Upload
lamcong
View
217
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO
CENTRO DE CIÉNCIAS HUMANAS E NATURAIS
DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA
DOUGLAS EDWARD FURNESS GRANDSON
AS REPRESENTAÇÕES SOBRE A CVRD E A CAMPANHA DO PETRÓLEO EM A GAZETA, 1948.
Vitória
2014
DOUGLAS EDWARD FURNESS GRANDSON
AS REPRESENTAÇÕES SOBRE A CVRD E A
CAMPANHA DO PETRÓLEO EM A GAZETA, 1948.
Monografia apresentada ao Departamento de História do Centro de Ciências Humanas e Naturais da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção de grau de licenciado em História, na área de História.
Orientador: Prof° Dr André Ricardo Valle Vasco Pereira.
Vitória
2014
Aos meus pais e irmãos, que amo, e sem os quais não teria a menor chance de lutar por meus sonhos.
Aos amigos que eu encontrei, e que foram essenciais no decorrer da graduação.
"Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo 'como ele de fato foi'. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo. Cabe ao materialismo histórico fixar uma imagem do passado, como ela se apresenta, no momento do perigo, ao sujeito histórico, sem que ele tenha consciência disso (...) O dom de despertar no passado as centelhas da esperança é privilégio exclusivo do historiador convencido de que também os mortos não estarão seguros se o inimigo vencer. Esse inimigo não tem cessado de vencer”.
Walter Benjamim, 1940.
Sumário
1. Introdução 2. Eurico Rezende e a esfera pública capixaba em 1948: O espaço e
o discurso.
2.1 Introdução 2.2 Crônica dos eventos 2.3 A CVRD da ordem do dia: Acusações e omissões no discurso
de Eurico Rezende em A Gazeta de 1948 2.4 Udenismo 2.5 Perseguições políticas 2.6 O discurso
3. A Campanha do Petróleo no Espírito santo por quem viveu: A visão de Setembrino Pelissari
3.1 Introdução 3.2 A questão do Petróleo 3.3 O tema na esfera pública 3.4 O Início da Campanha 3.5 O petróleo é nossoo movimento pela estatal 3.6 A Petrobrás 3.7 Petrobrás nos anos 90 e 2000 3.8 Análise da entrevista
4. Conclusão 5. Referências
Anexo
1.Introdução
Esse trabalho começou a ser desenvolvido no ano de 2013, a partir do
grupo de Estudos A formação da classe operária capixaba, organizado pelo
professor doutor André Ricardo Valle Vasco Pereira. Em Agosto do mesmo
ano, os membros deste grupo enviaram projetos para participar da iniciação
científica da Universidade Federal do Espírito Santo, dentre os quais, esse que
aqui será exposto.
A pesquisa do professor se refere a formação da classe trabalhadora
capixaba no momento em que a industrialização teve seu impulso inicial no
Espírito Santo. Dentro do contexto estado novista de Vargas, o Estado teve
uma das empresas estatais constituídas pelo Governo Federal, a CVRD. Essa
empresa teve centralidade no desenvolvimento industrial do Estado, desse
modo, se constituindo na maior empresa da região à época. Com o esforço
para industrialização, a tradicional sociedade capixaba teve acrescida no
ambiente urbano uma massa de trabalhadores, que para além dos portuários,
passou a ter os ferroviários da E.F.V.M., parte da empresa mineradora.
Frente a péssimas condições de trabalho, e dentro de uma rígida
estrutura hierárquica e tradicional da empresa, os trabalhadores das oficinas e
estrada de ferro, se organizaram e fizeram duas greves no ano de 1948, uma
em Setembro e outra em Novembro. Estava, naquele momento, se
organizando a classe trabalhadora capixaba, através daqueles que
expressavam a relação capital trabalho no modelo mais moderno do Estado.
Essa organização, feita de uma proximidade muito estreita entre as lideranças
e as bases (PEREIRA, 2014). Porém, a empresa, no ano de 1949, demitiu
quatrocentos funcionários e, após esse evento, deu racionalidade há um
processo que já era praticado na antes da greve: a disciplinarização dos seus
trabalhadores.
Esse processo tocava em todas as esferas do trabalho, mas
principalmente, visava desarticular qualquer tipo de movimentação operária,
alternando ações modernas e tradicionais com os funcionários, calculando as
situações de modo a não permitir qualquer luta trabalhista organizada,
4
excluindo essa parcela da modernidade (PEREIRA, 2012). A pesquisa de
Maísa Prates do Amaral, componente do grupo de estudos, mostrou que
pessoas com perfil ideológico adequado a empresa cresciam mais rápido em
sua hierarquia, fora dos moldes modernos de promoção (AMARAL, 2014).
A empresa foi bem sucedida, pois, mesmo acontecendo movimentos em
seu interior, sequer os pósteros souberam, ou ainda nem sabem, da existência
da greve da CVRD em 1948. Além disso, a partir da década de 1960, ela criou
uma imagem idílica das relações de trabalho, transparecendo que estas eram
mediadas da melhor forma pela sua direção, que teria oferecido aos
trabalhadores benefícios e melhorias.
Sobre a greve, houve uma disputa, e a classe trabalhadora tinha sua
organização liderada pelos comunistas, dentre os quais, Antônio Ribeiro Granja
e Hermógenes Lima da Fonseca. A greve foi feita a partir do sindicato,
organizada numa Comissões de Salários espalhada pelas oficinas da empresa.
Tal organização teve os traços do que Gramsci teorizou na Itália como a luta
pela hegemonia, através da guerra de posições com a classe dominantes, por
meio da proximidade entre lideranças e as bases. A questão é que, no Brasil,
os escritos de Gramsci só chegaram cerca de dez anos depois, não tendo sido
sua influência a que norteou a ação dos trabalhadores, mas sim a formação
autônoma destes como agentes políticos.
Foi essa autonomia que foi levada à baila pela coerção da estatal, e que
suplantou qualquer chance de se criar na memória coletiva dos trabalhadores
do Espírito Santo, uma representação desta autonomia operária, para lidar e
participar ativamente, tanto de questões relacionadas as relações de trabalho,
quanto a sua participação civil, em questões políticas da Sociedade e Estado.
Partindo da análise da coerção empresarial para o estudo das relações
da classe trabalhadora, já na pesquisa do grupo de estudos, foram analisados
os discursos de Granja e Fonseca, que foram vereadores de Cariacica e
Vitória, respectivamente. Incumbidos desta tarefa ficaram Vinícius Machado e
Marlon Pittol de Oliveira, que pesquisaram as atas das assembleias realizadas
nas câmaras dos municípios. O esforço de análise aponta para como se deu a
relação entre liderança e bases, de modo a entender as estratégias, erros e
5
acertos na condução da greve. Nesse ponto, o aparato teórico de Adam
Przeworski foi essencial para entender o papel das lideranças na mobilização
dos trabalhadores, rompendo com uma visão estruturalista, na qual a ação
coletiva estaria determinada por condições objetivas. O autor traz para o
marxismo um tipo de análise da ação individual, para posteriormente entender
a conduta coletiva, assim como a ação das lideranças nesse processo, e essa
ferramenta é o individualismo metodológico. Ele realiza a análise da social-
democracia e destaca a decisão de lideranças de esquerda em participar da
política institucional, portanto, que fizeram o cálculo do que é possível fazer,
para organizar a classe trabalhadora dentro do sistema institucional burguês.
Em linhas gerais, seu estudo se baseia na premissa de que o indivíduo se
esforça para maximizar ganhos, com o mínimo de custo, de modo a atingir um
prémio com o mínimo de esforço. Traduzindo isso para o campo da
organização dos trabalhadores, no caso de uma greve, esta seria composta por
pessoas dispostas ao enfrentamento coletivo com a empresa, enquanto outros
não se engajariam no movimento, para não correr o risco de perder o emprego
ou serem prejudicados. Porém, caso uma greve tenha êxito, os não
participantes vão na ‘carona’ e se beneficiam com os seus resultados, isso,
dentro de uma lógica maximizadora. A liderança operária, frente a esse tipo de
situação, tem que se engajar em diminuir os custos da ação coletiva, de modo
que os trabalhadores participem e tenham maior chance de obter êxito, que
são os ganhos materiais. Há todo um cálculo racional, uma análise do
momento, e a ação, não uma determinação objetiva da mobilização operária. A
estrutura fornece um campo de possibilidades, nas quais as lideranças efetuam
cálculos de ação, do que é possível fazer, em determinada conjuntura
(PRZEWORSKI, 1989).
Esse foi o caso da greve da CVRD no Espírito Santo, onde as lideranças
organizaram as bases nas oficinas de Itacibá, disseminando o movimento
paredista por várias unidades da empresa. Isso fizeram sem a participação do
Sindicato, ou seja, as lideranças analisaram a conjuntura, concluindo que a
entidade não estava sendo proveitosa na luta pelas melhoras salariais. Em
1948 havia sido feito o pedido de dissídio coletivo à empresa, que era um
mecanismo legal, que autorizaria os trabalhadores a fazer a greve, porém, ele
6
não era aprovado, e aqueles ficavam impossibilitados ao menos de se
mobilizar. Granja sabia disso, assim como as demais lideranças e, por isso,
fizeram a greve de outra forma, através da já citada Comissão de Salário.
Outra contribuição, que podemos chamar de teórica, apesar de teórico
ser um termo desconfortável ao autor, é a de Thompson. Em sua análise dos
aspectos culturais que nortearam as lutas dos trabalhadores na Inglaterra do
século XVIII e XIX, o historiador trabalha com ideia semelhante à de
Przeworski, não caindo no estruturalismo, com o tratamento da constituição da
classe trabalhadora como coisa, ou seja, sem levar em conta sua formação
histórica concreta, assim como o seu ‘fazer-se’ (THOMPSON, 1987). A classe
só pode acontecer se:
“(...) alguns homens, como resultado de experiências comuns (herdadas ou partilhadas), sentem e articulam a identidade de seus interesses entre si, e contra outros homens cujos interesses diferem (e geralmente se opõe) dos seus” (THOMPSON, 1987, p.10).
E essa identificação não se dá obrigatoriamente segundo a formação
econômica de uma sociedade, mas segundo sua formação concreta. Assim, os
trabalhadores da CVRD que entraram em greve, estavam identificados pelas
péssimas condições de trabalho, assim como baixos salários, frente a uma
inflação que dificultava suas condições de vida. Essa foi uma dos aspectos que
possibilitaram a ação das lideranças, que organizaram a mobilização.
Ruy Braga, professor da USP, escreveu o livro A política do precariado:
do populismo à hegemonia lulista, no qual traz uma importante questão, apesar
de não estar alinhado ao pensamento dos pesquisadores supracitados.
Segundo ele, os trabalhadores do Brasil, dentro de sistemas de produção
capitalistas distintos (taylorista, fordista, fordista pós-financeirizado), teriam
mediada sua relação com o empresariado através de modos de regulação
distintos (populista, autoritário e lulista), mas sempre haveria como marca uma
insatisfação operária, uma inquietação das classes trabalhadoras, que, em
certos momentos da história, entram em luta contra as forças dominantes dos
patrões, através do mecanismo de greve. Essa inquietação operária é sua
contribuição, pois ela existe, porém se acirra em momentos críticos da
economia nacional, assim como pode carecer de uma devida organização das
lideranças para que as demandas tenham chance de ser atendidas.
7
Braga defende que as bases pressionam as lideranças, de modo que
essas consigam algum ganho material, isso variando com o modo de
regulação. No caso do modo de regulação populista, a liderança faria acordos
com o governo, que daria algum retorno material, ao contrário do lulismo, no
qual os sindicatos, próximos dos fundos de pensões, se aproximaram do
capital, não mobilizando os trabalhadores, que por sua vez são beneficiados
diretamente por programas sociais, que não passam pela mediação do
sindicato.
No Espírito Santo de 1948 havia uma classe trabalhadora identificada
como tal, com lideranças ativas, e uma relação de proximidade entre as partes,
o que culminou com as duas greves. O comando estava inserido dentro de
uma mudança de postura do PCB a nível nacional e este respondeu de alguma
forma à essas mudanças. O PCB teve sua legenda caçada em 1948, o que fez
com que a direção do partido a nível nacional alterasse sua postura, que era
pacífica, e se tornou de enfrentamento. O manifesto de Janeiro, produzido por
Luís Carlos Prestes, identificou o governo Dutra como ditadura subordinada ao
imperialismo, que deveria ser combatido. Assim, estabeleceu objetivos a serem
postos em prática pelos comunistas, que eram: defesa da independência
nacional e das riquezas nacionais; defesa das liberdades populares; defesa do
nível de vida das massas trabalhadoras; defesa dos interesses do camponês;
defesa da indústria nacional; assim como o não envio de tropas no caso de um
possível conflito dos EUA com a URSS. Desse manifesto, surgiram três
campanhas de grande vulto, com direção de comunista, que foram: a
campanha do petróleo; a campanha da Paz; e a luta contra o imperialismo.
Ideia expressa no manifesto era partir das reivindicações materiais, presas as
relações de trabalho, para depois politizar as greves, transpondo as
reivindicações materiais, para a participação em questões de política nacional.
Nos discursos da Câmara de Vereadores de Cariacica e Vitória, Granja e
Fonseca defenderam os pontos de vista do partido, mas não politizaram a
greve da CVRD. Por quê? A nível regional as três campanhas encontravam
alvos concretos, como a C.C.B.F.E., concessionária de energia elétrica no
Espírito Santo, parte da American Foreign and Power (Amforp), parte do grupo
Bond and Share, multinacional americana. Era uma empresa odiada no Estado,
8
porque não dava conta da demanda da cidade, não tendo tomado atitudes que
sanassem estruturalmente a falta de geração de energia elétrica, direcionando
medidas paliativas, como a construção de termelétricas (RIBEIRO, 2013).
A Campanha do Petróleo foi grandemente difundida no Espírito Santo
pelos comunistas, mas também com participação de liberais, como Setembrino
Pelissari. Este, em entrevista, disse que as pessoas que participavam dos
comícios eram, em geral, membros da classe trabalhadora, sindicalizados e
pessoas mais humildes. Então por que não politizaram a greve os comunistas?
Tentaram?
Por último, a Campanha da Paz, que também teve repercussão no
Espírito Santo, mas não encontrou na greve o meio de politizar os
trabalhadores. Não se sugere com estas perguntas que politizar uma greve
seja um mecanismo simples, pelo contrário, é algo muito difícil deslocar as
reivindicações materiais dos trabalhadores para a esfera da participação
política, porém cabe um estudo sobre como as lideranças agiram com relação
a estes temas, e como adequaram as diretrizes nacionais à realidade capixaba.
O objeto desta monografia é o de observar, através do discurso do jornal
A Gazeta, como era tratada a CVRD publicamente por esse meio de
comunicação, assim como interpretação das informações contidas em tal
discurso; e a análise da relevância e característica da Campanha do Petróleo
no Espírito Santo.
No capítulo 2 serão analisadas as colunas do Jornal A Gazeta, escritas
por seu editor chefe, o udenista Eurico Rezende, caracterizando seu
pensamento dentro das linhas de sua agremiação política, assim como
verificando os problemas que ele achava relevante apontar em suas colunas,
assim como suas omissões, ou seja, coisas que ele nem cita, mas são
elementos da realidade, em momentos dramáticos, como a luta da direção da
CVRD com os representantes da EXIMBANK. Para tal esforço, será utilizada a
metodologia proposta por Ciro Flamarion Cardoso, que, em seu livro Narrativa,
Sentido e História, lança pressupostos da semiótica subordinadas ao trabalho
do Historiador, com a poética de Todorov (com a análise das características
internas do texto) e o estudo da ideologia de Goldman (estrutura mental da
9
época em que o documento surgiu). Serão observados os aspectos internos do
texto, assim como termos e causas atribuídas pelo autor a certos
acontecimentos, assim como tempo que dedica a certos assuntos.
No capítulo 3 será feita analise da entrevista realizada com Setembrino
Pelissari, que participou da Campanha do Petróleo, quando ainda era
estudante. Este iniciava sua participação política e tinha como tutor, Eurico
Rezende. Pelissari seguiu o caminho da UDN, tendo os traços característicos
da agremiação, por isso cabe entender, assim como no caso de Rezende,
como ele decodifica as situações a sua visão de mundo. A metodologia
utilizada para a História Oral é o pesquisador inglês Paul Thompson, que
lançou um compêndio sobre técnicas da entrevista, e auxilia em pontos
importantes da pesquisa. Um desses pontos é a constatação de que a pessoa
idosa, depois de encerrar suas atividades de trabalho, passa por um processo
de retrospectiva de sua vida, assim passando por pontos do passado, e
construindo uma memória, criando ou excluindo informações. Outra
contribuição é os aspecto psicológico da pessoa, sua característica individual,
que auxilia a entender como aquela subjetividade interagiu com certo
pensamento de época ou acontecimento. Por fim, dentre as mais interessantes,
é a importância dada não à veracidade dos eventos mas sim à construção de
determinada memória, no caso, de Pelissari. Porém, a mudança em relação a
esse pesquisador é que não foi analisado um grupo, mas um indivíduo que
representa um tipo de pensamento de época, ou seja aqui se trata de uma
análise qualitativa, assim como, levando em conta a história de vida do
entrevistado, suas idiossincrasias.
No capítulo 4, será feita a conclusão, com os resultados da pesquisa,
assim como indicações para uma pesquisa mais acurada sobre as outras
campanhas (da Paz e contra o imperialismo) que não serão tratadas neste
trabalho.
10
2. Eurico Rezende e a esfera pública capixaba em 1947: O espaço
e o discurso
2.1 Introdução
O presente capítulo tem por objetivo a análise do discurso da coluna
Ordem do Dia, publicada no jornal A Gazeta, de agosto de 1947 a fevereiro de
1948, pelo advogado Eurico Rezende, editor-chefe do jornal naquele período. A
coluna é quase exclusivamente direcionada à diretoria da Companhia Vale do
Rio Doce (CVRD), abordando eventos que ocorriam na empresa e que
contrariavam o próprio discurso moderno que a legitimava, assim como
práticas políticas postas em prática pelo PSD. Observada sob o olhar de
Rezende, liberal e partidário da UDN, os eventos da direção da CVRD foram
decodificados sob tal prisma político, que desqualificou totalmente a sua
atuação, omitindo, porém, no que ela vinha se engajando, que era a luta pela
manutenção da autonomia empresarial em relação aos interesses norte-
americanos no comando da estatal. Através das acusações de Rezende é
possível analisar como ele tentou desenvolver um discurso político diverso no
Espírito Santo, e que foi derrotado no campo das representações.
2.2 Crônica dos eventos
Para compreender o contexto político em que Eurico Rezende escreveu
a Ordem do Dia, faz-se necessário a busca nas rupturas e continuidades da
política capixaba desde a Revolução de 30, cuja principal característica é a
manutenção da influência oligárquica na política capixaba.
O Estado do Espírito Santo seguiu as tendências políticas a nível
nacional, tanto na Revolução de 1930, e todos os eventos em sequencia, haja
vista o novo sentido que a política nacional tomou com relação ao papel do
Estado. Antes do evento que marcou o fim da República velha, a política
nacional estava nas mãos das elites regionais, principalmente dos Estados
mais desenvolvidos, como Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio
Grande do Sul e Pernambuco. Isso se alterou com a posse provisória de
Getúlio Vargas no poder em Outubro de 30. Desde então, o poder passou a ser
centralizado, assumindo o Governo Federal, funções antes desempenhadas
11
pelos Estados, que tinham em sua alternância de mandatos, a influência sobre
o poder executivo. Sob a ideologia tenentista autoritária, que defendia o
reformismo, as elites tradicionais foram desalojadas do poder, participando da
política federal sem o poder executivo que detinha antes da Revolução de 1930
(SKIDMORE, 1982).
A revolução foi articulada pela Aliança Liberal, frente formada por
Oswaldo Aranha, em Minas Gerais, Lindolfo Collor na Paraíba e seguida em
vários Estados da federação; por tenentes preocupados com a rápida
industrialização do país, e reforma dos costumes políticos; por militares de alta
patente, preocupados com recursos para o Exército, assim como a
preocupação com a industrialização do país; por cafeicultores insatisfeitos com
as ações do governo, que não encontrou solução para os problemas causados
pela crise de 1929 (SKIDMORE, 1982).
Os dois primeiros citados acima, são chamados por Thomas Skidmore
de revolucionários, pelo fato de terem atuação direta na derrubada da
República Velha, enquanto os demais apenas apoiaram a revolução,
chamados de não-revolucionarios. Mas todos esses elementos são nomeados
por Skidmore de coalizão “revolucionária”, mesmo que contendo elementos
sem participação direta nas colunas ou defesa da reforma do Estado.
Importante para esse estudo é o que Skidmore analisa sobre o sentido
que tomou a política brasileira após esse evento. Sua tese é que a
centralização do Estado Brasileiro, e a tomada de responsabilidade em setores
como: a relação capital-trabalho; previdência social; assim como a
centralização da tomada de decisões; forneceu as bases para o sistema
político que se configurou entre 1945 e 1964, marcada pela relação populista
entre os governantes e setores civis, como os sindicatos de trabalhadores. A
crise do café, e a falta de uma classe que pudesse impor sua hegemonia aos
demais, abriu espaço para que o Estado assumisse o papel de propulsor do
desenvolvimento nacional, com vistas ao bem comum da nação. Tal função foi
demonstrada pela forma de governo de Vargas, hábil conciliador dos interesses
de facções rivais que se digladiavam, caso não houvesse uma mediação. Após
a constituição de 1934, Vargas, eleito indiretamente pela Constituinte, começou
12
a articular uma forma de se manter no poder, haja vista o impedimento de sua
candidatura em 1937, empecilho civil imposto através da constituinte de 34.
Tanto a constituição, quanto esse impedimento, feitos sob a pressão dos
constitucionalistas, representados pela classe média. Com a radicalização dos
movimentos políticos, pela esquerda (comunistas e intentona comunista), e
pela direita (ação integralista), Getúlio Vargas conseguiu manobrar, no sentido
de obter apoio dos tenentes, para se manter no poder, de forma autoritária.
Sob esse apoio, foi implantado o Estado Novo, que fortaleceu ainda mais o
papel do Governo federal. Com a redemocratização, em 1945, uma estrutura
política totalmente diferente daquela de 1930 estava posta. Novos atores
políticos entraram em cena com a abertura política, assim como os estímulos a
industrialização já haviam desenvolvido uma classe industrial suficiente para se
por diante o Estado. Exemplo disso eram os trabalhadores representados pelo
Partido trabalhista brasileiro (PTB) e Partido Comunista do Brasil (PCB); e a
classe industrial, representada pela UDN, nesse momento mais desenvolvida.
Em resumo, o governo provisório; o governo constitucional de 1934; mas, com
maior importância, o Estado novo de Vargas foram os momentos em que a
política brasileira tomou novos contornos, baseados na centralização de todas
as decisões nas mãos do Governo Federal, incluindo a mediação entre os
conflitos entre as classes sociais.
No Estado capixaba, anterior à Revolução de 1930, a política também
era tradicional, sob o poder dos coronéis, donos de redutos eleitorais. As elites
agrário-exportadoras capixabas eram provenientes, em grande parte, do Sul,
haja vista o desenvolvimento acentuado nessa região do Estado, ao contrário
do que se encontrava a Norte do Rio doce, principalmente na região Noroeste,
ainda não colonizada à época. A Revolução de 1930 no Espírito Santo,
inicialmente não encontrou muitos adeptos para a Aliança Liberal, pois a elite
capixaba prosseguiu em apoio tanto à situação federal quanto a estadual,
Washington Luís e Aristeu Borges de Aguiar. Mas logo isso mudou, pois
parcela da elite capixaba começou a simpatizar com a mudança na política.
Fernando Achiamé, em seu livro O Espírito Santo na Era Vargas (1930-1937)
elites políticas e reformismo autoritário, utilizando o aparato teórico de Gramsci
para analisar a sociedade capixaba do período, diz que, parte da elite capixaba
13
passou pelo transformismo, ou seja, se voltaram contra o sistema de poder no
qual tinham não só legitimidade, como fonte de força, com vistas a um novo e
mais proveitoso posicionamento no quadro político.
Sobre esse aspecto, a política capixaba, que era dividida entre clãs
familiares, na conjuntura da revolução, estava em poder dos Borges Aguiar,
apoiados pela facção da família Monteiro bernardinista, da tradição de
Bernardino Monteiro. A outra facção da família Monteiro era a jeronimista,
alijada do poder naquele período. Desde 1920, que a família Monteiro era
dividida entre essas facções rivais.
Uma das pessoas a apoiar a Aliança Liberal foi Carlos Fernando
Monteiro Lindenberg, jeronimista, portanto, alijado do poder também. Tanto
este, como outros políticos mais prestigiosos (Geraldo Viana coronel de Muqui
e Fernando Abreu, de uma família de Cachoeiro de Itapemirim) deram um salto
sobre o abismo, ao decidir pelo apoio a Aliança liberal, pelo fato de arriscar seu
prestígio político no apoio aos aliancistas (ACHIAMÉ, 2010). Essa participação
mostra a derrocada do antigo regime:
“[Essas ações] ilustram de forma eloquente a derrocada do sistema político da chamada República Velha – quando pessoas pertencentes às classes dominantes passaram a apoiar francamente o movimento revolucionário, mesmo não tendo se empenhado na campanha da Aliança Liberal, o colapso do regime já era dado como certo” (ACHIAMÉ, 2010, P.123).
O autor argumenta que a classes dominantes capixaba, com a
revolução, encontraram novas formas de participar do poder. Vários políticos
capixabas foram à Minas Gerais, e voltaram junto às colunas que conquistaram
o Estado capixaba. Desse modo, ao se estabelecer um novo governo, os
revolucionários capixabas, assumiriam cargos. O Estado vizinho era um dos
líderes da Revolução, governado por Olegário Maciel.
Fernando Achiamé usa de outra teorização de Gramsci, que é o conceito
de revolução passiva. Ao identificar que a revolução, no sentido econômico e
político, teve de ser levado a cabo pelo Estado, e não por uma classe dirigente,
que se torna dominante. Esse tipo de revolução foge à experiência histórica
(Revolução Francesa), na qual uma classe revolucionária (Burguesia), se torna
classe dirigente e depois se torna classe dominante (ACHIAMÉ, 2010). O
14
Espírito santo não tinha uma classe capaz de levar a frente esse tipo de ação,
e conquistar a hegemonia. Portanto, diante uma crise de vácuo hegemônico, o
Estado assumiu a responsabilidade de levar a frente a industrialização,
combater o mau uso do Estado (corrupção) mas principalmente, resolver os
problemas do país, intensificados pela crise econômica internacional.
As elites agrárias não ficaram alheias ou segregadas da esfera política
no Espírito Santo, pois, assim como em outros Estados, eram a classe com
mais força que demais, por isso, sua participação no poder regional. Ficaram
sob o poder federal.
Quando chegou a Vitória a mensagem de que havia estourado a
Revolução, logo um grande temor se deu na Capital, e as classes
conservadores se moveram e interviram no rumo dos acontecimentos. A
associação comercial de Vitória, autointitulada, representante das classes
conservadoras, foram até Aristeu Borges de Aguiar, e solicitaram que esse se
retirasse do cargo, para que evitasse uma resistência, e por seguinte,
derramamento de sangue. O governador percebeu o ultimato, daquela que, era
a instituição que lhe conferia maior legitimidade e, portanto, se retirou do cargo
no dia 16 de Outubro. O coronel Armando de Paula, enviado pelo Governo
federal para resistir aos revolucionários, foi empossado provisoriamente como
governador, o que indignou as classes conservadoras, que voltaram a solicitar
a não resistência aos revolucionários; No dia 18, Armando de Paula se retirou
do cargo provisório, e em 22 do mesmo, chegou a coluna vinda de Baixo
Guandú, assumindo o poder e instituindo uma junta governativa.
Nesse momento voltou a se dar o conflito intraoligárquico, pois os
aliancistas que participaram da revolução tinham por intenção assumir a
interventoria do Estado. Porém, foi João Punaro Bley, que em 22 de Novembro,
assumiu o cargo de interventor federal. Esse, dentro da linha Getulista de
conciliação de interesses, ficou incumbido de desfazer as escaramuças entre
as facções regionais capixabas, o que o político fez com habilidade.
Seguindo a crônica dos acontecimentos, a forte pressão pela criação de
uma constituição se fazia ao Governo provisório de Vargas, reivindicação das
classes médias, frustradas e preocupadas pelo rumo que Revolução que antes
15
haviam apoiado tomou. A Revolução Constitucionalista de 1932 estourou em
São Paulo, mas não obteve apoio dos demais grandes Estados, pelo fato de ter
o movimento assumido as cores do separatismo. A Constituição de 1934
inaugurou o que Achiamé chamou de democracia limitada.
Nesse momento, Carlos Lindenberg, fundou o Partido Social
Democrático (PSD), de modo a oferecer apoio ao Governo Vargas. Utilizou-se
das relações oligárquicas, indo aos municípios sulistas, firmando alianças e
formando o partido rapidamente. Tal velocidade demonstra como as relações
da República Velha seriam difíceis de apagar. Porém, tanto essa articulação,
quanto a dos comunistas, integralistas foram vetadas com o Estado Novo.
Foram os anos da ditadura, e o espaço para participação civil no governo ficou
limitado.
Mas mesmo a ditadura tinha data para acabar. Vargas havia firmado o
compromisso de, seis anos depois de instalada a ditadura, chamaria eleições,
e novamente voltaria a democracia. Em 1943, pressões se fizeram nesse
sentido, de modo que, mesmo que o ditador tenha tentado manobrar as
pressões, em 1945, fosse convidado a se retirar do poder, por sua base de
apoio o exército.
Em 1945, Getúlio Vargas foi deposto, e as eleições chamadas para 2 de
dezembro do mesmo ano, onde concorreram o brigadeiro Eduardo Gomes pela
UDN e o General Eurico Gaspar Dutra pelo PSD. Este obteve o apoio e
Vargas, assim com o apoio da classe fundiária, ainda muito forte nos principais
Estados do Brasil, e isso lhe rendeu a vitória eleitoral. Nos Estados, as eleições
para governador do Estado foram em 1947. No Espírito Santo, a prática política
do coronelismo era muito forte ainda, ao contrário de Estados como São Paulo
e Rio de Janeiro, nos quais o sistema político populista já se encontrava em
funcionamento.
As famílias ou clãs voltaram a ter liberdade de atividade política, assim
como o restante da sociedade teve essa possibilidade, porém, com a primazia
de ser uma classe mais organizada que as demais.
16
Sobre a distribuição econômico-social, a região noroeste capixaba
passou por um processo de colonização, caracterizado pela parceria e meia.
Havia também certa facilidade de se conseguir obter terras, assim a
configuração da posse de terras no Espírito Santo foi de pequenos agricultores,
com mão de obra de origem familiar, pela migração interna, de pessoas vindas
do Sul do Estado. Esses pequenos agricultores encontraram sua
representação no Partido Republicano Progressista (PRP). Outro grupo que
entrou representado na nova situação política foi o dos trabalhadores,
representados pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e Partido Comunista
Brasileiro (PCB). A União Democrática Nacional representava as classes
médias urbanas. O Partido Democrata Cristão (PDC) tinha representação em
classes tradicionais, sendo um dos seus componentes o ex-interventor João
Punaro Bley. (SILVA, 1995)
As eleições agitavam os atores políticos capixabas, que buscavam
dentro dos quadros dos partidos, encontrar alianças que os garantissem a
participação no poder, agora aberto a quem vencesse nas eleições. O quadro
das elites capixabas não se alterou, e o conflito entre facções voltou a cena
política, com a luta pelo poder.
Martha Zorzal e Silva, em seu livro Espírito Santo: Estado, interesse e
poder, descreve o momento em que os partidos buscavam um candidato para
a governadoria do Estado, assim como um candidato a senador. Segundo a
autora, a divisão do poder está dentro do PSD, partido com mais força no
Estado. Essa divisão se dava entre a ala atilista e a ala jonista, as quais eram
procuradas por outros partidos, já cientes da necessidade de aliança com o
PSD para obter algum benefício. Sobre o poder dos clãs familiares no Espírito
Santo, vale a pena mostrar que alas eram essas que dividiam o PSD. A ala
atilista era de Atílio Vivácqua, pertencente ao clã dos Vivácqua, do município
de Muniz Freire, e a ala jonista era composta por Jones dos Santos Neves
(membro da família Santos Neves) e Carlos Lindenberg (membro dos Monteiro,
de Cachoeiro de Itapemirim). O poder do Estado ainda pendia para o Sul, pois
a representação política encontrava nesses clãs, os representantes da classe
fundiárias.
17
Antes de Vivácqua se lançar como candidato, buscou pelo nome do
general Tristão de Alencar Araripe, pois esse, um militar e próximo ao
presidente da República, era a figura visada para assumir o cargo de
governador. O ideal de neutralidade militar ainda era muito forte naquele
período. Seu nome foi sondado pelo PDC de Bley, e pela UDN. O candidato,
porém, desistiu de se candidatar por qualquer um dos partidos, pois sua
intenção era conciliar as posições, em busca de uma harmonia entre os
partidos, para melhor governar, o que lhe pareceu impossível de acontecer.
A UDN, que então não ia lançar candidato para governador, decidiu em
assembleia no diretório capixaba que lançaria para governador Fernando
Monteiro Lindenberg (irmão de Carlos Lindenberg) e Luiz Tinoco para senador,
porém, em Janeiro do ano seguinte, Fernando Monteiro retirou sua
candidatura, e Seu irmão se tornou candidato, representante da aliança PSD-
UDN.
Porém nem todos os udenistas concordaram com a aliança, surgindo os
dissidentes, dentre os quais se destacavam: “Eleosippo Cunha, Rosendo
Serapião de Souza Filho, Eurico Rezende (…) Nahum Prado, José Medeiros
Corrêa”. (SILVA, 1995, p.339) Então, dentro do partido dos bacharéis, houve
discordância quanto o acordo firmado, e dois desses udenistas históricos eram,
respectivamente, dono do Jornal A Gazeta e editor chefe do mesmo. A ala
atilista do PSD firmou aliança com o PR e PDC, este último em que o Dr.
Fernando Duarte Rabello deixou de ser candidato parra dar lugar à Atílio
Vivácqua, sendo candidato a senador, Bley.
A disputa pelo eleitorado se deu com Lindenberg com a promessa do
“cancelamento de todos os impostos sobre a lavoura (…) [de] grande
permeabilidade junto ao eleitorado rural” (SILVA, 1995, p.334). e Atílio
Vivácqua com um extensa plataforma de governo, segundo Zorzal, muito
avançada para a época. Esse fator, para a autora, foi importante para a vitória
de Lindenberg, pois a candidatura de Vivácqua, não era acessível para a
maioria do eleitorado, ao contrário de seu adversário, que prometia algo que
atraía diretamente o eleitorado rural. Na Assembleia Legislativa, o poder do
18
PSD se confirmou, tendo eleito 14 deputados, enquanto o segundo partido, a
UDN, havia conquistado 6 vagas.
Apesar de novas forças políticas terem ingressado na arena política,
Zorzal aponta para a manutenção de padrões de relacionamento político
coronelísticos, quando diz que:
“Efetivamente, durante o período de 1945 a 1964, a realização de alianças, visando manter o poder, ou o acesso a ele, será a tônica que vai permear o quadro das disputas políticas no Espírito Santo (…) A vitória expressiva dada ao candidato da aliança PSD-UDN - Carlos Lindenberg- evidencia que os laços de lealdade ainda eram muito fortes no Espírito Santo (…) em suma, em termos comparativos com os demais Estados da região Sudeste- onde as práticas populistas passam, no pós-45, a se constituir na forma básica de disputas político-partidárias- verifica-se que no Espírito Santo, ao contrário, as práticas coronelistas são reeditadas e prevalecem no domínio político” (SILVA, 1995, p.350).
A diferenciação do Espírito Santo com relação aos outros Estados está
descrito por Zorzal, no qual o poder dos coronéis ainda era muito forte, e as
relações tradicionais eram vigentes nas práticas políticas, de forma semelhante
ao que se tinha no período anterior à Revolução de 1930.
Os udenistas que não concordaram com a aliança com o PSD tinham
razão em não aceitá-la, pois, apesar de logo depois de empossado governador
do Estado, Carlos Lindenberg, ceder a Secretaria da Fazenda e a Procuradoria
Geral da União para UDN, logo começou a agir de forma a tirar o empecilho
udenista de sua administração.
Não era interessante ter para ele, os udenistas participando do seu
governo, pelo fato de que:
“(...) Carlos Lindenberg estava dando continuidade (…) a execução do projeto de consolidação de estruturas e apoio capazes de permitir o controle hegemônico do aparelho regional de Estado ad infinitum, pelas referidas forças políticas (…) E nesse momento, estava, afinal, à frente do executivo, cujo espaço de atuação lhe permitiria amplas realizações. Porém, não estava só. Haviam os aliados políticos em pontos chaves, com os quais precisava negociar e fazer concessões, próprias do jogo político. E, estas, principalmente, não eram parte de sua agenda. Como consequência, em pouco tempo, tanto PRP como UDN seriam eliminados da arena executiva (SILVA, 1995, p.354).
As atitudes de Lindenberg, de compressão do gasto público, fez com
que os udenistas que membros do funcionalismo público fossem demitidos, e
19
logo gerou reação dos aliados. As ações do governador visavam diminuir o
espaço de atuação da UDN, e retirá-lo dos pontos chave de seu governo.
Enquanto a nível nacional o PSD firmava aliança com a UDN, a nível
regional, o último rompeu com o partido situacionista. O acordo interpartidário,
firmado entre PSD-UDN-PR em 1947, tentou diminuir a tensão existente no
espírito Santo, de modo a manter a aliança, porém, em 13 de maio de 1948 a
UDN capixaba rompeu com o PSD, se retirando dos cargos que havia
assumido no início do governo.
O poder executivo capixaba de 1947 ainda contava com a participação
udenista, porém no ano seguinte, encontrava-se só na gestão do mandato
governamental, levando assim o projeto de dinamização da produção agrícola
e industrial, assim como o objetivo de aumentar a arrecadação no Estado,
redistribuindo os impostos entre o setor de produção e comércio.
O contexto em que Eurico Rezende começou a escrever as colunas a
Ordem do Dia foi marcado pela perseguição as hostes udenistas no
funcionalismo público, sob o pretexto da redução dos gastos públicos;
diminuição do espaço de atuação da UDN no governo; e a vigência de padrões
políticos tradicionais, baseados em relações pessoais. O partido majoritário na
Assembleia Legislativa era o PSD, assim como a prática coronelista era
comum no Espírito Santo, diferente das mudanças que vinham ocorrendo nos
Estados vizinhos, dentro da lógica populista.
A liderança política de Lindenberg foi a vitória de um projeto mais
conservador, diferente de Atílio Vivácqua, que, segundo Zorzal, era partidário
de uma linha mais progressista dentro do PSD.
Dentro dessa configuração de poder, o surgimento de um discurso
moderno, do qual Rezende era signatário, encontrou vários objetos, eventos e
práticas a que apontar e acusar, mas também um ambiente desfavorável para
sua propagação, haja vista hegemonia oligárquica capixaba muito mais
consistente que a elite moderna capixaba, ainda em surgimento no Espírito
Santo, e com uma maior base nas classes médias urbanas.
20
A escrita de Eurico Rezende assume um tom de denúncia, acusando as
práticas políticas vigentes na maior empresa do Estado capixaba naquele
momento, a CVRD. O empreendimento estatal, posto em funcionamento em
1942, por Vargas, é alvo de várias críticas e acusações graves do jornalista,
assim como em duas colunas, aponta para situação política fora da empresa,
no caso de uma professora perseguida politicamente por um partidário do PSD.
Suas acusações são direcionadas as práticas políticas vigentes no
Espírito Santo, tendo como principal alvo a CVRD. O que, afinal ocorreu na
CVRD? O que remontava às relações tradicionais? Esse discurso ganhou
repercussão no Espírito Santo?
Antes de entrar nessas questões, no que o jornalismo udenista, poderia,
através do levantamento das acusações, querer?
Antônio Gramsci e a reflexão teórica sobre o jornalismo
A obra utilizada para esse estudo é Os intelectuais e a organização da
cultura (GRAMSCI, 1979), livro no qual Gramsci faz observações sobre os
intelectuais italianos, desde a Roma de César, perpassando a Idade Média;
Renascimento; Contrarreforma; Unificação italiana; até a época em que
escreveu, o ano de 1929. Suas reflexões nesse livro partem dessas
observações e se desenvolve nos temas da educação escolar e jornalismo.
Nesses objetos, desenvolve teorizações, aponta erros a serem sanados, e
define qual seria o melhor caminho a seguir nessas áreas, de modo a fornecer
uma formação cultural mais apropriada aos indivíduos, e por seguinte, a
transformação da sociedade.
Sobre a escola, faz a defesa da escola unitária, onde o aluno passaria
por um ensino ético-moral, com características, necessariamente, próximas de
um dogmatismo, para depois o indivíduo prosseguir a um estudo técnico,
independente da área em que for atuar. A intenção é formar um intelectual
orgânico, com capacidade de direção da sociedade, partindo de uma formação
humanista, para depois desenvolver capacidades técnicas, as quais não
estariam sozinhas e aprisionadas nos locais de trabalho, mas acompanhadas
21
de uma formação humana capaz de uma reflexão crítica sobre as reflexões em
que está inserido.
Assim com a educação das crianças não constituem algo natural, e sim
na criação do hábito do estudo e da reflexão, o jornalismo deve fornecer as
conexões necessárias para um indivíduo que, não tem o tempo necessário
para se dedicar à analises extensas sobre as relações públicas e sócias. Está
próximo à tarefa educativa, como nos mostra Gramsci.
Segundo o autor, é inútil se formar um objeto de consumo escrito, que
não tenha uma base social, ou seja, pessoas que leiam tais textos, e excetuada
essa situação, o jornalismo tem o papel de fornecer mecanismos, que
permitam aos indivíduos refletirem sobre determinado assunto, de forma
sistemática, visando a transformação da realidade concreta. Portanto, segundo
a leitura gramsciana, o jornalismo tem o papel de fornecer aos leitores, uma
reflexão sistematizada sobre assuntos diversos, proporcionando-os a
capacidade de reflexão sobre esses, e a consolidação de uma leitura sobre a
realidade, para, então, ser possível a transformação dessa.
Mas o jornalismo tem lugar e origem de grupo, e, segundo Gramsci, há a
pressuposição da:
“(...) existência de um grupamento cultural (em sentido Lato) mais ou menos homogêneo, de um certo tipo, de um certo nível e, particularmente, com uma certa orientação geral; devemos pressupor ainda que se pretenda fundar-se em tal grupamento para construir um edifício cultural completo, autárquico (…) Todo o edifício deveria ser construído de acordo com princípios 'racionais', isto é, funcionais na medida em que tem determinadas premissas e se pretende atingir determinadas consequências” (GRAMSCI, 1979, p.162, grifo nosso)
Portanto, uma revista, jornal, almanaque ou qualquer atividade
jornalística, parte de um grupo, que tem premissas e visa atingir determinadas
consequências. No caso de A Gazeta, parte-se de alguns princípios morais,
próprios do movimento que o configurava, visando idealmente a alteração das
relações políticas produzidas na vida capixaba. Mais a frente veremos quais
são essas características.
A intenção jornalística, inicialmente é direcionada para um grupo, para
atender as suas necessidades, mas desdobra-se na ampliação desse público,
22
atingindo outras pessoas, de outras camadas sociais. Isso remete ao
convencimento, à argumentação e sobre determinada forma de ver o mundo,
ou seja, além de satisfazer as necessidades de seu grupo, o texto jornalístico
deve ampliar seu público através do convencimento de que essa visão de
mundo à mais apropriada.
Aplicando a realidade capixaba, além de satisfazer um público
progressista, basicamente um jornal de classe média urbana e elites modernas
ligadas à indústria, tem por intenção o texto jornalístico ampliar seu público,
atraindo aqueles que possam aprender a concordar com um determinado
discurso. No caso um leitor capixaba, pertencente ao setor agro-fundiário
poderia ser convencido de que os padrões morais udenistas, assim como suas
acusações são certas, assim passando a consumir seus textos
frequentemente, e defendendo-os organicamente, acreditando piamente em
seus postulados. Também um trabalhador assalariado assumir um discurso
elitista, semelhante ao udenista, mesmo que isso seja uma contradição pois um
udenista não se via igual à um proletário.
O jornal deve então, se preocupar com a tiragem, e a ampliação de seus
leitores, na intenção de atender uma demanda, aumentar sua tiragem e obter
mais leitores, conquistando mais pessoas que leiam e se interessem por seus
textos. A preocupação com o leitor, segundo Gramsci, é essencial! Esses
devem ser atraídos a comprar o texto jornalístico, qualquer que seja, pelo
conteúdo nele contido, mas sem perder de vista as características externas no
periódico. Um jornal deve se preocupar com a divulgação.
Para atender um determinado grupo e conquistar mais leitores, o grupo
cultural de obter uma homogeneidade interna, que ponha em proximidade
todos os componentes do jornal, de modo que estabeleça características
próprias que os garanta a sobrevivência permanente. Nas palavras de
Gramsci:
“Não pode existir associação permanente, com capacidade de desenvolvimento, que não seja sustentada por determinados princípios éticos, própria associação determina para seus componentes singulares, a fim de obter a compacticidade interna e a homogeneidade necessárias para alcançar o objetivo” (GRAMSCI, 1979, p.167, grifo nosso).
23
Sobre os princípios, Gramsci esclarece mais sobre o grupamento
cultural:
“(…) uma associação normal concebe a si mesma como uma aristocracia, uma elite, uma vanguarda, isto é, concebe a si mesma como sendo ligada por milhões de fios a um determinado agrupamento social e, através dele, a toda humanidade. Portanto, esta associação não se considera como algo definitivo e enrijecido, mas como tendente a ampliar-se a todo um grupamento social, que é também considerado como tendente a unificar toda humanidade . Todas essas relações dão o caráter tendencialmente universal da ética de um grupo, que deve ser concebida como capaz de se tornar norma de conduta de toda a humanidade (GRAMSCI, 1979, 168-69, grifo nosso) .
No Espírito Santo, o jornal A Gazeta fazia claros questionamentos de
conduta aos eventos ocorridos na esfera regional, assim como, tinha espaço
dedicado aos acontecimentos nacionais e internacionais, questionando
também, por exemplo, as ações da União Soviética comunista, a qual o
grupamento cultural do jornal era avesso. O padrão moral era descrito nas
entrelinhas dos julgamentos morais presentes nos artigos do jornal.
Uma das preocupações de Gramsci é com a utilização de termos e
conceitos políticos, que devem ser facilitados para o leitor comum, não
especializado em assuntos como economia e política, assim como assunto
devem ser resumidos, de modo a dar a possibilidade de que o leitor esteja
ciente de eventos e dilemas ocorridos a nível regional, nacional e internacional
se for o caso.
“o leitor comum não tem, e não poder ter, um hábito científico, que só se adquire com o trabalho especializado: por isso deve-se ajudá-lo a assimilar pelo menos o 'sentido' desse 'hábito' através de uma oportunidade crítica oportuna. Não basta lhe oferecer conceitos já elaborados e fixados em sua expressão 'definitiva'; a concreticidade de tais conceitos, que reside no processo que levou àquela afirmação, escapa ao leitor comum: deve-se, por isso, lhe oferecer toda a série dos raciocínios e das conexões intermediárias, de um modo bastante determinado e não apenas por indicações” (GRAMSCI, 1979, p.170).
O trabalho jornalístico deve, então, ser uma forma especializada,
conhecer seu público e ser escrito de uma forma inteligível aos leitores. E, no
caso de uma leitura científica de determinado assunto, apresentar os nexos do
raciocínio de modo a facilitar o entendimento. A citação abaixo é bem clara:
24
“A 'repetição' paciente e sistemática é um princípio metodológico fundamental: mas não a repetição mecânica, 'obsessiva', material; porém é necessária a adaptação de cada conceito às diversas peculiaridades e tradições culturais” (GRAMSCI, 1979,p.174).
Eis o papel pedagógico, ligado a processos e repetição de informações
de modo a fornecer ao leitor, facilidade de entender os temas. Mas não só
entender o assunto, mas vencer o senso comum, o folclore e entender
criticamente a realidade.
Gramsci desdobra vários tipos de textos, com objetos diversos, mas
cabe aqui salientar o caráter do agrupamento cultural. Segundo Gramsci,
existem os jornais de partido e os de informação, sendo o primeiro,
comprometido com um grupo, e outro ligado à compilação de informações. O
jornal A Gazeta era um jornal de partido, um instrumento para conquista de
hegemonia de um grupo, que era a elite moderna representada pela UDN de
Rezende. Esse tipo de discurso entrou em uma esfera pública repleta de
relações historicamente vigentes, as quais tentou combater, para então impor o
seu. Agora podemos retornar às questões: O que, afinal ocorreu na CVRD? O
que remontava às relações tradicionais? Esse discurso ganhou repercussão no
Espírito Santo?
2.3 A CVRD na Ordem do Dia: Acusações e omissões no discurso de Eurico
Rezende em A Gazeta
No contexto da Segunda Guerra Mundial, o Brasil rompeu as relações
diplomáticas com os países do Eixo e se posicionou ao lado dos EUA e
Inglaterra, e, após de uma longa negociação diplomática em Washington,
foram firmados seis acordos que estabeleciam medidas de cooperação entres
eles, pelos quais os estrangeiros comprariam o minério de ferro para produção
de material bélico. Para tanto, foi feito um empréstimo por meio do Export-
Import Bank of America (Eximbank) ao Brasil, juntamente com a transferência
da Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia S.A. (CBMS) pelo Estado
inglês para o Brasil. Confirmado o acordo, estava solucionado o problema que
vinha se travando na arena política brasileira com relação à extração das
riquezas minerais do Brasil por uma empresa controlada por um estrangeiro,
pois, encampada a CBMS, dona das minas de Itabira (MG) e da Estrada de
25
Ferro Vitória-Minas (EFVM), o Estado brasileiro seria o beneficiário de seus
rendimentos. A empresa estatal constituída pela incorporação da CBMS foi
chamada de Companhia Vale do Rio Doce (CVRD).
A direção da empresa foi composta por brasileiros e norte-americanos.
Esses, por sua vez, eram representantes do Eximbank. Essa composição
gerou uma disputa por poder dentro da sua direção, pois os representantes
norte-americanos indicados pelo banco tinham poder de veto nas decisões
gerenciais, o que gerou reação por parte do presidente da empresa, Dermeval
Pimenta e seu antecessor, Israel Pinheiro. Pimenta, percebendo a aproximação
do ministro da Fazenda do governo Dutra, Correia e Castro, com os objetivos
da Eximbank, juntamente com Israel Pinheiro, exercendo o cargo de deputado
federal, buscou sensibilizar a Presidência da República para a alteração dos
estatutos da empresa, com um aporte de capital que eliminasse a influência
dos norte-americanos. Travou-se, assim, um conflito entre estrangeiros e
brasileiros, esses com forte ideologia nacionalista.
Esse confronto se deu pelo seguinte fato: o acordo feito entre os três
países gerou um investimento na CVRD que não teve um estudo técnico sobre
as reais necessidades do empreendimento de reestruturação da estrada de
ferro. Desse modo, a empresa, que já devia um empréstimo de US$
14.000.000,00, teve que buscar mais recursos através de novos empréstimos
com o Eximbank para que continuasse a modernização da estrada de ferro.
Conseguiu o segundo empréstimo em março 1945 no valor de US$
5.000.000,00, porém com o mesmo problema: a falta de um dimensionamento
dos custos. A direção buscou mais US$ 7.500.000,00 de empréstimo, o que
gerou novas dificuldades, sendo esse concedido apenas em 1948. A forma
com que o Brasil entrou no acordo foi subordinada aos interesses estrangeiros
mesmo que visasse um projeto brasileiro, sob domínio financeiro estrangeiro e
dependente das demandas daqueles pelo minério. Com o primeiro empréstimo
foram feitos gastos com materiais e ferramentas norte-americanos, assim como
consultoria deles, ou seja, o dinheiro veio e voltou para lá, deixando uma dívida
a pagar. Isso não resolveu o problema da empresa, pois, como observou Marta
Zorzal e Silva, esse empréstimo se revelou irrisório dado o volume de obras por
26
realizar e dos equipamentos a adquirir para aparelhar minimamente o
complexo mina-ferrovia-porto.
O final da Segunda Guerra Mundial reforçou o argumento de submissão
de interesses, pelo fato de ter diminuído a exportação de minério para os EUA
e Inglaterra, que não precisaram mais da quantidade que antes utilizaram no
conflito. Isso gerou sérias dificuldades para a estatal, que, sem ter a demanda
fixa que absorvia seu minério, teve que disputar mercados com países melhor
localizados com relação ao mercado consumidor (Canadá e Venezuela) e pela
submissão da empresa a intermediários que pagavam menos que os preços
vigentes no mercado internacional. Foi nesse contexto de dificuldades que, em
1947, Dermeval Pimenta entrou com um pedido de aumento de capital social
da empresa, que estava em Cr$ 300.000.000,00 e que teve como pleito da
direção da estatal o aumento para Cr$ 650.000.000,00.
No mesmo ano, 1947, iniciou-se a publicação, no jornal A Gazeta, da
coluna Ordem do Dia, escrita pelo editor-chefe da publicação, Eurico Rezende.
Tal coluna se estendeu de agosto de 1947 até fevereiro de 1948, ou seja, por
quase seis meses. O jornal era de propriedade do Coronel Lolô Cunha
(MARTINUZZO, 2005, p.53-54) , que o havia adquirido em 1945 para apoiar a
campanha presidencial do brigadeiro Eduardo Gomes (UDN). Nessa coluna, o
advogado e suplente de deputado estadual pela mesma UDN iniciou uma serie
de acusações à direção da CVRD, com o objetivo declarado de salvaguardar o
empreendimento estatal da corrupção da direção da empresa, defendendo a
“esplêndida iniciativa do governo federal” dos “ditadorzinhos da Vale”. Por
conta de tal preocupação acerca do empreendimento, iniciou uma série de
críticas, falando sobre a situação na empresa no ano do pedido de aumento de
capital:
“Reaparece no cartaz dos acontecimentos notáveis a companhia Vale do Rio Doce. Mas a ‘reentre’ não foi naquelas mesmas circunstâncias e aparências nos primeiros tempos de sua esperançosa fundação, em que oferecia ao olhar estarrecido do grande público uma ostentação de luxo babilônico e uma portentosa prodigalidade de dinheiro espalhado a rodo, em forma de favores pessoais. Estilo: ‘Abre-te Sésamo!’ em farta distribuição de dadivosos empregos (REZENDE, p.1 de 18 de agosto de 1947, grifo nosso)
27
Essa fala mostra a crítica do autor com os gastos efetuados pelo Estado
para criação da empresa. Com o passar das colunas, Rezende não se
posicionou contra o empreendimento em si, mas contra sua direção. Neste
sentido, as colunas abordaram inúmeros problemas da Vale, como roubo,
desvio de dinheiro, erros administrativos, nepotismo, desserviço aos usuários
da EFVM, negligência às necessidades dos trabalhadores e gastos
desnecessários.
Essa coluna, segundo o autor, servia para mostrar umas
“verdadezinhas” sobre a administração dos engenheiros que comandaram a
Vale, haja vista o pedido de aumento de capital feito ao governo federal em
1946, pelas dificuldades que encontravam para investir na estrada de ferro.
Rezende se pegou no aumento de capital para atacar a direção da empresa,
sendo seus alvos: Israel Pinheiro (primeiro presidente, entre 1943-46) e seu
cunhado, Dermeval Pimenta (presidente entre 1946-51). Esses, segundo o
colunista, fizeram a empresa voltar ao noticiário:
“Ao contrário de quando a escola era ‘risonha e franca’ a orgulhosa sucessora da operosa Companhia brasileira de mineração e siderurgia, voltou ao noticiário esfarrapada, andrajosa, a semelhança de quem, premiado com ‘sorte grande’, houvesse derramado toda a sua fortuna facilmente ganha nos bordeis do luxo, do vício, do esbanjamento, em bebedeiras orgíacas, que apontam a direção fatal das sarjetas” (REZENDE, p.1 de 23 de agosto de 1947, grifo nosso) .
Segundo Rezende, isso tudo foi gerado pela corrupção e pelo uso
indevido do dinheiro da CVRD pela direção da empresa. Porém, não tocou em
nenhuma das questões relacionadas ao confronto interno dela com relação aos
norte-americanos ou as dificuldades com que ela se deparou devido à
diminuição da exportação para EUA e Inglaterra.
Rezende sustentava um discurso extremamente moralista, de onde se
extrai uma forma ideal de ação, baseada nas noções de competência e justiça,
que os dirigentes da companhia não estariam praticando. A partir de tal
discurso, podem-se perceber aspectos importantes da vida interna da empresa,
como: a relação da direção com os empregados; a forma autoritária em que se
regiam os negócios da companhia, como o exemplo da paralisação do serviço
rodoviário em regiões de transporte de café e passageiros; o uso de
28
mecanismos tradicionais como nepotismo e favorecimento de empregados, o
“filhotismo” como chamou Rezende ou “odioso sistema de castas” que e se
instalava na CVRD.
Sobre o uso dos mecanismos tradicionais, André Ricardo Pereira
demonstrou que a empresa disciplinou seus trabalhadores, lançando mão de
mecanismos tradicionais ou modernos, conforme a situação, empreendendo
uma tentativa de desarticular movimentações coletivas dos trabalhadores,
beneficiando uns em detrimento ao outros, favorecendo aqueles que não
geravam transtornos à direção da empresa e perseguindo os que faziam. Então
nesse momento da empresa em que Rezende desferiu acusações à sua
direção, pode-se perceber através de seu discurso, de forma embrionária, essa
estratégia volta para a disciplinarização dos trabalhadores (PEREIRA, 2013,
P.209-233).
2.4 Udenismo
Por outro lado, o redator-chefe de A Gazeta, adequou situações que
realmente aconteceram na Vale ao discurso de seu partido, dando um valor
peculiar aos eventos, usando da ideologia para conferir sentido aos seus
achados na Vale. Alguns termos são usados repetidas vezes e condutas ideais
a seguir, que não estariam sendo levadas a cabo pelo comando da Vale e,
portanto o desqualificando para o exercício de suas funções. Esse discurso se
insere dentro de uma fala de época da legenda a qual era filiado, conhecido
como “partido dos bacharéis” e reproduziu a sua fala de forma muito clara.
Maria Victória Mesquita Benevides buscou traçar uma identidade da
agremiação em seu livro A UDN e o udenismo: ambiguidades do liberalismo
brasileiro (1945-1965) (BENEVIDES, 1981). Segundo ela, a UDN surgiu como
uma frente contrária ao governo de Getúlio Vargas, estabeleceu-se como
partido e se caracterizou como movimento. Isso deu os traços da grande
heterogeneidade que compôs a frente, contando com: membros de oligarquias
desalojadas do poder em 1930; militares dissidentes de Vargas no governo de
30 e 37; liberais regionais; e a esquerda democrática. Logo, em 1945, a frente
foi ‘cindida” pela saída de membros que fundaram outros partidos, como: PSB,
PR e PL.
29
Apesar da diversidade, a UDN tinha uma identidade, algo que
perpassava as suas diferenças internas. O udenismo, segundo seus
partidários, foi um estado de espírito, contendo um tipo de conduta ideal,
normas, valores que só “homens de qualidade” podiam ter. A vida particular do
indivíduo tinha o poder de diagnosticar sua atuação política, portanto somente
um homem com uma trajetória reta e sem desvios, seria um bom político.
A visão que os udenistas tinham de si era de superioridade moral em
relação aos outros. Por esta razão, seriam mais aptos ao exercício do poder,
“sua missão de sacrifício”. Eis um dos motivos para o recurso do golpe militar
feito pela UDN de forma sistemática, pois o povo, a maioria, elegia sempre os
candidatos errados (do PSD ou PTB): “o povo votou errado” era uma fala
corrente, e o golpe militar corrigiria o “erro”, segundo os udenistas, pela
manutenção da democracia.
O elitismo é um traço essencial para entender o pensamento udenista,
pois eles tinham aversão aos movimentos sociais e ao voto do povo, que estes
“não sabia votar”. Representavam-se como signatários do “certo”, eram os
“homens bons”, de “qualidade”, então preparados para governar, ao contrário
dos que não eram membros dessa elite. Buscavam na história sua herança
liberal, nas figuras de Teófilo Otoni e Rui Barbosa no período imperial; nas
Constituições liberais de 1934 e 1946 e na figura de Armando Salles. Desse
modo, se apresentavam como mais preparados para liderança, ao contrário de
seus adversários do PSD e PTB, que não tinham esse histórico. A tradição de
seus ideais os faziam melhores, sua conduta reta e incorruptível e suas
virtudes. Tinham uma primazia histórica.
O moralismo foi outro ponto marcante no discurso udenista, com a
prática de ataque sistemático à corrupção administrativa, combate aos
prevaricadores, combate ao empreguismo, ao clientelismo, e ao “pistolão”,
mesmo que, por momentos, se vissem constrangidos por escândalos de
corrupção envolvendo seus partidários.
Os bacharéis do partido deram ressonância a esses valores, os
defendendo com o aval da lei. Esses componentes do partido tinham por ideal
a ordem e a lei. Eram extremamente legalistas, sendo, por isso, criticados
30
internamente por setores defensores do golpe e por progressistas reformistas,
pelo fato de se manterem dentro da ordem legal acima de tudo. Eurico
Rezende se encaixa nesse perfil, o dos bacharéis da UDN. Foi nesses termos
que ele elaborou seu discurso sobre a CVRD. Tal compromisso explica, por
exemplo, a falta de reflexão sobre o conflito com os norte-americanos e o tipo
de abordagem acerca das relações de trabalho, conforme ficará claro adiante.
2.5 Perseguições políticas
Sobre perseguições políticas, o autor das colunas dedica dois dias à
questão por ele apontada. Esse caso exemplifica a estrutura de poder vigente
no Espírito Santo, e as relações coronelísticas, assim como relações pessoais
influenciando o público. Sobre o discurso de Eurico Rezende é facilmente
enquadrado na teorização gramsciana do papel pedagógico do texto
jornalístico, pelos princípios que ele defende, e as práticas que repudia.
O caso é de uma professora normalista, que trabalhava na coletoria
estadual de Maranhum, órgão subordinado a Secretaria da Fazenda, não
exercendo a sua profissão, mas trabalhando em um cargo público diverso de
sua área de atuação. Ela ficou em oposição ao candidato regional, Alfredo
Antônio, que venceu o pleito e se tornou deputado estadual. O pessedista,
então, afastou a professora do cargo. Essa, por sua vez, voltou a sua cidade de
origem, para exercer a sua profissão. Voltou para Iúna, e tentou dar aula na
escola da qual saiu antes de entrar na coletoria. Ao chegar à escola, lhes
disseram que não tinham vagas para professor normalista que não atuasse na
área de ensino. Designaram então a professora para o cargo de professora a
17 léguas de sua casa, um grande transtorno parra ela. Ela procurou Eurico
Rezende que foi junto a ela conversar com Alfredo Antônio, que disse não tê-la
afastado do cargo, assim como não impedido que ela trabalhasse na escola.
Eurico Rezende seguiu ao então secretário da educação, Fernando Abreu, que
disse ter recebido pedido de Antônio para não aceitar a professora na escola.
Ou seja, ela não votou nele, e foi perseguida. Sem êxito, Rezende lamentou-
se, utilizando os seguintes termos:
“Estarreceu-nos o episódio em que fracassamos lamentavelmente em nosso pedido de justiça. Experimentamos, diante desse espetáculo
31
de injustificável iniquidade, a dolorosa certeza de que ainda estamos muito longe de alcançar um clima de regeneração de nosso costumes políticos.
Os processos políticos continuam a ser os de antanho, odiosos, arbitrários, nojentos. O adversário político, depois da refega eleitoral, sente o peso daqueles que mandam ou governam (REZENDE, p.1 de 28 de agosto de 1947).
Na coluna seguinte, Rezende se refere à resposta dada pelo secretário
ao jornal A Tribuna e ao Diário Oficial, o que irritou o colunista udenista, que foi
acusado de falta de ética jornalística. Sua resposta, justifica o acerto do texto
que escreveu, dizendo que:
“Estamos agora, mais do que nunca, exaustivamente convencidos de que procedemos bem em codaquisar para nossos leitores o caso de perseguição nos seus mínimos detalhes (…) Estivemos com o Sr. Deputado, que é um homem público. Estivemos com o secretário da educação, que é um homem público. Estivemos nas repartições do governo, que são repartições públicas. E com os homens públicos e repartições públicas, se trata precisamente do interesse público (REZENDE, p.1 de 28 de agosto de 1947, grifo nosso).
O uso repetido do termo aponta para o fato desses políticos usarem o
público em seu favor, enquanto algo que é público, não deve ser ocultado, por
que é público. Portanto não houve para ele erro algum em publicar a coluna, a
qual foi criticada por Fernando de Abreu, pois esse, por sua posição, deve
responder por seus atos. Caracteriza o dever do jornalista, dizendo:
“Cumprimos, desse modo, lealmente, o nosso dever. Entendemos que fazer jornalismo é informar criteriosa e claramente o povo, para que este fique conhecendo os fatos com segurança, afim de serem honestamente julgados aqueles que tem contas à prestar a opinião pública. Não estamos aqui para falar com subterfúgios, nem mistificações. Nossa literatura é objetiva, é real, é concreta, e que nos parecer que essa conduta jornalística é que interessa aos leitores” (REZENDE, p.1 de 1 DE setembro de 1947). .
Desse discurso de Rezende, pode-se notar a conduta atacada, e aquela que
deveria ser a adotada pelos homens públicos, assim como esclarece o papel
do jornalismo, por ele cumprido, segundo ele próprio. Este é o momento então
de aprofundarmos sobre o uso das terminologias utilizadas pelo colunista.
2.6 O discurso
Os termos utilizados por Eurico Rezende podem ser divididos em quatro
tipos de críticas, que são: autoritarismo, incompetência, corrupção e baixa
32
moralidade, sendo o aspecto da corrupção o mais variado em termos de
opções. Todos se interligam, mas a divisão ajuda a entender o teor das críticas.
A direção era tida como dispondo de “poderes ditatoriais”, revelando um
“ranço totalitário”. Os diretores eram qualificados como “ditadorzinhos da Vale”.
Ao mesmo tempo, a sua relação com os funcionários era comparada ao
sistema de castas do bramanismo, como na coluna do dia 23 de agosto de
1947.
Outro tipo de crítica era relacionada a acontecimentos da empresa,
como o que Rezende intitulou de greve “mansa e pacífica”. Essa pequena
greve ocorreu porque os funcionários não recebiam há dois meses. Feita a
paralisação, foi instaurado um inquérito para aferir castigos aos grevistas, tidos
como insubordinados, comunistas, indisciplinados e ameaçados de ir para a
cadeia. Além disso, tal falta de pagamento ocorreu paralelamente ao aumento
de salários para toda a diretoria no valor de 50% (REZENDE, p.1 de 21 de agosto/
p.1 de 5 de setembro de 1947).
Outro ponto considerado foi o sistema de promoções, que, para
Rezende, ficava ao arbítrio de “relações pessoais”, “simpatias pessoais”,
“preferências individuais” e do “tradicional pistolão”. Isto era considerado
possível porque, naquela época, o quadro de funcionários não tinha sido
submetido ao Ministério da Viação e Obras Públicas, o que dava autonomia
para que os chefes utilizassem seu poder a bel prazer, empregando e
demitindo conforme sua vontade (REZENDE, p.1 de 23 de agosto de 1947). Além
disso, Rezende observou que alguns “operosos trabalhadores” se viam
prejudicados por promoções indevidas para outros que não as mereciam.
Na relação com os usuários dos serviços da Vale, Rezende apontou
também para a verve autoritária da direção, que aboliu o transporte rodoviário
após denúncias de roubo de café, o que gerou essa paralisação dos
transportes, atingindo passageiros e produtores. O transporte de café também
se fazia pela malha rodoviária, por caminhões da empresa. Os casos de roubo
de café em Itapina e Afonso Cláudio gerou a atitude da direção de suprimir o
serviço rodoviário que movimentava o café, e isso prejudicou os produtores,
33
comerciantes e consumidores segundo nos diz Eurico. Mas logo o Ministro da
Viação vetou a atitude.
Sobre a incompetência, os adjetivos utilizados incluíam: “incúrias
administrativas, incompetência, desorganização, desleixo, falta de decoro
administrativo” (REZENDE, p.1 de 2 setembro de 1947) e a fala irônica de que eram
“abnegados, ‘Deus[es] da contabilidade’” (REZENDE, p.1 de 7 de setembro de 1947).
O transporte mútuo de cargas entre a Leopoldina Railway e a CVRD fez
com que uma plataforma ficasse na oficina de Itacibá e desmontada pela
empresa Vale, que gerou um prejuízo para a primeira, apontado por Rezende.
Outro ponto foi a falta de fiscalização com relação ao caso dos roubos de café
que ocorreram em Itapina e Afonso Cláudio, que geraram por parte da direção
a decisão de suspender o transporte de café e passageiros, posteriormente
vetada pelo Ministro da Viação. A redução de um trecho da EFVM, porém, com
a manutenção da mesma taxa para passageiros e transporte de cargas foi
outra denúncia feita por Resende. A “falta de visão administrativa” também
entrou em cena, como no caso da transferência do serviço de transporte que a
CVRD faria para a empresa CESMAG, que lucrou cerca de dois milhões com o
transporte de 250.000 sacas de café, o que poderia, segundo Rezende, gerar
recursos para a CVRD (REZENDE, p.1 de 2 de setembro de 1947).
Por outro lado, o tema da corrupção é o mais frequente nas colunas.
Sobre a diretoria, sua administração é tida como “desastrada e criminosa”,
“obtusa e improfícua” (REZENDE, p.1 de 5 de setembro de 1947). Além disso, a fala
do autor aborda desvio de dinheiro, nepotismo, negociatas estranhas, assim
como uso indevido de verbas da empresa. Esta teria gasto, segundo Eurico
Rezende, no ano de 1946 a quantia de Cr$ 597.183,50 de gasolina, sendo que,
no mesmo ano, o serviço de transporte estava praticamente paralisado e os
caminhões que o efetuavam eram movidos a diesel. Por isso, a explicação para
o gasto seria o mero benefício dos chefes e alguns funcionários.
Um dos assuntos mais explorados por Rezende foi o caso das camas
turcas, que custaram Cr$ 8.299,40. Eles tinham sido supostamente compradas
no exterior, mas, após investigação de Correia Sampaio, engenheiro fiscal do
distrito de Vitória, ficou comprovado que, na verdade, tinham sido produzidas
34
na oficina da Vale, em Itacibá, custando cada unidade, segundo suposições de
Rezende, cerca de Cr$ 30,00 de custo, pois, no mercado, a cama turca custava
cerca de Cr$ 80,00 com o lucro do comerciante e fabricante (REZENDE, p.1 de 20
de agosto/ 30 de agosto de 1947) . Outro assunto é o caso do débito de 16 milhões
de cruzeiros para a Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAP) dos
funcionários, que começavam a ter seus direitos restringidos, sem atendimento
de seus pedidos. O não recolhimento da taxa de renovação patrimonial ao
Banco do Brasil foi vista como indício de impontualidade da diretoria e suspeita
de desvio de dinheiro (REZENDE, p.1 de 22 de agosto de 1947). O serviço das
propriedades agrícola que deveriam ser destinadas a alimentos para facilitar a
aquisição dos funcionários da empresa aos víveres básicos foi outra denúncia
de Rezende. Segundo ele, essas propriedades eram destinadas na realidade
ao descanso dos diretores com suas famílias, tendo as “fazendas agrícolas” ao
invés de áreas cultivadas, jardins floridos, cascata para banho, lareira europeia,
quartos confortáveis, adega, mantidas por dez funcionários. Tudo isso: “Para
os diretores receberem seus gulosíssimos convidados [...] (lá) é um convite
permanente às lucubrações alcoólicas e as farras intermináveis” (REZENDE, p.1
de 18 de agosto de 1947). O uso do dinheiro da empresa de forma descontrolada e
abusiva foi apontado quando se disse que Pimenta nomeou um parente que
apenas recebia seus vencimentos, mas nunca apareceu no Rio de Janeiro,
onde deveria trabalhar. Rezende também denunciou o uso de um funcionário
para ir e voltar de Belo Horizonte para o Rio de Janeiro para comprar alface
para as refeições do presidente da companhia ou macacão para caça (REZENDE, p.1 de 13 de agosto de 1947).
A fala moral de Rezende defendia uma postura cristã. Para ele, a
distribuição das riquezas seria feita pela mão do bem e do mal, tendo a Vale
recebido o quinhão infernal. Assim, indagou: “Vejam se não temos razão.
Digam os leitores se as “verdadezinhas” abaixo não são coisas do incorrigível
demônio” (REZENDE, p.1 de 18 de agosto de 1947). Tal observação versa sobre o
gasto de abusivo de gasolina e o caso das camas turcas. Em coluna posterior,
diz que a incompetência da CVRD se apresenta aos olhos de qualquer cristão.
Portanto, depreende-se que aqueles que fossem pessoas de bem, cristãs,
haveriam de ver a verdade.
35
Eurico Rezende por algumas vezes se refere a farras, relacionando-as
com a direção da empresa, sendo em sua primeira publicação utilizada uma
analogia da Vale com uma pessoa que teria ganho a “sorte grande”. Assim
como o sortudo, a Vale teria gasto todo o dinheiro inicial, que seria para sua
reestruturação, “nos bordéis do luxo, do vício, do esbanjamento, em bebedeiras orgíacas, que apontam a direção fatal das sarjetas” (REZENDE,
p.1 de 13 de agosto de 1947)..
No artigo sobre as propriedades agrícolas, caracterizou o local como
“um convite a lucubriações alcoólicas e farras intermináveis” (REZENDE, p.1
de 6 de setembro de 1947, grifo nosso). Portanto as farras para Rezende tinham a cor
da orgia, do alcoolismo, da falta de moralidade. Mas ele também se referia a
farras financeiras. Essas “farras” são uma acusação ambígua de Rezende, pelo
que parece de forma proposital.
Outra observação, que pode ser considerada como uma resposta moral
foi direcionada ao tom nacionalista da época. Como liberal, acusado de
“entreguismo”, Rezende atacou o nacionalismo da direção da empresa,
acusando-os de “falsos patriotas”, “impatriotas”, “patriopanças”. Para ele, esses
diretores tinham a intenção de: “anemisar e em tornar improfícua a iniciativa do
governo” (REZENDE, p.1 de 18/ 20/ 21 de agosto de 1947)..
Um aspecto interessante da fala de Rezende foi a forma como se referiu
aos trabalhadores, que ficaram sem receber salários desde maio de 1947 e em
fins de agosto entraram em “mansa e pacífica greve” (REZENDE, p.1 de 5 de
setembro de 1947).. A crítica foi direcionada ao não cumprimento do pagamento
destinado aos trabalhadores, nada mais. Se os salários fossem pagos nas
datas então não haveria problema algum na condição de trabalhador. Eles
continuariam sendo os “mais sacrificados da estrada”, mas a justiça estaria
sendo feita. Ele não toca na questão da superexploração do trabalho, das
condições perigosas do ofício ou da já citada disciplinarização que estava
sendo aperfeiçoada pela direção da empresa.
O ponto que chocava era o fato de que, enquanto os chefões recebiam
os seus “gordos proventos”, “os seus funcionários aqui em Vitória, os operários
da Estrada de ferro assistem mensalmente ao doloroso espetáculo do atraso
36
de seus pagamentos (...) os trabalhadores da linha são os mais sacrificados,
sujeitando-se, com isso, a toda sorte de sacrifícios e privações”. Mais tarde
disse em apoio aos trabalhadores: “Não somos apologistas da greve. Mas
contra a revolta dos argumentos do estomago, sob o espectro da fome, nada
se pode antepor, por que aí o motivo é imperioso e justo” (REZENDE, p.1 de 21 de
agosto de 1947).. Sobre a repressão aos grevistas, Rezende refutou a atitude da
direção dizendo: “Não venha S.S. com ‘cabeças da greve’ e sim com
‘estômagos’ da greve’” (REZENDE, p.1 de 5 de setembro de 1947). O que se extraía
de Rezende é uma fala a favor dos funcionários, de apoio a eles, que caso
tivessem seus pagamentos feitos estariam de volta a normalidade da vida. A
hipótese que Rezende sustenta para o não pagamento dos salários dos
trabalhadores era o fato de que o dinheiro primeiro ia para o Rio de Janeiro,
onde os chefões recebiam seus proventos “as custas de penosos sacrifícios de pobres e INDEFESOS operários” (REZENDE, p.1 de 5 de setembro de 1947, grifo
nosso). que ficaram “por dois meses com o estômago vazio e o sistema nervoso
em pandarecos” (REZENDE, p.1 de 23 de setembro de 1947, grifo nosso).
Esta visão deposita na autoridade a solução das coisas. A lei deve sanar
os erros cometidos contra os trabalhadores, que ficavam, segundo tal discurso,
como vítimas, sem poder de ação política, mas apenas como dependentes das
soluções da justiça e da justeza dos administradores.
Agora, sobre como deveria agir um cidadão, encontra-se as diretrizes
que Rezende via como ideais para uma conduta justa, das quais ofereceu
vários exemplos. Ao falar sobre o discurso do Brigadeiro Eduardo Gomes em
1945, disse ter sido oferecido um painel sobre a CVRD nestes termos: “Pintou-o com as tintas da verdade sem atavios e com a segurança dos argumentos
e dos números, o brigadeiro Eduardo Gomes em seu magistral discurso de
Vitória”. “Contra esses conceitos, que eram um aviso sadio e um grito de
alarme, insurgiram-se os poderosos da companhia” (REZENDE, p.1 de 18 de agosto
de 1947).
“Sobre a companhia”, disse Eurico, “preferíamos assistir a películas que
revelassem a auspiciosa realidade de um panorama de trabalho honesto e construtivo em que tudo refletisse boas intenções e boas maneiras,
37
patriotismo, senso de responsabilidade, moralidade sadia e interesses firmes em servir aos interesses nacionais”. (REZENDE, p.1 de 20 de outubro de
1947, grifo nosso). Ao pedir esclarecimentos sobre o caso das camas turcas, disse
que o dinheiro federal deveria ser usado “em bons negócios” e não para outras
coisas” (REZENDE, p.1 de 30 de agosto de 1947)..
“E se caso estivermos equivocados”, considerou sobre sua análise do
balanço geral publicado no Rio de Janeiro: “Saberemos dar a mão a palmatória
com franqueza de quem gosta de vergastar os erros mas que sabe resignar-se,
reconhecendo o valor da crítica adversária” (REZENDE, p.1 de 16 de outubro de
1947). Esse é o discurso de Eurico Rezende. Tais denúncias não surtiram efeito
na realidade da CVRD, que recebeu o aumento de capital no dia 17 de
fevereiro de 1948 (REZENDE, p.1 de 18 de fevereiro de 1948). e empréstimo do
Eximbank assinado por Dutra em 24 de junho de 1948 (REZENDE, p.1 de 25 de
junho de 1948). .
2.7 Conclusão
A empresa, ao contrário do que vislumbrou Rezende, não faliu e nem
piorou. Pelo contrário, na década de cinquenta se desenvolveu e da década de
sessenta começou a multiplicar suas frentes de atuação, se tornando um
‘bolsão de eficiência’ como estatal brasileira (SILVA, 2004).
As engrenagens da CVRD continuaram funcionando com Dermeval
Pimenta, que, para Rezende, regia farras financeiras. Mas o tamanho que o
udenista atribuiu à corrupção acabou por negligenciar questões que realmente
ameaçaram a direção da empresa, como a investida norte-americana para
tomada do poder da direção da CVRD ou a falta de demanda e, por
consequência, falta de dinheiro para aparelhar a estrada de ferro. A corrupção
não destruiu a empresa e o autoritarismo prosseguiu, o que gerou o sucesso
desta, pela superexploração do trabalho de seus operários. O PSD prosseguiu
sendo situação a nível estadual, e as práticas políticas ainda prosseguiram
sendo tradicionais.
O discurso de Eurico Rezende exemplifica a forte presença de relações
tradicionais na sociedade capixaba, em um contexto no qual a modernidade
38
era um anseio. A modernização econômica, e sua combinação com uma
tradição política tradicional foi o que ocorreu no Espírito Santo de 1947, porém,
o discurso de Rezende não transformou a realidade capixaba.
3. A Campanha do Petróleo por quem viveu: Entrevista com
Setembrino Pelissari
3.1 Introdução
No ano de 1948, no governo de Eurico Gaspar Dutra (PSD),
surgiu na esfera pública a campanha “O petróleo é nosso” (nome que
veio dos estudantes cariocas envolvidos no movimento), como
contestação a política do petróleo situacionista, corporificada pelo
anteprojeto do Estatuto do Petróleo e apresentada à Câmara dos
Deputados e Senado. Esse foi o primeiro momento de movimento que
foi amplamente difundido na opinião pública, através de jornais
semanais e espaços para discussão do tema, e que gerou o
arquivamento do Estatuto no mesmo ano. O segundo momento da
campanha “O petróleo é nosso” se intensificou com o envio do projeto de
criação da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás), criado pela comissão
técnica de Getúlio Vargas (PTB), que assumira a presidência da
República no ano de 1951. Também pesou a urgência da questão do
petróleo na balança comercial do país, buscando-se uma solução rápida,
mas sem abandonar um posicionamento nacionalista. Com a assinatura
de Vargas (após amplo debate na arena política e pública) criando a
empresa estatal e monopolista do setor do petróleo, a campanha que
circulou em amplos setores da sociedade brasileira obteve vitória, que
foi concretizada com a lei 2.004, de3 de outubro de 1953, da criação da
Petrobrás.
O problema central dos debates e embates da campanha do petróleo
era a participação estrangeira na pesquisa e exploração, no caso empresas
como Standard Oil Company (Esso), AgloMexican (Shell), Texas Company (os
39
chamados “trustes”) de modo a assegurar a lavra, transporte e distribuição do
mineral sob controle nacional. Entre posições nacionalistas radicais,
desenvolvimentistas e liberais houve interações entre fatores na arena política,
que culminou no monopólio estatal com restrição a participação estrangeira nos
processos de pesquisa e exploração de petróleo.
Esse texto fará uma breve trajetória da exploração e comércio do
petróleo no Brasil, passando pelos pontos marcantes de efervescência política
que definiram os rumos da exploração do petróleo estabelecida em 1953, com
a criação da Petrobrás; assim como saber como ela chegou ao Espírito Santo,
através do jornal A Gazeta da época e de uma entrevista realizada com um
participante, o senhor Setembrino Pelissari, que á época militou em defesa do
petróleo. A Crônica dos eventos tratará dos eventos cronologicamente, desde
o início da exploração do petróleo, ainda rudimentar até a elevação de sua
importância a nível nacional na década de 1930, a criação do CNP em 1938, a
campanha do petróleo, a criação da Petrobrás, e seu desenvolvimento até os
dias atuais. Na literatura do tema, serão abordadas as interpretações acerca da
campanha do petróleo e a indústria do petróleo no Brasil, debatendo os pontos
de vista de Gabriel Cohn e Peter Smith. Então a campanha do petróleo no
Espírito Santo, através da análise do Jornal A Gazeta e da entrevista realizada
com Setembrino Pelissari, participante do evento e partir disso, as conclusões
do trabalho.
3.2 A questão do petróleo
Antes de 1930 a exploração do subsolo seguia a legislação de 1891. Por
ela, a propriedade desse ficava ligada à superfície, o que era uma ruptura com
a regra do período imperial, onde quem detinha a posse do subsolo era o
Império, haja vista o interesse em metais preciosos. No período imperial,
indivíduos que detivessem informações que provassem a existência em uma
área de carvão ou gás usado para iluminação, no subsolo, recebiam o direito
de perfurar o solo, o que gerou conflitos entre proprietários e empreendedores
privados. O Império deu apoio aos que buscavam esses recursos, alegando
que não havia motivo para ficarem presos no subsolo tais itens que poderiam
ser bem empregados com capitais empreendedores.
40
Mas o fato é que a exploração nesse período esteve sob iniciativa
privada, assim como se prolongaria pela República até 1930 com o golpe de
Outubro.
A legislação de 1891 também rompia com a imperial no sentido da
descentralização, pois a posse de terras públicas passou para as unidades da
federação, o que seguiu a constituição federalista da República. Essa
desregulamentação, da posse do subsolo e o papel dos estados na gestão das
terras públicas gerou uma dificuldade na exploração do petróleo, pois os
proprietários de terra puderam recusar a pesquisa em suas propriedades, o
que se somou a falta de apoio do governo central para orientar e estimular a
exploração, que necessitava mais do que a iniciativa privada e gerou entraves
para o desenvolvimento do setor (DIAS; QUAGLINO, 1993).
Algumas foram as iniciativas para regulamentar a exploração mineral,
como: a missão White (1904), comissão de geólogos americanos para avaliar o
potencial mineral do Rio Grande do Sul; e a organização do Serviço Geológico
Mineralógico do Brasil (SGMB) pelo geólogo Orvile Derby, com vistas a
pesquisar as possibilidades do subsolo brasileiro.
Em 1915, foi sancionada a lei Calógeras, numa tentativa de passar pelas
restrições legais da propriedade do solo, presentes na Constituição de 1891,
onde um “interventor de Mina”, nomeado pelo governo federal, ficava
autorizado a explorar o subsolo, mesmo a contragosto do proprietário da terra.
Nesse período, o petróleo ganhou importância para alguns setores
políticos e militares no Brasil, pois a I Guerra mundial mostrou a experiência
dos países envolvidos e a dificuldade e manobras para escapar a dependência
externa de petróleo. Assim,o tema se tornou motivo para preocupação,
principalmente militar, com a dependência externa de fornecimento de
combustível. O Brasil, que já vinha desde o Império como consumidor de
derivados do petróleo das multinacionais americanas, importando querosene,
nafta, gasolina e óleo combustível, tinha nos militares e políticos um início de
preocupação com essa dependência. Um dos atores preocupados com isso foi
o ministro da Agricultura, Ildefonso Simões Lopes, que defendeu, em 1922, o
potencial nacional frente aos interesses das multinacionais. O presidente em
41
1926, Arthur Bernardes também lutou contra os interesses estrangeiros,
empreendendo luta contra Percival Faquhar, promovendo a reforma
constitucional que proibiu a transferência de terras com jazidas para
estrangeiros. Ali começou a surgir um interesse maior com relação ao petróleo,
que na década de 1910 já havia mostrado sua importância estratégica na
guerra mundial (DIAS; QUAGLINO, 1993).
Simões Lopes, em 1927, buscou aumentar os recursos do SGMB e
romper concessões a estrangeiros que considerasse daninhos para o Brasil.
Além disso, propôs uma legislação específica para proibição da obtenção por
estrangeiras das jazidas brasileiras. Mesmo sendo a lei aprovada em 1928, o
golpe de Outubro interrompeu a tramitação e deu novos contornos a situação
de defesa das riquezas naturais brasileiras (DIAS; QUAGLINO, 1993).
Nesse período, segundo Gabriel Cohn, o Governo Provisório,
comandado por Getúlio Vargas, assumiu, compromissado com setores da elite
urbana de promover o desenvolvimento urbano industrial. Tal atitude era
oposta ao papel do Estado com relação ao governo anterior ao golpe. Esse
Estado assumiu o papel central de levar a frente o desenvolvimento econômico
industrial, de modo que houve toda uma reformulação técnico-burocrática para
que áreas como a exploração do petróleo fossem desenvolvidas (COHN,
1968).
O SGMB foi substituído, em 1934, pelo Departamento Nacional de
Produção Mineral (DNPM), que encontrou várias críticas de Monteiro Lobato e
Oscar Cordeiro, que, por sua vez, tentaram descobrir jazidas de petróleo, o que
para eles não vinha sendo bem feito pelo órgão estatal, por motivos inauditos.
Após o Estado Novo, eles foram presos e o cerco se fechou às críticas ao
DNPM, que vinha sendo feito por vários jornais e instigado com ferocidade por
Monteiro Lobato (DIAS; QUAGLINO, 1993).
O general Horta Barbosa, que já vinha se engajando na defesa do
petróleo, manteve contato com um diretor no Conselho Federal de Comércio
Exterior em 1938, de modo a construir refinarias e fugir do monopólio das
multinacionais. Esta iniciativa gerou uma comissão para avaliar o assunto, cuja
conclusão foi a de que se deveria ter um forte controle sobre o refino.
42
Vargas, então, com o decreto 395, de 29 de abril de 1938, transformou o
petróleo em item de utilidade pública e, portanto, sendo submetido ao controle
estatal. No ano seguinte, deu-se a criação do Conselho Nacional de Petróleo
(CNP), órgão responsável pela regulamentação, exploração e supervisão das
atividades relacionadas ao petróleo.
O CNP foi um órgão com autonomia de decisão, sendo a ligação de seu
presidente direta com o do presidente da república, porém não precisando
consulta-lo para tomar atitudes. Assim foi até a posse de João Carlos Barreto
em 1943, momento no qual passou a não ter mais aquele entrosamento de
ideias que se tinha entre Barbosa e Vargas.
3.3 O tema na esfera pública
O tema do petróleo havia sido introduzido na esfera pública com maior
vigor em 1935, quando iniciativas privadas tentaram explorar o petróleo,
assumindo posição nacionalista, defendendo que o petróleo brasileiro deveria
ser explorado por brasileiros, evitando a influência poderosa dos trustes
estrangeiros. Monteiro Lobato em Araquá1 (SP), Oscar Cordeiro em Lobato
(BA) e Edson de Carvalho em Riacho Doce (AL) empregavam seus capitais na
busca de petróleo e defendendo que deveria ser prerrogativa dos brasileiros
explorar a riqueza. Dada a grande dificuldade da geologia brasileira (cujas
informações ainda não muito conhecidas na época), a falta de recursos
técnicos, materiais e financeiros, esses empreendimentos não foram à frente,
sendo um fracasso.
Esses empresários, principalmente Monteiro Lobato (dono da empresa
Petróleos Brasileiros S.A.) atribuíram a culpa ao governo federal, que tinha
como órgão responsável o Departamento Nacional de Produção Mineral
(DNPM), que fora criado em 1934 com a nova Constituição, englobando o
antigo Serviço Geológico e Mineral e o Departamento Nacional de Fomento
Mineral (DNFM). Segundo a interpretação do empresário e escritor, o órgão
estava dificultando o progresso da busca pelo petróleo, pois como órgão
responsável, não estava obtendo êxito, por não encontrar petróleo em suas
1 Monteiro Lobato, antes de formar a sua empresa, trabalhou com Oscar Cordeiro em Lobato, Bahia. Foi lá que começou o conflito com o DNPM (SMITH, 1974).
43
perfurações. Essa situação foi considerada proposital por Lobato, como uma
ação deliberada do órgão em associação aos trustes internacionais, que, na
conjuntura da época, não estaria interessado em explorar o petróleo brasileiro,
haja vista uma superprodução petrolífera a nível internacional. Assim, para
Lobato, os trustes, através do DNPM, queriam que o petróleo ficasse enterrado
até que eles tivessem interesse de pegá-lo. Isso circulou em vários jornais,
tendo como exemplo A Folha de São Paulo, que repercutiu o ataque ao órgão
governamental (SMITH, 1978).
Outro motivo inaceitável para Lobato, pares e simpatizantes foi a
identificação de membros estrangeiros do DNPM como informantes dos trustes
internacionais. Eram eles Victor Oppenheim e Mark Malamph, geólogos
contratados pelo órgão estatal e que deram pareceres negativos para esses
empreendimentos privados, e, com isso, vetaram a concessão de apoio
material e técnico as empresas privadas. Oppenheim no caso de Lobato na
Bahia, disse ser “ridículo falar de petróleo em Lobato” (SMITH, 1978, p. 46), o
que depois se mostrou o contrário2. Realmente, esses forneciam informações
para o exterior, mas como negócio particular, vendendo a quem comprasse,
não como agentes dos trustes. Eles davam margem para essas acusações
(COHN, 1968).
À frente desse órgão estava Odilon Braga, ministro da Agricultura, que
escreveu Bases para um inquérito sobre o petróleo no Brasil, em 1936, de
modo a justificar porque o DNPM não estava tendo êxito. Nesse documento,
disse que a questão era técnica e financeira, não podendo a equipe perfurar o
solo sem dados mais precisos sobre a existência de petróleo nos locais
escolhidos. Ele também questionava a razão da escolha litorânea para os
locais supostamente ricos em petróleo, pois, se vizinhos do Brasil tinham
encontrados ricas reservas, os interessados deveriam buscar petróleo em
áreas fronteiriças com esses vizinhos. Não desqualificou a ação da iniciativa
privada, elogiando seu espírito nacionalista, porém propunha uma explicação
para o fracasso, tanto por parte do governo, quanto por parte dos empresários.
2Em 1939 foi encontrado petróleo em Lobato, mesmo que não tenha sido considerada área comercial (grande volume). Oscar Cordeiro tinha razão ao afirmar a existência do petróleo, mas não foi indenizado após a descoberta do CNP (DIAS; QUAGLINO, 1993).
44
A postura que Odilon Braga tomou nesse momento, foi a de burocrata, na
tentativa de explicitar as dificuldades formais para exploração do petróleo.
Essa discussão levou ao público o tema do petróleo, através de Monteiro
Lobato e dos jornais. Mas, com o Estado Novo, em 1937, Lobato foi preso por
duas vezes e teve de se calar, assim como os demais articuladores em torno
da questão.
Em 1938, seguindo uma orientação mais nacionalista e buscando
maiores êxitos, foi criado o Conselho Nacional do Petróleo (CNP), tendo em
sua direção o general Horta Barbosa, que, por sua vez, assumiu a questão em
todas as duas esferas: a da extração e taxação dos produtos brutos e
derivados; e a do monopólio (DIAS; QUAGLINO, 1993). Segundo Decreto 395,
o petróleo se tornou serviço de utilidade pública, portanto vedado à exploração
por estrangeiros.
3.4 O início da campanha
Em 1946 Dutra assumiu a presidência e fixou o acordo interpartidário,
entre PSD-UDN-PR, desse modo não tendo uma oposição. Alinhado com
udenistas, seu governo assumiu uma linha mais liberal (BENEVIDES, 1984).
Era um momento de tensão, pois convocada a Constituinte, a política
das massas feita por Vargas, assim como o espectro comunista que assustava
as elites, fazia com que a liberdade fosse controlada com relação às classes
populares.Por isso, as classes empresariais se articularam em torno de um
posicionamento frente ao governo e a nova Constituição a ser feita (COHN,
1968).
Em 1943, no I Congresso de Economia, no Rio de Janeiro, e, em 1945,
na Conferência das Classes Produtoras do Brasil (na qual foi escrita a Carta de
Teresópolis), as elites industriais se organizaram em torno de seus objetivos e
interesses, dentre os quais a maior agilidade na exploração do petróleo,
possível com ajuda do capital de qualquer espécie, nacional ou internacional.
De fato, na Constituição de 1946, o artigo 153, parágrafo 1°, estabeleceu
que: “As autorizações ou concessões serão exclusivamente concedidas para
45
brasileiros ou empresas organizadas no país, assegurado ao proprietário a
preferência na exploração (...)” (COHN, 1968, p.42. Assim os trustes poderiam
se organizar no Brasil e participar das atividades relativas ao petróleo, sendo
necessário apenas possuir uma empresa no Brasil (COHN, 1968).
Isso gerou uma recusa muito grande, e a influência externa novamente
apareceu, corporificada nos trustes. Instalado às vésperas da Constituinte no
Rio de Janeiro estava o norte americano Paul Howard Shoppel, que foi
acusado por Arthur Bernardes e outros constituintes como responsável de
influenciar membros especificamente no tocante ao artigo 153 e à permissão
de “empresas organizadas no Brasil”, mesmo que não se tivesse nada de
concreto sobre isso3 (COHN, 1968).
Gabriel Cohn diz que o direcionamento da Constituição não
necessariamente era influenciada por elementos externos, pois, no país, antes
mesmo da deposição de Vargas um poderosa força interna se movia no
sentido de modificar a legislação e a política do petróleo, a começar pelo órgão
máximo de decisão, o CNP.
A autorização de 1945, através da resolução n° 1, emitida pelo CNP
para empresas privadas brasileiras construírem refinarias, abriu concorrência,
onde apenas duas empresas atenderam os pré-requisitos exigidos, o mais
importante, a nacionalidade brasileira. Uma foi construída no Rio de Janeiro e
outra em São Paulo. Essas teriam a obrigação de fornecer 40% de sua
produção ao estado brasileiro, assim como pagar taxa ao CNP na venda dos
derivados, sendo o que extrapolasse desses 40% direcionado para venda de
escolha das refinarias. Desse modo, as empresas tiveram que se articular com
os trustes inevitavelmente, pois esses absorveriam a parcela não direcionada
ao consumo brasileiro. Mesmo que sofresse restrições, a concessão das
empresas privadas nacionais criou a necessidade dessas em se relacionar com
as empresas internacionais. Em 1947, o presidente Dutra criou uma comissão
chefiada pelo ex-ministro, Odilon Braga, para a elaboração do anteprojeto do
3Gabriel Cohn (1968) salienta que esse tipo de ação era algo corrente dos trustes, assim como o caso de Oppenheim e Malamph seria ação das grandes empresas, porém diz que, na verdade, nesse caso não necessariamente. E não se aprofunda sobre o caso de Shoppel, dizendo que não seria nada espantoso se fosse isso mesmo.
46
Estatuto do Petróleo, que pretendia revisar pontos da legislação, dentre as
quais a autorização da participação do capital estrangeiro na indústria. O
presidente do CNP desde 1943, João Carlos Barreto, que fora na direção
contrária do nacionalismo radical de seu antecessor, Horta Barbosa, expôs
uma carta de motivos a Vargas de modo a mudar a legislação do petróleo, mas
logo o presidente caiu com o golpe e Dutra formou a comissão, que, em 1948,
gerou o anteprojeto do estatuto do petróleo. Então várias ações eram tomadas
no sentido da participação privado no setor petrolífero: A Resolução do CNP,
permitindo a participação do capital privado nacional em refinaria; a Carta de
motivos em 1945 do presidente do CNP à presidência da república, favorável a
participação estrangeira no setor petrolífero; o anteprojeto em 1947, com o
mesmo objetivo, uma participação “supervisionada”(DIAS; QUAGLINO, 1994)
do capital estrangeiro e mostra da mudança de orientação do órgão estatal.
Nesse momento teve origem, no Clube Militar, em setembro de 1947, à
época presidido pelo general César Obino, um espaço para a discussão sobre
o Estatuto do Petróleo, cujas referências foram os generais Horta Barbosa e
Juarez Távora. A preocupação antiga dos militares com relação ao petróleo
vinha à tona.
Em sentido diferente ao que se fazia na ditadura, quando as decisões
eram tomadas na esfera governamental, em discussões internas e cartas
secretas, finalizada do poder máximo do presidente, a forma discussão mudou
e deu possibilidade de mobilização da opinião pública e grupos de pressão,
possibilitadas pela abertura política. O clube militar iniciou debates a respeito
do petróleo com vista à mobilização da opinião pública, especificamente grupos
que pudessem influenciar a tomada de decisão sobre a política do petróleo
Ampliava-se assim a gama de atores envolvidos, pelo fato de os grupos
pressionarem o governo com relação à política do petróleo.
Horta Barbosa, primeiro presidente do CNP e nacionalista aguerrido,
defendia a tese do monopólio estatal contra os interesses externos, os trustes,
enquanto o ex-ministro da agricultura de Vargas até 1937, Juarez Távora,
defendeu a participação norte-americana na extração e refino do petróleo por
dois motivos: fortalecer a indústria petrolífera brasileira e cooperar com os
47
Estados Unidos, haja vista o alinhamento brasileiro com os americanos no
momento inicial da Guerra Fria. Esse dizia preferir o monopólio estatal, mas
admitira que, tecnicamente e financeiramente, os Estados Unidos tinham como
ajudar o Brasil, defendendo tal alternativa (COHN, 1968).
Horta Barbosa, por sua vez, não esperava que os trustes agissem como
auxiliares para crescimento da indústria brasileira, e defendeu que o petróleo
brasileiro servisse aos interesses dos brasileiros somente e não aos interesses
alienígenas (COHN, 1968; SMITH, 1978).
Já Odilon Braga retomou, como chefe da comissão designada para
feitura do Estatuto, a o argumento de que a questão do petróleo fosse tratada
como relação entre estados, no caso, o estado brasileiro com o americano, de
modo o último controlasse os trustes na relação do petróleo o Brasil.
Esse tema ganhou vulto, com a participação de estudantes, intelectuais
e na esfera governamental na controvérsia no Parlamento. A União Nacional
dos estudantes (UNE) levantou a bandeira do monopólio estatal e a defesa
contra os trustes, assim como foi criado o Centro de Defesa do Petróleo,
depois chamado de Centro de Defesa do Petróleo e Economia Nacional
(CEDPEN). O Jornal de Debates, semanário nacionalista, dirigido por Matos
Pimenta, Plínio Catanhede e Mario de Brito, serviu de espaço para a defesa do
petróleo, no qual foram publicados artigos de Lobo Carneiro (PTB) e do
socialista Rafael Correia de Oliveira (PSD), que iam contra o Estatuto. Além
desse, “jornais e revistas como Última hora, Diário de notícias (...) e, mais
tarde, Cadernos de Nosso Tempo(...) ajudaram a manter a campanha viva aos
olhos do público por tantos anos” (Smith, 1978).
O Clube Militar tinha a Revista do Clube Militar, que contribuiu com
artigos sobre o tema e criou o Capitão X, personagem que seguia todos os
argumentos de Horta Barbosa, tendo como tema a frase: “uma vez que ‘os
trustes’ tivessem a permissão para entrar, acabariam por controlar a indústria,
não importa quão pequena fosse sua parcela do capital total” 4.
4Revista do Clube Militar, n° 88, p. 43-44, citada em SMITH (1978).
48
Também participaram membros do Partido Comunista do Brasil (PCB),
que atuaram no CEPDEN, assim como em comícios e na Câmara dos
Deputados, sendo marcante a hostilidade com os americanos, considerados
inimigos pelo clima de Guerra Fria. No campo institucional, o deputado Carlos
Marighela propôs o projeto de lei para criação o Instituto Nacional de Petróleo
(INP) de modo permitir o capital privado, porém com controle estatal, o que não
foi à frente.
O presidente Dutra não tomou uma decisão final sobre o assunto, mas a
repressão policial foi severa, mesmo que a campanha tivesse militares
envolvidos. Por fim, o estatuto foi arquivado e o governo aumentou a verba
para o CNP, que, se utilizando de fundos do Departamento de Administração e
Serviço Público (DASP), deu início a construção da refinaria de Cubatão e
comprou quinze petroleiros. Então o investimento na ação estatal prosseguiu.
3.5 O petróleo é nosso – o monopólio estatal
Getúlio Vargas voltou à presidência pela via eleitoral em 1951 pelo PTB
e, em dezembro, mandou para a Câmara dos Deputados o projeto 1516-51
para criação da Petróleo Brasileiro S.A. (Petrobrás),pelo qual 51% das suas
ações seriam do governo e o restante de capital privado. Naquela conjuntura, o
consumo de derivados de petróleo saltou para 13% do total de importações,
contra menos que 8% no fim da década anterior. Isso era crítico e comprometia
vários setores da economia dependentes do uso dos derivados do petróleo.
Vargas então pensou em solucionar esse problema o mais rápido
possível e, através de assessoria técnica, ofereceu o projeto de criação da
Petrobrás para que ela logo começasse a operar. Mas, tendo em vista as
resistências prováveis, abriu espaço para participação do capital privado.
O projeto de lei tinha semelhanças com o Estatuto do Petróleo de 48,
rechaçado por militares e pela opinião pública. No projeto, algumas alterações
foram feitas com relação ao Estatuto, mudando apenas o termo “concessões”
para “contratos”, aqueles que seriam cedidos as empresas privadas que
explorariam o petróleo. A ação estava imbuída do pensamento nacional
49
desenvolvimentista, mas foi atacada exatamente pela abertura a participação
do capital privado e estrangeiro.
Os udenistas da Câmara dos Deputados reagiram, principalmente Bilac
Pinto (MG) e Aliomar Baleeiro (BA) contra a Petróleo Brasileiro S.A., por não ir
no caminho do monopólio estatal, que passara a ser defendido por eles.
O presidente apresentou o projeto nesses moldes para não encontrar
resistência da oposição, com vistas a acelerar a criação da empresa, mas a
UDN assumiu como linha do partido a defesa do monopólio estatal, de modo a
defendê-lo dos trustes.
Essa flexibilidade ideológica, de indivíduos liberais, era possível para a
UDN, segundo Cohn, pelo fato desses não terem uma base bem definida,
portanto não atingindo diretamente interesses de seus representados com tal
mudança.
O Clube Militar deixou de ser um espaço para a discussão do tema, pelo
fato de que, feitas eleições em 1952, a nova presidência teve como tema de
campanha o afastamento do debate público sobre o petróleo por parte dos
militares, que estariam sendo associados aos comunistas - que participavam
da campanha por via do CEPDEN. Vargas então perdeu poder de manobra,
com o afastamento dos militares do debate, mesmo que muitos conservassem
firmemente a defesa do petróleo sob monopólio do Estado.
O presidente se viu pressionado no âmbito nacional e internacional.
Enviado o projeto à Câmara dos Deputados, a resistência da oposição e até de
petebistas gerou dificuldades para Vargas, assim como o envio de um navio de
guerra norte americano para o Rio de Janeiro, pressionando-o contra medidas
hostis aos EUA.
Após intensos debates e coma posição do governo ficando desfavorável,
este propôs um acordo parlamentar. Com isso, a oposição conseguiu inserir no
projeto de criação da Petrobrás o monopólio estatal. A Câmara dos Deputados
se pôs como porta voz da população, o que não ocorreu com o Senado
(COHN, 1968).
50
Quando o projeto com as mudanças feitas na Câmara chegou ao
Senado, logo começou a sofrer mudanças no sentido contrário do que se tinha
feito pelos deputados. Se, na primeira Casa, o sentido era o do monopólio, os
senadores foram decidiram pela liberalização e participação da iniciativa
privada. A questão do imposto único foi uma das que gerou recusa no Senado,
pois a tributação, que seria uma das fontes de renda para a Petrobrás, veio
com emenda da Câmara de modo a beneficiar os estados produtores,
principalmente a Bahia. Essa emenda foi posta por Aliomar Baleeiro, que, por
sua vez, buscou privilégios para seu estado. No Senado, a repercussão dessa
emenda foi a de “explosões regionalistas” (COHN, 1968), mas elas acabaram
derrotadas no Senado.
Mas a questão da participação estrangeira teve atenção especial, além
de pressões externas ao meio parlamentar. A Confederação Nacional do
Comércio (CNC), assim como Associação do Comércio de São Paulo (ACSP)
enviaram documentos apelando aos senadores para que fossem contra a
proibição da participação do capital estrangeiro, assim como o monopólio
estatal. A reivindicação se justificava sob o argumento da necessidade da
exploração do petróleo em caráter de urgência para o desenvolvimento
brasileiro.
Ao voltar para a Câmara,em 1953, as emendas do Senado (32), foram
excluídas aquelas que permitiam a participação do capital estrangeiro. O
capital misto permitia que a União tivesse 51% das ações, assim como poder
de voto que restringia a influência estrangeira nas tomadas de decisão. Em três
de outubro de 1953 foi então assinada a lei de criação da Petrobrás e, em
janeiro de 1954, ela entrou em funcionamento, sob a presidência de Juracy
Magalhães (UDN).
A campanha do petróleo, iniciada pelo Clube Militar em 1948, e que
trouxe a novidade da participação ampla no debate sobre o tema em 1953,
trouxe a satisfação àqueles que defendiam o ramo do petróleo como atribuição
do Estado, para manutenção da soberania nacional e defesa contra os
interesses estrangeiros. Mesmo a segunda fase, sem exposição formal dos
51
militares, haja vista nova a presidência que se excluiu do debate, no Congresso
Nacional foi vitoriosa aquela que reproduzia a orientação de Horta Barbosa.
3.6 A Petrobrás
Após a criação da empresa, foi contratado o geólogo americano Walter
Link, ex-funcionário da Standard Oil of New Jersey, contrariando as posições
nacionalistas, porém, foi essencial o know-how americano para o uso da
tecnologia do setor no Brasil.
Pesquisas foram realizadas em todo o Brasil, e a intenção de Link era de
descobrir grandes jazidas de petróleo, para obter o máximo de progressos.
Pesquisas no Rio Grande do Norte, Amazonas, Sergipe, Alagoas, Espírito
Santo, Bahia foram feitas, porém após o relatório de 1960, feito por 14
técnicos, só a Bahia deveria receber um esforço maior para a busca de
petróleo. Isso gerou forte repercussão na esfera pública, que abominou o
relatório, atribuindo apenas a Link, que era um dos 14 técnicos.
Link se demitiu em 1961, e técnicos brasileiros assumiram o setor
técnico da empresa, mudando a metodologia de exploração. Surgiu outro
relatório, de Moura e Décio Odone, que por sua vez contestaram alguns
aspectos do relatório Link, como o descarte de opiniões contrárias do relatório
Link sem maior averiguação; pouco trabalho de detalhe nas regiões perfuradas;
a exploração dispersa pelo país. (DIAS; QUAGLINO, 1994)
Na direção da empresa, no governo de Juscelino Kubitscheck, estava o
general Idálio Sardenberg, que tinha o apoio dos trabalhadores da empresa,
que desde 1958 passaram e exercer influência da empresa. Nesse momento a
Petrobrás passou a fazer propaganda de seus progressos, investindo da
legitimidade da busca do petróleo, assim como investiu no aumento do
potencial das refinarias de Cubatão e Mataripe, assim como projetos para
novas refinarias, como REDUC, REFAP, REPLAN, REPAR, REVAP, que em
1964 representariam a autossuficiência brasileira em refio de petróleo. (DIAS;
QUAGLINO, 1994)
Na década de sessenta a movimentação sindical teve intensidade, e a
escolha de Genoísio Barroso por Jânio Quadros foi determinada pela pressão
52
de funcionários das refinarias. Naquele momento se instaurou inquérito para
averiguar a gestão de Idálio Sardenberg, que segundo Quadros, deixou a
empresa em estado precário. O ex-presidente da empresa se defendeu,
dizendo que com ele a Petrobrás havia conseguido atingir o nível de refino
além do consumo interno do país, o que era bem verdade. (SMITH, 1974) Após
a resposta, Quadros mandou prender o general.
Também nesse momento, Genoísio Barroso mandou memorando para o
presidente Quadros, um memorando dizendo das divergências dos técnicos,
quanto ao relatório Link. Na esfera pública, jornais como O Semanário
atacaram o relatório com ação entreguista, acusando Walter Link de tal atitude.
Segundo Smith, o relatório Link era lembrado quando se obtinha algum
sucesso de descoberta, e mencionado como equivocado, porém os técnicos da
empresa o ignoravam em situação cotidiana (SMITH, 1974).
Com a renúncia de Quadros, assumiu seu Vice, João Goulart, que então
nomeou Gabriel Passos (UDN) para ministro de Minas e energia. Esse
trabalhou para que Barroso fosse afastado do cargo de presidente da empresa,
que ocorreu em 6 de janeiro de 1962. Isso gerou uma greve na Bahia, por
insatisfação dos funcionários com a exoneração de Barroso. Essa só acabou
quando assumiu seu lugar Francisco Mangabeira, outro presidente ligado aos
trabalhadores.
Peter Smith descreve a atuação nacionalista dentro da Petrobrás, no
governo de Goulart, no qual o ministro Gabriel Passos mobilizava comícios
para que a população desse apoio à empresa e atitudes nacionalistas,
Mangabeira punha em prática o nacionalismo e estreitamento de laços com
sindicatos. Esse autor não e simpático a esses acontecimentos, muito menos
ao governo de Goulart, denominado por ele, um demagogo como Vargas. Sua
posição é radical quanto a influência de trabalhadores em atividades executiva
da empresa, como a pressão feita à Mangabeira, como ao próprio governo.
Mangabeira aproximou os trabalhadores da direção da empresa, de modo a
fazê-los representantes dos trabalhadores, assim como ofertou amplos
benefícios sociais (SMITH, 1974).
53
Mangabeira também tentou ampliar o campo de ação da empresa,
participando da distribuição dos combustíveis derivados, iniciando o
fornecimento para entidades públicas, isso com a intenção de tirar esse
fornecimento das empresas estrangeiras. Esse posicionamento nacionalista
não é bem visto por Smith, que aponta para a inadimplência de órgãos públicos
no pagamento de suas contas.
Em maio de 1962, diretores de várias seções técnicas pediram a
exoneração de Mangabeira, que por sua vez apelou aos trabalhadores. Esse
obteve êxito, e dos 175 assinantes do pedido de sua exoneração, vários
voltaram atrás, e lhe prestaram apoio.
Os trabalhadores, com uma posição nacionalista, pressionavam o
presidente da empresa para a nacionalização das refinarias privadas, assim
como o monopólio da distribuição, soluções radicais para tirar o petróleo de
qualquer domínio privado, nacional, e internacional.
Nesses pontos, mas principalmente com relação à nacionalização, o
presidente nacionalista perdeu apoio dos trabalhadores, pois recuou com tal
demanda.
Smith descreve nesse momento, a forte movimentação sindical da
empresa e o poder de influência dos trabalhadores, que tencionavam com a
gestão, em um rumo mais nacionalista.
Francisco Mangabeira renunciou em 1963, para tirar férias, e o sucedeu
Albino Alves, que era chefe da casa militar. Nesse momento, trabalhadores
como Jairo José Farias e Hugo Régis dos Reis, assumiram a diretoria da
empresa, sobre fortes protestos das classes produtoras.
A refinaria privada de Capuava, instalada em São Paulo, teve seus
trabalhadores em greve, pela desapropriação e nacionalização da refinaria. A
greve só acabou quando Goulart prometeu fazê-lo em “momento oportuno”
(SMITH, 1974, p.167).
Albino Alves acusou cinco funcionários da empresa, dentre os quais,
José farias, e isso gerou reação dos trabalhadores, que por sua vez pediram o
54
afastamento do então presidente da companhia. Ocorrido o afastamento,
assumiu o marechal Osvino Alves, outro presidente que sustentava laços com
os trabalhadores, mas sua entrada na empresa era uma tentativa de controlar
os trabalhadores. Aceitando o pedido dos trabalhadores, Alves e Goulart
substituíram os trabalhadores demitidos da direção da empresa por outros.
No ano de 1964, o então presidente da República, em comício anunciou
a nacionalização das refinarias privadas, assim como extensão do monopólio
para a distribuição. Logo depois Goulart foi deposto por uma aliança civil
militar, contrária ao tipo de relação com as massas e concessões populistas
que esse estabelecia com elas, que assumiu o poder, dando início a ditadura
militar. Toda a organização da classe trabalhadora nas refinarias foi
desarticulada a base de expurgo de funcionários.
A empresa continuou suas operações, agora de forma a agilizar o
processo de exploração do petróleo. Em 1965 foi feita uma mudança na
empresa com esse fim, pois internamente, vários técnicos já consideravam
necessária uma reforma administrativa.
A empresa não era dividida em departamentos, o que a caracterizava
por uma centralização das decisões nas mãos da presidência e diretoria.
Importantes setores da eram o Escritório de Comércio de Petróleo (ECOPE) e
o Departamento de exploração (DEPEX). O primeiro era responsável pela
compra de petróleo para processamento nas refinarias brasileiras e venda do
petróleo baiano, que pelo alto teor parafínico, não era processado ainda no
Brasil5. O DEPEX cuidava da pesquisa das bacias brasileiras em busca do
petróleo.
Em 1961, porém, se iniciaram estudos sobre uma reformulação
administrativa da empresa, que poderia seguir dois rumos: A criação de
subsidiárias ou a divisão da empresa em departamentos. A segunda opção foi
a que vigorou, surgindo departamentos como o Departamento de Comércio
(DECOM), que englobou o ECOPE; o DEPEX se tornou Departamento de
Exploração e Produção (DEXPRO); o Departamento de Transportes; e
5 Sob a presidência do General Idálio Sardenberg começaram estudos para processamento do petróleo brasileiro (SMITH, 1974).
55
Departamento Industrial. Com essa mudança o poder decisório ficaria a cargo
de cada departamento. Nesse período grandes projetos de investimentos
regidos pela empresa passaram a ser formulados por grupos executivos,
formados pela direção executiva da empresa, passando pelas estruturas
tradicionais da empresa, para por em andamento rapidamente projetos (DIAS;
QUAGLINO, 1994).
Exemplos são: o Grupo Executivo da Bacia de Campos (GECAM),
responsável pela aceleração dos projetos na plataforma continental de
Campos; e o Grupo Executivo de Obras Prioritárias (GEOP), que por sua vez
servia para adiantar a construção da refinaria Paulínea em São Paulo e
ampliação da REDUC.
Outra mudança ocorrida em meados da década de sessenta, foi à
direção que a exploração tomou para a plataforma continental. Mesmo os
campos de Carmópolis (SE) em 1963, e Miranga (BA) em 1965, não trouxeram
novas perspectivas que compensassem a déficit de produção, em relação ao
consumo brasileiro, que começou a declinar com a decadência do Recôncavo
Baiano. Então a atitude foi buscar na plataforma continental das bacias
pesquisadas. O ano de direcionamento para o mar foi 1967, com o início de
construção da primeira plataforma, a Petrobrás I, que foi acompanhada por
mais três até 1975 (DIAS; QUAGLINO, 1994).
Os problemas encontrados para o empreendimento foram os mesmo
que a exploração terrestre na década de 50, como a falta de pessoal
qualificado, equipamentos produzidos no país, ou seja, a dependência da
tecnologia estrangeira. Mas já existiam centros de qualificação profissional para
o setor petrolífero, e os problemas foi mais rapidamente solucionado do que
antes. As plataformas começaram a operar na década de sessenta, de forma
provisória, até que fossem construídas as definitivas. Os campos eram o de
Guaricema (SE) e Campos (RJ). Mas mesmo a descobertas dessas jazidas
não deram conta da necessidade de consumo brasileiro, prejudicada pela crise
mundial do petróleo, em 1973.
Porém vários campos foram descobertos em Campos, o local que foi
mais promissor, com: Campo de Pargo; Campo de Garoupa (1974); Campo de
56
Badejo (1975); Campo de Enchova; Campo de Bonito (1977); Campo de
Pampo (1977). E a maioria dos campos já se localizava no mar.
A produção em decadência, haja vista a instalação e recursos apenas
futuros da plataforma continental, fez com que a empresa assinasse contratos
de risco em 1975, de modo a tentar solucionar o problema da queda de
produção global do petróleo, o que não surtiu muito efeito, com poucas
descobertas de empresas privadas (DIAS; QUAGLINO, 1994).
Em 1984 e 1985 forma descobertos respectivamente os campos
gigantes de Marlim e Albacora, que fez a autossuficiência pareceu viável em
uma década, tamanho a potencial deles.
No Amazonas, em 1986, ocorreram resultados positivos, com reservas
de óleo em Urucu, na bacia do Solimões.
Mas antes desse sucesso, cabe que outra mudança se operou na
empresa, inicialmente em 1967, mas se consolidando em meados de setenta.
Foi a criação de subsidiárias da empresa. Iniciou-se em 1967 por que a
Petrobrás não podia dominar esse setor, fora do monopólio, deixando então
para empresas privadas, que queriam manipular a indústria química, para
produzir eteno. Um dos grupos foi o Soares Sampaio, que era proprietário da
refinaria de Capuava. Porém essa e a Union Carbide não obtiveram sucesso, o
que fez a estatal intervir, com a criação de uma subsidiária, que auxiliaria a
compra de materiais, fornecimento de tecnologia e demanda para as empresas
privadas.
Do Decreto que permitiu a formação da subsidiária, se abriu desde ali a
possibilidade das demais. Em 1971 a Petrobrás não podia monopolizar a
distribuição, fora da legislação vigente, mas sob o esforço do Governo de
Ernesto Geisel foi criada um subsidiária com esse fim, que foi a BR-
Distribuidora, que pode atuar nesse mercado e na mesma década ultrapassou
as distribuidoras, passando as multinacionais, Shell, Esso, Ypiranga. Outra foi
a BRASPETRO em 1972, que ficou responsável pela exploração de Petróleo
no exterior, em países como: Argélia; Madagascar, Bolívia, Iraque, Irã, Líbia e
Egito. Essa encontrou algumas dificuldades políticas no Oriente Médio, pois
57
quando encontrou a jazida gigante no Iraque, a Majnoon, logo o governo
iraquiano impôs entraves para a exploração dessa jazida, o que não impediu
que a empresa a explorasse.
A BRASPETRO também agiu na Bolívia, que já tinha recebido tentativas
de empresas privadas, dentro do acordo fixado entre Brasil e Bolívia, o tratado
de Roboré. Na época, não era interessante para o governo brasileiro explorar
ou investir na Bolívia, pois os ganhos políticos não aconteceriam, pelo fato de
que não seria a Petrobrás que exploraria. O governo boliviano, que cobrou a
parte do Brasil no acordo feito em 1939 no governo Vargas, manobrava de
modo que o Brasil desistisse de sua parte no território comum determinado,
proibindo a atuação da estatal brasileira e permitindo apenas as empresas
privadas. Essas não obtiveram sucesso. A BRASPETRO porém pode explorar,
por ser uma subsidária.
Dessa nasceu a INTERBRÁS, que teria por fim abrir novos mercados no
exterior e importar produtos para o Brasil. Era um coadjuvante da iniciativa
privada, mas também seguiu políticas de Estado, o que para Dias e Quaglino
confundiu um pouco a função das subsidiárias. Essa era um trading company,
que estendeu suas esferas de ação para outras mercadorias que não
derivados do petróleo, assim como passou a fazer comércio do exterior no
exterior, e não em relação ao Brasil, o que fugiu de sua intenção original, que
era poupar divisas e assegurar mercados fora do país.
Na crise ocorrida nos anos 80 essa empresa enfrentou grandes
dificuldades, por estar muito atrelada a equilíbrio de mercado, mais do que o
setor petrolífero, motivo pelo qual as demais se mantiveram mais estáveis com
a crise. (DIAS; QUAGLINO, 1994)
Na década de 80 a Petrobrás vislumbrava o horizonte da
autossuficiência na produção do petróleo para o fim da década de 90; já era
autossuficiente no refino de petróleo, com parque industrial equipado, e com
equipamentos já produzidos no Brasil; tinha uma subsidiária que liderava o
mercado de distribuição, para além dos subsídios da estatal brasileira;
Mantinha relações comerciais no exterior através da INTERBRAS; então o
êxito que a empresa encontrou, sempre com a defesa do nacionalismo, foi para
58
além dos mitos que Smith considerou. Dias e Quaglino mostram que para isso
ocorrer, muito capital estrangeiro, através de empréstimos, foi injetado, porém
o controle do estado a empresa seguiu o objetivo de beneficiar as divisas do
país. Smith questionou a probabilidade de autossuficiência em 1979, o que
realmente não aconteceu, mas que foram perspectivas abertas com as
descobertas na plataforma continental, com previsões para a década de
noventa, em termos concretos. Sua crítica foi ao investimento estatal, de forma
emocional, o que foi errado, por que as grandes empresas deveriam se
incluídas, pela posse do capital, o que agilizaria a produção petrolífera. Dias e
Quaglino, apesar de concordarem alguns aspectos de Smith, como a
participação privada para o sucesso da empresa, e sua independência
econômica frente ao Estado Brasileiro, admitem que a centralização e a forma
que a Petrobrás se organizou, foi essencial para o sucesso da empresa, pois
nenhuma empresa privada se prestaria aos riscos que uma estatal podia fazer.
Portanto, a fala de Smith sobre a participação estatal e bem matizada com a
análise de Dias e Quaglino, assim como o nacionalismo “emocional” obteve
mais sucessos do que ele esperou, afinal, foi como empresa monopolista que a
Petrobrás cresceu.
3.7 Petrobrás nos anos 90 e 2000
Com a redemocratização, o Congresso Nacional levou a debate várias
pautas políticas, dentre as quais a quebra do monopólio da empresa. O país
estava em crise, assim como o modelo estatal também encontrava limitações,
que deslegitimava sua ação. As teorias de minimização da ação do estado
voltaram a ter força, e já na formatação da Constituição brasileira de 1987/88,
essa tendência se mostrou. Porém o que surgiu foi uma carta social democrata,
que visava medidas de bem estar social, assim como certo grau de intervenção
econômica. Com relação à Petrobrás, pedia-se a quebra do monopólio, que
não ocorreu, por força de interesses já estabelecidos no setor. Seu órgão
político, o CNP, foi extinto em 1990, no governo Collor de Mello, deixando a
empresa de ter aquela instituição de ligação direta com a presidência da
república para regulamentação e intervenção na política do petróleo. Naquele
momento as rédeas sobre a fixação de preços acabaram. Na revisão da
Constituição de 1988, ocorrida em 1993/94, houve novamente vozes que
59
pediram a quebra do monopólio da produção do petróleo no Brasil, o que
novamente não logrou êxito, com sindicatos e a própria empresa fazendo a
defesa do monopólio.
Uma onda de mudança político-econômica fazia pressão para mudança
do papel do Estado naquele período. De um Estado intervencionista e criador
de um sistema econômico, propunha-se um Estado menor, meramente
regulador. No caso da Petrobrás, o CNP, órgão executivo, junto a presidência
da empresa, e ligada diretamente a presidência da República existia mais.
Também no Governo Collor, surgiu o Plano de desestatização (PND),
com o fim de privatizar as empresas estatais. No caso da Petrobrás, foi
diferente das demais, pois essa havia logrado êxito em seus objetivos como
criadora de desenvolvimento industrial, para além das suas expectativas. As
subsidiarias da estatal petrolífera, não ligadas a produção do petróleo, ou forma
extintas, ou foram privatizadas. Extintas foram a Petromisa e Interbrás;
privatizadas foram a Petrofértil e a Petroquisa.
No caso da empresa, houve um esforço de driblar a atuação do Estado
através dessas subsidiárias, como o exemplo emblemático da Interbrás, usada
como meio de regular e atuar na balança comercial do País, assim como
tentativa de controle inflacionário, isso por meio de transações com mercados
internacionais.
Com a eleição de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) em 1995, houve
uma nova empreendida pela flexibilização do monopólio do petróleo, que tinha
por objetivo fazer predominar a lógica de mercado e da livre concorrência, na
tentativa de acabar com a prerrogativa monopolista da estatal brasileira.
Tratava-se de uma estratégia de enxugamento patrimonial, que segundo a
lógica liberal, onerava o estado sem desenvolver a economia. O governo FHC
tina a clara meta de, primeiro quebrar o monopólio, e depois privatizar a
empresa, assim como fez em 1997 com a CVRD e com a Eletrobrás.
No entanto, mantinha tal intenção inaudita, como se verifica na proposta
de emenda constitucional 6/95, na qual foi aprovada a quebra do monopólio na
Câmara dos deputados, mas sem fazer menção a privatização (FELIPE, 2010).
60
A empresa se manteve estatal e integrada, na produção, refino,
transporte e com a subsidiária BR-Distribuidora na liderança do mercado,
porém, sem a primazia do monopólio.
Porém a mudança institucional que passou o Estado, e simultaneamente
a empresa, foi favorável para a empresa, pelo fato de não ter sida a mesma,
vendida por partes, ou seja, a sua manutenção com empresa integrada
garantiu não só a sua sobrevivência, como a elevou ao sucesso absoluto nos
anos 2000 (FELIPE, 2010).
A empresa não foi privatizada por seu êxito na construção da indústria
nacional do petróleo, assim como sua ligação com a população brasileira. Sua
lucratividade era alta e tinha autonomia, haja vista sua ligação com sistema
político brasileiro.
Na esteira da reforma do Estado brasileiro, da intervenção para a
regulação, foram criadas agências reguladoras, no caso da Petrobrás, do CNP
para a Agência Nacional do Petróleo (ANP).
Essa assim como a Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL), a
ANP tinha que assumir o papel de neutralidade frente a Estado e a sociedade.
Não podia favorecer nem a poderosa estatal, como não poderia favorecer os
empresários. Seu papel era criar um ambiente concorrencial de livre mercado,
que atraísse investimentos e desse modo desenvolvesse a economia (FELIPE,
2010). Ao contrário do CNP, diretamente ligado a presidência, a ANP,
idealmente deveria de autônoma do governo.
Ela se obteve sucesso em sua criação, em 1998, no segundo governo
FHC. Esse, por sua vez, levou a frente o enxugamento do Estado, assim como
enfraquecimento de alguns ministérios, como o Ministério de Minas e Energia
(MME), que era despovoado (FELIPE, 2010). Desse modo a ANP absorveu
funções que não eram suas e amealhou a legitimidade que necessitava para se
afirmar como agência reguladora, tal necessária para ter a confiabilidade dos
empresários privados.
No governo Lula, em 2002, a situação mudou, pois esse tinha por
intenção fazer intervenções pontuais no mercado, assim como, não ficar
61
submisso a determinações da agência reguladora. O Ministério de Minas e
Energias voltou a ter força, e retomou o espaço vago deixado no governo FHC,
e ocupado pela ANP (FELIPE, 2010).
Lula chamava as agências de “formas de terceirização do poder”
(FELIPE, 2010), e para resolver o dilema das agências, criou um grupo
interministerial para tratar do tema. Esse entendera a importância da agência
reguladora, não isenta do Estado, e fizeram dois anteprojetos, que receberam o
nome de “Lei das agências”. Após isso, o governo manteve influência na ANP
através do MME.
A sobreposição da autoridade do Governo Federal e MME sobre a ANP
foi enfraquecendo a imagem desta, que como qualquer outra, necessitava ser
confiável e gera um clima propício para a iniciativa privada (FELIPE, 2010).
Quando da descoberta do Pré-sal e da regulamentação do gás natural, a
ANP readquiriu grau de importância como instituição.
Na área da exploração, a Petrobrás obteve grandes êxitos com a
descoberta em águas profundas, a cerca de 4.000 metros de profundidade,
abaixo da camada de sal no mar.
Os campos do Pré-sal se localizam na Bacia de Campos, Santos e
Espírito Santo, obtendo jazidas gigantes de petróleo. O maior poço e o de
Libra, localizado em Campos. Somente esse tem a chance de produzir mais
que os poços Marlin, Roncador, Marlin Sul e Albacora.
Em 2010 foi promulgada legislação sobre o Pré-sal, onde empresas
privadas poderiam explorar o petróleo, sobre o regime de partilha, onde a
iniciativa privada assume os riscos e custos do empreendimento, e caso
descobrindo reservas, uma parcela obrigatoriamente direcionada para a União.
A propriedade é da União, para os direitos para exploração leiloada através da
ANP.
Em outubro de 2013, foram leiloados mais blocos para exploração no
campo de Libra, na qual, Petrobrás; as chinesas CNPC e CNOOC; a Shell; e a
francesa Total arremataram blocos para exploração.
62
O campo de Libra é a maior descoberta no século XIX, mas ainda não
existe uma estimativa sobre a quantidade de petróleo existente por baixo da
camada Pré-sal.
Na política interna brasileira deu-se um intenso debate sobre a
distribuição dos royalties do petróleo para as federações, onde os Estados do
Espírito Santo e Rio de Janeiro reivindicaram para eles os recursos vindos da
atividade.
Sobre a questão do Petróleo foram utilizados três compêndios: o livro de
Gabriel Cohn, Petróleo e nacionalismo de 1968; Peter Seaborn Smith, com O
petróleo e a política no Brasil moderno; José Luciano de Mattos Dias e Maria
Ana Quaglino em A questão do petróleo no Brasil- Uma história da Petrobrás.
Cada livro trada de um recorte histórico, um após o outro se
referenciando pelos anteriores, e no caso de dois livros desses, fazem um
balanço da época em que foram lançados. Todas as obras divergem na
interpretação dos eventos ocorridos antes e depois da constituição da
Petrobrás. A ordem cronológica dos recortes históricos começa com Gabriel
Cohn, que limita seu objeto de estudo até a constituição da empresa, em 1953,
sem fazer balanços da empresa do período em que produziu a obra, o ano de
1968; Peter Seaborn Smith, que fez um estudo até a década de setenta, com
balanço de perspectivas da empresa para aquela década; e Dias e Quaglino,
que chegam até a redemocratização da política brasileira, com a situação da
empresa naquela época.
As matrizes interpretativas divergem em maior volume no que concerne
à atitude dos personagens envolvidos na Campanha do Petróleo, a qual
Gabriel Cohn defende o individualismo metodológico, em que esses atores
atuaram segundo cálculos racionais para maximizar ganhos de suas posições;
enquanto Peter Smith defende que a Campanha do Petróleo foi algo
63
emocional, irracional, marcado pela xenofobia aos estrangeiros (multinacionais
e técnicos)6.
O livro de Dias e Quaglino não entra nesse mérito diretamente, mas em
sua argumentação sobre a estrutura interna da empresa, progressos e limites
aponta para o sucesso empresarial que a Petrobrás obteve na diversificação de
suas atividades, que foram além da sua área, que era a produção, transporte e
refino do petróleo, atribuindo isso a racionalidade dos atores.
Gabriel Cohn defende que a Campanha do Petróleo surgiu da interação
entre fatores que remontam à década de trinta. Primeiro o Estado centralizado
de 1930, com vistas ao desenvolvimento industrial, afetado por limitações
internas e influência externa; a preocupação dos militares com a segurança
nacional, extremamente dependente do petróleo; interesses externos voltados
para manutenção do mercado consumidor brasileiro para seus produtos (os
trustes); um setor empresarial em expansão, com exigências básicas para o
seu desenvolvimento; grupos técnicos atentos a viabilidades econômica de
projetos para esse desenvolvimento; a liderança de Getúlio Vargas,
comprometida com o nacionalismo; uma opinião pública mobilizada; e a
oposição parlamentar da UDN à Vargas na época da tramitação do projeto nas
casas parlamentares.
Todos esses fatores interagiram para que, o único motivo para que um
movimento daquele ocorresse, o petróleo e a defesa da exploração estatal
tomasse a forma de uma empresa estatal monopolista.
Melhor explicando, o desenvolvimento industrial desse setor era oneroso
e também dependia dos recursos humanos, mão de obra qualificada, e isso
gerou por parte dos nacionalistas oposição, pelo fato de agentes estrangeiros
poderem dar informações para os trustes; por parte dos técnicos do CNP,
ocorreu a defesa da participação estrangeira na extração do petróleo, assim
como a contratação de pessoal de fora do país, com know-how para as
atividades; os militares, que desde a I Guerra mundial assistiram a
6 Smith divide o nacionalismo daquele período em quatro, que são: nacionalismo nativista ou chauvinista; corporativista; desenvolvimentista; e radical. O último é o que esse autor mais abomina, e não deixa de dedicar toda a sua obra para mostrar os equívocos desses nacionalistas (SMITH, 1974).
64
dependência da defesa nacional ao petróleo, após a II Guerra mundial, recente
ao surgimento da campanha nacionalista, ganhou grande relevância, dividindo
e exercito entre posições desenvolvimentistas e radicais; Getúlio Vargas, que
em 1951 assumiu a presidência com a legenda de deu partido, o PTB,
interessado no rápido desenvolvimento da indústria, haja vista a crise de
abastecimento que o Brasil enfrentava desde fins da década de quarenta,
nomeou uma comissão para por o projeto da Petrobrás para funcionar, e para
isso permitindo a participação estrangeira; e a UDN, que em oposição ferrenha
à Vargas, assumiu a posição pró monopólio, aproveitando do projeto
desenvolvimentista e mais flexível de Vargas para então fazer oposição a este.
Todos esses atores atuaram, segundo a interpretação de Cohn, de
forma racional, com a intenção de obter resultados positivos para seus
posicionamentos e interesses e a interação desses fatores gerou a criação da
Petrobrás.
Em síntese, nas palavras de Gabriel Cohn:
“De modo geral, não há como apontar um grupo de influência decisiva na instituição do monopólio estatal do petróleo no Brasil. Não foi, portanto, a Campanha do petróleo a causa da criação da Petrobrás; nem a ação de Getúlio Vargas, ou dos técnicos governamentais; nem tampouco a oposição parlamentar. Houve isso sim, uma interação complexa entre esses grupos, e outros mais, suscitada e dinamizada por problemas prementes para a sustentação do processo global de mudança que se efetuava em todos o níveis da sociedade nacional; essa interação poderia ter outro desenlace, como o teve, em outras nações latino americanas (...) a dinâmica da situação conduziu a essa decisão, e não outras. (...) configurava-se um contexto de opções múltiplas, que definiam de um modo não dado previamente de forma unívoca uma grande decisão maior, imposta pelas circunstâncias (...) a constelação de opções não era casual, nem ilimitada; pelo contrário, era limitada e estruturada. (...) Posto o problemas maior, da política do petróleo, a sua solução impunha-se; por sua vez, nas condições históricas dadas, um certo número de opções, limitado e, função de grupos sociais em presença, se apresentava; finalmente, em virtude da articulação entre esses dois elementos, essas opções, possíveis mas não aleatórias, se estruturavam, configurando modalidades bem definidas de consciência do problema e de ação correspondente. [houve] o estreitamento desse campo de possibilidades de decisão, por força das sucessivas redefinições dos seus condicionantes históricos, até chegar-se a solução final adotada: uma entre outras possíveis, mas a única realizável, nas condições dadas (COHN, 1968, p.186-7).
Além dessa teoria da interação dos grupos, Cohn distingue três tipos sociais
básicos, assumidos pelos atores da época, na esfera relacional, que são: o
65
burocrata; o técnico; e o político. Esses tipos sociais se deram nos momentos
da Campanha do petróleo, na qual os atores, por vezes, atuavam com discurso
técnico, ligados a viabilidade e exequibilidade do projeto; discurso político,
direcionado ao confronto de interesses que o petróleo gerava, e como
resguardar o Brasil através do domínio da atividade; o burocrata, representado
por Odilon Braga à época das Bases para um inquérito do Petróleo no Brasil,
onde o tom da argumentação disse respeito as dificuldades da pesquisa do
mineral, assim como as dificuldades administrativas e financeiras do
empreendimento. Na interação dos grupos, cada um assumiria um tipo de
ação, conforme a dinâmica da situação.
Peter Seaborn Smith, por sua vez, segue no caminho contrário ao de
Cohn, dizendo que a Campanha do petróleo foi irracional, por ter em seu
substrato, o elemento emocional do nacionalismo, que atrapalhou segundo sua
interpretação, o desenvolvimento da indústria petrolífera no Brasil
Seu objeto são jornais cariocas de diferentes posições, liberais e
nacionalistas, portanto estudou a esfera pública da época, no Rio de Janeiro, a
respeito do petróleo brasileiro.
Chegou à conclusão de que a Campanha seguiu o preconceito
nacionalista xenófobo, guiado pela emoção, o que distanciou segundo ele, o
problema de uma solução mais rápida e de sucesso. Em sua argumentação diz
que os brasileiros se guiaram por dois mitos, o primeiro que foi o da existência
do petróleo no Brasil, em um período em que não se tinham informações
concretas sobre a existência desse mineral; e segundo, de que os estrangeiros
estariam prontos para se apropriar das jazidas. Discordou dos dois mitos,
constatando que o Brasil não tinha uma geologia favorável para a existência do
petróleo, e que para tentar explorar tal riqueza, o capital privado internacional
seria imprescindível, de modo que não fosse feito, não obteria êxitos e
absorveria o empreendimento estatal grandes recursos, para resultados
insatisfatórios.
Segundo ele, os jornais levaram um histerismo ao público brasileiro, que
sob a emoção, contrariou a participação privada estrangeira na indústria
petrolífera. As descobertas em Lobato no ano de 1939 e a reabertura política
66
de 1946 para Smith foram fatores que estimularam os brasileiros a apoiar a
Campanha do Petróleo, ameaçado pelos trustes, segundo o autor, sem razão.
Sua argumentação se baseia em argumentos de políticos contrários ao
monopólio estatal, como Raimundo Padilha (UDN), que contrariando a linha
que seu partido adotou, demonstrou a inviabilidade para a tentativa do Brasil,
em obter a autossuficiência em produção de petróleo, e, portanto,
desqualificando a proposta de monopólio estatal.
Seus estudos extrapolam a criação da empresa, e desse modo, ele
caracteriza as dificuldades iniciais como culpa do nacionalismo, que culminou
com a criação da Petrobrás. A propaganda da empresa, assim como
resistências quaisquer que fossem a participação do capital estrangeiro não
eram racionais, e sim emocionais, portanto, sem créditos para lidar com o
problema.
Os comunistas, os nacionalistas radicais são o alvo das suas mais
intensas críticas, pois não levavam em conta o realismo da situação e a
impossibilidade de que o monopólio oferecesse êxito para a questão do
petróleo no Brasil. O nacionalismo desenvolvimentista, por ser mais flexível e
pragmático, era a melhor alternativa, que para Smith, infelizmente perdeu
espaço para os radicais nos governos populistas de Juscelino Kubitschek,
Jânio Quadros e João Goulart.
Esse autor tem por intenção desqualificar o empreendimento estatal,
acusando-o de onerar o bolso do contribuinte brasileiro, com gastos que
ofereciam pouco retorno. Nesse caminho, não desenvolve sobre o sucesso no
setor do refino, que já na década de sessenta oferecia autossuficiência; e o
setor de transportes do combustível; áreas que tiveram mais sucesso.
Foca na produção do petróleo no Brasil, na não existência de jazidas
consideráveis no país, portanto, desqualificando o monopólio estatal do
petróleo. O que ele observa é a reação nacionalista dos jornais a qualquer
tentativa mais flexível de resolver o problema do petróleo.
Seu estudo se limitou ao fim da década de 60 e inicio de 70, portanto
não tendo no tempo de conclusão de seu trabalho, observado os
67
desdobramentos posteriores da empresa, que atingiu a ponta da distribuição no
mercado brasileiro, através da subsidiaria BR-Distribuidora, e os achados na
plataforma continental, em Campos e Sergipe.
Outro eixo de argumentação de Smith para mostrar o lado emocional da
Campanha do Petróleo, foi o relatório Link. Esse relatório foi feito por 14
técnicos da Petrobrás em 1960, dentre eles, Walter Link, e nesse relatório foi
desqualificado de capacidade regiões como o Amazonas, Sergipe, Espírito
Santo e Alagoas. Smith argumenta que Walter Link foi acusado injustamente
de pessimismo quanto à extração de petróleo, e também, de agente dos
trustes, isso pelo sentimento nacionalista, embebido pelo mito de existência em
grandes quantidades de petróleo no subsolo brasileiro, além da ameaça dos
trustes.
Smith discorda com Gabriel Cohn quando diz que a atenção dos
brasileiros poderia se direcionar para a eletricidade, ou siderurgia, que era
setores simbólicos do desenvolvimentismo industrial. Para ele:
“A mais importante razão da campanha popular concentrar-se no petróleo ao invés de na eletricidade deve ter sido com certeza o mais alto grau de emoção que cercava a indústria do petróleo, e a existência paralela de ‘trustes’ do petróleo muito mais conhecidos e aparentemente mais poderosos, em contraste com a situação da eletricidade” (SMITH, 1974, p.178)
Para Cohn nem é emocional, e nem tinham tais alternativas, pois o
petróleo era o único objeto daquela conjuntura capaz de gerar a Campanha
que gerou.
O que é interessante considerar, é que os personagens agiram perante
uma estrutura de opções disponíveis, das quais assumiram posturas conforme
a dinâmica da situação, exemplificado pela UDN, que ideologicamente se
postou contra seus pressupostos, como o de livre mercado. Que a campanha
tinha um tom emocional, não é errado, porém deve-se matizar a proporção
dessa emoção ao ponto da irracionalidade.
Cada jornalista, político, empresário, tinha interesses diversos, conforme
a posição que ocupavam e linhas ideológicas, portanto militando contra ou a
favor do monopólio do petróleo. Ao escrever uma coluna, o jornalista assume
68
um tom emocional, mas partindo de suas convicções e ideologia, ou seja,
racional.
No caso desse trabalho, tem-se a intenção de comprovar a complexa
interação de fatores da época em que se deu a campanha no Espírito Santo,
onde Setembrino Pelissari atuou, em sua fase estudantil, de modo a se inserir
na política, em um contexto de abertura política, assumindo a questão do
petróleo, juntamente com outros atores de posições política diversas, intenção
na qual obteve êxito, pois obteve uma carreira política extensa, antes da
ditadura militar e depois, muito em parte dos contatos que tinha com Eurico
Rezende e Élcio Álvares, que também assumiram o poder de Estado Capixaba
na ditadura militar.
Sobre o mito do petróleo, há de se concordar com Smith que realmente
os militantes fundamentavam sua defesa do petróleo nacional sem base em
informações concretas, porém não de forma irracional, pois os riscos que os
trustes apresentavam por sua atuação na América Latina eram perfeitamente
plausíveis, e mesmo que nos momentos em que a posição nacionalista
denunciou a atuação dos trustes sem provas concretas, não era novidade para
ninguém da época dos jogos de poder, nos quais as multinacionais se
envolviam, de modo a obter benefícios e maiores lucros. A emoção que Smith
denomina, é na verdade um tipo de irracionalidade com a qual ele não
concorda, por isso chama o estigma estrangeiro como segundo mito do povo
brasileiro com relação ao petróleo, o que para ele foi emocional e foi maléfico
para a economia no setor em questão.
3.8 Análise da entrevista
Os reflexos da campanha carioca, já iniciada em 1947, reverberaram no
Espírito Santo em 1948, e segundo as páginas do jornal A Gazeta da época,
temos alguns dados do ponto de vista institucional, ou seja, como se formou a
campanha, que grupo e através de que órgão criado para tal fim. Após essa
rápida exposição, cronológica em essência, será analisada a entrevista
realizada por Setembrino Pelissari, advogado de 85 anos, que à época
69
estudava o científico, e já se engajava na política. Foi um dos participantes da
campanha “O petróleo é nosso”.
No dia cinco de maio de 1948, uma nota foi publicada no jornal A
Gazeta, feita pelos estudantes no dia 28 de Abril, anunciou a entrada desses
na militância sobre um tema nacional, que era a defesa do petróleo brasileiro.
Nomeada uma Comissão Estudantil de Defesa do Petróleo, ela conclamava a
sociedade para uma solução patriótica para a questão do petróleo, e se
propunha a fazer uma campanha de esclarecimento sobre o assunto, na
defesa do monopólio estatal. Sua reunião foi na Associação dos Funcionários
Público do Espírito Santo.
Daquele momento em diante, varias notas explicativas sobre a comissão
foram sendo publicadas no jornal, a cada passo que essa instituição dava. Sob
a tese nacionalista de Horta Barbosa, defendiam o monopólio em todas as
fases da exploração do petróleo, para o Estado brasileiro, excluindo não só a
iniciativa estrangeira, como a privada. Na verdade o grande foco eram os
trustes americanos, e o exemplo da Venezuela era o mais usado, como foi no
artigo de Setembrino Pelissari, em 4 de setembro de 1948, no qual disse que
“A Venezuela tomada pelos trustes, não manda em si mesmo” (A Gazeta,
04/09/48, p.3), prevendo o mesmo futuro para o Brasil, caso permitisse a
entrada dos estrangeiros no setor. Uma das ações dessa Comissão foi
organizar, no Teatro Carlos Gomes, uma conferência, para debater sobre o
assunto (A Gazeta, 12/05/48, p.1).
Em setembro, a antiga Comissão Estudantil já era chamada de Centro
Estudantil de Defesa do Petróleo, e nesse mês recebeu contato do Centro
Nacional de Defesa do Petróleo, para que cerrasse fileiras na empreitada. Era
a aproximação do núcleo da campanha com o Espírito Santo, que, por sua vez,
se tornou o Centro Espírito-Santense de Defesa do Petróleo, que foi
oficializado no I Congresso Estadual do Petróleo, realizado de 12 a 16 de
Outubro. Antes disso, reunidos na sede do Sindicato dos Comerciários,
tramitava a criação dessa instituição, ligada ao Centro Nacional.
Foi formada uma Comissão Executiva para o Centro Espírito-Santense,
com a seguinte composição:
70
Presidência: Prof. Geraldo Costa Alves
Vice-presidência: Américo Barbosa Meneses
Secretário Geral: Ademar de Oliveira Neves
1º Secretário: Setembrino Pelissari
2º Secretário: Pedro Maia de Carvalho
1º Tesoureiro: Deputado Anibal Soares.
2º Tesoureiro: Joaquim José Silveira
Procurador: Prof. Antônio Souza
Orador: Eurico Rezende
Bibliotecário: Dr. Luiz Antônio Curvacho
Publicidade e propaganda: Sergipense Penna, Hermógenes da Fonseca e
Valeriano Carreto (A Gazeta, 01/10/48, p.11)
Essa comissão, pelos personagens conhecidos, como Setembrino
Pelissari, Eurico Rezende, Hérmogenes da Fonseca, Sergipense Penna, era
heterogênea, englobando indivíduos antagônicos, como udenistas e
comunistas, assim como progressistas, como Sergipense Pena.
Porém, na visão de Pelissari, não havia conflito de qualquer ordem
nessa campanha, ou em sua organização, até porque, segundo ele, “as
lideranças comunistas eram bem quistas, aqui em Vitória. Na época, pelas
pessoas da sociedade inclusive” (Anexo, p. 82).
A campanha foi iniciada pelos comunistas, mas também participavam
professores do ensino secundário, da Faculdade de Direito, deputados e
alunos, como foi o caso de Setembrino.
Fora o I Congresso, realizado em Outubro, Pelissari diz que era feitos
comícios na Praça Oito e nos bairros, Santo Antônio e grande Maruípe, e no
interior, dos quais não participou. Neste caso, havia comícios nas sedes dos
municípios. As reuniões aconteciam com muita tranquilidade, sem repressão, e
71
cujo principal público eram: “Trabalhadores, principalmente a classe mais
humilde, os trabalhadores, principalmente os sindicalizados” (Anexo, p. 82)
Um aspecto importante é o que Setembrino fala sobre os sindicatos,
pois, como se sabe, o Partido Comunista, no momento da ilegalidade, partiu
em ofensiva de greves, com o objetivo de lutar por reivindicações salariais para
depois politizar as greves. No Espírito Santo, assim como em todo o Brasil, isso
não ocorreu, mas aqui pelo fato de que as lideranças ficaram presas às
reivindicações salariais e não politizaram a greve (Pereira, 2013). Porém,
segundo Setembrino, o principal público que assistia aos comícios era formado
por trabalhadores sindicalizados, e os sindicatos, segundo ele: “sofriam um
pressão, digamos assim, ideológica do esquerdismo, da esquerda” (Anexo, p.
82). Se a classe mais humilde, desorganizada institucionalmente estava
antenada nesses comícios, por que razão a greve da CVRD não foi politizada
pelas lideranças comunistas, haja vista a relevância e concretude do tema na
sociedade? Essa é uma pergunta que carece de mais esclarecimentos.
Os participantes da campanha citados por Pelissari, ligados ao PCB,
foram: Doutor Érico Neves, Valdemar Neves, Benjamim Campos, Hermógenes
Lima da Fonseca, o taxista Darcy Xavier, e um enrolador de dínamo,
Clementino Santiago e, entre os estudantes, os irmãos Joré e Desiré Fegali.
No campo da memória, existem dois tipos, uma individual e outra
coletiva. A primeira é a memória bergsoniana e a segunda é halbwachiana.
Primeira remete a uma pessoa que tem uma visão individualista da realidade,
desprendido do que aconteceu a seu redor, enquanto uma memória
hawbachiana traduz uma visão de grupo, reproduzida pelo indivíduo.
No trabalho de André Pereira sobre a memória de um funcionário da
CVRD, o autor demonstra que o indivíduo pode ter os dois tipos de Memória, e
na análise das idiossincrasias do entrevistado, se pode obter ganhos na
pesquisa, pelo fato de captar a construção específica que ele tem, conforme
sua construção histórica, sua História de vida.
Setembrino Pelissari demonstra, com maior força, uma memória
coletiva, uma visão de grupo, já que ele era um udenista. Por esta razão, é
72
interessante caracterizar este tipo de leitura da realidade, como faz Maria
Victória Mesquita Benevides, em seu UDN e udenismo: Ambiguidades do
liberalismo brasileiro. Ela afirma que a UDN se formou como frente pela
redemocratização da política brasileira, e se conformou como um partido e um
movimento. Partido no sentido formal, institucionalizado e sob regras da política
estabelecida, e um movimento, no sentido de conjunto de ideias.
O movimento udenista tinha como característica dominante a
ambiguidade. Por exemplo: reivindicar a democracia legalista, mas em caso de
perda eleitoral, fazer o apelo a vias não constitucionais, como o golpe; defender
a existência do pluralismo político, mas, no caso dos comunistas, fazer
ferrenha campanha de terror a essas pessoas; ter uma ideologia liberal de livre
mercado, e, a o esmo tempo, defender o monopólio do petróleo via estatal.
O aspecto mais emblemático é o chamado golpismo, no qual os
partidários nas derrotas eleitorais apelavam aos militares, com vistas a
derrubar o governo e desfazer o “erro do povo”, que votava errado. Quando
não era fraude eleitoral, era o erro do povo, e esse é mais um traço desse
movimento, que é o elitismo, concepção segundo a qual há certos homens que
fazem o que é certo, como uma missão de sacrifício pela política. Esta
atividade corrompe, de forma que apenas homens com retidão moral seriam
capazes de não se deixar levar pelos desvios. Nessa visão de mundo, a UDN
era tida como o partido certo, com os homens certos.
Setembrino se encaixa perfeitamente nessa visão de mundo e, consigo,
traz essas ambiguidades. Suas informações sobre a campanha do petróleo
merecem ponderações, pois ele parece não considerar alguns aspectos que
parecem ter acontecido, e que ele diz não ter acontecido, como a existência de
conflitos na formação e organização da Campanha do Petróleo; e o debate
político na Academia dos Novos.
Ele parece considerar alguns momentos ou lugares isentos de política,
lugares que parecem não permitir esse tipo de confronto, como a Academia
dos Novos, e uma campanha tão heterogênea em sua formação como a
Campanha do Petróleo. Isso está dentro da ideia de que há uma separação
entre política e assuntos justos, isentos de política. É claro que, em alguns
73
momentos ou lugares, a política não é claramente discutida, ou não é o tema,
mas isso não parece ter sido o caso dessas instituições.
A visão que Pelissari tem da Campanha O Petróleo é Nosso é muito
vaga, até por que tinha cerca de vinte anos, e sessenta e cinco anos o
separam dessa época, porém, haja vista o primeiro movimento político dele,
ainda mais como estudante iniciante na política, não tem lembranças muito
concretas sobre os acontecimentos, lembra das pessoas, dos comícios, mas
um exemplo desse tipo de esquecimento é o fato de ele não ter comparecido
ao I Congresso Estadual do Petróleo, e não lembrar muito bem do que
acontecia. Apesar de estar envolvido na campanha, não era tão orgânico no
movimento.
Primeiro, então, será feita a análise de sua visão de grupo, e depois o
que caracteriza sua memória individual.
Setembrino tem um olhar para o passado de tipo conservador, que
valoriza o que ele considerava positivo e teria se perdido posteriormente.
Exemplo disso é sua fala quanto ao movimento estudantil atual, que, segundo
ele, está ligado à política, enquanto, em seu tempo, os estudantes eram mais
idealistas, e sem ligações partidárias. A liderança da Petrobrás é outro ponto.
Pare ele, a empresa era dirigida por “gente qualificada”, enquanto hoje não há
nada semelhante, sendo um mero instrumento de política. Isto a estaria
conduzindo para um estado de decadência na atualidade.
A sua retidão moral e senso de dever está presente em um trecho da
entrevista, no qual diz ter recusado um emprego do governo, em um momento
que se encontrava na oposição. Diz ele que: “Eu, moralmente... Primeiro, a
teria fragilizado a minha conduta ética e moral e, depois, que eu não podia
criticar quem tinha me dado emprego. Eu não aceitei [...] Se eu aceitasse, eu
perderia aquela situação de independência, e esse foi o comportamento que eu
trouxe pela vida a fora, até hoje” (entrevista concedida ao autor, p. 87). A
questão que está sendo discutida aqui não envolve a veracidade da afirmativa.
O fato é que ele defende tal atitude como princípio moral. É claro que, como
muitas pessoas, podemos indicar relativizações, a exemplo de sua declarada
defesa da democracia, sendo que, com a Ditadura Militar de 1964, ele esteve
74
ligado ao poder, tendo sido prefeito de Vitória por duas vezes, indicado
Procurador Geral da República e Deputado Estadual. Para enfrentar a questão,
ele não cita a Ditadura como o fim da democracia, mas a defende. . Diz que a
democracia é exatamente o que os comunistas não defendem, mas sim um
regime ditatorial, elemento que o faz ter uma aversão a esse tipo de linha
política. Porém, em 1964, sobre o evento do golpe, ele não tece nenhuma
consideração negativa.
Outro aspecto é não governar por adesão. Segundo Setembrino, ele
nunca governou por adesão, mas sim quando conquistava o governo. Quando
questionado sobre como ele conseguiu acesso e um espaço no jornal A Gazeta
em sua época de estudante, disse que só escreveu ali enquanto era jornal de
oposição, porque, quando foi vendido para o PSD, ele foi para A Tribuna, que
era oposição. Argumenta: “Eu só fui para o governo por conquista, nunca por
adesão. Nós ganhamos a eleição em 1954, com o Chiquinho, aí eu fui ser
governo. Quando nós perdemos a eleição lá para um ano depois, eu voltei para
a oposição. Quatro anos depois, eu ganhei a eleição, voltei para o governo de
novo. Aí como deputado estadual e prefeito” e transforma a experiência em
princípio, dizendo: “Eu sempre tive essa natureza, de não me adaptar, a me
acomodar ao interesse. Quando ganhamos eu fui ser governo, conquistamos”
(Anexo, p. 86).
Sua característica e não se acomodar e não seguir fora de seus
princípios, mas ele está enquadrado dentro da leitura que Benevides faz da
UDN, sendo signatário de uma visão de mundo na qual a esses princípios
podem ser sacrificados em caso de ameaça antidemocrática, no caso, a
“ameaça comunista” temida pela UDN.
A prova mais cabal dessa ambiguidade, própria do liberalismo brasileiro,
foi a interpretação “atualizada” que Setembrino tem da Campanha O Petróleo é
Nosso.
Ele foi um defensor da indústria petrolífera nacional, sem participação de
capital privado nacional ou estrangeiro, mas diz que ele, assim como os demais
que participaram da campanha, “errou”. Segundo ele, o Brasil deveria ter
permitido a entrada dos trustes, tomando as devidas precauções, para que
75
esses desenvolvessem a indústria, descobrissem as jazidas e depois as
nacionalizassem, assim como foi feito na Venezuela. Isto teria feito do Brasil
um país autossuficiente muito tempo antes na História nacional. O que vale
observar nesse trecho é a elaboração de um releitura do passado que admite
uma espécie de golpe nas empresas privadas, para que a indústria brasileira
fosse desbravada. Neste caso, os princípios, por exemplo, do legalismo, vão
por água a baixo.
Mas a interpretação do entrevistado não é só composta de uma memória
de grupo, pois, apesar de guardar alguns dados relevantes em sua memória,
demonstra uma certa dificuldade acerca das relações entre os membros do
movimento. Além disso, permite avaliar a questão do debate sobre o caráter
emocional ou racional da Campanha do Petróleo. Neste sentido, quando
perguntado se a Campanha era uma espécie de trampolim político, ele disse
que sim, e usou o seu exemplo, dizendo que:
“Eu, por exemplo, nessa época não tinha possibilidade de aspirar a cargos políticos. Eu não tinha recursos, era um estudante pobre. Trabalhava e estudava à noite. Eu fiz o curso científico no [Colégio] Estadual, trabalhando e estudando à noite. Trabalhava de oito horas da manha até às seis horas da tarde em um escritório, numa exportadora de café, e, à noite, ia para o Colégio Estadual e ficava até as onze horas da noite. Ia jantar, depois do Colégio: era média com pão e manteiga, era na central, que era na praça Costa Pereira, nas lojas Cândido” (Anexo, p. 83).
A Campanha então foi um meio utilizado por ele para se introduzir na
cena política capixaba. Não que não tenha empenhado emoção nos comícios,
mas isso partia de seu cálculo de custo benefício na entrada na campanha.
Mesmo que ele não tenha sido bem sucedido, pois, mesmo em 1951,
candidato a vereador pelo PSB, não conseguiu se eleger, ele participou da
campanha não só pelo nacionalismo, mas também pela possibilidade que esta
oferecia para se lançar politicamente.
Setembrino não lembra porque se iniciou a Campanha do Petróleo,
atribuindo o fato ao relatório Link, que, na verdade, é de 1959, e, sobre o
anteprojeto do petróleo, não se recorda sequer do seu fim. Isso deixa indícios
de que sua participação tenha sido menos comprometida do que a cobertura
de A Gazeta dá a entender, já que o jornal o apresenta como 1º secretário da
comissão executiva do Centro Espírito-Santense de Defesa do Petróleo.
76
Pelissari, por sua vez, não se lembrou de tal informação. Disse que só fazia
comícios, e que não fez parte da direção.
Analisando a entrevista de Setembrino, um udenista convicto, é
perfeitamente aceitável a tese de Gabriel Cohn segundo a qual a qual a
Petrobrás surgiu da interação entre fatores diversos, de vários interesses
entrelaçados que culminaram na criação da única indústria que podia fazer
acontecer uma campanha como O petróleo é Nosso. Setembrino foi um dos
atores que deram corpo aos eventos, um jovem, com seus interesses, assim
como os políticos a nível estadual e nacional.
Para entender melhor as relações entre políticos e estudantes na
Campanha do Petróleo, faz-se necessária outra entrevista, com alguém que
tenha vivido os eventos, de preferência, com um posicionamento político
diferente. Porém, a entrevista com Pelissari confirma a relevância da
campanha do Espírito Santo e deixa viva a pergunta do por que as lideranças
da greve de 1948 na CVRD não tentaram politiza-la no sentido de estabelecer
a conexão entre o tema dos trustes, do nacionalismo e da luta por melhores
salários, já que isto fazia parte da proposta política do PCB no mento e a
campanha contou com a presença de militantes deste partido.
4. Conclusão
A abertura política fez com que setores da sociedade civil voltassem a
ter espaço na política nacional e regional e vários atores políticos se viram em
situação favorável para esse esforço. Eurico Rezende, no jornal A Gazeta,
dedicou acusações graves à direção da CVRD, e, sendo advogado, tinha
noção do tipo de ação que tomava. Imbuído do espírito udenista, com o
pressuposto da modernidade, atacava a estrutura tradicional político-social
capixaba, adequando as situações a sua concepção ideológica, pautada no
moralismo. Porém, seu projeto de disseminação de novos valores, e uma nova
forma de fazer política foi derrotada, assim como o projeto comunista, seu
concorrente menos distante (por que estavam alijados do poder), fato
comprovado pela coexistência relativamente pacífica em vários movimentos,
como a Campanha do Petróleo. Continuou vigorando a rotação de elites,
ligadas ao setor agroexportador, que seguiria a conduta de direcionamento
77
para o campo até a década de sessenta, quando se voltam para a grande
indústria (Ribeiro, 2014).
A Campanha do Petróleo, por sua vez, não teve grande importância para
a direita, isso no caso capixaba, pois não houve repressão aos comícios, assim
como não se configurou como fato relevante da memória do entrevistado, que
teve participação ativa no movimento. Para ele, serviu como um meio de
crescimento na política, no clima de participação advinda da redemocratização
de 1945.
Esse movimento era relevante na esfera pública capixaba, tendo
repercussão por todas as classes sociais, inclusive na classe trabalhadora do
movimento paredista da CVRD. Porém, a greve não foi politizada pelas
lideranças e as pesquisas indicam que foi uma atitude deliberada por elas. O
discurso das Câmara dos Vereadores de Granja e Fonseca era diferente do
que faziam aos trabalhadores, numa adequação do discurso com o lugar e
público.
Cabe ainda um estudo apurado sobre a Campanha da Paz, mas
principalmente sobre a luta contra o imperialismo, que tinha no Espírito Santo
um relevante objeto concreto a ser apontado pelas lideranças comunistas, a
C.C.B.F.E, empresa multinacional, de modo a politizar a greve, no
questionamento da forma como se dava a distribuição de energia elétrica e na
defesa da obtenção de tal recurso por brasileiros.
A organização dos trabalhadores em torno das questões salariais, que
culminou na greve da CVRD (duas paralizações) não se autonomizou, e sua
mobilização fora da esfera institucional (sindicato) e com uma estreita relação
com os trabalhadores foi a baila com um sistema de coerção da empresa,
existente em 1947 e desenvolvido após a greve. A oposição udenista tentava,
através da mídia, atacar a direção da empresa, mas com sentimento moralista,
sem dar conta de problemas maiores que aqueles que tanto alardeavam.
Nas ruas, os comunistas tinham proximidade com as bases, e faziam
comícios por vários pontos, mas não estavam sozinhos, tinha outros políticos
participando dos movimentos. A Campanha do Petróleo, aqui estudada, não foi
78
politizada, e o porquê de tal atitude das lideranças em não o fazer, carece de
uma pesquisa mais específica.
Mas o fato é que, mesmo sem politizar a greve, esta foi derrotada pela
empresa, que não deixou nem a lembrança dessa experiência operária, que
comporia o arcabouço cultural da classe trabalhadora, guiando novas
experiências, ou tendo-a como referência. A memória da greve foi apagada,
assim como erros e acertos das lideranças, a experiência concreta, mas a
busca dessa memória está sendo realizada e essa pesquisa, dentro de um
grupo de estudos, empreende esse esforço, que pretende ser relevante para o
resgate deste momento da memória da classe trabalhadora capixaba.
5. Referências
ACHlAMÉ, Fernando. O Espírito Santo na era Vargas (1930-1937): elites
políticas e reformismo autoritário. Rio de Janeiro: FGV, 2010.
AMARAL, M.M.B.P. Quando o camarada era mau: Hierarquia e
Disciplinarização na CVRD. Trabalho apresentado na II Jornada de estudos do
Lehpi, realizada em Vitória, Ufes, 2014.
BENEVIDES, Maria Victória Mesquita Benevides. A UDN e o udenismo:
Ambiguidades do liberalismo brasileiro. São Paulo: Paz e Terra, 1984.
BRAGA, Ruy. A política do precariado: do populismo à hegemonia lulista.
São Paulo: Boitempo, 2010.
CARDOSO, Ciro Flamarion S. Narrativa, Sentido e História. São Paulo:
Papirus, 1992.
CARDOSO, José Álvaro; MINEIRO, Adhemar. Observações sobre o leilão do
campo de Libra. Disponível em: <http://www.brasildefato.com.br/node/26356>
Acesso em: 10 de jan. 2014.
CARONE, Edgard. O P.C.B. (1943 - 1964). São Paulo: DIFEL. 1982
COHN, Gabriel. Petróleo e nacionalismo. São Paulo: Versão europeia do
livro, 1968.
79
DIAS, Luciano; QUAGLINO, Maria. Uma história da Petrobrás. Rio de
Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 1994.
FELIPE, Ednilson Silva. Mudanças institucionais e estratégias empresariais: A trajetória e o crescimento da Petrobrás a partir da sua atuação
no novo ambiente competitivo. (1997-2010). Disponível em:
<http://www.gee.ie.ufrj.br/arquivos/publicacoes/TESES_E_DISSERTACOES/E
DNILSON_DOUTORADO.pdf> Acesso em: 10 de jan. 2014.
GRAMSCI, Antônio. Os intelectuais e a organização da cultura. 3. ed. São
Paulo: Civilização Brasileira, 1979.
MACHADO, V. O. Um parlamentar comunista: a atuação de Antônio Granja na câmara de Cariacica - ES (1948-1950) Trabalho apresentado na II Jornada
de estudos do Lehpi, realizado em Vitória, Ufes, 2014.
MARTINUZZO, José A. (Org.) Impressões capixabas: 165 anos de jornalismo
no Espírito Santo. Vitória: Departamento de Imprensa Oficial do Espírito Santo,
2005.
PEREIRA, André R. V. V. Espremeram tudo! Modernidade e tradição na
memória de um ex-funcionário da Companhia Vale do Rio Doce. História Oral,
v. 16, n. 1, jan-jun, 2013. p. 209-233.
. Conflito de discursos na greve de 1948 na Companhia Vale do Rio Doce. In: CAMPOS, A. P.; VIANNA, K. S. S; MOTTA, K. S. da; LAGO, R.
D.. (Org.). Memórias, traumas e rupturas. 1ed.Vitória (ES): LHPL/UFES, 2013,
v. , p. 1-15.
PITTOL, Marlon Oliveira. O Partido Comunista do Brasil na Câmara Municipal de Vitória: leituras e propostas. Trabalho apresentado na II Jornada de
Estudos do Lehpi, realizada em Vitória, Ufes, 2014.
PRZEWORSKI, Adam. Capitalismo e Social-Democracia. São Paulo:
Companhia das letras, 1989.
80
Quaino, Lilian. Potencial do campo de Libra é 'singular, inimaginável', diz ANP. Disponível em:
<http://g1.globo.com/economia/negocios/noticia/2013/05/potencial-do-campo-
de-libra-e-singular-inimaginavel-diz-anp.html> Acesso em: 10 de janeiro. 2014.
Redação do Portal Vermelho. Senadora comemora os resultados do leilão do Campo de Libra. Disponível em:
<http://www.vermelho.org.br/tvvermelho/noticia.php?id_noticia=227432&id_sec
ao=29>Acesso em: 10 de jan. 2014.
SEABRA, Alessandra Aloise de; FREITAS, Gilberto Passos de; POLETTE Marcus;
CASILLAS T. Ángel Del Valls A promissora província petrolífera do pré sal.
Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1808-
24322011000100004&lang=pt> Acesso em: 10 de jan. 2014.
RIBEIRO. Luís Cláudio Moisés. Excelsos destinos. Vitória: Edufes, 2010.
SKIDMORE, Thomas. Brasil: De Getúlio a Castelo. 8. ed. Rio de Janeiro: Paz
e Terra, 1982.
SILVA, Marta Zorzal e. Espírito Santo: Estado, interesse e poder. Vitória:
FCAA/UFES, 1995.
______. A Vale do Rio Doce na estratégia do desenvolvimento brasileiro.
Vitória: EDUFES, 2004.
SMITH, Peter Seaborn. Petróleo e política no Brasil moderno. Brasília:
Artenova, 1974.
THOMPSON, Edward Palmer. A formação da classe operária inglesa. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1987.
THOMPSON, Paul. Vozes do passado. Rio de Janeiro: Paz e terra, 1992.
VALOR ECONÔMICO. Eike admite fracasso na tentativa de salvar a OGX. http://tnpetroleo.com.br/noticia/eike-admite-fracasso-na-tentativa-de-salvar-a-ogx/> Acesso
em: 10 de jan. 2014.
Fontes primárias
81
Jornal A Gazeta de 1947-48. Coluna a ordem do dia e matérias sobre o
Petróleo.
Entrevista realizada com Setembrino Pelissari, no dia 18 de fevereiro de 2014.
Anexo:
Entrevista, dia 18 de fevereiro de 2014.
D: Entrevista com Setembrino Pelissari, dia 18 de fevereiro de 2014. Senhor
Setembrino, como é que começou a campanha do petróleo aqui no Espírito
Santo? O senhor participou dessa história?
S: A campanha do petróleo, cuja denominação foi “O petróleo é nosso”,
começou aqui em Vitória, no ano de 1948, e ela foi iniciada em razão de um
relatório de um cientista americano, relatório Link, que a gente chamava na
época, que dizia que aqui não havia petróleo, e no entanto a gente sabia que
no recôncavo baiano já tinha sido descoberto o petróleo, e sobre o assunto, o
grande escritor brasileiro... Monteiro Lobato... que escreveu um livro,
exatamente sobre o petróleo.
A campanha surgiu por que nós queríamos preservar as nossas jazidas, nossa
riqueza do subsolo, o petróleo, independente da interferência de outros países.
Aí se lançou a Campanha do petróleo é nosso no Brasil. Ela chegou no Espírito
Santo através de lideranças políticas da época, principalmente as lideranças
esquerdistas, filiadas ao partido comunistas do Brasil, que na época estava na
legalidade. E essa campanha realmente empolgou principalmente a mocidade,
os estudantes, e eu era estudante universitário... estudante de curso
secundário e depois estudante universitário. E começamos a fazer então um
movimento público em relação a campanha. O petróleo é nosso. Eu participei
não como diretor, eu não fui diretor das entidades que foram fundadas para
organizar e dirigir essa campanha, entidades que foram criadas para organizar
essas ações e manifestações públicas. Eu apenas participei das manifestações
públicas. No meio estudantil, e também no meio político. E em que que
importava essa nossa atividade? Importava em fazer comícios, em fazer
82
palestras, em fazer reuniões. Os comícios nós fazíamos aqui na praça Oito,
nos bairros de Vitória. E no interior nós eram feitos os comícios, nas principais
capitais, nos municípios, nas sedes municipais. Dessa atividade pública, dessa
atividade externa, participavam na época, dirigentes e líderes do partido
comunista, como o doutor Érico Neves, como o doutor Valdemar Neves,
Valdemar Neves era um professor de nível secundário do colégio estadual, que
foi meu professor. O doutor Aldemar Neves, o irmão dele, que era médico, era
um dos dirigentes também, do partido comunista, uma das lideranças. Nós
tínhamos o deputado Benjamim Campos, deputado estadual. Tinham os
vereadores Hermógenes Lima da Fonseca, que era um dos dirigentes do
partido comunista. Enfim, todas essas lideranças, e outras lideranças, de
outros partidos, de outras agremiações políticas, participavam da campanha.
Eu por exemplo, tinha nos comícios aqui em Vitória, e sempre com a
participação do coronel Pedro Maia de Carvalho. Era um coronel da polícia
militar, que chegou a ser comandante da polícia militar do doutro Lacerda de
Aguiar, Doutor Chiquinho.
D: Filiado a que partido?
S: O coronel Pedro Maia? Não, ele não era filiado a partido não. Ele era um
coronel da ativa, mas ele participava dessa campanha, que eu me lembro bem,
que era uma pessoa que não tinha ligação partidária, que era o coronel Pedro
Maia de Carvalho, que falava com muito entusiasmo nos comícios. Eu
participei justamente com todas essas lideranças, e lideranças comunistas.
Inclusive eu não era comunistas, nunca fui comunistas, nunca tive simpatia
pela doutrina comunista, pelo comunismo pregado pelo Lênin, pelo Stálin. Eu
nunca achei que esse partido fosse um partido bom para o Brasil, por que não
era um partido democrático, era um partido que defendia a ditadura existente
na Rússia. Mas ideias que eles defendiam, coincidiam com aquilo que eu
pensava também. Então nada impedia que eu participasse também, fazendo
essa campanha. Isso aqui é que se deu. Nós tivemos também a participação
do professor Geraldo Costa Alves... foi um dos líderes, digamos assim, na área
cultural dessa campanha. Ele era um professor, um escritor, um escritor de
renome... poeta. E outras presenças nós tivemos nessa campanha, até que foi
encaminhado para o Congresso, pelo presidente Vargas, o Estatuto criando, a
83
lei criando a Petrobrás, que por sinal, o primeiro presidente dela foi um
udenista, o Juracy Magalhães, Foi o primeiro presidente, e foi quem instaurou,
foi quem instalou a Petrobrás.
D: Mas deixa eu fazer uma pergunta para o senhor. O senhor falou de várias
lideranças não é. E nesses comícios não tinha nenhum tipo de conflito?
S: Não! Que eu me lembre nunca houve conflito.
D: Entre os comunistas...
S: Não, não, O partido comunista inclusive, as lideranças comunistas eram
bem quistas, aqui em Vitória. Na época, pelas pessoas da sociedade inclusive.
D: Esses comícios, eles davam muita gente?
S: Dava. Sempre tinha bastante presentes.
D: Trabalhadores?
S: Trabalhadores, principalmente a classe mais humilde, os trabalhadores,
principalmente os sindicalizados
D: Muita gente sindicalizada?
S: Sim. Os sindicatos na época, sofriam um pressão, digamos assim,
ideológica do esquerdismo, da esquerda. É da natureza dessas agremiações, o
sentido de contestação, de esquerda. Hoje se diz esquerda, por que essa
expressão nasceu... Não sei se foi na Inglaterra... França... por que os que
apoiavam o governo sentavam na direita e a oposição à esquerda, por isso o
termo esquerdismo.
D: Então eram os trabalhadores sindicalizados que participavam. E esses
comícios era um trampolim político para esses esquerdistas, quanto para
outros políticos?
S: Sim. Eu por exemplo, nessa época não tinha possibilidade de aspirar a
cargos políticos. Eu não tinha recursos, era um estudante pobre. Trabalhava e
estudava a noite. Eu fiz o curso científico no estadual trabalhando e estudando
a noite. Trabalhava de oito horas da manha até as seis horas da tarde em um
84
escritório, numa exportadora de café, e a noite ia para o Colégio Estadual e
ficava até as onze horas da noite. Ia jantar, depois do colégio era média com
pão e manteiga, era na central, que era na praça Costa Pereira, nas lojas
Cândido, que hoje é ...não sei o que...
Não tinha condições de... apena fomos candidatos aquela vez, a primeira vez
pelo PSB. Foi idealismo mesmo. Era estudante, professor... Tinha o Eugênio
Sette, que não era professor, mas era um advogado de renome, o jornalista, o
Darly Santos, Alvino Gatti. Foi por idealismo, mas não era um negócio que
tinha condição de eleger, falta de recurso e também falta de conhecimento, no
estado e no próprio município.
D: Senhor Setembrino, o senhor estava no secundário então quando começou
essa campanha. Mas essa campanha também teve a participação de membros
da academia dos novos?
S: Sim! Eu era. Eu fui um dos fundadores.
D: E quem mais da academia da academia dos novos que estava participando?
S: Eu não me lembro, não especificamente.
D: Mas o senhor, já naquela época era membro da academia dos novos.
S: Sim, era da academia dos novos, um dos fundadores. Teve até um livro, não
sei você leu, do desembargador... Rômulo Salles de Sá, era do tribunal,
desembargador aposentado, foi um dos fundadores da academia dos novos...
lançou um livro agora, no ano passado, sobre a História da Academia capixaba
dos novos, onde conta então toda a História do surgimento da academia até
esla ser extinta e incorporada a Academia Espirito Santense de Letras.
Interessante na época, que jovens como nós, estudantes, todo sábado a tarde
nos reuníamos , ali onde era o Banco do Espírito Santo, que era rural Bank na
época, que era a sede da Academia espírito Santense de letras, E nos
reuníamos ali, as três horas da tarde, e íamos lá para nos reunir e discutir
literatura, para ver poesia, para ver soneto, para discutir questões literárias. A
mocidade naquela época, ao invés de se reunir para fumar crack ou para
85
consumir drogas ou para atividades não literárias, se reunia para isso. Todo
sábado, as três horas da tarde.
D: Só debates literários, nada envolvido com a política?
S: Não, tem partidária não. Ali, eu era por exemplo adversário do governo na
época, eu como jornalista comecei, escrevendo para oposição ao governo, mas
tinha por exemplo, membro da academia que era membro do governo, mas ali
não se tratava de política, era só mesmo a política literária digamos assim. E
tínhamos excelentes escritores. Me lembro bem do livro lançado pelo Walmir
Magalhães, que tinha sido expedicionário, foi tenente expedicionário, e ele
escreveu um livro famoso na época: Sangue, amor e neve. Contando então,
toda a participação dele campanha militar, da força expedicionária.
Nós tínhamos, por exemplo, o escritor sueco, de primeira linha, que eu
considero, Antenor de Carvalho... ele era secretário particular do governador do
Estado, do qual eu era adversário politicamente. Era excelente sonetista, um
poeta. Tínhamos o Orlando Cariello, também era outro sonetista. Nesse livro
da História da academia, lá tem uns dois sonetos dele. Um escreveu um soneto
A Cigarra e outro escreveu A fumaça, como uma espécie de resposta. Esses
dois sonetos eu considero excelentes sonetos, principalmente A Fumaça de
Antenor de Carvalho. O Antenor de Carvalho, que em resposta A Cigarra do
Cariello.
D: então as pessoas que estavam ali era para fazer debates literários.
S: Era. A Academia promovia as atividades de natureza cultural. Nos
trouxemos aqui na época, para fazer um recital, Margarida Rosa de Almeida,
que era a maior declamadora, de renome nacional.
D: Eram eventos abertos?
S: Abertos, abertos. Era a Academia que promovia isso. Nós tínhamos aqui por
exemplo, em Vitória, uma declamadora excelente, que está viva até hoje. Maria
Filina Salles de Sá, que é irmã desse desembargador que escreveu esse livro
da História da academia. E se promovia isso aqui.. tertúlias literárias, encontros
literários.
86
D: Senhor Setembrino, o senhor falou que começou a escrever no jornal contra
o governo, na oposição ao governo. Quando o senhor ainda estava no
secundário, o senhor escreveu no jornal A gazeta. Como é que o senhor
conseguiu ter esses espaços no jornal?
S: Olha... A Gazeta era da UDN. Eu fazia oposição, e tive a possibilidade de
escrever.
D: Também por o senhor fazer parte da academia dos novos?
S: Também, também. Por que depois A Gazeta foi vendida para o PSD, para o
Carlos Lindenberg. Quando foi vendida para o PSD, eu saí de A Gazeta e fui
para A Tribuna, por que A Tribuna era o jornal da oposição.
Eu só fui para o governo por conquista, nunca por adesão. Nós ganhamos a
eleição em 1954, com o Chiquinho, aí eu fui ser governo. Quando nos
perdemos a eleição lá para um ano depois, eu voltei para a oposição, quatro
anos depois, eu ganhei a eleição, voltei para o governo de novo. Aí como
deputado estadual e prefeito. Eu sempre tive essa natureza, de não me
adaptar, a me acomodar ao interesse. Quando ganhamos eu fui ser governo,
conquistamos.
Inclusive na época, que eu fazia profissão em A Tribuna, eu tive uma oferta do
governo. Foram criadas umas vagas para trabalhar no IBC na época, e me foi
oferecido um desses cargos. Cargos muito bons. Bom no sentido de me ajudar,
por que eu era estudante, vivia mesmo do meu emprego, meu pai lá na roça,
não tinha condições de me ajudar financeiramente, e eu recusei o emprego.
Não me pediram para deixar de ser opositor, mas se eu aceito o emprego
oferecido pelo adversário, o que significaria? Eu moralmente...primeira teria
fragilizado a minha conduta, ética e moral e depois que eu não podia criticar
quem tinha me dado emprego, eu não aceitei. Me foi oferecido por uma
senhora, esposa de um pessoa colocada no governo, secretário de estado, que
era amigo da minha mãe. Era lá do interior, daquela região lá. Aí me
ofereceram até num sentido maternal, para me ajudar, mas eu não podia
aceitar. Se eu aceitasse, eu perderia aquela situação de independência, e esse
foi o comportamento que eu trouxe pela vida a fora, até hoje.
87
D: Senhor Setembrino, o senhor escreveu em 1948, um artigo, Petróleo,
Comunismo e Incompreensão. O senhor falou que algumas pessoas estavam
chamando que não era comunista de comunista. Que História foi essa?
S: É isso. Por que a campanha era feita juntamente com comunistas, que
também faziam... os comunistas falavam, nós falávamos. As pessoas
entendiam que quem estava na campanha, era todo mundo comunista, e
realmente a campanha do petróleo tinha uma natureza de contestação ao
status quo, para não conceder a exploração do petróleo para empresas
estrangeiras, principalmente para americanos, que estavam interessados em...
O que hoje, hoje não... Eu achei um erro, por que se o Brasil na época, tivesse,
com as precauções necessárias, permitido que essas empresas que tinham
know how para explorar petróleo, viessem explorar petróleo no Brasil, esse
petróleo que até hoje não foi tirado, o Brasil já teria se tornado autossuficiente,
há muitos anos, como a Venezuela se tornou, e o que que aconteceu na
Venezuela? As empresas, americanas, inglesas, francesas... as maiores
empresas de exploração do petróleo, americanas e inglesas, eles foram lá,
descobriram o petróleo lá na Venezuela, e depois veio um governo e
nacionalizou as empresas, com o petróleo já todo descoberto, instalado o
mecanismo, de produção e extração, por que o petróleo tem a extração e a
produção. Eu acho que se a gente fizesse... mas na época, a gente não
entendia isso... a gente achava que ia entregar o petróleo aos estrangeiros. Na
realidade seria. Por que a exploração, os contratos seriam feitos e uma parte
ficaria para o país, e as companhias teriam a parte delas, mas a gente não
entendia isso, pelo menos eu achava que não devia, por que se não nós íamos
perder para essas empresas.
D: Senhor Setembrino, o senhor havia me dito que os comícios eram na Praça
Oito, em maioria, e tinha um político, e que esse artigo Petróleo, comunismo e
incompreensão era relacionado a um político também, que teria uma
desavença com o senhor, o senhor se lembra que me contou isso? Que ele
tomava um café lá na praça oito, e quando vocês estavam fazendo comício
ele... o senhor se lembra que tinha me dito?
S: Não...
88
D: Então, tinham comunistas, mas tinha comunistas entre os estudantes?
S: Sim! Eu tinha no colégio Estadual dois colegas filiados ao partido comunista:
Desiré Fegahli e Johré Fegali. O Desiré acho que ia ser advogado depois, e o
Johré era um grande matemático, O pai deles tinham um moinho de fubá na
rua General Osório. Eles devem ser... Essa Jandira Fegali, deputado no Rio,
deve ser neta de um deles, desses dois que foram meus colegas,
possivelmente. Não sei se são vivos até hoje, nunca mais tive contato.
D: O senhor Setembrino, o senhor fala de comícios, mas tiveram comícios
municipais, e um estadual.
S: Eu não fui a todos.
D: O senhor se lembra do maior evento relacionado a campanha do petróleo
em 48? Por que teve um Congresso estadual em Outubro, não é?
S: Teve.
D: Foram até lançados os delegados para o Congresso nacional. O senhor se
recorda?
S: Eu não participei.
D: Mas teve uma agitação entre os estudantes.
S: Sim! Uma situação. Em Cachoeiro.
D: O senhor ficava mais aqui?
S: Ficava aqui.
D: E os comício eram em quais lugares?
S: Aqui em Vitória era aqui na praça, nos bairros. Na época, Maruípe, Santo
Antônio, principalmente Maruípe e Santo Antônio, que eram os bairros mais
expressivos. Ainda não tinha Camburi, não tinha Mata da Praia. Os bairros
conhecidos eram, Maruípe e Santo Antônio. Aquela região depois de Santo
Antônio, ali não tinha nada, só tinha mangue. Depois invadiram ali, permitiram
89
que destruíssem ali, absurdo. Por que ali era uma área para preservação
ambiental. Você passa ali em Santo Antônio e está tudo ocupado.
D: O senhor Setembrino, então quer dizer que nesses bairros, esses comícios
eram importantes para o político ser conhecido?
S: Para conscientizar a população, sobre a defesa do Petróleo é nosso.
D: Era um ponto de visibilidade e também de conscientização.
S: Seguramente.
D: Independente da ideologia.
S: Sim. Mas é claro, que outros políticos, que eram políticos também, se
aproveitavam dessas ações para aparecer.
D: O senhor disse que trabalhou no escritório de Eurico Rezende, e foi nessa
época né?
S: Foi.
D: E ele era filiado a UDN. E qual a postura dele?
S: Ele, apesar de ser da UDN, ter uma formação democrática, tinha uma
tendência a esquerda, como estudante ele bem para a esquerda.
D: Ele foi advogado de Benjamim Campos.
S: Foi!
D: Tinha ligação com os comunistas.
S: Tinha. Era o mais novo de renome, na época um dos grandes advogados
criminais era ele. Foi meu professor, foi paraninfo da minha turma, de direito. O
Clóvis Stendhal, o gaúcho que veio para cá, e se elegeu deputado estadual,
também um grande criminalista.
D: O senhor se lembra das lideranças? O Granja. Ele era bem quisto. Qual era
o papel dele?
S: Ele era um dos coordenadores.
90
D: E o Hermógenes da Fonseca?
S: Hérmogenes também, o doutor Érico Neves. Tinham outros do PCB...
Clementino Santiago. Ele tinha uma oficina aqui na rua Treze de Maio... Vinte e
três de Maio. Na época, na oficina, enrolava dínamo de motor. Sabe o que é
enrolar um dínamo de motor? Os carros geravam energia através de um
dínamo. Ele foi candidato a senador.
Tinha um motorista de taxi, Darcy Xavier. Era um dos elementos que era filiado
ao partido. Eles tinham um jornal, A Folha Capixaba.
D: Eles organizavam e vocês participavam.
S: Tinham outros, mas maioria parecia ser.
D: O senhor falou do Geraldo Alves, que foi eleito presidente da comissão
executiva, do Centro Espírito-Santense de Defesa do petróleo.
S: Ele era escritor.
D: Ele era filiado a algum partido.
S: Não, ele era um literato.
D: Algum motivo especial para ele se engajar nessa campanha.
S: A defesa do petróleo.
D: A sede provisória do centro, foi a rua Cerqueira Lima. Tinha alguma razão
especial para ser nessa rua?
S: É uma subida, ali onde tem aquela casa antiga. Um palacete, você conhece
ali? Ela era uma rua, que não tinha trânsito para cá e para lá, quando eu fui
prefeito e que abri a rua, para poder transitar e dar uma opção de acesso, para
a cidade alta, por que tinha fechado o acesso pela Duque de Caxias. Aí ficou
como opção de acesso a cidade alta.
Aí essa casa, aonde funcionou a sede, nós tínhamos ali, estudantes
universitários, nós criamos um grupo para lutar pela reabertura da Faculdade
de Farmácia e Odontologia do Espírito Santo, que fora fechada. Nós fizemos
91
então... Eu fui presidente dessa campanha, para a reabertura da Faculdade de
Farmácia e Odontologia. E nós nos juntamos nessa mesma sede, onde tinha
sido a sede do petróleo. A nossa sede para organizar a campanha, com um
alto falante voltado para a rua, e conseguimos através da Constituição de 47 a
reabertura. A redemocratização foi em 45, a Constituição Federal em 46 e a
Estadual em 47. Foi eleita pelo partido comunista. Nós conseguimos, através
de uma emenda constitucional. A Faculdade de Farmácia e Odontologia que
depois passou a fazer parte da Universidade. Ela foi reaberta com uma
emenda constitucional. (riso). Foi uma das disposições constitucionais
provisórias, e ela foi reaberta e funcionou por uns três anos, até que foi
incorporada a Universidade. Essa campanha fomos nós estudantes que
fizemos também, participamos também da comissão. Nessa campanha eu fui
presidente da comissão, tinha o Luiz Carlos Correia, que depois foi deputado,
tinha o José Reis, que era um funcionário [inaudível], nunca mais ouvi falar de
José Reis... Enfim, um grupo de estudantes fazendo essa campanha.
D: Isso na rua Cerqueira Lima, que era sede. Mas essa rua Cerqueira Lima, era
um rua que tinha algumas sedes de sindicatos. O dos comerciários foi o
primeiro a ser sede do Centro Espírito-Santense de Defesa do petróleo. Tinha
alguma ligação entre os sindicatos e essa movimentação do petróleo e até a
reabertura da Faculdade.
S: Sim, sim. Eles participavam... Eles apoiavam.
D: Não só a base como também...
S: Sim!
D: E qual desses sindicatos o senhor via como o mais ativo?
S: A construção civil! O sindicato dos comerciários também. Estivadores. O
mais ativo sempre foi o da construção civil.
D: E essas diretorias tinham elementos comunistas?
S: Tinha, mas nem todos.
92
D: O Dutra sancionou uma lei naquela época, que ele comprou duas refinarias,
e fez a concessão para privados. Como é que vocês receberam aquela notícia,
naquela época?
S: Contra. O nosso pensamento era totalmente contra.
D: Qualquer iniciativa, mesmo que fosse nacional...
S: É. Ele concedeu para iniciativa particular.
D: E vocês queriam...
S: Nós queríamos que o petróleo fosse nacional. Desde a extração até o refino.
D: O senhor falou da construção civil, na nota de encerramento do Congresso,
tinha o nome de Jayme Barros, o senhor lembra?
S: Lembro, lembro. Por nome eu lembro. Ele era uma liderança sindical.
D: Filiado a algum partido?
S: Não me lembro.
D: Eu já te perguntei se tinha conflito, o senhor disse que não tinha.
S: Não!
D: Em um discurso no jornal A Gazeta, do Geraldo Costa, ele fala de alguns
estudantes estrangeiros que eram de Domingos Martins. O senhor se lembra.
S: Não lembro.
D: O senhor ficava mais circunscrito aqui.
S: É.
D: Também citou a necessidade do petróleo para o maquinário no campo.
Naquela época tinha a entrada de maquinário para o campo, para ele citar? Ele
citou com um peso de importância.
S: Não, não...
D: Então voltando à figura de Monteiro Lobato...
93
S: Sim. Monteiro Lobato era a figura referência da campanha. Ele e aquele
general... Horta Barbosa.
D: Juarez Távora, vocês....
S: Juarez também era nacionalista.
D: Só que ele defendia uma tese diferente.
S: Diferente. A do Horta Barbosa era nossa linha... a que queria que o petróleo
fosse nosso! Só nosso.
D: E no clube militar, no Rio de Janeiro, que tinha até um jornal. Como é que
chegavam as teses do Juarez, os debates, do Juarez e do Horta Barbosa, o
senhor lembra?
S: Pela imprensa. Televisão naquela época quase não existia.
D: Senhor Setembrino, esse estatuto do petróleo, de 1948, foi arquivado em
49, o senhor se lembra?
S: Não.
D: Ele ficou de lado... Passou pela Câmara dos deputados, o senhor se lembra,
como receberam, se acalmou o movimento do petróleo naquele momento?
S: Não, não lembro não. Ele foi mandado para o Congresso.
D: Só que ele acabou sendo derrotado.
S: Derrotado. Exatamente essas forças da campanha do Petróleo é nosso,
comunista e não comunista, que não permitiu a aprovação do estatuto do
petróleo. Era para impossibilitar a participação de empresas estrangeiras na
exploração do petróleo, a extração.
D: Senhor Setembrino, avançando na cronologia, em 1950 o senhor se
candidatou pelo PSB, e sobre financiamento...
S: Não, não... Nós fizemos naquela época... Era por cédula... Nós fizemos aí
muito sacrifício, e um papel com a relação dos candidatos , não sei se eram
quinze ou dezesseis candidatos... eu tenho um papel desse guardados lá em
94
casa, um dia ainda acho ele, que tinha a relação dos candidatos. Tivemos
Eugênio Sette, Darly Santos, Zeny Santos, que era um escritor.
O partido socialista que nasceu de uma ruptura do João Mangabeira com UDN,
que Otávio Mangabeira considerado o líder da UDN e o João Mangabeira
irmão dele, e o João Mangabeira discordou de alguma linha da UDN, e fundou
o PSB, que era... Muitos udenistas ficaram no PSB.
D: O Eurico se candidatou pela UDN.
S: Pela UDN. O Eurico se elegeu como grande deputado estadual da
assembleia, e depois ele se elegeu senador. Foi líder do Geisel e veio a ser
governador.
D: Na ditadura ele quase veio a ser governador. Antes de ele ser governador,
na década de setenta, que ele quase foi governador, mas outra pessoa que foi
escolhida. O senhor se lembra dessa situação?
S: Em sessenta e seis, sessenta e sete...
D: É.
S: Era o Cristiano...
D: Isso, era o Cristiano Dias Lopes ou o Eurico.
S: Não. Era o Cristiano, o Jeferson de Aguiar, ou Gilberto, pela Arena.
D: Eurico Rezende não.
S: Não concorreu. Ele foi escolhido na assembleia. Nós que escolhemos, a
Arena. O Cristiano foi o mais votado, o Jeferson em segundo e Gilberto em
terceiro.
S: Foi feito então um entendimento, pois já que o antigo PSD dado um
governador, o PSP daria o Vice, que foi Isaac Rubim, irmão de Floriano Rubim,
e a prefeitura ocupada por um ex-udenista, nomeado prefeito.
D: No governo Vargas, tinha uma grave crise do petróleo. Depois do
arquivamento do estatuto, e o Vargas foi eleito, em 1951 e em uma grave crise,
95
tanto que ele iniciou a criação da Petrobrás. O senhor lembra dessa crise do
petróleo?
S: Ele fez exatamente para evitar, que essas empresas estrangeiras, e que
vinham sempre. A intenção delas era... Sabiam, que havia petróleo aqui.
Sabiam! Pré-sal, e isso tudo o que descobriram, eles já sabiam disso. Tinham
tecnologia. Nós não temos até hoje. Mas então, a criação da Petrobrás foi um
resultado mais retardado, dessa campanha do petróleo. A Petrobrás nasceu da
campanha nacional. Foi ela que levou a criação da Petrobrás.
D: Então a reação com o anteprojeto para criação da Petrobrás foi positivo por
parte...
S: Foi positivo, dentro do espírito de ter uma empresa brasileira. Se bem que
essa empresa brasileira ia precisar da tecnologia de outras empresas.
D: E sobre a repressão? Em São Paulo, depois que o governo Vargas e o
projeto da Petrobrás, houve muitas campanhas em defesa do petróleo, por que
nem todo o mundo concordou. E aqui no Espírito Santo?
S: Não, não.
D: Não houve repressão?
S: Não.
D: Por que houve em 1948 militares que participaram e sofriam repressão. Mas
em São Paulo, aqui no Espírito Santo...
S: Não, não.
D: Vocês acompanharam os debates que estavam acontecendo no
Congresso?
S: Sim, pela imprensa. A televisão era precária. Rádio e televisão.
D: Senhor Setembrino, no Rio de Janeiro e São Paulo, associações comerciais
mandavam para o Congresso, cartas pela liberalização. Aqui no Espírito Santo
o senhor sabe de alguma carta?
96
S: Não, não.
D: O senhor considera que a campanha O petróleo é nosso, no Espírito Santo,
foi bem sucedida?
S: Foi. Bem sucedida. O Espírito Santo deu a contribuição para a campanha
nacional. Foi bem sucedida, até por que não houve repressão alguma. Houve
franca liberdade e participação de todas as correntes políticas e ideológicas.
D: O senhor aponta algum erro da organização das ações?
S: Não. A única coisa que eu acho, que se nós tivéssemos permitido a
exploração do petróleo por empresas estrangeiras, mas seriam naturalmente
através de convênios, contratos, nós teríamos a produção de petróleo a muitos
anos. O Brasil teria se tornado autossuficiente e nacionalizado a empresa,
como se fez aí na Central Brasileira. Nacionalizaram lá no Rio Grande do Sul, o
governador... Leonel Brizzola, e nacionalizou.
D: O comunismo naquela época tinha, uma campanha contra o comunismo, e
eu queria que o senhor dissesse sobre a representação que vocês tinham do
comunismo.
S: O comunismo é, no meu entender, a concepção de Lênin. Marx e Engels
não estabeleceram o comunismo, estabeleceram a luta do Capital e do
Trabalho, esse choque entre o Capital e o Trabalho, no sentido de defender o
trabalhador, mas hoje está provado que sem Capital não há Trabalho. Para ter
Trabalho tem que haver Capital, e essa igualação de todas as pessoas, para
ninguém ter nada e todo ser de todo mundo, não deu certo não. Se tivesse
dado certo, não teria se esboroado. Toda a doutrina, toda a ideologia de
natureza ditatorial, como comunismo... Ele só vicejou enquanto foi mantendo a
ditadura, o poder na mão de um grupo, como o exército, uma minoria que
emplacou essa ditadura terrível, na época de Stálin.
D: Mas esses indivíduos comunistas aqui no Espírito Santo, essa
representação era a mesma, ou era outra coisa?
S: A ideologia era a mesma. Se o comunismo fosse implantado no Brasil como
foi na Rússia, teria sido uma ditadura pior do que essa de 1964.
97
D: Senhor Setembrino, tem alguma consideração a fazer sobre esse
movimento?
S: Eu acho que assim como naquela época... hoje eu acho que falta a classe
estudantil, no sentido de idealismo na pregação de questões nacionais. Os
estudantes, eles partem mais para contestação, no sentido de estabelecer um
confronto de natureza material. Nem todos os estudantes, mas esses na
época...eu por exemplo, fui vice presidente da Une, e participei do movimento,
mas todos eles, eram no sentido de construir, no sentido de alcançar novas
conquistas, e não no sentido de paralisar as coisas. Eu acho por exemplo,
muito ruim, esse movimento, não só de estudantes como transtornar o transito,
impedir o movimento da cidade. Isso ao invés de ajudar, atrapalha o país. Todo
instante que você obriga o comércio a fechar suas portas, para evitar o saque,
evitar a depredação, você está impedindo que a economia se desenvolva e
produza resultados para o país.
Eu acho que na minha época, na época dos estudantes, tinha mais idealismo
no sentido da defesa das questões de interesse nacional. Não havia infiltração
partidária no movimento estudantil, o que hoje... Eu sei que na Une, eu sai em
53, eu me formei em 54, era vice presidente, eu acho... o partido comunista
ganhou a direção, e até hoje... para você ver... cadê a Une, agora do governo
do PT?! Por que o Lula foi eleito presidente, e você ouviu alguma
movimentação de natureza nacional, de defesa dos interesses nacionais? Por
que? Por que eles se politizaram, são esquerda, como nós fomos na época
também. Nós fomos não da esquerda comunista, nós éramos da esquerda, no
sentido de contestação, no sentido de tentar melhorar qualidade de vida.
O Lula de 30 Milhões, para construir a sede. Eu não sei se construíram sede
alguma não. E cadê o movimento da UNE em defesa dos interesses nacionais?
O movimento deles é em favor dos interesses do PT.
D: No seu tempo então...
S: Não tinha vinculação partidária. Eu lembro, que nós fizemos uma greve, e o
Ministro da Educação era Simões Filho, no Governo de Getúlio, e não me
lembro por que nós fizemos a greve, era uma reivindicação no sentido de
98
interesse do ensino universitário. Era política universitária, era política dos
interesses dos estudantes! Melhoria do ensino. E nós queríamos uma
entrevista com ele, para a reivindicação. Eu lembro que ele nos recebeu, no
Ministério da Educação, aquele edifício do Niemeyer, uma das primeiras obras
do Niemeyer. Nós fomos recebidos, para reivindicar... Aí ele disse: “No meu
dicionário não existe a palavra reivindicar”. Aí: “Ah não, então amanhã é greve”.
E no dia seguinte fizemos a greve nacional.
D: Isso no ano de...
S: 52. No dia seguinte nós fizemos a greve. Tava tudo programado. Era um
reivindicação justa, dentro do interesse universitário. Aí com a greve, em um
instante ele colocou a palavra reivindicação no dicionário dele. (risos) Ali o
bonde passava, na praia do Flamengo, prédio 32 atrás do Flamengo, onde
tinha o clube Germânico, na época da guerra, que era dos germânicos e o
governo tomou prédio e deu par a UNE.
O bonde passava em frente a praia do Flamengo, aí nós estudantes ficamos
todos deitados no trilho do bonde: “Aqui não passa ninguém” (risos) “O bonde
não passa não”.
Eu sei que em um instante o Ministro incluiu a palavra reivindicação ao
dicionário dele. Em 1952, mais tarde, nós fomos recebidos pelo Getúlio, a
diretoria toda tem um fotografia com ele. O interessante é que o segurança de
Getúlio, já ouviu falar no Gregório, um nego forte! Grandão! Até pentear o
cabelo de Getúlio ele penteava. (risos) Nós fomos conversar com Getúlio, os
estudantes, o presidente era Luis Carlos Guel, foi eleito presidente... Nós
estávamos conversando bem, mas aí o Gregório, estava com a porta
entreaberta, aí via a cara do Gregório ali vigiando. Eu tenho essa fotografia.
Foi ele que armou o assassinato de Carlos Lacerda. Foi a segurança dele, que
tentou matar Carlos Lacerda, que matou o outro. Era para matar o Carlos
Lacerda, mas foi o tenente da aeronáutica, que acompanhava ele nos comícios
que ele ia fazer, acertaram ele.
D: O senhor falou em ligação partidária. A Petrobrás, o senhor já me falou que
antes era diferente de hoje, que antes ela não era usada por partido.
99
S: Hoje com certeza, é um meio de botar político.
D: e antes não era assim?
S: Podia até ser, mas era gente qualificada. Por que as ações da Petrobrás
estão lá em baixo? As melhores ações eram da Petrobrás, da Vale e Banco do
Brasil. A da Vale continua bem, por que foi privatizada. A Petrobrás...
Meu filho tinha um dinheirinho e quis comprar umas ações. Aí eu disse “Meu
filho, não compra ação não, por quem ganha dinheiro com ação é rico”. Você
compra um grande volume e amanhã vende.., Você aí com dez mil reais não
vai... Comprou e nunca mais... (riso)
É por que a ação da Petrobrás tava lá em cima.
100