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XVI Jornada de Iniciação Científica PIBIC CNPq/FAPEAM/INPA Manaus - 2007 Caracterização do repertório vocal de Thamnophilus punctatus (Choca-bate-cabo) em cativeiro. Gisiane Rodrigues t.lma': Angela Midori Furuya PACHEC0 2 ; Mario COHN-HAFT 3 'Botsísta PIBIC INPAjCNPq ; 2 Colaboradora INPAjPCI; 3 Orientador INPAjCPEC A maioria das aves emite pelo menos um tipo de vocalização característica da espécie, com função territorial ou de dominância. Muitas espécies podem apresentar vocalizações emitidas nas mais diversas situações (Sick 1997). O primeiro passo para se determinar o repertorio vocal de uma espécie é discriminar suas vocalizações em tipos vocais reconhecíveis como unidades fixas, que se repetem consistentemente (Hailman & Ficken 1996). Posteriormente essas vocalizações podem ser cruzadas com o contexto comporta mental em que são emitidas para inferência de sua função dentro do repertório comporta mental da espécie. Os repertórios vocais podem variar, entre grupos taxonômicos muito próximos e até entre indivíduos da mesma espécie. Fatores evolutivos históricos, ecológicos e de história natural podem moldar a evolução dos repertórios vocais (Baptista 1996). Além disso, a forma como os indivíduos da espécie desenvolvem suas vozes influência o tamanho e os padrões de variação dos repertórios (Kroodsma 1996). Nos passarinhos (ordem Passeriforme), até onde se sabe, as duas subordens diferem quanto ao mecanismo de ontogenia de suas vozes. Os Oscines são pássaros que tipicamente aprendem cantos através da imitação de um tutor (Koodsma 1996). Por outro lado, os Suboscines são pássaros que supostamente não aprendem suas vozes, e o desenvolvimento de seu canto é pré-determinado geneticamente (Kroodsma 1984, 1985, 1989, Kroodsma & Konishi 1991). Assim, o objetivo deste trabalho foi caracterizar e descrever o repertório e o desenvolvimento vocal de um passeriforme suboscine, criado em cativeiro, para avaliar a consistência e o contexto motivacional dos tipos vocais. Este trabalho é à base de um estudo de ontogenia do canto da bolsista de PCI Msc. Angela Midori F. Pacheco. A espécie estudada foi Thamnophílus punctatus, a choca-bate-cabo, (Suboscine: Thamnophilidae). Esta espécie geralmente está confinada a manchas de vegetação de solos pobres e arenosos, como campinas e campinaranas, podendo ser muito comuns nesse tipo de ambiente. São aves insetívoras de pequeno porte (18-21 gramas) possuem um grande dimorfismo sexual na plumagem. Os indivíduos de T. punctatus foram capturados ninhegos, na Reserva Biológica de Campina do INPA, situada a 60 Km de Manaus, no quilometro 41 da BR-174, estado do Amazonas, Brasil (01040'5; 60 0 50'W). Os filhotes tinham cerca de 4 dias de idade para minimizar o contato com vocalizações parentais (Kroodsma 1984). Foram mantidos em cativeiro no laboratório de aves no INPA (licença IBAMA Número 116j2005-CGFAUjLIC). Os indivíduos foram tutorados em três sessões diárias de 30 min de gravações do canto de T. stíctocephalus, a espécie mais aparentada a T. punctatus e que não ocorre na região de Manaus. As gravações tutoras (Figura 1a) foram obtidas no arquivo sonoro da coleção de Aves. Os pássaros foram gravados durante as alimentações e o tutoreamento, e em vários outros momentos do dia enquanto vocalizavam. As gravações obtidas foram digitalizadas e armazenadas segundo os protocolos do acervo acústico da Coleção de Aves do INPA. Foram ouvidos e transcritos ao total 826 minutos, referentes a 150 dias de gravações, de agosto de 2006 a junho de 2007. Com base neste indivíduo, discriminamos um repertório adulto de quatro tipos vocais consistentes, emitidos com freqüência diária. O repertório descrito representa o vocabulário adulto, desenvolvido em cativeiro, de um individuo relativamente jovem, pois foi descrito ao longo de oito meses, um período relativamente curto. Além disso, o cativeiro resulta na inexistência de contextos naturais como acasalamento e coorte, reprodução, ameaças de predação, entre outras. Assim, é possível que as vozes discriminadas não representem exatamente o repertório da espécie, uma vez que o individuo foi criado num experimento de exposição controlada de estímulos em cativeiro. As quatro vocalizações do individuo adulto identificadas são: Canto (Figura 1b): Voz melodiosa de duração de aproximadamente 2-3 s, composta por uma série de 12-16 notas que se tornam progressivamente mais rápidas e ligeiramente mais altas até que se tornem um trinado forte. Emitida espontaneamente em diversos horários do dia, mais freqüente durante a manhã após o alvorecer. Após estimulo acústico, o número de repetições torna-se geralmente maior, com 18-21 notas, em ritmo mais acelerado. Matraca (Figura 1c): Voz vigorosa e áspera semelhante ao som da matraca, de duração de cerca de 2s, com de número de notas bastante variável, geralmente 16-23 notas rápidas de mesmo formato e aparentemente com mesmo intervalo de tempo entre notas, que se tornam progressivamente ligeiramente mais baixas. A vocalização é com vigor em situações de contrariedade. Crou-crou (Figura 1d): Voz gutural, emitida como uma seqüência de notas muito curtas, em intervalos bastante variáveis, em qualquer horário do dia. Bzzz (Figura 1d): Vocalização muito curta 0,4s, semelhante a um zumbido, emitida geralmente durante a alimentação. 385

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XVI Jornada de Iniciação Científica PIBIC CNPq/FAPEAM/INPA Manaus - 2007

Caracterização do repertório vocal de Thamnophilus punctatus(Choca-bate-cabo) em cativeiro.

Gisiane Rodrigues t.lma': Angela Midori Furuya PACHEC02; Mario COHN-HAFT3

'Botsísta PIBIC INPAjCNPq ; 2 Colaboradora INPAjPCI; 3 Orientador INPAjCPEC

A maioria das aves emite pelo menos um tipo de vocalização característica da espécie, com funçãoterritorial ou de dominância. Muitas espécies podem apresentar vocalizações emitidas nas maisdiversas situações (Sick 1997). O primeiro passo para se determinar o repertorio vocal de umaespécie é discriminar suas vocalizações em tipos vocais reconhecíveis como unidades fixas, que serepetem consistentemente (Hailman & Ficken 1996). Posteriormente essas vocalizações podem sercruzadas com o contexto comporta mental em que são emitidas para inferência de sua funçãodentro do repertório comporta mental da espécie. Os repertórios vocais podem variar, entre grupostaxonômicos muito próximos e até entre indivíduos da mesma espécie. Fatores evolutivoshistóricos, ecológicos e de história natural podem moldar a evolução dos repertórios vocais(Baptista 1996). Além disso, a forma como os indivíduos da espécie desenvolvem suas vozesinfluência o tamanho e os padrões de variação dos repertórios (Kroodsma 1996). Nos passarinhos(ordem Passeriforme), até onde se sabe, as duas subordens diferem quanto ao mecanismo deontogenia de suas vozes. Os Oscines são pássaros que tipicamente aprendem cantos através daimitação de um tutor (Koodsma 1996). Por outro lado, os Suboscines são pássaros quesupostamente não aprendem suas vozes, e o desenvolvimento de seu canto é pré-determinadogeneticamente (Kroodsma 1984, 1985, 1989, Kroodsma & Konishi 1991). Assim, o objetivo destetrabalho foi caracterizar e descrever o repertório e o desenvolvimento vocal de um passeriformesuboscine, criado em cativeiro, para avaliar a consistência e o contexto motivacional dos tiposvocais. Este trabalho é à base de um estudo de ontogenia do canto da bolsista de PCI Msc. AngelaMidori F. Pacheco. A espécie estudada foi Thamnophílus punctatus, a choca-bate-cabo, (Suboscine:Thamnophilidae). Esta espécie geralmente está confinada a manchas de vegetação de solos pobrese arenosos, como campinas e campinaranas, podendo ser muito comuns nesse tipo de ambiente.São aves insetívoras de pequeno porte (18-21 gramas) possuem um grande dimorfismo sexual naplumagem. Os indivíduos de T. punctatus foram capturados ninhegos, na Reserva Biológica deCampina do INPA, situada a 60 Km de Manaus, no quilometro 41 da BR-174, estado do Amazonas,Brasil (01040'5; 60050'W). Os filhotes tinham cerca de 4 dias de idade para minimizar o contatocom vocalizações parentais (Kroodsma 1984). Foram mantidos em cativeiro no laboratório de avesno INPA (licença IBAMA Número 116j2005-CGFAUjLIC). Os indivíduos foram tutorados em trêssessões diárias de 30 min de gravações do canto de T. stíctocephalus, a espécie mais aparentada aT. punctatus e que não ocorre na região de Manaus. As gravações tutoras (Figura 1a) foramobtidas no arquivo sonoro da coleção de Aves. Os pássaros foram gravados durante asalimentações e o tutoreamento, e em vários outros momentos do dia enquanto vocalizavam. Asgravações obtidas foram digitalizadas e armazenadas segundo os protocolos do acervo acústico daColeção de Aves do INPA. Foram ouvidos e transcritos ao total 826 minutos, referentes a 150 diasde gravações, de agosto de 2006 a junho de 2007. Com base neste indivíduo, discriminamos umrepertório adulto de quatro tipos vocais consistentes, emitidos com freqüência diária. O repertóriodescrito representa o vocabulário adulto, desenvolvido em cativeiro, de um individuo relativamentejovem, pois foi descrito ao longo de oito meses, um período relativamente curto. Além disso, ocativeiro resulta na inexistência de contextos naturais como acasalamento e coorte, reprodução,ameaças de predação, entre outras. Assim, é possível que as vozes discriminadas não representemexatamente o repertório da espécie, uma vez que o individuo foi criado num experimento deexposição controlada de estímulos em cativeiro. As quatro vocalizações do individuo adultoidentificadas são: Canto (Figura 1b): Voz melodiosa de duração de aproximadamente 2-3 s,composta por uma série de 12-16 notas que se tornam progressivamente mais rápidas eligeiramente mais altas até que se tornem um trinado forte. Emitida espontaneamente em diversoshorários do dia, mais freqüente durante a manhã após o alvorecer. Após estimulo acústico, onúmero de repetições torna-se geralmente maior, com 18-21 notas, em ritmo mais acelerado.Matraca (Figura 1c): Voz vigorosa e áspera semelhante ao som da matraca, de duração de cercade 2s, com de número de notas bastante variável, geralmente 16-23 notas rápidas de mesmoformato e aparentemente com mesmo intervalo de tempo entre notas, que se tornamprogressivamente ligeiramente mais baixas. A vocalização é com vigor em situações decontrariedade. Crou-crou (Figura 1d): Voz gutural, emitida como uma seqüência de notas muitocurtas, em intervalos bastante variáveis, em qualquer horário do dia. Bzzz (Figura 1d): Vocalizaçãomuito curta 0,4s, semelhante a um zumbido, emitida geralmente durante a alimentação.

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XVI Jornada de Iniciaçâo Científica PIBIC CNPq/FAPEAM/INPA 2007

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Figura 1 - Perfis de áudio-espectroqrarna das vocalizações. O eixo y corresponde à freqüência do som emHertz, e o eixo x ao tempo em segundos. Note que os eixos x variam em escala entre as figuras. a) canto de T.stictocephalus utilizado em sessões de tutoreamento; vocalizações de T. puntatus; b) canto desenvolvido peloindivíduo em cativeiro; c) matraca; d) vocalizações curtas: crow crow e bzz.

Palavras-chave: Passeriformes; Choca-bate-cabo; canto e vocalizações

Bibliografias citadas

Baptista, L.F. 1996. Nature and its nurturing in avian vocal development. Ecology and Evolution of AcousticCommunication in Birds. D. E. Kroodsma and E. H. Miller. Ithaca, Comstock Publishing Associates, CornellUniversity Press. p.39-59.

Hailman, J.P. and M.S. Ficken 1996. Comparative Analysis of Vocal Repertoires, with Reference to Chickadees.Ecology and Evolution of Acoustic Communication In: Birds. D. E. Kroodsma and E.H. Miller. Ithaca, ComstockPublishing Associates, Cornell University Press. p. 136-159.

Kroodsma, D. E. 1984. Songs of the Alder Flycatcher (Empidonax alnorum) and Willow Flycatcher (Empidonaxtraillii) are innate. The Auk 101:13-24.

Kroodsma, D. E. 1985. Development and use of two song forms by the Eastern Phoebe. Wilson Bulletin 97:21-29.

Kroodsma, D. E. 1989. Male Eastern Phoebes (Sayornis phoebe; Tyrannidae, Passeriformes) Fail to ImitateSongs. Journal of Comparative Psychology 103:227-232.

Kroodsma, D. E., and E. H. Miller. 1996. Ecology and evolution of acoustic communication in birds. ComstockPublishing Associates, Cornell University Press; Ithaca. Kroodsma, D. E., and M. Konishi. 1991. A suboscinebird (Eastern Phoebe, Sayornis phoebe) develops normal song without auditory feedback. Animal behavior42:477-487.

Sick, H. 1997. Ornitologia Brasileira. Editora Nova Fronteira, Rio de Janeiro. 912p

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