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Antifragilidade, diversidade, inter-multi-trans-indisciplinaridade: rimas e relações
Juliana Coutinho Oliveira
UFRJ/HCTE
Nesse trabalho pretende-se fazer uma aproximação inter-multi-trans-indisciplinar entre os
campos da diversidade - aqui no tocante ao estudo das deficiências - e da antifragilidade. A
ideia é misturar essas duas áreas de conhecimento para além da rima que as une, tentando
estabelecer relações entre elas através de um pequeno estudo de caso com personagens com
deficiência.
Para embasar essa análise utiliza-se como suporte teórico a triangulação de métodos e a teoria
ator-rede, ambas condizentes com a inter-multi-trans-indisciplinaridade, uma vez que
oferecem mais de um ângulo para estudo das questões.
Analisando quatro pessoas com deficiência de destaque no cenário brasileiro, buscamos tentar
entender a antifragilidade proposta por Nassim Taleb (2015). Como essas pessoas se
beneficiam dos impactos e crescem diante dos agentes estressores? Como superam suas
limitações e atingem um suposto sucesso? Essa imagem se repercute na sociedade? É
representativa para as anônimas pessoas com deficiência do país?
Os estudos da deficiência
Os estudos da deficiência exploram dimensões sociais, culturais e políticas do que significa
ser deficiente. Aqui a deficiência é vista não apenas como uma designação legal mas como
uma arena de contestação social e uma categoria identitária construída, com necessidade de
análise no tempo, na geografia e nas culturas (ADAMS, 2015).
Os estudos da deficiência nasceram da luta das pessoas com deficiência por direitos civis,
igualdade de acesso e inclusão, que aconteceu entre os anos 60 e 70, inicialmente nos Estados
Unidos. Estimulados pelos desenvolvimentos nos campos do direito e da política, estudiosos
das ciências humanas e sociais começaram a tentar entender a deficiência como uma diferença
corporal que poderia ser estudada da mesma maneira que raça, gênero, etnicidade e
sexualidade. Um dos princípios centrais desses estudiosos é a oposição ao modelo médico,
que vê a deficiência como prejuízos individuais que precisam ser consertados e curados.
Como alternativa, sugerem analisar as deficiências como um fenômeno social e ambiental.
Nesse modelo - chamado modelo social - alguém é ou não deficiente na interação de seu
corpo com o ambiente social e físico nos quais está inserido, ao invés de ser sua patologia
algo individual ou a falta de algo que os outros têm. O modelo social mostra como alguns
corpos são deficientes por causa das barreiras físicas e do estigma social, por falta de
reconhecimento legal, de tecnologias adaptadas e de recursos econômicos.
Nas últimas décadas os estudos da deficiência como um campo interdisciplinar alcançaram
efeitos de longo alcance. Ao adentrar novos terrenos, a deficiência se tornou uma categoria
notadamente heterogênea, mas há quem diga que o campo está em uma "encruzilhada
intelectual" (ADAMS, 2015). Os trabalhos atuais sobre deficiência representam interesses
variados e às vezes competitivos e controversos. Os estudos da deficiência, entretanto, pedem
um projeto colaborativo, o que pode ser encontrado nesse olhar inter-multi-trans-indisciplinar.
Estudar a diversidade presente na inclusão social das pessoas com deficiência sem um olhar
multi-inter-transdisciplinar seria uma incoerência. É preciso estar aberto e receptivo às
diferenças - nem sempre explícitas - inerentes às deficiências.
A triangulação de métodos
A compreensão da realidade social se faz por aproximação e é preciso exercitar a disposição
de olhá-la por vários ângulos. Para atingir esse objetivo utiliza-se nesse trabalho a
triangulação de métodos, uma combinação de múltiplos aportes teóricos com a estratégia de
estabelecer um diálogo entre áreas distintas de conhecimento, viabilizando o entrelaçamento
entre teoria e prática e agregando múltiplos pontos de vista utilizados de modo articulado
(MINAYO, 2005).
A triangulação de métodos busca a construção de uma práxis científica capaz de apreender as
dimensões objetivas e subjetivas da realidade e de superar a falsa dicotomia entre sujeito e
objeto da pesquisa.
O uso da triangulação exige a combinação de múltiplas estratégias de pesquisa capazes de
apreender as dimensões qualitativas e quantitativas do objeto. Em uma interessante
alternância entre saber e fazer demonstra tanto os fundamentos teóricos da pesquisa avaliativa
quanto os modos de desenvolvê-los no cotidiano da investigação, expondo os bastidores da
difícil construção da interdisciplinaridade.
A abordagem qualitativa compreende as relações, as visões e o julgamento dos diferentes
atores sobre a intervenção na qual participam, entendendo que suas vivências e reações fazem
parte da construção da intervenção e de seus resultados. Nesse ensaio a ideia é usar o método
fenomenológico de construção do conhecimento, que busca oferecer uma descrição detalhada
e focalizada dos fenômenos sociais em avaliação ou em observação, tais como eles são
vivenciados no cotidiano. Essa postura científica propõe o investimento na compreensão do
significado da experiência vivida e interpretada pelos próprios atores. Um tipo de avaliação de
intervenção social pela abordagem fenomenológica se empenha em entender, com detalhes,
como os diferentes atores se comportam frente ao processo que estão vivenciando e
como interpretam os estímulos à mudança que estão recebendo.
Também nos inspiramos na etnometodologia, prática teórica que preconiza a observação e a
investigação detalhada dos fatos, no lugar em que eles ocorrem, com a finalidade de produzir
uma descrição minuciosa e densa das pessoas, de suas relações e de sua cultura. Valorizamos
a consideração da etnometodologia de que a realidade socialmente construída está presente na
vivência cotidiana de cada um e que em todos os momentos podemos compreender as
construções sociais que permeiam nossa conversa, nossos gestos e nossa comunicação.
Acreditamos que para produzir um conhecimento em profundidade sobre determinada cultura
ou realidade social, é importante mergulhar no seu cotidiano, buscando uma relação de
intersubjetividade, seja por meio da comunicação verbal seja por meio da participação em
suas atividades e isso se dá através do trabalho de campo.
A teoria ator-rede
"Conhecer as coisas exige que nos coloquemos primeiro entre elas. Não apenas em frente para
vê-las, mas no meio de sua mistura, nos caminhos que as unem." Inspirada pela escrita
matematicamente poética de Michel Serres (2001), pretende-se olhar a deficiência em toda
sua diversidade para entender suas múltiplas facetas.
Nada mais coerente para essa mistura do que a teoria ator-rede de Latour (1997), que valoriza
os aglomerados e a construção de redes e se apresenta como uma possibilidade metodológica
inovadora e radical no campo dos estudos de Ciência, Tecnologia e Sociedade (CTS),
reconfigurando o olhar, entendendo os artefatos tecnológicos para além de seus aspectos
técnicos e trazendo as dimensões políticas, econômicas, culturais e sociais neles implícitas.
Na teoria ator-rede estudam-se ambientes heterogêneos, com múltiplos atores, onde inovações
proliferam e a configuração das redes é dinâmica. São analisadas as conexões entre os atores e
sobretudo onde surgem as controvérsias. Entendendo que ator é tudo que age, deixa traço e
produz efeito no mundo, podendo se referir a pessoas, instituições, coisas, animais, objetos,
máquinas, a teoria ator-rede incorpora de forma plena todos os elementos que compõe um
campo de pesquisa.
A ação acontece no encontro dos atores, nas mediações e traduções que acontecem nesses
agenciamentos. Todos agem nos encontros, realizam ações que diferem de ações que seriam
suas, isoladas e individuais. As associações feitas entre conhecimento e sociedade, objeto e
sujeito são a grande riqueza desses estudos.
A antifragilidade
Nassim Nicholas Taleb (2015) propõe a ideia de que algumas coisas se beneficiam dos
impactos; elas prosperam e crescem quando são expostas à volatilidade, ao acaso, à desordem
e aos agentes estressores, e apreciam a aventura, o risco e a incerteza. A antifragilidade
proposta por Taleb não se resume à resiliência ou à robustez. O resiliente resiste a impactos e
permanece o mesmo; o antifrágil fica melhor. O antifrágil aprecia a aleatoriedade e a
incerteza, o que também significa — acima de tudo — apreciar os erros, ou pelo menos certo
tipo de erro. A antifragilidade tem uma propriedade singular de nos capacitar a lidar com o
desconhecido, de fazer as coisas sem compreendê-las — e fazê-las bem.
Nossa mente parece ocupada demais em transformar a história em algo suave e linear, o que
nos faz subestimar a aleatoriedade. Entretanto só é possível conseguir alguma ordem e
controle quando se aceita a aleatoriedade. Se aprendemos a sobreviver à incerteza e
domesticar o inexplicável podemos nos atrever a encarar de frente nossa ignorância e não ter
vergonha de ser humanos. Mas é preciso desenvolver um mecanismo pelo qual o sistema se
regenere continuamente, valendo-se de acontecimentos aleatórios, impactos imprevisíveis,
agentes estressores e volatilidade, em vez de sofrer com eles.
O autor traz exemplos mitológicos que representam a antifragilidade como a Fênix - pássaro
com cores esplêndidas que sempre que é destruída renasce das próprias cinzas, retornando a
seu estado inicial; e a Hidra - criatura similar a uma serpente que habita um lago, tem
inúmeras cabeças e cada vez que uma delas é cortada, duas voltam a crescer. A vacinação e os
medicamentos antialérgicos também são exemplos de coisas antifrágeis. Ambos usam uma
pequena dose de uma substância nociva que acaba sendo benéfica ao organismo. E um velho
ditado que ilustra bem a antifragilidade é: se a vida te dá um limão, faça uma limonada!
Os estudos de Taleb (2015) indicam que privar os sistemas de agentes estressores não é
necessariamente algo bom, ao contrário, pode ser totalmente prejudicial. Segundo o autor o
caminho para o robustecimento começa com um mínimo de danos.
Somos intelectualmente, porém não organicamente, cegos à antifragilidade. Nossos corpos
são capazes de descobrir probabilidades de uma maneira muito sofisticada e avaliar os riscos
com muito mais exatidão do que o nosso intelecto. O corpo humano pode beneficiar-se dos
agentes estressores para ficar mais forte.
Antifrágeis?
Nesse trabalho trago quatro personagens que parecem ter tido atitudes de antifragilidade
diante de acidentes. Todos têm em comum o fato de terem sofrido impactos e se beneficiado
deles, prosperando e crescendo à desordem instaurada em suas vidas. São usuários de cadeiras
de rodas e sobreviveram ao que podemos classificar como tipos de agentes estressores
mencionados por Taleb. Podem, então, ter algo mais em comum: seriam eles antifrágeis?
Na verdade eu deveria perguntar: seríamos nós antifrágeis? - uma vez que, usando a premissa
da falsa dicotomia entre sujeito e objeto da pesquisa idealizado na triangulação de métodos,
me incluí entre esses atores. Minha proposta para os personagens escolhidos foram quatro
perguntas-tópicos para responderem via WhatsApp. Segui comparando suas respostas com o
que eu responderia, estabelecendo entre nós uma relação de intersubjetividade. As perguntas-
tópicos foram as seguintes:
1 - primeiro momento (como foi ao sofrer o impacto da deficiência?)
2 - momento “pulo do gato” (em que momento percebeu que dava para seguir adiante?)
3 - momento superando expectativa (você percebe que fez mais do que esperava/do que era
esperado de você?)
4 - o quê, quem, como (a que fatores, situações você atribui seu sucesso? Qual o segredo?)
Os personagens escolhidos são: Antônio Cláudio, Fernando Fernandes, Mara Gabrilli e eu,
Juliana Coutinho Oliveira. Começo contando quem sou, apresento então meus amigos e sigo
analisando nossas redes e nossas multi-inter-transdisciplinaridades.
Juliana Coutinho Oliveira
Meu nome é Juliana Coutinho Oliveira, tenho 43 anos e sou tetraplégica há vinte. Sou
doutoranda no programa de História das Ciências, Técnicas e Epistemologia da UFRJ, que
permite a mistura de meus trabalhos multi-inter-transdisciplinares como objeto de estudo de
minha tese. Estudei Comunicação Social na graduação e fiz mestrado em Administração na
área de comunicação corporativa.
Há dez anos sou servidora federal na área de comunicação corporativa e há quatorze
apresento o Programa Especial da TV Brasil, que fala sobre inclusão das pessoas com
deficiência na sociedade. O Programa é pioneiro no mundo ao trazer pessoas com deficiência
para ocupar os papéis de apresentação e reportagens e pelo fato de ser veiculado em televisão
aberta.
Antônio Cláudio
Antônio Cláudio Lucas da Nóbrega é médico e professor universitário desde 1990 e ficou
tetraplégico em um assalto nove anos depois ao ser baleado no Rio de Janeiro. Hoje é o
primeiro cadeirante do Brasil a ocupar o cargo de reitor da Universidade Federal Fluminense.
Antônio é mestre e doutor pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, é uma referência
acadêmica na área de fisiologia do exercício e tem atuação profissional com reconhecimento
nacional e internacional. Antes de ser eleito reitor, foi chefe de departamento, coordenador da
pós-graduação, pró-reitor e vice-reitor.
Como médico integrou equipes em campeonatos brasileiros e mundiais e desde 2017 é
membro titular da Academia de Medicina do Estado do Rio de Janeiro.
Antônio tem em sua prateleira mais de 180 artigos publicados em revistas nacionais e
internacionais, como autor ou coautor, cinco livros publicados como autor, 21 capítulos de
livros e seis livros organizados.
Fernando Fernandes
Fernando Fernandes de Pádua é um dos grandes nomes do atletismo paralímpico brasileiro.
Fernando ficou paraplégico aos 27 anos, quando vivia o auge em sua carreira internacional de
modelo. Sua história chama atenção pela rapidez com que se recuperou do acidente, tendo
participado de uma maratona cinco meses depois e se tornado campeão em paracanoagem no
ano seguinte.
Fernando sempre gostou de esportes e, enquanto andante, iniciou carreira no futebol e no
boxe e a graduação em educação física. Antes do acidente, participou do reality show Big
Brother Brasil da Rede Globo de Televisão, ganhando notoriedade.
Hoje coleciona quatro títulos do campeonato mundial e dois do sul-americano de canoagem
paralímpica. Abriu um Instituto com seu nome para incentivar a canoagem no Brasil e
também faz reportagens para a televisão praticando esportes radicais. Em 2017 lançou um
livro contando sua história.
Mara Gabrilli
Mara Gabrilli ficou tetraplégica em um acidente de automóvel em 1994 quando tinha 26 anos.
Hoje, aos 50, é representante do Brasil no comitê da Organização das Nações Unidas (ONU)
sobre o direito das pessoas com deficiência e candidata a uma das vagas do senado brasileiro.
Graduada em psicologia e publicidade, mostra conhecimento do tema com sua imagem e
discurso aclamados na política brasileira.
Três anos após o acidente, Mara fundou um Instituto com seu nome em busca de melhorar a
qualidade de vida das pessoas com deficiência. Em 2005, iniciou a carreira política sendo a
primeira titular da Secretaria da Pessoa com Deficiência e Mobilidade Reduzida de São Paulo.
Em 2007 foi eleita vereadora de São Paulo e em 2011 deputada federal por São Paulo
cumprindo dois mandatos.
Mara coleciona prêmios e títulos por sua atuação e já figurou na lista das 100 pessoas mais
influentes do Brasil segundo revistas políticas nacionais. Apresenta programas de rádio e
escreve regularmente em mais de uma coluna nas mídias impressa e digital. Mara Gabrilli já
rendeu dois livros: uma coletânea de suas colunas e sua história biografada por uma jornalista.
Analisando
O método fenomenológico se baseia na experiência vivida e interpretada pelos próprios
atores, como se comportam frente ao processo que estão vivenciando e como interpretam os
estímulos à mudança que estão recebendo. Foi isso que tentei buscar em seus depoimentos:
ouvir suas vozes e suas sensações.
A escolha dos personagens levou em consideração a realidade brasileira, partindo do princípio
da etnometodologia, buscando estudar as relações presentes na nossa cultura. Entendendo que
a realidade socialmente construída está presente na vivência cotidiana de cada um, foram
escolhidas pessoas com deficiência de destaque na política, educação, esporte e mídia.
Nassim Taleb (2015) chamaria esse momento “pulo do gato” que estou propondo de ponto da
fragilidade reversa, já que, segundo seu estudo, a ideia de antifragilidade não faz parte de
nossa consciência, mas de nosso comportamento ancestral, de nosso aparato biológico, e é
uma propriedade onipresente de todos os sistemas que sobreviveram.
Nesse sentido, nossos personagens parecem antifrágeis, por terem capacidade de lidar com o
desconhecido, de fazer as coisas bem, mesmo sem compreendê-las. Os três relatam em seus
depoimentos o foco na superação das dificuldades mesmo diante da incerteza no futuro. É
unânime uma postura de seguir em frente sem lamentações. Antônio fala em "amnésia
seletiva" e em "consciência apagada da memória" ao se referir aos danos causados pelo
impacto, enquanto Fernando diz ser uma tática não pensar sobre o que aconteceu e nem
buscar o porquê. Mara diz não guardar rancor do acidente e diz e que escolheu o caminho de
“não olhar para o que perdeu e focar no que podia ganhar”; "um por cento é melhor do que
zero" foi sua resposta ao médico que falou sobre sua chance de ter os movimentos de volta.
Eu também não fico pensando no que não posso, vou encontrando as brechas que me cabem e
sigo.
De algum modo também é comum entre os personagens suas autuações como subunidades de
coletivos mais amplos, uma característica da antifragilidade proposta por Taleb. Fernando e
Mara abriram Institutos de apoio às pessoas com deficiência. Antônio diz ser importante ter
uma atuação profissional, trabalhar e produzir coletivamente. Ele quer "ser útil para a
sociedade e motivar pessoas a se realizarem". Meu trabalho como apresentadora de um
programa de televisão que fala sobre deficiência também me coloca em contato com o
coletivo das pessoas com deficiência.
Tanto Antônio quanto Fernando apresentam um tópico antifrágil em comum: a apreciação da
aventura, do risco e da incerteza. Antônio relata que está constantemente buscando superar
desafios e Fernando literalmente arrisca a própria vida em desafios de esportes radicais.
Os personagens com deficiência escolhidos para esse estudo parecem aceitar a aleatoriedade e
com isso sobrevivem à incerteza, demonstrando relação direta com o conceito de
antifragilidade. Antônio tem o mote de "sempre seguir adiante, fazendo o que é possível
fazer"; Mara mudou seus parâmetros sobre a importância da mobilidade ao se ver diante da
possibilidade de não conseguir respirar sozinha e hoje comemora não estar ligada a um
respirador. Sua palavra para definir o impacto sofrido é inspiradora: "renovação". Fernando
relata uma "alegria de viver" e acredita que soube "tirar proveito do mal que aconteceu através
da positividade e da aceitação do fato". Ele diz que foi preciso "se fechar, se entender como
ser humano para seguir em frente" e garante que se "redescobriu e se reinventou". De minha
parte, sinto muito parecido com eles, sempre pensei em seguir em frente, do jeito que for
possível. Compartilho de uma "inquietação" mencionada por Mara, um desejo de manter-se
em constante movimento.
A teoria ator-rede nos serve de embasamento nessa análise por entender os artefatos
tecnológicos para além de seus aspectos técnicos, mostrando como se relacionam com seus
usuários. Nesse trabalho estamos apresentando a não-humana cadeira de rodas em seus
desdobramentos relacionais com nossos personagens.
Esse artigo buscou uma espécie de encontro dos atores: eu - como autora e personagem - em
contato com mais três personagens com deficiência de destaque no cenário brasileiro. Através
da mediação e da tradução dos depoimentos colhidos pelo Whatsapp e outras entrevistas
disponíveis no YouTube, buscou-se aproximar o conceito de antifragilidade aos estudos da
deficiência.
Em todos os personagens surgiu o discurso de aceitar viver em um mundo que não
compreendiam, apreciando este mundo, entendendo que o encanto do mundo provém da
incapacidade de compreendê-lo integralmente – discurso presente no conceito de
antifragilidade proposto por Taleb (2015).
Decerto os personagens escolhidos representam uma amostra muito pequena das pessoas com
deficiência do Brasil, mas não há dúvidas de que são figuras que acabam servindo como
exemplos a serem seguidos. Esse trabalho não tem a pretensão de esgotar o assunto, muito ao
contrário. Como normalmente acontece nas pesquisas sociotécnicas, o objetivo é levar o leitor
não uma conclusão, mas a um processo de problematização e de reflexão sobre o tema
proposto.
Referências
ADAMS, Rachel, REISS, Benjamin & SERLIN, David. Keywords for Disability Studies.
New York: New York University Press, 2015.
LATOUR, Bruno. Ciência em Ação: como seguir cientistas e engenheiros sociedade afora.
Tradução: Ivone C. Benedetti, São Paulo: Editora Unesp, 1997.
MINAYO, Maria Cecília de Souza, ASSIS Simone Gonçalves de, SOUZA Edinilsa Ramos
de, organizadoras Avaliação por Triangulação de Métodos: abordagem de Programas Sociais,
Rio de Janeiro: Editora Fiocruz; 2005
SERRES, Michel. Os Cinco Sentidos: filosofia dos corpos misturados. Tradução: Eloá
Jacobina, Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2001.
TALEB, Nassim. Nicholas. Antifrágil: coisas que se beneficiam com o caos. Tradução:
Eduardo Rieche, Rio de Janeiro: Best Business, 2015.