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O autor Pedro Goergen, na apresentação da sua obra, tem a preocupação natural de indicar a estrutura, o conteúdo de cada uma das suas partes, bem como as expectativas com as quais se expõe ao público na abordagem do tema. Chama-nos positivamente a atenção quando de forma esclarecedora e antecipatória assume sua aproximação teórica de Jürgen Habermas que, como outros que o antecederam, reconhece as aporias do projeto iluminista e não abre mão do conceito moderno de razão. Situa-se, portanto, numa ótica segundo a qual mantém-se a possibilidade de um projeto emancipador da humanidade e, por conseguinte, discordante dos "chamados pós- modernos para os quais o conceito de razão com traços de universalidade e a possibilidade de interferir nos caminhos da humanidade são idéias do passado, hoje vazias de sentido" (p. 2). Ele pensa, todavia, "que muitos insights pós-modernos são altamente esclarecedores das condições históricas em que vivemos..." (p. 2). preocupação passa a ser com o aclaramento de posições de Habermas sobre a modernidade, que diferenciam suas críticas daquelas apontadas por Lyotard. "Enquanto Habermas segue defendendo (com correções de rota) a racionalidade moderna, Lyotard entende que ela faliu" (p. 30). Parece ser este um dos principais empenhos do autor: evidenciar que Habermas "está nitidamente preocupado em salvar a razão do relativismo consciente, relativismo esse que significa, de imediato, abrir mão de qualquer projeto emancipador para a sociedade. Este é o ponto fulcral de todo este debate em termos políticos, éticos e educativos partindo do pressuposto de que a modernidade não foi su- perada, argumenta que dentro das próprias condições instauradas pela modernidade é possível avançar, sair da camisa-de-força de uma racionalidade fechada, por meio do uso do que chama de “razão comunicacional”, uma razão dialógica, no lugar da razão auto-referente,

Argumentos pós Modernidade

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O autor Pedro Goergen, na apresentação da sua obra, tem a preocupação natural de indicar a estrutura, o conteúdo de cada uma das suas partes, bem como as expectativas com as quais se expõe ao público na abordagem do tema. Chama-nos positivamente a atenção quando de forma esclarecedora e antecipatória assume sua aproximação teórica de Jürgen Habermas que, como outros que o antecederam, reconhece as aporias do projeto iluminista e não abre mão do conceito moderno de razão. Situa-se, portanto, numa ótica segundo a qual mantém-se a possibilidade de um projeto emancipador da humanidade e, por conseguinte, discordante dos "chamados pós-modernos para os quais o conceito de razão com traços de universalidade e a possibilidade de interferir nos caminhos da humanidade são idéias do passado, hoje vazias de sentido" (p. 2). Ele pensa, todavia, "que muitos insights pós-modernos são altamente esclarecedores das condições históricas em que vivemos..." (p. 2).

preocupação passa a ser com o aclaramento de posições de Habermas sobre a modernidade, que diferenciam suas críticas daquelas apontadas por Lyotard. "Enquanto Habermas segue defendendo (com correções de rota) a racionalidade moderna, Lyotard entende que ela faliu" (p. 30). Parece ser este um dos principais empenhos do autor: evidenciar que Habermas "está nitidamente preocupado em salvar a razão do relativismo consciente, relativismo esse que significa, de imediato, abrir mão de qualquer projeto emancipador para a sociedade. Este é o ponto fulcral de todo este debate em termos políticos, éticos e educativos

partindo do pressuposto de que a modernidade não foi su-perada, argumenta que dentro das próprias condições instauradas pela modernidade é possível avançar, sair da camisa-de-força de uma racionalidade fechada, por meio do uso do que chama de “razão comunicacional”, uma razão dialógica, no lugar da razão auto-referente, trazendo a idéia de uma teoria da ação comunicativa. Segundo ele, se entendermos o saber...como transmitido de forma comunicacional, a racionalidade limita-se à ca-pacidade de participantes responsáveis em interações de se orientarem emrelação a exigências de validade que assentam sobre o reconhecimentointersubjetivo. (1990, p.289)Muda o centro de referência, instaurando-se uma racionalidade queimplica consciência reflexiva das expressões humanas, uma racionalidade, que cria no diálogo os pontos de apoio de sua validade. Isso pressuporia a diferenciação clara do mundo dos fatos objetivos, do mundo das normas sociais e do mundo da experiência interior. A noção habermasiana de racionalidade comunicativa, segundo Wellmer (1991, p.92), refletiria a condição cognitiva e moral dos humanos num mundo “desencantado”. É por isso, ainda segundo esse autor, que Habermas

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pode pensar a ação comunicativa como portadora potencial de uma racionalidade diferenciada, que só se pode manifestar depoisque se tenha destruído o dogmatismo implícito das concepções de mundo tradicionais, e onde os requisitos de validade possam ser construídos pela argumentação, pelo confronto de diferentes posições, na procura de consensos aceitáveis. A argumentação, como meio de se obter consenso intersubjetivo, assume um papel fundamental, quando ela e as formas de ação comunicativa substituem outros meios de coordenação de ações, de integração social e de reprodução simbólica, constituindo o que Habermas denomina “racionalização comunicativa”.Como encaminhar, nesse caso, então, a discussão do pós-moderno?Assim como os que postulam a continuidade da modernidade nos temposatuais, a posição dos que postulam o contrário – seu fim – emerge da crise nos estatutos da própria modernidade. O termo pós-modernidade tem-se mostra do polissêmico, sendo utilizado no mais das vezes de modo genérico. De qualquer forma denota o que vem depois da modernidade, sendo problemático seu sentido, justamente por tentar traduzir um movimento da cultura em sociedades em rápida mutação, movimento que se ainda está produzindo, sem que se distingam consolidações que ajudem a qualificá-lo melhor. Pós-moderno designaria uma ruptura com as características do período moderno, o que, como já dissemos, para muitos analistas ainda não aconteceu de modo claro.Pode-se adotar a posição de que estamos vivendo a transição para a pós-modernidade e que os sinais, as tendências verificáveis traduzem caminhos mais do que posições consolidadas. Na expressão de Rouanet (1987, p.230), a polissemia desse conceito é devida ao fato de que ele reflete “um estado de espírito, mais do que uma realidade já cristalizada.”No entanto, o termo tem sido usado cada vez com maior freqüência evem sendo empregado para traduzir a posição do saber nas sociedades mais desenvolvidas, posição que se delineia nos cenários atuais, cibernético-informáticos, informacionais e comunicacionais. Conforme Lyotard (1993, p.15), designa-se com essa expressão “o estado da cultura após as transformações que afetaram as regras dos jogos da ciência, da literatura e das artes”. Ou seja, a expressão tenta traduzir as mudanças de estatuto dos saberes, que se processam ao mesmo tempo que as sociedades entram na idade dita pós-industrial.

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Habermas prefere compreender a modernidade como um “projeto inacabado”, sugerindo que “deveríamos aprender com os desacertos que acompanham o projeto” Será que “dizer que somos pós-modernos dá um pouco a impressão de que deixamos de ser contemporâneos de nós mesmos”? Mas se ainda reivindicarmos nossa “condição moderna”, como tratar de todas as mudanças que marcam a cultura contemporânea, e que a tornaram tão estranha a certas noções fundamentais à modernidade?O que pretendo, aqui, é investigar brevemente a aplicação do conceito de “pós-modernidade” à cultura contemporânea e as possíveis “razões” dessa aplicação. Articula-se, logo de início, uma problemática: se a pós-modernidade, como o próprio termo sugere, caracteriza-se em primeira instância como uma reação (ou rejeição) à modernidade, seria ela o triunfo do irracionalismo, ou a pós-modernidade pressupõe, em última análise, algum conceito de “razão”, para além de seu relativismo epistêmico maissuperficial? Caso a resposta seja positiva, quais são “As ‘razões’ da pós-modernidade”?

O pensador brasileiro Sérgio Paulo Rouanet no seu estudo “As origens do Iluminismo” (1987) oportunamente observa que o prefixo pós tem muito mais o sentido de exorcizar o velho (a modernidade) do que de articular o novo (o pós-moderno). Ou seja, o que há é uma “consciência de ruptura”, que o autor não considera uma “ruptura real”. Rouanet escreve:

“depois da experiência de duas guerras mundiais, depois de Aushwitz, depois de Hiroshima, vivendo num mundo ameaçado pela aniquilação atômica, pela ressurreição dos velhos fanatismos políticos e religiosos e pela degradação dos ecossistemas, o homem contemporâneo está cansado da modernidade. Todos esses males são atribuídos ao mundo moderno. Essa atitude de rejeição se traduz na convicção de que estamos transitando para um novo paradigma. O desejo de ruptura leva à convicção de que essa ruptura já ocorreu, ou está em vias de ocorrer (...). O pós-moderno é muito mais a fadiga crepuscular de uma época que parece extinguir-se ingloriosamente que o hino de júbilo de amanhãs que despontam. À consciência pós-moderna não corresponde uma realidade pós-moderna. Nesse sentido, ela é um simples mal-estar da modernidade, um sonho da modernidade. É literalmente, falsa consciência, porque consciência de uma ruptura que não houve, ao mesmo tempo, é também consciência verdadeira, porque alude, de algum modo, às deformações da modernidade”.