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Benson, Hugh h. Platão

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Benson, Hugh h. Platão

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  • HUGH H. BENSON

    e colaboradores

    Plato

    Traduo: Vera Porto Carrero

    Introduo: Traduzida por Antonio Carlos Maia

  • 1. Edio brasileira 1993 Copyright The University of Chicago Chicago, Il, U.S.A.

    CiP-Brasil, Catalogao na fonte Sindicato Nacional dos Editores de Livros, RJ.

    D837m Dreyfus, Hubert L. Michel Foucault, uma trajetria filosfica; (para alm do estruturalismo e da hermenutica)/ Hubert Dreyfus, Paul Rabinow; traduo de Vera Porto Carreto. Rio de Janeiro; Forense Universitria, 1995. Traduo de: Michel Foucault beyond structuralism and hermeneutcs ISBN 85-218-0158-0 l. Foucault, Michel, 1926-1984. 2. Filosofia francesa. I. Rabirow, Paul. II. Ttulo. II. Srie

    95-1445 CDD194 CDU 1(44)

    Proibida a reproduo total ou parcial, bem como a reproduo de apostilas a partir

    deste livro, de qualquer forma ou por qualquer meio eletrnico ou mecnico, inclusive atravs de processos xerogrficos, de fotocpias e de gravao, sem permisso do Editor (Lei no. 5.988 de 14.12.73).

    Capa: Blitz Design Editorao Eletrnica: Delta Line

    Reservados os direitos de propriedade desta edio pela

    EDITORA FORENSE UNIVERSITRIA Rua S Freire, 25 20930-430 Rio de Janeiro RJ Tel.: (021) 580-0770

    Largo de So Francisco,20 01005-010 So Paulo SP Tel.: (011) 604-2005

    Impresso no Brasil Printed in Brazil

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    Autores

    HUGH H. BENSON (ORG.) Professor e Chefe do Departamento de Filosofia na Universidade de Oklahoma; foi Samuel Roberts Noble Presidential Professor de 2000 a 2004. E o editor de Ensaios sobre a Filosofia de Scrates (1992) e autor de Sabedoria Socrtico (2000), bem como de vrios artigos sobre a filosofia de Scrates, Plato e Aristteles.

    A. A. LONG Professor de Lnguas Clssicas e Irving Stone Professor de Literatura na Universidade da Califrnia, Berkeley. Suas obras mais recentes incluem Estudos Esticos (1996) e Epicteto: Um Guia Estico e Socrtico Vida (2002). Como editor e colaborador publicou O Guia de Cambridge Primeira Filosofia Grega (1999).

    C. D. C. REEVE Professor de Filosofia com distino Delta Kappa Epsilon na Universidade da Carolina do Norte em Chapei Hill. E autor de Confuses de Amor (2005) e Conhecimento Substancial: a Metafsica de Aristteles (2000). Seu livro Reis-Filsofos: O Argumento da Repblica de Plato ser reimpresso em 2006.

    CHARLES KAHN Professor de Filosofia da Universidade da Pennsylvania. E autor de Anaxlmenes e as Origens da Cosmologia Grega (1960), O Verbo 'Ser' em Grego Antigo (1973; reimpresso com nova introduo, 2003), A Arte e Pensamento de Herclito (1979), Plato e o Dilogo Socrtico (1996) e Pitgoras e os Pitagricos (2001).

    CHARLES M. YOUNG Professor de Filosofia da Universidade de Claremont. Autor de vrios artigos sobre Plato e Aristteles, est atualmente preparando uma monografia sobre virtude e virtudes em Aristteles, bem como trabalhando no mdulo sobre o livro V da tica Nicomaqueia de Aristteles dentro do Projeto Archelogos.

    CHRISTOPHER JANAWAY Professor de Filosofia na Universidade de Southampton. E autor de Imagens de Excelncia: A Crtica de Plato s Artes e publicou largamente na rea de esttica. Suas outras publicaes incluem Simesmo e Mundo na Filosofia de Schopenhauer (1989), Schopenhauer: Uma introduo Muito breve (2002) e Lendo Esttica e Filosofia da Arte (Blackwell, 2006).

    CHRISTOPHER ROWE Professor de Grego na Universidade de Durham. Obteve um Cargo Professoral de Pesquisa Pessoal do Fundo Leverhulme de 1999 a 2004 e foi coeditor da Phronesis (Leiden) de 1997 a 2003. E autor de comentrios a vrios dilogos de Plato e editou, com Malcolm Schofield, A Histria de Cambridge do Pensamento Poltico Grego e Romano (2000). Realizou a traduo de tica Nicomaqueia de Aristteles (que dever acompanhar um comentrio filosfico por Sarah Broadie, 2001), editou Novas Perspectivas sobre Plato com Julia Annas (2002) e, com Terry Penner, escreveu uma monografia sobre o Lsis de Plato (2005).

    CHRISTOPHER SHIELDS Membro Tutor da Lady Margaret Hall e Leitor Universitrio na Universidade de Oxford. E

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    autor de vrios livros, incluindo Ordem na Multiplicidade, Filosofia Clssica: Uma Introduo Contempornea (2003) e Aristteles (no prelo), bem como coautor, com Robert Pasnau, de A Filosofia de Thomas de Aquino (2003). Atuou como editor do Guia Blackwell Filosofia Antiga (Blackwell, 2003) e de O Manual de Oxford sobre Aristteles (no prelo).

    CYNTHIA FREELAND Professora e Chefe do Departamento de Filosofia na Universidade de Houston. Escreveu artigos sobre a filosofia antiga e editora de Interpretaes Feministas de Aristteles (1998). Sua rea de interesse tambm abrange esttica; seus livros incluem Filosofia e Filme (coeditado com Thomas Wartenberg, 1995), O Nueo Morto-Vivo: 0 Mal e a Atrao do Horror (1999) e Mas Arte? (2001).

    DANIEL DEVEREUX Professor de Filosofia na Universidade de Virgnia. E autor de artigos sobre a filosofia de Scrates, tica e metafsica de Plato, tica e teoria da substncia de Aristteles. Contribuiu com o captulo: Plato: Metafsica, para o Guia Blackwell Leitura da Filosofia Antiga (2003). Seu trabalho mais recente foca-se no desenvolvimento da tica de Plato.

    DAVI D KEYT Foi por muitos anos Professor de Filosofia na Universidade de Washington em Seattle. Tambm atuou como professor na Universidade de Cornell, na Universidade de Hong Kong, na Universidade de Princeton e nos campi de Los Angeles e de Irvine da Universidade da Califrnia, bem como atuou

    como pesquisador no Instituto de Pesquisa em Humanidades da Universidade de Wisconsin, no Centro para Estudos Helnicos em Washington (capital), no Instituto para Estudos Avanados em Princeton e no Centro de Filosofia e Poltica Social da Universidade Estadual de Bowling Green. E autor de Aristteles: Poltica Ve VI (1999) e coeditor, com Fred D. Miller Jr., do Guia Leitura da Poltica de Aristteles (Blackwell, 1991).

    DAVI D SEDLEY Professor Laurence de Filosofia Antiga na Universidade de Cambridge. E autor, com A. A. Long, de Filsofos Helensticos (1987), Lucrcio e a Transformao da Sabedoria Grega (1998), O Crtilo de Plato (2003) e A Maiutica do Platonismo: Texto e Subtexto no Teeteto de Plato, e editor de O Guia de Cambridge Filosofia Grega e Romana (2003). Ele foi Professor Sather na Universidade da Califrnia em Berkeley em 2004 e atualmente edita os Oxford Studies in Ancient Philosophy.

    DEBORAH K. W. MODRAK Professora de Filosofia na Universidade de Rochester. E autora de dois livros, A Teoria da Linguagem e do Significado de Aristteles (2001) e Aristteles: O Poder da Percepo (1987). Escreveu tambm numerosos artigos sobre temas da filosofia da mente, teorias de cognio e linguagem e epistemologia grega antiga.

    DEBRA NAILS Professora de Filosofia na Universidade Estadual de Michigan. E autora de A Gente de Plato: Uma Prosopografia de Plato e Outros Socrticos (2002), Agora, Academia e a Conduta da Filosofia (1995), bem como de

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    artigos sobre Scrates e Plato em vrias revistas e coletneas. Escreve tambm sobre Spinoza e mantm trabalho de investigao para o Comit de Defesa dos Direitos Profissionais dos Filsofos para a Associao Americana de Filosofia e para a Associao Americana de Professores Universitrios.

    FRED D. MILLER JR. Professor de Filosofia e Diretor Executivo do Centro de Filosofia e Poltica Social na Universidade Estadual de Bowling Green. E autor de Natureza, Justia e Direitos na Poltica de Aristteles (1995), coeditor, com David Keyt, do Guia Leitura da Poltica de Aristteles (Blackwell, 1991) e editor, em associao com Carrie-Ann Khan, de Uma Histria da Filosofia do Direito dos Gregos Antigos Escolstica (2006). Publicou muitos artigos sobre a filosofia antiga e sobre a filosofia moral e poltica. Foi Presidente da Sociedade de Filosofia Grega Antiga de 1998 at 2004.

    GARETH B. MATTHEWS Professor Emrito de Filosofia na Universidade de Massachusetts em Amherst. Ensinou anteriormente na Universidade da Virgnia e na Universidade de Minnesota. E autor de numerosos livros e artigos sobre filosofia antiga e medieval, incluindo Perplexidade Socrtica e a Natureza da Filosofia (1999) e Agostinho (Blackwell, 2005).

    GERASIMOS SANTAS Professor de Filosofia na Universidade da Califrnia em Irvine. E autor de Scrates; Filosofia nos Primeiros Dilogos de Plato (1979; edio grega; 1997; edio italiana: 2003), Plato e Freud: Duas Teorias do Amor (Blackwell, 1988; edio italiana: 1990), Bem

    e Justia: Plato, Aristteles e os Modernos (Blackwell, 2001; edio grega: 2006) e editor do Guia Blackwell Leitura da Repblica de Plato (Blackwell, 2006).

    MARK L. MCPHERRAN Professor de Filosofia na Universidade do Maine em Farmington. E autor de A Religio de Scrates (1996; ed. em brochura: 1999), editor de Sabedoria, Ignorncia e Virtude: Novos Ensaios nos Estudos Socrticos (1997), Reconhecimento, Recordao e Realidade: Novos Ensaios sobre a Epistemologia e Metafsica de Plato (1999) e numerosos artigos sobre Scrates, Plato e o ceticismo antigo.

    MARY LOUISE GILL Professora de Filosofia e Lnguas Clssicas na Universidade Brown. Ela autora de Mtodo e metafsica no Sofista e no Poltico de Plato na Enciclopdia Stanford de Filosofia (2205), Aristteles e a Substncia: O Paradoxo da Unidade (1989) e Plato: Parmmides introduo e cotraduo (1996). Ela coeditora do Guia Leitura da Filosofia Antiga (Blackwell, 2006).

    MARY MARGARET MCCABE Professora de Filosofia Antiga no Kings College de Londres. E autora de Plato e a Punio (1981), Indivduos em Plato (1994) e Plato e seus Predecessores: A Dramatizao da Razo. E tambm a editora geral da srie Estudos nos Dilogos de Plato da Editora Universitria de Cambridge. Nos anos 2005-8 foi membro pesquisadora principal do Fundo Leverhulme.

    MICHAEL FEREJOHN Professor Associado de Filosofia na

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    Universidade Duke. Foi professor visitante da Universidade de Pittsburgh e da Universidade de Tufts; foi membro da Faculdade de Mellon da Universidade de Harvard. Ferejohn o autor de As Origens da Cincia Aristotlica (1991), bem como de numerosos artigos sobre a primeira tica e metafsica platnicas, a metafsica, a epistemologia e a filosofia da cincia aristotlica. Atualmente, prepara um livro sobre o lugar da definio na epistemologia antiga.

    MICHAEL J. WHITE Professor de Filosofia e Direito na Universidade Estadual do Arizona. Seus livros incluem Agncia e Integralidade: Temas Filosficos nas Discusses Antigas sobre Determinismo e Responsabilidade (1985), O Contnuo e o Discreto: Teorias Fsicas Antigas em uma Perspectiva Contempornea (1992), Partidrio ou Neutro? (1997) e Filosofia Poltica: Uma Introduo Histrica (2003). Colaborou recentemente com o Guia de Cambridge de leitura dos Esticos (2003).

    NICHOLAS D. SMITH Professor James F. Miller de Humanidades, Chefe do Departamento de Filosofia e Diretor dos Estudos Clssicos na Faculdade Lewis e Clark em Portland, Oregon. Suas publicaes com Thomas C. Brickhouse incluem: Scrates no Julgamento (1989), O Scrates de Plato (1994), O Julgamento e Execuo de Scrates: Fontes e Controvrsias (2002) e O Manual Filosfico da Routledge sobre Plato e o Julgamento de Scrates (2004).

    NICHOLAS WHITE Professor de Filosofia e Professor de Lnguas Clssicas na Universidade da Califrnia em Irvine. Foi Professor de Filosofia nas

    Universidades de Michigan e Utah. E autor de Conhecimento e Realidade segundo Plato (1976), Um Guia Leitura da Repblica de Plato (1979) e Indivduo e Conflito na tica Grega (2002).

    R. M. DANCY Professor de Filosofia na Universidade Estadual da Flrida. E autor de Sentido e Contradio: Um Estudo em Aristteles (1975), Dois Estudos sobre a Primeira Academia (1991), Plato e a Introduo das Formas (2004) e editor de Kant e Crtica (1993).

    SARA AHBEL-RAPPE Professora Associada de Lnguas Clssicas na Universidade de Michigan. E autora de Lendo o Neoplatonismo (2000) e co-editora do Guia Blackwell Leitura de Scrates (Blackwell, 2006). SUSAN SAUV MEYER Obteve o ttulo de doutora em filosofia na Universidade de Cornell em 1987; ensinou na Universidade de Harvard antes de entrar na Faculdade de Filosofia da Universidade da Pennsylvania em 1994, onde agora Professora Associada. Seu trabalho atual tem por foco a tica grega e romana e est no momento finalizando um livro, tica Antiga.

    TERRY PENNER Professor Emrito de Filosofia e foi Professor Afiliado de Lnguas Clssicas na Universidade de Wisconsin Madison. Na primavera de 2005 foi Pesquisador Visitante A. G. Leventis de Grego na Universidade de Edinburgh. Escreveu numerosos artigos sobre Scrates, a psicologia da ao de Plato e sobre a teoria das formas de Plato, bem como o livro A Ascenso do Nominalismo (1987) e, com

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    Christopher Rowe, o livro Lsis de Plato (2005).

    THOMAS C. BRICKHOUSE Professor de Filosofia no Lynchburg College e co-autor (com N. D. Smith) de quatro livros e numerosos artigos sobre a filosofia de Scrates. Escreveu tambm sobre Plato e Aristteles.

    WILLIAM J. PRIOR Professor de Filosofia na Universidade de Santa Clara. Obteve seu ttulo de doutor na Universidade do Texas em Austin em 1975. E autor de Unidade e Desenvolvimento na Metafsica de Plato (1985) e Virtude e Conhecimento (1991), editor de Scrates: Avaliaes Crticas (4 volumes, 1996) e de numerosos artigos sobre filosofia grega. Est atualmente trabalhando sobre o problema socrtico e sobre a cosmologia grega.

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    Prefcio

    Os ensaios reunidos neste livro so guiados por quatro objetivos. Primeiro, esto dirigidos a temas da filosofia platnica antes que a dilogos platnicos particulares. O pressuposto desta obra que se aborda com proveito Plato ao se considerar de que forma posies defendidas em um dilogo podem ser comparadas e contrastadas a posies defendidas em outros dilogos. Cada autor teve a liberdade de pr em prtica este pressuposto como achava apropriado. Alguns preferiram concentrar-se primordialmente em um dilogo, observando de passagem como o tema tratado em outros dilogos (p. ex., N. White), enquanto outros autores preferiram pr um foco mais abrangente em seus ensaios (p. ex., McPherran). Contudo, um pressuposto comum a todos os ensaios que apropriado, e mesmo necessrio, perguntar-se se Plato trata o tema em questo de modo consistente ao longo de sua obra. Isso ocasionou, inevitavelmente, repetio e imbricao de um ensaio em outro. O mesmo texto ou doutrina platnica por vezes explorado em funo de temas diferentes. Tal repetio, todavia, deve ser encarada

    como um reflexo da profundidade dos textos e doutrinas individuais platnicas e, consequentemente, dos diversos modos de os abordar.

    Segundo, esta obra tem por objetivo apresentar uma variedade de perspectivas sobre o desenvolvimento filosfico de Plato. Por conta da abordagem orientada por temas (oposta a uma orientao por dilogos), o debate acerca do desenvolvimento filosfico de Plato particularmente saliente. Se Plato trata um tema em um dilogo (ou em um grupo de dilogos) diferentemente do que em outros, natural perguntar-se se esta diferena deve ser explicada por uma mudana de contexto, uma mudana de nfase ou uma mudana na posio de Plato. Se a mudana de posio parece ser a melhor explicao, ento natural perguntar-se qual posio Plato sustentou primeiramente e, deste modo, indicar seu desenvolvimento filosfico sobre este tema. Aqui nos vimos envolvidos no debate atual entre os estudiosos que veem os dilogos de Plato como refletindo seu desenvolvimento filosfico e os que veem os dilogos como desenvolvendo aspectos, detalhes e matizes de uma posio filosfica nica ao longo de toda a

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    obra. Nos ensaios que seguem, alguns autores defendem um desenvolvimentismo assaz robusto (p. ex., McPherran, Penner e Ferejohn), enquanto outros parecem defender uma verso mais moderada (p. ex., Rowe) e outros ainda parecem oferecer interpretaes desenvolvimentistas e no desenvolvimentistas (p. ex., Modrack) ou parecem adotar uma interpretao unitria (p. ex., McCabe, Janaway e Long). Quando os autores se referem aos trs grupos cronolgicos nos quais frequentemente se pensou que os dilogos de Plato se dividem, eles tipicamente tm em mente os seguintes agrupamentos: dilogos precoces (Apologia, Carmides, Crton, Eutidemo, Eutifro, Grgias, Hpias Maior, Hpias Menor, on, Laques, Lsis, Menexeno, Mnon, Protgoras), dilogos mdios (Crtilo, Parmnides, Fdon, Fedro, Repblica, Banquete, Teeteto) e dilogos tardios (Crtias, Leis, Filebo, Poltico, Sofista, Timeu). Porm, a obra como tal no pressupe que os dilogos so corretamente vistos como tendo sido compostos nesta ordem nem sustenta uma abordagem desenvolvimentista ou unitria de Plato.

    Terceiro, os temas foram selecionados com uma ateno

    relevncia filosfica em oposio relevncia histrica ou filolgica. Esta distino , obviamente, vaga e potencialmente enganadora, mas o foco foi filosofia no histria ou filologia. Consequentemente, estou seguro de que os temas escolhidos refletem os vieses de nossa poca (e, sem dvida, meus prprios vieses). Tal reflexo , a meu ver, inevitvel. Porm, ele tambm far, espero, com que a coleo seja atraente a muitas pessoas com interesses na filosofia atual.

    Quarto, foi pedido aos autores dos ensaios deste livro que escrevessem seus textos de modo acessvel ao leitor iniciante ou ao no especializado; contudo, de um modo que tambm fizesse avanar a discusso especializada. H sempre, suponho, uma tenso entre erudio sria e acessibilidade, mas os autores devem ser elogiados por sua habilidade em navegar em tais guas. Consequentemente, os ensaios devem interessar tanto os leitores que leem Plato pela primeira vez como tambm aos estudiosos que dedicaram uma boa parte de sua vida adulta a pesquisar suas profundezas internas. Para este fim, os prprios autores fizeram as tradues das passagens centrais ou usaram as

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    tradues presentes em Plato:

    Complete Works, editado por J. M. Cooper (Indianpolis, Hackett 1997), que se tornaram em nossa poca as tradues de referncia para estudiosos e iniciantes.

    Por fim, gostaria de exprimir minha sincera estima pelos eminentes estudiosos que contriburam com os ensaios que seguem. Eu tenho estima por sua pacincia com minhas instrues por vezes confusas e por meus frequentes atrasos, pela generosidade ao aceitar escrever para esta obra e deixar de lado a tentao de notas numerosas, pela elegncia ao responder aos meus comentrios por vezes obtusos e, especialmente, pela habilidade filosfica e erudita para compor os ensaios que seguem. Em um sentido muito literal, este livro no meu, mas deles. Gostaria de agradecer especialmente a Mary Louise Gill e M. M. McCabe pelo encorajamento que me deram em momentos de incerteza, desespero e exasperao. Obrigado tambm a Nick Bellorini, Jennifer Hunt, Gillian Kane, Kelvin Matthews, Mary Dortch e equipe da Editora Blackwell pelo apoio, conselho e pacincia. Meus alunos Elliot Welch e Rusty Jones tambm contriburam de modo inestimvel a este empreendimento,

    fazendo muito do trabalho pesado e salvando-me de erros graves. Finalmente, no posso deixar de agradecer a Ann, Thomas e Michael por me ajudarem a lembrar onde esto as minhas prioridades.

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    Sumrio

    Autores ....................................................... 4

    Prefcio....................................................... 9

    Sumrio .................................................... 12

    1. A vida de Plato de Atenas .................... 14

    A juventude de Plato em Atenas ......... 15

    A primeira viagem de Plato Siclia e a fundao da Academia.......................... 20

    As expedies de Plato na Siclia em favor de Don e da filosofia ................... 24

    Os ltimos anos de Plato ..................... 30

    Referncias e leitura complementar...... 31

    2. Interpretando Plato ............................. 33

    Referncias e leitura complementar...... 52

    3. O problema Socrtico ............................ 54

    A fidedignidade das fontes .................... 55

    O que as fontes nos dizem a respeito de Scrates................................................ 60

    O problema das doutrinas de Scrates .. 63

    Nota ..................................................... 70

    Referncias e leitura complementar...... 70

    Parte I ....................................................... 72

    O MTODO PLATNICO E A FORMA DE

    DILOGO ................................................... 72

    4. A forma e os dilogos platnicos ............ 73

    Discusses diretas................................. 73

    Quadros e encartes ............................... 75

    Fico e relato ...................................... 77

    Scrates a propsito de questo e

    resposta ............................................... 79

    A aporia socrtica ................................. 81

    O paradoxo da escrita ........................... 82

    Drama e a dimenso tica ..................... 84

    As limitaes do tico ........................... 86

    O dilogo silente da alma ...................... 89

    A reflexo e seu contedo..................... 93

    Notas .................................................... 94

    Referncias e leitura complementar ...... 95

    5. O Elenchus socrtico .............................. 97

    6. Definies platnicas e formas............. 118

    7. O mtodo da dialtica de Plato .......... 140

    Parte II .................................................... 162

    8. A ignorncia socrtica .......................... 163

    9. Plato e a reminiscncia ...................... 186

    10. Plato: uma teoria da percepo ou um

    aceno sensao? ................................... 209

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    Abreviaturas usadas neste livro

    ARISTTELES APo Segundos Analticos Cot. Categorias de An. De Anima EE tica Eudmia EN tica Nicomaqueia Int. Da Interpretao Metaph. Metafsica Ph. Fsica Poet. Potica Pol. Poltica SE Refutaes Sofisticas Top. Tpicos AGOSTINHO DCD A Cidade de Deus DIGENES LARCIO DL Vidas dos Filsofos Eminentes DIONSIO (PSEUDO-DIONSIO) CH Hierarquia Celeste MT Teologia Mstica HESODO Th. Teogonia Op. Os Trabalhos e os Dias HOMERO II. Ilada Od. Odissia JMBLICO DM Sobre os Mistrios dos Egpcios PNDARO N. Odes Nemeias O. Odes Olmpicas PLATO Ap. Apologia Chrm. Carmides Cro. Crtilo Cri. Crton

    Ep. Cartas Euthd. Eutidemo Euthphr. Eutifro Grg. Grgias Hp.Ma. Hpias Maior La. Laques Lg. Leis Men. Mnon Phd. Fdon Phdr. Fedro Phlb. Filebo Plt. Poltico Prm. Parmnides Prt. Protgoras R. Repblica Smp. Banquete Sph. Sofista Tht. Teeteto Ti. Timeu VII Stima Carta PLUTARCO Per. Pricles PORFRIO Abst. Da Abstinncia VP Vida de Pitgoras PROCLO In pr. Eucl. Comentrio ao primeiro livro de Euclides SEXTO EMPRICO M. Contra os matemticos XENOFONTE Mem. Memorabilia HG Histria Grega

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    1. A vida de Plato de

    Atenas

    DEBRA NAILS

    Plato morreu no primeiro ano da centsima oitava Olimpada, no dcimo terceiro ano do reinado de Filipe da Macednia 347 a.C. pela contagem contempornea e foi enterrado na Academia.1 A reputao do filsofo era to venervel e to difundida que uma mitologia foi inevitvel e prolongada: Plato teve como genitor Apolo e nasceu da virgem Perictone; nasceu no stimo dia do ms de Targelio, no dia de aniversrio de Apolo, e as abelhas do Monte Himeto puseram mel na boca no beb recm-nascido. Platnicos na Renascena celebravam o nascimento de Plato em 7 de novembro, no mesmo dia em que sua morte era lembrada. Em seu O Filho de Apolo, de 1929, Woodbridge escreve no incio: a exigncia da histria para que sejamos precisos vem de encontro exigncia de admirao para que sejamos justos. Presos entre as duas, os bigrafos de Plato tm escrito no a vida de um homem, mas tributos a um gnio. Gnio certamente ele era, mas ele merece mais do que um tributo e mais do que uma vita padro

    feita na medida do bibliotecrio alexandrino Apolodoro, que dividiu as vidas dos antigos em quatro perodos de vinte anos, com uma akm na idade de 40 anos.2 Por este esquema, Plato nasceu devidamente em 427, encontra Scrates quando tinha 20 anos (e Scrates tinha 60), funda a Academia aos 40, viaja para a Siclia aos 60 e morre na idade de 80. Ampla evidncia refuta a bela cadncia.

    Plato de Colito, filho de Arston pois este era o seu nome legal, com o qual tinha direito de cidadania ateniense e que ser escrito nas listas tribais nasceu em 424/3, quarto filho de Arston de Colito, filho de Arstocles, e de Perictone, filha de Glucon; Arston e Perictone haviam se casado em 432. Deixando de lado origens divinas remotas, ambos os pais tinham ascendentes que os ligavam aos arcontes atenienses dos sculos stimo e sexto e, no caso de Perictone, a parentesco com Slon, o sbio legislador (Ti. 20e1). Arston e sua jovem famlia provavelmente estavam entre os primeiros colonizadores de Egina que mantinham a cidadania ateniense, quando Atenas expulsou os nativos de Egina em 431 (Tucdides 2.27). Quando Arston faleceu, por volta do nascimento de Plato, a lei ateniense

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    proibia a independncia legal da mulher, de modo que Perictone foi dada em casamento ao irmo de sua me, Pirilampo, um vivo que tinha sido recentemente ferido na batalha de Dlio. Casamentos entre tios e sobrinhas, assim como entre primos de primeiro grau, eram comuns e teis em Atenas, preservando antes que dividindo as propriedades familiares. O pai adotivo de Plato, Pirilampo, tinha sido amigo ntimo de Pricles (Plutarco, Per. 13.10) e vrias vezes embaixador na Prsia (Chrm. 158a2-6); trouxe famlia pelo menos um filho, Demos (Grg. 481d5, 513c7), cujo nome significa povo: um tributo democracia sob a gide da qual Pirilampo floresceu na vida pblica. Quando Pirilampo e Perictone tiveram outro filho, fizeram o que havia de mais convencional, dando-lhe o nome de seu av, Antifonte (Prm. 126bl-9). Assim, Plato cresceu em uma famlia de pelo menos seis crianas, sendo ele o nmero cinco: um enteado, uma irm, dois irmos e um meio-irmo. Pirilampo morreu por volta de 413, mas o filho mais velho de Arston, Adimanto, j tinha ento idade suficiente, cerca de 19 anos, para tornar-se guardio (kurios) de sua me.

    A juventude de Plato em Atenas

    Quando Plato era um menino com idade suficiente para prestar alguma ateno vida poltica que afetava sua famlia, a cidade de Atenas estava enredada na Guerra do Peloponeso, provocando e sofrendo uma sequncia horripilante de desastres. Em 416, quando Plato tinha cerca de 8 anos e a Paz de Ncias, assinada entre Atenas e Esparta em 421, tinha fracassado completamente, Atenas comportou-se com uma crueldade desconhecida em relao a Melos, servindo-se dos argumentos o-poder-faz-o-direito que tero eco no Trasmaco da Repblica I (Tucdides 5.84-116). No ano seguinte, quando a cidade embarcou na catastrfica expedio Siclia, um grupo poltico oligrquico destruiu, noite, os bustos da cidade, insultando o deus da viagem e dando incio a uma histeria supersticiosa que levou execuo sumria, priso ou exlio de cidados acusados de sacrilgio, inclusive membros da famlia de Plato. Um dos trs comandantes da frota, o carismtico Alcibades, estava entre os acusados, e uma consequncia terrvel da histeria em massa de Atenas foi o abandono, por parte de Alcibades, da expedio e sua traio cidade. Com a derrota

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    total de Atenas na Siclia em 413, Esparta recomeou a guerra. Plato devia ter 12 anos quando Atenas perdeu seu imprio por causa da revolta de seus aliados; 13 anos, quando a democracia foi, por breve perodo, derrubada pela oligarquia dos Quatrocentos e quando o exrcito, ainda sob direo dos democratas, persuadiu Alcibades a retomar e a comand-lo novamente; 14 anos, quando a democracia foi restaurada; 15 anos, quando seus irmos mais velhos, Adimanto e Glucon, lutaram bravamente na batalha de Megara (R. 368a3).

    A despeito da guerra e das turbulncias, Plato e seus irmos teriam recebido uma educao formal em ginstica e msica, mas por msica devemos entender os domnios de todas as Musas: no somente dana, lrica, pica e msica instrumental, mas tambm leitura, escritura, aritmtica, geometria, histria, astronomia e mais ainda. A conduo informal de um menino vida cvica ateniense era responsabilidade fundamentalmente do irmo mais velho da famlia. Como se v no Laques e no Carmides, um jovem era socializado por seu pai, por seus irmos mais velhos ou pelo tutor, os quais ele acompanhava na cidade

    enquanto as mulheres permaneciam discretamente no interior das casas. Na companhia de seus irmos, Plato era ento provavelmente uma jovem criana quando conheceu Scrates. Tanto o Lsis, que se passa no incio da primavera de 409, quando Plato teria 15 anos, quando o Eutidemo, que se passa alguns anos mais tarde, fornecem uma viso dos anos escolares de Plato, j que as personagens jovens destes dilogos eram exatos coetneos de Plato na vida real. Lsis de Exone, acerca de quem temos a sorte de possuir evidncia contempornea para corroborar, independente dos dilogos de Plato, provavelmente permaneceu um amigo ntimo do filsofo, pois sabemos que chegou a ser av, tendo pelo menos 60 anos quando morreu.

    O dilogo Eutidemo, que se passa no momento em que Plato estaria ele prprio pensando a respeito de suas perspectivas de formao, ilustra a moda educacional da poca: a transferncia pretendida da excelncia (aret, tambm traduzida por virtude) do professor ao estudante. A educao mais refinada em Atenas no final do quinto sculo era dominada por sofistas, residentes estrangeiros que obtiveram fama e

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    riqueza professando tcnicas de persuaso e exposio, platitudes revestidas de alto estilo retrico, o tipo de habilidades que poderia ajudar os jovens a se tornarem excelentes qua exitosos na vida pblica por falar com eficcia na Assembleia ateniense (ekklsia) e nos tribunais. Mesmo os mais respeitveis dentre eles Grgias de Leontino e Protgoras de Abdera, que aparecem em dilogos homnimos (ver a representao por Scrates de Protgoras no Teeteto) so representados, contudo, como tendo feito ofcio pfio ao transferir qualquer excelncia que tivessem, pois seus estudantes parecem sempre ter dificuldade em reter e defender o que seus professores professavam. No Eutidemo, dois sofistas de carter questionvel alegam ser capazes de tornar qualquer homem bom chamando-o filosofia e excelncia (274d7-275al), mas sua produo nada menos que um uso hilrio de falcias com vistas a enganar seus respondentes. O final do dilogo (a partir de 304b6) uma lembrana grave de que, no tempo do amadurecimento de Plato, os atenienses estavam cada vez mais desconfiados dos sofistas, retricos, oradores e filsofos, igualmente.

    Estes eram os ltimos anos antes da derrota de Atenas para Esparta em 404, quando a Assembleia prestava cada vez menos ateno s leis escritas e agia cada vez mais irracional e emocionalmente, e em busca de vingana. Um Plato mais velho distinguir entre democracia legal e ilegal (Pt. 302dl-303b5) com boa razo. Contudo, as tradies eram mantidas quanto aos distritos ou demos de votao, 139 dos quais estavam em Atenas. A cidadania era passada estritamente de pai para filho, de modo que os filhos do falecido Arston, quando chegam aos dezoito anos, so apresentados aos cidados de Colito em cerimnias de dokimasia, aps as quais estariam inteiramente emancipados. Foi no ano seguinte dokimasia de Plato que Scrates tentou sem sucesso impedir que a Assembleia levasse a julgamento e condenasse inconstitucionalmente seis generais, entre os quais o filho de Pricles e Aspsia, sob a acusao de no terem assegurado o recolhimento dos corpos aps a vitria na batalha naval de Arginusa, em 406. Nos dois anos seguintes sua cerimnia, Plato ter atuado em companhia de seus camaradas de demo em uma milcia da cidade, embora confinado ao servio dentro dos limites da tica.

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    Mais tarde, quando chamado, ter servido em outros lugares. Tanto pela lei quanto pelo costume, era necessria maior maturidade para participar em vrios outros aspectos da vida cvica. Um cidado deveria ter 20 anos para entrar na vida pblica sem se tornar objeto de derriso, e 30 anos para que seu nome entrasse nas loterias que determinavam o Conselho ateniense (boul), os jris e os arcontes, e para que pudesse ser eleito general e se esperasse que se casasse.

    Quando Plato chegou maturidade, naturalmente imaginou para si prprio uma vida nos assuntos pblicos, como diz em uma carta escrita em 354/3 (VII. 342b9). A autenticidade da carta foi por certo tempo muito discutida, mas mesmo seus detratores concedem que seu autor, se no tiver sido Plato, era ntimo do filsofo, possuindo conhecimento de primeira mo dos eventos relatados. Muitos dos detalhes da carta so esmiuados e corroborados por historiadores contemporneos da Grcia e da Siclia e seu estilo diferentemente de outras carta desta srie similar ao das Leis e Epnomis (Ledger 1989: 148-51).3 A famlia de Plato em sentido mais largo j inclua dois homens na

    rbita de Scrates, personagens dos dilogos Protgoras e Carmides, que tiveram papel proeminente na vida pblica ateniense: Crtias, o primo mais velho de segundo grau de Plato (o primo mais velho de Perictone) e Carmides (o irmo mais jovem de Perictone), que estava sob a tutela de Crtias. Ambos estavam entre os cinquenta e um homens em quem Plato depositava grande esperana em 404, quando, depois dos fracassos e dos excessos da democracia por vezes ilegal, a derrota de Atenas para Esparta levou eleio dos Trinta, encarregados de formular uma constituio ps-democrtica que faria a cidade retomar aos princpios de governo da ptrios politeia, a constituio ancestral de Atenas. Crtias era um dos lderes dos Trinta e Carmides era um dos Dez chefes municipais do Pireu; os Onze chefes municipais da Atenas urbana completavam o total de cinquenta e um. Embora Plato tenha sido imediatamente chamado para participar da administrao, ele era ainda jovem (VII. 324d4) e postergou a deciso, participando de perto e esperando testemunhar o retomo de Atenas justia sob a nova liderana.

    Os Trinta o desapontaram amargamente; contudo, ao tentar

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    implicar Scrates na captura do general democrata Leon de Salmis para execuo sumria. Plato diz desta oligarquia que ela fez o governo da democracia anterior parecer, por comparao, uma poca urea (VII.324d6-325a5). Segundo Xenofonte de Erquia, o projeto da constituio era continuamente postergado (HG 2.3.11), e Iscrates de Erquia descreve os Trinta como tendo rapidamente cado em abusos e em excessos de autoridade, executando sumariamente 1.500 cidados e levando outros 5.000 ao Pireu durante nove meses no poder (Aeropagiticus 67). Porm, os democratas no exlio puderam reagrupar-se em File, de onde, em 403, voltaram a entrar no Pireu e enfrentaram as foras dos Trinta na batalha de Muniquia, onde Crtias e Carmides foram mortos. Aps meses de mais levantes, a democracia foi restaurada. Apesar de uma anistia negociada com arbitragem de Esparta em 403/2 para reduzir casos de vingana na sequncia imediata da guerra civil, a confuso continuou. Uma clusula do acordo de reconciliao dizia que todos os simpatizantes da oligarquia remanescentes teriam seu prprio governo em Elusis, que eles teriam previamente assegurado para si ao pr morte a populao sob a

    acusao de terem apoiado a democracia (Xenofonte, HG 2.4.8-10; Diodoro Sculo 14.32.5). O acordo teve vida curta: assim que os espartanos tiveram sua ateno desviada para uma guerra com lis, os oligarcas comearam a alugar mercenrios; Atenas retaliou anexando Elusis e matando todos os simpatizantes remanescentes da oligarquia no incio da primavera de 401.

    Assim como em outras revolues que saram fora de controle, o nvel geral de desordem tornou os atos de retaliao muito fceis de serem perpetrados e a violncia muito fcil de infligir sem punio. Contudo, os democratas que retornaram, segundo o relato de Plato, mostraram aparente conteno durante este perodo de revolues (VII. 325bl-5). E mesmo, se os dilogos com datas de drama variando entre 402 e 399 (especialmente o Mnon, Teeteto, Eutifro e Fdor) podem ser tomados como fontes para os tipos de conversa que Plato experimentou, quando tinha pouco mais de 20 anos, na companhia de Scrates, ento pelo menos algumas coisas da vida ateniense tinham voltado ao normal. Talvez por isso Plato descreva como

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    tendo sido por sorte (VII.325b5-6) que Anito e Lcon, cujo amigo Leon Scrates tinha anteriormente se recusado a entregar aos Trinta, conseguiram montar um processo contra Scrates por impiedade e obtiveram ganho de causa em sua proposio de pena de morte. Para Plato, este evento devastador, bem como sua opinio sobre que a ordem ateniense estava deteriorando-se em um caos, puseram um fim ao desejo de ser politicamente ativo que se reacendeu brevemente nele com a restaurao da democracia (VII. 325a7-bl). Embora continuasse a considerar como ainda poderia realizar uma melhora nas leis e na vida pblica em geral, com o tempo ele se deu conta que todo Estado existente sofria de mau governo e de leis quase insanveis, tendo sido forado, l pela metade dos seus vinte anos, a admitir que, sem reta filosofia, se incapaz de

    Determinar o que a justia na polis ou no indivduo. Os males sofridos pela humanidade no cessaro at que ou bem os filsofos genunos e verdadeiros governem a polis, ou bem os governantes nas poleis, por alguma graa divina, se tornem verdadeiramente filsofos. (VII.326a5-b4; cf. R. V 473cll-e2)

    Neste momento, ou logo depois, Plato determinou-se a fazer sua contribuio vida pblica como um educador. Ele devia, neste papel, suplantar os sofistas e retricos itinerantes, que estiveram por tanto tempo frente da alta educao ateniense.

    A primeira viagem de Plato Siclia e a fundao da Academia

    Aps a execuo de Scrates, Plato permaneceu em Atenas por talvez trs anos. Durante este tempo, ele passou a conviver com Crtilo, seguidor de Herclito, e com Hermgenes, meio-irmo bastardo do clebre Cllias de Alopece, que gastou uma fortuna com sofistas (veja Cra., Prt. e Ap.). Ento, com a idade de 28 anos em 396, Plato residiu por um perodo em Megara, distante meio dia de caminhada de Atenas, em companhia de Euclides e de outros socrticos, na busca de matemtica e filosofia (Hermodoro, citado em Digenes Larcio 3.6-2-6). Indicaes duvidosas de outras viagens aparecem somente em fontes tardias.

    Quando alcana 30 anos em 394, espera-se de Plato que se estabelea como proprietrio e, embora no haja nenhuma indicao neste sentido,

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    que se case (apesar de Leis IV 721a-e e VI. 772d). Nunca esteve entre os cidados mais ricos de Atenas, mas as rendas provenientes de suas propriedades agrcolas fora dos muros da cidade parecem ter sido adequadas para suas necessidades pessoais e para obrigaes familiares como dotes e funerais. O financiamento da Academia, ainda a ser fundada, era provavelmente complementado por doaes; que as finanas da Academia eram distintas das contas pessoais de Plato atestado pela ausncia de meno da Academia no testamento de Plato. Plato tinha uma propriedade no demo dos Ifistadas, cerca de 10 km ao norte-nordeste do antigo muro da cidade e 2 km das margens do rio Cefso, uma propriedade que provavelmente ele herdou (seu testamento no menciona nenhuma soma paga por ela). A propriedade pode ser localizada com preciso porque Plato a descreve como limitada ao sul pelo templo de Hrcules, tendo sido descoberto em 1926 um de seus marcos de pedra. Plato viria a comprar outro terreno, no demo dos Eresidas, de Calmaco, um executor nomeado no seu testamento, de outro modo desconhecido; sua localizao era aproximadamente 3 km ao norte do

    muro da cidade, na margem oriental do rio Cefiso. O sobrinho de Plato, Eurimdon, outro executor, possua as propriedades adjacentes ao norte e ao leste. Embora o demo de Plato fosse Colito, dentro dos muros da cidade havia trs irmos com os quais devia dividir a propriedade de Arston, e as leis de sucesso visavam a manter intactas as propriedades. Normalmente, a ausncia de um testamento requeria uma diviso dos bens da propriedade (terras em cultivo, estruturas, rebanhos, metais preciosos, dinheiro, etc.) em partes iguais; quando se estava de acordo que eram iguais, os irmos podiam sortear ou escolher a herana (MacDowell, 1978, p. 93).

    Mais ou menos na mesma poca em que estava estabelecendo-se, Plato e os matemticos Teeteto de Sunio, ento com 19 anos e que morrer cinco anos mais tarde, rquitas de Tarento, um pitagrico, terico da msica e lder poltico esclarecido, que permanecer prximo de Plato durante sua vida, Leodamas de Taso e talvez Neoclides (Proclo, citado em Euclides, Elementos 66.16) passaram a encontrar-se na parte nordeste urbana de Atenas no bosque do heri Hecademo, entre os rios Cefiso e

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    Erdano, com vistas a continuar seus estudos. Espeusipo de Mirrino, filho de Potone, irm de Plato, uniu-se ao grupo por volta de 390. O nmero de nomes de matemticos presentes em uma lista originalmente compilada por Eudemo na ltima parte do sculo quarto a.C. uma forte indicao que o grupo de estudiosos amigos cresceu firmemente nos primeiros anos. somente quando Eudoxo de Cnido chega, no meio dos anos 380, que Eudemo reconhece formalmente uma Academia. O bosque que iria mais tarde ser a Academia, todavia, tinha um ginsio e amplos espaos abertos frequentados por jovens intelectuais e no salas de aula ou anfiteatros para conferncia.

    Plato j gozava de celebridade fora de Atenas por volta de 385, quando foi convidado corte do tirano de Siclia, Dionsio I, que convidava regularmente atenienses clebres ao seu palcio real fortificado em Ortigia, a pennsula que se lana no porto de Siracusa. Isto uma indicao cogente que, ao lado de seus estudos matemticos e filosficos, Plato tinha comeado a escrever dilogos que eram copiados e difundidos. H evidncia substancial que uma proto-Repblica que compreendia a maior parte dos livros

    II-V do nosso texto atual da Repblica foi publicada antes de 391, quando Ecclesiazusae, a ousada pea de Aristfanes, parodiou seus elementos centrais (Thesleff 1982: 102-10). A Apologia, uma primeira verso do Grgias, e o que agora Repblica I, estava provavelmente tambm entre os dilogos que foram publicados neste primeiro grupo. De tempos em tempos, Fedro e Lsis foram considerados como tambm a figurando sobretudo em tradies fora da filosofia analtica anglo-americana desde a dcada de 1950. H evidncia abundante de reviso em vrios dilogos, um obstculo insupervel para uma anlise computacional definitiva do estilo de Plato e, portanto, para a certeza acerca da ordem em que os dilogos foram escritos, exceo feita as ltimos (Ledger 1989: 148-51). Contudo, a impresso de trs perodos maiores em sua produo, com limites cinzentos, persiste na maior parte das tradies de interpretao (Nails, 1995, p. 97-114).

    Plato nos diz que tinha quase 40 anos quando viajou para a Itlia, onde provavelmente visitou rquitas em Tarento, e para a Siclia, onde foi hospedado por Dionsio I, tirano de Siracusa. A viagem foi memorvel, a

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    despeito do desgosto de Plato pela tirania e pela sensualidade decadente que encontrou. No tinha nenhuma intimidade com o tirano (muito semelhante ao tirano da Repblica IX), mas encontrou Don, o jovem cunhado de Dionsio. Eis aqui um jovem de 20 anos, admirvel, ainda que austero, pronto para aprender o que quer que Plato considerasse que pudesse ajud-lo a obter a liberdade sob as melhores leis para o povo da Siclia (VII. 324b 1-2). Sua amizade renovada com as visitas de Don Grcia durar trinta anos (VII. 324a5-7). Fontes tardias (Diodoro Sculo, Plutarco, Digenes Larcio) nos do diferentes detalhes a respeito do final da primeira viagem de Plato Siclia, embora concordem todas que a fala franca de Plato irritou a tal ponto o tirano que ele foi posto de volta em um navio e vendido como escravo. Quando foi comprado e posto em liberdade por Anceres de Cirene, no relato de Digenes, os amigos de Plato tentaram devolver o dinheiro, mas Anceres o recusou e comprou para Plato um jardim no bosque de Hecademo.

    A Academia um centro ateniense para estudos avanados, reunindo homens e mulheres de todo o mundo grego , os dilogos, que

    eram seus manuais, e os mtodos filosficos exemplificados neles constituem o brilhante legado de Plato. Fundada aps o retorno de Plato da Siclia em 383 e com uma sucesso contnua at 79 a.C., a Academia , por vezes, considerada a progenitora da universidade moderna, embora Iscrates tivesse estabelecido uma escola permanente para retrica em Atenas em 390. O programa da Academia, baseado na matemtica e na busca do conhecimento cientfico antes que em seu fechamento tornou-a a primeira em seu tipo. Porm, o que pode significar sua fundao? Presumivelmente, a Academia tornou pblico seu interesse em receber estudantes, embora no houvesse taxas. Membros que estudaram juntos por alguns anos estavam agora talvez prontos para partilhar o que haviam aprendido e aplicar seu conhecimento em novas reas. A Academia continuou a atrair filhos de lderes polticos, que estavam mais interessados em governar do que estudar matemtica, que era um pr-requisito, mas todo incio turvo e difcil no importar de modo anacrnico categorias atuais (professor, aluno) como, em outros sculos, mestre e discpulo se impuseram. De qualquer modo,

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    Plato parece ter passado o perodo que vai de 383 a 366 em relativa calma, estudando, discutindo, escrevendo e contribuindo, de modo geral, para a educao na Academia. a este perodo tambm que se atribui a maior produo dos dilogos de Plato e que os membros e as atividades da Academia comearam a ser ridicularizados no teatro cmico de Atenas. Deve-se notar a chegada de Aristteles de Estagira em 367; os fragmentos dos dilogos escritos por Aristteles sugerem que era tpico dos membros da Academia exercitar-se em escritos deste gnero.

    As expedies de Plato na Siclia em favor de Don e da filosofia

    Na Carta VII, Plato descreve minuciosamente suas viagens subsequentes para a Siclia. O breve sumrio a seguir pode ser de interesse tendo-se em mente a imagem do filsofo do Teeteto, objeto de derriso por ser perfeitamente inapto em assuntos prticos (172c3-177c2); Plato se mostra como inocente no exterior, manipulado em toda ocasio, completamente incompetente para ajudar seu amigo, ainda mais para tornar o governante um filsofo.

    Plato no desejava retornar quando chamado de volta a Siracusa por Dionsio II em 366. O velho Dionsio morrera em 367, logo aps ter sabido que sua pea, O Resgate de Heitor, tinha recebido o primeiro prmio no festival das Lenaias em Atenas. Apesar de sua reputao como erudito e culto, ele no se preocupou com a educao de seu filho e herdeiro. Quando criana, Doniso II passou a maior parte do tempo sem contato com o pai, ocupado em fabricar brinquedos de madeira, mas, quando chamado presena dele, ele era inspecionado em busca de armas escondidas como todo aquele que tinha uma audincia com o tirano. Adulto por volta dos 30 anos quando chamou Plato, o jovem Dionsio tinha casado com a sua meia-irm paterna, Sofrosine, com quem teve um filho, e que recentemente tinha recebido a cidadania honorria ateniense. Enquanto isso, Don casou com sua sobrinha, Arete, filha do velho tirano, e tinha um filho de sete anos, de modo que Don era cunhado e por vezes conselheiro do novo tirano.

    Don, a pedido de quem o chamado tinha sido feito, teve dificuldade para superar a relutncia de Plato em viajar para Siracusa. Ele

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    insistiu com vrios argumentos, inclusive com a paixo do jovem tirano pela filosofia e pela educao em geral. Plato no menciona se tinha lembrana do adolescente Dionsio em sua primeira visita, declarando somente que as paixes de um jovem podem mudar radicalmente. Don insistiu, exortando Plato a ajud-lo a influenciar Dionsio II, argumentando inter alia que a morte do velho tirano poderia ser aquele destino divino necessrio para que enfim se realizasse a felicidade de um povo livre sob boas leis, que havia algumas outras pessoas em Siracusa que esposavam opinies corretas, que seus jovens sobrinhos necessitavam igualmente de treinamento em filosofia e que o novo tirano poderia ser levado verdadeira filosofia por Don com a ajuda de Plato, da mesma maneira como aquele fora levado verdadeira filosofia por este, efetuando, deste modo, reformas e pondo fim aos males longamente sofridos pelo povo. Alm disso, Don acrescentou, se Plato no viesse, homens piores estavam ansiosos para realizarem a educao do jovem tirano. Confiando mais no carter firme e nas intenes de Don do que na esperana de ter sucesso com Dionsio, temendo pela segurana de Don, sentindo que o

    dbito em relao ao seu primeiro anfitrio pesava mais que suas presentes responsabilidades na Academia, uma dupla razo mostrou-se finalmente decisiva: seria vergonhoso aos olhos do prprio Plato e uma traio filosofia caso se mostrasse, ao final, um homem de palavras que se acovardava diante dos atos. Plato por fim embarcou, no incio da estao de navegao de 366, para uma segunda viagem Siclia.

    Faces dentro da corte real suspeitaram desde o incio de Don e Plato, imaginando que o objetivo secreto deste era colocar a Siclia, ento em guerra contra Cartago, sob o controle de Don. No intuito de testar a influncia do filsofo, fizeram com que o hbil Filisto, um historiador banido pelo antigo tirano, fosse chamado de volta do exlio. Aps alguns meses durante os quais Plato e Don tentaram incessantemente tornar a vida de moderao e sabedoria atrativa a Dionsio, que eles consideraram no sem habilidades (VII. 338d7), Filisto convenceu Dionsio que Don estava secretamente negociando a paz com Cartago. Don foi deportado sumariamente para a Itlia, separado de sua mulher, filho e parte de sua

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    propriedade lhe foi retirada. Os amigos de Don temeram retaliao, mas o tirano cioso de sua reputao no estrangeiro e da necessidade de aplacar os que apoiavam Don pretensamente pediu a Plato para ficar, ao mesmo tempo em que se assegurava que no fugiria, instalando-o no interior de sua fortaleza (VII. 329dl-330a2). Plato insistiu no projeto de educao e at estabeleceu relaes entre Dionsio e rquitas e outros tarentinos. Dionsio, porm, que se ligou a Plato, permaneceu invejoso da alta considerao que Plato tinha por Don. Dionsio buscava desesperadamente o elogio de Plato, mas no trabalhava em busca da sabedoria, que era o nico caminho para obt-lo. Plato serviu-se de todas as ocasies para persuadir Dionsio a lhe permitir voltar para Atenas, o que resultou finalmente em um acordo: Plato prometeu que, caso Dionsio o chamasse, assim como a Don, aps ter-se assegurado da paz com Cartago, ambos voltariam. Nestes termos, Plato partiu de modo publicamente amigvel e Dionsio retirou as restries postas quanto ao recebimento por parte de Don de ganhos de sua propriedade.

    Don, entretanto, viajou para

    Atenas, onde havia comprado uma propriedade; a cidade serviu-lhe de base e lhe permitiu estudar na Academia e fazer amizade com Espeusipo. Porm, ele viajou por toda a Grcia, tendo sido recebido calorosamente em Corinto e em Esparta, onde recebeu a cidadania honorria. Quando Dionsio mandou chamar Plato mas no Don em 361 e Don implorou para que Plato fosse, pois tinha escutado que Dionsio tinha desenvolvido uma impressionante paixo pela filosofia (VII. 338b6-7). Ento Plato recusou, irritando a ambos ao alegar idade provecta. Havia rumores provenientes da Siclia que rquitas, certos amigos de Don e muitos outros haviam dado a Dionsio o gosto pelas discusses filosficas. Quando uma segunda chamada chegou, Plato percebeu nela a ambio zelosa (philotimos) de no ser trazida luz sua ignorncia da filosofia; e Plato recusou-se novamente a retornar Siclia. Quando uma terceira chamada chegou, trazida por vrios conhecidos sicilianos de Plato, entre os quais Arquedemo, ligado a rquitas, o siciliano Dionsio pensou que Plato a teria em alta conta. No somente vieram com uma trirreme para facilitar a viagem de Plato, mas tambm Dionsio escreveu uma longa

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    carta, dizendo que os negcios de Don, caso Plato viesse, seriam determinados como Plato quisesse, mas que, se no viesse, Plato no gostaria do desfecho a ser dado quanto propriedade e pessoa de Don. Neste nterim, os conhecidos atenienses de Plato lhe pediam vivamente para que fosse imediatamente e cartas chegavam da Itlia e da Siclia com novos argumentos rquitas relatava que importantes assuntos de Estado entre Tarento e Siclia dependiam da volta de Plato. Como antes, a deciso de Plato foi que seria uma traio a Don e a seus anfitries de Tarento se no fosse; quanto traio filosofia, desta vez Plato considerou (cegamente, como diria mais tarde: VII. 340a2) que talvez Dionsio, tendo agora discorrido com tantos homens acerca de temas filosficos e tendo ficado sob a influncia deles, de fato pudesse ter abraado a melhor vida. Pelo menos, Plato iria descobrir a verdade.

    Ficou claro, aps sua primeira conversa, que Dionsio no tinha nenhum interesse em discutir filosofia; na verdade, o tirano anunciou que ele j sabia o que importava saber. Ademais, ele cancelou o pagamento dos ganhos

    das propriedades de Don; em consequncia, Plato anunciou, irritado, que voltaria a Atenas, tendo inteno de embarcar em qualquer barco no porto. Dionsio, cioso de sua reputao, rogou-lhe que ficasse e, vendo que no conseguiria persuadir o irritado filsofo, ofereceu-se a cuidar ele prprio da passagem de Plato. Contudo, ele encolerizou Plato ainda mais no dia seguinte, ao prometer que, se Plato ficasse durante o inverno, Don receberia excelentes propostas, que ele detalhou, na primavera. Plato, sem confiar nestas promessas, passou a noite considerando vrias alternativas e se deu conta que j tinha levado um xeque-mate. Aceitou ficar sob uma condio: que Don ficasse a par das propostas de modo que o acordo pudesse ser feito. No somente a estipulao no fui honrada, como tampouco as propostas foram discriminadas: assim que o porto foi fechado e Plato no podia mais escapar da ilha, Dionsio vendeu as propriedades de Don.

    Em evento decisivo, porm, envolvendo Heraclides, amigo de Don e lder da faco democrtica em Siracusa, tudo mudou. Ele foi acusado de fracassar quanto ao pagamento de mercenrios e fugiu para proteger sua

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    vida, juntando-se a Don. Uma inscrio do santurio de Asclpio em Epidauro os honra juntamente Inscriptiones Graecae IV2 95.39-40). Neste nterim, Dionsio prometeu a outros lderes democratas excelentes condies para Heraclides, se voltasse para ser julgado, e ocorreu que Plato serviu de testemunha do juramento quanto promessa do tirano. Quando, no dia seguinte, o tirano j parecia estar quebrando a palavra, Plato invocou prontamente a promessa que testemunhou na vspera, a qual o tirano prontamente negou, aguilhoando Plato novamente. Tomando a ao de Plato como um ato de preferir Don contra ele prprio, Dionsio transportou Plato para fora das muralhas, casa de Arquedemo, na rea da cidade em que ficavam os mercenrios do tirano.

    Se Plato tinha sido antes um prisioneiro virtual, ele agora estava em perigo: remadores mercenrios atenienses contaram-lhe que alguns deles estavam planejando mat-lo, de modo que Plato passou a enviar desesperadamente pedidos de ajuda. Por meio da intercesso de rquitas, um barco tarentino foi enviado em sua busca. Porm, Plato no retomou para Atenas. Ele

    desembarcou em Olmpia e se encontrou com Don nos jogos, relatando-lhe a notcia de mais uma intransigncia do tirano: de fato, Plato fracassara em realizar algo digno de nota em favor de Don ou da filosofia durante os sete anos de desventura na Siclia (VIL 350d4-5). A primeira reao de Don foi clamar por vingana, querendo que os amigos, a famlia de Plato e o prprio velho filsofo se unissem a ele. Plato tinha vrios argumentos para recusar e ofereceu em troca seu auxlio no caso de Don e Dionsio desejarem ser amigos e fazer bem um ao outro. Isso nunca ocorreu, embora as aes posteriores de Don mostrem que seu desejo de vingana tinha-se extinguido antes da liberao de Siracusa, uma misso que ele perseguiu preferindo sofrer o que mpio a caus-lo (VII. 351c6-7).

    Plato manteve-se informado das tratativas de seu amigo e continuou a fornecer-lhe conselho durante os trs anos para angariar os fundos necessrios e para alistar mercenrios secretamente at que Don pde, finalmente, embarcar em 357, deixando a Espeusipo sua propriedade em Atenas. Parece que membros da Academia tinham muita esperana em um governante-

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    filsofo: Plato os descreveu como empurrando-o a uma terceira viagem (VII. 339d8-el), e pelo menos um membro, Timnides de Leucas, acompanhou a expedio no intuito de fazer um relato para Espeusipo e para a Histria. Heraclides ficou de trazer tropas adicionais e trirremes. A expedio de Don, incluindo trinta sicilianos exilados, chegou quando o exrcito estava fora da cidade, de modo que Don pde entrar sem encontrar resistncia e foi aclamado como o libertador dos gregos da Siclia. Foi eleito general e obteve o apoio da Siracusa inteira exceto da fortaleza do tirano em Otgia, onde a esposa e o filho de Don estavam retidos.

    Dionsio simulou uma abdicao, mas mandou seu exrcito atacar enquanto negociava os detalhes: houve outros engodos e escaramuas militares que deram a Don uma reputao de herosmo. Quando Heraclides chegou com vinte trirremes adicionais e com 1.500 mercenrios, houve inicialmente uma cooperao. Contudo, a amizade se deteriorou, em funo da nomeao oficial de Heraclides como general, pela fuga pelo mar do tirano sob a guarda deste e porque ele era mais popular do que Don, causando lutas

    entre seus respectivos seguidores. Heraclides e Don foram obrigados a fazer repetidas tentativas de pr seus seguidores em uma mesma direo. Dois turbulentos anos se passaram at que Ortgia ficou finalmente aberta no vero de 354; a separao de onze anos entre Don e sua famlia terminou e a assembleia dos cidados pde debater temas internos: redistribuio da terra e da propriedade e se deveria haver ou no um Conselho. No espao de alguns meses, porm, Heraclides foi assassinado por seguidores de Don, ele mesmo tendo sido assassinado por um ateniense, Calipo, que o havia recebido amigavelmente e o hospedado em 366 e o acompanhara Siclia. Calipo, que no tinha, Plato insiste, nenhuma conexo com a Academia, declarou-se imediatamente tirano. Plato, escrevendo seis anos aps o encontro em Olmpia e algumas semanas ou meses aps a morte de Don, compara seu amigo de trinta anos a um piloto que antecipa corretamente uma tempestade, mas subestima sua fora de destruio: que eram perversos os homens que o puseram por terra, ele sabia, mas no a extenso de sua ignorncia, de sua depravao e avidez (VII. 351d7-e2).

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    Os ltimos anos de Plato

    Aps 360, Plato permaneceu em Atenas, onde ocorreu um certo nmero de mudanas em sua famlia e na florescente Academia. Uma das letras com menor credencial de autenticidade menciona que duas sobrinhas morreram, levando Plato, por volta de 365, a aceitar a responsabilidade parcial de quatro sobrinhas-netas, de menos de um ano idade de casamento que em Atenas significava um ano aps a puberdade. A mais velha estava para se casar com Espeusipo, ento no incio dos quarenta anos e em vias de ser o segundo da Academia (XIII. 361c7-e5). A me de Plato havia morrido algum tempo depois de 365, mas sua irm Potone e pelo menos um de seus irmos tinham casado e tido filhos e netos. Um menino Adimanto, provavelmente neto do irmo de Plato de mesmo nome, teve como herana a propriedade de Plato. O velho Plato estava secundado tambm por colegas na Academia: muitos nomes de seus associados nos foram transmitidos. Havia um registro detalhado na ltima dcada da vida de Plato e a sucesso dos lderes da Academia foi preservada; portanto, razovel supor que listas de estudantes eram

    de tempos em tempos estabelecidas durante os quase quarenta anos de liderana de Plato. Alm dos que j foram mencionados Aristteles, Eudoxo, Timnides e Espeusipo h duas mulheres entre os mais notveis, Axioteia de Fliunte e Lastnia de Mantineia; o historiador Heraclides de Ponto; o bigrafo Hermodoro de Siracusa; Filipe de Mende, tambm conhecido como Filipe de Opus, provvel editor das ltimas obras de Plato; e Xencrates de Calcednia, que suceder a Espeusipo.

    Devemos rejeitar a imagem padro do velho Plato consagrando seus anos tranquilos a burilar seu estilo no Timeu-Crtias, Sofista, Poltico, Filebo, Leis e Carta VII, pois esta imagem to irrealista quanto desnecessria. Embora estas obras partilhem caractersticas estilsticas incontroversas do ponto de vista estatstico que mostram que foram escritas ou editadas por uma nica pessoa, o Epnomis, que foi incontrovertidamente escrito e publicado aps a morte de Plato, possui, porm, a reconhecvel prosa enfatuada daqueles outros, sugerindo que Plato se valeu do auxlio de um escriba, cuja responsabilidade consistia em reformular as produes da Academia no estilo adotado pela

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    Academia. Diz-se produes porque h boas razes para supor que a Academia de Plato funcionava como as outras instituies antigas (p. ex., as escolas de Hipcrates e de Aristteles, os pitagricos helensticos) ao elaborar projetos de escrita em colaborao. As Leis so um dilogo quase que certamente resultado de um esforo coletivo, com um argumento dialtico contnuo limitado fundamentalmente aos livros I-II e deixado incompleto quando do falecimento de Plato (Nails e Thesleff 2003). Um pequeno nmero de breves passagens da Repblica parece ter sido alterado tambm pela mo do editor, sugerindo que este grande dilogo encontrou sua presente forma somente muito tarde na vida de Plato.

    Similarmente, devemos rejeitar a imagem de um Plato que educa iniciados oralmente ou que ministra conferncias doutrinais (embora Aristoxeno atribua a Aristteles uma anedota acerca da conferncia sobre o bem, Harmnica 30-1). Em fragmentos que nos foram transmitidos, os colegas de Plato no apelam ao que o mestre disse, embora manifestem uma discordncia sadia acerca da natureza

    da realidade e do conhecimento e acerca do sentido de teses obscuras feitas por personagens nos dilogos (Cherniss 1945). Devemos rejeitar estas imagens por conta de uma razo epistemolgica forte. Plato

    permanece sempre convencido que o que admitido por crena, de segunda mo, seja de outros ou de livros, nunca equivale a um estado cognitivo vlido; o conhecimento deve ser obtido pelos esforos da prpria pessoa. Plato busca antes estimular o pensamento que transmitir doutrinas. (Annas, 1996, p. 1.190)

    Referncias e leitura complementar

    Annas, J. (1996). Plato. In S. Hornblower and A. Spawforth (eds.) Oxford Classical Dictionary (pp. 1190-3). Oxford: Oxford University Press.

    Cherniss, H. F. (1945). The Riddle of the Early Academy. Berkeley: University of Califrnia Press.

    Davies, J. K. (.1971). Athenian Propertied Families 600-300 BC. Oxford: Clarendon Press.

    Jacoby, F. (1902). Apollodors Chronik. Berlin: Weidmann.

    Ledger, G. R. (1989). Re-Counting Plato: A Computer Analysis of Platos Style. Oxford: Oxford University Press.

    MacDowell, D. M. (1978). The Law in Classical Athens. Ithaca, NY: Cornell University Press.

    Nails, D. (1995). Agora, Academy, and the

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    Conduct of Philosophy. Dordrecht: Kluwer.

    ______(2002). The People of Plato: A Prosopography of Plato and Other Socratics. Indianapolis: Hackett.

    Nails, D. e Thesleff, H. (2003). Early academic editing: Platos Laws. In S. Scolnicov and L. Brisson (eds.) Platos Laws: From Theory into Practice (pp. 14-29). Sankt Augustin: Academia.

    Randall, J. H., Jr. (1970). Plato: Dramatist ofthe Life of Reason. New York: Columbia University Press.

    Riginos, A. S. (1976). Platnica: The Anecdotes Conceming the Life and Writings of Plato. Leiden: Brill.

    Ryle, G. (1966). Platos Progress. Cambridge: Cambridge University Press.

    Taylor, A. E. (1956). Plato: The Man and his Work. Cleveland: World.

    Thesleff, H. (1967). Studies in the Styles of Plato. Helsinki: Suomalaisen Kirjallisuuden Kirjapaino.

    ______(1982). Studies in Platonic Chronology. Helsinki: Societas Scientiarum Fennica.

    Westlake, H. D. (1994). Dion and Timoleon. In D. M. Lewis et al. (eds.) The Cambridge Ancient History, vol. 6: The Fourth Century BC (pp. 693-722). Cambridge: Cambridge University Press.

    Woodbridge, F. J. E. (1929). The Son of Apollo: Themes of Plato. Boston: Houghton Mifflin.

    NOTAS

    Todas as tradues so do autor, a menos que haja outra indicao.

    1. Muitos leitores resistem a serem soterrados pelas excees, qualificaes, citaes e comentrios laterais que so necessrios para um relato completo; para argumentos mais matizados e mais abrangentes, bem como para uma avaliao das fontes, ver Nails (2002), incluindo os verbetes sobre Plato e todas as outras pessoas mencionadas aqui.

    2. O livro de Taylor, Plato the Man and his Works, foi editado inicialmente em 1927 e seguiu de perto o modelo alexandrino. Ryle (1966) e Randall (1970) questionaram a assim contada histria de Apolodoro, mas no fizeram uma reavaliao da evidncia disponvel.

    3. A carta endereada famlia e aos amigos de Don. Somente no caso de outras cartas, o testamento e alguns poucos epigramas atribudos a Plato serem autnticos que haver informao autobiogrfica suplementar a respeito de Plato.

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    2. Interpretando Plato

    CHRISTOPHER ROWE

    um dado que Plato era um filsofo e qualquer outra coisa que tambm tenha sido: por exemplo, o maior expoente da prosa escrita grega ou um escritor de dramas de primeira ordem um papel cuja importncia para o presente contexto ficar imediatamente visvel. O trabalho de interpretar qualquer (com raras excees) outro filsofo mais fcil do que interpretar Plato. A principal razo disso se for razovel supor tambm que ele est preocupado em comunicar-se com os outros e no est escrevendo meramente para si prprio que sempre se dirige a seu leitor de um modo indireto: concebendo dilogos, isto , conversas sob a forma de drama, nas quais jamais aparece como uma personagem. (Algumas cartas nos foram transmitidas sob seu nome, das quais uma somente a stima tem bastante chance de ser genuna. Porm, mesmo que tenha sido escrita por Plato, pouco nos ajudaria; no teramos nem mesmo sabido com base nesta carta que Plato escreveu dilogos, menos ainda como interpret-lo.) (Ver 1: A Vida de Plato

    em Atenas.) Temos de nos perguntar onde, se acaso em algum lugar, encontramos a autntica voz do autor e esta uma questo longe de ser respondida facilmente, na medida em que a personagem central na maioria dos dilogos, Scrates, tipicamente sugere que as ideias que defende vm propriamente de outras fontes: meramente um algum disse ou algum indivduo nomeado, como a sacerdotisa Diotima no Banquete (provavelmente ela mesma uma fico), ou ele sugere que so ideias somente provisrias. (Sobre este tpico, veja, entre outros, Klagge e Smith 1992; Press, 2000.) Acrescente-se a isso que um nmero importante de dilogos termina, pelo menos superficialmente, em aporia ou impasse, e no difcil de ver por que alguns intrpretes, antigos e modernos, propuseram que Plato no tinha propostas definitivas para fazer, no tinha concluses prprias para propor a seus leitores: ou bem, como os cticos antigos platnicos (acadmicos) sugeriram, porque ele prprio era realmente um ctico, cuja mensagem era que devamos procurar a verdade sem nenhuma expectativa de encontrar algo melhor do que o meramente provvel, ou bem porque seu objetivo mximo ou principal era o de nos encorajar a

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    fazer filosofia e pensar coisas por ns mesmos antes que supor que podemos encontrar o que precisamos em outros ou em livros. A ltima perspectiva a viso mais congnere aos naturais sucessores cticos modernos, os intrpretes educados na tradio analtica.

    Contudo, se olharmos inteira histria da interpretao de Plato, os dilogos tm mais frequentemente sido lidos como a fonte de um conjunto de teses altamente significativas e conectadas acerca da existncia e da natureza humana e acerca do mundo em geral, sustentadas com uma firmeza que ctico algum poderia aceitar como justificada. Ou bem assim sustentaram seus leitores mais numerosos, na maior parte neoplatnicos estas teses esto l em Plato para serem lidas, pelo intrprete exmio, de cada e de todos os dilogos, ou bem (em uma variante relativamente recente deste mesmo modo dogmtico de interpretao), elas se escondem por trs por prprios dilogos, na forma do que Aristteles chamava doutrinas no escritas; para esta ltima perspectiva, deve-se consultar, por exemplo, Kramer, 1959; Szlezk, 1985; 2004. (Dogmtico usado aqui

    somente como um termo til para contrastar com ctico. Poucos leitores modernos tratariam Plato como de fato um dogmtico por conta das descries explcitas do processo filosfico que se encontra nos dilogos.) O ltimo tipo de leitura certamente atraente caso, por exemplo, algum se concentra nos tipos de ideias que parecem ter sido defendidas pelos sucessores imediatos de Plato na direo da Academia, Espeusipo e Xencrates. O que poderia ser mais natural do que supor que estavam seguindo os passos de Plato e que suas perspectivas eram na realidade muito similares s de Plato, somente expressas de modo mais explcito e direto, e no mais escondidas por trs de dilogos de fico?

    Deve-se dizer de sada que a balana de probabilidade parece estar do lado do tipo de interpretao dogmtica ou doutrinal antes que do lado de sua contraparte ctica. H simplesmente muitas ocasies nos dilogos em que mesmo Scrates no somente parece comprometer-se com ideias positivas (tanto quanto se compromete com algo), mas tambm no oferece razo para as rejeitar: acerca da inconfiabilidade das avaliaes ordinrias do que bom e

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    ruim; acerca da importncia para todos os homens do conhecimento e da virtude, isto , as vrias virtudes como justia, coragem e moderao ou autocontrole (isto , sphrosun, tradicionalmente traduzido, de modo pouco til, por temperana); acerca da necessidade que temos ns, homens, de nos assemelhar aos deuses, os quais Scrates tipicamente toma por conhecedores ideais, e assim por diante. Embora no haja aqui muito que seja de fato incompatvel com um tipo moderado de ceticismo Acadmico? , mesmo assim a leitura ctica parecer provavelmente maioria dos leitores como pondo a nfase de modo muito errado. Ainda que sejam importantes as qualificaes que se ligam aos (que parecem ser) resultados dos dilogos, somos fortemente encorajados, pelo modo como foram escritos os dilogos, a supor que estes resultados importam mais ao autor ou pelo menos sua personagem Scrates do que as qualificaes a eles ligadas; se a verdade nos , em ltima instncia, inacessvel, Plato todavia continuamente sugere (de um modo que um ctico certamente no poderia fazer) que podemos nos aproximar em um maior ou menor grau da verdade, obter uma maior ou

    menor apreenso dela.

    Todavia, interpretaes dogmticas no so certamente a nica alternativa leitura ctica: e at parecer a muitos, mesmo entre aqueles que no so eles prprios leitores cticos, que tomam muita coisa por suposto. Primeiro, h aqueles, principalmente tericos literrios de tom ps-moderno, que protestaro que tal modo de tomar Plato, se for avanado como o modo certo de o tomar (como no presente contexto ele certamente tomado), pressupe ilegitimamente a realizao de um projeto que, por sua prpria natureza, irrealizvel: recuperar a verdade a respeito de Plato, como se houvesse um modo nico que Plato ou seus textos ou qualquer coisa realmente so. Pouco importa devido especialmente a estes sculos de interpretao dogmtica que o nome de Plato tenha se tornado sinnimo deste tipo de erro (chame-o de essencialismo e Plato ser o essencialista por excelncia), a ele tambm se deve permitir ter muitas vozes. Isso no depende tanto da dificuldade de recuperar a inteno de um autor, que no somente est morto, mas que parece ter deliberadamente evitado nos dizer o que pensava; antes que

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    textos em geral so assim. (Para uma verso mais sutil e matizada da abordagem que descrevo aqui, grosso modo, ver Blondell, 2002.)

    Eis a fraqueza da objeo dos ps- modernos: se esto em ltima instncia baseando-se na tese no demonstrada que nenhum texto unvoco, ento, a menos que a tese seja meramente trivial, eles esto pressupondo coisas demais. Talvez seja impossvel esclarecer inteiramente os textos literrios e talvez no devamos querer esclarec-los inteiramente, mas por que no poderia ser diferente com textos filosficos inclusive com textos filosficos altamente literrios?

    Muito mais ameaadora para todo tipo de interpretao dogmtica a acusao que ela pressupe que o intrprete est autorizado a ler cada dilogo luz dos outros, quando os dilogos (assim reza o argumento) raramente nos convidam a fazer tal coisa, visto que eles so na maioria dos casos artefatos independentes. Ocasionalmente, como com o Teeteto, o Sofista ou o Poltico, os dilogos formam uma srie, com cada discusso sucessiva referindo-se explicitamente anterior com o

    mesmo grupo de interlocutores. O Timeu e o Crtias fazem parte de um grupo do mesmo modo que o grupo Teeteto-Sofista-Poltico e o Timeu parece referir-se a uma conversa ocorrida muito similar representada na Repblica, embora os interlocutores Scrates parte sejam diferentes. (O Timeu e o Crtias foram evidentemente concebidos de modo a serem completados com um Hermcrates, ao passo que o Poltico devia ser seguido por um Filsofo.) Estes, porm, so exceo: a regra geral, sobre os trinta (ou quase) dilogos genunos, que cada um inicia de um ponto novo e usualmente com um interlocutor ou um conjunto de interlocutores diferente; por vezes o prprio Scrates suplantado no papel de principal locutor. Plato no precisava escrever assim, j que a princpio poderia ter escrito todos os dilogos como uma srie de conversas conectadas entre o mesmo elenco ou similar, com referncias entre eles para trs e mesmo para frente. nosso dever assim se pode dizer (ver especialmente Grote, 1865) reconhecer esta caracterstica fundamental da obra de Plato, sobretudo porque ao desprez-la abrimos o flanco acusao de tomar partido na questo reconhecidamente controversa sobre

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    se h ou no algo como um sistema unificado contido no interior dos dilogos.

    Deve-se dizer, de todo modo, que a tentativa de aplicar uma abordagem consistentemente unitria s obras de Plato cai imediatamente em dificuldades de monta. Intrpretes antigos, de todas as perspectivas, tendiam simplesmente a assumir que Plato estava sempre dizendo a mesma coisa (o que quer que estivesse dizendo) e podiam manter esta posio simplesmente por ignorar as partes que poderiam parecer estar dizendo algo diferente para um tipo de leitor diferente e talvez mais exigente. Porm, o problema que Plato frequentemente parece de fato dizer faz sua(s) personagem(ns) principal(is) dizer coisas diferentes em lugares diferentes e, na verdade, no raramente parece se contradizer. Para lidar com este tipo de problema, uma das respostas modernas mais comuns consiste em supor que o pensamento de Plato passou por desenvolvimentos importantes: isto , que ele mudou de opinio a propsito de pontos-chave (e, na verdade, a expectativa moderna de um filsofo em contraste com a antiga), em alguns casos

    abandonando o que veio a lhe parecer como posies insustentveis; em outros, refinando o que tinha sido posto anteriormente de modo mais cru, e assim por diante. Esta abordagem desenvolvimentista interpretao de Plato tornou-se padro desde a dcada de 1950 ou antes, pelo menos no mundo de lngua inglesa e se solidificou em uma tese particular sobre a carreira intelectual de Plato. A tese que ele comeou escrevendo dilogos socrticos (ou primeiros), imitando os mtodos e as preocupaes de seu mestre Scrates, das quais ele ento se liberou, nos dilogos mdios, introduzindo algumas de suas ideias mais caractersticas, especialmente na metafsica (refiro-me aqui, sobretudo, obviamente sua teoria das formas); porm, em seu perodo ltimo, ele finalmente tomou distncia de suas construes mdias otimistas em direo a um tipo de reflexo mais sbria. Visto desta maneira, desenvolvimentismo tanto uma estratgia para manter um tipo de abordagem unitria, ou pelo menos unificadora, quanto uma alternativa a ela. Isto , desenvolvimentismo pressupe a mesma licena para interpretar um dilogo descolado de

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    outro ou de outros, exceto que esta licena ficou agora mais restrita ou localizada (lendo entre os dilogos que ocorrem dentro de um perodo, mas em geral no entre dilogos que caem em perodos diferentes). E assim como a leitura dogmtica tem inicialmente maior plausibilidade do que a leitura ctica, j porque temas e ideias positivos reaparecem em diferentes dilogos, assim tambm a abordagem desenvolvimentista parece inicialmente mais plausvel do que a pura abordagem unitria, simplesmente porque leva em conta o modo como a recorrncia pode parecer vir de mos dadas com a reformulao e mesmo do modo como temas e ideias, ao invs de reaparecerem, podem de fato desaparecer de cena. (Para certos gostos, o que estou dizendo agora pode bem parecer levar pouco em conta a forma dramtica ou, mais geralmente, literria: veja anteriormente. Junto com muitos intrpretes de Plato, no momento fala-se como se o dilogo dramtico fosse meramente outro modo de fazer o que poderia ter sido feito mediante um monlogo. Estas questes sero mais uma vez tratadas em breve.) (Ver 4: A Forma e os Dilogos Platnicos).

    Ao mesmo tempo, a abordagem desenvolvimentista ou pelo menos o tipo de verso padro do desenvolvimentismo que se descreveu tem suas prprias fraquezas. Uma primeira objeo, e talvez a mais importante, que parece psicologicamente implausvel que Plato d as costas intelectualmente a Scrates (isto , nos dilogos mdios) e mesmo assim continue a us-lo como sua principal personagem para introduzir precisamente as ideias que esto substituindo as suas (de Scrates). possvel encontrar vrios modos para atenuar este problema, mas ele permanece todavia um problema. Uma segunda objeo abordagem padro desenvolvimentista que ela enfatiza demasiadamente as diferenas entre os trs grupos de dilogos; uma terceira que a diviso em grupos ela prpria incerta e sujeita a controvrsias.

    Um exemplo da segunda objeo Kahn 1996, que argumenta que os primeiros dilogos so mais bem lidos como preparando em algum sentido o caminho e representando parte do mesmo projeto que a Repblica, por quintessncia o dilogo mdio para aqueles que acreditam

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    em um Plato mdio e metafsicamente renovado. Mais adiante se propor uma leitura que , de certo modo, uma imagem especular da de Kahn, mas que tem o mesmo efeito de reduzir o fosso entre os perodos primeiro e (supostamente) mdio. Quanto diviso entre mdio e ltimo, a maioria dos que trabalham sobre os dilogos polticos de Plato provavelmente concorda agora que a Repblica (mdio) e as Leis (ltimo e de fato ltimo de todos os dilogos) podem muito bem ter sido escritos ao mesmo tempo em relao a todo o desenvolvimento no pensamento poltico que pode ser identificado entre eles (ver Laks, 1990). E est longe de ser claro o que so as formas ou como exatamente sua introduo muda o cenrio filosfico (este ponto ser retomado em seguida) (ver 12: As Formas e as Cincias em Scrates e Plato); contudo, de acordo com a verso da hiptese desenvolvimentista em questo, provavelmente o marcador individual mais importante da mudana do perodo primeiro / socrtico para o mdio (ver Vlastos, 1991 e mais adiante; para um tratamento mais sutil: Fine, 2003, p. 298; contra, Rowe, 2005).

    Ocorre que trs dilogos nos quais as formas platnicas parecem figurar Fdon, Banquete e Crtilo pertencem de fato, segundo a melhor evidncia estilomtrica, ao primeiro grupo de dilogos (este o terceiro tipo de objeo leitura padro desenvolvimentista dos dilogos, a saber, que ao final das contas no temos boas razes para aceitar a diviso dos dilogos de que depende; ver Kahn, 2002.) (Estilometria o estudo das marcas identificadoras do estilo de um autor, em especial de marcas das quais se pode presumir que era inconsciente; se tais marcas variam entre obras ou grupos de obras, uma explicao possvel que as obras em questo foram escritas em perodos diferentes. Pode-se comparar perodos diferentes na produo de um pintor ou um compositor.) Assim, se a estilometria tem algum valor e se diferenas estilsticas indicam aqui dilogos escritos em diferentes perodos, alguns dos supostos dilogos mdios so primeiros.

    Obviamente, mudanas significativas no pensamento de Plato no precisam coincidir com mudanas em seu estilo de escrever. Contudo, os assim ditos dilogos mdios padro, incluindo aqueles

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    trs estilisticamente mais recentes, so, como um grupo, marcadamente diferentes dos dilogos primeiros em termos de estrutura e, acima de tudo, de ambio. Somente um dos dilogos que a viso desenvolvimentista padro tende a colocar antes do perodo mdio, a saber, o Grgias, est escrito no mesmo tipo de escala do que os grandes (assim ditos) mdios dilogos como a Repblica qual o Grgias comparvel tambm em outros aspectos, ainda que, diferentemente da Repblica, no contenha nenhuma meno s formas (supostamente do perodo mdio). Dilogos primeiros, socrticos como o Eutifro, o Carmides ou o Lsis, em contraste, tendem a ser curtos e a terminar em impasse. Assim, alguma coisa a respeito do estilo de Plato nos (assim ditos) dilogos mdios parece ser diferente, embora no se mostre no nvel das anlises microscpicas dos estilometristas. Todavia, se o maior tipo de diferena estilstica em questo o grande tamanho das construes envolvidas no corresponde a uma mudana clara, e claramente relevante, em termos de contedo (aqui refere-se novamente questo acerca da diferena que as formas

    produzem), esta diferena estilstica maior deixa de ser apoio forte defesa desenvolvimentista, na medida em que esta defesa concebida em termos de contedo. Antes, a adeso de Plato escala maior (no caso da Repblica, a uma escala monumental) pode sugerir uma mudana em sua atitude face audincia e/ou em sua viso do tipo de audincia a que deve se dirigir: talvez uma audincia maior e menos especializada, uma vez que as obras maiores tendem a ser mais acessveis e inteligveis, pelo menos em certo nvel, do que as mais curtas.

    A este ponto se retomar em breve. Pretende-se aqui meramente sugerir, sem argumentar em seu favor, uma verso alternativa e algo atenuada da abordagem desenvolvimentista: uma verso que , na verdade, em alguns aspectos, to atenuada que pode parecer, ao final, dificilmente distinguvel de uma viso unitria moderada.

    A verso padro do desenvolvimentismo v vrios tipos de mudana, nem sempre conectadas, que ocorrem no pensamento que Plato est pronto para pr na boca de sua personagem Scrates nos dilogos

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    mdios (ver especialmente Vlastos, 1991, cAp. 2); contudo, como se disse, a mudana relativa s formas primeiramente introduzidas, depois (alegadamente) abandonadas ou repensadas que tende a ser representada como a mudana mais significativa. Este modo de compreender Plato, com efeito, comeou com Aristteles, quem primeiro identificou as formas ou, falando mais estritamente, a separao das formas como o ponto de ruptura decisivo entre Plato e Scrates: Plato concebeu formas separadas, ao passo que Scrates no. (Se formas forem universais, que o nico meio que Aristteles tem de as tomar, a diferena consistiria em algo como Plato as tratando como coisas reais, ao passo que Scrates as teria tratado como existindo somente em nome ou somente nas coisas particulares.) Agora, j no incio de seus escritos, Aristteles passou a objetar este lance de Plato e obviamente o concebeu como central: mas no precisamos segui-lo e fazer o mesmo (ver 27: Aprendendo sobre Plato com Aristteles). Pode ser que um comprometimento com formas separadas seja ou se torne um elemento indispensvel no pensa-mento de Plato, e mesmo difcil

    imaginar a subsequente longa histria do platonismo sem isso. Todavia, ao mesmo tempo no claro que diferena isso teria produzido no projeto prprio a Scrates; ele no parece ter-se preocupado com o status ontolgico das coisas (o bem, o justo, o belo e assim por diante) que ele considerava ser de compreenso crucial, e bem plausvel supor que teria reagido com equanimidade proposta de Plato de as tratar como objetos independentes, se isso em que consiste a separao. Que o prprio Plato teria esperado uma tal reao pode ser sugerido pelo fato mesmo que ele faz Scrates introduzir a teoria das formas como algo familiar ao contexto de suas discusses filosficas (embora o argumento at aqui tenha deixado um grande ponto de interrogao sobre a questo de fazer Scrates atuar como proponente de ideias no socrticas: veja-se anteriormente e mais adiante).

    O que realmente divide Plato de Scrates, segundo a verso no padro de desenvolvimentismo que aqui se advoga, que Plato passou a conceber os seres humanos como uma combinao permanente de racional e irracional. A verso padro tambm reconhece a mesma

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    mudana, mas a toma como uma dentre outras, que se deu separada e independentemente medida que Plato afirma sua independncia das ideias e mtodos de argumento socrticos. A verso preferida, ao invs desta, v a introduo das partes irracionais da alma argumentadas especificamente no livro IV da Repblica (ver 19: A Alma Platnica, 23: Plato e a Justia) (a) como a fonte de muitas outras mudanas (ver Rowe, 2003) e (b) como deixando outras partes da posio socrtica, em uma extenso surpreendente, intocadas. Scrates manteve-se fiel viso desconcertante, mas como algum poderia pensar dela otimista segundo a qual somos todos fundamentalmente racionais (ver 18: Os Paradoxos Socrticos). (Scrates aqui no meramente o Scrates dos dilogos de Plato, mas tambm, pelo menos em parte, o Scrates histrico. O testemunho de Aristteles aqui importante; veja abaixo e o Captulo 3: O Problema Socrtico.) Cada um de ns deseja seu prprio bem ou felicidade, cuja natureza iniciando de onde estamos agora pode em princpio ser descoberto mediante reflexo filosfi