Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaçao

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    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 1

    Cadernos de

    SociomuseologiaCentro de Estudos de Sociomuseologia

    U L H TUniversidade Lusfona

    de Humanidades eTecnologias

    9 - 1996

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    Dedico este trabalho a todos que diminuiram as distncias entre

    brasileiros e portugueses, transformando as diferenas em novas

    oportunidades de conhecimento, aproximao e encantamento.

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    SUMRIO

    INTRODUO ............................................................... 7

    MUSEOLOGIA: ALGUMAS IDIAS PARA A SUAORGANIZAO DISCIPLINAR ..................................... 9

    OS PROCESSOS MUSEAIS E AS QUESTESMETODOLGICAS: O MUSEU DA CIDADE DE

    PIRAJU COMOESTUDO DE CASO ............................... 39

    FORMAS DE HUMANIDADE: CONCEPO EDESAFIOS DA MUSEALIZAO ................................. 65

    IMPRESSES DE VIAGEM: UM OLHAR SOBRE AMUSEOLOGIA PORTUGUESA ..................................... 89

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    INTRODUO

    Enquanto necessidade ontolgica a esperana precisa da prticapara tornar-se concretude histrica. por isso que no hesperana na pura espera, nem tampouco se alcana o que se esperana espera pura, que vira, assim, espera v

    Paulo Freire1

    Os textos reunidos nesta publicao representam alguns

    momentos de uma busca que iniciei h dezoito anos, impulsionada

    pela sabedoria generosa de Waldisa Rssio Camargo Guarnieri,com o propsito de equacionar os desafios da prtica museolgica

    em um pas que no se cansa de procurar e repensar a sua

    identidade cultural.

    Entendendo que a espera v no permite aflorar os

    desafios e as transformaes, procurei pautar os meus caminhos

    profissionais pelos questionamentos e experimentaes, pois

    considero que a Museologia e os Processos Museais dependem de

    perguntas constantes e prticas reiteradas.

    1 FREIRE, P. - Pedagogia da Esperana - Um reencontro com a Pedagogia do Oprimido-Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1992.

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    Estes caminhos, muitas vezes, abrigaram passos frente e

    recuadas estratgicas, mas, o mais importante que nunca

    perderam de vista o objetivo maior: permitir que a Museologia

    sirva de instrumento para a necessria articulao entre a

    preservao e o desenvolvimento.

    Assim, ao longo destas pginas, apresento algumas idias

    para a construo epistemolgica da disciplina aplicada

    Museologia; destaco questes referentes metodologia de trabalho

    dos processos museais; indico, em um ensaio, os desafios da

    musealizao nos museus tradicionais e, finalmente, divulgo as

    minhas impresses de viagem em relao realidade museolgica

    portuguesa. Trata-se, sem dvida, de uma publicao com variveis

    sobre o mesmo problema, ou seja: mapear os pressupostos de umarea de conhecimento, preocupada em entender os diferentes nveis

    de aproximao e estranhamento entre as sociedades e as suas

    referncias patrimoniais.

    Agradeo a Mario Moutinho, no s por permitir esta

    publicao, mas em especial pelos inquietantes desafios que mefizeram caminhar muito.

    So Paulo, primavera de 1996.

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    MUSEOLOGIA: ALGUMAS IDIAS PARA A SUA

    ORGANIZAO DISCIPLINAR

    A problematizao das hipteses cientficas nas Cincias

    Humanas, vinculada ao estudo da Cultura Material, procura

    elucidar os processos de continuidades e mudanas dos distintos

    fenmenos ligados aos grupos humanos do presente ou das

    sociedades extintas. Por um lado, essa busca orienta-se para acompreenso das possibilidades de disperso dos vestgios

    materiais (evidncias culturais) em um territrio e a respectiva

    insero nos diferentes nveis das sociedades e, a partir de

    diferentes metodologias, esses vestgios acabam sendo retirados de

    seu local de origem e reunidos em uma instituio. Por outro lado,

    muitos destes estudos partem dos objetos j reunidos em

    instituies, com o objetivo de entender o perfil das sociedades que

    os produziram. De uma forma, ou de outra, a evidncia material da

    cultura um elemento de crucial importncia para estas anlises e

    os museus esto entre as principais instituies que guardam esses

    indicadores da dimenso cultural das sociedades.

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    Assim, no s os museus tm uma ntima vinculao com

    o desenvolvimento de diversos ramos das Cincias Humanas, mas

    a Museologia - enquanto disciplina - apresenta uma acentuada

    cumplicidade com estas reas de conhecimento e tambm com os

    outros ramos do conhecimento cientfico.

    Cabe salientar que a Museologia oferece s outras reas

    uma oportunidade especial de aproximao sistemtica com a

    sociedade presente, para a necessria e requisitada devoluo do

    conhecimento, uma vez que vincula suas principais preocupaes

    em dois nveis, a saber:

    1) identificar e analisar o comportamento individual e/ou

    coletivo do homem frente ao seu patrimnio.

    2) desenvolver processos tcnicos e cientficos para que, a

    partir dessa relao, o patrimnio seja transformado em

    herana e contribua para a construo das identidades.

    Os indicadores/vestgios das sociedades que correspondem

    ao interesse de estudo da Cultura Material so, tambm, elementos

    da herana patrimonial, tratados e comunicados pela Museologia.

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    Seriam olhares diferentes sobre o mesmo fenmeno, como

    acontece em relao a diversas reas de conhecimento? A resposta

    negativa. So olhares complementares e cmplices.

    As Cincias Humanas, em geral, evidenciam facetas das

    sociedades, descobrem peculiaridades de um passado s vezes

    esquecido e fazem aflorar os indicadores da memria, mas no tm

    potencialidades efetivas de comunicar-se em larga escala com a

    sociedade presente. J a Museologia se estrutura como a rea de

    conhecimento especfica para viabilizar essa comunicao, mas

    depende, evidentemente, da produo de conhecimento prprio s

    reas que estudam os indicadores da memria.

    A partir de uma perspectiva histrica possvel considerar

    que, desde os primeiros trabalhos escritos sobre colees, j se

    encontrava o prenncio de uma rea de conhecimento que apenas

    neste sculo seria estruturada.

    Segundo Guarnieri (1989:7)... O holands Quiccheberg,

    em Munique, em 1565, ao elaborar a primeira tentativa de uma

    teoria das colees de museu, talvez no pudesse avaliar opioneirismo de sua contribuio numa rea totalmente nova ou que

    seria seguido, posteriormente, por Major, no sculo XVII,

    afirmando o carter disciplinar da Museologia; por Neickelius, em

    1727; por Diderot, em 1765, com seu ensaio sobre a organizao

    racional do Louvre; por Lafont Saint Yenne, durante a Revoluo

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    Francesa, postulando em panfletos por museus para o povo; por

    Goethe e seus lcidos textos sobre a atividade museal (aumento das

    colees, arranjo esttico, funo educacional dos museus).

    Desta forma, at este sculo, muitas evidncias

    comprovam que o fazer museal imps, a partir de uma reflexo

    crtica, a constituio de um universo particular para a edificao

    de sua epistemologia. Esta trajetria tem sido lenta e ainda hoje

    confronta-se com o nmero reduzido de profissionais preocupados

    com a estruturao terico-metodolgica desta disciplina, com

    poucas escolas de formao e com um objeto de estudo

    extremamente diversificado que dificulta as anlises comparativas.

    A identificao das associaes mentais, que tm

    contribudo para a formao do pensamento museolgico, tem sido

    lenta e dispersa em diversas partes do mundo. Esta realidade

    epistemolgica que envolve a Museologia tem dificultado,

    tambm, a elaborao de princpios bsicos e hierarquizados de

    raciocnio sobre o fenmeno museal.

    possvel reconhecer que as preocupaes museolgicascorrespondem s questes inerentes preservao, organizao,

    comunicao e educao patrimoniais. Entretanto, o museu -

    enquanto instituio - ainda rene e absorve grande parte dessas

    preocupaes.

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    Segundo Pomian (1984), as sociedades humanas tm o

    hbito de eleger, selecionar, reunir e guardar objetos desde a pr-

    histria. Com isso, fica evidente a relevncia dos objetos no

    cotidiano dos homens e o lugar de destaque que ocuparam as

    famosas colees, ao longo da Histria, na tentativa de superar os

    limites da transitoriedade humana.

    Se, hoje, pode-se afirmar a inquestionvel importncia dos

    objetos, porque, ao lado do exerccio humano de elaborar um

    artefato, sempre existiu alguma idia de preservao.

    Portanto, cabe enfatizar que os museus herdaram essa

    atitude e so responsveis pela sua perpetuao, ao lado de outros

    modelos institucionais (arquivos-bibliotecas) e mesmo de outros

    processos sociais.

    Considerando que os templos da Antiguidade, os

    gabinetes, galerias e antiqurios e os museus enciclopdicos

    deixaram contribuies para a idia de museu presente neste

    sculo, constata-se que o homem, ao longo do tempo, no deixou

    de lado a preservao de seus vestgios e que, de uma maneira oude outra, mesmo privilegiando as marcas das elites, o museu um

    fenmeno mundial.

    Entretanto, na contemporaneidade, este modelo

    institucional divide sua ateno entre problemas preservacionistas e

    outros vinculados, por exemplo, a questes acadmicas, definies

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    administrativas e polticas, sem contar as dificuldades tcnico-

    cientficas enfrentadas para acompanhar a evoluo do conceito de

    preservao que caminhou mais rapidamente fora dos museus.

    Reafirmando que a preservao a funo bsica de um

    museu e que a partir dela esto subordinadas todas as outras, tais

    como coleta e estudo dos objetos e/ou espcimes da natureza;

    salvaguarda das colees e/ou referncias patrimoniais

    (conservao e documentao) e comunicao (exposio,

    educao e ao scio-cultural), salienta-se que o desempenho

    articulado de todas estas facetas preservacionistas deve estar

    vinculado ao exerccio da disciplina museolgica.

    Em recente estudo, Peter Van Mensch (1994) apresenta um

    panorama sobre os principais caminhos que os toricos tm

    apontado, no sentido de contribuir para a construo da

    Museologia como disciplina cientfica. Baseando-se na produo

    escrita e organizada no mbito do ICOFOM - Comit Internacional

    do ICOM2 para a Museologia, o referido autor indica que existem

    cinco segmentos de idias, a saber (Quadro 1):

    1) a Museologia como estudo da finalidade e organizao

    de museus;

    (2) International Council of Museum/ UNESCO

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    2) a Museologia como o estudo da implementao e

    integrao de um conjunto de atividades visando

    preservao e uso da herana cultural e natural;

    3) a Museologia como o estudo dos objetos de museu;

    4) a Museologia como estudo da musealidade e,

    5) a Museologia como o estudo da relao especfica do

    homem com a realidade.

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    Histrico das Tendncias do PensamentoMuseolgico Segundo Peter Van Mensch

    1965: Z Stransky refere-se tendncia de conhecimento, em funo dadiversidade de vises

    .

    TENDNCIAS:1) Museologia como Estudo da Finalidade e Organizao dos museus:CONTRIBUIES:1958:Se inrio Internacional de Museus Regionais - Rio de Janeirom1972:Definio do ICOM: museologia voltada organizao dos museus

    Influncia nas Escolas de Formao- IJahn (1979) e K. Schreiner (1982) prenunciaram o fim desta abordagem

    2) Museologia como Estudo da Implementao e Integrao de um Conjuntode Atividades Usando a Preservao e Uso da Herana Cultural e Natural

    CONTRIBUIES:- A.M. Razgon: em 1972 concentra suas idias na instituio, em 1982 no acervo

    e em 1988 nas atividades- J. Benes, K. Schreiner e V. Schimpff: processos de coleta, preservao,

    interpretao, investigao, exposio e comunicao de objetos- objeto: portador de informao evidncias do desenvolvimento da sociedade

    e natureza.- P. Van Mensch: conjunto de teoria e prtica envolvendo o cuidado e uso da

    herana (1983).

    3) Museologia como estudo dos Objetos de Museu:CONTRIBUIES:- Z. Bruna: problema relativo ao material, aos objetos mveis.- esta postura pode ser encontrada nas obras de A.M. Razgon e I. Jahn.

    4) Museologia como estudo da Musealidade:CONTRIBUIES:- Z.Z. Stransky (1965): reconhecimento do valor documental dos objetos

    - estudo sistemtico dos processos de emisso de informao contida nosobjetos museolgicos (1980)

    5) Museologia como estudo da Relao Especfica do Homem com aRealidade:

    CONTRIBUIES:- Z.Z. Stransky (1980) abordagem homem frente realidade cuja expresso o

    fato de que ele seleciona alguns objetos originais da realidade, insere-os numanova realidade para que sejam preservados.Anna Gregorov (Museological Working Papers)Wojciech Gluzinski - Museologia Postulada -Waldisa Russio - Fato Museal - influenciou muselogos brasileiros (MarceloAraujo, Heloisa Barbuy e Cristina Bruno)

    1980:Homem Objeto

    Cenrio- Tomislav Sola (1982): defende a mudana do nome para Patrimoniologia.

    (Quadro 1)

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    Compreende-se, ento, que a Museologia fundamenta-sena idia de preservao e que esta, por sua vez, tem a

    potencialidade de desencadear processos orientados para a

    construo da identidade. Constata-se, desta forma, que os museus

    (e/ou processos museais), assumindo primordialmente a funo

    preservacionista, podem desempenhar um papel relevante nas

    sociedades, sejam eles museus tradicionais ou novos processos

    museolgicos.

    As definies sobre preservao so muitas e datadas, mas

    esto sempre relacionadas sobrevivncia dos grupos humanos.

    Quer seja pela identidade cultural do grupo, ou pela integridade

    dos seres vivos, quando reflete-se sobre preservao est-se

    analisando outras idias como os atos de selecionar, guardar,

    manter, ou mesmo repetir e transmitir.

    As reflexes anteriormente mencionadas esto sempre

    subordinadas ao universo patrimonial. Considerando que

    patrimnio o conjunto dos bens identificados pelo homem, apartir de suas relaes com o meio-ambiente e com outros homens,

    e a prpria interpretao que ele faz dessas relaes, observa-se,

    em um primeiro momento, que este universo infinito. Em

    seguida, facil constatar que os museus tm preservado uma plida

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    imagem (por meio de algumas colees) do que realmente seria a

    nossa herana patrimonial.

    Reside a, ento, o primeiro grande problema sobre a

    funo preservacionista dos museus, e por consequncia, tambm,

    uma questo para a organizao mental do pensamento

    museolgico, ou seja: a necessidade de amarrar com laos mais

    slidos as relaes entre o universo patrimonial e aquele que hoje

    partilhado como herana cultural, e que ser legado para o futuro.

    Neste sentido, conceitualmente, a Museologia tem

    avanado nas ltimas dcadas. Basta citar as consideraes sobre

    Patrimnio Comunitrio3 e Patrimnio Integral 4 que tm apontado

    para as responsabilidades extra-muros dos museus, ou ainda a

    noo de Referncia Patrimonial5 assumindo o lugar das exauridas

    Colees e, desta forma, possibilitando um futuro objetivo para a

    preservao da cultura material e espcimes da natureza.

    Entretanto, perceptvel o desajuste entre esses avanos

    conceituais e a carncia de mtodos e tcnicas capazes de orientar

    essas novas perspectivas. Assim, identifica-se o segundo problema

    (3) Entende-se por Patrimnio Comunitrio o conjunto de bens partilhado por um grupo depessoas em um espao delimitado e ao longo do tempo, cuja preservao importantepara a identidade cultural do grupo.

    (4) Entende-se por Patrimnio Integral o conjunto de bens que deve ser preservado para aidentidade e integridade dos seres vivos.

    (5) Referncia Patrimonial: elemento extrado do universo patrimonial, significativo em

    relao a um conjunto maior, e que sua preservao pode representar o universoreferido.

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    relacionado ao tema: a urgncia de estabelecer novos parmetros

    para a formao profissional e reciclagem daqueles que j esto

    frente dos processos museolgicos.

    Uma das possibilidades para a formao est em aceitar

    que a Museologia est ligada administrao da memria

    (Meneses, 1991) e, neste sentido, deve-se reconhecer que este

    gerenciamento pressupe um novo trabalho cultural e educacional,

    que atribui ao patrimnio novos usos e novas significaes.

    Portanto, os museus, estabelecidos tradicionalmente a partir de

    colees, devem contar com profissionais aptos ao desempenho

    dessas tarefas, ou seja: compreender que o objeto um suporte de

    informaes e por isso ele deve ser preservado ao lado de outros

    meios de informao.

    Assim sendo, as atividades bsicas vinculadas coleta,

    conservao, documentao, armazenamento, exposio, ao

    scio-cultural e avaliao devem estar relacionadas a dois grandes

    blocos, a saber: salvaguarda e comunicao dos indicadores da

    memria. O desempenho desses dois blocos est vinculado aproblemas ticos sobre o uso da herana patrimonial, s questes

    de como uma sociedade enfrenta e estabelece um dilogo com seus

    traos culturais - mesmo os museus sendo universais e, sobretudo,

    compreenso da vocao educacional de todas as tarefas museais.

    Trata-se, portanto, da imposio e estabelecimento de critrios de

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    gerenciamento da informao contida no universo de interveno

    museal.

    Julga-se que, dessa forma, novos profissionais poderiam

    aproximar os museus tradicionais dos novos modelos, pois a

    oposio nesse caso no saudvel nem para os museus nem para

    os profissionais. fundamental, ento, compreender que tanto as

    colees sectrias e elitistas, quanto as vertentes do patrimnio

    integral so indicadores da memria e, de acordo com a linha de

    trabalho, podem servir para a construo e releitura sobre o

    passado e mesmo ajustar e dinamizar o presente.

    Assim sendo, a formao mais adequada para esses novos

    desafios indica que este profissional tem que estar apto para

    prolongar a vida dos objetos, mas tambm para propiciar a releitura

    das idias do presente, dando novas interpretaes aos

    acontecimentos do passado. E isso preservao (Lucena, 1991),

    isto : instrumento para a organizao mental dos princpios da

    Museologia e sua construo disciplinar.

    A identificao e a delimitao da rea de abrangncia dopensamento e prticas museolgicos, submetidos problemtica

    preservacionista, indicam a necessidade da convivncia mental

    com as questes ligadas aos sinais, imagens e smbolos, ou seja: o

    reconhecimento, o tratamento e a extroverso dos sentidos e

    significados dos indicadores da memria. Adentra-se, portanto, nos

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    campos da documentalidade e testemunhalidade dos segmentos

    patrimoniais que so alvo de musealizao.

    importante reiterar que a, j clssica, definio de Fato

    Museal, elaborada por Waldisa Rssio Camargo Guarnieri

    (1990:7) deve ser abordada neste momento. Segundo a autora...

    a relao profunda entre o Homem, sujeito que conhece, e o

    Objeto, parte da Realidade qual o Homem tambm pertence e

    sobre a qual tem o poder de agir, relao esta que se processa num

    cenrio institucionalizado, o museu.

    Reconhece-se, entretanto, que a interveno museolgica

    corresponde a um contexto bem delimitado do universo

    patrimonial: aquele de onde emergem os objetos e os artefatos.

    Para tanto, a noo de preservao, como base estruturadora do

    pensamento museolgico, permeada pelos problemas ligados s

    coisas feitas ou transformadas pelo homem. E... Objeto tudo o

    que existe fora do Homem, aqui considerado um ser inacabado, um

    processo. Este ser inacabado, este processo condicionado pelo seu

    meio, capaz de criar, percebe o objeto existente fora de si; no spercebe, como lhe d funo, e lhe altera a forma ou a natureza,

    cria artefatos (Guarnieri, 1990: 8 op cit). Como j foi apresentado,

    esta atitude humana tem sua sequncia nos processos que levam s

    sociedades s aes de preservao. Neste sentido, cabe destacar

    que os objetos retm as informaes referentes aos sistemas scio-

    culturais onde esto inseridos.

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    A Museologia se interessa, portanto, em administrar,

    conservar e em organizar novas maneiras de informao, por meio

    da elaborao de discursos expositivos e estratgias pedaggicas.

    Assim, fica evidente que as estruturas mentais que

    consolidam esta disciplina interagem com as idias e conceitos

    preservacionistas de forma muito singular. Os processos de

    salvaguarda e comunicao, que so inerentes musealizao,

    particularizam o enfoque preservacionista da Museologia, dando-

    lhe carter e dinmica prprios.

    Segundo Shanks e Tilley (1987), musealizao a

    elaborao de um sistema esttico para criar significados. Esta

    definio verticaliza outro aspecto da disciplina museolgica: este

    universo epistemolgico norteado pela noo de preservao, organizado pelas caractersticas inerentes ao gerenciamento e

    administrao da memria, mas trata, especificamente, da

    consolidao de um fenmeno de comunicao. Este, por sua vez,

    diz respeito elaborao de experimentos e a sua construo

    terica tem uma dependncia efetiva da experimentao prtica.

    Desta forma, surge outra caracterstica da Museologia: a sua

    identidade de disciplina aplicada que tem a potencialidade,

    tambm, de criar valores e significados.

    Os processos de musealizao, vistos como o eixo central

    da construo desta rea de conhecimento, por um lado,

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    contribuem para a seleo, triagem, organizao e conservao da

    documentalidade, testemunhalidade e autenticidade impressas nos

    objetos musealizados. Por outro lado, constroem novos valores e

    significados para estes objetos, por meio da elaborao de

    exposies e ao educativo-cultural. Neste momento, transparece

    no s a cumplicidade da Museologia com as reas de

    conhecimento ligadas ao estudo dos bens patrimoniais, mas,

    sobretudo, a sua inerente submisso a questes ideolgicas.Emerge, tambm, outro aspecto relevante sua edificao

    disciplinar: junto aos postulados gerais e universais (Museologia

    Geral) impe-se, com muita clareza, os problemas de ordem

    especial e particular (texto e contexto museolgicos).

    Vale ainda destacar outra caracterstica dos processos demusealizao que diz respeito a sua prpria engrenagem. Como

    lembrou Guarnieri (1990: 8)... Quando musealizamos objetos e

    artefatos (aqui includos os caminhos, as casas e as cidades, entre

    outros, e a paisagem com a qual o Homem se relaciona) com as

    preocupaes de documentalidade e de fidelidade, procuramos

    passar informaes comunidade, ora, a informao pressupe,

    conhecimento (emoo/razo), registro (sensao, imagem, idia)

    e memria (sistematizao de idias e imagens e estabelecimento

    de ligaes). E a partir dessa memria musealizada e recuperada

    que se encontra o registro e, da, o conhecimento suscetvel de

    informar a ao.

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    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 25

    Esta citao expe, com bastante pertinncia, a

    vulnerabilidade da delimitao cientfica do territrio museolgico

    em relao s presses ideolgicas. Cabe frisar que nas

    perspectivas de estudos museolgicos apontadas anteriormente por

    Peter Van Mensch nota-se duas grandes linhas de abordagens. Por

    um lado, as definies pragmtico-institucionais cobrem todo o

    universo mental e, por outro lado, as preocupaes prendem-se

    compreenso das relaes entre o homem e o objeto. Estadicotomia de linhas de pensamento tambm demonstra que a

    Museologia vem sendo estruturada a partir de distintos sistemas de

    idias.

    Uma terceira ordem de problemas que tem aflorado nos

    ltimos anos, a partir do fortalecimento das discusses ecolgicas,registra que tratar os problemas vinculados preservao significa

    respeitar o conceito da biodiversidade. Nesse caso, impossvel

    no perceber a incapacidade dos museus tradicionais em tratar esse

    novo conceito, uma vez que as instituies museolgicas passaram

    este sculo preocupadas em determinar suas especialidades, em

    desmembrar suas colees e em contribuir para a organizao de

    uma tipologia de museus, constituda por tipos estanques.

    Deve-se ressaltar, tambm, que o universo profissional

    vinculado aos museus valorizou, e muito, a cultura material,

    tornando a instituio museolgica antropocntrica. Portanto, no

    devem ser negligenciadas as dificuldades que os museus esto

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

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    26 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    enfrentando em compatibilizar seus atuais perfis em relao ao seu

    carter preservacionista.

    Partindo-se da noo de preservao, tendo como foco de

    anlise um fenmeno de comunicao que tem a possibilidade de

    construir e reconstruir as relaes entre a sociedade e sua herana

    patrimonial, a Museologia vem organizando seu campo terico,

    particularizando-o entre aqueles que orientam as disciplinas

    aplicadas, e testando-o por meio de inmeras experimentaes que

    ocorrem no mbito dos museus tradicionais ou no mago dos

    novos processos museais (Quadro 3).

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    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 27

    Relao museal

    Pblico Homem

    HomemComunidadeSociedade

    Cenrio

    ObjetoPatrimnioComunitrio/Integral

    Objeto Colees

    Cenrio

    Edifcio

    MuseusTradicionais

    Novos processosde Musealizao

    Espao comunitrioTerritrio de Interveno

    (Quadro 3)

    Desta forma e, lentamente, esta rea vem organizando a

    hierarquia de suas estruturas mentais, superando paradigmas e

    colocando-se frente a novos desafios. Assim, tm surgido questesinerentes aos limites e reciprocidades desta rea com outras reas

    28 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 1996

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    28 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    cientficas, como tambm movimentos de intelectuais que apontam

    para uma Nova Museologia.6

    Considera-se que os fenmenos museais tradicionais

    correspondem aos museus estruturados institucionalmente, que

    atuam a partir de colees constitudas e exercem sua funo social

    por intermdio da sua produo cientfica e de suas formas de

    interveno comunicacional e educacional. J os novos processos

    que procuram interagir extra-muros voltam-se para as perspectivas

    do trabalho comunitrio. Como afirma Maure (1994:85)... Ces

    nouvelle realisation ont - quelles que soient les diffrences - trois

    lments principaux en commun; elles accordent toutes une

    importance primordiale : lidentit locale, la perspective

    cologique, et la participation de la population. Cest danslinteraction entre ces trois lments, dans un cadre museal, que

    rside la nouvaut et limportance du mouvement.

    Trata-se de um alargamento considervel dos horizontes

    epistemolgicos, dentro do mesmo universo de preocupaes,

    impondo desta forma metodologias adequadas.

    Em recente reunio de profissionais realizada em

    Petrpolis (Maio, 1995), no mbito do I Encontro Nacional do

    ICOM-Brasil (International Council of Museums) foi elaborado um

    (6) Movimento definido durante a realizao do Ateli Internacional Ecomuseus/NovaMuseologia, em Quebec-Canad (outubro de 1984)

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 29

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    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 29

    documento, no qual tive ativa participao, com as reflexes e

    propostas brasileiras, para ser apresentado na Conferncia Geral do

    ICOM, em Stavanger, Noruega (Julho, 1995).

    O grupo que discutiu as questes tericas apresentou as

    seguintes concluses:

    Grupo de Interesse sobreMuseologia (ICOFOM)

    As discusses do grupo tiveram como perspectiva a

    reflexo sobre aspectos terico-metodolgicos da

    Museologia (de acordo com os objetivos do

    ICOFOM), considerando inclusive as questes

    referentes formao profissional nesta rea. Como

    resultado dessas discusses o grupo prope:1) o reconhecimento da Museologia como disciplina

    aplicada, com a potencialidade de mediar as

    necessrias relaes entre preservao e

    desenvolvimento; neste sentido a ao da

    Museologia caracteriza-se, singularmente, por sua

    capacidade de transformar o Patrimnio em

    Herana. Define-se Patrimnio como conjunto de

    bens fruto das relaes do Homem com o meio

    ambiente e com os demais homens, assim como as

    interpretaes dessas relaes. Define-se a Herana

    como a conscincia da existncia desse Patrimnio,

    30 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 1996

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    30 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    assumido enquanto conjunto de signos que

    permitem a identificao do indivduo em relao a

    si mesmo e ao grupo a que pertence, no tempo e no

    espao.

    A preservao e o conhecimento do Patrimnio levam

    constituio da Herana, como base da identidade

    das comunidades, e de seu desenvolvimento;

    2) a necessidade, por parte da Museologia, de um

    profundo conhecimento dos segmentos da realidade

    social correspondente ao seu universo de aplicao;

    3) a implementao de processos museais que

    identifiquem e reconheam as comunidades de

    diferentes naturezas a que se destinam, e queprocurem adequar as estratgias de ao, os

    procedimentos metodolgicos e tcnicas aplicados

    s peculiaridades destas diferentes comunidades. A

    avaliao permanente e sistemtica desses processos

    dever ser incorporada musealizao;

    4) a garantia da participao das comunidades

    envolvidas em todas as etapas do processo

    museolgico, considerando que a Museologia

    permite a transferncia de seu conhecimento

    especfico, de seus mtodos e tcnicas de atuao;

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 31

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    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 31

    5) o reconhecimento do objeto central de estudo da

    museologia como um fenmeno de comunicao,

    construdo a partir da articulao das mltiplas

    formas de relao entre o homem e o objeto em um

    cenrio;

    6) o respeito ao tempo inerente construo dos

    fenmenos museais, determinado pelas

    singularidades das variveis envolvidas nestesprocessos;

    7) o reconhecimento de que as mltiplas

    possibilidades de aplicao de processos

    museolgicos so meramente diferenas

    metodolgicas, que s vm a enriquecer a unidadeda teoria museolgica.

    Prope-se assim uma nova ao museolgica, capaz

    de alterar a viso tradicional de museu, num pas

    como o Brasil, no qual a identidade reside exatamente

    na diversidade cultural, considerando-se que o

    corpus terico de uma disciplina modifica-se na sua

    relao dialtica com a realidade.

    Formao de Pessoal:

    Considerando estes pressupostos, prope-se que, no

    Brasil, a formao de pessoal na rea da Museologia

    32 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

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    32 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 1996

    busque a preparao de profissionais crticos e

    capazes de atuar como mediadores na relao

    Preservao e Desenvolvimento, conscientes de que

    esta ao de mediao contribui para a construo

    dos valores sociais e para a estruturao da herana

    cultural.

    Neste sentido, a formao dos profissionais de

    museus dever incluir conhecimento e treinamentoem trs nveis:

    1) a estrutura terica, metodolgica e tcnica da

    Museologia;

    2) o perfil patrimonial da realidade brasileira em sua

    diversidade, semelhanas e constrastes;3) os recursos tcnicos e os fundamentos tericos da

    Comunicao, e de sua nova tecnologia.

    Este tipo de formao visa capacitar a esses

    profissionais para uma ao social voltada para a

    educao integral; indispensvel assim reformular-sea estrutura curricular dos cursos de Museologia,

    promovendo a interdisciplinariedade e a interao

    entre as diferentes reas. igualmente importante que

    a Museologia faa parte de outras reas acadmicas,

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 33

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

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    C NOS SOC O US O OG N 9 33

    responsveis pela formao de profissionais que

    venham a atuar em museus.

    Entretanto, ainda so tmidas as suas inseres no mundo

    acadmico. Faltam, em especial, uma profuso maior de peridicos

    especializados, cursos de formao e encontros cientficos.

    Apesar das consideraes elencadas, possvel apresentar

    um quadro referencial desta disciplina (Quadro 4), afirmar que seu

    eixo est apoiado na compreenso, realizao e anlise dos

    processos de musealizao (Quadro 5), que a Museologia compe

    com as Cincias Humanas um cenrio multidisciplinar, com o

    objetivo de contribuir para a soluo de uma problemtica

    percebida na dinmica socio-cultural.

    34 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

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    Museologia Especial:Os estudos acima elencados devem ser orientados a partir daidentificao das caractersticas do fato museal, a saber:

    1) Texto Museolgico: relacionado ao tipo do museu ou processomuseolgico (natureza doacervo ou perfil das refernciaspatrimoniais)

    2) Contexto Museolgico: referente sociedade onde o processomuseolgico est fixado ou omuseu localizado.

    Museologia geral:

    1) Teoria Museolgica: conjunto de princpios que se articulam apartir da anlise dasexperimentaes ou do estudodo fato museal e a respectivasistematizao - dessasreflexes - (categoriasuniversais)

    2) Histria dos Museus: estudos voltados para a insero dessemodelo institucional nas suasrespectivas sociedades,enfatizando a anlise sobremudanas de forma e contedoe identificando a origem e de-senvolvimento de novosprocessos de musealizao.

    3) Administrao de Museus: experimentaes estruturais eregimentais visando o exerccioprofissional interdisciplinar e aaproximao com os rgos

    mantenedores e com asociedade em geral (gestoorientada e auto-gesto).

    Quadro Referencial da Disciplina Museolgica (A)

    (Quadro 4-A)

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 35

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    Quadro Referencial da Disciplina Museolgica (B)

    Museologia Aplicadamtodos

    e

    tcnicas

    Pesquisa vinculada natureza dascolees e/ou referncias patrimoniais

    1) Planejamento Institucional e/ou Elaborao do Programa

    para o estabelecimento do Processo de Musealizao (estrutura,

    cronograma, financiamento, etc)

    2) Formas de Aquisio das colees ou da Apropriao das

    Referncias Patrimoniais.

    3) Salvaguarda do Acervo e/ou das Referncias Patrimoniais

    - conservao: interveno/restauro/uso

    - documentao: inventrio/banco de dados/gerenciamento da

    informao

    - armazenamento: temporrio e/ou definitivo/Reserva Tcnica

    4) Comunicao

    - exposio: longa durao/temporrias/sistemas

    - servio educativo: projetos pedaggicos sistemticos

    - ao scio-educativo cultural: educao permanente

    5) Av aliao:

    - sobre os contedos

    - sobre o comportamento do pblico e/ou comunidade

    - sobre o processo museolgico

    (Quadro 4-B)

    36 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

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    BENS PATRIMONIAIS

    PRESERVAO

    indicadores da memria

    OBJETOS

    sentidos e significados

    SALVAGUARDA

    - conservao- documentao

    COMUNICAO- exposio- ao educativo-cultural

    MUSEALIZAO

    PRODUTOS- conservao dos bens patrimoniais- gerenciamento da informao- discursos expositivos

    - estratgias educativas- programas culturais

    Relao

    Museal

    MUSEOLOG

    IA

    FUNO

    SOCIAL

    SOCIEDADE

    UNIVERSO

    DE

    INTERESSE

    DA

    BIBLIOGRAFIA CITADA (Quadro 5)

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 37

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    GUARNIERI, W.R.C. - Museu, Museologia, Muselogos e

    Formao. IN: Revista de Museologia. ano 1, n 1.

    Instituto de Museologia de So Paulo / FESP. So Paulo

    (1989)

    _____, W.R.C. - Conceito de Cultura e sua Inter-relao com o

    Patrimnio Cultural e Preservao. IN: Cadernos

    Museolgicos. IBPC, n 3. Rio de Janeiro (1990)

    LUCENA, C. - Linguagens da Memria. Apoio 6. Fundao parao desenvolvimento da Educao. So Paulo (1991)

    MENESES, U.B. - A Histria. Cativa da Memria? Para um

    mapeamento da memria no campo das cincias sociais.

    IN:Revista do IEB/SP, n 34. So Paulo (1991)

    POMIAN, K. - Coleo. Enciclopdia Einaudi/Memria-

    Histria 1. Imp. Nac. Casa da Moeda. Porto (1984)

    SHANKS, M. & TILLEY, C. - Presenting the past: towards a

    redemptive aesthetic for the museum. IN:Reconstructing

    Archaeology: theory and pratice. Cambridge University

    Press. Cambridge (1987)

    38 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

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    Obs.: este texto, com algumas alteraes, faz parte

    da tese de doutoramento Musealizao da Arqueologia: um

    estudo de Modelos para o Projeto Paranapanema (1995)

    OS PROCESSOS MUSEAIS E AS QUESTES

    METODOLGICAS: O MUSEU DA CIDADE DE PIRAJU

    COMO ESTUDO DE CASO

    Apresentao:

    ...os homens constroem os templos para seus

    deuses, as fortalezas dos soldados, os palcios para

    seus reis, destinam parques s suas vitrias,

    constroem casas para sua famlia, zoolgico para

    seus animais, os museus para seu patrimnio

    cultural

    Giraudy & Bouilhet (1977)

    Em diversos pases os grandes museus vm modificando

    sua poltica cultural, repensando-se conceitualmente, sofrendo

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    40 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

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    capacidade intelectual, cultural, artstica, ideolgica, perceptiva e

    afetiva. Como afirma Lon (1978: 306) - "trata-se de dispor a

    mente e a sensibilidade do visitante para o encontro com as

    civilizaes passadas ou atuais que possibilite uma via de reflexo

    profunda sobre si mesmo". Sob este aspecto, o museu deve

    oferecer uma educao objetiva e tambm subjetiva, renunciando

    s implicaes doutrinrias e propiciando em cada espectador

    faculdades especficas, tais como: fantasias, curiosidades e ligaescom a realidade. Por isso, fundamental que as crianas aprendam

    desde muito cedo a conviverem com os objetos, exposies e

    museus. O Museu deve oferecer criana situaes que levem

    reflexo, ao desenvolvimento do raciocnio, pois s assim estar

    contribuindo para a Educao Libertadora, que aquela que,

    consciente e concretamente questiona a realidade do indivduo, do

    outro e do mundo que os cerca, levando-os s transformaes;

    - Funo Cientfica: deve estar presente no interior e

    exterior do museu. No interior, enquanto as exposies

    representam o desfecho de um trabalho iniciado com a coleta

    sistemtica do material, sua posterior catalogao e anlise. Aomesmo tempo, o museu deve atuar exteriormente, atravs das

    exposies e tambm de suas atividades paralelas (discusses,

    cursos, publicaes, etc), como propulsor na procura do

    conhecimento, prprio a uma instituio cientfica;

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    42 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

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    de um tempo permeado por relaes sociais cotidianas, ligadas ao

    trabalho, lazer, famlia e devoo. Este binmio espao-tempo

    sustentado pelas caractersticas ambientais do territrio, da mesma

    forma que vulnervel s influncias de agentes externos.

    1) O Patrimnio da Cidade:

    O conjunto dos bens identificados por uma coletividade

    ser o objeto central da atuao deste modelo museolgico.

    Conforme aponta Lucena (1991:10), "a expresso patrimnio

    cultural se aplica s coisas que cada grupo preserva, porque nelas

    esto a sua sobrevivncia. A noo de patrimnio engloba objetos,

    tcnicas, espaos, edificaes, crenas, rituais, instrumentos,

    costumes, explicitados no cotidiano das pessoas".

    Esses bens so definidos a partir da importncia que

    possam ter no cotidiano da populao. Cabe ao museu colaborar na

    identificao, estudo, conservao e comunicao das referncias

    patrimoniais, sempre levando em considerao a sua relevncia

    para as comunidades envolvidas que, por sua vez, podem ser

    constitudas de diferentes segmentos da populao.

    2) As Pessoas da Cidade:

    A atuao deste museu deve estar voltada para a

    identificao das expectativas das diferentes comunidades de uma

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 43

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    cidade, procurando compreender os mecanismos de aproximao

    das pessoas e os respectivos envolvimentos comunitrios, que

    muitas vezes podem estar vinculados faixa-etria, tipo de

    trabalho, poder aquisitivo, lazer, interesses polticos, prtica

    religiosa, etc.

    Deve-se entender que a comunidade de uma cidade no

    homognea, pois constituda de classes e setores, tais como

    trabalhadores (campo e cidade), como tambm existem atritos entreos diferentes segmentos (integrados e marginalizados).

    Entretanto, as pessoas de uma cidade so as reais

    construtoras de uma memria coletiva e devem ser consideradas

    como agentes neste processo museolgico.

    Cabe ao museu, a partir de um trabalho sistemtico,

    encontrar os elos de unio entre as pessoas (que as tornam

    Pirajuenses) e, tambm, identificar as fissuras internas, valorizando

    a diversidade nos usos e costumes.

    Um museu de cidade deve servir de opo para quem quer

    conhecer outros aspectos da populao, ao lado da sua prpriaimagem, como tambm outros caminhos do seu territrio,

    diferentes das suas prprias trilhas.

    44 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

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    3) Os Espaos da Cidade:

    fundamental que um Museu de Cidade estenda sua

    atuao para toda a rea de interveno de uma populao,

    compreendendo as mudanas scio-econmicas que vo dando

    diferentes contornos ao centro e periferia.

    Este processo museolgico tem como caractersticas

    bsicas a descentralizao espacial, o respeito aos espaos culturais

    j institucionalizados e a revalorizao de locais marginalizados.

    Sempre atuando dentro deste tnue limite existente entre

    preservao e desenvolvimento.

    A partir das consideraes conceituais apresentadas, o

    Museu da Cidade de Piraju atuar atravs da musealizao de

    diferentes espaos, procurando atingir os diversos segmentos da

    populao, na busca da valorizao de trs aspectos, a saber:

    a) o territrio de Piraju: o equilbrio ambiental.

    b) o ser pirajuense: o perfil da populao.

    c) os signos de Piraju: as referncias patrimoniais.

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 45

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    2 Parte: Metodologia de Trabalho:

    a pedagogia museolgica.

    A metodologia para esse tipo de museu deve seguir dois

    princpios bsicos: por um lado, valorizar as intituies culturais j

    existentes e, por outro lado, estabelecer um processo que conte,

    fundamentalmente, com a participao da populao.

    Para tanto, o Museu da Cidade de Piraju est apoiado em

    duas grandes estruturas, a saber:

    a) Banco de Dados sobre a Cidade

    b) Ncleos Museolgicos Temticos

    1) Banco de Dados sobre a Cidade.

    Este projeto est voltado para a organizao e

    armazenamento de informaes sobre a cidade. Comeando pela

    informatizao dos signos urbanos construdos (monumentos,

    edifcios, praas), passando para os elementos ambientais da regio

    e terminando pelas colees j existentes nas diferentes

    instituies. Deve ser armazenada, tambm, a memria ligada s

    festas populares e outras manifestaes culturais.Em seguida, este

    projeto deve servir como suporte para a atuao dos ncleos

    museolgicos.

    46 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

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    46/113

    Seu desenvolvimento depende do cumprimento de algumas

    etapas preliminares, tais como: levantamento bibliogrfico,

    realizao de planilhas, elaborao de programa adequado paraesse tipo de informatizao, identificao dos primeiros itens a

    serem documentados.

    Cabe ressaltar que fundamental a parceria com as

    instituies culturais, como tambm com empresas que possam

    sustentar financeiramente o projeto.

    A sede central do Projeto Banco de Dados pode ser

    instalada nas antigas dependncias do Centro Regional de

    Pesquisas Arqueolgicas Mario Neme, ficando prxima

    Biblioteca e Arquivo da cidade.

    2) Ncleos Museolgicos Temticos:

    Com o objetivo de desencadear o processo museolgico,

    esta proposta apresenta quatro sugestes temticas para dar incio

    ao desenvolvimento do Museu da Cidade de Piraju, a saber:

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 47

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    a) Arqueologia Regional: os vestgios do passado.

    b) Rio Paranapanema: a alma da cidade.

    c) Tradio e Progresso: o caf e a evoluo da cidade.

    d) Famlias: as pessoas de Piraju.

    Para cada um dos ncleos est previsto um processo de

    trabalho, um espao de interveno e um tipo de articulao junto

    aos diferentes segmentos da populao.

    A unio entre os diversos ncleos deve ocorrer atravs da

    aplicao de projetos pedaggicos voltados ao pblico infanto-

    juvenil.

    2.1) Ncleo Museolgico A:

    "Arqueologia Regional: os vestgios do passado".

    Trata-se da reorganizao do Centro Regional de Pesquisas

    Arqueolgicas Mrio Neme, que rene o acervo proveniente das

    pesquisas do Projeto Paranapanema.

    Este ncleo deve atuar a partir de trs bases: reserva

    tcnica do acervo aberta ao pblico, exposies temporrias sobre

    as pesquisas em realizao, vinculadas mostra de longa durao e

    servio educativo apoiado em arqueologia experimental.

    48 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    48/113

    A sua sede central deve permitir o desenvolvimento das

    atividades mencionadas, da mesma forma, ser uma referncia

    cultural para os interessados em Arqueologia.

    2.1.1) Sede:

    O Galpo da Estao Ferroviria deve servir como sede

    para este ncleo, a partir de uma reforma e adaptao arquitetnica

    para o novo uso. Neste edifcio devem funcionar as seguintes

    atividades:

    Sala 1:

    Exposio de Longa Durao:

    a) Processo de Hominizao.

    b) Passagem do Homem para a Amrica.

    c) O Homem no Vale do Rio Paranapanema.d) Mtodos e Tcnicas do Trabalho Arqueolgico.

    Sala 2:

    Exposio biogrfica sobre Mario Neme e Luciana

    Palestrini:

    a) Mrio Neme: cronologia de uma vida.b) Luciana Palestrini: uma vida dedicada arqueologia.

    Sala 3:

    Exposies Temporrias sobre os diversos programas de

    pesquisa arqueolgica que fazem parte do Projeto

    Paranapanema.

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 49

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    49/113

    Sala 4:

    Espao dedicado guarda do acervo em armrios de ao

    (com mezanino), sendo que uma das laterais transformada em vitrina para o pblico ter acesso, tambm,

    s colees. Estes armrios devem ficar prximos uma

    rea destinada ao estudo e organizao do acervo.

    Sala 5:

    rea destinada aos trabalhos pblicos, como projeo devdeo, atividades educativas, conferncias, etc.

    Este ncleo, de alguma forma, j uma realidade em

    Piraju, em funo da importncia da atuao do Centro Regional

    Mrio Neme. Nesse sentido, sua implantao est vinculada a duas

    questes: por um lado, adequada preparao do espao (Galpoda Estao Ferroviria) e, por outro lado, s estratgias

    pedaggicas que devem vincul-lo aos stios arqueolgicos, ao

    cotidiano da cidade e s atividades dos outros ncleos.

    Para tanto, este ncleo deve contar com as seguintes linhas

    de atuao:

    a) visitas monitoradas s exposies, seguidas de

    atividades educativas vinculadas Arqueologia

    Experimental (em especial para o pblico

    infanto-junvenil);

    50 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    50/113

    b) visitas aos stios arqueolgicos da regio, em

    especial durante etapas de escavaes

    (programas tursticos);

    c) organizao de seminrios, sesses de vdeos e

    debates sobre arqueologia;

    d) realizao peridica de cursos, para o pblico

    infanto-juvenil, sobre arqueologia, e

    e) preparao de professores para o

    acompanhamento das atividades deste ncleo.

    2.1.2) Processo de Trabalho:

    a) - reforma do Galpo da Estao Ferroviria.

    - detalhamento museogrfico do projeto do

    mobilirio para a reserva tcnica, uma vez que

    parcela substancial das instalaes depende de

    mveis, divisrias e portas especialmente

    planejadas.

    - preparao do circuito entre os stios

    arqueolgicos.

    b) - elaborao de proposta para organizao,

    guarda das colees e realizao dos

    respectivos estudos, como tambm,

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 51

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    51/113

    apresentao expositiva. Encaminhamento

    desta proposta s agncias financiadoras,

    visando a contratao dos profissionais para oestudo, catalogao e possvel publicao de

    um catlogo do Projeto Paranapanema.

    - montagem das exposies.

    - incio das atividades pedaggicas

    c) - abertura integral do ncleo - insero dasvisitas aos stios arqueolgicos em programas

    tursticos.

    A provvel realizao de escavaes arqueolgicas no

    espao urbano, prximo a este ncleo, sob a coordenao de

    Margarida Andreatta, dar realce especial dinmica dasatividades pedaggicas e tursticas, podendo vincular-se

    estratgia museolgica para consolidao do Museu da Cidade.

    52 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    52/113

    2.2) Ncleo Museolgico B:

    "Rio Paranapanema: a alma da cidade.

    Este ncleo ter sua atuao voltada para as questes

    ambientais, utilizando o Rio Paranapanema como eixo temtico,

    em funo de sua importncia para a cidade. Partindo da idia de

    que este rio ocupa espao significativo na construo da memria

    de Piraju, considera-se fundamental fomentar processosparticipatrios em que a populao possa expor a "imagem" que

    tem do Rio Paranapanema.

    Para tanto, o Museu da Cidade deve desencadear duas

    linhas de atuao para consolidao desse ncleo, a saber:

    a) estudo e organizao da documentao existente, com apoiode entidades ambientalistas e acadmicas.

    b) desencadear campanha pblica, com apoio da imprensa

    (jornal, rdio), com o tema "Mostre o Rio que voce v",

    com o objetivo de levantar as diferentes imagens que a

    populao foi guardando sobre o rio. Neste processo,documentos em diferentes suportes (fotos, desenhos,

    textos, etc) podem surgir e, aps a devida catalogao

    devem ser expostos em local prximo ao rio e, em seguida,

    percorrer as escolas da cidade (a partir do emprstimo dos

    documentos).

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 53

    A i l d l d di

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    53/113

    A implantao desse ncleo deve amparar as contradies

    normalmente existentes entre a preservao, uso e transformao

    das referncias ambientais. Por um lado, este ncleo podecontribuir para uma pedagogia da apropriao, ou seja: chamar a

    ateno para o equilbrio ecolgico e a necessidade de conter a

    devastao da natureza.

    Sem uma sede especfica, sua atuao deve consolidar-se

    junto aos espaos abertos (praas, nichos ecolgicos, rio, etc),como tambm nas escolas atravs de oficinas de reciclagem de

    papel, maletas pedaggicas sobre questes ambientais, adoo de

    reas verdes atravs de campanhas, entre outras atividades.

    A estratgia adotada, focalizando o Rio Paranapanema,

    pode ser repetida sistematicamente atravs da valorizao de outroselementos, como o inventrio de reas verdes e a reorganizao do

    viveiro de plantas.

    O desenvolvimento desse ncleo deve visar a formao da

    populao infanto-juvenil, contribuir para a implantao de

    programas tursticos no predatrios e colaborar para a elaborao

    do Cdigo Ambiental do Municpio de Piraju.

    54 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    2 3) N l M l i C

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

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    2.3) Ncleo Museolgico C:

    "Tradio e Progresso: o caf e a evoluo da cidade"

    O caf uma referncia bsica para a organizao e

    desenvolvimento de Piraju como cidade, como tambm de sua

    projeo no cenrio estadual e nacional. Representa, no que diz

    respeito ao universo patrimonial, a linha divisria entre a tradio

    (preservao das referncias ligadas ao perodo ureo) e progresso

    (opo por novos caminhos econmicos).

    O caf ser utilizado como smbolo para que este ncleo

    possa musealizar a fora do trabalho que tem consolidado as

    estruturas scio-culturais de Piraju.

    A partir da memria construda em funo do caf, o

    desenvolvimento deste ncleo abordar outras questes, tais como:pecuria, comrcio, indstria, etc.

    Este ncleo deve atuar por meio de cinco bases: sede

    central com mostras de longa durao e reserva tcnica do acervo;

    inventrio dos signos urbanos (casas, monumentos, ruas) ligados

    ao desenvolvimento da cidade; organizao de circuitos para visita;exposies itinerantes com temas ligados histria scio-

    econmica de Piraju, para serem montadas em escolas, empresas,

    indstrias, clubes e projetos pedaggicos apoiados na Educao

    Patrimonial.

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 55

    2 3 1) Sede:

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    55/113

    2.3.1) Sede:

    A Estao Ferroviria deve servir como sede bsica depois

    que passar pelas devidas reformas, que compreendem a restaurao

    do edifcio e a adequao da arquitetura interna para poder receber

    a instalao de uma instituio que abrigar acervo (de tipologia

    diferenciada) e estar aberta visitao.

    Este edifcio dividido em dois pavimentos deve reservar o

    andar superior para as atividades burocrticas e tcnicas, como

    tambm para palestras e projeo de vdeos. No andar trreo, a

    diviso deve ser a seguinte:

    Sala 1:

    Exposio de Longa Durao

    a) O Povoamento da Regiob) So Sebastio do Tijuco Preto: as terras do o contorno

    cidade

    c) Piraju: o desenvolvimento da cidade

    d) O Caf: cultivo e tecnologia

    e) Piraju: perfil econmico

    Sala 2:

    Exposio Temporria

    "As Ruas e Praas da Cidade"

    Espao destinado apresentao de mostras biogrficas

    sobre personalidades que deram nomes s ruas e praas, a

    56 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    partir do desenvolvimento dos estudos vinculados ao

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    56/113

    partir do desenvolvimento dos estudos vinculados ao

    Banco de Dados e do emprstimo dos objetos junto s

    famlias.

    Sala 3:

    Exposio Temporria

    Espao destinado a mostras temporrias que, em seguida,

    devem se transformar em itinerantes, enfocando a pecuria,

    a indstria e o comrcio.

    Sala 4:

    Reserva Tcnica: deve ser preparado um espao para

    abrigar colees, mesmo que temporariamente, e proceder

    o devido tratamento museolgico.

    A implantao do ncleo Tradio e Progresso deve seracompanhada de uma estratgia pedaggica apoiada nos princpios

    da Educao Patrimonial, ou seja: priorizar a referncia do

    patrimnio como evidncia material de um processo cultural que

    deve ser vivenciado pelo pblico, em especial o infanto-juvenil em

    sua formao educacional. Significa que a histria da cidade deve

    ser conhecida pela populao a partir da convivncia com os signos

    urbanos, da familiaridade com os objetos musealizados e da

    participao em reconstituies de fatos relevantes da histria

    local.

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 57

    2.3.2) Processo de Trabalho:

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    57/113

    2.3.2) Processo de Trabalho:

    a) - restaurao e adaptao da sede, a partir da

    elaborao de projeto especfico para esse fim,

    que deve ser encaminhado para empresas

    locais, com o objetivo de obter o financiamento

    das obras. Este projeto deve dar incio a um

    longo processo de parceria entre o Museu da

    Cidade e os representantes dos principaissetores econmicos de Piraju, uma vez que a

    atuao deste ncleo est voltada para a

    musealizao desta realidade.

    b) - detalhamento do projeto museogrfico para a

    montagem das mostras acima mencionadas;

    - preparao dos circuitos de visita aos principais

    pontos histricos da cidade e a respectiva

    insero em programas tursticos.

    c) aps a instalao da estrutura bsica na sede

    central, este ncleo deve desencadear um

    processo de sensibilizao da populao emrelao sua rea de atuao. Para tanto, deve

    estabelecer uma "gincana cultural" sobre a

    memria do caf, com o objetivo de inventariar

    os bens patrimoniais. Com o apoio da imprensa

    (jornal e rdio) esta gincana deve contar com a

    58 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    participao de professores que possam

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    58/113

    p p p q p

    colaborar na catalogao dos objetos

    recuperados pelos participantes, como tambmgravar informaes sobre os respectivos donos.

    O material coletado deve fazer parte de mostra

    temporria, como estmulo preservao

    patrimonial.

    d) todo esse processo deve estar permeado porprojetos educativos, vocacionados para a

    observao, fruio e, questionamento das

    evidncias patrimoniais ligadas histria local.

    A mesma estratgia ligada musealizao da "Memria do

    Caf - vinculada fora do trabalho" pode ser utilizada para o

    tratamento de outros elementos sobre a cidade de Piraju, sempre

    relacionados abordagem dos limites e reciprocidades entre

    tradio e progresso.

    2.4) Ncleo Museolgico D:

    "Famlias: as pessoas de Piraju"

    Procurando conhecer o cotidiano das diferentes famlias, a

    partir da considerao de que a famlia uma clula fundamental

    na dinmica de uma cidade, este ncleo pretende levantar junto

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 59

    populao, a histria das famlias, os usos e costumes, as opes

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    59/113

    p p p

    quanto ao lazer e devoo, entre outros aspectos.

    A implantao deste ncleo, em um primeiro momento,

    deve contar com o apoio dos professores para a aplicao de

    questionrios junto aos alunos. Utilizado como instrumento de

    investigao, devidamente preparado (perguntas estimulantes

    acompanhadas por imagens) e analisado, o questionrio passa a

    desempenhar um papel chave para o levantamento do perfil dapopulao. Em um segundo momento, este perfil deve apontar

    aspectos a serem musealizados, a partir do tratamento de temas de

    relevncia para a populao. Atravs de exposies, esses temas

    podem ser abordados periodicamente e devidamente desdobrados

    em atividades pedaggicas.

    Consideraes Finais

    O xito de um Museu de Cidade est ligado s

    possibilidades de participao coletiva que seus projetos permitem,

    ao mesmo tempo em que deve estar consolidado no exercciosistemtico da cidadania.

    Um museu deste tipo deve consolidar-se em uma dinmica

    museolgica que no desenvolva suas atividades isoladamente. Ao

    60 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    contrrio, deve envolver-se com as questes da cidade e trat-las

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    60/113

    como Fatos Museais.

    fundamental considerar que este projeto necessita de um

    tempo razovel para sua implantao e amadurecimento, como

    tambm depende de uma gesto partilhada com os diferentes

    segmentos da sociedade.

    Como tem ocorrido em outros locais, os Museus de Cidade

    partem da identificao de temas relevantes e das lideranascapazes de desencadearem o Processo Museolgico.

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 61

    Esquema Metodolgico

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    61/113

    Patrimnio Pessoas Espaos

    da Cidade da Cidade da Cidade

    Ncleo Museolgico AArqueologia Regional:os vestgios da cidade

    Ncleo Museolgico BRio Paranapanema:a alma da cidade

    Ncleo Museolgico CTradio e Progresso:o caf e a evoluo da

    cidade

    Ncleo Museolgico DFamlias : as pessoas dePiraju

    PROJETOS

    PEDAGGICO

    BANCODE

    DADOS

    62 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    BIBLIOGRAFIA CITADA

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    62/113

    BRUNO, M.C. - Museu do Estado de Mato Grosso do Sul -

    proposta Museolgica - encaminhada Universidade Federal deMato Grosso do Sul (199l)

    GIRAUDY, D. & Bouilhet, H. - Le Muse et la vie. LaDocumentation Francaise, Paris (1977)

    BRUNO, M.C. - Proposta Museolgica - Museu do Estado demato Grosso do Sul, So Paulo (1990

    LON, A - El Museo: teoria, praxis e utopia. Ediciones Ctedra,S., Madrid (1978)

    Lucena, C. - Linguagens da Memria in Apoio, n 6, FDE, SoPaulo (1991

    MORAIS, J.L. - Secretaria Municipal de Cultura e Meio

    Ambiente - Plano de Reforma e Gesto - Piraju/SP(1992)Obs.: este projeto museolgico foi apresentado comoum dos modelos de musealizao, aplicados realidadebrasileira, com o objetivo de vincular os vestgios pr-coloniais no mbito de um Museu de Cidade.

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 63

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    63/113

    FORMAS DE HUMANIDADE: CONCEPO E DESAFIOS

    DA MUSEALIZAO

    Apresentao: o discurso expositivo como um dos produtos do

    processo de musealizao.

    No dia 12 de dezembro de 1995 o Museu de Arqueologia e

    Etnologia da Universidade de So Paulo abriu visitao pblica a

    exposio de longa durao Formas de Humanidade.

    Com este evento inaugural, o MAE estabeleceu a

    plataforma bsica de sua proposta de divulgao cientfico-cultural,

    rearticulou o seu contato direto com o pblico por meio

    museolgico e apresentou a sua nova face de responsabilidade

    patrimonial uma vez que esta face vem sendo delineada desde

    1989, a partir da emisso da Portaria n 2073 que fundiu algumas

    64 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    unidades da USP ou partes delas, criando o novo Museu de

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    64/113

    Arqueologia e Etnologia.

    Com esta exposio a instituio pretende divulgar asvrias formas que a humanidade vem dando, ao longo do tempo, s

    diferentes matrias-primas e s manifestaes scio-culturais. Cabe

    ressaltar que este discurso expositivo tem carter sinttico e

    panormico e est apoiado, prioritariamente, na evidncia material

    da cultura. Da mesma forma, deve ser sublinhado que os temas

    decorrentes da proposta temtica central foram escolhidos a partir

    da potencialidade do acervo institucional. Este acervo, por sua vez,

    corresponde s colees arqueolgicas e etnogrficas brasileiras,

    etnogrficas da frica e arqueolgicas do Mediterrneo e Mdio-

    Oriente. Embora o MAE ainda guarde outras colees, distintas s

    que fazem parte desta mostra.Assim, aps cinco anos de discusses, elaboraes,

    constituio de comisses, estabelecimento de distintos processos

    de trabalho, aproximaes sistemticas entre docentes e tcnicos,

    contrataes, entre tantos outros procedimentos, possvel afirmar

    que esta exposio que tambm deve ser encarada como um

    produto visvel de um processo de musealizao apresenta a

    seguinte diviso:

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 65

    Setor A: Brasil Indgena

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    65/113

    - mdulo 1: Origens e Expanso das Sociedades Indgenas

    - mdulo 2: Manifestaes Scio-Culturais IndgenasSetor B: frica: culturas e sociedades

    Setor C: Mediterrneo e Mdio-Oriente na Antiguidade

    - mdulo 1: Pr-Histria Europia

    - mdulo 2: Egito

    - mdulo 3: Mesopotmia

    - mdulo 4: Grcia e Roma

    Esta breve apresentao poderia ser considerada como a

    descrio de um produto com caractersticas expositivas.

    Entretanto, apresentar este produto, no mbito de um processo de

    musealizao, torna esta questo infinitamente mais complexa.

    Tentarei tratar, ento, dos aspectos constitutivos desteprocesso e da natureza dos procedimentos inerentes construo

    de um discurso expositivo, passando pelos bastidores deste

    trabalho e colocando alguns caminhos prospectivos que, a partir de

    agora, emergem da exposio.

    Preliminarmente, considero fundamental apresentar os

    conceitos, a partir dos quais, venho elaborando a idia de

    musealizao.

    Por musealizao entendo o processo constitudo por um

    conjunto de fatores e diversos procedimentos que possibilitam

    66 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    que parcelas do patrimnio cultural se transformem em herana, na

    did l d i

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    66/113

    medida em que so alvo de preservao e comunicao.

    Segundo Shanks e Tilley (1987), musealizao aelaborao de um sistema esttico para criar significados. Esta

    elaborao, por sua vez, fundamental para a consolidao da

    Museologia, mas diz respeito, tambm, a outras reas de

    conhecimento, na medida em que a proposio deste sistema

    esttico musealizado representa no s a convivncia mental com

    as questes ligadas aos sinais, imagens e smbolos, mas, sobretudo

    a implementao de procedimentos adequados ao reconhecimento,

    tratamento e extroverso dos sentidos e significados dos

    indicadores da memria. Neste sentido, adentra-se por um lado,

    nos campos da documentalidade dos segmentos patrimoniais que

    so alvo de musealizao, por outro lado, no deve sernegligenciado os campos da fruio, apropriao, educao e

    transformao.

    Cabe salientar que o encontro desse dois campos indica e

    delimita o tnue territrio que alguns reconhecem como o ncleo

    do universo de musealizao. Deste universo, evidentemente,

    fazem parte fatores histricos (ligados s colees, s reas de

    conhecimento e ao prprio museu), e as reais possibilidades de

    implantao de procedimentos curatoriais adequados

    preservao e comunicao (questes tcnicas).

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 67

    Nesta vasta rea que consagra a importncia dos museus e

    it f i l M l i i t

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    67/113

    reitera a sua funo social, a Museologia se interessa,

    especialmente, em administrar e conservar a informao contidanos objetos (que sempre decodificada por outra rea de

    conhecimento) e tambm em organizar novas maneiras de

    informao, por meio da elaborao de discursos expositivos e

    estratgias pedaggicas.

    importante frisar que a relevncia dos museus na

    contemporaneidade extrapola, e muito, o universo de interesse da

    Museologia. Basta lembrar das pesquisas bsicas, das publicaes,

    da existncia de bibliotecas, do ensino, entre muitos outros

    aspectos.

    A partir dessas consideraes, o discurso expositivo

    Formas de Humanidade, entendido como um importante produtodo processo de musealizao que est sob a responsabilidade do

    MAE, traz uma historicidade bastante particular e caractersticas

    museogrficas interessantes para serem analisadas.

    Primeira Parte: Colees Arqueolgicas e Etnogrficas como a

    alma do processo de musealizao: o passado condena ou redime?

    Como foi explicitado anteriormente, esta exposio

    constituda a partir da articulao de colees provenientes dos

    olhares da Arqueologia e Etnologia. Estes, de uma forma geral, tm

    uma histrica cumplicidade com o colecionismo e com os museus.

    68 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    Independente das caractersticas do MAE, que sero

    abordadas mais frente essas colees merecem alguns

  • 8/6/2019 Cadernos 09 -1996. museologia e comunicaao

    68/113

    abordadas mais frente, essas colees merecem alguns

    comentrios. Talvez fosse pertinente colocar algumas indagaes.A Arqueologia e Etnologia que tm

    sido responsveis pela evidenciao e

    explicao de tantas caractersticas das

    sociedades, como tm influenciado para que o

    patrimnio cultural se transforme em herana?

    Estas mesmas reas de conhecimento,

    que tanto devem aos museus, como tm

    contribudo para que estas instituies

    enfrentem os questionamentos

    contemporneos?

    Um rpido levantamento bibliogrfico nos informa que ahistria do colecionismo e dos museus tm elementos to

    marcantes que at hoje ainda determinam o perfil dos processos de

    musealizao.

    Este assunto, para os profissionais de Museologia,

    sempre um tema candente e revelador. fundamental conhecer e

    entender as idias e mentalidades subjacentes realidade das

    Reservas Tcnicas, dos Laboratrios de Pesquisa e dos

    Depsitos, ou seja: porque e como estes objetos esto nos

    museus.

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 69

    Muito pode ser dito. Entretanto, neste momento devem ser

    lembrados alguns aspectos fundamentais

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    lembrados alguns aspectos fundamentais.

    De acordo com alguns autores, possvel perceber que ocolecionismo e todos os seus derivados scio-culturais, pertencem

    intrinsecamente s estruturas de longa durao, no que diz respeito

    histria das idias e mentalidades dos homens desde o

    Renascimento.

    Neste sentido, deve ser enfatizado que a coleo e por

    conseqncia o colecionismo, ao longo do tempo, demonstram

    sempre duas faces ligadas aos homens e s sociedades. Por um

    lado, a guarda, a valorizao, a apropriao desenfreada dos

    objetos tm demonstrado a necessidade dos homens de transporem

    a sua prpria finitude e, portanto, expem a vulnerabilidade

    humana frente ao desconhecido, ao passado e ao inatingvel. Poroutro lado, esses mesmos objetos e colees podem ser

    interpretados como fortes elementos de ostentao, de poder, de

    traio, de roubo, entre tantos outros aspectos que sempre

    evidenciam a necessidade dos homens e das sociedades de

    demonstrarem a sua onipotncia.

    Assim, a grande e mais forte herana que o colecionismo

    gerou est relacionada ao conceito de posse. A posse material e

    espiritual, o domnio no s das coisas, mas o poder em

    transform-las em smbolos. Um poder pouco partilhado e que

    quando o era, tinha a real funo de demonstrar ostentao.

    70 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    possvel afirmar que todo o esforo das instituies

    museolgicas, desde o sculo passado, tem sido orientado no

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    museolgicas, desde o sculo passado, tem sido orientado no

    sentido de possibilitar a apropriao mais ampla dos objetos ecolees. Entretanto, os caminhos e as razes que levam estes

    mesmos objetos aos museus, ainda hoje, esto impregnados de

    conjunturas complexas e no muito claras.

    A partir do exposto, possvel considerar que o processo

    de musealizao, carrega, implicitamente, uma contradio, ou

    seja: os olhares seletivos que so responsveis pela preservao

    patrimonial (tanto o olhar do poder econmico, quanto o do poder

    acadmico) so impulsionados por uma realidade muito distinta

    daquela que emerge a partir de um fenmeno de comunicao.

    Pessoalmente, prefiro considerar que o processo de

    musealizao tem potencialidade de conciliar estas duas vertentes,a partir da compreenso de que elas existem. Para tanto, seria

    necessrio que as instituies tentassem articular e controlar trs

    grandes nveis de sua organizao:

    - Planejamento Institucional (planejamento estratgico)

    - Gerenciamento da Informao (conservao e

    documentao)

    - Comunicao Museolgica (exposio e ao educativa)

    Formas de Humanidade uma exposio que, por um

    lado, traz a complexidade do perfil patrimonial captado por

    intermdio da Arqueologia e Etnologia e, por outro lado, nasceu

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 71

    em uma conjuntura institucional igualmente complexa que

    ainda no equacionou as trs questes bsicas apresentadas

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    q q p

    anteriormente.Neste sentido, revisitando as idias de Pomian (1984)

    possvel afirmar que o acervo que representa a alma desta

    exposio proveniente de uma viso tradicional de museu. Assim,

    temos colees que so legtimas representantes dos museus

    arqueolgico-artsticos (MMO - Mediterrneo e Mdio Oriente),

    ou tambm dos museus arqueolgico-tecnolgicos (Pr-Histria),

    da mesma forma existem as colees etnogrficas oriundas de uma

    coleta exaustiva - peculiar ao primeiro quartel deste sculo, ou

    mesmo objetos esparsos provenientes de colees particulares.

    evidente que essas caractersticas induziram diferentes

    aproximaes cientficas, configuradas nas distintas identificaesdas prprias colees que, via de regra, esto atreladas s

    diferenciadas estruturas mentais das antigas instituies que deram

    origem ao novo MAE.

    Com isso quero afirmar que a alma desta exposio

    carrega conflitos inerentes natureza e histria das prprias

    colees, que so somados aos conflitos evidentes da nossa

    conjuntura institucional.

    Se verdade afirmar que afuso, alm de criar uma nova

    instituio, foi responsvel pelo rompimento com antigas tradies

    profissionais, evidente que esta anlise atinge, tambm, as

    72 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    exposies que foram produzidas at 1989. Um levantamento na

    documentao que foi possvel guardar nos mostra o quanto estas

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    q p g q

    tradies eram diferentes entre si.A partir da constatao desses conflitos de alma e

    consciente de que uma proposta de comunicao museolgica -

    dentro de uma viso contempornea de museu - tem a

    potencialidade e a necessidade de propiciar a superao de certas

    caractersticas que podem ser prejudiciais a uma instituio

    moderna e eficiente, a proposta museolgica de Formas de

    Humanidade, arriscou, transgrediu, e transformou. Por isso a sua

    elaborao foi longa, tortuosa e terminou deixando a sensao de

    que poderamos ter ido mais longe.

    A forma desta proposta (ou o partido museogrfico) tentou

    minimizar esses conflitos e distncias, mas, desde o incio, foimarcada e delimitada pelo espao disponvel e pelas condies

    logsticas (da verba equipe tcnica).

    Assim, a proposta museolgica desta primeira exposio

    conjunta ( possvel arriscar e afirmar que este o primeiro

    produto coletivo do novo MAE) aborda temas ligados s diferentes

    formas de manifestao e organizao scio-cultural representadas

    pelas colees da instituio.

    Neste sentido, as linhas de pesquisa e os enfoques dos

    inmeros projetos cientficos do MAE, esto subliminarmente

    inseridos na elaborao desta exposio.

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 73

    Formas de Humanidade tem como proposta temtica a

    apresentao de um perfil sinttico das sociedades que produziram

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    as expresses materiais, que hoje esto reunidas no acervo dainstituio. As diferentes formas de subsistncia e organizao

    econmica, as conquistas tecnolgicas que norteiam a elaborao e

    transformao dos artefatos, as formas de celebraes sociais que

    marcam e diferenciam o cotidiano dos grupos humanos, as distintas

    formas de representao e de apropriao da natureza, esto na

    gnese da construo deste discurso expositivo; ao lado das

    expresses artsticas e ritualsticas.

    As preocupaes que conduziram as discusses conceituais

    e a concepo museolgico-museogrfica desta exposio

    procuraram superar, sobretudo, as lacunas provenientes da nossa

    conjuntura institucional - especialmente registradas na constituiodo acervo e na orientao das linhas de pesquisa.

    O exerccio coletivo necessrio ao detalhamento temtico,

    ao refinamento do enfoque conceitual, ao estabelecimento de idias

    comuns, capaz de aproximar os trs setores expositivos j

    mencionados, encontrou barreiras naturais, no que diz respeito aos

    processos de aproximao e estranhamento pertinentes trajetria

    da instituio. evidente que a exposio traduz esta problemtica.

    Entretanto, este discurso museogrfico - datado -

    demonstra, para um fruidor mais perspicaz, os limites e

    74 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    reciprocidades, no s entre as sociedades estudadas pelo MAE,

    mas, sobretudo, inerentes ao momento institucional.

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    Desta realidade, subjacente ao processo de musealizao,pode-se extrair duas reflexes. Por um lado, possvel afirmar que

    esta exposio no expe as veias abertas e transbordantes a partir

    do momento da fuso, que no deixaram ainda aflorar a

    importncia do surgimento de um museu novo. Por outro lado,

    estimulante pensar que esta exposio de longa durao significa o

    primeiro captulo concebido, registrado e vivenciado em conjunto

    por toda a instituio.

    Retomando as palavras de Shanks e Tilley (1987), quando

    afirmam que musealizao a elaborao de um sistema esttico

    para criar significados, penso que este processo tem sido muito

    mais significativo para ns mesmos - profissionais do MAE.

    Segunda Parte: Os Bastidores: a saga de uma conjuntura ou avisualidade de um processo.

    Os trabalhos de aproximao, reconhecimento,decodificao e explicitao desta proposta museolgica, que de

    uma inteno foi transformada em realidade, ocuparam os

    profissionais do MAE ao longo dos ltimos seis anos.

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 75

    A princpio, a Comisso de Implantao do Novo MAE

    considerou - acertadamente - que uma nova exposio deveria ser

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    organizada aps a soluo das questes fundamentais para umanova instituio (organizao do acervo, estruturao de linhas de

    pesquisa e construo de um novo espao institucional). Em

    seguida, problemas relacionados dramtica mudana de sede e

    necessria adaptao deste novo edifcio institucional, adiaram

    mais uma vez a priorizao deste projeto. Cabe lembrar, tambm,

    que as dificuldades internas que levavam os profissionais a

    distintos entendimentos do que deveria ser a nossa exposio

    bsica, ao lado da crnica falta de disponibilidade oramentria,

    tambm so responsveis pelo mencionado adiamento.

    Assim, de adiamento em adiamento possvel indicar a

    seguinte cronologia:

    76 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    Processo de Musealizao

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    Processo de Musealizao

    - CRONOLOGIA -

    1990: - Primeiro exerccio de aproximao museogrfica,

    propondo a unificao das duas exposies localizadas no

    edifcio do CRUSP (ex-IPH/MAE) - no realizado -

    - Retirada da mostra O Cotidiano na Arqueologia para

    introduo de um setor sobre Etnologia Brasileira - no

    realizado -

    1991: - Constituio da primeira comisso para pensar um

    projeto para os dois andares do CRUSP.

    - Este projeto foi formalizado pela Profa. Maria IsabelFleming - no realizado -

    - Constituio da segunda comisso para pensar um

    projeto para a nova sede do MAE

    - Este projeto foi concebido a partir do seguinte eixo

    central: utilizao de diferentes matrias-primas por

    diversas culturas.

    - Elaborao de planta-baixa e indicao da necessidade de

    outras exposies - no realizado -

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 77

    - Elaborao do Programa Tcnico-Cientfico de

    Museologia, apresentando a proposta de um Sistema de

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    Exposies.- troca de alguns nomes da comisso

    1992 - Mudana do Servio de Museologia (nova sede) para

    preparar a exposio.

    - Elaborao de um novo projeto ( 1 verso de Formas de

    Humanidade)

    - discusses sobre a diviso espacial

    - estabelecimento do circuito/retirada de alguma colees

    - definio dos principais conceitos

    - reunies sistemticas

    - Acompanhamento das adaptaes arquitetnicas

    - Encaminhamento do Projeto para agncias financiadoras(CAPES-PADCT, CNPq, VITAE e BANESPA). Nesta

    verso j estavam delineados os conceitos fundamentais e

    o partido museogrfico j estava estabelecido.

    - Este projeto estava apoiado em trs pilares: organizao

    de um atelier de museografia, contratao de

    profissionais e preparao da exposio.

    - Incio do longo processo de detalhamento conceitual e

    museogrfico. Em nenhum momento, at a abertura da

    exposio, este processo conseguiu ser concomitante em

    relao aos diferentes setores da instituio.

    78 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    1993 - Aprovao do projeto pela VITAE

    - Invaso do CRUSP pelos estudantes (sede do museu)

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    - Incio da elaborao dos trabalhos museogrficos(mobilirio e linguagem de apoio)

    - Estabelecimento de procedimentos de trabalho adequados

    realidade da instituio (colees no catalogadas, acervo

    disperso, objetos necessitadando de higienizao, ausncia

    de especialistas para algumas reas e dificuldades na

    coordenao das atividades museogrficas)

    - Interrupo dos servios vinculados s reformas do

    edifcio.

    1994 - Mudanas na USP e no MAE. Prorrogao no cronograma

    de trabalho.

    - Implementao das pr-montagens e os devidosdesdobramentos, no que diz respeito ao estabelecimento de

    um processo de trabalho linear entre os diferentes setores

    do MAE.

    - Defasagem oramentria - Recursos da Reitoria que foram

    alocados institucionalmente.

    1995 - A exposio foi colocada como prioridade institucional:

    - principais problemas:

    defasagem oramentria.

    CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 79

    defasagem, entre as reas expositivas, no que diz respeito

    ao detalhamento conceitual e os respectivos

    d d b t fi

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    desdobramentos museogrficos.

    necessidade de novos contratos para os trabalhos de

    programao visual.

    complicaes na concepo e execuo dos projetos de

    iluminao e aerao.

    obs.: apesar da declarada prioridade, todos os setores

    tiveram que responder por outros trabalhos.

    - A instituio decidiu, em agosto organizar um mutiro

    entre os seus profissionais com o objetivo de viabilizar a

    abertura da exposio.

    - O mutiro - a montagem propriamente dita - tem incio em

    outubro e a exposio aberta visitao em dezembro.1996 - Implantao do Projeto de Avaliao

    - Implantao da Ao Educativa

    Assim, este esforo institucional e exerccio coletivo,

    necessrios ao detalhamento temtico, ao refinamento do enfoque

    conceitual, ao estabelecimento de idias comuns, aproximaram os

    trs setores expositivos e propiciaram um raro momento de

    entrosamento, entre pesquisadores, tcnicos, estagirios e

    contratados do MAE/USP.

    80 CADERNOS DE SOCIOMUSEOLOGIA N 9 - 1996

    Em uma per