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1 CURSO: DIREITO 2º Semestre Disciplina: DIREITO CONSTITUCIONAL I Professor: FLAVIO ERVINO SCHMIDT Apostila 06 DIREITO CONSTITUCIONAL I 9) ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO. 9.1) A Federação 9.2) Da União 9.3) Dos Estados Federados 9.4) Dos Municípios 9.5) Do Distrito Federal e dos Territórios Federais 9.6) Da Intervenção Federal 9) ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO. 9.1) A FEDERAÇÃO A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO FEDERATIVO O princípio federativo é uma das vigas mestras sobre as quais se eleva o travejamento constitucional. E mesmo tão encarecido e enfatizado pela lei maior, a ponto de ser subtraído da possibilidade de ser alterado até mesmo por via de emenda constitucional. No entanto, a realidade não confirma a significação dada à federação. É muito provável que nenhum princípio tenha sido tão fortemente degradado quanto o federativo. A autonomia estadual é, sob muitos aspectos, uma irrisão. Fatores diversos têm demonstrado que muitos Estados-Membros não têm condições de sobreviver financeiramente se lhes faltar o apoio do governo federal. Por outro lado, a partilha constitucional de competências não aquinhoa, devidamente, Estados e Municípios, centralizando, ainda, na mão da União a determinação, ao menos nos seus princípios gerais, das diretrizes a prevalecerem em todos os campos legislativos. Uma questão fundamental se coloca preliminarmente, qual seja saber por que a federação ainda é importante. Se ela é algo que nasceu nos EUA, tendo em vista as peculiaridades do processo de unificação daquele país, será que não estaria também restrita à realidade das instituições americanas? Será ainda que outros países não teriam importado o federalismo por mero mimetismo? Será que não seria mais fácil nos deixarmos levar pela corrente avassaladora que ruma no sentido da centralização do poder do que lutar por um federalismo mais retórico do que prático? A resposta é muito simples. O federalismo é, ainda em nossos dias, um princípio rector que encontra grande receptividade e ressonância na vida de muitos países. Ele não se desatualizou porque soube encontrar novos fundamentos em substituição àqueles que lhe deram origem. Com efeito, quando se criou a primeira Federação conhecida, a americana, o que se tratou de resolver na época era o problema resultante da convivência entre si das treze colônias inglesas tomadas Estados independentes e desejosas de adotarem uma forma de poder político unificado. De outra

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9) ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO.

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CURSO: DIREITO 2º Semestre Disciplina: DIREITO CONSTITUCIONAL I Professor: FLAVIO ERVINO SCHMIDT

Apostila 06

DIREITO CONSTITUCIONAL I 9) ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO. 9.1) A Federação 9.2) Da União 9.3) Dos Estados Federados 9.4) Dos Municípios 9.5) Do Distrito Federal e dos Territórios Federais 9.6) Da Intervenção Federal

9) ESTRUTURA E ORGANIZAÇÃO DO ESTADO BRASILEIRO. 9.1) A FEDERAÇÃO

A IMPORTÂNCIA DO PRINCÍPIO FEDERATIVO O princípio federativo é uma das vigas mestras sobre as quais se eleva o

travejamento constitucional. E mesmo tão encarecido e enfatizado pela lei maior, a ponto de ser subtraído da possibilidade de ser alterado até mesmo por via de emenda constitucional. No entanto, a realidade não confirma a significação dada à federação. É muito provável que nenhum princípio tenha sido tão fortemente degradado quanto o federativo.

A autonomia estadual é, sob muitos aspectos, uma irrisão. Fatores diversos têm demonstrado que muitos Estados-Membros não têm condições de sobreviver financeiramente se lhes faltar o apoio do governo federal. Por outro lado, a partilha constitucional de competências não aquinhoa, devidamente, Estados e Municípios, centralizando, ainda, na mão da União a determinação, ao menos nos seus princípios gerais, das diretrizes a prevalecerem em todos os campos legislativos.

Uma questão fundamental se coloca preliminarmente, qual seja saber por que a federação ainda é importante. Se ela é algo que nasceu nos EUA, tendo em vista as peculiaridades do processo de unificação daquele país, será que não estaria também restrita à realidade das instituições americanas? Será ainda que outros países não teriam importado o federalismo por mero mimetismo? Será que não seria mais fácil nos deixarmos levar pela corrente avassaladora que ruma no sentido da centralização do poder do que lutar por um federalismo mais retórico do que prático?

A resposta é muito simples. O federalismo é, ainda em nossos dias, um princípio rector que encontra grande receptividade e ressonância na vida de muitos países. Ele não se desatualizou porque soube encontrar novos fundamentos em substituição àqueles que lhe deram origem. Com efeito, quando se criou a primeira Federação conhecida, a americana, o que se tratou de resolver na época era o problema resultante da convivência entre si das treze colônias inglesas tomadas Estados independentes e desejosas de adotarem uma forma de poder político unificado. De outra

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parte, não queriam perder a independência, a individualidade, a liberdade e a soberania que tinham acabado de conquistar.

Com tais pressupostos surgiu, assim, a federação como uma associação de Estados pactuada por meio da Constituição.

Em síntese, foi a forma mais imaginosa já inventada pelo homem para permitir a conjugação das vantagens da autonomia política com aquelas outras defluentes da existência de um poder central. O problema fundamental a ser resolvido então era o da unificação política de comunidades que não se haviam integrado num todo nacional. Ora, entendida a partir desse fundamento, a federação perdeu a razão de ser. No Brasil, poder-se-ia mesmo dizer, nunca teria tido razão de existir, porque a nossa unidade nacional precedeu à própria implantação do federalismo.

Faz-se, então, necessário que busquemos os princípios da federação noutros propósitos, metas, ideais e valores. Dentre esses há um que sobreleva a todos os demais e serve, inclusive, para explicar a Federação americana moderna.

A federação é, igualmente, a forma mais sofisticada de se organizar o poder dentro do Estado. Ela implica uma repartição delicada de competências entre o órgão do poder central, denominado "União", e as expressões das organizações regionais, mais freqüentemente conhecidas por "Estados-Membros", embora, por vezes, seja usado, por igual forma, o nome província e, até mesmo, cantão. Essa partilha de competências entre a União e os Estados é bastante rígida, visto que se apresenta esculpida na própria Constituição Federal, razão pela qual só por intermédio de emenda à Constituição pode ser alterada.

Outrossim, os Estados-Membros participam na formação da União através dos senadores que compõem uma Casa do Congresso Nacional.

Constata-se, portanto, que na federação - e aqui estamos a falar da federação de outros países, com exceção do Brasil, visto que este previu um terceiro nível, qual seja, o municipal -, os cidadãos se apresentam submetidos a dois poderes políticos diferentes: o regional e o central. Em outras palavras, sobre o mesmo território há a incidência de duas ordens jurídicas diferentes, cada uma atuando no âmbito específico de suas competências. É importante notar que o Estado federal legisla diretamente para os Estados-Membros, sem necessidade da intervenção desses para que suas normas se tornem eficazes.

De outra parte, os Estados-Membros não podem retirar-se da federação. O vínculo associativo é indissolúvel. Note-se, ainda, que a significação do fenômeno federativo se exaure dentro do mesmo Estado, ou seja, o direito internacional não faz diferença entre o Estado unitário e o federal. Este só tem realidade do ponto de vista do direito constitucional. Isso porque a federação, embora levando ao extremo a possibilidade da descentralização do poder, toda ela transcorre dentro dos limites de um único Estado. Eis aqui o seu traço distintivo específico: ser, por um lado, uma reunião ou uma associação de Estados, mas, de outra parte, dar também lugar a um novo Estado que é o único, de fato, reconhecido pela Ordem Jurídica Internacional.

FUNCIONAMENTO DA FEDERAÇÃO Vemos, pelo exposto, que é melindroso e delicado o funcionamento de um

Estado federal, porque a todo momento podem surgir conflitos nesse sutil mecanismo que

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o seu funcionamento implica: duas ordens jurídicas convivendo lado a lado, mas sendo aplicadas sobre o mesmo território e sobre os mesmos indivíduos.

As possíveis divergências, os possíveis conflitos são sempre dirimidos por um Poder Judiciário. Essa a razão pela qual, dentro do Estado federal, ocupa um papel de destaque a Suprema Corte do país. A ela, normalmente, cabe esse papel de guardiã da federação, como órgão que assegura a manutenção e a preservação da Constituição e, em conseqüência, da própria federação.

Vê-se, ainda, que, ao lado da descentralização do poder, a federação apresenta outra faceta muito importante: regra geral, ela implica na existência de um fenômeno associativo ou de agrupamento de Estados preexistentes. Na verdade, é isso que tem acontecido em muitas federações e é isso que, inclusive, ocorreu na primeira delas.

Em 1787, nos Estados Unidos, ficou claro que a confederação inicialmente estabelecida após a independência da Inglaterra não bastava para resolver o conjunto dos problemas com que se defrontavam os treze Estados americanos.

Era necessária uma unidade maior a fim de que pudessem enfrentar os sérios desafios postos pela soberania recém-adquirida. A necessidade de adotar uma moeda única em todo o território ou a conveniência de se enfrentarem de maneira unida os desafios militares levantados pela antiga metrópole eram os fatores que tomavam impositiva a adoção de uma ordem jurídica capaz de coordenar de maneira eficiente os esforços de todos os povos integrantes da Federação.

No entanto, é preciso reconhecer que nem todos os Estados que se proclamam federativos tiveram, no passado, vida independente, atribuída aos diversos Estados que hoje os compõem. Noutro dizer, também é possível atingir a federação a partir da desagregação de um Estado unitário. É o que ocorre quando do Estado unitário inicial se separam as diversas unidades autônomas que passarão a constituir seus Estados-Membros.

Não obstante a profunda diferença histórica que as duas experiências encerram, do ponto de vista jurídico, o modelo remanesce o mesmo. Quer se trate de federações surgidas pela agregação de Estados preexistentes, quer se trate de federações nascidas da desagregação de um Estado unitário, o importante é que o grau de autonomia dos Estados-Membros seja grande e que essa autonomia esteja assegurada por uma Constituição que, por sua vez, não possa ser alterada senão com a colaboração dos próprios Estados, quando mais não seja, pelo menos a partir da representação que possuem no próprio Senado federal.

Salta à vista, no entanto, que, apesar de apresentarem essas características comuns que as tornam iguais do ponto de vista formal, e não obstante se inspirarem todas no mesmo modelo - o americano -, as federações atualmente existentes têm, todas elas, sua personalidade própria.

São múltiplos os países do mundo que adotam a forma federativa. O Brasil é um deles, mas é preciso também aí elencar a Argentina, o México, os Estados Unidos, a Austrália, o Canadá, a ex-União Soviética e diversos outros.

Cada um desses países tem a sua história que influenciou poderosamente na realidade da federação adotada. É o que hoje se percebe de maneira flagrante no caso brasileiro, em que a um modelo teórico de federação não corresponde uma autêntica autonomia das unidades federativas. Certamente isso está ligado como fato de, no Brasil, essas mesmas unidades nunca terem sido guindadas à posição de Estados soberanos e independentes, pois eram províncias do Império brasileiro e, conseqüentemente, dotadas de nenhuma, ou pouquíssima, autonomia.

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AUTONOMIA E SOBERANIA Temos utilizado aqui as palavras autonomia e soberania. Conviria deixar

claro em que elas se distinguem do ponto de vista jurídico. Soberania é o atributo que se confere ao poder do Estado em virtude de

ser ele juridicamente ilimitado. Um Estado não deve obediência jurídica a nenhum outro Estado. Isso o coloca, pois, numa posição de coordenação com os demais integrantes da cena internacional e de superioridade dentro do seu próprio território, daí ser possível dizer da soberania que é um poder que não encontra nenhum outro acima dela na arena internacional e nenhum outro que lhe esteja nem mesmo em igual nível na ordem interna.

A autonomia, por outro lado, é a margem de discrição de que uma pessoa goza para decidir sobre os seus negócios, mas sempre delimitada essa margem pelo próprio direito. Daí porque se falar que os Estados-Membros são autônomos, ou que os municípios são autônomos: ambos atuam dentro de um quadro ou de uma moldura jurídica definida pela Constituição Federal.

Autonomia, pois, não é uma amplitude incondicionada ou ilimitada de atuação na ordem jurídica, mas, tão-somente, a disponibilidade sobre certas matérias, respeitados, sempre, princípios fixados na Constituição.

Autonomia, destarte, é uma área de competência circunscrita pelo direito, enquanto a soberania não encontra qualquer espécie de limitação jurídica.

O Estado federal é soberano do ponto de vista do direito internacional ao passo que os diversos Estados-Membros são autônomos do ponto de vista do direito interno. Eles gozam, como visto, de uma ampla margem de autonomia dentro das competências que lhes são fixadas pela Constituição Federal.

Na linguagem comum, usam-se indiferentemente República Federativa do Brasil e União como se fossem a mesma coisa. Mas já agora de posse dessas noções introdutórias sobre a federação podemos fazer a distinção que a técnica constitucional impõe.

FEDERAÇÃO E DEMOCRACIA É que a federação se tornou, por excelência, a forma de organização do

Estado democrático. Hoje, nos Estados Unidos, há uma firme convicção de que a descentralização do poder é um instrumento fundamental para o exercício da democracia. Quer dizer, quanto mais perto estiver a sede do poder decisório daqueles que a ele estão sujeitos, mais probabilidade existe de o poder ser democrático. Esse é um ponto fundamental: não teremos uma autêntica democracia no Brasil se não houver uma forte tendência descentralizadora.

Urge, pois, abrir mão de certas velharias inseridas na Constituição, que confundem a federação com um mecanismo de convivência de Estados carentes de unidade nacional para abraçar a federação como instrumento da democracia.

A regra de ouro poderia ser a seguinte: nada será exercido por um poder de nível superior desde que possa ser cumprido pelo inferior. Isso significa dizer que só serão atribuídas ao governo federal e ao estadual aquelas tarefas que não possam ser cumpridas senão a partir de um governo com esse nível de amplitude e generalização. Em outras palavras, o município prefere ao Estado e à União. O Estado, por sua vez, prefere à União.

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Não podemos esquecer-nos, contudo, de que os poderes agigantados de que desfruta hoje a União não foram necessariamente absorvidos dos Estados e municípios. O que houve foi uma intromissão incomensurada levada a cabo pelo poder central na esfera normalmente reservada aos particulares sobretudo em matéria econômica. De nada adiantará atribuírem-se tarefas específicas a Estados e municípios se se continuar a permitir que a União, de forma descontrolada, incursione pelo domínio econômico.

Foi a assunção de um papel avassalador e asfixiante na gestão da atividade industrial e financeira que permitiu à União exercer uma dominação não contrabalançada por poderes de igual monta nas demais esferas de governo.

Um poder central estatizante é inconvivente com uma autêntica federação, que pressupõe um equilíbrio entre as diversas esferas governamentais.

FEDERAÇÃO COMO PROCESSO Outro importante ponto a frisar é que a federação não é um esquema

jurídico que possa ser transformado em realidade tão-só pela sua enunciação no Texto Constitucional. A federação, como a democracia, é um processo que necessita constante aperfeiçoamento e adaptação a novas realidades.

Ela não se cumpre de um jato só, mas pressupõe um trabalho denodado e pertinaz voltado a exaurir ao máximo as potencialidades de transferência de atividades do centro para a periferia.

Como estamos encarando, a federação nada mais é do que a transplantação para o plano geográfico da tripartição de poderes do plano horizontal, de Montesquieu. Portanto, ela serve ao mesmo princípio de que o poder repartido é mais difícil de ser arbitrário. Se para se dar um golpe necessita-se da aquiescência de vinte e sete Estados e de mais de cinco mil municípios, ele nunca ocorrerá. Nós só temos tido golpes políticos na nossa história porque o poder está concentrado numa cúpula muito pequena. O fato de a ditadura ter sido centralizadora é perfeitamente explicável. O veículo por excelência do governo autoritário é a centralização do poder.

Em síntese, desde que encarada como forma de descentralização do poder, a federação é não só algo atual, mas uma das idéias magnas que devem informar o futuro do País.

A ESTRUTURA DO ESTADO FEDERAL A forma pela qual o poder é exercido tem sido sempre um problema de

vulto na organização das comunidades políticas. É que seria impossível a um governo querer estender sua eficácia até os limites do seu território sem, ao mesmo tempo, adotar alguma forma de descentralização.

Mesmo as Cidades-Estados na Grécia antiga se valeram, ainda que em escala reduzida, desse recurso. Não houve necessidade de exercitá-lo com mais intensidade em razão das exíguas dimensões territoriais dessas organizações políticas.

O problema toma-se mais agudo quando surgem na Europa os Estados modernos, resultado da concentração de todo o poder nas mãos do monarca.

Essas comunidades abrangiam grandes territórios; daí a necessidade de o poder égio fazer-se representar junto às comunidades locais e regionais através de prepostos. Mas o próprio caráter absoluto do regime impunha limites severos à descentralização.

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Só em 1787, quando os treze Estados confederados americanos se fundiram - se assim podemos dizer - no primeiro Estado federal, é que a descentralização do poder irá verdadeiramente florescer. Isso porque na federação as autonomias regionais são elevadas ao mais alto grau de importância, conferindo-se-lhes amplos poderes. Elas passam a denominar-se Estados, à semelhança do que acontece com a própria organização central da qual fazem parte integrante.

Além disso, têm constituições próprias, assim como um Legislativo, um Executivo e um Judiciário seus. Disso resulta ser a federação uma forma de Estado caracterizada sobretudo por ser a resultante de uma reunião ou associação de outros Estados. Cabe notar, inclusive, que a palavra federação vem do latim foedus, foederis, que significa exatamente união, associação.

República Federativa do Brasil é o nome que se dá ao todo, quer dizer, à resultante do poder central mais os poderes locais ou regionais. O Texto Constitucional chama-se Constituição da República Federativa do Brasil, exatamente porque se preocupa em organizar e dar as linhas mestras do Estado brasileiro.

Do ponto de vista interno, esse Estado se expressa basicamente através de duas ordens jurídicas (há uma terceira, a dos municípios, da qual falaremos mais adiante) que são, de um lado, a União e, de outro, os Estados-Membros ou os Estados federados, ou simplesmente Estados.

A União é, portanto, uma pessoa jurídica de direito público dotada de autonomia, vale dizer, ela pode atuar dentro dos limites que a Constituição lhe outorga, da mesma maneira que os Estados-Membros também são autônomos. A autonomia recíproca entre os Estados-Membros e a União é a essência do princípio federativo. Com relação a quem seria soberano dentro do Estado federal já muito se discutiu. Houve época em que se entendeu fossem os Estados-Membros os soberanos. Em outras ocasiões preferiu-se dizer que a soberania caberia simultaneamente aos Estados-Membros e à União. Hoje prevalece a doutrina segundo a qual soberano é o Estado total, é a República Federativa do Brasil, que expressa sua soberania na ordem internacional através dos órgãos da União.

Falamos há pouco dos municípios. É este um ponto importante na compreensão do federalismo brasileiro, porque se contemplarmos a doutrina sobre federação nunca vamos encontrar referência aos municípios, considerados um problema dos Estados-Membros que a eles outorgam, ou não, autonomia segundo o seu talante, ou segundo a sua vontade.

Mas no constitucionalismo brasileiro tal não ocorre. Os municípios também desfrutam de uma autonomia similar à dos Estados-Membros, visto que não lhes falta um campo de atuação delimitado, leis próprias e autoridades suas. Isso dá ao nosso município a qualidade de autônomo e, mais do que isso, autônomo por força da própria Constituição.

TRAÇOS COMUNS A TODA FEDERAÇÃO É certo que existem uniões de Estados relevantes do ângulo do direito

internacional, mas essas se chamam confederações. O documento jurídico que as forma é o tratado. Dois ou mais Estados podem vincular-se do ponto de vista do direito internacional, celebrando obrigações recíprocas e chegando mesmo a criar um órgão central encarregado de levar a efeito as decisões tomadas.

Mas há diferenças fundamentais entre a confederação e a federação. Na primeira, já vimos, os Estados que a compõem não perdem sua

individualidade do ponto de vista do direito internacional. Todos eles continuam

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plenamente detentores da soberania, podendo, livremente, desligar-se a qual quer momento da confederação. Além do mais, esta não tem poderes de imiscuir-se nos assuntos internos de cada um dos Estados que a formam. Quer dizer, as decisões tomadas no nível da confederação dependerão sempre de leis internas a cada um dos Estados, para que se tomem efetivas.

Em termos históricos, a confederação é bem mais antiga que a federação. A própria antiguidade clássica a conheceu. Na Grécia, sobretudo, foram

freqüentes as ligas formadas debaixo da supremacia de uma dada cidade em torno da qual se agrupavam diversas outras, unidas por vínculos de colaboração recíproca.

Em diversas outras ocasiões históricas, os Estados houveram por bem celebrar, entre si, laços confederativos.

Às vezes, a confederação deu lugar a uma federação: caso dos Estados Unidos e da Suíça, onde, precedentemente às atuais federações, existiram confederações. Nos Estados Unidos durou de 1781 a 1787, data esta em que entrou em vigor a primeira Constituição autenticamente federativa na história da humanidade. As razões que presidem a essa passagem normalmente dizem respeito a um caráter muito frouxo das associações confederativas.

Como são poucas as obrigações impostas aos Estados integrantes e como de outra parte remanescem estes na plena responsabilidade de sua soberania, torna-se difícil atingir o alto grau de coesão e de unidade exigidos em dadas circunstâncias históricas.

No caso americano, foi o conjunto de problemas enfrentados pelos Estados confederados que deu lugar à federação, essa forma extremamente engenhosa de organização do poder. De um lado, havia a necessidade de organizar-se um poder central forte e, de outro, havia a entranhada convicção de que os Estados não deviam abrir mão de sua soberania. A solução encontrada pelos constituintes de Filadélfia foi a de atribuir ao Estado federal tão-somente os poderes que fossem expressamente enunciados na Constituição.

Destarte, apenas aquelas competências que passaram a ser definidas no Texto Constitucional como da alçada da União é que podiam ser desempenha das pelo órgão central do poder. É preciso reconhecer o caráter extremamente pragmático do comportamento dos constituintes da Filadélfia. Cumpria, antes de mais nada, resolver o problema do conflito aparente de objetivos entre um governo central forte e autonomias locais, também robustas.

Esse caráter pragmático, sem apego a princípios teórico-filosóficos, explica uma ausência curiosa: não há qualquer referência à palavra federação na Constituição americana, muito embora seja ela o modelo das constituições federativas.

Quanto aos Estados-Membros, passaram eles a contar com todos os poderes que não fossem delegados à União ou que não estivessem expressamente proibidos de exercitar, pela Constituição Federal. Essa técnica de repartição das competências é ainda hoje a predominante na maioria das federações: consiste em atribuir poderes enunciados à União e os poderes remanescentes aos Estados-Membros. Sua grande virtude desde o início foi atender perfeitamente a exigências aparentemente contraditórias.

A União, pela enunciação das competências que recebia, surgia suficientemente forte para impor-se em matérias específicas aos Estados-Membros.

Estes, por sua vez, tinham também a certeza de continuar inteiramente soberanos, em tudo aquilo que não dissesse respeito às delegações expressamente feitas. Esse federalismo de cisão profunda entre as competências da União e dos Estados

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é, ainda hoje, considerado o federalismo clássico ou o federalismo dualista. Com a evolução dos tempos, não foi mais possível respeitar a sua pureza inicial, pela razão óbvia de que se tornou necessária uma certa interpenetração entre as atividades da União e a dos Estados. Isso hoje é feito mediante o recurso a uma série de técnicas que viabilizam a participação da União em atividades conjuntas com os Estados, da mesma forma que fazem dos Estados entes de colaboração na atividade federal. Daí se falar em um autêntico federalismo de colaboração.

É curioso notar como certas características fundamentais da federação não se alteram com o tempo e continuam até hoje a refletir fielmente as preocupações com que se houveram os constituintes da Filadélfia. Assim, a repartição de competências, estabelecida em 1787 pelo recurso à técnica de competências enunciadas e competências remanescentes, permanece até hoje um elemento indispensável à federação, embora nem todas as federações adotem as mesmas técnicas de partilha das competências, nem o façam segundo as mesmas dosagens.

Como decorrência natural dessa primeira característica, tivemos desde o início, e ainda temos, a necessidade de assegurar que essa partilha de competência não seja subvertida no funcionamento normal das coisas. Em outras palavras, é preciso que o disposto na Constituição não se revele, na prática, letra morta. E para isso recorreu-se ao fortalecimento do Poder Judiciário, elemento também indispensável em toda federação. De nada adiantaria preocupar-se em repartir as competências entre União e Estados, se não houvesse um órgão em condições de superiormente dirimir os conflitos entre ambos. Daí porque, desde o início, ter o Poder Judiciário americano desfrutado de um grande prestígio na vida nacional. Prestígio este que mantém, de resto, até hoje. Como em muitos outros aspectos, a Federação americana acaba por ser uma criação da Suprema

Corte daquele país, pela interpretação que faz do Texto Constitucional. É ainda inerente a toda federação um Texto Constitucional no qual se

façam essas instituições presentes. Texto esse que não fique ao sabor de alteração por via de leis ordinárias, mas que só possa ser modificado por uma emenda à Constituição, produzida mediante a satisfação de requisitos bastante exigentes, envolvendo, inclusive, a participação dos próprios Estados. É esse elemento de estabilidade que acaba por assegurar a manutenção da partilha inicial de competências. Uma constituição escrita e uma constituição tecnicamente rígida, quer dizer, aquela que só por via de uma emenda constitucional pode ser alterada, constituem ainda hoje traços essenciais do federalismo.

São as seguintes as características principais de uma federação:

a união de certas entidades políticas autônomas (os Estados) para finalidades comuns;

a divisão dos poderes legislativos entre o governo federal e os Estados componentes, divisão regida pelo princípio de que o primeiro é um "Governo de poderes enumerados", enquanto os últimos são governos de ""poderes residuais"";

a operação direta, na maior parte, de cada um desses centros de governo, dentro de sua esfera específica, sobre todas as pessoas e propriedades compreendidas nos seus limites territoriais;

a provisão de cada centro com o completo aparelhamento de execução da lei, quer por parte do Executivo, quer do Judiciário.

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FEDERAÇÃO AMERICANA O item referente à união de Estados autônomos responde perfeitamente

ao ocorrido na Federação americana em que houve de fato a associação de treze Estados independentes, mediante um verdadeiro pacto federal. Embora a Constituição americana comece pela frase "Nós, o povo dos EUA", esculpida no seu preâmbulo, a união foi, de fato, celebrada pelos Estados. Foram seus representantes que elaboraram a Constituição de 1787, da mesma maneira que foi esta submetida a ratificações obtidas mediante o voto de convenções eleitas em cada um dos Estados.

Portanto, no exemplo americano, fica patente o fato de a nação americana ter surgido da união voluntária de treze soberanias autônomas, o que levou um juiz americano a afirmar que a Constituição é um pacto entre as entidades soberanas.

É certo que essa soberania, inicialmente admitida, dos Estados-Membros, foi na prática desmentida, sobretudo por ocasião da Guerra da Secessão, em que os Estados sulistas pretenderam sem êxito fazer valer o seu direito de separação, de saída, da Federação.

Fica claro, no episódio, que a União, na verdade, era perpétua e indissolúvel.

A Suprema Corte dos EUA observou a esse respeito: "A perpetuidade e a indissolubilidade da União de forma alguma implica a perda de existência distinta e individual ou do direito de autonomia dos estados. Segundo a Constituição, embora os poderes dos estados fossem bastante limitados, todos os poderes não delegados aos Estados Unidos, nem proibidos aos estados, são reservados aos estados, respectivamente, ou ao povo".

Essa união de Estados não fica tão patente, pelo menos em termos históricos, em países como o Brasil, em que a Nação antecedeu à Federação. Mas a idéia de que o governo federal resulta da associação pactuada de Estados, essa idéia, em si mesma, continua a ter ainda uma força teórica na explicação do modelo federativo, mesmo naqueles Estados em que, do ponto de vista histórico, tal união jamais tenha existido.

A TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS O cerne da federação, no entanto, é a divisão de poderes entre o Estado

central e os Estados-Membros. Em 1787, embora um dos convencionais tenha chegado a propor a abolição das autonomias estaduais, o certo é que essa intervenção de nenhuma forma interpretava o sentimento geral dos convencionais, inclusive por serem, estes, representantes dos Estados-Membros. A preocupação predominante era evitar qualquer possibilidade de asfixia dos Estados. Estes haveriam de remanescer como Estados dotados de todos os elementos necessários à sua integração. Daí ter-se limitado a União tão-somente aos poderes enunciados, garantia de que não haveria um engrandecimento exagerado do Estado central.

A teoria dos poderes enunciados, contudo, não nos deve deixar esquecer que a interpretação posterior da Suprema Corte americana, acolhida, de resto, pela maioria dos estudiosos do modelo federativo, veio a determinar que, além dos poderes expressamente enunciados, seriam também indispensáveis à União os poderes implícitos, ou seja, aqueles que fossem instrumentais ao atingimento das finalidades expressamente enunciadas.

Com o passar dos tempos, foi essa teoria dos poderes implícitos que acabou por permitir o desenvolvimento e o desabrochar completo do governo central.

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Hoje nós não encontraríamos na Constituição americana previsão expressa de muitas das atividades que são cumpridas pelo governo central daquele país.

É que elas repousam na interpretação jurisprudencial da Suprema Corte, que nelas viu meio indispensável ao atingimento das finalidades contempladas nos dispositivos expressos da Constituição Federal.

Um traço muito típico do federalismo é o fato de o poder central ter imediata atuação sobre as pessoas e sobre o território dos Estados-Membros.

Nas formas confederativas anteriores tal não ocorria, pois o órgão central tinha, apenas, a possibilidade de ditar ordens. Ficava a cargo dos próprios Estados confederados cumpri-las ou não. Nessas condições, era obviamente muito difícil tornar o poder central efetivo sobre as pessoas e o território de todos os

Estados componentes. Essa talvez tenha sido a principal razão da fraqueza do modelo confederativo. Com o surgimento da federação, tornou-se o poder central habilitado a, sem a intermediação dos Estados-Membros, intervir diretamente sobre as pessoas e sobre as coisas dos territórios sob sua jurisdição, dando lugar, portanto, a um modelo novo na história da organização política da humanidade. Essa sobreposição de duas ordens jurídicas, dando lugar a dois governos diferentes, tornou-se não só um traço marcante do federalismo, mas também um fator de enriquecimento das modalidades até então conhecidas de organização do poder dentro do Estado.

Até hoje, o fato de o cidadão estar a todo momento submetido a dois governos diferentes com os quais ele se relaciona de maneira autônoma é uma coisa bastante curiosa para as pessoas acostumadas a lidar com o viver dentro de um Estado unitário.

Mas na prática não é difícil obedecer simultaneamente às ordens vindas do governo central e às ordens vindas do governo estadual, porque obviamente elas não são contraditórias, já que cada governo atua dentro da sua área específica de competência. O certo é que o indivíduo deverá estar atento ao cumprimento de seus deveres.

A FEDERAÇÃO NO DIREITO POSITIVO BRASILEIRO A exemplo do Estado central, os Estados-Membros dispõem, cada um

deles, do seu aparato organizacional próprio. Trata-se, portanto, de governos plenos, com todos os órgãos que entidades desse tipo comportam. Daí porque existir um Executivo, um Legislativo e um Judiciário dos Estados-Membros, assim como há um Executivo, um Legislativo e um Judiciário da União.

Hoje, embora as decisões mais importantes sejam emanadas do poder central, o certo é que os Estados-Membros, quer em uma Federação como o Brasil, quer em uma Federação como a americana, continuam a deter uma presença bastante grande junto à vida dos cidadãos. Normalmente, as funções de polícia, de prestação de ensino, de prestação de serviços de saúde, e um sem-número de outras atividades, estão entregues aos Estados-Membros, e é com essas máquinas administrativas que o cidadão deve lidar. Os próprios tributos, de resto, são separados entre aqueles que são da União e os que pertencem aos Estados-Membros, e o cidadão deverá honrá-los igualmente.

Em princípio, não há mesmo que se falar em supremacia da União sobre os Estados, nem destes sobre aquela, se bem que o federalismo americano tenha enfatizado um denominado princípio de supremacia nacional sobre os Estados.

O que vem a ser isso? É evidente que não significa de maneira alguma que a União possa, a seu talante, invadir as esferas de competência dos Estados. O

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respeito recíproco às esferas de cada uma das suas competências existe, e é, como vimos, reiteradamente, a essência do federalismo. A essa regra não há exceções.

Ocorre, todavia, que a jurisprudência americana consagra a hipótese de uma lei estadual conflitar com uma lei federal, ambas calcadas em razoáveis indícios de constitucionalidade. Um caso concreto foi o do Estado de Nova Iorque, que proibiu a navegação em trechos de rios de seu território depois que o governo central dos EUA já havia tolerado a navegação internacional. Esse caso, como ficaria? Para resolvê-lo aplicou-se a cláusula da Constituição americana, que diz: "a lei federal, a Constituição e os Tratados são a lei suprema do país".

Jurisprudencialmente tem-se estabelecido que essas normas federais não podem sofrer nenhuma forma de contraste, nenhuma forma de oposição emanada dos Estados, ainda que calcada em uma competência constitucionalmente sua.

Ressalte-se, porem, que, apesar de podermos falar nesse princípio da supremacia da União sobre os Estados, ele deve ser entendido na realidade não como "princípio", mas como exceção. Válida em casos muito restritos, apenas naqueles em que é possível conceber-se um conflito constitucional de competência.

No direito brasileiro, mais adiante se verá, não tem tanto sentido a necessidade desse tipo de princípio, porque é hábito nosso resolver as questões de conflito através da dirimência do problema preliminar de saber qual a lei constitucional.

De qualquer sorte, esse princípio americano tem tido efeitos nefastos sobre a nossa doutrina, onde muitas vezes encontramos a afirmação de um alegado ou suposto princípio de hierarquia das leis, que colocaria a lei federal acima da lei estadual.

Quer-nos parecer que essa é uma extrapolação acrítica e simplificadora do princípio americano, só aplicável, reiteramos, nos casos bem restritos em que há uma lei federal constitucional que está sofrendo contrariedade de uma lei estadual. Mas todos os casos onde houver um transborde, uma extrapolação da competência federal, se resolvem normalmente em inconstitucionalidade e não levam à invocação do princípio de superioridade da lei nacional sobre a dos Estados.

O Brasil adotou o federalismo em 15 de novembro de 1889 por força da implantação da República e pela opção que nesse momento se fez pela forma federativa de Estado. Tal decisão só foi implementada com a superveniência da Constituição de 1891.

Inicia-se, então, um período em que os Estados recém-criados gozaram de grande autonomia e nem sempre dela fizeram bom uso. Na maior parte dos casos, caíram sob o governo das oligarquias locais, que se valeram principalmente da margem de poder conquistado para o exercício de uma maior dominação dos seus interesses grupais e de classe.

Em 1930, em conseqüência do movimento revolucionário, nomeiam-se interventores para os Estados, o que, evidentemente, os priva de uma efetiva autonomia.

A Constituição de 1934 confirma o caráter federativo do Estado brasileiro. Mas é logo revogada por nova Constituição, que vem no bojo do golpe de

Estado de 1937, e volta o Brasil à forma unitária de Estado. A Federação só ressurge com a Constituição de 1946. A partir de 1964, o

movimento armado, que então se deflagrou, dando lugar a um regime despótico e autoritário, trouxe a todo instante violentos abalos e produziu um enorme enfraquecimento do princípio federativo. De resto, o próprio avanço do Estado técnico-burocrático, assumindo funções cada vez mais amplas no campo econômico, tem feito com que muitos autores duvidem do caráter federativo do Estado brasileiro.

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O primeiro ponto que se pode ter por certo é que o Brasil não tem acentuadas tradições federativas, como seria o caso, por exemplo, dos EUA. Tivemos um período monárquico em que vigorava o Estado unitário, e após a independência o grau de autonomia dos Estados-Membros nunca assumiu proporções equiparáveis às existentes nos Estados de federalismo mais desenvolvido.

Contudo, é forçoso reconhecer que nada obstante o inegável fortalecimento do poder central em detrimento das autonomias locais, o modelo jurídico vigente no Brasil ainda é o de um Estado federal. Tudo se passa, aqui, como num modelo federativo autêntico, uma vez que há mecanismos de repartição de competências, e respeito às autonomias locais, ainda que muitas vezes esvaziadas, mas, de qualquer forma, existentes nos campos restritos da sua atuação. Enseja declaração de nulidade a lei que não respeitar essas autonomias locais. Tudo isso faz com que, ainda hoje, para que se entenda o funcionamento do Estado brasileiro, haja necessidade de compreender os mecanismos de funcionamento de uma federação.

A FEDERAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 O traço principal que marca profundamente a nossa já capenga estrutura

federativa é o fortalecimento da União relativamente às demais pessoas integrantes do sistema. É lamentável que o constituinte não tenha aproveitado a oportunidade para atender ao que era o grande clamor nacional no sentido de uma revitalização do nosso princípio federativo. O Estado brasileiro na nova Constituição ganha níveis de centralização superiores à maioria dos Estados que se consideram unitários e que, pela via de uma descentralização por regiões ou por províncias, consegue um nível de transferência das competências tanto legislativas quanto de execução muito superior àquele alcançado pelo Estado brasileiro. Continuamos, pois, sob uma Constituição eminentemente centralizadora, e se alguma diferença existe relativamente à anterior é no sentido de que esse mal (para aqueles que entendem ser um mal) se agravou sensivelmente.

Antes, contudo, de justificarmos essas assertivas através dos dispositivos constitucionais correspondentes, cumpre fazer algumas observações ainda de cunho genérico. A primeira delas é que o art. 18, ao dar a estrutura da Federação brasileira, nela incluiu os municípios.

Embora isso desatenda àqueles estudiosos que preferiam a adoção de um modelo mais clássico de federação, onde se desconhece a ordem municipal no próprio nível da Constituição, não se pode negar que nesse particular andou bem o constituinte ao incluir o município como parte integrante da Federação.

O argumento principal é que, sendo a autonomia municipal um dos centros de polarização de competência constitucional a ser exercida de forma autônoma, não se vê por que não hão de, os municípios, figurar naquele próprio artigo que fornece o perfil jurídico-político da República Federativa do Brasil.

O fato de os municípios não se fazerem representar na União e, portanto, não comporem de certa forma o suposto pacto federativo, nos parece ser um argumento de ordem excessivamente formal, que deve ceder diante da realidade mais substancial como aquelas que acima apontamos.

O Distrito Federal, por sua vez, continua, como de resto na Constituição anterior, a figurar como parte integrante da Federação brasileira.

Hoje com mais razão que outrora, visto também gozar de faculdades autônomas, isto é, o Distrito Federal tornou-se mais uma das autonomias existentes no Estado brasileiro, autonomia esta exercida sobre as matérias que lhe são próprias, por

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intermédio de um Legislativo próprio. Dessa forma, o Distrito Federal, num movimento pendular que tem cumprido através da nossa história, volta a ocupar uma das pontas desse movimento, assemelhando-se em quase tudo a um Estado-Membro da Federação.

REPARTIÇÃO DE COMPETÊNCIAS CONSTITUCIONAIS O sistema de partilha das competências constitucionais foi razoavelmente

alterado ante o Texto anterior. Este mantinha maiores escrúpulos com relação ao modelo clássico de federação, ao permitir que ainda guardasse alguma significação o princípio de que os poderes não ressalvados expressamente na Constituição como da União pertencem aos Estados. Tratava-se do § 1º do art. 13 da Constituição:

Aos Estados são conferidos todos os poderes que, explícita ou implicitamente, não lhes sejam vedados por esta Constituição.

Não obstante artigo de igual índole manter-se na atual Constituição, é forçoso reconhecer que já agora ele ganha ares de verdadeira irrisão, provocando mesmo a mofa e a galhofa. Isso porque são tão amplas as competências atribuídas a títulos diversos à União, que a participação do Estado se torna evanescente.

Há, portanto, uma verdade inquestionável: a regra de ouro da nossa Federação tornou-se a de que a União cumpre um papel hegemônico na atividade legislativa em todos os níveis. Destarte, trata-se de mudança substancial de critério em face da lei maior precedente. Nesta ainda havia a preocupação de se apartarem competências de maneira mais ou menos nítida, permitindo que os Estados e Municípios desfrutassem de uma competência privativa, exclusiva, apesar de sabermos que a técnica da competência supletiva já era conhecida na Constituição anterior.

Mas, dizíamos, nada obstante esse fato que até assumia um ar de algo excepcional em face da lei maior que ainda parecia ser o desfrute por parte do Estado de competências para legislar originariamente, o certo é que essa competência praticamente desaparece, ficando reduzida na verdade a itens pouco numerosos, quase inexistentes.

A área em que essa situação pode ainda se fazer sentir é a do servidor público, que é do direito administrativo. Mesmo assim, resulta muito desfalcada por toda a sorte de matérias que hoje são, na verdade, de competência da União. Vejamos como isso se dá, examinando em capítulos apartados as diversas entidades que compõem a nossa Federação. Comecemos pela União.

9.2) DA UNIÃO NATUREZA JURÍDICA DA UNIÃO A União é pessoa jurídica de direito público com capacidade política, que

ora se manifesta em nome próprio, ora se manifesta em nome da Federação. Uma das características do Estado federal é ele possuir uma dupla face:

certos aspectos ele se apresenta como um Estado unitário e, em outros, aparece como um agrupamento de coletividades descentralizadas.

De fato, quando a União mantém relações com Estados estrangeiros, participa de organizações internacionais, declara guerra e faz a paz, está representando a totalidade do Estado brasileiro. Está agindo como se o Brasil fosse um Estado unitário.

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Diante do Estado estrangeiro, a União exerce a soberania do Estado brasileiro, fazendo valer os seus direitos e assumindo todas as suas obrigações.

Em conseqüência, os países estrangeiros não reconhecem nos Estados-Membros e Municípios personalidades de direito internacional. São, tão-somente, pessoas jurídicas de direito público do Brasil.

Internamente, a União atua como uma das pessoas jurídicas de direito público que compõem a Federação. Vale dizer: exerce em nome próprio a parcela de competência que lhe é atribuída pela Constituição. Por isso mesmo, no âmbito interno, a União é apenas autônoma, como são autônomos os Estados-Membros e os Municípios, cada qual, dentro de sua área de competência. (Matéria tratada no capítulo referente à Federação.)

Em síntese: a União pode ser definida como pessoa jurídica de direito público com capacidade política que exerce autonomamente em função das competências que lhe são deferidas pelos arts. 21, I a XXV, e 22 da Constituição Federal.

COMPETÊNCIAS DA UNIÃO As competências da União são divididas em legislativas e não-legislativas. Estas últimas vêm arroladas no art. 21. São atos da alçada tanto do

Executivo quanto do Legislativo, conforme a hipótese. O que é certo é que são competências que a União deverá exercer diretamente, como declarar a guerra, celebrar a paz. Em alguns casos a Constituição permite a descentralização, ao dispor no art. 21 que compete à União explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, "os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e outros aspectos institucionais" (inciso XI) e "os serviços de radiodifusão sonora e de sons e imagens" (inciso XII, a), ambos com redação dada pela Emenda Constitucional nº 8 de 15 de agosto de 1995.

O art. 22 arrola as competências legislativas da alçada da União. Cuida-se, portanto, de assuntos sobre os quais compete à União privativamente legislar.

Esta é a regra. Contudo, o parágrafo único deste mesmo artigo diz que lei complementar poderá autorizar os Estados a legislarem sobre questões específicas das matérias relacionadas no artigo supracitado.

Cuida-se, sem dúvida, de autorização constitucional que prevê uma delegação possível de competências a favor dos Estados-Membros. No entanto, esta aparente abertura a favor destes últimos fica muito enfraquecida diante de dois fatos. Em primeiro lugar, a necessidade de uma lei complementar; em segundo lugar, o fato de que esta lei complementar não poderá delegar todo um inciso, ou se preferirmos, a regulação integral de determinada matéria.

Deverá, na verdade, dita delegação limitar-se a questões específicas constantes das aludidas matérias.

A Constituição cuida ainda de mais duas hipóteses de competências da União; são as chamadas competências concorrentes, porque podem ser cumpridas tanto pela própria União como pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos próprios Municípios. O art. 23 cuida das tarefas não legislativas. Além do mais, ponto de destaque neste artigo é a previsão, no seu parágrafo único, de uma lei complementar que fixará normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios. É sem dúvida dispositivo que quebra a rigidez das competências constitucionais. Por via desta lei

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complementar a União pode inequivocamente imiscuir-se em questões da alçada dos outros entes políticos.

No art. 24 encontramos as matérias que a União pode legislar de forma concorrente com os Estados e o Distrito Federal. Observe-se a exclusão dos Municípios.

Os diversos parágrafos deste artigo estabelecem os contornos do que seja a competência concorrente. A União fica adstrita à edição de normas gerais, embora nem sempre seja claro em que se distinguem as normas gerais das não gerais. Essa legislação da União não exclui o poder dos Estados e do Distrito Federal, suplementarmente, de disporem sobre a mesma matéria. Deve-se entender por suplementarmente o seguinte: na inexistência de lei federal os Estados e o Distrito Federal legislarão livremente, sem restrições. A sobrevinda, contudo, ou a preexistência de uma lei federal sobre a matéria só tornam válidas as disposições que não contrariem as normas gerais da União.

Uma Visão Crítica de suas Competências A primeira delas é a da chamada competência privativa. O art. 22 que

elenca um rol de matérias da privativa alçada da União, como diz o caput deste dispositivo. E não há dúvida que aí estão arroladas as competências legislativas mais transcendentais para o Estado brasileiro. Aí se encontra todo o direito substantivo: direito civil, comercial, penal, processual, e ramos mais modernos da ciência jurídica como: o direito agrário, o direito eleitoral, o direito marítimo, o aeronáutico e até mesmo o espacial.

Não seria o caso aqui de reproduzir, por ser extremamente cansativo, o rol constante do art. 22. O que é importante notar, todavia, é que, não obstante a utilização do termo privativo, o que poderia denotar uma utilização exclusiva por parte da União a repelir a intromissão de qualquer outra pessoa, o parágrafo único desse artigo vai autorizar à lei complementar conferir a Estados o poder de legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas nesse artigo.

Não nos devemos iludir e achar que caiba ao Estado-Membro uma verdadeira competência supletiva sobre esses assuntos. Em primeiro lugar, porque a lei complementar demandante de uma maioria absoluta dos membros de cada uma das Casas do Congresso Nacional não é lei fácil de ser aprovada.

De outra parte, essa lei não poderá transferir uma competência da mesma

natureza daquela auferida pela União. Isso porque a própria lei complementar está limitada ao seu alcance, só

podendo autorizar legislação sobre questões especificas das matérias relacionadas no aludido artigo. Destarte é quase uma delegação legislativa, onde a lei complementar seria uma autêntica lei delegante a indicar os pontos sobre os quais pode versar a legislação estadual. É facilmente perceptível e antecipável que essa legislação complementar não ocorrerá. A União será sempre mais tentada a de uma vez legislar sobre esses pontos do que a cuidar de uma difícil lei complementar que especificará os pontos que depois serão versados pelos Estados.

É, portanto, uma concessão hipócrita, falsa, tentar manter a aparência de uma competência estadual que não mais existe.

Por seu turno, o art. 23 faz referência a uma competência comum. Estados, União, Distrito Federal e Municípios poderão tratar do ali disposto. Mas observe-se: não se trata de competência legislativa, mas na verdade de imposição de ônus

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consistente na prestação de serviços e atividades. Ficamos sabendo que ao Estado cabe cuidar da saúde e da assistência pública, proteger os documentos, obras e outros bens de valor histórico e cultural, impedir o comprometimento de obras de arte, promover a cultura, o meio ambiente, preservar as florestas, fomentar a produção agropecuária, cuidar de programas de construção de moradias, combater as causas da pobreza e exercer um autêntico poder de polícia em matéria de pesquisa e exploração de recursos hídricos e minerais em seus territórios. Mais, portanto, do que um poder político a ser extravasado numa legislação própria, a dar conformação à atividade estadual, cuida-se aí de atribuir tarefas específicas ao Estado nos diversos campos da economia, do social e do administrativo.

Mas, ainda assim, não vá o constituinte estadual se entusiasmar pensando que sobre todas essas tarefas poderá o Estado impor o cunho próprio da sua autonomia. Não! Isso porque, nos termos do parágrafo único, a lei complementar fixará normas para a cooperação, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional. Vale dizer, mais uma vez se assiste ao predomínio da deslealdade. Dá-se com uma mão, retira-se com a outra. Mesmo no cumprimento dessas tarefas, os Estados não estarão imunes à obediência a uma legislação federal que, sob a generosa perspectiva de estabelecer uma cooperação, na verdade fixará normas de maneira impositiva para todas as unidades da Federação.

O art. 24 nos fornece o rol das competências concorrentes. O próprio nome está a indicar. Trata-se de temas sobre os quais todos poderão versar normativamente, tanto a União, quanto os Estados, quanto o Distrito Federal.

Vamos aí entre outros encontrar exemplificativamente o direito tributário, o financeiro, o penitenciário, o econômico, o orçamentário, as juntas comerciais, as custas de serviços forenses etc.

Mas ainda aqui não se abre ao Estado a possibilidade de legislar originariamente sobre o assunto. Não se trata de uma competência concorrente para a qual todos concorram em iguais condições. Isso porque o § 1º diz que cabe à União estabelecer as normas gerais sobre tais assuntos e isso ainda feito com o ar de alguém que está sendo comedido para consigo mesmo, porque diz o aludido parágrafo que, "no âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais".

Perguntar-se-á: depois de estabelecidas essas normas gerais, que limites ainda existem? O que sobra para os Estados?

A resposta nos é dada pelo § 3º, que diz: "Inexistindo lei federal sobre

normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades". É necessário aqui

dar um desconto ao péssimo vernáculo - certamente não foi intenção do legislador dizer o que está ali escrito - pois de outro modo seríamos levados a crer que bastaria uma lei federal com dois ou três artigos para inibir a competência estadual correspondente àquele parágrafo. Não! Certamente não foi isso que quis o constituinte.

A interpretação sistemática há de prevalecer e desta deflui que cabe aos Estados exercerem uma competência legislativa suplementar nos vazios e nos claros deixados pela legislação federal ou inexistindo lei federal. Não deve, pois, significar a não-existência de uma lei sobre o assunto a ser tratado, mas a não-existência de um preceito, de um artigo, de uma norma.

Mesmo assim, feito portanto esse desconto e interpretado o Texto de forma mais benigna aos Estados, ainda assim fica claro que por mais esse ângulo das

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competências concorrentes não se chega a vislumbrar qualquer competência estadual para legislar originariamente sobre o que quer que seja isso, porque fica certo que as possibilidades de atuação do Estado nessa área são eminentemente secundárias. A experiência já havida sobre uma legislação de normas gerais tem demonstrado que a concepção que faz a União do que sejam normas gerais é bastante lata. Então, hoje, temos normas gerais de direito tributário, normas gerais sobre educação, e todas essas leis são bastante amplas, a ponto de tolherem quase que por completo a atuação livre dos Estados.

De outra parte, o § 1º do art. 25 continua a grande farsa já bosquejada nos artigos anteriores. Diz-nos que "são reservadas aos Estados as competências que não lhes sejam vedadas por esta Constituição". Ora, já vimos que a outorga de competências expressas à União, relativamente às quais cabe ao Estado um caráter eminentemente secundário, ancilar, subordinado, fica excluída de qualquer possibilidade de atuação útil do legislador estadual. Mas para que o desalento não fosse total, o § 2º desse mesmo artigo nos acena com uma competência expressa dos Estados: "Cabe aos Estados explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação" (redação dada pela EC nº 5, de 15/08/1995).

É óbvio que nos pouparemos a qualquer comentário sobre o alcance dessa competência, mas, desde logo, caberia o brocardo: "uma andorinha não faz verão". E no pouco que lhe cabe legislar, os Estados deverão obediência a princípios constitucionais de vinculação obrigatória. Eles vêm previstos em diversos passos da Constituição. Citem-se, exemplificativamente, os arts. 1º e 6º, § 4º Este último fala em forma federativa de Estado, voto direto, secreto, universal e periódico; separação de poderes e direitos e garantias individuais. O art. 1º alude à soberania, à cidadania, à dignidade da pessoa humana, aos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa e ao pluralismo político.

A uma enunciação clara e precisa, feita em artigo específico, preferiu-se uma referência difusa, feita em pontos diferentes do Texto Constitucional, o que certamente deixará sempre em aberto a questão: a quais princípios estão os Estados efetivamente submetidos?

BENS DA UNIÃO O art. 66 do Código Civil distingue três categorias de bens públicos: Art. 66

I - os de uso comum do povo, tais como os mares, rios, estradas, ruas e praças;

II - os de uso especial, tais como os edifícios ou terrenos aplicados a serviços ou estabelecimentos federal, estadual ou municipal;

III - os dominicais, isto é, os que constituem o patrimônio da União, dos Estados, ou dos Municípios, como objeto de direito pessoal, ou real de cada uma dessas entidades.

É bom que se diga que a enumeração desse art. 66 não é exaustiva, O próprio Código Civil prevê a possibilidade de outros bens serem incorporados ao patrimônio público. São exemplos: a incorporação do álveo de rio público mudado de curso (CC, art. 544); a incorporação da propriedade privada ao patrimônio público no caso de perigo iminente (CC, art. 591).

Os bens da União estão elencados no art. 20 da Constituição Federal:

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"São bens da União:

I - os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos".

Este preceito, aparentemente supérfluo, tem sua utilidade jurídica, pois demonstra que a enumeração do art. 20 é exemplificativa. Além dos bens elencados neste dispositivo, pertencem à União todos os bens de uso comum do povo, de uso especial ou dominiais que, no momento da promulgação da Constituição, a ela pertenciam, bem como aqueles que futuramente lhe sejam atribuídos.

"II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservaçãoambiental, assim definidas em lei."

Terras devolutas - são todas aquelas que pertencem ao domínio público e que não se encontram afetas a uma utilização pública. São terras que nunca deixaram de pertencer ao domínio público, ou que, tendo sido transpassadas a particulares, retornaram ao Poder Público por não terem os seus donatários cumprido com suas obrigações.

Essas terras, até a Proclamação da República, pertenciam à Nação; pela Constituição de 1891 foram transferidas aos Estados-Membros (art. 64) e alguns destes a transpassaram, em parte, aos Municípios.

"III - os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais."

O domínio da União compreende os lagos e quaisquer correntes de água que:

estejam em terrenos da União; banhem mais de um Estado; sirvam de limites com outros países; estendam-se a território estrangeiro ou dele provenham.

"IV - as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as áreas referidas no art. 26, II."

O art. 26, II, diz pertencerem aos Estados as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem sob seu domínio, excluídas as pertencentes à União, Municípios ou terceiros.

“V - os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva."

Integra o domínio da União a plataforma continental, que compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial até uma distância de 200 (duzentas) milhas marítimas. O Brasil exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais.

A zona econômica exclusiva compreende uma faixa que se estende das 12 (doze) às 200 (duzentas) milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial.

Na zona econômica exclusiva, o Brasil tem direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais e outras atividades com vistas à exploração e ao aproveitamento da zona para fins econômicos.

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Tanto na zona econômica exclusiva quanto na plataforma continental, o Brasil, no exercício de sua jurisdição, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e preservação do meio marinho, bem como a construção, operação e uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estruturas.

A investigação científica marinha só poderá ser conduzida por outros Estados com o consentimento prévio do Governo brasileiro, nos termos da legislação em vigor que regula a matéria.

"VI - o mar territorial."

Mar territorial é aquela porção dos oceanos sobre a qual os Estados ribeirinhos exercem soberania. Pela Lei nº 8.617, de 4 de janeiro de 1993, o Brasil fixou em 12 (doze) milhas de extensão o seu mar territorial, bem como o subsolo desse mar e o espaço aéreo correspondente.

Todavia, a soberania exercida no mar territorial encontra limites na ordem jurídica internacional. Assim é que o Brasil reconhece a navios de todas as nacionalidades o direito de passagem inocente pelas águas territoriais, o que não acontece relativamente às águas internas. Segundo a Lei nº 8.617, a passagem será considerada inocente desde que não seja prejudicial à paz, à boa ordem ou à segurança do Brasil, devendo ser contínua e rápida.

Compreende a passagem inocente o parar e o fundear, mas apenas na medida em que tais procedimentos constituam incidentes comuns de navegação ou sejam impostos por motivos de força maior ou por dificuldade grave, ou tenham por fim prestar auxilio a pessoas, a navios ou aeronaves em perigo ou em dificuldade grave. Os navios estrangeiros no mar territorial brasileiro estarão sujeitos aos regulamentos estabelecidos pelo Governo brasileiro.

No § 1º do art. 20, o constituinte confere aos Estados, Distrito Federal, Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação do resultado ou compensação financeira na exploração de recursos minerais e energéticos, quando isto se der em seus respectivos territórios. Assim, havendo a exploração de petróleo, gás natural, recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, deverá haver, por parte dos então supracitados. a participação no resultado ou uma compensação financeira.

"VII - os terrenos de marinha e seus acrescidos."

Não se pode confundir terrenos da marinha com terrenos de marinha, estes são bens da União e não do Ministério da Marinha. Consistem naqueles terrenos debruçados à faixa litorânea. Um exemplo típico são lotes que se situam de fronte ao mar, os quais não são objeto de propriedade do particular, mas sim regem-se pelo instituto da enfiteuse.

"VIII - os potenciais de energia hidráulica."

"IX - os recursos minerais, inclusive os do subsolo."

O subsolo é uma fonte inestimável de riquezas naturais, como petróleo, gás, metais etc. Sendo assim, decidiu o constituinte reservar o seu domínio à União, que poderá, a seu critério, conceder a exploração.

"X - as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos."

"XI - as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios."

São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente e imprescindíveis à preservação dos recursos naturais

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necessários a sua preservação física e cultural. Tendo estes a sua posse permanente, bem como usufruto exclusivo de suas riquezas naturais.

Qualquer exploração das terras indígenas dependerá de autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados.

Tais terras são inalienáveis e indisponíveis e os direitos sobre elas imprescritíveis.

São nulos e extintos quaisquer direitos relativos a estas terras, com exceção daqueles relativos às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé, conforme definição legal.

9.3) DOS ESTADOS FEDERADOS NATUREZA JURÍDICA DOS ESTADOS-MEMBROS Os Estados-Membros são as organizações jurídicas das coletividades

regionais para o exercício, em caráter autônomo, da parcela de soberania que lhes é deferida pela Constituição Federal. Fica claro, pois, que os Estados-Membros não são soberanos, como, de resto, não o é a própria União.

É traço característico do Estado federal a convivência, em igual nível jurídico, entre o órgão central, encarregado da defesa dos interesses gerais e com jurisdição em todo o território nacional, e os órgãos regionais, que perseguem objetivos próprios, dentro de uma porção do território nacional.

Tanto o primeiro quanto os segundos haurem sua esfera de competências do próprio Texto Constitucional, fruto da vontade soberana da Nação. Só esta desfruta da ilimitação jurídica do poder, que define a soberania. Já a União e os Estados-Membros gozam tão-somente de autonomia, que vem a ser o governo mediante autoridades próprias de matérias específicas, irrestringíveis a não ser por ato de força constitucional.

O vínculo de subordinação a um poder supremo, a uma vontade suprema, é o vínculo característico da formação do Estado, isto é, da organização política estatal.

Entretanto, esta vontade suprema do Estado é um elemento particular ou exclusivo seu, apenas na medida em que por ele a organização da sociedade, para o atingimento de seus fins gerais, não pode admitir nenhuma outra de igual força dentro do seu território. Mas uma vontade diretiva deve existir em qualquer comunidade, se se quer atingir o fim para o qual é constituída. Na verdade, impossível seria que pessoas se unissem para alcançar um objetivo comum, sem que sobre elas existisse uma vontade suprema, que guiasse e coordenasse as suas atividades individuais. Por isso, a soberania é a característica fundamental do Estado.

Por dela dispor, o Estado pode-se auto-organizar; estabelecer tanto a organização e a função legislativa quanto a administrativa e a judiciária; regular as relações sociais e as relações entre particulares, entre estes e o Estado nas suas múltiplas atividades: penal, política, econômica e financeira; enfim, atuar em todos os objetivos que o Estado se propõe para a conservação e o progresso da própria sociedade.

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Se a soberania consiste na autodeterminação plena, nunca dirigida por determinantes jurídicos extrínsecos à vontade soberana do povo nacional, a autonomia, por sua vez, pressupõe ao mesmo tempo uma zona de autodeterminação, que é o propriamente autônomo, e um conjunto de limitações e determinantes jurídicos extrínsecos, que é o heterônomo.

COMPETÊNCIAS ESTADUAIS A regra de ouro das competências estaduais é o § 1º do art. 25.

Noentanto, esta regra que já nas Constituições anteriores era muito vazia de sentido, ainda torna-se mais oca na atual, diante dos róis extensos de competências outorgadas à União e Municípios. Não é exagero afirmar-se que será quase impossível os Estados legislarem originariamente sobre qualquer assunto. Talvez a só exceção seja mesmo as matérias administrativas relativas à estruturação de seus órgãos e à própria carreira do funcionalismo. No mais, terão que contentar-se com as sobras deixadas pela União, que são as competências concorrentes e suplementares.

ESTADOS FEDERADOS PERANTE A ORDEM EXTERNA Por não serem soberanos, os Estados-Membros não são reconhecidos

pela ordem jurídica internacional. Daí a impossibilidade em que, de regra, se encontram de celebrar tratados ou convênios com Estados estrangeiros.

No nosso sistema constitucional, essa possibilidade lhes é inteiramente negada, ao determinar a Constituição no seu art. 21, I, ser da competência da União: manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais". Dada essa expressa outorga à União da faculdade de relacionar-se com outros Estados, automaticamente fica vedada aos Estados federados essa mesma possibilidade.

É certo que a estes fica aberta a viabilidade jurídica de celebrarem vínculos de direito com pessoas estrangeiras, tanto particulares quanto governamentais. Não estarão, contudo, comprometendo a vontade e a responsabilidade do Estado brasileiro. Para que isto se dê, há que figurar a intervenção da União, como se dá, por exemplo, no caso de os Estados pretenderem contratar empréstimos no exterior, o que, de resto, só pode ser feito se dentro dos limites de endividamento fixados pelo Senado.

AUTONOMIA DOS ESTADOS Na Constituição vigente a autonomia dos Estados está assegurada,

especialmente, no art. 25. A capacidade de auto-organização está expressa no caput do artigo ao

dispor que: "Os Estados organizam-se e regem-se pelas Constituições e leis que adotarem, observados os princípios desta Constituição".

A capacidade de autogoverno está inserida nos arts. 27, §§ 1º a 4º e 28. Versam estes dispositivos sobre a eleição do governador e vice-

governador de Estado e número de deputados à Assembléia Legislativa. E, ainda, aos Estados compete organizar a sua Justiça, conforme dispõe o art. 125 da Constituição.

A capacidade de auto-administração deflui da capacidade de auto-organização e de autogoverno, bem como da competência residual (art. 25, § 1º) das competências constitucionalmente previstas.

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Outra demonstração da autonomia dos Estados decorre do art. 34 que impede a União de intervir nos Estados, salvo os casos em que há autorização constitucional.

De outra forma, nota-se, e com pesar, que não existe mais a possibilidade de a União, Estados e Municípios celebrarem convênios para execução de leis e serviços. Hoje fica a critério da União regular como se dará a atuação conjunta destes entes políticos. Assim o que antes era decorrente de um contrato entre pessoas de mesma estatura, hoje é uma imposição da União (art. 23, parágrafo único).

Poder Constituinte Estadual A auto-organização dos Estados se efetiva pela adoção de Constituição e

legislação próprias. O que pressupõe a necessidade de um órgão com o poder de elaborar a Constituição do Estado. A manifestação desse poder é tida, normalmente, por constituinte. Contudo, as diferenças que apresenta com o poder constituinte nacional é de tal monta que parece impróprio conservar-se o mesmo nome para realidades tão díspares. O único ponto comum entre o poder constituinte nacional e o chamado poder constituinte estadual é que ambos se reúnem para elaborar uma Constituição. Tudo o mais são diferenças.

A natureza jurídica do poder constituinte estadual tem provocado grandes controvérsias. Sendo considerado por alguns como poder constituinte decorrente, por outros, como poder constituinte de segundo grau, subordinado, secundário e condicionado.

O poder constituinte originário, o que elabora a Constituição Federal, é soberano, enquanto o poder constituinte estadual é autônomo. O primeiro não está subordinado a nenhuma limitação jurídica. O segundo atua dentro de uma área de competência, delimitada pela Constituição Federal.

Assim é que a Constituição Federal assegura aos Estados a capacidade para auto-organizarem-se, desde que sejam respeitados os princípios que ela estabelece.

Neste sentido é o art. 11 das Disposições Transitórias que diz o seguinte:

"Cada Assembléia Legislativa, com poderes constituintes, elaborará a Constituição do Estado, no prazo de um ano, contado da promulgação da Constituição Federal, obedecidos os princípios desta".

INTERVENÇÃO DO ESTADO NOS MUNICÍPIOS O art. 35 traz a mesma regra mestra esculpida no artigo anterior que trata

da intervenção federal, qual seja a não-intervenção, exceto nas hipóteses constitucionalmente previstas, que são as seguintes:

I- deixar de ser paga, sem motivo de força maior, por dois anos consecutivos, a dívida fundada;

II - não forem prestadas contas devidas, na forma da lei; III - não tiver sido aplicado o mínimo exigido da receita municipal na

manutenção e desenvolvimento do ensino; IV - o Tribunal de Justiça der provimento a representação para assegurar

a observância de princípios indicados na Constituição Estadual, ou prover a execução de lei, de ordem ou decisão judicial.

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O decreto do governador deverá especificar o prazo e as condições de aplicação e se couber deverá nomear o interventor a ser submetido à Assembléia Legislativa que o apreciará em 24 horas; se esta não estiver em funcionamento, será reunida extraordinariamente.

No caso do decreto limitar-se a suspender a execução do ato impugnado, não há necessidade de apreciação por parte da Assembléia Legislativa.

Finda a intervenção, não havendo impedimento legal, as autoridades deverão retornar a seus antigos cargos.

OS TRIBUTOS NOS ESTADOS Em matéria tributária, o novo Texto Constitucional não foi centralizador,

como em geral o foi. Na verdade, no campo específico tributário, o constituinte parece ter-se movido por uma luta que já se vinha travando há tempos no sentido de se aquinhoarem mais robustamente tanto os Estados quanto os Municípios.

Especificamente quanto aos primeiros, convém notar que os seus ganhos não se deram sem perdas, como fica confirmado pela transferência que se deu do imposto de transmissão de bens imóveis e inter vivos.

Na Constituição de 1967, esse imposto cabia aos Estados. Por força da de 1988, ele se transfere para os Municípios. Em matéria de transmissões, os Estados ficam reduzidos à causa mortis e à doação; é verdade que com a grande compensação de não haver restrição quanto aos bens.

O referido imposto pode recair sobre qualquer sorte de bens ou direitos. De outra parte, as finanças estaduais receberam um grande reforço

advindo da supressão dos impostos únicos da União, que incidiam sobre as matérias elencadas no art. 21 do Texto anterior.

Atualmente, o Texto faz expressa referência à competência dos Estados para tributarem a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior.

Não há dúvida que a fonte primordial de receitas estaduais continuará sendo a proveniente do imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e prestação de serviços. Mas é bom notar que agora este imposto terá um campo de abrangência maior, porque incidirá também sobre os produtos que antes estavam fora da sua força tributária por já colhidos por imposto único.

Mas há dois pontos ainda a serem observados com relação às finanças estaduais. Em primeiro lugar, há que se mencionar o não-desprezível reforço consistente no adicional ao imposto incidente sobre lucros, ganhos e rendimentos de capital até o limite de cinco por cento do imposto pago à União por pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas nos respectivos territórios. É desnecessário salientar a potencialidade desse imposto adicional.

Em segundo lugar, há que se referir ao substancioso aumento das transferências federais em benefício dos Estados.

UMA VISÃO CRÍTICA DOS ESTADOS FEDERADOS Diante de todo o exposto, é-nos lícito atingir algumas conclusões no que

diz respeito à tarefa constituinte estadual.

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A primeira delas é a de que não se pode pensar que reste uma margem de atuação muito "lata" para o legislador constituinte estadual. O modelo federativo adotado é de cunho eminentemente centralizador, impondo aos Estados um modelo bastante rígido no que diz respeito à estrutura e funcionamento dos seus três Poderes.

É bem de ver que aqui se trata da consolidação de uma tendência já firmada no nosso federalismo.

Em segundo lugar, é preciso, contudo, não subestimar a necessidade de uma tarefa que se avulta como bastante profunda. Ante as alterações produzidas no texto federal, as adaptações da lei maior do Estado deverão ser inúmeras. Sobretudo o fortalecimento do Poder Legislativo federal não poderá deixar de acarretar igual solução no campo estadual.

O trabalho, portanto, há de ser árduo e, se exercido com bastante criatividade e inspiração, poderá descobrir brechas para a elaboração de um texto que consagre medidas de relevância para a organização e o funcionamento do Estado.

E, finalmente, deve-se considerar que a recusa do constituinte federal em conferir poderes para os Estados editarem uma legislação autônoma e originária foi de certa forma compensada pela possibilidade de eles poderem editar uma legislação supletiva em campos que antes lhes eram vedados de forma absoluta. Cremos que aqui reside uma das áreas que podem ser grandemente exploradas pelo constituinte estadual.

É mesmo muito importante que a lei maior do Estado procure direcionar a atividade ordinária do legislador, formulando os critérios e os valores fundamentais sob os quais o Estado deverá atuar. O fato de se tratar de uma legislação supletiva não implica a absoluta cassação da competência estadual sobra matéria.

Mesmo porque, em muitas hipóteses, a legislação federal haverá de cingir-se à edição de normas gerais. O desenvolvimento destas se traduzirá em uma atividade jurídico-política de expressão não-desprezível, à qual o Texto Constitucional deverá dar a devida dimensão e importância, fixando critérios, estatuindo parâmetros e definindo metas. Não se pode esquecer ainda que o acréscimo das receitas tributárias do Estado oferecerá a estes uma possibilidade de dinamização e mesmo de alargamento dos serviços e obras postos à disposição da coletividade.

São imensas, portanto, as possibilidades de atuação dos Estados nos campos da segurança, da saúde e da educação.

A estes recursos acrescidos, quer-nos parecer que correspondem novas responsabilidades. E quer-nos parecer que Cartas estaduais bem elaboradas poderão trazer reforços no sentido de submeter a máquina estadual a uma maior eficiência, sobretudo pela eliminação daquela parcela da burocracia que sabidamente é desnecessária, assim como pela implantação de mecanismos mais rigorosos de combate à imoralidade pública.

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9.4) DOS MUNICÍPIOS O MUNICÍPIO NA ESTRUTURA FEDERATIVA BRASILEIRA O Município é contemplado como peça estrutural do regime federativo

brasileiro pelo Texto Constitucional vigente, ao efetuar a repartição de competências entre três ordens governamentais diferentes: a federal, a estadual e a municipal. A semelhança dos Estados-Membros, o Município brasileiro é dotado de autonomia, a qual, para que seja efetiva, pressupõe ao menos um governo próprio e a titularidade de competências privativas. Nos arts. 29 e 30 a Constituição Federal assegura os elementos indispensáveis à configuração da autonomia municipal.

O conceito de autonomia, muito embora tenha provocado, ao longo dos tempos, no dizer do Prof. J. H. MEIRELLES TEIXEIRA, "infindáveis discussões, suscitadas principalmente pela ausência de método científico e pela diversidade de pontos de vista sociológicos, políticos ou propriamente jurídicos, sob os quais se procura determinar o seu conteúdo, certo é que os dispositivos, a respeito das Constituições brasileiras, não somente consagram a autonomia municipal, como princípio de organização política e administrativa, mas também lhe assinalam desde logo, conteúdo inderrogável por lei ordinária, constituindo tal conteúdo direito público subjetivo, oponível à União e aos Estados".

Se a autonomia significa capacidade ou poder de gerir os próprios negócios dentro e um círculo prefixado pelo ordenamento jurídico que a embasa, é de se perguntar: qual o critério adotado pela Constituição para fixar o conjunto de matérias afetadas à competência municipal?

CONCEITO O princípio federativo brasileiro se traduz pela autonomia recíproca

constitucionalmente assegurada da União, dos Estados Federados e dos Municípios. O Município é peça estrutural do regime federativo brasileiro, à semelhança da União e dos próprios Estados.

A Constituição Federal estabelece uma verdadeira paridade de tratamento entre o Município e as demais pessoas jurídicas, assegurando-lhe autonomia de autogoverno, de administração própria e de legislação própria no âmbito de sua competência (arts. 29, I, e 30 e incisos).

Autonomia que se confirma pelo disposto no art. 35, que proíbe a intervenção do Estado nos Municípios, salvo ocorrendo uma das hipóteses autorizadoras.

O Município pode ser definido como pessoa jurídica de direito público interno, dotado de autonomia assegurada na capacidade de autogoverno e da administração própria.

COMPETÊNCIA MUNICIPAL: O CRITÉRIO DE INTERESSE LOCAL No que toca à repartição de competências entre os três níveis de governo

existentes no Brasil, a Constituição adotou o seguinte critério: competem aos Municípios todos os poderes inerentes a sua faculdade para dispor sobre tudo aquilo que diga respeito ao seu interesse local; competem aos Estados-Membros todos os poderes residuais, isto é, tudo aquilo que não lhes foi vedado pela Magna Carta, nem estiver contido entre os poderes da União ou dos Municípios.

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O conceito-chave utilizado pela Constituição para definir a área de atuação do Município é o de interesse local. Cairá, pois, na competência municipal tudo aquilo que for de seu interesse local. É evidente que não se trata de um interesse exclusivo, visto que qualquer matéria que afete uma dada comuna findará de qualquer maneira, mais ou menos direta, por repercutir nos interesses da comunidade nacional. Interesse exclusivamente municipal é inconcebível, inclusive por razões de ordem lógica: sendo o Município parte de uma coletividade maior, o benefício trazido a uma parte do todo acresce a este próprio todo. Os interesses locais dos Municípios são os que entendem imediatamente com as suas necessidades imediatas, e, indiretamente, em maior ou menor repercussão, com as necessidades gerais.

A imprecisão do conceito de interesse local, se por um lado pode gerar a perplexidade diante de situações inequivocamente ambíguas, onde se entrelaçam em partes iguais os interesses locais e os regionais, por outro, oferece uma elasticidade que permite uma evolução da compreensão do Texto Constitucional, diante da mutação por que passam certas atividades e serviços. A variação de predominância do interesse municipal, no tempo e no espaço, é um fato, particularmente no que diz respeito à educação primária, trânsito urbano, telecomunicações etc.

Estudado o conceito de interesse local, fulcro do critério determinador da competência constitucional dos Municípios, cumpre examinar os outros elementos sobre os quais se erige a autonomia municipal.

Outras Competências Municipais O inciso I do art. 30 diz que cabe ao Município legislar sobre assuntos de

interesse local. É uma lástima que se tenha abandonado a noção clássica do peculiar interesse municipal, sobre a qual há uma substanciosa doutrina e uma não menos rica jurisprudência, e se tenha preferido uma expressão que retoma um nível de vaguidade que já no passado teve e que foi motivo de não pouco detrimento dos interesses do Município, isso porque mais uma vez a competência municipal ficará sob o foco de uma disputa com as demais pessoas de direito público, pois o mero interesse local não exclui o interesse estadual e mesmo o nacional.

Para que ele prevaleça, faz-se necessário demonstrar que o interesse local é mais expressivo do que o estadual e federal. Assim, por exemplo, a abertura de uma avenida no Município pode beneficiar também os habitantes de fora, pois quando estes cruzarem o Município terão uma via pública de melhor qualidade. Mas é evidente que aqueles que moram no próprio Município são os mais interessados na artéria viária, uma vez que ela passa a compor o cenário normal do Município em que habita.

O inciso II do mesmo art. 30 diz competir ao Município suplementar a legislação federal e a estadual no que couber. Aqui, a bem da verdade, reconheça se que ao Município acresceu-se alguma coisa, visto que não possuía nada do gênero na Constituição anterior. Mesmo em assuntos sobre os quais nenhuma competência possuía o Município, pode ele agora suprir omissões da legislação federal e estadual, obviamente sem violentá-la. Ainda assim, na verdade, parece possível dar expressão legislativa aos interesses locais, suplementando uma normatividade heterônoma, que por essa via torna-se possível de receber dispositivos que a modelem mais adequadamente ao atingimento de seus desígnios, tomando em linha de conta as particularidades dos diversos entes locais.

O mesmo art. 30 enuncia diversas competências expressas dos Municípios, é dizer, aquelas que lhes pertencem independentemente do exame quanto ao enquadrar-se no seu interesse local. Esses dispositivos não devem estimular uma visão exageradamente grandiosa da autonomia municipal. Diversas matérias aí explicitadas

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sofrem a restrição de uma normatividade superior, que lhes diminui o âmbito de atuação. Exemplifiquemos. O inciso V do supracitado artigo dispõe que aos Municípios compete organizar os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo. Mas já o art. 21, XX, estipula que cabe à União editar diretrizes para os transportes urbanos. Citem-se, ainda, a título exemplificativo, o inciso VIII, que sofre a constrição do 21, IX, e o próprio art. 30, IX, segundo o qual é da alçada municipal a proteção do patrimônio histórico-cultural, observada, no entanto, a legislação fiscalizadora da União e dos Estados.

CRIAÇÃO E ORGANIZAÇÃO MUNICIPAL A criação de Município se efetiva mediante lei estadual, obedecidos os

requisitos previstos em lei complementar federal, e desde que seja realizada consulta prévia, por meio de plebiscito, às populações interessadas (Emenda Constitucional nº 15 de 1996 que alterou o art. 18, § 4º).

A criação do Município pode-se dar pelo desmembramento de área de outro Município ou pela fusão de dois ou mais já existentes.

Pelo desmembramento - mediante a representação à Assembléia Legislativa do Estado com a assinatura de pelo menos cem eleitores residentes no local. Compete à Assembléia Legislativa verificar se na área interessada ocorrem os requisitos exigidos na lei complementar quanto ao número de habitantes, de casas, ao valor das rendas, ao número de eleitores, bem como se o desmembramento não vai resultar na perda dos requisitos mínimos para o Município de origem.

Por fusão de dois ou mais Municípios - o processo se realiza mediante plebiscito das populações interessadas. Esta consulta visa a apurar não só a concordância com a fusão, as também com a sede do novo Município. Neste caso fica dispensada a verificação dos requisitos de número de habitantes, de casas, rendas, e cômputo do eleitorado.

Em ambos os casos só será possível a elaboração da lei estadual que crie o Município, se o plebiscito apresentar votação favorável de maioria absoluta.

ORGANIZAÇÃO POLÍTICA Por organização política deve-se entender a criação de órgãos

indispensáveis e as regras básicas a serem adotadas pelo Município. Diz respeito à constituição dos poderes municipais (executivo e legislativo), bem como à organização da Câmara dos Vereadores, e às funções de prefeito, vice-prefeito e vereadores.

A atual Constituição concedeu aos Municípios a capacidade de auto-organizarem-se através de lei orgânica aprovada por dois terços dos membros da Câmara Municipal (art. 29).

O prazo para elaboração destas leis é de seis meses depois de promulgadas as Constituições dos respectivos Estados (Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, art. 11, parágrafo único).

FISCALIZAÇÃO FINANCEIRA E ORÇAMENTÁRIA DOS MUNICÍPIOS A fiscalização financeira e orçamentária dos Municípios se dá sob duas

modalidades: controle interno e controle externo.

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Controle externo - é exercido pela Câmara Municipal, que somente por decisão de dois terços dos seus membros poderá deixar de acatar o parecer prévio emitido pelo órgão competente. Este é, em regra, o Tribunal de Contas do Estado. A Constituição Federal também alude a um órgão estadual ao qual, eventualmente, poderá ser atribuída a incumbência de emitir parecer sobre as Contas Municipais (art. 31, §§ 1º e 2º). Além disto, as contas dos Municípios ficarão à disposição dos contribuintes, anualmente, por um prazo de sessenta dias (art. 31, § 3º).

Controle interno - é exercido na forma do disposto na Lei federal nº 4.320/64. Embora federal, ela é cogente para os Municípios, uma vez que se trata de normas gerais de direito financeiro (CF, art. 24, I).

A Lei nº 4.320 disciplina a fiscalização financeira e orçamentária e compreende os controles da legalidade, da fidelidade e da execução (arts. 75 a 81).

O controle interno da legalidade é exercido sobre os atos pertinentes à arrecadação da receita e à realização das despesas, bem como sobre os que acarretem ou possam acarretar nascimento ou extinção de direitos e obrigações; o controle interno da fidelidade visa à conduta funcional dos agentes responsáveis por bens e valores públicos; o controle interno da execução tem por objetivo o cumprimento do programa de trabalho do Governo, considerado em seus aspectos financeiros, de realização de obras e prestação de serviços.

9.5) DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS FEDERAIS O Distrito Federal sucedeu ao Município neutro que era a sede do

Governo e Capital do Império. NATUREZA JURÍDICA DO DISTRITO FEDERAL Com a atual Constituição o Distrito Federal alcança o status de pessoa

política, uma vez que ganhou competências legislativas, a serem desempenhadas pela Câmara Legislativa, que deverá criar, inclusive, a própria Lei Orgânica do Distrito.

GOVERNO DO DISTRITO FEDERAL O Governador e seu Vice, bem como os Deputados Distritais, deverão ser

eleitos de acordo com as regras do art. 77 e seus parágrafos. Ou seja, haverá eleição direta para Governador e em dois turnos se necessário. Quanto aos Deputados, estes deverão ser eleitos através do sistema proporcional.

ATRIBUIÇÕES LEGISLATIVAS DO DISTRITO FEDERAL Alçado à categoria de pessoa política, sob a atual Constituição, o Distrito

Federal poderá legislar. O seu âmbito de competência é bastante largo na medida em que incorpora tanto as competências atribuídas aos Estados como aquelas próprias dos Municípios.

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PODER JUDICIÁRIO DO DISTRITO FEDERAL O Poder Judiciário do Distrito Federal, bem como os órgãos essenciais à

administração da Justiça, deverão ser organizados através de lei de competência do Congresso Nacional (art. 48, IX).

HISTÓRICO DOS TERRITÓRIOS O Território não figurou na Constituição de 1891. Nossa primeira

Constituição Republicana dispunha que os Estados Unidos do Brasil ficariam constituídos pelas antigas províncias, que foram transformadas em Estados Federados, e pelo antigo Município neutro, transformado em Distrito Federal. Não previu a possibilidade de serem incorporadas novas áreas ao território nacional.

O primeiro Território Federal foi criado por uma lei ordinária - a Lei nº1.181, de 24 de fevereiro de 1904. Foi o Território do Acre, que o Brasil adquiriu da Bolívia mediante tratado internacional, o Tratado de Petrópolis, assinado em 17 de novembro de 1903.

A falta de previsão constitucional levou aos Tribunais o Estado do Amazonas, que reclamava para si a incorporação das terras bolivianas, que a União, pela Lei nº 1.181, de 1904, subordinara ao seu domínio.

O Estado do Amazonas teve como patrono o brilhante Rui Barbosa. Todavia, esse volumoso processo (dois volumes de mil e uma páginas) não chegou a ser decidido judicialmente.

O Supremo Tribunal Federal jamais fez qualquer pronunciamento a respeito desses autos, embora estivessem em condições de ser julgados já em 1910 (Rubem Nogueira, O Advogado Rui Barbosa, Brasília, Livraria Editora Cátedra, 1979, p. 308). A Constituição de 1934 pôs fim à questão determinando no seu art. 5º que: "A União indenizará os Estados do Amazonas e Mato Grosso dos prejuízos que lhes tenham advindo da incorporação do Acre ao Território Nacional.

O valor fixado por árbitros, que terão em conta os benefícios oriundos do convênio e as indenizações pagas à Bolívia, será aplicado, sob a orientação do Governo Federal, em proveito daqueles Estados". A partir daí o Território passou a figurar em todas as Constituições brasileiras.

Na Constituição anterior, o art. 1º dizia que "o Brasil é uma República Federativa, constituída sob o regime representativo, pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios". Como se nota a Constituição passada adotava o critério físico para determinar o que é o Brasil.

A atual Constituição mudou tal critério. Hoje compõem a Federação brasileira apenas as pessoas políticas, sendo o Território, parte da União, desprovido de autonomia política. Ficou fora do art. 1º que não concebe o Território enquanto componente de nossa Federação.

SITUAÇÃO ATUAL DOS TERRITÓRIOS O constituinte, muito embora tenha tratado da matéria referente aos

Territórios, transformou os que existem em Estados, à exceção de Fernando de Noronha, que foi reincorporado ao Estado de Pernambuco.

Todo o processo de criação, transformação em Estado ou reintegração a este dependerá de lei complementar, conforme determina o § 2º do art. 18.

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É bom lembrar que os Territórios possuíam apenas capacidade administrativa; não eram dotados de capacidade política, ou seja, não elaboravam suas próprias leis.

9.6) DA INTERVENÇÃO FEDERAL NOÇÕES GERAIS A intervenção federal consiste no afastamento temporário, pela União, das

prerrogativas totais ou parciais próprias da autonomia dos Estados, prevalecendo a vontade do ente interventor.

Diz o art. 34 que a União não intervirá nos Estados e no Distrito Federal exceto nas hipóteses previstas na Constituição; tais hipóteses configuram situações que presumivelmente colocam em risco, potencial ou atual, a própria unidade nacional e a integridade da Federação.

Como se vê, a regra é a não-intervenção. A intervenção é medida excepcional de defesa do Estado federal e de proteção às unidades federadas que o integram. É instituto essencial do sistema federativo e é exercido em função da integridade nacional e da tranqüilidade pública. A intervenção é autorizada para repelir invasão estrangeira e para impedir que o mau uso da autonomia pelos Estados-Membros resulte na invasão de um Estado em outro, na perturbação da ordem, na corrupção do Poder Público estadual, no desrespeito da autonomia municipal.

Além dos pressupostos materiais, que são as hipóteses elencadas no art. 34, o ato de intervenção está sujeito a certos pressupostos formais: quanto à sua efetivação, limitação e requisitos. Tais pressupostos encontram-se no art. 36 da Constituição Federal.

EFETIVAÇÃO DA INTERVENÇÃO A efetivação da intervenção federal ocorre sempre por decreto do

Presidente da República, ouvido o Conselho da República (art. 90, I), que especifica a sua amplitude, prazo e condições de execução, e, se necessário, nomeia o interventor. Porém, deverá o decreto ser apreciado pelo Congresso Nacional, que, se não estiver em funcionamento, será convocado extraordináriamente. A apreciação deverá ser feita em vinte e quatro horas, conforme disposto no art. 36, §§ 2º e 3º.

Nota-se, portanto, que nem sempre é necessário a nomeação de um interventor. É que a intervenção pode atingir qualquer órgão do Estado. Em regra, atinge o Executivo. Neste caso, é necessário a nomeação de um interventor para exercer as funções do Governador. Já se a intervenção ocorre apenas em nível do Legislativo, a presença do interventor torna-se desnecessária, desde que o ato interventivo atribua ao Governador as funções legislativas. Abrangendo a intervenção os órgãos do Executivo e do Legislativo, mister se faz a nomeação de um interventor para que execute as duas funções.

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REQUISITOS DA INTERVENÇÃO A decretação de intervenção dependerá: a) nos casos dos incs. I, II, III e V do art. 34 de decreto do Presidente

da República - ouvido o Conselho da República. Tal decreto será apreciado pelo Congresso Nacional em vinte e quatro horas;

b) no caso do inciso IV do art. 34 - "garantir o livre exercício de

qualquer dos Poderes nas unidades da Federação" - de solicitação do Poder Legislativo ou do Poder Executivo coacto ou impedido, ou de requisição do SupremoTribunal Federal, se a coação for exercida contra o Poder Judiciário;

c) no caso de desobediência a ordem ou decisão judicial, de requisição

do Supremo Tribunal Federal, do Superior Tribunal de Justiça ou do Tribunal Superior Eleitoral;

d) nos casos de assegurar os princípios constitucionais arrolados no

inciso VII, a, b, c e d, do art. 34 (forma republicana, sistema representativo e regime democrático; direito da pessoa humana; autonomia municipal; prestação de contas da administração pública direta ou indireta), ou de provimento pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República;

e) no caso de recusa à execução de Lei Federal, de um provimento

do Superior Tribunal de Justiça ou representação do Procurador-Geral da República. Tanto nos casos do inciso VI, como nos do inciso VII do art. 34, o decreto

do Presidente da República não necessita ser submetido à apreciação do Congresso Nacional, uma vez que o decreto limitar-se-á à suspensão do ato impugnado, sem necessidade da nomeação de um interventor.

A intervenção é medida de interesse nacional e de garantia mútua. Quando a União intervém em determinado Estado, todos os Estados estão intervindo conjuntamente, pois o decreto de intervenção depende do Congresso Nacional, que expressa a vontade dos Estados-Membros representados pelos Senadores, e a vontade do povo, representada pelos Deputados.

O Congresso Nacional examina os aspectos formal e material do decreto interventivo. Compete ao Congresso Nacional deliberar sobre a amplitude, prazo e condições de execução e circunstâncias que deverão constar necessariamente do decreto de intervenção, sob pena de imediata rejeição por não preencher os requisitos constitucionais do § 1º do art. 36 da Constituição Federal.

A intervenção passará a ser ato inconstitucional se o decreto for rejeitado pelo Congresso Nacional. E, se mesmo assim for mantida, constituirá atentado contra os Poderes constitucionais do Estado, caracterizando o crime de responsabilidade do Presidente da República (art. 85, II).

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EFEITOS DA INTERVENÇÃO Um dos efeitos da intervenção é o afastamento das autoridades estaduais

dos seus cargos. Cessados os motivos da intervenção, as autoridades afastadas voltarão aos seus respectivos cargos, salvo impedimento legal (art. 36, § 4º). O impedimento legal pode ocorrer por várias razões: pelo término do mandato; por ter sido cassado ou declarado extinto o mandato; por terem sido suspensos os direitos políticos.

BIBLIOGRAFIA: RIBEIRO BASTOS, Celso, Curso de Teoria do Estado e Ciência Política, SP: Celso Bastos Editor, 6ª Ed. 2004. MORAES, Alexandre de; Direito Constitucional, 5º Ed. SP, Atlas, 1999.