ocasião do julgamento das mesmas, conforme o artigo 31, §2° da Constituição Federal. Nos termos do art.31, § 3º, ficarão, durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhes a legitimidade, nos termos da lei.

(b) Funções fiscalizadoras e informativas

Na realização de inspeções ou auditorias por iniciativa de uma das

Casas Legislativas, bem como no repasse de informações solicitadas pela Câmara dos Deputados, Senado Federal ou alguma de suas Comissões, o Tribunal de Contas da União exerce funções fiscalizadoras e informativas auxiliares ao titular do controle externo, o Poder Legislativo.

Também caracterizam exercício de funções desta ordem a fiscalização as contas nacionais das empresas supranacionais de cujo capital social a União participe, de forma direta ou indireta, nos termos do tratado constitutivo (art.71, V) ; e a fiscalização da aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município (art. 71, VI);

A Constituição Estadual, em seu art. 26, inciso XI determina competir ao Tribunal de Contas do Estado o acompanhamento, por seu representante, da realização dos concursos públicos na administração direta e indireta, nas fundações, empresas públicas, autarquias e sociedades instituídas ou mantidas pelo Estado.

(c) Julgamento das contas dos responsáveis por bens, dinheiros ou valores públicos (art.71, II da CF)

O dever de prestar contas se aplica a qualquer pessoa, física ou

jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos. Como bem anota Hélio MILESKI (2003, p.282) “enquanto nas contas do chefe do Poder Executivo o Tribunal apenas emite parecer prévio, de caráter técnico-opinativo, no julgamento das contas dos demais responsáveis por dinheiro, bens e valores públicos exerce uma competência tipicamente deliberativa, com poderes sancionadores. A decisão do Tribunal de Contas é terminativa no âmbito administrativo, na medida em que se trata de uma atividade de

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jurisdição administrativa, cuja revisão judicial fica adstrita aos aspectos de ilegalidade manifesta ou de erro formal”.

Deve-se frisar bem a diferença: sobre as contas do Poder Executivo o Tribunal de Contas emite parecer prévio, quem julga é o Poder Legislativo. As demais contas dos gestores públicos (incluindo Presidente do Tribunal de Justiça, Procurador-Geral de Justiça e da Mesa da Assembléia Legislativa) são julgadas pelo Tribunal de Contas, não tendo o Legislativo nenhuma atribuição sobre elas.

(d) Apreciação, para fins de registro, da legalidade dos atos de admissão de pessoal na administração direta e indireta, excetuadas as nomeações para cargos comissionados, bem como a das concessões de aposentadorias, reformas e pensões

Comumente doutrina e jurisprudência consideram o ato de

aposentaria como complexo. Cite-se como representante deste mesmo entendimento, agora na seara jurisprudencial, o seguinte aresto do Supremo Tribunal Federal:

“APOSENTADORIA - ATO ADMINISTRATIVO DO CONSELHO DA MAGISTRATURA - NATUREZA - COISA JULGADA ADMINISTRATIVA - INEXISTÊNCIA. O ato de aposentadoria exsurge complexo, somente se aperfeiçoando com o registro perante a Corte de Contas. Insubsistência da decisão judicial na qual assentada, como óbice ao exame da legalidade, a coisa julgada administrativa.” (RE-195861/ES, Relator Ministro Marco Aurélio, Julgamento em 26/08/97 - Segunda Turma)

Contudo, em nossa visão “este entendimento não parece o mais

adequado à questão analisada. No caso das concessões de aposentadoria, inicialmente, é forçoso reconhecer a existência de dois atos: o ato concessório, emitido pela autoridade competente e que propriamente aposenta o servidor; e o ato de controle da legalidade, posteriormente emitido pelo Tribunal de Contas. Não há que se falar em integração de vontades: um ato concede a aposentadoria e o outro, externo e emitido por órgão diverso, controla a legalidade do primeiro. (...) A conclusão que se impõe, repise-se, é uma só: por se tratarem de atos diversos, um concessivo e outro controlador da legalidade do primeiro, não se configura integração de vontades e por isso não há que se falar em ato complexo11. O ato inicial, concessivo da aposentadoria ou pensão, produz seus efeitos jurídicos típicos imediatamente, ainda que de forma provisória e sujeito à verificação posterior de legalidade – registro – pelo Tribunal de Contas” .

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(e) Funções sancionadoras e corretivas

O Tribunal pode aplicar aos responsáveis, em caso de irregularidade das contas ou ilegalidade de despesa, as sanções previstas em lei (art. 71, VIII CF). Nestes casos, pode haver aplicação de multa, bem como a declaração de inelegibilidade, nos termos da Lei Complementar n°64, de 18 de maio de 1990.

Se verificada qualquer ilegalidade, compete ao Tribunal de Contas assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei (art.71, IX CF). Se não atendido, cabe-lhe sustar a execução do ato impugnado, comunicando a decisão ao Legislativo (art. 71, X CF).

É importante lembrar que, no caso de contratos, o ato de sustação será adotado diretamente pelo Legislativo, que solicitará, de imediato, ao Poder Executivo as medidas cabíveis. Se o Legislativo ou o Poder Executivo, no prazo de noventa dias, não efetivar as medidas previstas no parágrafo anterior, o Tribunal decidirá a respeito (podendo sustar, sponte propria, a execução do contrato e decidir sobre as medidas que deverão ser adotadas pelo executivo).

As decisões do Tribunal de Contas de que resulte imputação de débito ou multa terão eficácia de título executivo extrajudicial. O legitimado ativo para pleitear a execução judicial do título é o “patrimônio” lesado – se órgão integrante da administração direta, a própria Fazenda Pública.

(f) Função de ouvidoria

Dentro das múltiplas possibilidades de ação conferidas ao Tribunal

de Contas da União e aos dos Estados e Municípios por extensão, a Constituição determinou que qualquer cidadão é parte legítima para denunciar irregularidades perante estas cortes administrativas. Essa faculdade constitucional ainda não alcançou a aplicação prática que poderia, talvez porque reduzida seja a divulgação e o conseqüente conhecimento do poder conferido às Cortes de Contas em sua missão fiscalizadora.

(g) Controle de Constitucionalidade

Os Tribunais de Contas, no exercício de suas atribuições fixadas

pela Constituição, podem apreciar a constitucionalidade das leis e atos do poder público. Esse é o correto entendimento consagrado na súmula n° 347 do Supremo Tribunal Federal. Sendo a Constituição a norma fundamental do Estado, devem obediência a seus preceitos todos os órgãos e entidades públicas, de todos os poderes. Ressalta-se, neste caso, que não se trata de declarar a inconstitucionalidade da lei, mas sim

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em negar aplicação aos atos fundados em lei divergente com a Constituição (controle difuso).

De acordo com o art. 26, inciso XII da Constituição Estadual incumbe ao TCE-GO “negar aplicação de lei ou de ato normativo considerado ilegal ou inconstitucional que tenha reflexo no erário, incumbindo-lhe, de imediato, justificar a ilegalidade ou propor à Assembléia a argüição de inconstitucionalidade”. 2.3.4. Composição do Tribunal de Contas

Os Ministros do Tribunal de Contas da União são nomeados pelo

Presidente da República dentre brasileiros que satisfaçam os seguintes requisitos: I - mais de trinta e cinco e menos de sessenta e cinco anos de idade; II - idoneidade moral e reputação ilibada; III - notórios conhecimentos jurídicos, contábeis, econômicos e financeiros ou de administração pública; IV - mais de dez anos de exercício de função ou de efetiva atividade profissional que exija os conhecimentos mencionados no inciso anterior.

Os Ministros do Tribunal de Contas da União são escolhidos: (a) um terço pelo Presidente da República, com aprovação do Senado Federal, sendo dois alternadamente dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, indicados em lista tríplice pelo Tribunal, segundo os critérios de antigüidade e merecimento; (b) dois terços pelo Congresso Nacional.

O critério se repete, com as devidas alterações, na esfera estadual (deve-se lembrar que o TCM-GO é órgão estadual, fiscalizador de todos os 246 Municípios do Estado). De acordo com a Súmula 653 do Supremo Tribunal Federal,

“No Tribunal de Contas Estadual, composto por sete conselheiros, quatro devem ser escolhidos pela Assembléia Legislativa e três pelo chefe do Poder Executivo Estadual, cabendo a este indicar um dentre Auditores e outro dentre membros do Ministério Público, e um terceiro a sua livre escolha”.

No tocante à precedência das nomeações, já decidiu o Supremo

Tribunal Federal que:

“embora não haja uma ordem de precedência compulsória estabelecida pela CF, deve prevalecer a interpretação que viabilize a implantação mais rápida do modelo constitucional (quatro conselheiros escolhidos pela Assembléia Legislativa e três pelo chefe do Poder Executivo estadual), em face do princípio da razoabilidade, deu interpretação conforme à CF, de modo a explicitar que a vaga prevista no inciso II do art. 307 será provida por escolha do

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Governador, mas dentre Auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas do Estado, e declarou a inconstitucionalidade da expressão "dentre auditores e membros do Ministério Público junto ao Tribunal, respectivamente, segundo os critérios de antiguidade e merecimento", constante do inciso IV do mesmo artigo. Informativo 301. ADI 2.596-PA, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 19.3.2003. (ADI-2596)”

Também no tocante à implementação do modelo federal, e

analisando a possibilidade de livre escolha do Governador na ausência de Procuradores e Auditores, o STF:

“julgou procedente pedido formulado em ação direta ajuizada pelo Partido Democrático Trabalhista - PDT contra o art. 2º da EC 54/2003, do Estado do Ceará e contra a alínea c do inciso II do § 2º do art. 79 da Constituição estadual que estabeleceram ser de livre escolha do governador o provimento de vaga, respectivamente, de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado e do Tribunal de Contas dos Municípios, na hipótese de falta de auditor ou de membro do Ministério Público especial junto aos referidos tribunais de contas. Declarou-se a inconstitucionalidade por omissão em relação à criação das carreiras de auditores e de membros do Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas do Estado do Ceará, a impedir o atendimento do modelo federal (CF, art. 73, § 2º e art. 75 - verbete 653 da Súmula do STF), bem como a inconstitucionalidade da alínea c do inciso II do § 2º do art. 79 da Constituição estadual, já que, não obstante a comprovada existência dos cargos no Tribunal de Contas dos Municípios, a possibilidade de livre escolha do governador para o provimento dos mesmos estaria em desconformidade com o citado modelo”. (ADI 3276/CE, rel. Min. Eros Grau, 2.6.2005., noticiado no Informativo 390)

2.3.5. O Ministério Público junto aos Tribunais de Contas

A natureza jurídico-constitucional do Ministério Público junto aos

Tribunais de Contas já suscitou acaloradas discussões doutrinárias. Muito se discutiu a respeito da configuração desse parquet sui generis, instituição que possui mais de um século de existência, fundamentalmente sobre se o Ministério Público junto ao TCU estaria abrigado dentro da estrutura do Ministério Público da União, merecendo mais relevo ainda tal divergência em virtude de a Constituição estabelecer que as normas gerais da seção sobre fiscalização contábil, financeira e orçamentária aplicam-se à organização das cortes de contas estaduais e municipais19.

O Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de apreciar algumas dessas questões, estatuindo que o Ministério Público junto ao

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TCU não compõe a estrutura do MPU, consoante o acórdão emitido no julgamento da ADIN 789 que, pela relevância, transcreve-se abaixo:

"EMENTA - ADIN - LEI N. 8.443/92 - MINISTÉRIO PÚBLICO JUNTO AO TCU - INSTITUIÇÃO QUE NÃO INTEGRA O MINISTÉRIO PÚBLICO DA UNIÃO - TAXATIVIDADE DO ROL INSCRITO NO ART. 128, I, DA CONSTITUIÇÃO - VINCULAÇÃO ADMINISTRATIVA A CORTE DE CONTAS - COMPETÊNCIA DO TCU PARA FAZER INSTAURAR O PROCESSO LEGISLATIVO CONCERNENTE A ESTRUTURAÇÃO ORGÂNICA DO MINISTÉRIO PÚBLICO QUE PERANTE ELE ATUA (CF, ART. 73, CAPUT, IN FINE) _ MATÉRIA SUJEITA AO DOMÍNIO NORMATIVO DA LEGISLAÇÃO ORDINÁRIA - ENUMERAÇÃO EXAUSTIVA DAS HIPÓTESES CONSTITUCIONAIS DE REGRAMENTO MEDIANTE LEI COMPLEMENTAR - INTELIGÊNCIA DA NORMA INSCRITA NO ART. 130 DA CONSTITUIÇÃO _ AÇÃO DIRETA IMPROCEDENTE. - O Ministério Publico que atua perante o TCU qualifica-se como órgão de extração constitucional, eis que a sua existência jurídica resulta de expressa previsão normativa constante da Carta Política (art. 73, par. 2., I, e art. 130), sendo indiferente, para efeito de sua configuração jurídico-institucional, a circunstância de não constar do rol taxativo inscrito no art. 128, I, da Constituição, que define a estrutura orgânica do Ministério Publico da União. - O Ministério Público junto ao TCU não dispõe de fisionomia institucional própria e, não obstante as expressivas garantias de ordem subjetiva concedidas aos seus Procuradores pela própria Constituição (art. 130), encontra-se consolidado na "intimidade estrutural" dessa Corte de Contas, que se acha investida - até mesmo em função do poder de autogoverno que lhe confere a Carta Política (art. 73, caput, in fine) - da prerrogativa de fazer instaurar o processo legislativo concernente a sua organização, a sua estruturação interna, a definição do seu quadro de pessoal e a criação dos cargos respectivos. - Só cabe lei complementar, no sistema de direito positivo brasileiro, quando formalmente reclamada a sua edição por norma constitucional explícita. A especificidade do Ministério Público que atua perante o TCU, e cuja existência se projeta num domínio institucional absolutamente diverso daquele em que se insere o Ministério Público da União, faz com que a regulação de sua organização, a discriminação de suas atribuições e a definição de seu estatuto sejam passíveis de veiculação mediante simples lei ordinária, eis que a edição de lei complementar e reclamada, no que concerne ao Parquet, tão somente para a disciplinação normativa do Ministério Público comum (CF, art.128, par. 5.). - A cláusula de garantia inscrita no art. 130 da Constituição não se reveste de conteúdo orgânico-institucional. Acha-se vocacionada, no âmbito de sua destinação tutelar, a proteger os membros do Ministério Publico especial no relevante desempenho de suas funções perante os Tribunais de Contas. Esse preceito da Lei Fundamental da República submete os integrantes do MP junto aos Tribunais de Contas ao mesmo estatuto jurídico que rege, no que concerne a direitos, vedações e forma de investidura no cargo, os membros do Ministério Publico comum."

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(ADIn 789-DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 19.12.94- destaque nosso)

Em brilhante estudo dedicado ao tema em análise, onde conclui pela

necessária autonomia administrativa e funcional do Parquet especial, José Afonso da Silva contesta a decisão exarada na Adin 789-1: "Se não dispõe de fisionomia institucional própria, o que ele é, então? Se ele não integra o quadro do Ministério Público comum, é porque tem configuração própria, e se o Ministério Público comum é instituição, não há como não reconhecer a mesma fisionomia institucional ao Ministério Público junto aos Tribunais de Contas. E fisionomia institucional própria já que ele não integra o outro" .

Em sede de liminar, o mesmo Pretório Excelso decidiu que o modelo de organização do TCU é de observação obrigatória aos Estados em relação aos seus Tribunais de Contas, ao entender a relevância da argüição de inconstitucionalidade da Lei Complementar do Sergipe nº 4/90, que determinou o funcionamento, junto ao Tribunal de Contas, de órgão do Ministério Público estadual (ADIMC-1545/SE, Rel. Min. Octávio Gallotti). O festejado professor Alexandre de MORAES (2002, p.469) esposa sua discordância em relação a esse posicionamento dominante no Supremo Tribunal Federal, dispondo que "... cada um dos Estados-membros, no exercício de seu poder constituinte derivado decorrente (...) deverá estabelecer em sua Constituição Estadual a configuração jurídico-institucional do Parquet que atuará perante o Tribunal de Contas do Estado e do município, quando existir"

Podemos compreender que a impossibilidade de atuação de um órgão do Ministério Público ordinário junto aos Tribunais de Contas decorre da especialização notável das atividades fiscalizatórias, que impõem a necessidade de um Ministério Público que atue não ao lado dos Tribunais de Contas, mas dentro deles. Nos termos da sempre correta lição de Jorge Ulisses Jacoby Fernandes, "natural, portanto, não fosse citado, na subclassificação, o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, já que esse não funciona junto à justiça, inserindo-se, sim, no bojo dos órgãos coordenados com vistas ao controle externo cometido ao Poder Legislativo".

As funções estabelecidas pela Constituição ao Ministério Público, de um lado, e aos Tribunais de Contas, de outro, determinam a inconciliabilidade das funções de dois órgãos autônomos em sua individualidade. Trazendo novamente à baila o entendimento do autor supra-referenciado, "despiciendo demonstrar que se os membros do parquet junto aos Tribunais de Contas se investirem de todas essas funções, na apreciação dos processos sob exame, tornarão vazias de significado as deliberações dessas Cortes", sendo a recíproca também verdadeira.

Recorremos, uma vez mais, à correta lição de José Afonso da Silva:

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"A primeira conclusão que se tira, portanto, é a de que o Ministério Público junto ao Tribunal de Contas é instituição autônoma em face do Ministério Público comum, da União ou dos Estados, ou do Distrito Federal. Significa isso repelir a tese, hoje, aliás superada, de que aquele Ministério Público seria uma simples representação do Ministério Público comum junto aos Tribunais de Contas por membros integrantes de seus próprios quadros" (destaque no original)

Com fundamento no princípio de que a lei não pode conter palavras

inúteis, a existência de um Ministério Público especializado decorre do artigo 130 da Magna Carta, que estatui serem aplicadas aos seus membros os direitos, vedações e forma de investidura determinados para os membros do Ministério Público ordinário. Seguindo-se o entendimento adotado pelo Supremo Tribunal Federal, qual seja o da existência "autônoma" de um Ministério Público na intimidade das Cortes de Contas, algumas conclusões podem ser tiradas: a) existe uma diversidade de atribuições entre o Ministério Público enquanto função essencial à justiça e o Ministério Público junto aos Tribunais de Contas; b) os membros do parquet especializado em contas não estão sujeitos à chefia do Procurador-Geral de Justiça, e sim à do Procurador escolhido dentre os integrantes da carreira do Ministério Público Especial, mediante procedimento análogo ao constitucionalmente delineado para a escolha daquele; c) não há necessidade nem possibilidade de lei complementar vir a organizar as Procuradorias de Contas, uma vez que a Constituição Federal não previu expressamente sua expedição; d)os membros do Ministério Público ordinário não podem vir a ocupar cargos de Ministros/Conselheiros nos Tribunais de Contas, uma vez que a vaga destinada ao parquet deve ser preenchida por um dos membros que atue junto aos Tribunais de Contas; pela mesma razão um Procurador de Contas não pode figurar em lista para o preenchimento da vaga no parquet junto a algum Tribunal Judiciário.

No tocante ao Estado de Goiás, destaca-se que o STF, recentemente:

“por maioria, julgou procedente o pedido e declarou a inconstitucionalidade da expressão "a que se aplicam as disposições sobre o Ministério Público, relativas à autonomia administrativa e financeira, à escolha, nomeação e destituição do seu titular e à iniciativa de sua lei de organização", constante do referido dispositivo estadual, por entender que a Constituição Federal, a teor do disposto no art. 130, apenas estendeu aos membros do Ministério Público junto aos Tribunais de Contas as disposições pertinentes aos direitos, vedações e forma de investidura do Ministério Público comum. Considerou-se caracterizada, ainda, a ofensa ao art. 73, da CF, tendo em conta o fato de que, por integrar o Ministério Público junto aos Tribunais de Contas o próprio Tribunal de Contas, seria deste último a competência para a iniciativa das leis concernentes à estrutura

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orgânica do parquet que perante ele atua. Vencidos os Ministros Marco Aurélio e Carlos Britto, que consideravam que a autonomia conferida pela norma impugnada objetivou proporcionar a atuação independente do MP junto aos Tribunais de Contas, harmonizando-se com os arts. 25, 127 e 130, da CF. ADI 2378/GO, rel. Min. Maurício Corrêa, 19.5.2004.(ADI-2378)”

Analisando, em recente julgamento, a possibilidade de membros do

Ministério Público Estadual atuarem no Tribunal de Contas, o Supremo Tribunal Federal:

“julgou procedente, em parte, pedido de ação direta proposta pelo Governador do Estado do Rio de Janeiro contra o inciso II do §2º do art. 128 da Constituição fluminense, o art. 18 de seu ADCT, e outros dispositivos das Leis Complementares estaduais 62/90 e 106/2003, que tratam da atuação de membros do Ministério Público comum estadual junto ao Tribunal de Contas estadual. Considerando a jurisprudência firmada sobre a matéria, consubstanciada no Enunciado 653 da Súmula do STF, bem como a imprescindibilidade de que uma das vagas existentes no Tribunal de Contas estadual deva ser, necessariamente, destinada a membro do Ministério Público especial, entendeu-se que as normas impugnadas, ao permitirem que membros do Ministério Público comum estadual integrassem a composição do Tribunal de Contas local em vaga que deveria ser destinada à integrante do Ministério Público especial junto à Corte de Contas, violaram os arts. 73, §2º, I; 75 e 130, todos da CF. Declarou-se, por conseguinte, a inconstitucionalidade art. 1º; do art. 3º e seu parágrafo único; do art. 4º; da expressão "dentre os Procuradores em exercício junto ao Tribunal de Contas", constante do parágrafo único do art. 5º; do inciso I do parágrafo único do art. 5º; e do art. 6º, todos da LC estadual 62/90, e da expressão "e a lista de que trata o art. 128, § 2º, II, da Constituição do Estado", constante do inciso V do caput do art. 9º; da alínea b do inciso III do art. 39; e da expressão "e ao Tribunal de Contas do Estado", constante do caput do art. 42, todos da LC estadual 106/2003. No que se refere ao art. 128, § 2º, II, da Constituição fluminense, na redação dada pela EC estadual 13/2000, e ao art. 18 de seu ADCT, na redação dada pela EC estadual 25/2002, o Tribunal deu interpretação conforme a Constituição, para, sem redução de texto, restringir-lhes a exegese, em ordem a que, afastada qualquer outra possibilidade interpretativa, seja fixado o entendimento de que o MP referido em tais normas é o MP especial com atuação exclusiva junto ao Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro. (ADI 2884/RJ, rel. Min. Celso de Mello, 2.12.2004, noticiado no Informativo 372).

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Nessa decisão, destacou em seu voto o Ministro Relator Celso de Mello:

"O preceito consubstanciado no art. 130 da Constituição reflete uma solução de compromisso adotada pelo legislador constituinte brasileiro, que preferiu não outorgar, ao Ministério Público comum, as funções de atuação perante os Tribunais de Contas, optando, ao contrário, por atribuir esse relevante encargo a agentes estatais qualificados, deferindo-lhes um status jurídico especial e ensejando-lhes, com o reconhecimento das já mencionadas garantias de ordem subjetiva, a possibilidade de atuação funcional exclusiva e independente perante as Cortes de Contas. (...) A questão pertinente ao Ministério Público Especial junto ao Tribunal de Contas Estadual: uma realidade institucional que não pode ser desconhecida. Conseqüente impossibilidade constitucional de o Ministério Público Especial ser substituído, nessa condição, pelo Ministério Público Comum do estado-membro. Ação Direta julgada parcialmente procedente." (ADIN 2.884, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 20/05/05)

2.3.6. Recentes mudanças na Constituição do Estado de Goiás

A Emenda Constitucional n° 36, de 22-6-2004, modificou

substancialmente o exercício da função fiscalizadora do Tribunal de Contas dos Municípios de Goiás na Constituição Estadual. Torna-se, importante, por isso, atentar para a nova configuração do controle externo dos municípios, examinando os artigos alterados:

Art. 70 - Compete privativamente à Câmara Municipal: (...) VII – exercer, com o auxílio do Tribunal de Contas dos Municípios, o controle externo das contas do Município, observados os termos desta e da Constituição da República; Art. 77 - Compete privativamente ao Prefeito: (...) X – apresentar as contas ao Tribunal de Contas dos Municípios, sendo os balancetes mensais em até quarenta e cinco dias contados do encerramento do mês e as contas anuais do Município, devidamente consolidadas, em até sessenta dias contados da abertura da sessão legislativa, para sobre essas últimas, emissão do parecer prévio e posterior julgamento pela Câmara Municipal; XV - enviar à Câmara Municipal cópia dos balancetes e dos documentos que os instruem, concomitantemente com a remessa dos mesmos ao Tribunal de Contas dos Municípios, na forma prevista no inciso X deste artigo. Art. 79 (...)

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§ 1º O controle externo a cargo da Câmara Municipal será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas dos Municípios, ao qual compete emitir o parecer prévio sobre as contas anuais do Município, no prazo de sessenta dias contados a partir do recebimento das contas. § 2º Somente por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal deixará de prevalecer o parecer prévio, emitido pelo Tribunal de Contas dos Municípios, sobre as contas anuais do Prefeito. § 3º - As contas anuais dos Municípios ficarão no recinto da Câmara Municipal durante sessenta dias, anualmente, à disposição de qualquer contribuinte, para exame e apreciação, o qual poderá questionar-lhe a legitimidade, nos termos da lei. § 4º - A Câmara Municipal não julgará as contas, antes do parecer do Tribunal de Contas dos Municípios, nem antes de escoado o prazo para exame pelos contribuintes. § 5º As Contas da Câmara Municipal integram, obrigatoriamente, as contas anuais do Município. § 6o A fiscalização de que trata este artigo será realizada mediante prestação de contas de governo, de responsabilidade do Chefe do Poder Executivo, ou de gestão, de responsabilidade dos ordenadores de despesa.

A respeito da separação das contas de governo das contas de gestão, que passará a permitir que o Prefeito seja julgado como ordenador de despesa ao mesmo tempo em que suas contas recebam parecer opinativo, é elucidativo o julgado abaixo do Superior Tribunal de Justiça:

“CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. CONTROLE EXTERNO DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA. ATOS PRATICADOS POR PREFEITO, NO EXERCÍCIO DE FUNÇÃO ADMINISTRATIVA E GESTORA DE RECURSOS PÚBLICOS. JULGAMENTO PELO TRIBUNAL DE CONTAS. NÃO SUJEIÇÃO AO DECISUM DA CÂMARA MUNICIPAL. COMPETÊNCIAS DIVERSAS. EXEGESE DOS ARTS. 31 E 71 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Os arts. 70/75 da Lex Legum deixam ver que o controle externo – contábil, financeiro, orçamentário, operacional e patrimonial – da administração pública é tarefa atribuída ao Poder Legislativo e ao Tribunal de Contas. O primeiro, quando atua nesta seara, o faz com o auxílio do segundo que, por sua vez, detém competências que lhe são próprias e exclusivas e que para serem exercitadas independem da interveniência do Legislativo. O conteúdo das contas globais prestadas pelo Chefe do Executivo é diverso do conteúdo das contas dos administradores e gestores de recurso público. As primeiras demonstram o retrato da situação das finanças da unidade federativa (União, Estados, DF e Municípios). Revelam o cumprir do orçamento, dos planos de governo, dos programas governamentais, demonstram os níveis de endividamento, o atender aos limites de gasto mínimo e máximo previstos no

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ordenamento para saúde, educação e gastos com pessoal. Consubstanciam-se, enfim, nos Balanços Gerais prescritos pela Lei 4.320/64. Por isso, é que se submetem ao parecer prévio do Tribunal de Contas e ao julgamento pelo Parlamento (art. 71, I c./c. 49, IX da CF/88). As segundas – contas de administradores e gestores públicos, dizem respeito ao dever de prestar (contas) de todos aqueles que lidam com recursos públicos, captam receitas, ordenam despesas (art. 70, parágrafo único da CF/88). Submetem-se a julgamento direto pelos Tribunais de Contas, podendo gerar imputação de débito e multa (art. 71, II e § 3º da CF/88). Destarte, se o Prefeito Municipal assume a dupla função, política e administrativa, respectivamente, a tarefa de executar orçamento e o encargo de captar receitas e ordenar despesas, submete-se a duplo julgamento. Um político perante o Parlamento precedido de parecer prévio; o outro técnico a cargo da Corte de Contas. Inexistente, in casu, prova de que o Prefeito não era o responsável direto pelos atos de administração e gestão de recursos públicos inquinados, deve prevalecer, por força ao art. 19, inc. II, da Constituição, a presunção de veracidade e legitimidade do ato administrativo da Corte de Contas dos Municípios de Goiás. Recurso ordinário desprovido. (RMS 11060/GO 1999/0069194-6; Rel. para o Acórdão Min. Paulo Medina, Segunda Turma, em 25/06/2002)

2.3.7. Intervenção do Estado nos Municípios e Legitimidade do TCM

Estatui a Constituição Estadual:

Art. 61 - O Estado não intervirá nos Municípios, exceto quando: I - não havendo motivo de força maior, deixar de ser paga, por dois anos consecutivos, dívida fundada; II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei; III - não tiver sido aplicado o mínimo, exigido por lei, da receita municipal na manutenção e desenvolvimento do ensino; (...) § 1º - A decretação da intervenção dependerá: I - no caso dos incisos I, II e III, do caput deste artigo, de representação da Corte de Contas competente;

O Supremo Tribunal Federal, contudo, analisando dispositivo análogo constante da Constituição do Estado do Pará, entendeu que a atribuição desta legitimidade ao TCM é inconstitucional:

“CONSTITUCIONAL. INTERVENÇÃO ESTADUAL NO MUNICÍPIO. C.F., art. 35, I, II e III. Constituição do Estado do Pará, art. 84, I, II e III. COMPETÊNCIA ATRIBUÍDA AO TRIBUNAL DE CONTAS DO MUNICÍPIO PARA REQUERER AO GOVERNADOR A INTERVENÇÃO. Constituição do

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Pará, art. 85, I. I. - É inconstitucional a atribuição conferida, pela Constituição do Pará, art. 85, I, ao Tribunal de Contas dos Municípios, para requerer ao Governador do Estado a intervenção em Município. Caso em que o Tribunal de Contas age como auxiliar do Legislativo Municipal, a este cabendo formular a representação, se não rejeitar, por decisão de dois terços dos seus membros, o parecer prévio emitido pelo Tribunal (C.F., art. 31, § 2º). II. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente. (ADI 2631 / PA, Rel. Min. Carlos Velloso; em 29.08.2002)”

2.3.8. Jurisprudência selecionada do Supremo Tribunal Federal

(a) Obrigatoriedade de seguimento do modelo federal (Informativo 355, ADI-2597)

O Tribunal julgou improcedente pedido de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil - ATRICON contra os artigos 92, XXX, e 122 da Constituição do Estado do Pará, com a redação dada pela Emenda Constitucional 15/99, que atribuíam competência exclusiva à Assembléia Legislativa para julgar as contas do Tribunal de Contas do Estado ("Art. 92 - É da competência exclusiva da Assembléia Legislativa:... XXX - Julgar, anualmente, as contas do Tribunal de Contas do Estado; Art. 122 - O Tribunal de Contas do Estado prestará suas contas, anualmente, à Assembléia Legislativa, no prazo de sessenta dias da abertura da sessão legislativa"). Vencidos os Ministros Carlos Velloso e Carlos Britto pelas mesmas razões acima mencionadas. (b) Rejeição de contas de Prefeito e ampla defesa (Informativo 213, RE-261885)

Por ofensa ao princípio da ampla defesa (CF, art. 5º, LV), a Turma

deu provimento a recurso extraordinário interposto por ex-prefeito que teve suas contas rejeitadas pela câmara municipal sem que lhe fosse assegurada oportunidade de defesa por ocasião do julgamento. Considerou-se que o julgamento das contas do município pelo Poder Legislativo municipal tem natureza administrativa e que, mediante o parecer prévio do Tribunal de Contas pela rejeição, não se poderia recusar ao recorrente a oportunidade de apresentar defesa perante a Câmara de Vereadores pela possibilidade de reversão prevista no art. 31, § 2º, da CF ("O parecer prévio, emitido pelo órgão competente, sobre as contas que o Prefeito deve anualmente prestar, só deixará de prevalecer por decisão de dois terços dos membros da Câmara Municipal.") – RE 261.885-SP, rel. Min. Ilmar Galvão, 5.12.2000.

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(c) Sigilo quanto à Autoria de Denúncia: Inconstitucionalidade (Informativo 332, ADI-2659)

Tendo em conta que a CF/88 assegura o direito de resposta,

proporcional ao agravo, e a inviolabilidade à honra e à imagem das pessoas, possibilitando a indenização por dano moral ou material daí decorrente (art. 5º, V e X), o Tribunal, por maioria, deferiu mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Contas da União - que mantivera o sigilo quanto à autoria de denúncia oferecida perante àquela Corte contra administrador público - e declarou, incidenter tantum, a inconstitucionalidade da expressão "manter ou não o sigilo quanto ao objeto e à autoria da denúncia", constante do § 1º do art. 55 da Lei Orgânica daquele órgão, bem como do contido no disposto no Regimento Interno do TCU, no ponto em que estabelece a permanência do sigilo relativamente à autoria da denúncia. Considerou-se, na espécie, que, o sigilo por parte do Poder Público impediria o denunciado de adotar as providências asseguradas pela Constituição na defesa de sua imagem, inclusive a de buscar a tutela judicial, salientando-se, ainda, o fato de que apenas em hipóteses excepcionais é vedado o direito das pessoas ao recebimento de informações perante os órgãos públicos (art. 5º, XXXIII) Vencido o Min. Carlos Britto, que indeferia a ordem - Lei 8.443/92, art. 55: "No resguardo dos direitos e garantias individuais, o Tribunal dará tratamento sigiloso às denúncias formuladas, até decisão definitiva sobre a matéria. § 1º Ao decidir, caberá ao Tribunal manter ou não o sigilo quanto ao objeto e à autoria da denúncia". MS 24405/DF, rel. Min. Carlos Velloso, 3.12.2003. (MS-24405)

(e) TCU e Poder Cautelar (Informativo 330)

O Tribunal salientou que o Tribunal de Contas da União possui

legitimidade para a expedição de medidas cautelares (no caso, determinar a suspensão cautelar de processo de tomada de preços), em razão da garantia de eficácia que deve ser assegurada às decisões finais por ele proferidas. Vencido o Min. Carlos Britto, que deferia o writ em parte, para determinar a suspensão da decisão impugnada, por entender que o Tribunal de Contas, na forma prevista no inciso IX do art. 71 da CF, deveria ter assinado prazo para a adoção de providências necessárias à correção das supostas irregularidades, somente após o que, seria possível a sustação do ato impugnado, nos termos do inciso X, do mesmo artigo (CF, art. 71: "... IX - assinar prazo para que o órgão ou entidade adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, se verificada a ilegalidade; X - sustar, se não atendido, a execução do ato impugnado, [...]"). MS 24510/DF, rel. Ministra Ellen Gracie, 19.11.2003. (MS-24510)

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(f) Royalties do petróleo e fiscalização do TCU (Informativo 298) O Tribunal deferiu mandado de segurança impetrado pelo Tribunal

de Contas do Estado do Rio de Janeiro, contra decisão do Tribunal de Contas da União - que proclamara ser da competência exclusiva deste último a fiscalização da aplicação dos recursos recebidos a título de royalties, decorrentes da extração de petróleo, xisto betuminoso e gás natural, pelos Estados e Municípios - e declarou a inconstitucionalidade do art.1º, inciso XI e do art.198, II, ambos do Regimento Interno do TCU e do art. 25, parte final, do Decreto 1/91. Considerou-se ser da competência do Tribunal de Contas estadual, e não do TCU, a fiscalização da aplicação dos citados recursos, tendo em conta que o art. 20, §1º da CF qualificou os royalties como receita própria dos Estados, Distrito Federal e Municípios, devida pela União àqueles a título de compensação financeira. Entendeu-se também, não se tratar, no caso, de repasse voluntário, não havendo enquadramento nas hipóteses previstas pelo art. 71, VI da CF que atribui ao Tribunal de Contas da União a fiscalização da aplicação de quaisquer recursos repassados pela União mediante convênio, acordo, ajuste ou outros instrumentos congêneres, a Estado, ao Distrito Federal ou a Município. MS 24.312-RJ, rel. Ministra Ellen Gracie, 19.2.2003. (MS-24312)

(g) TCU e imunidade de advogado (Informativo 290)

O Tribunal de Contas da União não tem competência para

responsabilizar, solidariamente com o administrador, advogados de empresas públicas por atos praticados no regular exercício de sua atividade, porquanto os pareceres técnico-jurídicos não constituem atos decisórios. Com esse entendimento, o Tribunal deferiu mandado de segurança contra ato do TCU que, realizando inspeção na Petrobrás, determinara a inclusão dos impetrantes, advogados, como responsáveis solidários dos administradores em virtude da emissão de parecer favorável à contratação direta, sem licitação, de empresa de consultoria internacional. MS 24.073-DF, rel. Min. Carlos Velloso, 6.11.2002. (MS-24073)

(h) Tribunal de Contas: Conselheiros Substitutos e Modelo Federal (Informativo 428 – ADI-1994)

O Tribunal julgou procedente pedido formulado em ação direta

ajuizada pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil - ATRICON para declarar a inconstitucionalidade do § 6º do art. 74 e do art. 279, ambos da Constituição do Estado do Espírito Santo, com a redação que lhes foi dada pela Emenda Constitucional 17/99, e da Lei Complementar 142/99, que promoveu alterações na Lei

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Complementar 32/93, ambas do referido Estado-membro, que extinguem o cargo de auditor junto ao Tribunal de Contas e criam o cargo de substituto de Conselheiro, dispondo sobre a forma de provimento deste e sua remuneração. Entendeu-se que as normas da Constituição estadual impugnadas divergem do modelo definido na Constituição Federal, de observância obrigatória pelos Estados-membros, concernente à organização, à composição e à fiscalização dos Tribunais de Contas estaduais, e criam nova forma de provimento de cargo sem concurso público, em ofensa ao art. 37, II, da CF. Asseverou-se, no ponto, que a composição dos Tribunais de Contas estaduais, bem como a forma de provimento de seus cargos, não se submete à conveniência do poder constituinte decorrente ou do legislador estadual. Considerou-se, também, que, em decorrência da declaração de inconstitucionalidade dos preceitos da Constituição estadual, não subsistiriam as alterações promovidas pela LC 142/99 na LC 32/93, pois, além dos fundamentos já mencionados, haveria vício formal de iniciativa no processo legislativo que dera origem àquela, visto que compete ao próprio Tribunal de Contas propor a criação ou extinção dos cargos de seu quadro (CF, art. 73 e 96, II, b). ADI 1994/ES, rel. Min. Eros Grau, 24.5.2006. (ADI-1994) (i) Tribunal de Contas: Competências Institucionais e Modelo Federal (Informativo 428 – ADI-3715)

O Tribunal deferiu pedido de medida cautelar formulado em ação

direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil - ATRICON para suspender, com eficácia ex tunc, a vigência da expressão “licitação em curso, dispensa ou inexigibilidade”, contida no inciso XXVIII do art. 19 e no § 1º do art. 33; da expressão “excetuados os casos previstos no § 1º deste artigo”, constante do inciso IX do art. 33, e do inteiro teor do § 5º do art. 33, todos da Constituição do Estado do Tocantins, com a redação dada pela Emenda Constitucional 16/2006. Os preceitos atribuem, à Assembléia Legislativa, a competência para sustar as licitações em curso, e os casos de dispensa e inexigibilidade de licitação, bem como criam recurso, dotado de efeito suspensivo, para o Plenário da Assembléia Legislativa, das decisões do Tribunal de Contas do Estado acerca do julgamento das contas dos administradores e demais responsáveis por dinheiros, bens e valores públicos. Entendeu-se que os preceitos impugnados, a princípio, não observam o modelo instituído pela Constituição Federal, de observância compulsória pelos Estados-membros (CF, art. 75), que limita a competência do Congresso Nacional a sustar apenas os contratos (CF, art. 71, § 1º), e não prevê controle, pelo Poder Legislativo, das decisões, proferidas pelo Tribunal de Contas,

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quando do julgamento das referidas contas (CF, art. 71, II). ADI 3715 MC/TO, rel. Min. Gilmar Mendes, 24.5.2006. (ADI-3715)

Tribunal de Contas do DF: Modelo Federal

O Tribunal, por maioria, julgou improcedente pedido de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pelo Governador do Distrito Federal contra os artigos 60, XXIX, e 81 da Lei Orgânica do Distrito Federal ("art. 60: Compete, privativamente, à Câmara Legislativa do Distrito Federal:... XXIX - apreciar e julgar, anualmente, as contas do Tribunal de Contas do Distrito Federal."; "art. 81 - O Tribunal de Contas do Distrito Federal prestará contas anualmente de sua execução orçamentária, financeira e patrimonial à Câmara Legislativa até sessenta dias da data de abertura da sessão do ano seguinte àquela a que se referir o exercício financeiro quanto aos aspectos de legalidade, legitimidade e economicidade, observados os demais preceitos legais") - v. Informativo 346. Entendeu-se, tendo em conta o princípio constitucional que impõe a prestação de contas no âmbito da administração pública direta e indireta, que os tribunais de contas, embora detenham autonomia, como ordenadores de despesas, possuem o dever de prestar contas a outro órgão, e, ainda, que o crivo feito pelo Poder Legislativo harmoniza-se com a Constituição Federal. Vencidos os Ministros Carlos Velloso, relator, que entendia caracterizada a afronta ao art. 75, o qual estende aos tribunais de contas dos Estados e dos Municípios o modelo de organização, composição e fiscalização do Tribunal de Contas da União, cuja observância é obrigatória, bem como ao art. 71, ambos da CF, e Carlos Britto, para quem a omissão legislativa, quanto à competência do Congresso Nacional para apreciar as contas do Tribunal de Contas da União, fora voluntária, para que este não prestasse contas a nenhum órgão. ADI 1175/DF, rel. orig. Min. Carlos Velloso, rel. p/ acórdão Min. Marco Aurélio, 4.8.2004.(ADI-1175)

Tribunal de Contas do Pará: Modelo Federal

Com base no entendimento supracitado, o Tribunal julgou improcedente pedido de ação direta de inconstitucionalidade ajuizada pela Associação dos Membros dos Tribunais de Contas do Brasil - ATRICON contra os artigos 92, XXX, e 122 da Constituição do Estado do Pará, com a redação dada pela Emenda Constitucional 15/99, que atribuíam competência exclusiva à Assembléia Legislativa para julgar as contas do Tribunal de Contas do Estado ("Art. 92 - É da competência exclusiva da Assembléia Legislativa:... XXX - Julgar, anualmente, as contas do Tribunal de Contas do Estado; Art. 122 - O Tribunal de Contas do Estado prestará suas contas, anualmente, à Assembléia Legislativa, no prazo de sessenta dias da abertura da sessão legislativa"). Vencidos os Ministros Carlos Velloso e

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Carlos Britto pelas mesmas razões acima mencionadas. ADI 2597/PA, rel. Min. Nelson Jobim, 4.8.2004.(ADI-2597) (j) Responsabilidade Solidária de Assessoria Jurídica (Informativo 475 – MS-24584)

Em conclusão de julgamento, o Tribunal, por maioria, denegou mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Contas da União - TCU que determinara a audiência de procuradores federais, para apresentarem, como responsáveis, as respectivas razões de justificativa sobre ocorrências apuradas na fiscalização de convênio firmado pelo INSS, em virtude da emissão de pareceres técnico-jurídicos no exercício profissional — v. Informativos 328, 343, 376 e 428. Entendeu-se que a aprovação ou ratificação de termo de convênio e aditivos, a teor do que dispõe o art. 38 da Lei 8.666/93, e diferentemente do que ocorre com a simples emissão de parecer opinativo, possibilita a responsabilização solidária, já que o administrador decide apoiado na manifestação do setor técnico competente (Lei 8.666/93, art. 38, parágrafo único: “As minutas de editais de licitação, bem como as dos contratos, acordos, convênios ou ajustes devem ser previamente examinadas e aprovadas por assessoria jurídica da Administração.”). Considerou-se, ainda, a impossibilidade do afastamento da responsabilidade dos impetrantes em sede de mandado de segurança, ficando ressalvado, contudo, o direito de acionar o Poder Judiciário, na hipótese de virem a ser declarados responsáveis quando do encerramento do processo administrativo em curso no TCU. Vencidos os Ministros Eros Grau, Gilmar Mendes e Cármen Lúcia, que deferiam a ordem. MS 24584/DF, rel. Min. Marco Aurélio, 9.8.2007. (MS-24584) (l) Parecer Jurídico e Responsabilização (Informativo 475 – MS-24631)

O Tribunal deferiu mandado de segurança impetrado contra ato do Tribunal de Contas da União - TCU que, aprovando auditoria realizada com o objetivo de verificar a atuação do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem - DNER nos processos relativos a desapropriações e acordos extrajudiciais para pagamento de precatórios e ações em andamento, incluíra o impetrante, então procurador autárquico, entre os responsáveis pelas irregularidades encontradas, determinando sua audiência, para que apresentasse razões de justificativa para o pagamento de acordo extrajudicial ocorrido em processos administrativos nos quais já havia precatório emitido, sem homologação pela justiça. Salientando, inicialmente, que

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a obrigatoriedade ou não da consulta tem influência decisiva na fixação da natureza do parecer, fez-se a distinção entre três hipóteses de consulta: 1) a facultativa, na qual a autoridade administrativa não se vincularia à consulta emitida; 2) a obrigatória, na qual a autoridade administrativa ficaria obrigada a realizar o ato tal como submetido à consultoria, com parecer favorável ou não, podendo agir de forma diversa após emissão de novo parecer; e 3) a vinculante, na qual a lei estabeleceria a obrigação de “decidir à luz de parecer vinculante”, não podendo o administrador decidir senão nos termos da conclusão do parecer ou, então, não decidir. Ressaltou-se que, nesta última hipótese, haveria efetivo compartilhamento do poder administrativo de decisão, razão pela qual, em princípio, o parecerista poderia vir a ter que responder conjuntamente com o administrador, pois seria também administrador nesse caso. Entendeu-se, entretanto, que, na espécie, a fiscalização do TCU estaria apontando irregularidades na celebração de acordo extrajudicial, questão que não fora submetida à apreciação do impetrante, não tendo havido, na decisão proferida pela Corte de Contas, nenhuma demonstração de culpa ou de seus indícios, e sim uma presunção de responsabilidade. Os Ministros Carlos Britto e Marco Aurélio fizeram ressalva quanto ao fundamento de que o parecerista, na hipótese da consulta vinculante, pode vir a ser considerado administrador. MS 24631/DF, rel. Min. Joaquim Barbosa, 9.8.2007. (MS-24631)

2.3.9. Jurisprudência selecionada do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás

(a) Revisão, pelo Judiciário, das decisões dos Tribunais de Contas

"MANDADO DE SEGURANCA. TRIBUNAL DE CONTAS. COMPETENCIA. IMPUTACAO DE DEBITO. MEDIDA CAUTELAR. APROVACAO DAS CONTAS MUNICIPAIS PELA CAMARA MUNICIPAL. 1 - NAO TEM O PODER JUDICIARIO COMPETENCIA PARA REVER AS DECISOES DO TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICIPIOS, NO QUE DIZ RESPEITO AO EXAME DAS CONTAS, RAZAO PELA QUAL NAO COMPETE A ESTE TRIBUNAL ANALISAR A MOTIVACAO DA IMPUTACAO DE DEBITO, FICANDO PORTANTO, A ANALISE DO ATO, ADSTRITA A EXISTENCIA OU NAO DE ILEGALIDADE QUANTO A SEU ASPECTO FORMAL. 2 –(...). 3 - O JULGAMENTO DAS CONTAS MUNICIPAIS ANUAIS, POR PARTE DA CAMARA MUNICIPAL, EXIME O RESPONSAVEL APENAS DA RESPONSABILIDADE POLITICO-ADMINISTRATIVA, REMANESCENDO A RESPONSABILIDADE CIVIL E PENAL, E ASSIM SENDO, PODE A CORTE DE CONTAS DOS MUNICIPIOS IMPUTAR DEBITO AO RESPONSAVEL PELAS CONTAS, SE VERIFICAR A EXISTENCIA DE

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DANO AO PATRIMONIO PUBLICO. SEGURANCA DENEGADA".(MS 8599-2/101 Rel.: DES MATIAS NEGRY, em 23/05/2000)

b) Sustação de contratos e competência dos Tribunais de Contas "MANDADO DE SEGURANCA. CONTRATO DE FORNECIMENTO DE REFEICOES FIRMADO PELA IMPETRANTE COM A COMURG. RESOLUCOES DO TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICIPIOS DECLARANDO-O NULO. CERCEAMENTO DE DEFESA. FALTA DE COMPETENCIA DO TCM PARA INVALIDAR CONTRATO RESULTANTE DE LICITACAO. 1 - SENDO O CONTRADITORIO E A AMPLA DEFESA PRINCIPIOS ENCARTADOS NA CONSTITUICAO FEDERAL (ART. 5º, LV) E, AINDA, DISPONDO O § 3º DO ART. 49, DA LEI Nº 8.666/93, QUE, 'NO CASO DE DESFAZIMENTO DO PROCESSO LICITATORIO, FICA ASSEGURADO O CONTRADITORIO E A AMPLA DEFESA', NAO TENDO O TCM, POR OCASIAO DO REGISTRO DE CONTRATO DE FORNECIMENTO DE REFEICOES FIRMADO PELA IMPETRANTE COM EMPRESA PUBLICA, FACULTADO AQUELA OPORTUNIDADE DE DEFESA, E INEGAVEL O CERCEAMENTO DE DEFESA EM RELACAO AO DIREITO DA IMPETRANTE, O QUE LHE AUTORIZA A CONCESSAO DA IMPETRACAO, POSTO QUE VIOLADO O SEU DIREITO LIQUIDO E CERTO DE DEFESA. 2 - ADEMAIS, O TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICIPIOS NAO REUNE COMPETENCIA PARA INVALIDAR OU ANULAR PROCESSO DE LICITACAO, NEM AINDA ANULAR OU INVALIDAR O CONTRATO RESULTANTE DA LICITACAO, JA QUE AS CORTES DE CONTAS SAO APENAS ORGAOS AUXILIARES DOS PODERES LEGISLATIVOS, SENDO QUE, NO CASO DOS MUNICIPIOS, FUNCIONAM COMO AUXILIARES DAS CAMARAS MUNICIPAIS. SEGURANCA CONCEDIDA" . (MS 8924-5/101, Rel. DES NOE FERREIRA)

c) Envio, pelo Prefeito, de cópia dos balancetes devidos ao TCM à Câmara Municipal

"APELAÇÃO CÍVEL. MANDADO DE SEGURANCA. REMESSA DE BALANCETES A CAMARA MUNICIPAL. DEVER DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL. I - A CONSTITUICAO DO ESTADO DE GOIAS, NO SEU ART. 77, INCISO XV, DETERMINA SER DA COMPETENCIA DO PREFEITO O ENVIO, A CAMARA MUNICIPAL, DE COPIAS DOS BALANCETES E DOS DOCUMENTOS QUE OS INSTRUEM, CONCOMITANTEMENTE, COM A REMESSA DOS MESMOS AO TRIBUNAL DE CONTAS DOS MUNICIPIOS, CARACTERIZANDO A SUA RECUSA OU OMISSAO, INJUSTIFICADA, ABUSO DE PODER, FERINDO, POR CONSEGUINTE, DIREITO LIQUIDO E CERTO DO PODER LEGISLATIVO MUNICIPAL. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO." (DUPLO GRAU DE JURISDICAO - 9763-3/195 Rel. DES. ROGERIO AREDIO FERREIRA)

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BIBLIOGRAFIA ESPECÍFICA INDICADA

MILESKI, Hélio Saul. O controle da gestão pública. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003; FARIAS, Márcia Ferreira Cunha. Controle de constitucionalidade no Tribunal de Contas. Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal, 2002, v.28. p. 35-76; PEREIRA, Cláudia Fernanda de Oliveira. O controle de constitucionalidade e as Cortes de Contas. Revista do Tribunal de Contas do Distrito Federal. 1992, v.18; FERNANDES, Jorge Ulisses Jacoby. Tribunais de Contas do Brasil: jurisdição e competência. Editora Fórum: Belo Horizonte, 2003. ZYMLER, Benjamin. Direito Administrativo e Controle. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2005.

BIBLIOGRAFIA CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil: direito das obrigações: parte especial, vol.6. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2002. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 17. ed. São Paulo: Atlas, 2004. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo 17. ed. São Paulo: Malheiros, 2004. CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 12. ed. São Paulo: Lúmen Júris, 2004. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21.ed. São Paulo: Malheiros, 1996.

TELHO, Frederico Leonardo Mendonça. Responsabilidade civil do Estado e (im)possibilidade de se demandar diretamente o agente público. In: INSTITUTO DE DIREITO ADMINISTRATIVO DE GOIÁS (IDAG); MOTTA, Fabrício (Org.). Direito público atual: estudos em homenagem ao Professor Nélson Figueiredo. Belo Horizonte: Fórum, 2008. p. 185-209.

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