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Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc • Ano III • nº 3 • fevereiro de 2004 O ajuste fiscal udou o governo mas o Brasil ainda vive o drama de reduzir o investimento em políticas sociais para realizar as metas assumidas junto ao Fundo Monetário Internacional – FMI. O forte ajuste fiscal implementado pelo Governo Lula, logo no início do mandato, serviu para dar credibilidade ao país e reduzir o “risco Brasil”, acalmando o mercado. Mas, por outro lado, determinou um sacrifício ainda maior à população, visto que os contingenciamentos decretados para cumprir a meta de superávit, de 4,25% do PIB, resultaram no corte de 10% dos gastos com as áreas sociais, em relação aos valores que o Congresso Nacional já havia aprovado para 2003. Nesta edição, o Inesc apresenta e analisa a execução orçamentária no primeiro ano do Governo Lula, e faz comparações com o Governo Fernando Henrique. O resultado deste trabalho desenha um cenário bem menos otimista do que aquele projetado pelo presidente Lula ao assumir o governo, deixando a certeza de que a sociedade civil tem um importante papel político a desempenhar no atual contexto. Esta publicação analisa temas diversos, com destaque para as questões de criança e adolescente, direitos humanos, meio ambiente, indígenas, reforma agrária e segurança alimentar. As tabelas orçamentárias referentes a esses assuntos estão disponibilizadas no site do Inesc: www.inesc.org.br. M E D I T O R I A L Primeiro ano do Governo Lula: reprise ou ensaio geral ? Em seu discurso de posse, o presidente Lula salientou que a mensagem da sociedade brasileira nas eleições de ou- tubro de 2002 podia ser resumida na palavra “mudança”. Mudança esta que deveria alterar a estrutura do modelo eco- nômico adotado pelo governo Fernando Henrique, para promover o crescimento, a geração de emprego e renda, a erradicação da fome, além de retirar da “precariedade avassaladora” a segurança pública e promover o “respeito aos mais velhos e o alento aos mais jovens”. É compreensível a alegação do novo governo de que da- das as incertezas do mercado e a herança recebida do gover- no FHC, era mister em um primeiro momento “arrumar a casa”, para, posteriormente, iniciar o processo de ruptura com o modelo anterior. Contudo, se levarmos em conta as metas e prioridades elencadas no Plano Plurianual - PPA 2004/2007, percebe- mos que a execução orçamentária de 2003 não encerra um 3 Apoio:

Boletim Orcamento 3

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Boletim Orcamento 3

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Publicação do Instituto de Estudos Socioeconômicos - Inesc • Ano III • nº 3 • fevereiro de 2004

O ajuste fiscaludou o governo mas o Brasil ainda vive odrama de reduzir o investimento em políticassociais para realizar as metas assumidas juntoao Fundo Monetário Internacional – FMI.O forte ajuste fiscal implementado pelo GovernoLula, logo no início do mandato, serviu paradar credibilidade ao país e reduzir o “riscoBrasil”, acalmando o mercado.Mas, por outro lado, determinou um sacrifícioainda maior à população, visto que oscontingenciamentos decretados para cumprir ameta de superávit, de 4,25% do PIB, resultaramno corte de 10% dos gastos com as áreas sociais,em relação aos valores que o Congresso Nacionaljá havia aprovado para 2003.Nesta edição, o Inesc apresenta e analisa aexecução orçamentária no primeiro ano doGoverno Lula, e faz comparações com oGoverno Fernando Henrique. O resultado destetrabalho desenha um cenário bem menosotimista do que aquele projetado pelo presidenteLula ao assumir o governo, deixando a certezade que a sociedade civil tem um importantepapel político a desempenhar no atual contexto.Esta publicação analisa temas diversos, comdestaque para as questões de criança eadolescente, direitos humanos, meio ambiente,indígenas, reforma agrária e segurançaalimentar. As tabelas orçamentárias referentes aesses assuntos estão disponibilizadas no site doInesc: www.inesc.org.br.

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E D I T O R I A LPrimeiro ano doGoverno Lula: repriseou ensaio geral ?

Em seu discurso de posse, o presidente Lula salientouque a mensagem da sociedade brasileira nas eleições de ou-tubro de 2002 podia ser resumida na palavra “mudança”.Mudança esta que deveria alterar a estrutura do modelo eco-nômico adotado pelo governo Fernando Henrique, parapromover o crescimento, a geração de emprego e renda, aerradicação da fome, além de retirar da “precariedadeavassaladora” a segurança pública e promover o “respeitoaos mais velhos e o alento aos mais jovens”.

É compreensível a alegação do novo governo de que da-das as incertezas do mercado e a herança recebida do gover-no FHC, era mister em um primeiro momento “arrumar acasa”, para, posteriormente, iniciar o processo de rupturacom o modelo anterior.

Contudo, se levarmos em conta as metas e prioridadeselencadas no Plano Plurianual - PPA 2004/2007, percebe-mos que a execução orçamentária de 2003 não encerra um

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Apoio:

2 fevereiro de 2004

período de encenação de políticas públicas que visamao ajuste fiscal em detrimento das políticas sociais. Ex-pressa, somente, mais um ato de um “espetáculo” anun-ciado de forma reincidente, mas que ainda não saiu dacoxia.

Pelo que o PPA indica, 2003 não passou de umensaio geral para a reprise da peça em cartaz nosúltimos oito anos, pois não evidencia uma propen-são do novo governo para alterar a marcação dosatores no processo econômico, uma vez que a metaprevista de superávit continuará a ser de 4,25% doProduto Interno Bruto - PIB.

Antes de partirmos para a análise da execução or-çamentária, é importante recordar que o exercíciode 2003 foi iniciado com o anúncio de um ajustemonetário e fiscal rigoroso, que elevou a taxa básicade juros em 0,5% e a meta de inflação para 8,5%1 .

No que diz respeito aos aspectos fiscais, o governoelevou a meta de superávit primário do setor público

Orçamento: uma publicação do INESC - Instituto de Estudos Socioeconômicos, com as parcerias da Fundação Avina e da FundaçãoHeinrich Böll. Tiragem: 3 mil exemplares - End: SCS - Qd, 08, Bl B-50 - Salas 431/441 Ed. Venâncio 2000 - CEP. 70.333-970 -Brasília/DF - Brasil - Fone: (61) 212 0200 - Fax: (61) 212 0216 - E-mail: [email protected] - Site: www.inesc.org.brConselho Diretor: Jackson Machado, Ronaldo Garcia, Elisabeth Barros, Gilda Cabral, Gisela Alencar, Nathali Beghin,Paulo Calmon, Pe. José Ernani - Colegiado de gestão: José Antônio Moroni, Iara Pietricovsky - Assessoria Técnica: Denise Rocha,Edélcio Vigna, Jair Barbosa Júnior, Jussara de Goiás, Luciana Costa, Márcio Pontual, Ricardo Verdum, Selene Nunes.Projeto gráfico: DataCerta Comunicação. Editora responsável: Luciana Costa (DRT 258/82) – Impressão: Gráfica Ipiranga

não-financeiro consolidado de 3,75% para 4,25%do PIB, alegando que uma meta fiscal mais rigorosairia contribuir para o êxito da política monetária edo controle da manutenção da relação dívida líqui-da/PIB, o que permitiria posteriormente: (i) o alon-gamento do prazo da dívida; (ii) a redução dos juros;(iii) o aumento dos recursos à disposição do setor pri-vado; e (iv) a geração de um número maior de em-pregos e, conseqüentemente, aumento de renda.

Para atingir a meta do superávit estabelecido, ogoverno decretou dois contingenciamentos. No pri-meiro, Decreto n.º 4.591, de 10 de fevereiro de2003, o corte foi de R$ 14,1 bilhões, o que implicouna redução das despesas com investimentos de R$14,5 bilhões para R$ 3,9 bilhões, e no represamentode R$ 3,6 bilhões em despesas de custeio. Já no se-gundo, Decreto n.º 4.708, de 25 de setembro de2003, o corte foi de R$ 300 milhões devido à redu-ção nas estimativas das receitas, o que alterou o volu-

Esta publicação utiliza papel reciclado

1 A taxa básica de juros naquele momento era de 25% e a meta de inflação para o exercício de 2003 era de 4%.

ráfico 1G

Dívida PúblicaSuperávit primário acumulado em 12 meses

Fonte: Global Invest

(R$ milhões)

fevereiro de 2004 3

Orçamento

me de recursos destinados às atividades e operações,uma vez que o limite para os dispêndios em projetosfoi arredondado para R$ 4,4 bilhões.

Esta política fiscal restritiva contribuiu para apa-ziguar os ânimos do mercado e recuperar acredibilidade do país2 , o que fez com que a infla-ção fosse domada, possibilitando a queda na taxade juros3 . Contudo, a tendência de queda dos ju-ros, verificada a partir de junho, não foi suficiente

para impulsionar o crescimento da economia, umavez que a taxa de crescimento acumulada ao longodo ano4 foi de apenas 0,3%5 .

Isto se refletiu no aumento da taxa média dedesocupação de 2003 (12,3%), quando compa-rada ao exercício de 2002, que foi de 10,5%, e noimpacto imediato na renda média dos brasileiros,que teve redução de 12,9% em termos reais.

A dívida líquida do setor público alcançouR$ 913,14 bilhões em dezembro, o equivalente

ráfico 2G

a 58,16% do PIB, percentual que é ligeiramen-te maior ao verificado no exercício de 2002.

A execução orçamentária de 2003Analisando-se a execução orçamentária6 do primei-

ro ano do Governo Lula, observa-se que a exacerba-ção da política de geração de superávit primário redu-ziu em aproximadamente 10% os dispêndios da áreasocial, em relação ao que previa a Lei Orçamentária

autorizada pelo Congresso para o exercício de 2003.E, tomando-se como base de referência os recursosautorizados após o contingenciamento7 , houve redu-ção de 14% (tabela 1).

A análise da execução orçamentária8 sob a óti-ca da natureza do gasto revela o impacto do ajustefiscal no orçamento de 2003 comparado ao de2002. Neste sentido, a tabela 2 evidencia que 62%dos recursos liquidados em 2003 foram destina-dos ao pagamento de juros, encargos e amortiza-

2 O risco Brasil fechou o ano de 2003 abaixo de 400 pontos.3 De junho a dezembro, a taxa de juros básica da economia (Selic) caiu 10 pontos percentuais.4 Variação percentual em volume, cuja base de comparação é o mesmo período do ano anterior (dados preliminares do IBGE - 3 º trimestre de 2003).5 A China e a Argentina cresceram aproximadamente 9% e 8%, respectivamente, em 2003.6 Tomou-se como base os dados executados até 12/12/2003, que foram os últimos disponibilizados pela Consultoria da Câmara até a elaboração deste boletim.7 Considerou-se os seguintes Decretos: 4.591 (fevereiro); 4.708 (maio); 4.847 (setembro).8 As tabelas orçamentárias que subsidiaram a elaboração das análises deste boletim encontram-se disponíveis para download no endereço: www.inesc.org.br

Juros e inflaçãoComparação entre as taxas acumuladas em 12 meses no Brasil

Fonte: Global Invest

4 fevereiro de 2004

9 As análises da execução orçamentária por função estão referenciadas na tabela 3.

Execução Orçamentária de 2003: Ministérios e Secretariasselecionados

Ministério/Secretaria Dotação Autorizado Executado Contingenciado/ Executado/ Executado/

Inicial em após contingen- em R$ Dotação Dotação Contingen-

R$ (1) ciamento (3) Inicial (%) Inicial (%) ciado (%)

em R$ (2)

Área Social 53.911.359.817 56.695.724.602 48.623.649.787 5,16 (9,81) (14,24)

Min. da Educação 18.037.343.186 20.232.244.159 14.670.453.749 12,17 (18,67) (27,49)

Min. da Saúde 30.590.984.324 30.518.009.279 26.716.512.767 (0,24) (12,67) (12,46)

Min. da Cultura 388.570.321 267.058.208 183.244.684 (31,27) (52,84) (31,38)

Min. do Meio Ambiente 1.388.089.362 990.637.239 638.387.601 (28,63) (54,01) (35,56)

Min. do Desenvolvimento Agrário 2.144.705.771 1.888.927.678 859.209.182 (11,93) (59,94) (54,51)

Min. da Assistência e Prom. Social (4) 7.062.713.059 2.716.065.028 4.766.411.733 (61,54) (32,51) 75,49

Gab. Seg. Alimentar Comb. Fome - n.d. 508.937.383 - - -

Fundação Nacional do Índio 207.311.409 n.d. 164.214.122 - (20,79) -

Fundo Nac. Segurança Pública 404.290.037 n.d. 74.683.141 - (82) -Fonte: SIAFI/STN - Base de Dados: Consultoria de Orçamento/CD e Prodasen.Elaboração: Inesc(1) Valor da Lei Orçamentária aprovada após os vetos.(2) Valor das despesas discricionárias autorizadas pelo Decreto nº 4.708 (maio), somado ao valor de lei mais créditos das despesas obrigatórias excluídas do contingenciamento pelos Decretos nº 4.591(fevereiro) e n.º 4.847 (setembro).(3) Valor liquidado do Orçamento Geral da União de 2003, até 12.12.2003.(4) Considerou-se aqui a dotação inicial da função assistência, uma vez que este órgão inexistia no período de elaboração da proposta orçamentária, estando suas ações vinculadas ao então Ministério daPrevidência e Assistência Social.

abela 1T

ção da dívida, o que constitui um valor 8% supe-rior ao realizado no último ano do Governo FHC,apesar da ligeira redução dos dispêndios com opagamento de juros e encargos da dívida.

As despesas com investimentos, que já eram ínfi-mas em 2002, foram reduzidas ainda mais, não al-cançando sequer o patamar de 0,5% do montanteexecutado pelo governo federal, o que representouum corte de 84% em relação a 2002. As despesascom pessoal e encargos sociais foram, em 2003, 17%

Grandes Núcleos da Despesa Liquidado % em Liquidado % em

em 2002 Relação em 2003 em Relação

(Em R$)* ao Total (Em R$) ao Total

Pessoal e Encargos Sociais 86.069.469.172,32 11,12 71.007.998.947,00 9,39

Juros e Encargos da Dívida 63.392.237.255,39 8,19 55.957.387.708,00 7,40

Outras Despesas Correntes 239.505.161.495,92 30,93 201.213.250.071,00 26,61

Investimentos 11.616.979.251,71 1,50 1.818.907.773,00 0,24

Inversões Financeiras 24.016.926.920,38 3,10 13.286.475.110,00 1,76

Amortização da Dívida 349.642.230.207,92 45,16 412.991.409.710,00 54,61

Total 774.243.004.304 100,00 756.275.429.319 100,00Fonte: SIAFI/STN - Base de Dados: Consultoria de Orçamento/CD e Prodasen.Elaboração: Inesc* Valores acumulados até 12/12/2003, corrigidos pelo índice de variação dos preços médios medido pelo IPCA/IBGE.

abela 2

Execução Orçamanetária de 2003: Grandes Núcleos da DespesaT

menores que as praticadas em 2002, o que tam-bém ocorreu com os dispêndios destinados ao cus-teio da máquina administrativa, que tiveram redu-ção de aproximadamente 16%.

A análise das funções orçamentárias nos re-vela, ainda, que aproximadamente 30% do to-tal de recursos orçamentários autorizados peloCongresso Nacional não foram executados em2003 (tabela 3). Desta forma, foramselecionadas algumas funções9 com o intuito

fevereiro de 2004

fevereiro de 2004 5

Orçamento

Despesas por Função Autorizado Liquidado* Liquidado % do Liquidado

(Em R$) (Em R$) Autorizado em Relação

(%) ao Total

Legislativa 3.177.658.179,00 2.802.583.100 88,20 0,37

Judiciária 8.710.917.233,00 7.077.473.644 81,25 0,94

Essencial à Justiça 1.388.126.006,00 1.206.975.699 86,95 0,16

Administração 8.565.225.153,00 6.088.456.254 71,08 0,81

Defesa Nacional 12.791.624.922,00 9.759.139.771 76,29 1,29

Segurança Pública 2.827.790.940,00 1.838.238.649 65,01 0,24

Relações Exteriores 1.189.431.681,00 967.282.668 81,32 0,13

Assistência Social 9.244.231.325,00 6.704.335.073 72,52 0,89

Previdência Social 144.848.415.928,00 122.153.377.392 84,33 16,15

Saúde 27.967.908.678,00 23.935.075.250 85,58 3,16

Trabalho 9.630.944.525,00 8.909.614.766 92,51 1,18

Educação 14.840.290.193,00 11.261.547.398 75,88 1,49

Cultura 355.191.614,00 143.986.103 40,54 0,02

Direitos da Cidadania 604.647.527,00 255.040.798 42,18 0,03

Urbanismo 920.122.386,00 61.210.720 6,65 0,01

Habitação 381.075.802,00 6.922.032 1,82 0,00

Saneamento 225.881.454,00 5.192.946 2,30 0,00

Gestão Ambiental 2.352.484.448,00 547.925.200 23,29 0,07

Ciência e Tecnologia 2.123.726.303,00 1.558.170.953 73,37 0,21

Agricultura 10.157.449.143,00 5.642.878.218 55,55 0,75

Organização Agrária 1.609.584.540,00 580.235.191 36,05 0,08

Indústria 569.992.278,00 288.930.218 50,69 0,04

Comércio e Serviços 2.825.727.926,00 1.249.970.459 44,24 0,17

Comunicações 987.944.903,00 468.530.281 47,42 0,06

Energia 4.375.536.285,00 1.638.679.188 37,45 0,22

Transporte 5.715.022.952,00 1.741.874.172 30,48 0,23

Desporto e Lazer 359.988.668,00 24.610.632 6,84 0,00

Encargos Especiais 796.501.975.391,00 539.357.172.544 67,72 71,32

Total 1.075.248.916.383 756.275.429.319 70,33 100,00Fonte: SIAFI/STN - Banco de Dados da Consultoria de Orçamento/CD e Prodasen.Elaboração: Inesc* Dados acumulados até 12/12/2003.

onal e, neste sentido, é louvável que a execuçãodesta função tenha alcançado o patamar de81,32%. Contudo, deve-se observar que a execu-ção do Programa de Cooperação científica etecnológica internacional foi de somente 26,15%,o que revela que a realização desta rubrica não foiinserida como prioridade na agenda governamen-tal. Entretanto, este programa, se bem adminis-trado, poderia contribuir para a formação, quali-ficação e requalificação de nossos cientistas etecnológos e, em última instância, agregar valoraos nossos produtos, além de aumentar a inserçãodos mesmos em um mercado internacional cujosprodutos são decorrentes de um processo intensi-vo em tecnologia, o que conseqüentemente con-

de verificar se aquelas prioridades anunciadasno discurso de posse do presidente Lula foramtraduzidas na execução orçamentária de seu pri-meiro ano de mandato.

Promoção do Crescimento EconômicoA primeira “mudança” almejada não se concre-

tizou, pois o crescimento apresentado foi pífio. Paraque haja crescimento econômico, é necessário queo governo não somente acerte os rumos da políticamacroeconômica, como também tenha programasque concorram para este objetivo.

Ninguém questiona que a execução das açõesde Relações Exteriores é de extrema relevânciapara que o Brasil se afirme no contexto internaci-

Despesas do Governo Federal por Função - Exercício de 2003abela 3T

6 fevereiro de 2004

Para que o“espetáculo do

crescimento” seconcretize, é mister

que se priorize estasações (de energia),não somente para

impulsionar aalavancada do

crescimento, comotambém para prover

as necessidades deconsumo da

população

tribuiria para o crescimento econômico e para oaumento das reservas cambiais.

O precário nível de investimentos executadosna função Energia, apenas 1,93% do total de re-cursos autorizados, também contribui para alertara sociedade de que a retomada do crescimentoeconômico está distante. Para que a produção in-dustrial cresça, a oferta de energia deve acompa-nhar o ritmo deste crescimento. Contudo, sabe-seque nas últimas décadas não houve investimentosneste setor e que, portanto, para que o “espetácu-lo” se concretize é mister que se priorize estas ações,não somente para impulsionar a alavancada docrescimento, como também para prover as neces-sidades de consumo dapopulação.

É claro que a promoçãodo crescimento requer umajuste macroeconômico queenvolve, entre outros fato-res, a queda das taxas de ju-ros, e, portanto, não iráacontecer simplesmentecom investimento do gover-no na geração de energia,ciência e tecnologia ou, ain-da, na promoção do país noexterior. Contudo, o ajustemacroeconômico por si sótambém pode não ser capaz de induzir os retornosdos investimentos. Neste sentido, a análise dos investi-mentos em geração de energia, da promoção das rela-ções exteriores e do incremento em ciência e tecnologiatem o objetivo de chamar a atenção da sociedade civilpara alguns aspectos relacionados ao processo de reto-mada do crescimento

Geração de Emprego e RendaSe a política de geração de emprego e renda for ana-

lisada não somente a partir da criação de novos postosde trabalho e da execução de programas de transferên-cia de renda, mas, também, sob a ótica de que muitos

trabalhadores não inseridos no mercado carecem maisde instrumentos de qualificação e requalificação do queda oferta de emprego propriamente dita, então, pode-mos afirmar que o novo governo também está em défi-cit em relação a esta meta. Não somente pelo aumentodo nível de desemprego anteriormente ressaltado, mastambém devido à baixa execução dos programas cujosobjetivos são a promoção da requalificação profissionaldo trabalhador desempregado.

Não houve execução dos Programas deProfissionalização da enfermagem, Desenvolvimento daeducação profissional, Jovem empreendedor e do Pro-grama de Organização Produtiva das ComunidadesPobres – Pronager - no âmbito da função Trabalho. E

os programas de qualificação do trabalhador e de ge-ração de emprego e renda apresentaram execução de25,74% e 4,54%, respectivamente.

Pelo que se pode depreender das estatísticas dedesocupação da população brasileira, não é plausí-vel apostar todas as fichas do crescimento na redu-ção da taxa de juros. Neste sentido, urge amobilização de todos os setores da sociedade paraque programas que visam à reinserção do trabalha-dor no mercado através da sua requalificação oucapacitação, e aqueles que visam à promoção do tra-balho e da renda tenham uma alocação de recursosque propicie a eficiência e a eficácia de suaimplementação.

Segurança PúblicaA Segurança Pública, outro item prioritário da agen-

da apresentada pelo presidente, teve execução de ape-nas 0,24% em relação ao total executado em 2003.Como se não bastassem os ínfimos recursos alocadosnesta função, ao se analisar os programas que a com-põem identifica-se que alguns deles não alcançaram se-quer o patamar de 50% de execução. Como é o caso,por exemplo, do Programa de Modernização da políciafederal, cuja execução foi de 41%; do Programa Nacio-nal antidrogas, que teve execução de 32%; do Progra-ma Segurança do cidadão, com execução de 19%; e doPrograma Paz nas escolas, que executou somente 4%.

fevereiro de 2004

fevereiro de 2004 7

Orçamento

Na função Educação,chama a atenção a

baixa execução(22,88%) do

Programa Escola dequalidade para todos,

cujo objetivo écontribuir para a

universalização doensino fundamental

de qualidade

Jovens e IdososPara analisar se a intenção de promover o “res-

peito aos mais velhos e o alento aos mais jovens” foitraduzida na execução das políticas públicas, foramanalisadas as funções de Assistência, Previdência,Saúde, Saneamento e Educação.

Na função de Assistência Social foram executa-dos 72,52% dos programas inicialmente autoriza-dos, conforme pode ser observado na tabela 1. Con-tudo, o Pronager teve a insignificante execução de1,51% em relação ao total de recursos autorizados.Este programa tem como objetivo a promoção dacapacitação e organização produtiva de comunida-des pobres, visando suainserção competitiva nomercado de trabalho,potencializando seus re-cursos e suas vocações eco-nômicas, e tem como pú-blico alvo os segmentosmais vulneráveis da popu-lação, incluindo os traba-lhadores desempregadosou subempregados. Emsuma, trata-se de um pro-grama essencial no que dizrespeito à promoção do trabalho e do acesso à ren-da e, portanto, de alento aos excluídos.

Na função Previdência Social, destaca-se a bai-xa execução dos Programas Arrecadação de re-ceitas previdenciárias e Desenvolvimento de re-gimes de previdência social dos estados e muni-cípios. O primeiro, que tem como objetivo o au-mento da arrecadação da Previdência Social, atra-vés de ações de controle, fiscalização e cobrançade créditos previdenciários, teve execução de17,84%, o que é incoerente se levarmos em con-ta a situação de déficit da Previdência e o esforçoda Reforma implementada no último ano. O se-gundo, cuja execução foi de 22,51%, tinha comoobjetivo a eliminação do desequilíbrio das contasde previdência dos estados e dos municípios, o

que deveria ser feito mediante a assistência técni-ca a estes entes, para auxiliá-los na estruturaçãode seus regimes próprios e complementares dePrevidência Social.

Além de serem fundamentais para a promoçãode um mínimo de dignidade para os idosos, os be-nefícios pagos pela Previdência Social contribuem,ainda, para o sustento de muitas famílias, conformerevela o IBGE, em estudo que indica que para cadasegurado da Previdência Social existem, em média,2,5 pessoas atingidas de maneira indireta pelo pa-gamento dos benefícios.

Na função Educação, chama a atenção a baixaexecução (22,88%) do Programa Escola de quali-dade para todos, cujo objetivo é contribuir para auniversalização do ensino fundamental de quali-dade, isto é, neste programa estão incluídas açõesde apoio ao desenvolvimento do ensino fundamen-tal, a capacitação de recursos humanos, a assistên-cia financeira para a melhoria das escolas, além daação denominada “dinheiro direto na escola” e datransferência direta de renda às famílias, atravésdos programas municipais de garantia de rendamínima, o bolsa-escola.

Mesmo sendo as ações de ensino fundamentalde competência precípua dos municípios e as de

ensino médio, dos estados, chama a atenção a baixaalocação de recursos pelo Governo Federal para estasetapas de formação básica dos indivíduos, pois estasconstituem, sobretudo, a formação dos mais jovenspara a cidadania e para a vida.

A execução da função Saúde foi de 85,58%.Entretanto, foi baixa nos seguintes programas:Qualidade e eficiência do Sistema Único de Saúde- SUS (13,01%); Saúde da mulher (42,74%); Saú-de do jovem (5,8%); Prevenção e controle de infec-ções hospitalares (27,74%); e Saneamento básico(5,01%). Este nível de execução nos remete à se-guinte questão: os investimentos em saúde públicano Brasil continuam priorizando a cura das doen-ças ao invés de preveni-las através, por exemplo, deações como a de saneamento.

8 fevereiro de 2004

Outras rubricasextramamente

importantes causamsérias preocupações,tendo em vista que já

possuem baixaalocação de recursos,

como é o caso de“transporte

escolar”, que teve15,69% de execução

Criança e AdolescenteNada de novo. Isso é o que se pode dizer sobre

a execução das políticas públicas voltadas paracrianças e adolescentes no ano de 2003. O valorde R$ 10,9 bilhões foi o total autorizado paraquatro programas no Ministério da Saúde; seteprogramas no Ministério da Educação; três pro-gramas no Ministério do Trabalho; quatro pro-gramas no Ministério da Assistência Social; cin-co programas no Ministério da Justiça; três pro-gramas no Ministério do Esporte e um progra-ma no Ministério do Turismo.

Do ponto de vista da execução orçamentária,olhando apenas opercentual de execução,quem se saiu melhor foio Ministério da Saúde.Dos R$ 4 bilhões auto-rizados foram liquidados89,81%, corresponden-do a R$ 3,6 bilhões.Vale observar que ape-nas o Projeto Saúde daFamília absorve quase atotalidade desses recur-sos: são R$ 3,5 bilhõesdestinados ao Piso de Atenção Básica - PAB, nosmunicípios em gestão plena da atenção básica.A execução chegou a 90,65% neste projeto, noqual está alocada a maior parte dos recursos pre-vistos e cujo repasse é obrigatório aos municípios.

O mesmo se deu no Ministério da Educação, queteve R$ 5,7 bilhões autorizados e executou 68,65%.O Programa Toda Criança na Escola teve R$ 4,6bilhões e executou 69,92%; nele o projeto que tevemaior alocação foi o de “Participação em programasmunicipais de garantia de renda mínima”, com R$1,6 bilhão e 87,68% de execução. As outras rubri-cas com boa execução foram “Merenda escolar”, com99,87%; “Dinheiro direto na escola”, com 97,57%;e “Publicidade de utilidade pública”, com 89,61%.Somente nesses quatro projetos somam-se R$ 2,4

bilhões do total autorizado para esse ministério. OFundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensi-no Fundamental e de Valorização do Magistério –Fundef - ficou com R$ 657,5 milhões e a execuçãopífia de R$ 308,4 milhões, o que corresponde a ape-nas 46,92% do total autorizado.

Outras rubricas extremamente importantes cau-sam sérias preocupações, tendo em vista que já pos-suem baixa alocação de recursos, como é o caso de“transporte escolar”, que teve R$ 89,4 milhõesautorizados e 15,69% de execução; “distribuiçãode acervos bibliográficos para escolas de ensinofundamental”, com R$ 133 milhões autorizados e

somente R$ 250,4 mil (0,19%) executados; “en-sino fundamental”, que teve R$ 880,7 milhões au-torizados e execução de 26,73%; e “correção dofluxo escolar – aceleração de aprendizagem”, comR$ 1,5 milhão autorizado e execução de apenasR$ 74,3 mil, perfazendo um total de 4,96%.

O então Ministério da Previdência e Assistên-cia Social se aproximou do Ministério da Educa-ção, executando 69,84%, mas de um total autori-zado bem menor que aquele: R$ 855,65 milhões.Dos quatro programas deste ministério, apenas“Combate ao abuso e à exploração sexual de cri-anças e adolescentes” teve 84,86% de execução,

mas também foi o programa que teve menoralocação: R$ 11 milhões autorizados. Os outros fi-caram abaixo: “atenção à criança”, com 71,49% deR$ 262,8 milhões; “Brasil jovem”, com 65,72% deR$ 76,3 milhões e “Erradicação do trabalho infan-til”, com 69,33% de R$ 505 milhões autorizados.

Aqui, a maior preocupação é o projeto “Geraçãode ocupações produtivas para famílias de criançasatendidas pelo programa de erradicação do traba-lho infantil”, que teve uma autorização de apenasR$ 29,6 milhões e 21,63% de execução. Se bem exe-cutado, esse projeto seria, sem dúvida alguma, estra-tégico para assegurar o êxito do programa bolsa-es-cola, tendo em vista que busca qualificar as famíliasno período em que as mesmas estão sendo beneficia-das por uma renda temporária, pressupondo que

fevereiro de 2004

fevereiro de 2004 9

Orçamento

essas famílias estariam adquirindo capacidade de auto-sustentação quando seus filhos não mais preenche-rem os critérios para receber a bolsa-escola.

A situação mais grave está localizada no Minis-tério da Justiça/Presidência da República porqueé aí que estão alocados os recursos para as políticasde implementação e consolidação do sistema degarantia de direitos, divididos em cinco progra-mas: Combate ao abuso e à exploração sexual;Reinserção social do adolescente em conflito coma lei; Defesa dos direitos da criança e do adoles-cente; Esporte solidário e Paz nas escolas. Essasquestões estão entre os principais problemas que opaís enfrenta para a consolidação do Estatuto daCriança e do Adolescente – ECA, uma legislaçãoeficaz, capaz de produzir resultados concretos ede demonstrar à sociedade o caminho para resga-tar adolescentes que se envolvem na criminalidadee trazê-los de volta ao convívio social.

Um instrumento fundamental para tornar oECA uma realidade é a execução dos recursosalocados para os programas e projetos queobjetivam o desenvolvimento de uma política degarantia de direitos. Historicamente, a alocaçãodestes recursos tem sido uma árdua luta da socie-dade que se organiza no Fórum Nacional de De-fesa da Criança e do Adolescente, na Frente Parla-mentar pelos Direitos da Criança e no ConselhoNacional dos Direitos da Criança e do Adolescen-te - Conanda. Em 2003, não foi diferente. A nãoexecução desses recursos já fez com que essa polí-tica sofresse cortes graves, caindo de R$ 94,5 mi-lhões em 1995 para R$ 19,4 milhões em 1999. Apressão social permanente assegurou uma recom-posição dos recursos para o patamar de R$ 94,8milhões, autorizados em 2003, mas a execução nãoaconteceu. Apenas R$ 5,7 milhões foram execu-tados, significando 6,1% do total.

Sabendo que a aprovação de recursos no Con-gresso Nacional está diretamente ligada à capaci-dade de execução do Poder Executivo, coloca-separa a sociedade civil a difícil tarefa de retomar a

confiança do Parlamento no sentido de assegurarou ampliar recursos para essa política pública, vi-sando à construção de um futuro com cidadaniapara todos e todas as crianças e adolescentes soci-almente marginalizados.

Direitos HumanosO Programa Nacional de Direitos Humanos II

– PNDH II, resultado de audiências estaduais,Conferências Nacionais de Direitos Humanos e deampla consulta pública, teve cerca de 500 açõesinseridas em 81 programas do Plano Plurianual2000/2003, e passou a receber recursos a partir daLei Orçamentária Anual de 2002.

Os recursos autorizados para a execução doPNDH II, em 2003, somavam R$ 27,4 bilhões,dos quais foram executados R$ 20,2 bilhões até 12de dezembro de 2003, representando 75,52% dototal autorizado, o que constitui um percentual14,4% menor que o executado no exercício de2002. No entanto, é preciso observar cuidadosa-mente quais são as ações que tiveram maior aportede recursos, seu percentual de execução, além deentender que o pano de fundo para discutir aimplementação dos direitos humanos no Brasil é aconcepção que norteia esse debate.

Muito embora o PNDH II tenha uma con-cepção fundamentada pelos Direitos HumanosEconômicos, Sociais e Culturais – DHESC, naprática muito há por realizar. Dele fazem parteprogramas voltados para a agricultura, saneamen-to, saúde, educação, moradia, etc. São essas asrubricas que tiveram a maior parte dos recursosdestinados ao PNDH II. Para melhorexemplificar: no Ministério da Saúde, as ações“Saúde da família” tiveram uma alocação de R$3,6 bilhões com 90,2% de execução; “Alimenta-ção saudável” teve R$ 366,7 milhões e execu-tou 89,4%; “Valorização e saúde do idoso” rece-beu R$ 2,59 bilhões e executou 83,3%; “Todacriança na escola “ recebeu R$ 4,68 bilhões eexecutou 69,4%.

10 fevereiro de 2004

A Secretaria Especialde Direitos Humanos

teve somente R$123,1 milhões,

menos de 1% doorçamento, para aexecução do Plano

Nacional de DireitosHumanos II,

executando apenas12,75% dos

recursos

Analisada a execução orçamentária do PNDHII, constata-se que 44,4% das ações (224) não che-garam a 10% do orçamento autorizado, sendo que54,9% (123) não apre-sentaram qualquer execu-ção e 20,1% (45) não ti-veram sequer previsão or-çamentária.

A Secretaria Especial deDireitos Humanos teve so-mente R$ 123,1 milhões,menos de 1% do orçamen-to, para a execução doPNDH II, executandoapenas 12,75% dos recur-sos voltados ao PNDH IIe 14,18% considerando o total de seus programas.O fato é preocupante, tendo em vista que dentre asdiversas ações alocadas são inúmeras as que têm gran-de importância para a garantia e a promoção dosdireitos humanos no Brasil. Várias destas ações nãoapresentaram execução, como por exemplo: “Apoioà implantação de conselhos de direitos das pessoasportadoras de deficiência em estados e municípi-os”; “Apoio ao trabalho protegido para pessoas por-tadoras de deficiência”; “Apoio à implantação deserviços de promoção e defesa dos direitos e de com-bate a todas as formas de discriminação”.

As ações do PNDH II foram contempladas em11 ministérios, com destaque para a execução nosMinistérios da Saúde, Educação, Agricultura, ePecuária e Abastecimento, que têm a maior partedas ações vinculada a repasses obrigatórios aos esta-dos e municípios. Importantes ações apresentarampouca ou nenhuma execução, como por exemplo:“Distribuição de material pedagógico para escolasdo ensino fundamental” (0,19%), “Assistência fi-nanceira à manutenção de unidades de saúde doSistema Único de Saúde – SUS” (0%), “Cons-trução e ampliação ou melhoria do sistema de cole-ta e tratamento de esgoto sanitário para controle deagravos” (2,10%), “Concessão de crédito para aqui-

sição de imóveis rurais (3,46%) e “Fiscalização doprocesso, do ambiente e das condições de trabalhopara a proteção da saúde do trabalhador” (0%).

É questionável que algumas ações tenham al-tos percentuais de execução e outras não. Assimcomo a baixa execução da Secretaria Especial deDireitos Humanos, um órgão de importância sim-bólica e estratégica que merece maior atenção ecompromisso do governo.

Segurança AlimentarA questão da segurança alimentar no Brasil

deveria ser tratada como uma política pública,por meio de um programa específico que cen-tralizasse os diversos projetos governamentaisdispersos tanto no Plano Plurianual como noorçamento público. Isso não significa criar um

Ministério de Segurança Alimentar, mas uma se-cretaria que respondesse por essa articulação emonitorasse a execução, física e orçamentária, dosprojetos afetos ao tema. O Ministério Especial deSegurança Alimentar não executa, ou não está exe-cutando, esta função.

Ao analisar os projetos que têm vínculos com aquestão alimentar, percebe-se que não há uma cor-respondência entre as políticas de produção,estocagem, distribuição e de acesso aos alimentos.Assim como não há políticas públicas de impactosuficiente na área de geração de emprego e rendapara alterar o quadro de pobreza e carência.

Num levantamento junto aos programas orça-mentários, foram localizados 18 projetos que têmefeito imediato sobre a população mais carente. Estesprojetos começaram a ser implementados pelos Mi-nistérios da Agricultura, da Educação, da Saúde,do Desenvolvimento Agrário/Incra, da Previdên-cia e da Assistência Social e, para isso, foram alocadosR$ 3,99 bilhões. Deste montante, 58,8%, ou seja,R$ 2,34 bilhões, foram destinados aos projetos de-senvolvidos pelo Ministério da Agricultura. Do to-tal alocado, foram executados apenas R$ 2,15 bi-lhões, o que significa 53,9% do valor orçado.

fevereiro de 2004 11

Orçamento

Há uma baixaexecução nosprogramas de

políticas deestocagem, produção

e investimento eminfra-estrutura.A insegurança

alimentar não é maisuma exclusividadedas áreas rurais ou

do semi-áridonordestino. Hoje, ela

se alastra pelasgrandes cidades

No geral, há uma execução maior nos progra-mas de políticas de distribuição, tais como:Operacionalização da comercialização de produ-tos de alimentação básica; Alimentação escolar;Assistência financeira à fa-mília visando àcomplementação da ren-da para a melhoria da nu-trição – Bolsa-Alimenta-ção; Aquisição e distribui-ção de micronutrientespara crianças, gestantes eidosos em áreas endêmicasde má nutrição; Atendi-mento à criança em cre-che e Assistência socialàs famílias acampadas.O total de recursos des-tinados especificamentepara estes projetos é daordem de R$ 1,57 bilhão e foi executado R$ 1,48bilhão, o que significa 94,1% do total.

Por outro lado, há uma baixa execução nos pro-gramas de políticas de estocagem, produção e in-vestimento em infra-estrutura, como: Formação deestoques públicos - AGF/BB/Conab - e Investi-mento em infra-estrutura básica para assentamen-tos rurais. Isso poderia não ser tão relevante se oprojeto de formação de estoques nãocorrespondesse a 57,2% (R$ 2,28 bilhões) do to-tal do recursos destinados a todos os projetoslistados (R$ 3,99 bilhões). Esses dois programas,de estocagem e infra-estrutura, somam R$ 2,33bilhões e foram executados apenas R$ 654,1 mi-lhões (28,1%). Isto indica que o governo deixoude investir R$ 1,64 bilhão em programas de gran-de impacto nas camadas mais empobrecidas da po-pulação. Nesta população, as mulheres e criançassão os segmentos mais fragilizados. Nos últimos 40anos, o número de mulheres que vive abaixo dalinha de pobreza aumentou 50%; e de homens,30%. Dentre o 1 bilhão e 300 milhões de pessoas

pobres do mundo, mais de 70% são mulheres emeninas.

No Brasil, a insegurança alimentar não é maisuma exclusividade das áreas rurais ou do semi-ári-do nordestino. Hoje, ela se alastra pelas grandescidades. Uma pesquisa realizada em Campinas,João Pessoa, Manaus e Brasília, coordenada pelaprofessora do Departamento de Medicina Pre-ventiva e Social da Faculdade de Ciências Médi-cas – FCM - da Unicamp, Ana Maria SegallCorrêa, apontou que, em Campinas, “somente asfamílias com renda superior a quatro mínimos nãopassam por algum nível de insegurança alimentar(...) Das famílias com ganho médio total abaixo deum salário mínimo, 26,1% experimentam insegu-rança alimentar severa (fome)”.

A pesquisa, além de relacionar a segurança e ainsegurança alimentar com o nível de renda fa-miliar, também investigou os padrões de consu-mo de alimentos. Identificou que a qualidade da

alimentação da maioria da população é inadequa-da. “Das pessoas que vivem em condição de seguran-ça alimentar, 26,5% não consomem frutas diaria-mente, índice que salta para 93%, em Campinas,em situação de insegurança alimentar grave. Os de-rivados do leite não fazem parte da dieta das famí-lias com renda inferior a um salário mínimo. Des-tas, 89% também não consomem carne diariamen-te”, declarou o professor Manuel Alves Filho, noJornal da Unicamp.

Diante de evidências tão alarmantes, o governoLula poderia promover uma alteração profundana forma de tratar a questão da produção,estocagem e distribuição, considerando o direitodo cidadão de acesso aos alimentos. A alimenta-ção está se tornando ou a força ou a fraqueza dospaíses modernos. As empresas multinacionais dealimentos e remédios estão acelerando suas fusões,visando mercado certo e em expansão.

A desnutrição crônica sofrida por populaçõesde norte a sul do país tem gerado uma subespéciehumana: o homem-gabiru. A palavra gabiru vem

12 fevereiro de 2004

Não há nenhumesforço

governamental paraimplementar o

projeto de reformaagrária no país.

Os recursosdestinados à

reforma agráriaserviram apenas para

situar o discursooficial no campopolítico centro-

esquerda

12

do tupi wawi´ru , que significa “aquele que devo-ra mantimentos”. É também o nome dado aos ra-tos que vivem em lixões e que, em alguns momen-tos, fazem parte da dieta dos catadores de lixo.

Reforma AgráriaO Instituto Nacional de Colonização e Refor-

ma Agrária -Incra, até o dia 12 de dezembro de2003, data da última execução orçamentária libe-rada pelo governo, ainda não tinha executado74,6% do total dos recursos destinados àimplementação da reforma agrária. Em númerosabsolutos, isso significa que de R$ 1,31 bilhão dis-ponível no orçamentopara os projetosfinalísticos10 , foram gas-tos apenas R$ 335,4 mi-lhões, restando, portanto,para serem executados R$983,9 milhões.

O principal progra-ma que o Incra desenvol-ve é o de “Assentamentode trabalhadores ru-rais”. Este programa,além de receber a maiordotação orçamentáriado órgão, responde tan-to pela obtenção de terras para assentar os tra-balhadores e trabalhadoras rurais como pela con-cessão de crédito às famílias assentadas. Seu or-çamento é de R$ 901,6 milhões, quecorresponde a 68,3% do total dos recursos doIncra. Destes, o governo Lula executou no pri-meiro ano de mandato apenas R$ 233 milhões,o que significa um gasto de apenas 25,8%.

Os projetos do Incra que tiveram um percentualmaior de execução orçamentária evidenciam o com-portamento assistencialista do órgão. Essa cultura

perpassa todos os órgãos de governo e define, emgrande parte, o comportamento político brasileiro.Os projetos “Assistência social às famílias acampa-das”, “Assistência jurídica às famílias acampadas” e“Acompanhamento de conflitos e tensões sociais nocampo” tiveram uma execução de 93,4%, 60% e97,1%, respectivamente. Estamos nos referindo,aqui, de programas com baixa dotação orçamentá-ria. Juntos não ultrapassam R$ 2 milhões, o querepresenta 0,16% do orçamento geral do órgão.

Curiosamente, foi na área de abrangência dosprojetos de maior execução orçamentária que aComissão Pastoral da Terra – CPT - apontou gran-

de fragilidade das ações do Incra: a violência ru-ral. “De 1º de janeiro a 30 de novembro de 2003, aCPT registrou 71 assassinatos de trabalhadores ru-rais em conflitos no campo. O número é 77,5% amais do que o registrado no mesmo período de 2002e o mais elevado desde 1991, quando ocorreram 54mortes. Em 1990, 79 camponeses foram assassina-dos. Em 2003, foram expulsas da terra 87,8% defamílias a mais do que no ano passado. Assistiu-se,por outro lado, a um considerável aumento das açõesde ocupação de terras e de acampamentos, reivindi-cando a reforma agrária. O número de ocupaçõescresceu 86,3% e o de acampamentos, 209%.” 11

Dessa forma, pode-se questionar se houve fa-lha na previsão dos recursos destinados aos pro-

jetos assistencialistas ou uma falta de execução dosprojetos que estruturam o programa de reformaagrária, tais como os de obtenção de terras, de novosassentamentos e de crédito às famílias de traba-lhadores rurais.

Ao analisar esta execução, podemos fazer algu-mas considerações. Primeiro, que não há nenhumesforço governamental para implementar o proje-to de reforma agrária no país; segundo, que os re-cursos destinados à reforma agrária serviram ape-nas para situar o discurso oficial no campo políti-

10 Os programas e/ou projetos denominados “finalísticos” são aqueles que impactam diretamente os beneficiários da reforma agrária. Os demais programas e/ouprojetos são considerados “administrativos” ou “meios”. Neste análise, vamos considerar somente os recursos destinados aos programas finalísticos.

11 “CPT registra o maior número de assassinatos dos últimos 13 anos”, http://www.cpt.org.br.

fevereiro de 2004 13

Orçamento

Uma dúvidaapresentada pelos

setores maispreocupados com a

questão dasustentabilidade

socioambiental é seserá mantido, neste enos próximos anos, o

falso dilema“superávit

econômico ousuperávit

socioambiental”?

co centro-esquerda; terceiro, que os recursos ser-viram, de fato, para complementar o caixa do go-verno no sentido de atingir a meta de superávitprimário, de 4,25% do PIB, assumida junto aoFMI; quarto, que a reforma agrária é compreen-dida como um projeto assistencialista marginal aomodelo de desenvolvimento e não como um pro-grama de inclusão das populações rurais mais po-bres e como um mecanismo de aumento de em-prego e renda; e quinto, que falta experiência ad-ministrativa do governo Lula diante da complexi-dade da máquina administrativa federal.

Política AmbientalO Governo Lula come-

mora seu primeiro ano demandato destacando os es-forços realizados ao longode 2003 para garantir aestabilidade econômica, aconfiança e credibilidadejunto ao sistema financei-ro internacional, e a ob-tenção de um superávitcomercial, que somados,teriam permitido ao gover-no, entre outras coisas,honrar os compromissosde pagamento dos juros da dívida pública.

Mas a primeira grande dúvida que surge neste pri-meiro ano é se os esforços e sacrifícios realizados, tantopelo governo quanto pela sociedade, foram ou serãosuficientes para a constituição das bases para se avan-çar nas transformações sociais anunciadas, o que cons-titui a razão de ser deste governo. A segunda dúvida,apresentada pelos setores mais preocupados com aquestão da sustentabilidade socioambiental, é se serámantido, neste e nos próximos anos, o falso dilema “su-perávit econômico ou superávit socioambiental”?

A predominar a pressão das empreiteiras, das ban-cadas ruralistas e dos sindicalistas defensores de seto-res ambientalmente insustentáveis e danosos à saúde

humana; a predominar a pressão empresarial e desetores governamentais para liberalização da legisla-ção ambiental, que supostamente estaria colocandoentraves à atividade produtiva e, consequentemente,ao chamado desenvolvimento nacional, certamentepredominará a primeira alternativa do falso dilema.

Fortalecer e ampliar as parcerias socioambientaisenvolvendo governo, sociedade civil organizada e se-tor privado, baseadas em princípios efetivamente de-mocráticos e participativos, nos parece ser a melhorforma de cumprir a missão do Ministério do MeioAmbiente – MMA – de “promover a adoção dos prin-cípios e das estratégias para a proteção e uso do meioambiente e a inserção do desenvolvimento sustentávelna formulação e implementação de políticas públicas,de forma transversal, (...) em todos os níveis e instânciasde governo e na sociedade”. Também é necessário ummelhor desempenho orçamentário e financeiro.

Em 2003, o Inesc acompanhou os orçamentosambiental e socioambiental do Ministério do MeioAmbiente – MMA - e de mais 10 ministérios, abar-cando 31 programas finalísticos. Deste total de pro-gramas, 21 estiveram sob a responsabilidade doMMA, sendo que em nove havia ações comparti-lhadas com outros Ministérios: Ciência e Tecnologia;Desenvolvimento, Indústria e Comércio; IntegraçãoNacional; Agricultura e Abastecimento; Minas eEnergia; Trabalho e Emprego; Defesa; Esporte e

Turismo. No caso do Ministério da Saúde, foi dadaprioridade às ações desenvolvidas no âmbito doGenoma, programa de biotecnologia e recursos ge-néticos; no Ministério dos Transportes, buscou-seacompanhar o componente de “estudos de impactoambiental dos projetos rodoviários”, no âmbito doPrograma Gestão da política de transportes.

Até 12 de dezembro de 2003, este conjunto de 31programas havia investido cerca de R$ 270,4 milhões,perfazendo 25,81% dos recursos autorizados até en-tão. Deste total, R$ 83,77 milhões foram investidospelo Programa Recursos pesqueiros sustentáveis, exe-cutado em parceria pelo MMA com os Ministériosdo Trabalho e Emprego e da Integração Nacional.

14 fevereiro de 2004

Na promoção dasaúde indígena, nãoobstante os avanços

obtidos com ainstalação do modelodistrital específico de

atenção à saúdeindígena, persistem

problemas queimpactam

diretamente aqualidade desta

atenção

14

O Ministério do Meio Ambiente investiu emações ambientais e socioambientais, no mesmo pe-ríodo, cerca de R$ 123 milhões, chegando a par-cos 8,52% do autorizado e a 19,28% do total degastos do ministério. O programa de melhor de-sempenho financeiro no âmbito do MMA foi o dePrevenção e combate a desmatamentos, executadoem parceria com o Ministério da Ciência eTecnologia. Foram investidos R$ 32 milhões emações de prevenção, fiscalização e controle dedesmatamentos, queimadas e incêndios florestais.

O Programa Amazônia Sustentável, o mais bemdotado em recursos autorizados no âmbito doMMA, com R$ 130,24 mi-lhões, havia investido até 12de dezembro R$ 9,17 mi-lhões. O ProgramaDespoluição de baciashidrográficas, o segundo emrecursos autorizados, investiupouco mais que R$ 631 mil,o equivalente a 0,62% do au-torizado. Outros dois progra-mas com desempenho infe-rior a um por cento do auto-rizado foram respectivamen-te Turismo Verde (0%) eZoneamento Ecológico-Econômico (0,53%).

É importante ressaltar que um dos grandes desa-fios deste e de qualquer acompanhamento orçamen-tário do Governo Federal é saber, mesmo que apro-ximadamente, quanto do recurso financeiro efetiva-mente chega “lá na ponto”. Isto só se saberá quandohouver, de fato, maior participação e controle socialsobre as políticas e o orçamento público. Talvez, en-tão, possamos superar positivamente o falso dilema:superávit econômico ou superávit socioambiental?

Política IndígenaDe um modo geral, pode-se dizer que na última

década houve avanços importantes nas políticas dereconhecimento dos direitos indígenas no Brasil:

território, organização, liberdade de manifestação,saúde, segurança alimentar, educação escolar, etc.Infelizmente, em 2003, o Governo Luiz Inácio Lulada Silva não mostrou, na prática, as mudanças posi-tivas que se esperava dele. Como nas administra-ções passadas, além dos problemas setoriais não re-solvidos, pouco ou nada se fez para articular de for-ma coordenada os programas e projetos que com-põem a política indigenista governamental,dispersos por vários ministérios.

A relação com o movimento indígena foi pontua-da por conflitos e pela dificuldade de diálogo. A for-ma tradicional de cooptação clientelista de lideranças

indígenas, uma prática recorrente da política tu-telar do Estado nacional brasileiro, foi questiona-da pelo movimento indígena organizado, especi-almente na Amazônia Legal. Em novembro pas-sado, em duas reuniões regionais de povos e orga-nizações indígenas, em Manaus (AM) e Maceió(AL), foi cobrada do governo federal uma políticaintegrada que garanta as condições necessárias paraos índios assumirem de fato um maiorprotagonismo no seu desenvolvimento social.

Na promoção da saúde indígena, não obstanteos avanços obtidos com a instalação do modelodistrital específico de atenção à saúde indígena,persistem problemas que impactam diretamen-

te a qualidade desta atenção: a forma do convênio daFundação Nacional de Saúde com as instituiçõesprestadoras dos serviços; a forma de contrato e dequalificação dos profissionais indígenas e não-indí-genas; o descompromisso e a má gestão por parte dealgumas prefeituras; as dificuldades que os DistritosSanitários Especiais Indígenas - DSEIs - têm tido paraviabilizar o atendimento dos índios na parte não-índígena da rede do Sistema Único de Saúde - SUS;a falta de capacitação continuada das entidades indí-genas para atender às exigências administrativas egerenciais; e a precariedade do processo de acompa-nhamento e avaliação dos serviços e seus resultados.

A educação escolar indígena ainda carece de umsistema de ensino integrado, que articule os três ní-

fevereiro de 2004 15

Orçamento

Se somarmos estesvalores (executados

pelo Ministério daEducação) com as

ações desenvolvidaspela Funai em favorda educação escolarindígena, temos uminvestimento de R$

2,25 milhões.Não é muito!

veis de ensino; de uma política clara de acesso ao ní-vel universitário e da criação de programas específi-cos de ensino universitário indígena. Uma ação enér-gica sobre a discriminação e a má gestão de recursosem nível local é fundamental e urgente.

Com a criação do Programa Fome Zero, sob aresponsabilidade do Ministério Extraordinário daSegurança Alimentar - Mesa, as comunidades in-dígenas em situação de risco passaram a serbeneficiárias de políticas e ações focadas na re-versão de situações de fome e carência alimentare na promoção de mudanças estruturais destina-das a garantir a auto-sustentação alimentar a mé-dio prazo. Ao longo de2003, o Mesa empreen-deu gestões neste sentidojunto a governos estadu-ais, à Funai e aos Minis-térios da Saúde, do MeioAmbiente e do Desenvol-vimento Agrário -MDA. Espera-se que embreve sejam apresenta-dos e colocados em prá-tica os primeiros resulta-dos destas articulações.

Em 2003, o Inesc acompanhou o orçamentoindigenista de cinco ministérios, responsáveis porprojetos e ações em quatro programas de caráterfinalístico. O Programa Etnodesenvolvimento dassociedades indígenas, executado pelos Ministéri-os da Justiça/Funai, da Saúde/Funasa, da Agri-cultura e do Abastecimento, e da Educação; oPrograma Território e culturas indígenas, de exe-cução exclusiva da Funai; e os programas Panta-nal e Amazônia Sustentável, ambos no Ministé-rio do Meio Ambiente.

Até 12 de dezembro passado, este conjunto dequatro programas havia investido cerca de R$ 165,7milhões, perfazendo 78,09% dos recursos autori-zados. Deste total, R$ 111,147 milhões foram in-vestidos no componente “saúde indígena”, do Pro-

grama Etnodesenvolvimento das sociedades indíge-nas. Os dados disponíveis no Sistema Integrado deAdministração Financeira -Siafi/Secretaria do Te-souro Nacional indicam que, até esta data, a Funaihavia gasto R$ 53,375 milhões, perfazendo 68,13%dos recursos autorizados.

Uma novidade em relação aos dadosdisponibilizados em setembro passado pelo Inesc éa entrada em ação do Ministério da Educação, queainda não havia executado qualquer despesa com aeducação escolar indígena. Foram investidos R$134,6 mil na capacitação de professores indígenase R$ 81,6 mil na distribuição de material didático.Se somarmos estes valores com as ações desenvol-vidas pela Funai em favor da educação escolar in-dígena, temos um investimento de R$ 2,25 mi-lhões. Não é muito, se considerarmos uma popu-lação de mais de 133 mil estudantes indígenas so-mente no ensino fundamental, com quase cincomil professores e mais de duas mil escolas.

Dos dois programas no MMA com ações volta-das explicitamente para os povos indígenas, somen-te o Amazônia Solidária efetivamente promoveuinvestimentos. Foi no projeto Gestão ambiental emterras indígenas na Amazônia, que inclui o apoio

às ações do componente Projetos Demonstrativosdos Povos Indígenas - PDPI, perfazendo R$ 981mil ou 17,27% do inicialmente autorizado.

Como no caso do orçamento socioambiental doGoverno Federal, um dos grandes desafios encon-trados aqui é checar quanto do recurso financeirochega efetivamente “lá na ponto” e quais os resulta-dos. Para isso, é preciso garantir maior transparên-cia na condução dos orçamentos, com uma efetivaparticipação e com o controle social do movimentoindígena organizado.

Participaram desta edição os assessoresDenise Rocha, Edélcio Vigna,

Jussara de Goiás e Ricardo Verdum;os assistentes

Álvaro Gerin e Caio Varela;e os estagiários

Bruno do Valle e Mariana Létti

16 fevereiro de 2004

Gasto SocialAs experiências internacionais são pródigas em revelar que a promoção

de um crescimento sustentável de longo prazo deve-se, entre outros fatores,à ênfase dada às políticas sociais, principalmente à saúde e à educação.

No primeiro ano do Governo Lula, o Mi-nistério da Educação, que apesar docontingenciamento teve seu orçamento

incrementado em 12%, não executou 27% domontante autorizado, conforme pode ser observa-do na tabela 1 (p. 4). Já o Ministério da Saúde, queao contrário da Educação, teve o orçamento redu-zido em 0,24% com o contingenciamento, apre-sentou uma execução mais eficiente do ponto devista financeiro, apesar da não execução de 12%dos recursos autorizados após o contingenciamento.

O Ministério da Assistência e da Promoção Soci-al foi o que teve o maior volume de cortes em rela-ção à dotação inicial (61,54%) e, também, o quemenos executou após o contingenciamento, isto é,cerca de 75,49% dos recursos autorizados. Foi se-guido pelo Ministério do Desenvolvimento Agrá-rio, que deixou de executar 54,51% do montanteautorizado.

O descaso com a Cultura manifesta-se claramenteno corte de 31,27% dos recursos inicialmente do-tados para seu órgão gestor, bem como na execu-ção da função Cultura, que não chega a liquidarnem 50% dos total de recursos autorizados (tabelas1 e 3, pp. 4 e 5).

Diante disso, os defensores da desvinculação derecursos para a área social poderiam argumentarque a vinculação constitui um entrave à execuçãoorçamentária e à alocação ótima dos recursos e que,portanto, a saída para este impasse seria adesvinculação.

Alterando-se o ângulo de observação para a óticada gestão das políticas sociais, percebe-se que do to-tal dos valores autorizados para a realização da gestãodestas políticas, 54,71% foram efetivamente gastos.

Dessa forma, a chave da questão deve passar poruma gestão mais eficiente dos recursos, ao invés dereabrir uma discussão de desvinculação dos recur-sos destinados à área social, que por ser o “primopobre” do orçamento, seria a primeira a sofrer cor-tes em função da necessidade de implementação deuma política de ajuste fiscal.

Se com a vinculação de recursos a política socialsofreu cortes para atender à meta de superávit pri-mário, sem ela correríamos o risco de passar de umEstado ainda capenga no provimento do bem-estarsocial para um Estado de mal-estar social.

É preciso superar, portanto, os obstáculos queconstituem entraves à gestão eficiente dos progra-mas sociais. Neste sentido, é necessário esmiuçarquais são os aspectos que atualmente impedem aotimização destes programas, que podem estar cal-cados, entre outros, nos recursos humanos, finan-ceiros ou, ainda, na inadequação da metodologiade trabalho utilizada.

Analisando-se o percentual de recursos alocadosnas funções das áreas sociais para a gestão destas po-líticas, observa-se que os montantes executados sãoínfimos. Este pode ser um dos entraves a ser supera-do, pois se o montante destinado à execução da polí-tica social foi reduzido, deveria-se dar ênfase a umagestão mais eficiente destes recursos, de forma a ga-rantir uma alocação mais eficaz de sua utilização. Mas,como é possível ter uma gestão administrativa maiseficiente, se a própria alocação de recursos para oprograma de gestão destas políticas esbarra em umaalocação insuficiente para sua consecução?

Denise RochaAssessora de Política Fiscal e Orçamentária

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