33
Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 1 - 1 Capítulo 15 Monopólio Ao estudo do mercado de concorrência perfeita segue-se o estudo do mercado de monopólio que se distingue fundamentalmente do primeiro no que respeita as condições de entrada no mercado e o número e dimensão dos produtores. Vamos primeiro sistematizar as hipóteses fundamentais e a estrutura do mercado de monopólio, para nos debruçarmos de seguida sobre o equilíbrio de curto prazo e equilíbrio de longo prazo de um monopolista típico, também designado de monopolista simples. Compararemos o equilíbrio de longo prazo em concorrência perfeita e em monopólio para realçarmos o impacte negativo deste sobre o bem-estar da sociedade e veremos em que tipo de mercado tende a haver maior incentivo à inovação. De seguida, e em contraposição ao monopólio simples, apresentaremos outros tipos de monopólio: monopólio com várias fábricas, monopólio com discriminação de preços, monopólio natural e monopólio bilateral. Mostraremos como o monopolista pode aumentar o seu lucro se tiver mais de uma fábrica e souber distribuir criteriosamente a produção total por entre as fábricas. Similarmente, mostraremos como um monopolista pode ter vantagem em diferenciar os preços se conseguir identificar o perfil dos consumidores potenciais e não houver arbitragem. Analisaremos a problemática da fixação dos preços no caso do monopólio natural, discutindo as várias formas possíveis de regulação deste mercado. Finalmente, apresentaremos o caso do monopólio bilateral, cuja solução não é única e faz uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação do salário no âmbito de negociações entre sindicatos e empresas organizadas em cartéis para recrutamento de trabalhadores. 15.1 Hipóteses fundamentais e estrutura de mercado. As hipóteses fundamentais que caracterizam o comportamento dos produtores e consumidores no mercado de monopólio são as seguintes: 1. os produtores não podem entrar livremente no mercado - a entrada na indústria está completamente bloqueada; 2. os produtores fixam os preços (isto é, são fixadores do preço ou price makers) - cada empresa sabe que a sua decisão de produção tem um efeito directo sobre o preço de mercado; a curva da procura que um produtor fixador do preço enfrenta é negativamente inclinada, isto é, o preço baixa à medida que as vendas aumentam, e vice-versa; 3. os produtores não se comportam estrategicamente - nenhum produtor antecipa uma reacção por parte dos produtores rivais quando toma decisões, visto não existirem produtores rivais; 4. os consumidores são tomadores de preços - cada consumidor assume que pode comprar tudo o que entender ao preço vigente no mercado, não o influenciando. Por sua vez, a estrutura do mercado de monopólio, compatível com aquelas hipóteses, é

Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 1 -

1

Capítulo 15

Monopólio

Ao estudo do mercado de concorrência perfeita segue-se o estudo do mercado de monopólio que se distingue fundamentalmente do primeiro no que respeita as condições de entrada no mercado e o número e dimensão dos produtores.

Vamos primeiro sistematizar as hipóteses fundamentais e a estrutura do mercado de monopólio, para nos debruçarmos de seguida sobre o equilíbrio de curto prazo e equilíbrio de longo prazo de um monopolista típico, também designado de monopolista simples. Compararemos o equilíbrio de longo prazo em concorrência perfeita e em monopólio para realçarmos o impacte negativo deste sobre o bem-estar da sociedade e veremos em que tipo de mercado tende a haver maior incentivo à inovação.

De seguida, e em contraposição ao monopólio simples, apresentaremos outros tipos de monopólio: monopólio com várias fábricas, monopólio com discriminação de preços, monopólio natural e monopólio bilateral. Mostraremos como o monopolista pode aumentar o seu lucro se tiver mais de uma fábrica e souber distribuir criteriosamente a produção total por entre as fábricas. Similarmente, mostraremos como um monopolista pode ter vantagem em diferenciar os preços se conseguir identificar o perfil dos consumidores potenciais e não houver arbitragem. Analisaremos a problemática da fixação dos preços no caso do monopólio natural, discutindo as várias formas possíveis de regulação deste mercado. Finalmente, apresentaremos o caso do monopólio bilateral, cuja solução não é única e faz uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação do salário no âmbito de negociações entre sindicatos e empresas organizadas em cartéis para recrutamento de trabalhadores. 15.1 Hipóteses fundamentais e estrutura de mercado. As hipóteses fundamentais que caracterizam o comportamento dos produtores e consumidores no mercado de monopólio são as seguintes: 1. os produtores não podem entrar livremente no mercado - a entrada na indústria

está completamente bloqueada; 2. os produtores fixam os preços (isto é, são fixadores do preço ou price makers) -

cada empresa sabe que a sua decisão de produção tem um efeito directo sobre o preço de mercado; a curva da procura que um produtor fixador do preço enfrenta é negativamente inclinada, isto é, o preço baixa à medida que as vendas aumentam, e vice-versa;

3. os produtores não se comportam estrategicamente - nenhum produtor antecipa uma reacção por parte dos produtores rivais quando toma decisões, visto não existirem produtores rivais;

4. os consumidores são tomadores de preços - cada consumidor assume que pode comprar tudo o que entender ao preço vigente no mercado, não o influenciando.

Por sua vez, a estrutura do mercado de monopólio, compatível com aquelas hipóteses, é

Page 2: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 2 -

2

definida de acordo com os seguintes critérios: 1. dimensão e número de consumidores - há um elevado número de consumidores (ou

compradores) no mercado e de pequena dimensão, pelo que as compras de cada um são infinitesimais em relação ao volume agregado de transacções;

2. dimensão e número de produtores - há apenas um produtor (ou vendedor) no mercado que é, geralmente, de grande dimensão, pelo que as suas vendas representam o total do volume agregado de transacções da indústria; a distinção entre indústria e empresa deixa de fazer sentido;

3. grau de substituibilidade do produto - a empresa produz um produto para o qual não há um substituto próximo. Na prática, é difícil definir esta “proximidade”. Entre os aspectos a ter em conta e que ajudam a determinar se há ou não substituibilidade próxima, são de referir os seguintes: baixa elasticidade da procura-preço cruzada, curva da procura com inclinação suficientemente negativa e que é explicitamente tida em conta pela empresa, não existência de empresas rivais que reajam às suas decisões de produção;

4. grau de informação disponível - os consumidores possuem informação perfeita acerca dos preços prevalecentes no mercado e essa informação é de aquisição livre; os consumidores tiram vantagem de todas as oportunidades para aumentar a sua utilidade;

5. condições de entrada - há barreiras legais, tecnológicas ou outras que bloqueiam a entrada de novas empresas.

Monopólio. Mercado constituído por apenas uma empresa. Esta empresa pode escolher um ponto qualquer sobre a curva da procura. Monopolista. Única empresa num monopólio. 15.2 Causas do monopólio. Como causas de monopólio, e em associação a tipos diferentes de barreiras à entrada,1 temos a assinalar quatro casos particularmente importantes: 1) controlo por parte de uma única empresa da fonte de abastecimento de uma matéria-prima (por exemplo, a Transgás é a única distribuidora em alta do gás natural em Portugal, gás esse vindo da Argélia; já a distribuição directa ao consumidor é feita por várias empresas, nomeadamente a Lisboagás na região de Lisboa, a Setgás na região Sul, a Tagusgás na região do Vale do Tejo, a Lusitaniagás na região litoral centro, a Beiragás na região centro interior e a Portgás na região Norte); 2) economias de escala, que dão lugar ao aparecimento do monopólio natural; 3) patente de fabrico de determinado produto (empresa produtora de chips para computadores); e 4) atribuição de um mercado a apenas uma empresa (caso do monopólio legal, como, por exemplo, a EDP na distribuição de energia em Portugal).

15.3 Curva da procura, receita média e receita marginal do monopolista.

1 O tema das barreiras à entrada é retomado na teoria dos jogos (Capítulo 17).

Page 3: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 3 -

3

A curva da procura de um monopolista possui as mesmas propriedades gerais da curva da procura agregada da indústria num mercado de concorrência perfeita. Ela resulta da agregação das curvas da procura ordinária individuais dos consumidores que, como se demonstrou na secção 4.1.2.3 do Capítulo 4, têm inclinação negativa (à excepção do caso dos bens inferiores de Giffen). Relembrando, ela pode exprimir-se da seguinte forma:

( )yP P YY = , na sua forma inversa. A receita média do monopolista, RMe, tal como para a empresa concorrente perfeita, coincide com a função procura, ( )yP = PRMe YY= . Porém, a receita marginal é igual a:

)1

1( DYPRMgε

−= , sendo Dε a elasticidade procura-preço directa, conforme foi

demonstrado na secção 5.2.2.5 do Capítulo 5 (equação [5.11]). Como se vê na Figura 15.1, a RMg do monopolista está sempre abaixo da curva da procura, excepto quando o nível de produção é nulo, caso em que coincidem. Matematicamente, temos que: RMgPY > para 0>y .

Uma diferença fundamental entre o monopolista e o concorrente perfeito reside no facto do monopolista ter de baixar o seu preço – para a última unidade vendida e as restantes - se pretender aumentar as suas vendas, daí que a sua receita marginal não coincida com a curva da procura. Em particular, se o monopolista aumentar a sua produção de uma unidade, de

My0 para My1 , o preço baixa de 0YP para 1

YP , perdendo a área a+b da receita total que

auferia e ganhando a receita dada pela área c+d. Por causa deste efeito negativo na receita total associado à última unidade vendida, a RMg é inferior ao preço dessa unidade marginal para qualquer nível de produção positivo. 15.4 Equilíbrio de curto prazo do monopolista.2 O monopolista simples tem como objectivo a maximização do seu lucro, sendo que no curto prazo ele deve ter em conta os custos económicos relevantes e, portanto, só deve manter-se no mercado se conseguir cobrir os custos variáveis médios, o que, em geral, 2 As secções 15.4 a 15.6 referem-se ao caso do monopólio simples que contrasta com outros tipos apresentados na secção 15.9.

Figura 15.1.

Relação entrea procura,

receita médiae receita marginal do monopolista

Y

RMg D=RMe

0

a b

c

d

receita total perdidareceita total ganha↓

0YP1

YP

1My

YP

Page 4: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 4 -

4

consegue tendo em conta o preço elevado que fixa para o seu produto. Monopólio simples. O monopolista produz um bem homogéneo, numa só fábrica, com uma tecnologia caracterizada pela lei geral da produtividade marginal, e para um só mercado. 15.4.1 Poder de mercado do monopolista. Condição de encerramento. Supondo que o monopolista tem como objectivo a maximização do lucro, o equilíbrio de curto prazo será dado por: max ( ) ( ) ( ) ( )Y CP CP

y = P y y - CT y = RT y - CT yπ × , [15.1]

sendo a condição de 1.ª ordem igual a:

( ) ( )CPRMg y CMg y= [15.2]

e a condição de 2.ª ordem igual a: 3

dydCMg

dy

dRMg CP< [15.3]

O nível óptimo de produção será aquele em que a receita marginal iguala o custo marginal, desde que a curva do custo marginal tenha inclinação superior à da curva da receita marginal, o que pressupõe curvas de custos em forma de U. Esta condição é verificada se, por exemplo, a curva da receita marginal for decrescente e intersectar a curva do custo marginal no seu ramo ascendente. Note-se que a RMg pode cruzar duas vezes o CMg no seu ramo descendente, surgindo duas quantidades potencialmente óptimas de acordo com [15.2]. Ora, a quantidade de facto escolhida terá de satisfazer também [15.3], o que se verifica quando, em valor absoluto, a inclinação do CMg for superior à da RMg.

A Figura 15.2 ilustra um caso de equilíbrio de curto prazo do único produtor de mono-volumes em Portugal.

3 Está-se a excluir a possibilidade de uma correspondência, caso em que haveria mais de uma solução.

Page 5: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 5 -

5

O lucro total (ou lucro anormal) é dado pelo rectângulo ABCPM

Y , associado à quantidade

óptima My =20 mono-volumes/dia e ao preço MYP =22.500 euros/unidade.

Tendo em conta a equação [5.11] acima referida e a condição [15.2], constata-se que esta última pode escrever-se da seguinte forma:

DY

Y

PCMgP

ε1=−

[15.4]

que é a equação [12.13] do Capítulo 12, conhecida por índice de Lerner ou regra de mark-up, e que nos dá a medida do poder de mercado do monopolista. Com efeito, esta relação mostra-nos que o poder de mercado de um monopolista é inversamente proporcional à elasticidade da procura do bem que ele produz. No caso extremo de uma procura infinitamente elástica, o poder de mercado (e o mark-up) é nulo, implicando que

CMgPY = , tal como acontece em concorrência perfeita. Quanto mais rígida for a procura do bem Y maior será o poder de mercado do monopolista. A Caixa 15.1: Grau de poder de mercado, apresenta diversos métodos que têm sido utilizados para medir o poder de mercado, assim como os resultados da aplicação desses métodos a diferentes ramos da indústria e serviços nos EUA e Japão. Poder de mercado. Poder de manipulação do preço por uma empresa. Imaginemos uma situação em que o custo variável médio de curto prazo, CPCVMe , do

monopolista está sempre acima da procura que lhe é dirigida e que a condição [15.2] é satisfeita para Myy = . Será que o monopolista deve permanecer no mercado? Ora, a Figura 15.3 ilustra que a condição [15.2] é uma condição necessária, mas não suficiente, de maximização do lucro.

Figura 15.2.

PY

Y

RMg D0

A

BC

CMgCP

CMeCP

lucro

yM=20

PYM=22,5

número de mono-volumes/dia

milh

ares

de

eur

os

Page 6: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 6 -

6

Com efeito, para a quantidade My e o preço M

YP , o monopolista não só não cobre os custos fixos como não cobre todos os custos variáveis (0C), daí que faça sentido encerrar. Podemos, então, enunciar a seguinte condição de encerramento para o monopolista no curto prazo: Condição de encerramento: O monopolista deverá deixar de produzir sempre que a receita média seja inferior ao CPCVMe , para qualquer nível de produção.

Caixa 15.1: Grau de poder de mercado. Em várias partes deste livro falaremos da importância do poder de mercado relacionado com a concorrência imperfeita. O poder de mercado pode estar relacionado com economias de escala, a concentração de empresas, o monopólio natural ou outros tipos de barreiras de entrada. Quais são os sectores que evidenciam maior poder de mercado?

Uma das formas de medir o poder de mercado consiste em medir as economias de escala. A medida mais antiga é obtida através de estudos de engenharia, em que se procura estimar o custo médio para diferentes níveis de dimensão da fábrica, a partir de projectos de engenharia. Outra forma de medição é através da estimação econométrica de funções custo ou funções de produção por sector. Contudo, existem poucos estudos disponíveis que cubram um número razoável de sectores, devido às dificuldades de recolha de estatísticas e na estimação econométrica. Por sua vez, calcula-se, também, a escala mínima da empresa em relação ao mercado existente (MES), na medida em que na teoria do monopólio natural é crucial a evolução decrescente da curva de custos médios em relação à procura do mercado.

Um dos estudos mais recentes feitos para os EUA (Hall (1988))4 usa o rácio entre o preço e o custo marginal como medida do poder de mercado. Por outras palavras, este estudo calcula o rácio

de “mark-up”, YPCMg

µ = , em que um valor superior a 1 significa que existe concorrência imperfeita.

No caso particular de existirem apenas custos do trabalho, então, o “mark-up” seria dado por:

YPw L

y

µ =∆∆

[C15.1]

4 Hall (1988), The Relation between Price and Marginal Cost in US Industry, Journal of Political Economy, 96,5: 921-947.

Figura 15.3.

Caso do encerramento do

monopolista simples:o CVme está

acima da receitamédia

PY

Y

RMg D

0

A

BC

CMgCP

CVMeCP

prejuízo

yM

PYM

Page 7: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 7 -

7

onde o denominador representa o custo marginal.

E se tivermos uma função de produção com trabalho, capital e progresso técnico? Neste caso, será necessário começar por “aproximar” linearmente uma função de produção com rendimentos constantes à escala, em que y é a taxa de crescimento do produto, θ a taxa de crescimento do

progresso técnico, l$ a taxa de crescimento do trabalho e $k a taxa de crescimento do capital:

$ $ˆ ( )y k l kµα θ− = − +$ [C15.2]

onde α é a parte do trabalho no rendimento. Então, o “mark-up” pode ser estimado através da relação:

ˆ( )

( )

y kl k

θµ

α− −

=−

[C15.3]

que é o rácio entre a taxa de crescimento do coeficiente capital/produto menos o progresso técnico sobre a taxa de crescimento do coeficiente de intensidade capitalística vezes a parte do trabalho no rendimento. Como, em geral, não se sabe qual é o valor de θ , tem de se recorrer a uma regressão com uma variável instrumental: uma relação positiva entre estas variáveis é equivalente a um µ superior

à unidade. No caso de se verificarem rendimentos crescentes à escala e concorrência perfeita no mercado dos factores, a relação C15.2 escreve-se:

$ $ $ˆ ( ) ( 1)y k l k kα α β θ− = − + + − +$ [C15.4]

em que β é a proporção do capital no rendimento. Neste caso, é igualmente necessário estimar o

resíduo de Solow, θ . Quer no caso em que o µ é maior do que 1, quer no caso em que existem rendimentos crescentes

à escala, verifica-se uma relação positiva entre o resíduo de Solow estimado e o nível de actividade económica em dada economia (que é a variável instrumental). Por outras palavras, uma das manifestações de que uma empresa está em mercado de concorrência imperfeita é que a sua produtividade cresce ao mesmo tempo que o emprego em resposta a uma força exógena, como uma subida do nível de actividade na economia. É bem conhecido o fenómeno que as empresas mantém os trabalhadores durante as recessões para não perder o valor do capital humano específico adquirido ao longo dos anos nessa empresa. Inversamente, uma quebra na actividade económica implica que a produtividade baixe ao mesmo tempo que o emprego baixa.

O Quadro C15.1 reporta este indicador para o nível da classificação de actividades industriais (SIC) a dois dígitos e com dados de 1982.

Quadro C15.1

Page 8: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 8 -

8

Estimativas do mark-upEUA

SIC Indústria Mark-up

20 Alimentação e bebidas 5.29121 Tabaco 2.76622 Têxteis 2.57823 Vestuário 0.82424 Madeira e produtos da madeira 1.80125 Mobiliário e estruturas de madeira 1.97726 Papel e polpa de papel 3.71627 Tipografia e editoriais 14.26328 Químicas e farmacêuticas 20.11229 Refinação de petróleo e carvão -139.47830 Borracha e plásticos 1.50831 Curtumes e calçado 2.10032 Cimento, pedra e vidro 2.53633 Metais primários 2.17234 Fabricação produtos metálicos 1.64935 Máquinas não eléctricas 1.42936 Máquinas e equipamento eléctrico e electrónico 3.086

371 Veículos automóveis 1.763372-79 Outro equipamento transporte 0.095

38 Instrumentos e outros 1.39739 Outras indústrias transformadoras 4.49148 Comunicações 36.31349 Electricidade, gás e saneamento 12.591

Transportes 3.976Comércio por grosso -3.688Comércio a retalho 2.355

Os sectores que apresentam maior grau de poder de mercado são as comunicações, químicas e farmacêuticas, tipografia e editoriais, electricidade, gás e saneamento. Dois sectores que aparecem com valores negativos também têm elevado poder de mercado: refinação de petróleo e carvão e comércio por grosso. Um estudo semelhante feito para o Japão por Nishimura, Ohkusa e Ariga (1999)5 ao nível de empresas, também mostra elevado poder de mercado para a refinação do petróleo, construção e reparação naval e máquinas eléctricas (Quadro C15.2). Em todas as 21 indústrias estudadas é rejeitada a hipótese de concorrência perfeita. O estudo do Japão também mostra que as empresas que estão mais sujeitas à concorrência internacional têm níveis de “mark-up” mais baixos. Em ambos os casos, as indústrias alimentares e de papel e pasta de papel têm “mark-ups” relativamente elevados. Note-se que mesmo assim, o estudo a este nível de agregação deixa antever grandes disparidades a nível sub-sectorial.

Quadro C15.2 Estimativas do mark-up

Japão

Sector Mark-up

Alimentação e bebidas 1.255Têxteis 1.133Papel e polpa 1.259Produtos químicos 1.105Farmacêuticos 1.187Refinação petróleo 1.566Produtos borracha 1.028Cimento, vidro e cerâmica 1.055Ferro e aço 1.204Produtos metálicos 1.097Máquinas industriais 1.048Máquinas eléctricas 1.305Construção e reparação naval 1.309Automóveis 1.102Outro material transporte 1.087Máquinas de precisão 1.094Outras indústrias manufactureiras 1.082Construção 1.255Transportes rodoviários 1.046Comércio grosso 1.224Comércio retalho 1.092

5 Nishimura, Ohkusa and Ariga (1999), Estimating the mark-up over marginal cost: a panel analysis of Japanese firms during 1971-1994, International Journal of Industrial Organization, 17:1077-1111.

Page 9: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 9 -

9

Pergunta-se: Relacione as várias medidas de economias de escala apresentadas nesta caixa e o poder de mercado. Pense que outras medidas poderá usar para avaliar o grau de poder de mercado?6

15.4.2 Relação entre preço e produção. Regra de oferta do monopolista. Em concorrência perfeita, definimos uma relação entre a quantidade oferecida de um bem e o respectivo preço, conhecida pela curva da oferta do produto. Porém, no monopólio não existe uma relação unívoca entre a quantidade oferecida e o preço do bem, porque o monopolista não aceita o preço como dado (Figura 15.4).

Suponhamos uma curva da procura inicial 0D que se desloca para 1D . Aplicando a

condição de maximização do lucro, o monopolista oferece inicialmente Moy unidades de

produto, onde o CMg intersecta 0RMg , ao preço MYP . Após a deslocação da curva da

procura, a empresa passa a oferecer My1 unidades, onde o CMg intersecta a nova curva da

receita marginal, 1RMg , e o preço pode ser, de novo, MYP . Constata-se, assim, que a um

dado preço, podem corresponder diferentes níveis óptimos de produção.7 Com efeito, quando a curva da procura do monopolista se altera, a elasticidade

procura-preço directa a um dado preço pode alterar-se tanto para mais como para menos, o que determinará a quantidade procurada. Por outras palavras, fixando, agora, a receita marginal associada a duas situações diferentes de curvas da procura, o preço e a quantidade de equilíbrio serão diferentes em função da elasticidade de cada curva. A condição [15.2] (ou [15.4]) é, pois, uma regra de oferta, não sendo possível derivar a partir dela uma função oferta, tal como em concorrência perfeita. Podemos, então, evidenciar a seguinte conclusão:

Regra de oferta do monopolista: No caso do monopólio, não existe uma relação única entre o preço e a quantidade oferecida, mas um ponto de oferta para cada curva da procura que o monopolista enfrenta.

6 Este tema é desenvolvido com cuidado na Caixa 16.1 no âmbito do cálculo de um índice de concentração do mercado. 7 Teremos, assim, uma função multívoca.

Figura 15.4.

Não existe curvaoferta para o monopolista:

para o mesmo preçoexistem duas

quantidades oferecidas

PY

Y

RMg0

D0

0

CMg

PYM*

RMg1

D1

y0My

1M

Page 10: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 10 -

10

15.5 Equilíbrio de longo prazo do monopolista. O equilíbrio do monopolista simples que maximiza o lucro no longo prazo é dado pelas condições [15.2] e [15.3], sendo agora relevante a curva do custo marginal de longo prazo ( LPCMg ).

Tal como na Figura 15.2, verificamos que, contrariamente ao caso do mercado de concorrência perfeita, o monopolista terá um lucro anormal no longo prazo, embora em princípio menor do que o lucro no curto prazo. Haveria, assim, lógica para a entrada de novas empresas no mercado. Porém, são barreiras legais, de informação ou tecnológicas, imperfeições no mercado de capitais, etc., que permitirão vingar a sua posição de único produtor.

Note-se que o objectivo de maximização do lucro é discutível para um monopolista simples se existir ameaça de entrada de empresas rivais.8 A prevenção dessa entrada pode ser um objectivo alternativo de grande relevância, se, por exemplo, as empresas potencialmente concorrentes puderem desenvolver substitutos para os recursos controlados pelo monopolista ou produtos sucedâneos dos que beneficiam de patentes controladas pelo monopolista.

15.6 Comparação entre o monopólio e a concorrência perfeita: análise normativa comparativa. Perda social líquida de bem-estar. Apresentámos na secção 14.3 do Capítulo 14 a análise positiva do equilíbrio concorrencial no longo prazo e na secção 15.5 o mesmo para o monopólio. Quais são, então, as principais diferenças entre o equilíbrio de longo prazo da uma indústria em monopólio e da mesma indústria em concorrência perfeita? Para responder a esta questão, procederemos a uma análise normativa comparativa em equilíbrio parcial.

Suponhamos que podemos realizar uma “experiência” em que a indústria de componentes electrónicas opera indiferentemente em condições de concorrência perfeita e em condições de monopólio. Suponhamos, para simplificar, que as curvas da procura do produto dessa indústria e as curvas dos custos são as mesmas.9 Quais seriam as diferenças entre os equilíbrios?

No longo prazo, como a Figura 15.5 ilustra, o monopolista produz mensalmente 4 milhões de componentes electrónicas ( M

LPy ) e vende ao preço de 200 euros ( MYP ),

enquanto que a mesma indústria em concorrência perfeita produz 6 milhões ( CPLPy ) ao preço

de 150 euros ( CPYP ). Assim, embora o monopolista possa teoricamente produzir o bem Y a

um custo unitário mais baixo por ser a única empresa a operar no mercado e poder beneficiar de economias de escala, a escala de produção em monopólio é mais reduzida – e, consequentemente, o custo médio é mais elevado, 0C=170 euros - do que na indústria em concorrência perfeita, que produz ao custo médio mínimo de longo prazo de CP

YP0 =150 euros e, portanto, à escala óptima. Consequentemente, os recursos da 8 Este tema é abordado na secção 17.7 do Capítulo 17 no contexto dos mercados contestáveis, em que o monopolista simples pode ser contestado. 9 Hipótese bastante criticável. Porquê?

Page 11: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 11 -

11

sociedade tendem a ser usados menos eficientemente no caso do monopólio. Por outro lado, o preço em monopólio é mais elevado do que em concorrência perfeita.

Proposição: Relativamente a uma indústria em concorrência perfeita, um monopolista produz, em geral, uma quantidade menor a um preço mais elevado. Para simplificar ainda mais a análise, suponhamos que a curva do custo marginal (ou do custo médio) de longo prazo da mesma indústria é constante (Figura 15.6). O preço de monopólio é de 200 euros e o de concorrência perfeita é de 100 euros, enquanto que a produção do monopolista e a de concorrência perfeita é de, respectivamente, 3 milhões de componentes electrónicas e 6 milhões. Neste caso especial, a produção em monopólio é exactamente metade da produção em concorrência perfeita, visto que a curva da receita marginal intersecta o eixo da produção a meio da distância entre a origem e a curva da procura. Porém, na prática, o rácio entre a produção de monopólio e a produção de concorrência perfeita poderá ser maior ou menor do que 1/2, dependendo da forma e posição das curvas de custos e da procura.

Seja A a situação inicial de monopólio. Se a quantidade disponível no mercado de componentes electrónicas aumentar de uma unidade, os consumidores só consumirão essa

Figura 15.5.

Comparação entreo monopólio

e a concorrênciaperfeita

PY

Y

RMg D

0

A

BC=170

yLPM=4

PYM=200

CMgLP

CMeLP

yLPCP=6

PYCP=150

milhões de componentes electrónicas/mêseu

ros

Figura 15.6.

Custos do monopólio

PY

Y

RMg D

0

CMgLP=CMeLP

A

BC

a b c

de

PYM=200

PYCP=100

yM=3 yCP=6

perda social líquidade bem-estar

milhões de componentes electrónicas/mês

euro

s

Page 12: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 12 -

12

unidade a mais a um preço ligeiramente inferior sobre a curva da procura; similarmente, pagarão preços cada vez mais baixos para níveis crescentes de produção. Ora, se partirmos da hipótese de que a área abaixo da curva da procura e acima do preço pago mede o bem-estar do consumidor (excedente do consumidor) ao compararmos a situação de concorrência perfeita (C) com a situação inicial de monopólio (A), verificamos que os consumidores que não consumiam componentes electrónicas na situação A e passaram a adquirir na situação C, estavam dispostos a pagar a área ABC (ou área c), mas não a pagaram de facto porque entretanto o preço baixou de 200 euros para 100 euros. Na tradição de Dupuit e Marshall, chamamos ao triângulo ABC , o “triângulo do bem-estar”, ou seja, o acréscimo líquido de bem-estar quando a indústria aumenta o nível de produção de monopólio para o nível de concorrência perfeita.

Inversamente, a área c corresponde à perda social líquida de bem-estar se a indústria deixar de funcionar em condições de concorrência perfeita para operar em condições de monopólio. Com efeito, os consumidores perdem bem-estar no equivalente à área a+b+c, mas apenas a área a+b é transferida para o monopolista, perdendo-se a diferença.10 Constata-se, pois, que o lucro anormal do monopolista, também conhecido por renda de monopólio, é apropriado pelo monopolista aos consumidores quando a indústria deixa de operar em condições concorrenciais.

Similarmente, sendo CPM ACyy o valor para a sociedade da produção a mais em concorrência perfeita, e que corresponde à área c+d+e, a área d+e representa o valor dos recursos produtivos transferidos da indústria em concorrência perfeita para outras indústrias quando passa a operar em condições de monopólio;11 a área c é uma pura perda para a sociedade. Renda de monopólio. Lucro do monopolista em resultado da redução da produção do nível de concorrência para o nível de monopólio. Desta análise de bem-estar resultam duas objecções ao monopolista: a objecção de equidade e a objecção de eficiência. A objecção de equidade (ou justiça) reside no facto de, mesmo no longo prazo, o monopolista beneficiar de um lucro económico (ou lucro anormal ou excedente privado do produtor), absorvendo parte do excedente do consumidor que este auferiria em concorrência perfeita (área a+b). O monopolista ganha com esta estrutura de mercado à custa de alguns consumidores, que perdem. Ora, será justa esta alteração na distribuição do rendimento? A resposta dependerá de considerações éticas que estão reflectidas numa função de bem-estar social definida pelos políticos de uma dada sociedade.12

Por sua vez, a objecção de eficiência reside no facto da eficiência, medida pela diferença entre os benefícios brutos dos consumidores e o custo total – também conhecida por excedente total ou soma do excedente do consumidor e do produtor – não ser

10 Notemos, contudo, que uma limitação importante desta medida de custos e de benefícios é que supõe a possibilidade de se adicionarem as “utilidades” perdidas e ganhas pelos vários membros da sociedade, tema este que será abordado com detalhe no Capítulo 27. Mais ainda, esta análise exclui os efeitos que o monopólio pode introduzir sobre a distribuição do rendimento. 11 Esses recursos produtivos serão utilizados noutros sectores em detrimento do sector Y, onde a expansão da produção seria racional (e eficiente) na medida em que o preço está acima do CMg. Note que temos de supor sempre o pleno emprego dos factores produtivos. 12 Este tema será retomado no contexto da análise do bem-estar social no Capítulo 27.

Page 13: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 13 -

13

maximizada em situação de monopólio. Veremos nos Capítulos 25 e 26 que, em certas condições, o preço é um bom

indicador do valor (ou benefício) social de um bem e que o custo marginal privado da empresa produtora do bem é um bom indicador do custo marginal social desse bem. Assim sendo, o nível óptimo de produção numa indústria deve ocorrer quando:

CMgPY = , o que, como vimos nas secções 14.2.2, 14.3 e 14.4 do capítulo anterior, se verifica em concorrência perfeita. Ora, na medida em que o monopolista escolhe um nível de produção para o qual o custo marginal é igual à receita marginal, e como esta é menor do que o preço, verifica-se que, na situação de monopólio, o valor social marginal do bem excede o seu custo marginal social, isto é: CMgPM

Y > . Numa perspectiva estática, pode dizer-se que a sociedade aumentaria o seu bem-estar e seria mais eficiente se dedicasse mais recursos à produção do bem Y, até que o preço e o custo marginal se igualassem, tal como em concorrência perfeita.

Recorramos à análise do papel dos preços para percebermos melhor a razão de ser da ineficiência introduzida pelo monopolista. Este utiliza os preços com duas finalidades: (a) efeito incentivo - para transmitir incentivos aos consumidores que consomem o seu bem e (b) efeito transferência de rendimento - para transferir rendimento dos consumidores para si próprio. Ora, quando o preço sobe do nível de concorrência perfeita para o nível de monopólio, os incentivos aos consumidores são negativos pois o preço relativo do bem Y sobe e aqueles são obrigados a consumir menores quantidades do bem, enquanto o mecanismo de transferência de rendimento opera no sentido favorável ao monopolista. Para este, o segundo efeito domina o primeiro – porque opera no seu interesse -, daí que o monopolista encontre vantagem em escolher um preço acima do CMg. Porém, do ponto de vista da eficiência, só interessa o efeito de incentivo que, como vimos, é negativo. Assim, o preço de monopólio é demasiado elevado do ponto de vista da eficiência.

Podemos, também, interpretar a perda líquida de bem-estar social fazendo a análise do ponto de vista do incentivo à produção do bem. Ora, o monopolista que maximiza o lucro apenas se preocupa com a variação no excedente privado do produtor (que é igual à variação no lucro anormal), o que contrasta com a medida de eficiência usada na secção 14.4 do Capítulo 14 e que se refere à variação no excedente total da economia. Depreende-se, então, que o incentivo privado do monopolista a aumentar a produção, e que é igual ao aumento do excedente do produtor, é inferior ao incentivo social, que é dominado pela variação no excedente do consumidor. Num trabalho pioneiro, A. Harberger (1954)13 estimou a área da perda social líquida em indústrias sob monopólio nos EUA, isto é, em indústrias com elevada taxa de lucro em relação à média da amostra, supondo que o custo marginal era constante e a elasticidade procura-preço unitária.14 Os resultados obtidos foram muito baixos: a perda líquida de bem-estar social foi estimada em 0,1% do rendimento nacional. Por sua vez, estimou os lucros anormais em 3-4% do PIB. Os resultados de Harberger, obtidos para os anos 1920, foram criticados por G. Stigler com vários argumentos, entre os quais: 1) um monopolista que maximiza o seu lucro produz sempre numa região em que a elasticidade procura-preço é superior à unidade; e 2)

13 Harberger, A. (1954), Monopoly and Resource Allocat ion, American Economic Review, 44, pp. 77-87. 14 Haberger começou por estimar a diferença entre o preço e o custo médio. Em seguida, estimou quanto é que a quantidade procurada aumentaria se o preço baixasse para o custo médio, partindo da hipótese de elast icidade unitária. A perda social líquida seria igual a metade do produto dos dois valores (área do triângulo da perda social).

Page 14: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 14 -

14

os lucros declarados pelos monopolistas são em geral bastante inferiores aos realizados. Cowling e Mueller (1978)15 partiram da hipótese que a perda social líquida de bem-estar era cerca de metade do lucro económico anormal. Utilizando uma amostra de 734 empresas americanas para 1963-66, calcularam aquela perda em cerca de 4% do PIB. Por outro lado, referem que Harberger ignorou o desperdício social que resulta de as empresas empregarem recursos escassos no seu esforço de obtenção de uma maior quota de mercado (com publicidade, etc.). Adicionando estes custos, a perda social podia ir até 13% do PIB.16

Temos, também, a referir que H. Leibenstein (1966)17 defendeu que os monopólios têm menos tendência do que as empresas em concorrência perfeita para minimizar os custos, dada a ausência de pressão da concorrência. A este tipo de ineficiência chamou “ineficiência-X” que significa que o monopolista pode operar num ponto acima do custo médio. Apesar de ser inconsistente com a maximização do lucro, há economistas que afirmam que a separação entre a propriedade e a gestão nas grandes empresas com poder de mercado leva os gestores a optimizar a sua função de utilidade em substituição da maximização do lucro dos accionistas, o que é um caso de “ineficiência-X”.

15.7 Políticas de defesa da concorrência. Face ao impacte negativo do monopólio em particular e da concorrência imperfeita em geral, os países desenvolvidos desde cedo estabeleceram políticas de defesa da concorrência, vulgarmente conhecidas por políticas anti-trust. Um dos primeiros economistas a mostrar preocupação pelo poder de mercado foi Adam Smith, que escreveu uma das frases mais frequentemente citadas: “People of the same trade seldom meet together, even for merriment and diversion, but the conversation ends in a conspiracy against the public, or in some contrivance to raise prices” (Wealth of Nations, 1937, p. 128).

A política de defesa da concorrência procura combater as seguintes práticas:18

• Monopolização ou tentativa de monopolização de um mercado; • Fusões ou aquisições que reduzam substancialmente a concorrência; • Formação de cartéis ou acções de coligação, tais como fixação de preços,

esquemas de divisão de vendas ou de distribuição de mercados, • Outras acções predatórias ou lesivas da concorrência, tais como:

o Encadeamento de administrações (uma pessoa que serve no conselho de administração de duas empresas concorrentes);

o Discriminação de preços que limite a concorrência; o Contratos de exclusividade e interligação de contratos (por exemplo, o

bem A só é vendido se o cliente também comprar o bem B); o Métodos injustos de concorrência, que incluem acções abusivas ou

15 Cowling and Mueller (1978), The Social Costs of Monopoly Power, Economic Journal, 88, pp. 727-748. 16 Veja-se, também, Bergson, A. (1973), “On Monopoly Welfare Loss”, Journal of Economic Review, December. 17 Leibenstein, H. (1966), Allocative Efficiency vs. X-Inefficiency, American Economic Review, June. 18 Uma boa referência bibliográfica para análise destas questões é: Martin, S. (1994), Industrial Economics, economic analysis and public policy, 2nd ed., Macmillan.

Page 15: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 15 -

15

extremas. Na secção 15.9.3, veremos outro tipo possível de intervenção do Estado, de preferência através de organismos independentes, e que se relaciona com a regulação do monopólio natural.

Estas diferentes acções encontram-se definidas nas leis anti-trust dos EUA, da EU e dos países que são parte desta. Vamos ver genericamente em que consiste o enquadramento legal anti-monopólio. Para um pouco de história sobre políticas de promoção da concorrência, ver a Caixa 15.2: História das políticas de promoção da concorrência.

A primeira lei anti-trust nos EUA é o Sherman Act, aprovado em 1890, e que na sua secção 2 proíbe a formação de monopólios: “Every person who shall monopolize, or attempt to monopolize, or combine or conspire with any other person or persons, to monopolize any part of the trade or commerce among the several States, or with foreign nations, shall be deemed guilty of a felony…”. Da mesma forma, a proibição de cartelização ou outras formas de coligação são proibidas pela secção 2: “Every contract, combination in the form of trust or otherwise, in restraint of trade or commerce among several states, or with foreign nations, is declared to be illegal. …”. O Clayton Act de 1914 proíbe as fusões e aquisições que reduzem significativamente a concorrência.19 Também restringe os contratos de exclusividade ou a interligação de contratos, bem assim como a discriminação dos preços (completada pelo Robinson-Patman Act de 1936). Finalmente, o Federal Trade Commission Act torna ilegais os métodos injustos de concorrência. Os primeiros casos anti-trust envolveram fusões e aquisições. Foi sobretudo com o Celler-Kefauver Act de 1950 que se estabeleceu a importância das fusões e aquisições na política anti-trust. A lei que estabelece as Guidelines para as fusões e aquisições tem evoluído significativamente ao longo do tempo, e para ela têm contribuído importantes economistas.20 A lei distingue entre fusões horizontais, fusões verticais e conglomerados.21 No caso das fusões horizontais, se o índice de Herfindahl da indústria se mantém abaixo dos 1.00022 (que corresponde a 10 ou mais empresas de igual tamanho), não há lugar a investigação. Já nas indústrias com um índice superior a 1.800 (correspondentes a 5,5 ou menos empresas de igual dimensão), se a fusão aumentar o índice em mais de 100 pontos é geralmente recusada, e entre 50 e 100 pontos está sujeita a análise dependente da conduta das empresas e performance do mercado. As últimas Guidelines, de 1992, estabelecem como base da investigação as condições para uma acção coordenada de um grupo de empresas. As fusões verticais e conglomerados estão sujeitas a menores restrições, considerando-os sujeitos a reprovação quando elevam as barreiras à entrada ou ajudam a formar coligações. Na UE, a lei básica são os artigos n.º 85 e 86 do Tratado de Roma (1957), que estabelecem as bases da política concorrencial. Estes artigos proíbem “acordos, decisões ou práticas concertadas que: (a) directa ou indirectamente fixem preços ou outras condições

19 Este aspecto será estudado com mais detalhe no Capítulo 16 no âmbito do cálculo do grau de concentração num mercado. 20 Veja-se o Symposium, Journal of Economic Perspect ives, Fall, 1987. 21 Relembre o que já foi apresentado no Capítulo 13, secção 13.1 sobre fusões e aquisições, no âmbito das modernas teorias da empresa e da globalização. 22 Guidelines de 1984. O índice de Herfindahl mede o grau de concentração num sector. É definido na Caixa 16.1 e aplicado ao sector bancário em Portugal nas Caixas 16.2 e 16.7 no Capítulo 16.

Page 16: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 16 -

16

comerciais, (b) limitem ou controlem a produção, mercados, desenvolvimento técnico ou investimento, (c) partilhem mercados ou fontes de abastecimento, (d) pratiquem discriminação de condições das transacções, ou (e) façam depender a conclusão de contratos de obrigações suplementares que nada têm a ver com o objecto do contrato”. Porém, e ao contrário da lei dos EUA, são permitidas práticas e acordos que restrinjam a concorrência se promoverem o progresso técnico e económico, havendo partilha de benefícios com os consumidores. Em resumo, nos EUA, a política anti-trust está confiada a duas instituições: o Department of Justice e a Federal Trade Commission. É interessante referir que esta comissão foi constituída com receio de que a administração pública estivesse limitada na sua acção por influências do sector privado, pelo que se estabeleceu um órgão independente, com membros juizes e que são nomeados directamente pelo Presidente por sete anos. Outros órgãos são os tribunais, pois qualquer pessoa pode apresentar uma queixa nesta área. Na UE, a execução da política anti-trust é feita pela Comissão através da DG IV.23 Em cada um dos países membros também existem organismos para defesa da concorrência. Em Portugal, só em 1993 é que foi instituída a Direcção Geral da Concorrência e Preços (agora, Direcção-Geral do Comércio e Concorrência ou DGCC), no Ministério do Comércio. Caixa 15.2: História das políticas de promoção da concorrência. Tendo em vista o impacte negativo do monopólio, oligopólio ou outras formas de mercado não competitivas sobre o bem-estar e eficiência de uma economia, desde cedo apareceram políticas para a promoção da concorrência (ou políticas anti-trust). A primeira lei foi o Sherman Antitrust Act de 1890 nos EUA, como reacção à formação de monopólios nacionais (“trusts”) resultantes da associação de empresas regionais no domínio dos caminhos de ferro, telefones, telégrafos, açúcar, carvão, tabaco, matadouros e outras indústrias.24 O movimento de revolta foi liderado por sindicatos e associações de agricultores e pequenos comerciantes. Seguiram-se o Clayton Act e o Federal Trade Commission (FTC) Act de 1914 que estabeleceram esta Comissão – e que são as bases da política anti-trust dos EUA. Os dois vectores principais desta política são: (i) proibição de contratos, combinações ou outra forma de associação que restrinja a concorrência, o que diz respeito sobretudo a arranjos para fixação de preços; e (ii) proibição de monopolização, ou tentativas de monopolização, o que diz respeito à dominação do mercado. As acções judiciais podem ser desencadeadas pelo Departamento de Justiça ou pela FTC, mas o maior número de casos foi iniciado por queixas privadas nos tribunais (com o número recorde de 1611 casos em 1977). Por exemplo, em 1911, o famoso monopólio de refinação de petróleo de John D. Rockefeller foi obrigado a cindir-se em 33 empresas independentes. Dois casos famosos mais recentes são a acção contra a AT&T, que tinha o monopólio das telecomunicações e em 1982 foi obrigada a cindir as comunicações locais e regionais em 26 empresas, e a acção contra a IBM que decorreu nos anos 1970s, em que esta detinha 70% do mercado de computadores, mas foi absolvida.25 Mais recentemente, foram elaboradas outras leis para proteger os pequenos comerciantes das práticas das cadeias de lojas (sobretudo de bens alimentares) que praticavam preços discriminatórios. Foi também reforçada a regulação no âmbito de uma política anti-fusões.26

23 Pode-se recolher extensa informação sobre as suas actividades no site da internet da Comissão Europeia, DG-IV. 24 Estes apareceram devido à unificação do mercado americano e à recessão de 1880 que levou à prática generalizada da guerra de preços. 25 Estes dois casos tiveram conhecidos economistas a trabalhar como consultores destas empresas na defesa do seu caso: W. Baumol de Princeton para a AT&T, que depois, com os seus associados, desenvolveu a teoria dos mercados contestáveis, como reacção contra a perda do caso, e Franklin Fisher do MIT para a IBM. 26 É importante compreender que a política anti-fusão dos EUA tinha três objectivos: (i) económico, para promover a concorrência e eficiência; (ii) político, para combater a concentração do poder económico privado e proteger as

Page 17: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 17 -

17

Também o Tratado de Roma (1957), que cria a Comunidade Europeia, estabelece as bases da política concorrencial da CE nos artigos n.º 85 e 86. Outros aspectos importantes da lei comunitária têm a ver com a proibição de fusões ou aquisições transnacionais27 (dentro da UE) que possam levar a posições dominantes no mercado e com a promoção da integração económica e da concorrência sem distorções entre os Estados-Membros. Por exemplo, a Comissão Europeia declarou ilegal um acordo entre os industriais de rolamentos franceses e japoneses em 1974 que tinha como finalidade reduzir as exportações do Japão para a França e fixar o preço dos produtos japoneses a uma diferença máxima de 10% dos franceses. A formação de uma empresa distribuidora comum da indústria do cimento alemã em 1972 foi proibida pela Comissão Europeia. Também mais recentemente proibiu um acordo entre a British Airways e a American Airways, que envolvia troca de participações, para partilhar o mercado das linhas aéreas entre os EUA e Londres.28

Na UE, é a Regulação sobre Fusões, Council Regulation 4064 de 1989 que atribui à Comissão Europeia autoridade para regular concentrações (fusões de duas ou mais empresas independentes, aquisições de outra empresa ou parceria que abranja negócios relevantes das empresas) que tenham dimensão comunitária. A regulação 1310 de 1997 veio introduzir algumas alterações à definição de concentração, nomeadamente as empresas têm de notificar as entidades regulatórias se pelo menos duas delas tenham: (a) um volume de vendas anuais na UE de pelo menos 100 milhões de euros ou vendas a nível mundial superiores a 2,5 mil milhões de euros; (b) vendas conjuntas de 100 milhões de euros em pelo menos três países da EU; e (c) vendas de mais de 25 milhões de euros em cada um desses três países. Nos outros casos, a fusão e aquisição cai no domínio das leis nacionais. O ponto de análise da investigação são concentrações que criem ou reforcem uma posição dominante e que impeçam uma concorrência efectiva. Esta análise deve tomar em conta o poder económico e financeiro das empresas, as barreiras à entrada, os interesses dos consumidores e o progresso técnico e económico que pode advir em benefício do consumidor. Até ao caso de Havilland (envolvendo helicópteros), a Comissão aprovou todas as 52 fusões e aquisições que analisou, e mesmo assim, até ao ano 2001 só foram rejeitados pouco mais de meia dúzia de casos. Vários economistas têm chamado a atenção para a importância da liberalização do comércio externo para as pequenas economias.29 De facto, para estes países, a principal política “anti-trust” é a liberalização das suas trocas com o exterior, liberalização dos movimentos de capitais e do investimento estrangeiro no país. Contudo, é necessário reconhecer que em muitos mercados existem outras barreiras à entrada, ou podem existir condições para o monopólio natural.

Entre nós, a lei da concorrência é o Decreto-Lei n.º 371/93 que proíbe acordos, práticas concertadas e decisões de associações que restrinjam a concorrência, e uma posição dominante – caso a empresa tenha uma quota superior a 30% do mercado nacional – usada para restringir a concorrência. São proibidas as fusões e aquisições que impliquem a aquisição de uma posição dominante, mas exceptuam-se os casos em que contribui para “melhorar a produção ou a distribuição de bens e serviços”, ou “reforcem a competitividade internacional das empresas participantes”. Estas limitações são tão permissivas que até hoje não tivemos conhecimento de qualquer fusão ou aquisição que tenha sido rejeitada em Portugal com base nesta lei. (Apenas o caso da possível fusão da Sonae distribuição com a Jerónimo Martins terá tido parecer desfavorável do Ministério da Economia). Questão: Vá ao site da internet da DG-IV e, utilizando as compilações de leis “anti-trust” nacionais, compare as leis de Portugal, Holanda e Reino Unido. Critique a lei portuguesa à luz da teoria estudada. Durante o ano de 2000 e até Junho de 2001, Portugal foi protagonista de 91 casos de concentração, dos quais 40% relacionaram-se com o sector industrial (combustíveis, plásticos, construção, etc.), 20% com o sector da tecnologia, média e telecomunicações (só a Portugal Telecom esteve envolvida

instituições democráticas; e (iii) social, para promover a mobilidade social e a “moral social” (Hofstadter, citado em S. Martin, op. cit ., pág. 54). 27 Mas não nacionais. Isso seria do domínio das autoridades dos Estados-Membros. 28 Anualmente, a Comissão Europeia (DG IV) publica um relatório sobre as políticas concorrenciais na UE. 29 Ver, por exemplo, Jacquemin, A. (1994), Goals and Means of European Antitrust Policy after 1992, in Demsetz and Jacquemin, Anti-trust economics, Institute of Economic Research, Malmo, 1994.

Page 18: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 18 -

18

em 11 das 91 operações de concentração) e 15% com o comércio. As fusões e aquisições explicaram 85% dos casos analisados pela DGCC e as parcerias (ou “joint-ventures”) os restantes. Das 91 operações apenas uma, a compra da Vigor pela Lactogal, foi enviada para o órgão consultivo do governo em matéria de concorrência, o Conselho da Concorrência, aprovando a DGCC directamente as restantes 90 operações. O governo justifica esta posição, remetendo para o Decreto-Lei nº. 371/93, que define que em matéria de concentrações a competência do Conselho da Concorrência se limita a “formular pareceres, a solicitação do ministro responsável pela área do comércio, em procedimentos relativos a operações de concentração sujeitas a notificação prévia”. Fonte: Diário Económico, 7 de Junho de 2001.

Pergunta-se: Face a esta experiência recente, que comentários devem tecer-se à política governamental portuguesa.

O objectivo da política anti-trust não é apenas promover uma afectação de recursos mais eficiente e baixos preços, mas também levar a uma dispersão do poder político e do poder económico, assim como a um sistema económico mais justo. Não é apenas a escola marxista que expressa grandes receios em relação ao poder das grandes empresas e monopólios, mas também as escolas libertarianas ou mesmo anarquistas da extrema direita que também expressam o seu receio da dominação do poder político pelos grandes grupos económicos. Mas, mesmo filósofos políticos têm expresso a doutrina de que não só é fundamental a separação entre o poder político e o poder económico, como a preservação da democracia exige a dispersão daqueles poderes, incluindo o poder sobre a comunicação social.30 De facto, historicamente a política anti-trust surgiu nos EUA como uma reacção à cartelização das indústrias para formar trusts, pelos grandes banqueiros (dos quais se distingue J. P. Morgan), ou do receio que as populações têm do domínio exercido pelas grandes empresas. Existem essencialmente duas escolas de Economia Industrial, o ramo da microeconomia que estuda as empresas e os mercados: a escola da estrutura-conduta-performance e a escola de Chicago. A primeira argumenta que o exercício do poder de monopólio é uma característica persistente dos mercados, e que um dos principais impedimentos ao seu funcionamento eficiente é o comportamento estratégico de algumas empresas que não permite às outras empresas concorrerem com base no seu mérito próprio. Uma implicação desta análise, que em grande parte professamos neste livro, é que o Estado tem de prosseguir uma política de protecção da concorrência. A escola de Chicago argumenta que qualquer acção que possa ser tomada por uma empresa pode ser igualmente prosseguida por qualquer outra empresa eficiente, a menos que o Estado intervenha. Geralmente, todas as fontes de distorção provêm de intervenções do Estado. A concentração deve ser tolerada e é uma manifestação de economias de escala ou de gama, pois geralmente é feita na prossecução da maximização do lucro ou na tomada de posição em empresas mal geridas. À parte a proibição de comportamentos de cartel ou que sejam destrutivos das leis de mercado, deve-se prosseguir uma política de laissez-faire. Subjacente estão as conclusões de Haberger que prova que, afinal, a soma das distorções provocadas pela concorrência imperfeita é quase infinitesimal. Mais ainda, a concentração é essencial para haver investigação e desenvolvimento e progresso técnico no longo prazo. De facto, a onda de desregulamentação e de permissividade em relação às concentrações que passou a ocorrer nos EUA a partir de Reagan e de Tatcher no RU 30 Reparem-se nas disposições da lei anti-trust inglesa (Fair Trading Act de 1973 e de 1988) que proíbe elevadas concentrações neste domínio.

Page 19: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 19 -

19

deve-se em grande parte a esta escola de pensamento. Existe, pois uma relação negativa entre as ondas de fusões e aquisições e a restritividade da política anti-trust.31 As visões nestas matérias são controversas quanto se pode observar também nas prescrições que se fazem para o futuro da UE. Uma grande parte dos estudos feitos em preparação para o Mercado Único ou Europa 1992 baseavam-se na ideia de que, se se eliminassem as barreiras ainda existentes entre os países membros, e no âmbito do euro, poderia haver maior concentração de empresas e uma redução dos custos médios das empresas. Por outro lado, Mueller (1996),32 que é um dos economistas que mais tem estudado as fusões e aquisições, é bastante céptico em relação aos seus benefícios sociais. Nesse estudo recente, em que faz uma análise da política anti-trust dos EUA e a sua possível aplicação à Europa, conclui: “In some ways the EU finds itself in the enviable position of being where the US was a century ago, before the two great merger waves of the 1890s and 1920s created dominant firms and high concentration in many markets, and before the two great merger waves of the 1960s and 1980s created numerous diversified behemoths…. A vigorously enforced antimerger policy that allowed only those mergers that promise measurable and substantial efficiency gains is the single most important policy step Europe could take to preserve and intensify competition, and thereby strengthen its economic health over the decades ahead”. 15.8 Alterações tecnológicas e o monopólio. A observação empírica permite-nos listar vários casos em que grandes empresas – com grande reputação, canais de distribuição poderosos, avultados recursos financeiros, etc. – assistem à erosão da sua posição de dominância face à agressividade de empresas de menor dimensão que inovam ou “quebram” com regras do passado (por exemplo, a Xerox face à Canon na área das fotocopiadoras, a CNN face aos canais televisivos americanos da CBS ou NBC e a Sony face à RCA na área das televisões). Mas, será que esta menor disposição a inovar das primeiras é resultado de miopia da respectiva administração – por exemplo, devido ao impacte negativo que o “divórcio” entre propriedade e gestão, típico em grandes empresas, pode originar - ou de maior aversão ao risco, ou será que reflecte comportamentos racionais de empresas que maximizam o lucro mas que enfrentam circunstâncias diferentes? Em particular, em que medida é que a estrutura de mercado influencia a disposição das empresas a investir em Investigação e Desenvolvimento (I&D) com vista à inovação? Será que a empresa concorrente perfeita tem maior incentivo à inovação do que um monopolista? Veremos, também, em que medida uma inovação, desde que patenteada, pode ser origem de poder de mercado. 15.8.1 O monopólio e o incentivo à inovação. Os tipos de inovação conhecidos são: a inovação de processo de fabrico e a inovação

31 Veja-se a evidência em Shepherd, W. (1997), The Economics of Industrial Organization, 4th edition, Prentice Hall, p.345. 32 Mueller (1996), Lessons from the United States´ antitrust history, International Journal of Industrial Organization, 14, pp. 415-445.

Page 20: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 20 -

20

de produtos, podendo observar-se casos de inovação em que estes dois tipos estão associados. Ora, existem teoricamente duas forças que tornam racional as empresas instaladas poupar em despesas de inovação (o efeito de custo irrecuperável33 e o efeito de substituição) e que contrastam com uma terceira força (o efeito de eficiência) que opera no sentido oposto, e confere à empresa instalada no mercado um incentivo à inovação:

Inovação de processo de fabrico. Descoberta de novos processos de produção que baixam os custos. Inovação de produtos. Descoberta de novos produtos. Efeito de custo irrecuperável. O incentivo à inovação da empresa instalada é menor porque incorreu num custo irrecuperável associado à antiga tecnologia. Efeito de substituição de Arrow. O incentivo à inovação do monopolista é menos intenso porque tem de substituir a antiga tecnologia por uma nova tecnologia. Efeito de eficiência. O incentivo à inovação do monopolista é mais intenso porque tem um lucro maior a perder com a potencial entrada de concorrentes. 1. efeito de custo irrecuperável – seja o caso de uma empresa instalada e de um

potencial concorrente que contemplam a decisão de adoptar uma nova tecnologia; existe uma assimetria clara entre a empresa instalada, para quem a maximização do lucro representa manter a tecnologia, e a nova empresa, cuja estratégia de maximização do lucro implica a escolha da melhor tecnologia disponível no momento da sua entrada no mercado; a empresa instalada já escolheu a sua tecnologia (isto é, realizou no passado uma despesa elevada em activos e know-how, e que são custos fixos) e tende a mantê-la, enquanto que um potencial concorrente tende a escolher a melhor tecnologia (ou o melhor produto) disponível no momento; com efeito, se a tecnologia instalada não tiver uso alternativo (isto é, se a empresa tiver realizado um custo irrecuperável associado a uma tecnologia que, entretanto, se tornou antiquada), o seu custo económico (ou de oportunidade) é nulo e, portanto, o CMg da tecnologia antiga é baixo, bem como o valor que a empresa atribui à inovação até que seja absolutamente necessária a substituição dessa tecnologia devido a obsolescência;

2. efeito de substituição de Arrow – seja uma inovação que reduz os custos (ou

introduz um produto novo), tal que, uma vez adoptada, inviabiliza os produtores que usam a tecnologia obsoleta (ou o produto obsoleto); seja um monopolista que pode adoptar aquela inovação, bem como um concorrente potencial que, se a adoptar, passa a ser monopolista; se ambos tiverem a mesma capacidade financeira, Arrow concluiu que a nova empresa tem maior incentivo a investir em I&D e inovar porque substitui o monopolista, ficando com a renda do monopolista, enquanto que o monopolista se substitui a si próprio, ganhando apenas a diferença entre o lucro depois e antes da inovação; por outras palavras, um monopolista tem menos incentivo a inovar do que um potencial concorrente porque tem de substituir a tecnologia obsoleta (ou o produto obsoleto) por uma tecnologia moderna (ou um produto novo) ganhando apenas a diferença entre o lucro depois e antes da inovação, enquanto que um potencial concorrente, que fique monopolista após a entrada, arrecada todo o lucro da indústria; este comportamento tem a ver com a dinâmica do mercado e com a disposição a

33 O conceito de custo irrecuperável é desenvolvido na secção 17.9.2 do Capítulo 17.

Page 21: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 21 -

21

inovar, supondo que a oportunidade de inovação não está disponível a concorrentes.

Kenneth Arrow defende que o incentivo à inovação tecnológica difere consoante a estrutura de mercado em que uma empresa se encontre e que, quanto maior for o seu poder de mercado, menor é o incentivo em investir em investigação com vista à redução de custos. Seja o sector da refinação do petróleo e vejamos, na mesma figura, o impacte de uma inovação no processo de refinação que reduza o custo marginal supondo alternativamente concorrência perfeita e monopólio (Figura 15.7).

A empresa monopolista, antes da inovação tecnológica, vendia My1 ao preço 1M

YP e

obtinha um lucro igual à área entre MRMg e 1CMg até My1 . Após a inovação tecnológica,

o preço desce para 2MYP , a quantidade aumenta para My2 e o lucro aumenta no equivalente

à área a sombreado escuro. Por sua vez, a empresa concorrente perfeita, antes da inovação tecnológica, vendia

CPy1 ao preço CPYP e obtinha um lucro igual à área entre CP

YP e 1CMg até CPy1 . No curto prazo, e ao preço inicial, após a inovação tecnológica, e supondo que esta não está disponível às empresas concorrentes da empresa em análise, a quantidade aumenta para

CPy2 e o lucro na área delimitada por 1CMg , 2CMg , CPYP e o eixo das ordenadas, até

CPy2 . Como se vê pela figura anterior, o lucro aumenta mais no caso da empresa concorrente.

De acordo com esta análise, a empresa em concorrência perfeita tem maior incentivo a inovar do que a empresa monopolista. Pode dizer-se que a despesa a realizar em I&D e que poderá levar à inovação tecnológica será inferior ou igual à área entre as duas curvas do custo marginal até ao nível de produção óptimo, sendo maior para uma empresa concorrente. 3. efeito de eficiência34 – seja um monopolista instalado que antecipa que outras

empresas também possam ter oportunidade de desenvolver uma inovação, mas suponhamos que não é uma inovação que retire do mercado a empresa instalada; o

34 Designa-se efeito de eficiência porque a concorrência diminui os lucros da indústria.

Figura 15.7.

Incentivo àinovação

PY

PYM1

PYM2

PYCP

yM1 yM

2 yCP1 yCP

2

RMgM DM

Y

CMg1

CMg2

RMg=RMe=DCP

RT=área abaixo da RMgCT=área abaixo do CMg

variação do lucro do monopolista

variação do lucro do concorrente perfeito

Page 22: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 22 -

22

incentivo à inovação do monopolista é mais elevado porque tem mais a perder; se não inovar, a sua renda de monopólio reduz-se ao partilhar o mercado com uma empresa que entretanto entre no mercado; por sua vez, um potencial concorrente que entre no mercado e inove tem a ganhar, no máximo, o lucro de um dos duopolistas em comparação com o lucro nulo que auferiria se não entrasse.

Na competição entre empresas instaladas e empresas potencialmente concorrentes para o desenvolvimento de inovações, os três efeitos que descrevemos operam em simultâneo. Qual deles irá dominar vai depender das condições específicas da concorrência no mercado em que se pode dar a inovação. Os dois primeiros efeitos podem dominar quando a probabilidade de inovação pelas empresas de menor dimensão e potencialmente concorrentes é baixa. Nestas circunstâncias, o principal efeito da inovação pela empresa dominante será “canibalizar” os seus lucros actuais e reduzir o valor dos recursos e know-how investido na tecnologia que utiliza correntemente. Pelo contrário, o terceiro efeito pode dominar quando a incapacidade do monopolista em inovar leva a uma elevada probabilidade de que os seus potenciais concorrentes inovem. Nestas circunstâncias, o principal benefício da inovação sobre a empresa dominante instalada é impedir a deterioração do lucro no sector que resultaria da maior concorrência resultante da entrada de empresas que possam desenvolver uma vantagem sobre os custos ou receitas relativamente ao monopólio. Como a análise revela, o incentivo à inovação pode existir em pequenas e grandes empresas e em empresas monopolistas instaladas no mercado ou em empresas concorrentes potenciais. O Quadro 15.1 apresenta sumariamente a relação que existe, em ambos os sentidos, entre concorrência e inovação (ou progresso técnico):

Quadro 15.1 Concorrência e inovação

A concorrência influencia a inovação A concorrência estimula a I&D A concorrência prejudica a I&D

• Uma inovação possibilita lucros anormais • Empresas concorrentes podem imitar e os lucros anormais da inovação reduzem-se

• Se as empresas não inovarem, não sobreviverão

• A concorrência diminui os lucros necessários para financiar I&D

A inovação influencia a concorrência A I&D estimula a concorrência A I&D prejudica a concorrência

• A I&D é um instrumento de concorrência para além do preço; é uma das áreas mais importantes para a concorrência nas empresas modernas

• As patentes dão a uma empresa uma posição de protecção por alguns anos

• Os custos fixos da I&D dão uma vantagem às grandes empresas, o que sugere que as indústrias em que a I&D é importante têm poucas empresas

• A aprendizagem com a experiência (learning by doing) dá vantagem óbvia às empresas a entrar primeiro no mercado

• O acesso limitado ao mercado de capitais para o financiamento de I&D é uma desvantagem para pequenas e novas empresas

Fonte: Stiglitz (1993), Economics, W. W. Norton & Co., first edition.

Page 23: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 23 -

23

15.8.2 O caso específico das patentes. Nas economias industrializadas, uma parte importante dos recursos das empresas é empregue no desenvolvimento de novos produtos, melhoria da sua qualidade ou busca de novas variedades dos produtos já existentes. Esta actividade desenvolve-se através da investigação (descoberta de novos produtos, ideias e processos) e desenvolvimento (aperfeiçoamento de um novo produto até estar pronto a ser lançado no mercado), ou I&D. Ora, a actividade de I&D é uma das principais formas em que se consubstancia a concorrência entre grandes empresas (por exemplo, entre as multinacionais) e é, sem dúvida, uma das principais formas que as empresas usam para ganhar vantagens competitivas, isto é, poder de mercado. Este fenómeno é mais fácil de compreender no contexto do monopólio do que da concorrência perfeita. Assim, uma das principais razões porque as empresas fazem I&D é para obter poder de mercado, mesmo que seja temporário. E quando a I&D é bem sucedida, permite à empresa obter lucros anormais que permitem pagar a despesa efectuada com a I&D passada e financiar a I&D futura. Contudo, se as empresas rivais pudessem facilmente imitar a empresa que inovou e incorreu nos custos dessa inovação não haveria incentivo para inovar. Por isso, uma das mais importantes alterações institucionais que ocorreu em finais do século XVIII foi a introdução do regime de patentes. Alguns economistas institucionais, como Douglas North, consideram que a introdução do regime de patentes35 está na origem do moderno crescimento económico. A razão é que existe uma ligação estreita entre alterações tecnológicas e patentes. O detentor da patente tem o direito exclusivo de produzir ou vender a sua invenção ou inovação durante o período de 17 anos. Durante este período, os outros produtores estão inibidos de produzir o mesmo bem ou de utilizar a invenção nos bens por eles produzidos, sem a autorização do proprietário da patente. O que estes fazem muitas vezes é vender a possibilidade do seu uso através do pagamento de uma royalty. Se não existissem patentes seria muito mais reduzido o incentivo para efectuar I&D e para realizar alterações tecnológicas, que são a base do crescimento moderno. O sistema das patentes concede um monopólio ao seu detentor, permitindo ao inventor apropriar-se das rendas da sua actividade de inventor. Ora, quanto mais durar a patente maior será a rentabilidade da inovação. Mas, por outro lado, também maior será o custo social do monopólio temporário assim criado. No capítulo anterior, provámos que a concorrência perfeita conduz a uma solução eficiente, mas sob a hipótese de que a tecnologia é dada. É a noção de eficiência de curto prazo ou estática. Mas, no longo prazo, o crescimento do bem-estar das economias depende do progresso técnico alcançado, pelo que é necessário estimular a investigação e inovação. Uma economia que consegue equilibrar convenientemente a eficiência de curto prazo com o progresso técnico diz-se que é eficiente sob o ponto de vista dinâmico.

35 E de outros aspectos de protecção da propriedade privada.

Page 24: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 24 -

24

Patente. Decreto governamental atribuído a um inventor que resulta no direito exclusivo de produzir, usar ou vender a invenção por um determinado período de tempo. Suponhamos uma empresa que, ao fazer uma invenção, consegue reduzir o seu custo marginal (igual ao custo médio) de 0CMg para 2CMg (Figura 15.8). Antes da inovação, o

preço era 0YP , igual ao custo marginal inicial. Basta que o proprietário da patente fixe um

preço ligeiramente inferior, por exemplo, 1YP , e venda a quantidade 1y , que terá um lucro

anormal protegido pela patente igual à área do rectângulo 1 2Y YP ABP . Quando a patente

expirar, os concorrentes invadem o mercado e o preço cai para 2YP e o lucro anormal

daquele volta a cair para zero.

É evidente, por esta exposição, que existe um conflito latente não só entre uma pequena duração e uma mais longa duração da patente, mas também entre o domínio lato e estrito do que pode ser objecto de patente. Geralmente, os inventores querem uma definição lata, de forma que a patente proteja não só o seu produto, como também aqueles que estão de alguma forma relacionados com este, enquanto que os concorrentes argumentam a favor de uma definição mais estrita. No primeiro caso, confere-se maior rentabilidade à invenção, mas se a abrangência for muito larga existe um desincentivo para as futuras inovações. Ficou famoso na história industrial o caso de George Selden que tentou obter uma patente que cobrisse todos os veículos movidos a gasolina e autónomas, mas foi derrotado por Henry Ford. Mais, recentemente, a Apple tentou uma acção contra a Microsoft que teria infringido a patente ao copiar o “look and feel” do Windows. Porém, este design já tinha sido copiado pela Apple à Xerox e, como não utilizava o mesmo código de computação, essa acção judicial foi rejeitada. Para uma ideia ser objecto de patente tem de convencer o Departamento das Patentes que é verdadeiramente inovadora e não óbvia. Teorias ou ideias na área do marketing também não são patenteáveis. O sistema de patentes origina a conhecida “corrida de patentes”. É que apenas o primeiro inventor que apresenta a ideia ao Departamento de Patentes a pode registar. Não interessa se o segundo concorrente aparece uns minutos ou alguns meses depois. O sistema de o “vencedor ganhar tudo” pode parecer peculiar, pois pode implicar um excesso de despesa em I&D e a concentração desordenada de esforços em determinados períodos. Contudo, não nos devemos esquecer que nem tudo está perdido para os que são

Figura 15.8.

Impacte de uma patente

PY

Y0

CMg0=CMe0PY0

D

PY2

PY1

A

B

y1 y2

CMg2=CMe2

Page 25: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 25 -

25

derrotados na corrida, pois os conhecimentos acumulados poderão ser úteis para as inovações seguintes. De facto, em muitos casos, e sobretudo com o acelerar do progresso técnico, as patentes não chegam a esgotar o tempo de duração de 17 anos, deixando de ter qualquer valor, no caso de serem ultrapassadas por produtos ou processos mais económicos ou mais evoluídos. Uma área semelhante é o caso da propriedade intelectual (ou direitos de autor), como o copyright deste livro, ou de um artista de um CD. Vários casos interessantes têm ocorrido nesta área. É do conhecimento geral que uma das razões porque os EUA se têm oposto à entrada da China na Organização Internacional do Comércio é o infringimento das leis internacionais de direitos de autor: a China tem sido um dos principais países que fabrica “produtos piratas” ou faz contrafacção. O outro exemplo é o do Napster que tem sido utilizado por milhões de cibernautas para fazer o download de música da internet para os seus PCs. O Tribunal Federal ordenou no início de 2001 que aquele barre a possibilidade de se copiar material com direitos de autor. Nem todo o conhecimento acumulado numa empresa é protegido por patentes, até porque, quando pede a atribuição de uma patente, a empresa tem de ceder alguns segredos que podem ser apropriados por empresas concorrentes. Daí que muitas das invenções das empresas sejam protegidas como “segredos do comércio”. É o caso da fórmula da Coca-Cola. A Caixa 16.3: SIDA: guerra entre patentes e medicamentes, mostra o conflito que pode surgir entre a necessidade de dar um incentivo à I&D através das patentes e o custo dos medicamentos que se tornam muito caros para os países subdesenvolvidos. É mais um exemplo, agora a nível global, do conflito entre eficiência e equidade. Caixa 15.3: SIDA: guerra entre patentes e medicamentos. A SIDA é uma das epidemias mais graves da nossa época, mas, tal como a malária e a tuberculose, atinge de uma forma desproporcional os países subdesenvolvidos e, em particular, África. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), dos cerca de 36 milhões de infectados com SIDA no mundo, 80% vivem na África ao Sul do Sara. A África do Sul terá o número recorde, com 20% dos seus adultos seropositivos. Não existe ainda vacina eficaz, embora a sua prevenção seja relativamente simples. Os medicamentos eficazes para inverter o processo da doença são muito caros: o cocktail típico de medicamentos é uma combinação de 3 de cerca de 9 inibidores protásicos ou reversores transcriptásicos, que custa 10.000 a 15.000 dólares por ano. Estes medicamentos são produzidos por grandes empresas farmacêuticas – entre as quais, a Bristol-Meyers, Boehringer-Ingleheim, GlaxoSmithKlein, Merck e Roche – que detêm patentes para a sua produção. Só as despesas com a invenção, testes e comercialização de novos medicamentos está estimada em USD 450-750 milhões!!

Ora, existe aqui um problema sério: as grandes empresas produtoras necessitam de recuperar as despesas feitas com a I&D, o que é permitido pelas patentes, mas a maioria da população afectada pela doença à escala mundial não tem rendimento suficiente para adquirir o medicamento, nem os governos destes países têm capacidade financeira para os fornecer aos seus cidadãos em condições favoráveis. Repare-se, contudo, que as empresas farmacêuticas apenas realizam cerca de 1 a 2% das suas receitas em África.36

Perante a gravidade da situação surgiram duas reacções. Primeiro, alguns países tentaram encontrar uma forma de escapar à lei das patentes. Segundo, várias organizações (Banco Mundial, OMS, Médicos Sem Fronteiras, Oxfam, etc.) tentaram pressionar as empresas farmacêuticas para baixarem os preços daqueles medicamentos nos países subdesenvolvidos. O primeiro caminho foi seguido pelo Brasil, Índia e Tailândia, que se serviram de uma alínea do acordo Trips (“Trade 36 Dos 314 mil milhões de dólares de vendas realizadas em 2000, 49% foram na América do Norte, 24% na Europa, 16% no Japão, 6% na América Latina e cerca de 5% na África e Ásia restante.

Page 26: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 26 -

26

Related Aspects of Intellectual Property Rights”) da Organização Mundial do Comércio (OMC) que permite, em caso de emergência nacional, infringir a lei internacional das patentes. Estes países passaram a produzir os chamados genéricos que são cópias dos medicamentos produzidos pelas grandes farmacêuticas. Por exemplo, a Ciplo, na Índia produz um cocktail que é vendido no mercado a cerca de 1.000 dólares. Por outro lado, a Ciplo disponibilizou-se a fornecer os cocktails aos governos dos países subdesenvolvidos a 600 dólares/ano e foi, ainda mais longe, vendendo aos Médicos Sem Fronteiras por 350 dólares/ano com a finalidade de esta organização os fornecer gratuitamente aos necessitados. Por sua vez, o Brasil distribui de graça os medicamentos que produz localmente e já conseguiu baixar para metade a taxa de mortalidade dos seropositivos entre 1996 e 1999. Porém, enfrentam no ano 2001 um caso jurídico junto das instâncias da OMC. No âmbito do segundo caminho, as negociações com as grandes farmacêuticas levaram a que estas vendessem os medicamentos a vários países africanos com descontos de 70 a 90%. Até agora beneficiam deste regime o Senegal, Uganda e Ruanda a um preço de cerca de 1.000 dólares/ano. E com a campanha publicitária contra esta situação a acentuar-se no início de 2001, a Merck e a Bristol-Meyers acabam de anunciar reduções de 90 a 95% nos preços em África. Esta última empresa anunciou que não moveria acções judiciais contra a produção de genéricos. O problema foi ainda mais dramatizado pela acção interposta contra o governo da África do Sul pelas grandes empresas farmacêuticas, por este ter proposto em 1997 uma lei - “Medicines and Related Substances Control Act” - que permite ao Ministro da Saúde suspender a aplicação da lei internacional das patentes em caso de situação de saúde pública grave e, assim, abrir caminho à produção local. A acção das empresas não tinha a ver com o preço dos medicamentos mas com o regime de patentes que estimula a I&D. Entretanto, em Abril de 2001 as empresas retiraram essa acção junto do governo, tendo alcançado um acordo que permite que a África do Sul respeite a legislação internacional e internamente tome as medidas necessárias para proteger a saúde pública. Para tal, um plano regulador das importações de medicamentos paralelos e da substituição genérica dos remédios fundamentais ia ser preparado. Fontes: Economist (10/3/2001), International Herald Tribune (7/2/2001), New York Times (vários artigos disponíveis em www.nytimes.com) e europe.CNN.com/2001/WORLD/africa (Abril 2001). Pergunta-se: Qual é a sua posição em relação ao problema dos remédios patenteados versus os genéricos? Acha que o problema se põe da mesma maneira num país desenvolvido e num país pobre? Deveria a lei internacional das patentes ser aplicada em países pobres? Em que moldes poderiam ser criadas excepções? Os argumentos a favor são: estão em causa questões do “direito à vida”, “direito constitucional dos governos a fornecer serviços básicos de saúde”, “direito à dignidade”, “direito à disponibilidade e a um preço acessível”. Estes direitos opõem-se à dita “avareza” das empresas farmacêuticas. Concorda com estes pontos de vista? Que formas haverá de reconciliar este problema a favor do progresso técnico e do combate à epidemia? Acha que a ajuda pública ao desenvolvimento por parte dos países desenvolvidos poderá ter um papel relevante nesta área? Como? Por exemplo, o Centro para o Desenvolvimento Internacional da Universidade de Harvard, nos EUA, anunciaram no início de 2001 um plano para promover o fluxo de medicamentos anti-SIDA para África com a participação de empresas farmacêuticas e países ricos. O plano realça a importância de uma estratégia que faça baixar os custos dos medicamentos e envolva contribuições de países ricos num total de USD 7 mil milhões, dos quais os EUA participariam com um-terço e a EU, o Canadá e o Japão, o resto. Que comentários faz a este plano? Que receiam as empresas farmacêuticas com a produção de genéricos em países como a Índia e o Brasil? Alguns comentadores desta questão afirmam que, mesmo com as descidas dos preços efectuadas, o consumo destes medicamentos nos países africanos continuará a ser diminuta, porque estas populações não têm capacidade para os adquirir, mesmo a baixo preço. Outros comentadores afirmam que, para atacar o problema da SIDA, não bastam os medicamentos, pois estes povos têm também muitas necessidades de água potável, condições sanitárias e serviços de saúde, que são bens complementares. Comente estas afirmações.

Page 27: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 27 -

27

Como veremos no Capítulo 21 sobre a teoria endógena dos mercados, os custos em I&D são custos fixos e, para dado produto, determinam de uma forma fundamental a estrutura dos mercados. Nem todas as inovações, nem tão pouco a maioria das inovações, são feitas por grandes empresas. Mesmo algumas das actuais grandes empresas, tal como a Microsoft, Apple, entre outras, começaram por ser pequenas empresas lançadas por inovadores. Porque a I&D é uma actividade com elevado risco e não pode ser segurada, tem dificuldade em obter financiamento. Geralmente, os bancos fazem empréstimos contra garantias ou colateral. As pequenas empresas ou inventores isolados em países desenvolvidos recorrem frequentemente a empresas de capital de risco (venture capital). Estas empresas obtêm os seus financiamentos de companhias de seguros, indivíduos ricos e fundos de pensões. Para controlar o risco, estes exigem participação no capital da empresa a formar e controlo das acções e despesas. Mas, nem toda a I&D é feita por empresas; outra parte é feita nas universidades ou em centros de investigação públicos. De facto, uma parte substancial do esforço de investigação no domínio da ciência e tecnologia refere-se às próprias teorias fundamentais e aplicadas. Os produtos desta investigação são bens públicos.37 Como veremos, estas ideias são uma forma de externalidade. Primeiro, porque é difícil excluir quem quer que seja de utilizar os benefícios destas ideais. Segundo, porque uma vez inventadas o custo marginal da sua utilização é nulo. Daí que a produção privada seja inferior à produção óptima, devendo o Estado ser o seu principal financiador. Para além da concessão de patentes e apoio directo à investigação fundamental, existem outras políticas para fomentar e promover o progresso técnico, tais como: (i) subsídios ou créditos fiscais; (ii) protecção aduaneira; ou, (iii) adopção de políticas anti-monopólio menos restritivas. Como as despesas em I&D são, geralmente, vistas como uma despesa de investimento, elas podem ser afectadas pelas mesmas variáveis que afectam o investimento das empresas. Ora, uma das políticas que pode ser adoptada é a atribuição directa de subsídios aos projectos de investimento ou de um crédito fiscal, o que permite à empresa deduzir parte ou a totalidade da despesa no imposto sobre lucros a pagar. A atribuição de protecção aduaneira é também uma política que tem sido seguida pelos EUA e UE quando uma indústria necessita de algum tempo para poder recuperar o atraso tecnológico que por algum motivo sofreu, como foi o caso do sector automóvel dos EUA perante a ameaça japonesa.38 O problema é que esta protecção deve ser temporária, mas, muitas vezes, prolonga-se muito para além do que é justificado, passando a prejudicar a concorrência e os consumidores. Finalmente, algumas iniciativas de coligação entre empresas, como joint ventures para a realização conjunta de I&D podem não ser objecto de políticas anti-trust,39 e ser consentidas para fomentar o progresso técnico, tendo em vista os enormes recursos que frequentemente são necessários.40

37 Os bens públicos serão tratados com cuidado no Capítulo 29. 38 Esta protecção, que também assumiu forma semelhante na UE, consistiu em “obrigar” os japoneses a adoptar “restrições voluntárias de exportação” (voluntary export restraints), ou seja, a impor quotas de exportação às empresas exportadoras japonesas. 39 O tema da regulação anti-trust foi desenvolvido na secção 15.7 deste capítulo e será abordado, de novo, no Capítulo 16. 40 Um dos casos mais interessantes é a formação da Sematech, um projecto da indústria electrónica centrada na cidade de Austin, Texas, e que teve importantes contribuições para o desenvolvimento da indústria dos computadores.

Page 28: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 28 -

28

15.9 Tipos de monopólio. Depois de analisado o comportamento do monopolista simples, vejamos como um monopolista com várias fábricas e outro com capacidade para diferenciar os preços pode tirar vantagem destas situações de mercado. Segue-se o estudo das políticas de preços adequadas ao caso do monopólio natural, como forma de se garantir um preço justo e qualidade do serviço prestado pelo monopolista. Finalmente, fazemos uma breve apresentação do monopólio bilateral que será aplicado mais tarde, no Capítulo 23, ao processo negocial entre uma empresa ou cartel de empresas e um sindicato – representante dos trabalhadores – na fixação dos salários destes. 15.9.1 Monopólio com várias fábricas. Em certas circunstâncias, pode ser desejável um monopolista ter mais do que uma fábrica. Em geral, a produção em várias fábricas aumenta os lucros do monopolista se a média ponderada dos custos médios de longo prazo para as várias fábricas ao nível de produção do momento for inferior ao custo médio de longo prazo associado ao mesmo nível de produção produzido por uma única fábrica. Se esta condição se verificar, e se os custos de transporte dos diversos centros de produção para os centros de consumo não forem elevados, então, a empresa deverá ter mais do que uma fábrica.

Consideremos o caso de um único produtor de componentes electrónicas que abastece o mercado português e que produz em duas fábricas distanciadas entre si, conhecido por monopólio com duas fábricas. O seu lucro é a diferença entre a receita total e os custos de produção em ambas as fábricas. Portanto, temos:

1 21 2 1 1 2 2

,max ( ) ( ) ( )

y y = RT y y - CT y - CT yπ + [15.5]

em que 1y e 2y são os milhões de componentes electrónicas produzidas por mês, respectivamente, na fábrica de Setúbal (fábrica 1) e na de Vila do Conde (fábrica 2),

)( 21 yyRT + a função receita total, e )( 11 yCT e )( 22 yCT as funções custo das duas fábricas. Ao maximizar o seu lucro, este monopolista obtém as seguintes condições marginais de 1.ª ordem:

)()(

)()(

2221

1121

y CMg yyRMg

yCMg yyRMg

=+=+

[15.6a]

ou, )()()( 221121 yC = y C =yyR ′′+′ 41 [15.6b] As condições de 2.ª ordem implicam que os menores principais do Hessiano:

41 Por convenção, supomos que R’ e R’’ representam, respectivamente, a 1.ª e a 2.ª derivadas da função RT em ordem a y. Similarmente, para C’ e C’’.

Page 29: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 29 -

29

22

11

C- R C -

C - C - R

′′′′′′′′′′′′

[15.7a]

alternem em sinal, começando com o sinal negativo. Expandindo os menores principais, teremos:

0 >CC- C -RC - R 0 < C - R )()()()(;)( 21211 ′′×′′′′′′×′′′′′′′′ [15.7b] o que implica que 0)( 2 <′′′′ C - R . O custo marginal em cada fábrica deverá ter inclinação superior à da receita marginal no ponto de equilíbrio. Proposição: Para um monopolista que vende um bem homogéneo e produz em múltiplas fábricas, o equilíbrio corresponde a distribuir a produção pelas fábricas até se igualarem os custos marginais entre si e estes à receita marginal. Monopólio com várias fábricas. O monopolista produz um bem homogéneo distribuindo a produção total que maximiza o seu lucro por entre as fábricas tendo em conta a eficiência relativa das mesmas. A Figura 15.9 ilustra este caso, em que 1CMg e 2CMg são as curvas do custo marginal associadas às fábricas 1 e 2, respectivamente, D é a curva da procura e RMg a curva da receita marginal, as duas últimas dependentes da quantidade total transaccionada no mercado.

Note-se que é necessário construir primeiro a função custo marginal agregada, CMg, que resulta da soma horizontal dos CMg’s de cada fábrica, como se estivéssemos a calcular a função custo marginal “compósita” de um monopolista simples (com uma só fábrica), como o analisado na secção 15.4.1. Na prática, esta função obtém-se atribuindo a produção total, unidade a unidade, à fábrica que produz essa unidade a menor custo. Quando a produção total estiver assim repartida entre as duas fábricas,42 constata-se 42 O processo é idêntico para n fábricas.

Figura 15.9.

Monopolistacom duas fábricas

PY

Y

RMg D0

PYM=200

yM=4

CMg 1

CMgCMg 2

y1M=1

y2M=3

⁄⁄⁄⁄⁄⁄

⁄⁄

euro

s

A=100 B C

milhões de componentes electrónicas/mês

⁄⁄

Page 30: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 30 -

30

que a minimização dos custos leva a que o CMg em cada fábrica seja o mesmo. Só agora se impõe a igualdade: RMg=CMg para se determinar a quantidade total a ser produzida na indústria (yM=4 milhões de componentes). Depois de calculada a produção total óptima, “caminha-se para trás” para a repartirmos entre as fábricas, sendo 0A=100 euros o valor comum do custo marginal. A produção óptima na fábrica 1 ( My1 =1 milhão) está identificada no ponto B, onde a horizontal ao nível do CMg comum intersecta 1CMg e a produção da

fábrica 2 ( My2 =3 milhões) está identificada no ponto C, onde aquela horizontal intersecta

2CMg . As primeiras unidades serão sempre produzidas na fábrica de menor custos até se repartir a produção total pelas duas fábricas. Pela figura, constata-se que a produção na fábrica de Vila do Conde é maior do que a produção na fábrica de Setúbal visto aquela ser mais eficiente.43 O preço que o monopolista vai fixar, 200=M

YP euros, está sobre a curva da procura desta indústria associado à quantidade yM=4 milhões de componentes electrónicas. 15.9.2 Monopólio com discriminação de preços. O monopolista não necessita de vender toda a sua produção num só mercado a um preço uniforme. Em certos casos, poderá vender em dois ou mais mercados distintos a preços diferentes, elevando, assim, o seu lucro. A discriminação de preços44 é possível e lucrativa nas seguintes condições: 1. a empresa tem de ser fixadora do preço – neste caso, enfrenta uma procura

negativamente inclinada, podendo cobrar preços diferentes a clientes diferentes; 2. a empresa necessita de identificar o perfil da procura de cada consumidor

potencial – a empresa tem de identificar a predisposição a pagar de cada consumidor, que pode variar com o seu rendimento, sexo, idade, zona geográfica onde reside, etc.; e,

3. os consumidores não podem desenvolver actividades de arbitragem, comprando o bem num mercado a preços mais baixos para revenda noutro mercado a preços mais elevados; contrariamente, os especuladores interviriam igualando os preços em todos os mercados.

Discriminação de preços. Prática de fixação de preços em que a empresa cobra preços diferentes: (a) para as várias unidades consumidas de um bem de acordo com a disposição a pagar do(s) consumidor(es), (b) para escalões diferentes de consumo, ou (c) para grupos de consumidores (ou mercados) diferentes. Dispersão de preços. Situação que ocorre quando o mesmo produto é vendido a preços diferentes por diferentes empresas. Arbitragem. Compra de um bem a um preço baixo para revenda a um preço mais elevado. Os serviços pessoais são raramente transferíveis e a sua venda faculta frequentemente uma

43 Note-se que CMg1 está em geral acima de CMg2. 44 Note-se que a discriminação de preços difere da dispersão de preços, estando esta associada a uma situação em que existem várias empresas comercializando o mesmo bem.

Page 31: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 31 -

31

oportunidade para fazer discriminação pelo preço. Por sua vez, a revenda de certos serviços, como electricidade, gás e água – e que requer mecanismos de transferência - é extremamente difícil, daí que a discriminação pelo preço seja praticada na fixação das taxas de consumo,45 embora reflectindo diferentes custos marginais em diferentes períodos (por exemplo, taxas mais elevadas em “períodos de ponta”). A discriminação pelo preço é também possível em mercados espacialmente separados, como os mercados nacional e estrangeiro de um bem, em que impostos aduaneiros elevados podem tornar impraticável a revenda do produto: caso de dumping internacional de um produto que existe em excesso no mercado doméstico – por exemplo, a venda para fora da UE, e a preços baixos, de stocks de produtos agrícolas produzidos em excesso na UE ao abrigo da Política Agrícola Comum. São três os tipos de discriminação de preços: discriminação perfeita, contínua ou de 1.º grau; discriminação de 2.º grau; e, discriminação de 3.º grau ou segmentação por tipo de consumidor ou mercado. Passemos a desenvolver cada caso. Dumping. Prática de venda de um bem ao exterior, ou a um preço inferior ao praticado internamente no mercado, ou abaixo dos custos de produção; é possível num mercado de discriminação de 3.º grau. 15.9.2.1 Monopólio com discriminação de preços de 1.º grau. Como é sabido, cada ponto de uma curva da procura dá-nos o preço mais elevado que os consumidores estão dispostos a pagar para a quantidade correspondente do produto. Se, por simplicidade, supusermos que os efeitos rendimento são nulos, então, as curvas da procura ordinária e compensadas coincidem e o excedente do consumidor corresponderá à área entre a curva da procura e o preço pago pelos consumidores para a quantidade transaccionada no mercado.

Ora, em certos casos, o monopolista é capaz de segmentar o seu mercado de modo a vender cada unidade adicional do bem ao montante máximo que os consumidores estão dispostos a pagar. Diz-se, então, que o monopolista pratica discriminação de preços de 1.º grau (perfeita ou contínua), apropriando-se de todo o excedente do consumidor. Um caso frequentemente citado é o do médico que debita o preço de uma consulta conforme o rendimento do doente, ou que debita um preço mais elevado à primeira consulta e mais baixo à segunda consulta. Monopólio com discriminação de preços de 1.º grau. O monopolista cobra preços diferentes para as várias unidades consumidas de um bem de acordo com a disposição a pagar do(s) consumidor(es).

Seja D a curva da procura agregada de consultas médicas por dia (bem Y) dirigida

ao único consultório médico de uma região: os doentes mais ricos têm uma disposição a pagar mais elevada do que os doentes mais pobres e que está reflectida no andamento

45 Ver-se-á na secção 15.9.3.4 que os preços dos serviços públicos contêm, em geral, duas componentes: um encargo fixo (por exemplo, o aluguer de um telefone da rede fixa, ou de um contador da EDP) e um encargo variável, função do consumo desse serviço.

Page 32: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 32 -

32

decrescente da curva. A receita total deste monopolista é a área abaixo da curva da procura e o seu lucro é dado por:

[ ]dy yCTyyP = My

Y∫ −×0

)()(π [15.8]

de cuja maximização resulta a seguinte condição de 1.ª ordem:

yCMg = yPY )()( ou yC= yPY )()( ′ [15.9a] e a seguinte condição de 2.ª ordem:46

)()( yC < yPY ′′′ [15.9b] É interessante verificar-se que a condição de 1.ª ordem é equivalente à condição de concorrência perfeita, com a diferença que, agora, o preço não é constante, mas é dado pela função procura. Daqui se conclui que, no caso de discriminação contínua, a RMg é igual à função procura. Da condição de 2.ª ordem resulta que a inclinação da curva do custo marginal deverá ser maior do que a da curva da procura (Figura 15.10).

O número óptimo de consultas médicas por dia é de My =10, sendo o lucro deste consultório médico dado pela área do trapézio ABCE. O preço praticado varia ao longo da curva da procura: o doente mais rico pagará a primeira consulta ao preço aproximado de 0F=150 euros e o mais pobre a última consulta, My , ao preço 0E=80 euros. Proposição: O monopolista que pratica discriminação de 1.º grau maximiza o seu lucro vendendo a quantidade que corresponde à intersecção entre a curva da procura e a curva do custo marginal. O preço praticado não é um preço uniforme mas varia ao longo da curva da procura de forma que o monopolista consegue absorver todo o excedente do(s)

46 Supondo uma solução única.

Figura 15.10.

Monopolistacom discriminação

de preços:1º grau

PY

Y

RMg D

0

A

C

CMgCPCMeCP

lucro (inclui o excedentedo consumidor)

yM=10

B

F=150

consultas médicas/dia

E=80

euro

s

Page 33: Capítulo 15 - docentes.fe.unl.ptdocentes.fe.unl.pt/~amateus/livro/capitulo 15.pdf · uso de ensinamentos da teoria dos jogos, e que aplicaremos, no Capítulo 23, ao caso da fixação

Capitulos 15-sample.doc 28-02-02 - 33 -

33

consumidor(es). 15.9.2.2 Monopólio com discriminação de preços de 2.º grau. Trata-se de um caso de discriminação de preços semelhante ao anterior mas que pressupõe patamares de preços debitados aos consumidores consoante o seu escalão de consumo. Assim, por exemplo, as empresas distribuidoras de electricidade fixam taxas (ou tarifas) por escalões de consumo aos clientes industriais, nomeadamente baixando essa tarifa com o respectivo consumo (Figura 15.11).

Note-se que, em condições normais, a quantidade My3 =3 kwh (quilowatts por hora) é

vendida à tarifa 3YP =0,05 euros/kwh, dada a recta horizontal do custo marginal a este nível.

Porém, se o monopolista praticar preços diferentes consoante o escalão de consumo, é capaz de absorver a área total a sombreado (área a+b+c) correspondente ao excedente do consumidor para o primeiro escalão de consumo (área a+b), ao praticar o preço

1YP =0,1 euros/kwh, mais o excedente do consumidor para o segundo escalão (área c), ao

praticar 2YP =0,075 euros/kwh.

Monopólio com discriminação de preços de 2.º grau. O monopolista cobra preços diferentes para escalões diferentes de consumo.

Figura 15.11.

Monopolistacom discriminaçãode preço: 2ª grau

PY

Y

D

0

excedente do consumidorabsorvido pelo monopolista

E

a

b c

PY1=0,1

PY2=0,075

PY3=0,05

y1M=1 y3

M=3y2

M=2

euro

s

CMg

consumo de energia em kwh