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CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ USJ CURSO DE PEDAGOGIA SABRINI HOFFMANN VAMOS BRINCAR DE CASINHA? EU SOU A MAMÃE Reflexões Sobre a Narrativa e a Brincadeira Simbólica da Criança Cega Congênita São José-SC 2011

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CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ – USJ

CURSO DE PEDAGOGIA

SABRINI HOFFMANN

VAMOS BRINCAR DE CASINHA? EU SOU A MAMÃE

Reflexões Sobre a Narrativa e a Brincadeira Simbólica da Criança Cega Congênita

São José-SC

2011

CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ – USJ

CURSO DE PEDAGOGIA

SABRINI HOFFMANN

VAMOS BRINCAR DE CASINHA? EU SOU A MAMÃE

Reflexões Sobre a Narrativa e a Brincadeira Simbólica da Criança Cega Congênita

Trabalho elaborado para a disciplina de Trabalho

de Conclusão de Curso II do Curso de Pedagogia

do Centro Universitário Municipal de São José -

USJ.

Orientadora: Prof.ª Dra. Izabel Cristina Feijó de

Andrade.

São José-SC

2011

SABRINI HOFFMANN

VAMOS BRINCAR DE CASINHA? EU SOU A MAMÃE

Reflexões Sobre a Narrativa e a Brincadeira Simbólica da Criança Cega Congênita

Trabalho de Conclusão de Curso elaborado como requisito parcial para obtenção do grau de

licenciatura em Pedagogia do Centro Universitário Municipal de São José – USJ avaliado pela

seguinte banca examinadora:

__________________________________

Profª. Dra. Izabel Cristina Feijó de Andrade

Orientadora

_________________________________

Profª. MSc. Janete da Silva Souza Becker

Membro Examinador

________________________________

Profª. MSc. Vera Regina Lucio

Membro Examinador

São José, 20 de junho de 2011.

Dedico este trabalho aos meus pais,

que sempre me incentivaram a estudar.

Ao amor da minha vida, pelo apoio em todos

os momentos da minha vida acadêmica, por

seu carinho, amor e pela sua compreensão ao

longo desta minha caminhada.

AGRADECIMENTOS

A Deus, em primeiro lugar, por ter me dado a vida e me inspirado em tantos momentos,

dando-me coragem para enfrentar todos os desafios.

Aos meus queridos e amados pais, que sempre me incentivaram, muitas vezes se sacrificando

financeiramente para me dar melhores oportunidades de estudo.

A meu irmão Thyago, pelo companheirismo de sempre.

A meu marido Geomar, que esteve ao meu lado durante todo esse processo, pela sua

compreensão diante de minha falta de tempo e pelo apoio e incentivo nos momentos em que

precisei.

À Professora Izabel Cristina Feijó, orientadora e mestra, pela dedicação, paciência e pelo

incentivo durante a realização deste trabalho, fazendo-me acreditar que era possível.

À equipe do Centro de Educação Infantil São José II, que muito gentilmente abriu suas portas,

permitindo que eu fizesse lá minhas observações.

A todos os professores da graduação, pela generosidade na ampliação dos meus

conhecimentos.

Às amigas que fiz durante a graduação, pelos momentos tão especiais que compartilhamos e

pelas incansáveis horas de apoio e incentivo.

Enfim, a todos que, direta ou indiretamente, contribuíram para esta jornada,

muito obrigada!

"Deficiente" é aquele que não consegue modificar sua vida,

aceitando as imposições de outras pessoas ou

da sociedade em que vive, sem ter consciência

de que é dono do seu destino.

"Louco" é quem não procura ser feliz com o que possui.

"Cego" é aquele que não vê seu próximo morrer de frio,

de fome, de miséria, e só tem olhos para seus

míseros problemas e pequenas dores.

"Surdo" é aquele que não tem tempo de ouvir um

desabafo de um amigo, ou o apelo de um irmão.

Pois está sempre apressado para o trabalho e

quer garantir seus tostões no fim do mês.

"Mudo" é aquele que não consegue falar o que

sente e se esconde por trás da máscara da hipocrisia.

"Paralítico" é quem não consegue andar na

direção daqueles que precisam de sua ajuda.

"Diabético" é quem não consegue ser doce.

"Anão" é quem não sabe deixar o amor crescer.

E, finalmente, a pior das deficiências é ser miserável,

pois:"Miseráveis" são todos que não conseguem

falar com Deus.

Mario Quintana

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo verificar o potencial da criança cega congênita a partir do

desenvolvimento da narrativa e da brincadeira simbólica. O trabalho levanta aspectos

referentes à inclusão escolar, fazendo um breve histórico sobre a cegueira, destacando suas

principais características. O desenvolvimento da linguagem e a brincadeira simbólica também

são tratados e embasados em uma perspectiva sócio-interacionista, compreendendo as

interações sociais como fundamentais na formação do sujeito, utilizando como base o

pensamento de Vygotsky. São apresentados, ao longo desse trabalho, os dados de um estudo

de caso realizado com uma criança cega congênita inserida na educação infantil. Foi realizada

uma pesquisa qualitativa, em que não se pretende quantificar algo e sim se apropriar do objeto

de estudo. Através de observações participativas, foram realizados registros escritos, além

disso, foram também utilizados registros fílmicos, fotográficos e entrevistas semi-

estruturadas, com os profissionais envolvidos com a criança, como ferramentas para a busca

de indícios empíricos. A análise dos dados permitiu identificar as particularidades

apresentadas pela criança no desenvolvimento da narrativa e principalmente, da brincadeira

simbólica, constatando-se que a cegueira não provoca limitações ao desenvolvimento do ser, a

criança cega, como qualquer outra tem plena possibilidade de se desenvolver, desde que

receba os estímulos necessários para o seu desenvolvimento.

Palavras-chave: Cegueira. Narrativa. Criança. Brincadeira simbólica.

LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Foto 1: Flor, lavando as mãos após utilizar o Banheiro ...........................................................36

Foto 2: Flor fazendo reivindicações aos amigos ......................................................................37

Foto 3: Flor distribuindo folhas para seus colegas, quando escolhida como ajudante do dia..38

Foto 4: Flor preparada para realizar atividade em seu caderno de desenho .............................40

Foto 5: Flor brincando de casinha com suas colegas .............................................................. 42

Foto 6: Flor, momentos depois disputando brinquedos ...........................................................43

Foto 7: Flor guardando loucinhas no armário ..........................................................................44

Foto 8: Flor brincando durante a aula de educação física ........................................................45

Foto 9: Flor brincando de casinha ............................................................................................49

Foto 10: Flor realizando atividades ..........................................................................................50

Foto 11: Flor contando uma história pra seus amigos .............................................................53

Foto 12: Flor andando de salto alto pela sala ...........................................................................54

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................................ 10

1.1 JUSTIFICATIVA ...................................................................................................... 11

1.2 OBJETIVOS: ............................................................................................................. 12

1.2.1 Objetivo geral ........................................................................................................... 12

1.2.2 Objetivos específicos ................................................................................................ 12

1.3 PERGUNTA DA PESQUISA ................................................................................... 12

1.4 METODOLOGIA ...................................................................................................... 13

1.4.1 Sujeito da pesquisa ..................................................................................................... 17

2. REFLEXÕES SOBRE A NARRATIVA E A BRINCADEIRA SIMBÓLICA DA

CRIANÇA CEGA CONGÊNITA ..................................................................................... 18

2.1 INCLUSÃO....................................................................................................................18

2.2 REFLETINDO SOBRE A CEGUEIRA .................................................................... 22

2.3 A BRINCADEIRA SIMBÓLICA COMO INDICADORA DO

DESENVOLVIMENTO INFANTIL.................................................................................... 26

2.4 A LINGUAGEM CONFORME A PERSPECTIVA SÓCIO-INTERACIONISTA

............................................................................................................................................... 28

3. ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS .................................................... 35

3.1 A CRIANÇA CEGA E O GRUPO SOCIAL ................................................................. 35

3.2 O BRINCAR E A NECESSIDADE DE MEDIAÇÃO .................................................. 41

3.3 REFLEXÕES SOBRE O IMAGINÁRIO E A BRINCADEIRA DA CRIANÇA CEGA

CONGÊNITA ....................................................................................................................... 49

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................. 55

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................................. 57

APÊNDICES ....................................................................................................................... 60

APÊNCICE A – Diário de campo ........................................................................................ 61

APÊNDICE B – Apresentação do acadêmico em campo ..................................................... 76

APÊNDICE C – Autorização para o uso de imagens ........................................................... 77

APÊNDICE D – Questionário .............................................................................................. 78

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1 INTRODUÇÃO

Esse trabalho constitui-se de uma pesquisa que tem a intenção de investigar as

relações da criança cega com o seu grupo social, analisando questões pertinentes à brincadeira

simbólica e ao desenvolvimento da linguagem.

A contribuição teórica será embasada na perspectiva sócio-interacionista, utilizando-

se como base o pensamento de Vygotsky. O autor aborda a cegueira não apenas como a

ausência de visão, mas também como uma diferença na estruturação psicológica do indivíduo.

Para ele, o sujeito se constitui a partir das interações com o meio em que vive, considerando

que há uma estreita relação entre as brincadeiras, a interação social e o desenvolvimento da

linguagem.

Em seus estudos, Vygotsky elege a linguagem verbal como determinante para a

realização do pensamento. O processo de aprendizagem resulta da interação com outros

sujeitos sociais, o que permite ao indivíduo construir sua representação simbólica do mundo.

Por conseguinte, pode-se compreender a relação entre sujeito e sociedade, uma vez que o

sujeito só é sujeito porque constituído em contextos sociais que são embasados em uma

cultura, criada pela ação concreta e coletiva do próprio homem. Assim sendo,

a história da sociedade na qual a criança se desenvolve e a história pessoal desta

criança são fatores cruciais que vão determinar sua forma de pensar. Neste processo

de desenvolvimento cognitivo, a linguagem tem papel crucial na determinação de

como a criança vai aprender a pensar, uma vez que formas avançadas de pensamento

são transmitidas à criança através de palavras. (VYGOTSKY 2003, apud THOMAS,

1993 p.3).

Desse modo, a deficiência não estaria localizada somente no indivíduo, mas também

nas relações sociais que elegeram determinadas características como sendo próprias de seres

deficientes. O cego congênito percebe o mundo de maneira diferente e só é capaz de se

perceber como cego através das relações sociais que estabelece.

Essa pesquisa propõe, então, estudar a importância da linguagem para aquele que não

possui a visualidade que medeia as experiências visuais e verificar quais os recursos que o

cego utiliza para formar seus conceitos e significar aquilo que não lhe é palpável. Nesse

trabalho, que traz um itinerário próprio, está contido ainda o desejo de partilhar os

conhecimentos adquiridos sobre a cegueira com todos aqueles que acreditam na capacidade

da criança cega de se apropriar do mundo e na construção de uma sociedade de fato inclusiva.

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1.1 JUSTIFICATIVA

A ideia desta pesquisa surgiu em 2009, após um ano de convivência em um centro de

Educação Infantil localizado no município de São José, no qual estavam inseridas, no período

vespertino, três crianças cegas de dois, três e quatro anos de idade. A partir dessa experiência,

procurou-se dirigir um olhar atento para as manifestações dessas crianças, principalmente,

durante as brincadeiras livres no parque, pois este era o momento em que se tinha maior

proximidade com elas, considerando que cada uma fazia parte de uma turma diferente.

O contato com estes sujeitos fez com que se refletisse sobre o desenvolvimento do

processo de apropriação de conhecimento do cego congênito, tendo-se em consideração que a

forma como eles tomam posse do conhecimento é diferenciada, visto que não percebem o

mundo da mesma maneira que o indivíduo que enxerga.

Algumas inquietações e dúvidas sobre a apropriação da linguagem da criança cega e

a maneira como ela significa as coisas, situações e os objetos que são pouco ou nada

acessíveis aos seus canais perceptivos ficaram cada vez mais presentes. Passou-se, então, a

pesquisar sobre o tema como forma de sanar as dúvidas, procurando muitas vezes o auxílio

dos professores universitários que contribuíram de forma significativa, possibilitando que se

conhecesse e analisasse as diversas posições acerca do tema.

Diante das leituras realizadas e dos esclarecimentos recebidos de profissionais

qualificados, a fundamentação teórica escolhida para explanar este tema, como citado

anteriormente, situa-se na perspectiva sócio-interacionista, que utiliza como base o

pensamento de Vygotsky.

Vivendo em uma sociedade moldada para os videntes, as pessoas encontram

estímulos visuais a todo instante e utilizam principalmente a visão como agente de informação

e conhecimento. O cego, no entanto, percebe o mundo através de todos os seus sentidos –

tato, paladar, audição, olfato – e nesse contexto, o uso da linguagem é de suma importância

para que ele possa compreender o mundo ao seu redor. Daí a importância de os adultos

estabelecerem contatos verbais com a criança cega.

A presente pesquisa pretende abordar questões sobre a cegueira tendo em vista a falta

de bibliografias sobre o tema no país. Pretende-se ainda salientar a relevância deste estudo

como forma de contribuir para a ampliação dos conhecimentos referentes à cegueira,

sobretudo para os profissionais da educação infantil, que atuam com crianças cegas, como

possibilidade de entender um pouco mais o mundo destas crianças para assim tornarem as

suas vivências mais significativas.

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1.2 OBJETIVOS:

No início da relação com crianças cegas, surgiram diversos questionamentos sobre a

significação que os cegos dão aos objetos, às situações e vivências, enfim, ao que não lhes é

palpável. Passou-se também a refletir sobre o significado das palavras para quem não possui a

visão e, portanto, não consegue identificar o que não pode tocar. Tal processo despertou a

curiosidade, principalmente durante as brincadeiras de faz-de-conta, quando a função

simbólica é extremamente importante para o desenvolvimento das brincadeiras, bem como

para o desenvolvimento da linguagem, pois é esta que permite a interação do cego com os

outros sujeitos.

Buscando entender um pouco mais as questões mencionadas, traçaram-se os

objetivos descritos a seguir, que serviram de eixo norteador para a pesquisa em que se

pretendeu conhecer um pouco mais sobre a individualidade e as características da criança

cega.

1.2.1 Objetivo geral

Verificar o potencial da criança cega congênita a partir do desenvolvimento da narrativa e da

brincadeira simbólica.

1.2.2 Objetivos específicos

Investigar de que forma a brincadeira simbólica contribui para o desenvolvimento da

narrativa da criança cega congênita.

Verificar suas capacidades quanto à narrativa e à brincadeira simbólica.

1.3 PERGUNTA DA PESQUISA

Partindo do pressuposto de que a brincadeira é de fundamental importância para o

desenvolvimento infantil, de que a compreensão de mundo é mediada pela significação da

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palavra e de que os discursos podem ser mais bem apropriados quando vividos, questiona-se: de

que forma a brincadeira simbólica auxilia no desenvolvimento da criança cega?

1.4 METODOLOGIA

A fim de investigar como se processa o desenvolvimento da narrativa e da

brincadeira simbólica nas crianças cegas, fez-se, primeiramente, um levantamento

bibliográfico, selecionando livros e artigos científicos publicados principalmente nos sites da

ANPED e SCIELO, em busca de subsídios referentes à temática escolhida, enfatizando as

pesquisas que possuem uma perspectiva sócio-interacionista.

A principal vantagem da pesquisa bibliográfica reside no fato de permitir ao

investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que ele

poderia pesquisar diretamente. Para Gil (2002, p. 61): “Esse levantamento bibliográfico

preliminar pode ser entendido como um estudo exploratório, posto que, tem a finalidade de

proporcionar a familiaridade do aluno com a área de estudo no qual está interessado, bem

como sua delimitação”. Ainda o mesmo autor continua:

O levantamento bibliográfico preliminar depende de muitos fatores, tais como a

complexidade do assunto e o nível de conhecimento que o estudante já dispõe a

respeito. Não se pode definir de imediato que material deverá ser consultado. A

experiência, porém, demonstra que é muito importante buscar esclarecer acerca dos

principais conceitos que envolvem o tema de pesquisa, procurar um contato com

trabalhos de natureza teórica capazes de proporcionar explicações a respeito, bem

como com pesquisas recentes que abordaram o assunto. (GIL, 2002, p. 61).

Tendo em vista esse aspecto, procurou-se a aprofundar os conhecimentos a respeito

do tema, refletindo sobre a importância da ação pedagógica para o desenvolvimento das

crianças pequenas. Esses fatores foram de extrema importância para que se elegesse a

linguagem como fator determinante nas relações com o meio e na brincadeira da criança cega

como temática deste trabalho de conclusão de curso.

Porém, quando se fez o levantamento do material teórico, constatou-se a falta de

bibliografias, no Brasil, acerca do tema abordado. Dessa maneira, decidiu-se realizar uma

pesquisa exploratória, fazendo observações em campo que proporcionaram uma visão clara e

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precisa sobre o assunto, possibilitando uma aproximação direta com a realidade da criança

cega.

Foi então que surgiu a oportunidade de voltar ao Centro de Educação Infantil em que

se trabalhou anteriormente, a fim de estudar a importância da linguagem para aquele que não

possui a visualidade como mediadora das experiências visuais e quais os recursos que o cego

utiliza para formar seus conceitos e significar aquilo que não lhe é palpável.

A pesquisa de campo foi realizada durante o mês de março de 2011, no Centro de

Educação Infantil São José II. Essa instituição foi municipalizada em 2009 e localiza-se

dentro do Campus da Fundação Catarinense de Educação Especial, na Rua Paulino Pedro

Hermes, 2785 - Bairro Nossa Senhora do Rosário, no município de São José. As crianças que

freqüentam a instituição residem nos bairros Nossa Senhora do Rosário, Floresta e Bela Vista.

Atualmente, a instituição atende a 295 crianças, de 06 meses a 06 anos de idade, no período

matutino e no vespertino.

O estabelecimento conta com 20 professoras, 20 auxiliares de sala e 11 auxiliares de

educandos especiais, que atuam diretamente com as crianças dos grupos, denominados: grupo

I, grupo II, grupo III, grupo IV, grupo V, grupo VI e grupo VII. A maior parte das professoras

é formada em Pedagogia e possui Pós-Graduação na área; as auxiliares de sala e as auxiliares

de educandos especiais, na sua maioria, possuem a mesma formação que as professoras

regentes. É importante destacar que na contratação das auxiliares de sala e das professoras que

trabalham em caráter temporário não é exigido nível superior, apenas o curso de Magistério.

Outras profissionais assumem as funções de diretora, assistente de direção, integradora,

coordenadora pedagógica e todas possuem formação em nível superior com especialização na

sua área de atuação. A equipe da limpeza e da cozinha é constituída por quatro profissionais.

Todos os profissionais demonstraram boa vontade e interesse com relação à pesquisa

e possibilitaram as observações no grupo VII, que é formado por uma turma mista composta

de 25 crianças entre 05 e 06 anos de idade, sendo que há também algumas crianças que estão

prestes a completar cinco anos. Com esse grupo, trabalham três professoras: uma intitulada

professora regente da turma; outra que trabalha como auxiliar de sala; e uma terceira que

exerce a função de auxiliar de crianças especiais.

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Uma vez que o foco do Centro de Educação Infantil é a inclusão, fazem parte desse

grupo que foi estudado um menino com deficiência intelectual, uma menina surda e uma

menina cega, chamada Flor1, que foi o objeto das atenções durante a pesquisa.

Portanto, pode-se dizer que a pesquisa realizada caracteriza-se como um estudo de

caso de uma criança cega congênita inserida na educação infantil. O estudo de caso tem

caráter de profundidade e detalhamento, abrangendo, em geral, uma unidade, ou seja, uma

pessoa, uma empresa, uma comunidade. No entendimento de Gil (2002, p. 141),

[...] em termos de coleta de dados, o estudo de caso é o mais completo de todos os

delineamentos, pois vale-se tanto de dados de gente quanto de dados de papel. Com

efeito, nos estudos de caso os dados podem ser obtidos mediante análise de

documentos, entrevistas, depoimentos pessoais, observação espontânea, observação

participante e análise de artefatos físicos.

Direcionou-se, então, o olhar para as interações da Flor com os seus colegas e

professores. No início, foi preciso educar o olhar, construindo um olhar investigativo, voltado

não somente para o esclarecimento das dúvidas, mas também para novas descobertas.

A pesquisa teve a forma participativa, porque se interagia com as crianças, porém, sem

intervir na rotina do grupo. Ela também pode ser caracterizada como uma pesquisa

qualitativa, uma vez que não se pretendeu quantificar algo e sim se apropriar-se do objeto de

estudo. A técnica da observação permitiu que se colhessem dados significativos para a

realização da pesquisa.

Dando continuidade ao estudo, fez-se a análise de relatórios de avaliação da Flor,

realizado por fonoaudiólogos, fisioterapeutas, assistentes sociais, médicos e pedagogas da

Fundação Catarinense de Educação Especial - FCEE, o que oportunizou um conhecimento

mais profundo das habilidades e limitações dessa criança, de acordo com os especialistas

citados.

Além de observar, é muito importante o registro das situações vivenciadas pelas

crianças, para poder, assim, analisá-las com mais cuidado. Por esse motivo, além do registro

escrito, também foram feitas filmagens e o registro fotográfico. Salienta-se que nos registros

escritos, no diário de campo, a fim de respeitar os modos de expressão das crianças, optou-se

por transcrever as suas falas do modo mais fidedigno possível e devido a isso, algumas

palavras não apresentam a escrita correta do ponto de vista ortográfico.

1Embora se tivesse a autorização da família da criança, para a utilização de registros escritos, fotográficos e

fílmicos, de modo a preservar a sua identidade, decidiu-se atribuir-lhe nome fictício.

16

Outra técnica utilizada para a obtenção de dados foi a da entrevista semi-estruturada,

que se efetuou através de uma conversa casual com os profissionais envolvidos com a criança,

podendo-se, assim, estabelecer um paralelo entre as ações observadas e o trabalho feito pelas

educadoras, bem como descobrir a capacitação que possuem para o desenvolvimento da ação

docente junto à criança cega. São palavras de Gil (2002 p. 115): “Em abono à entrevista,

convém lembrar que ela possibilita o auxílio ao entrevistado com dificuldade para responder,

bem como a análise do seu comportamento não verbal.”

Nesta caminhada investigativa, foram esclarecidos muitos questionamentos, mas

também surgiram novas dúvidas, o que fez com que se recorresse novamente aos autores que

já pesquisaram sobre o tema à procura de esclarecimentos, ocasionando a ampliação dos

conhecimentos sobre o mundo da pessoa cega.

Sendo assim, após as observações, fez-se a releitura de todos os registros, revisando

os autores que sustentaram teoricamente a pesquisa, para só então iniciar-se um exame

minucioso do material coletado, separando-o por categorias como forma de facilitar o

entendimento do leitor.

O presente trabalho divide-se em quatro seções. Em um primeiro momento, são

levantados aspectos referentes à inclusão das crianças com necessidades especiais na

educação básica. Abordam-se ainda questões não especificamente relacionadas à pessoa cega,

mas a todos aqueles que possuem algum tipo de limitação ou que não fazem parte de um

padrão estabelecido pela sociedade e que, por isso, sentem-se excluídos.

Posteriormente, são elencadas algumas características da pessoa cega, fazendo-se um

breve histórico acerca do tema, apresentando os principais aspectos da cegueira,

especialmente na sua forma de ocorrência congênita. Para a sustentação da idéia são

utilizados alguns trabalhos nessa área, com destaque para as pesquisa de Amiralian (1997) e

Vygotstky (1997).

Aspectos referentes à brincadeira simbólica também são elencados. Novamente os

trabalhos de Vygotsky servem de base, enfatizando-se que o referido autor defende que há

uma estreita relação entre a aquisição da linguagem e o desenvolvimento das brincadeiras.

Para uma melhor explanação do assunto também são utilizadas as idéias de Cerisara (2010) e

outros autores.

A linguagem é abordada em uma perspectiva sócio-interacionista, e são examinados

trabalhos realizados nesta área, com destaque para as pesquisas de Vygotsky. Em Oliveira

(2009) também são encontradas importantes contribuições, fundamentadas no pensamento do

referido autor.

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Na terceira parte do trabalho são apresentados e analisados os dados coletados nas

observações e nas entrevistas. Finalmente, na quarta seção, as informações obtidas são

interpretadas à luz do referencial teórico coletado para a produção dessa pesquisa.

1.4.1 Sujeito da pesquisa

A partir dos relatórios e do diagnóstico emitidos por profissionais da saúde e da

educação faz-se, aqui, um breve relato sobre alguns aspectos importantes referentes à criança

citada na pesquisa. Flor nasceu no dia 16 de novembro de 2005, prematuramente, aos seis

meses e 12 dias de gestação, permanecendo hospitalizada por 67 dias, sendo diagnosticada,

posteriormente, com retinopatia da prematuridade. A retinopatia da prematuridade está

relacionada à prematuridade e ao baixo peso no nascimento, quando a retina ainda está em

desenvolvimento, o que ocasiona a cegueira.

Até os quatro anos de idade, Flor foi atendida semanalmente por profissionais da

Fundação Catarinense de Educação Especial - FCEE, cuja equipe era composta por uma

pedagoga, uma fonoaudióloga e uma fisioterapeuta, responsáveis pelo trabalho de estimulação

essencial.

Fazendo uma síntese do relatório emitido em novembro de 2009, os profissionais

afirmam que Flor é capaz de reconhecer alimentos pelo cheiro e sabor, explorar e reconhecer

objetos através do tato e do barulho que produzem, indicando se são iguais ou diferentes,

possui noções de lateralidade, estando compatível com a sua idade quanto à parte motora.

Durante a estimulação visual, Flor apresentou percepção à luz. Quanto aos aspectos

fonoaudiológicos, notou-se que ela consegue manter seqüência durante as conversas,

mantendo um diálogo dentro do contexto. A descrição de Flor feita pelos profissionais da

Fundação Catarinense de Educação Especial - FCEE é bastante fiel, considerando que os

aspectos mencionados ficaram evidenciados durante as observações. É importante mencionar

que a menina se encontra inserida na Educação Infantil desde os três anos de idade e também

realiza atendimentos na Associação Catarinense de Integração ao Cego - ACIC.

18

2. REFLEXÕES SOBRE A NARRATIVA E A BRINCADEIRA SIMBÓLICA DA

CRIANÇA CEGA CONGÊNITA

Nesta seção, apresentam-se discussões sobre o desenvolvimento da narrativa e da

brincadeira simbólica da criança cega congênita, procurando trazer as contribuições de alguns

teóricos que contemplaram, em seus estudos, a abordagem sócio-interacionista. O texto a

seguir está estruturado de acordo com os eixos que orientaram a investigação, buscando

informações que dizem respeito aos principais aspectos referentes à cegueira e procurando

compreender a pessoa cega em sua totalidade.

2.1 INCLUSÃO

Ao se observar a história da humanidade é possível identificar períodos em que a

exclusão era legitimada, sendo que em algumas culturas chegava a ser comum o sacrifício de

deficientes físicos e intelectuais. Hoje, felizmente, a maior parte da sociedade tem outro olhar

no que se refere à inclusão. Assim, conforme Mantoan (2003, p. 67),

a inclusão não prevê a utilização de práticas de ensino escolar específicas para esta

ou aquela deficiência e/ou dificuldade de aprender. Os alunos aprendem nos seus

limites e se o ensino for, de fato, de boa qualidade, o professor levará em conta esses

limites e explorará convenientemente as possibilidades de cada um.

Apesar da maioria das pessoas terem consciência dos benefícios da inclusão escolar,

esta prática ainda está engatinhando. No Brasil, por exemplo, antes do século XX, não existia

sequer a ideia de inclusão. Eram segregadas as mulheres, os negros, os deficientes, os pobres,

entre outros. Somente na segunda metade do referido século é que surgiram as primeiras

escolas especiais, onde os portadores de necessidades especiais passaram a ser vistos como

cidadãos, possuidores de direitos e deveres. Entretanto, não lhes era permitido freqüentar a

escola comum. Para Sassaki (1999, p.42), hoje, a inclusão é

um processo que contribui para a construção de um novo tipo de sociedade, através

de transformações, pequenas e grandes, nos ambientes físicos, espaços internos e

externos, equipamentos, aparelhos, utensílios mobiliário e meios de transportes e na

mentalidade de todas as pessoas, portanto também do próprio portador de

necessidades especiais.

19

O primeiro documento relevante no que diz respeito à inclusão é a Declaração dos

Direitos Humanos, que data do ano de 1948 e afirma: “Todo ser humano tem direito à

Educação”. Já nos anos 60, surge a Lei de Diretrizes e Bases - LDB, que trata da educação

dos excepcionais, relatando que estes devem fazer parte do sistema geral de educação. Na

década de 70, a Constituição Brasileira começa a garantir o direito da pessoa deficiente, sendo

assegurada a eles a melhoria de sua condição social e econômica por meio da educação

especial gratuita.

Nessa época, as escolas passaram a ser integradoras, aceitando alunos com

necessidades especiais. Utilizava-se este termo - integradora - e não inclusiva, devido ao fato

de que a escola não se adaptava às necessidades dos educandos, pelo contrário, eram eles que

deveriam se adaptar ao sistema escolar. Diferentemente da integração, na inclusão, a escola

acolhe o aluno, fornecendo-lhe o que for preciso para que tenha oportunidades iguais às de

todos os estudantes. Já na integração, como citado anteriormente, o educando é que deve se

adaptar às exigências da escola, e nesse caso, o fracasso escolar é culpa somente do educando.

Nesse processo, muitas vezes, são criadas salas especiais para atendê-los, na escola,

introduzindo a discriminação e o preconceito na rede de ensino. Sobre a inclusão, pode-se

salientar que

é, acima de tudo, um princípio ideológico em defesa da igualdade de direitos e do

acesso às oportunidades para todos os cidadãos, independentemente das posses, da

opção religiosa, política ou ideológica, dos atributos anatomofisiológicos ou

somatopsicológicos, dos comportamentos, das condições psicossociais,

socioeconômicas ou etnoculturais e da afiliação grupal. Trata-se de um imperativo

moral inalienável nas sociedades atuais. Temos insistido na necessidade de assumir

como meta a construção de uma sociedade inclusiva. (OMOTE, 2003, p. 154).

No ano de 1994, entrou em vigor a Declaração de Salamanca, documento em que

delegados da Conferência Mundial de Educação Especial, representando 88 governos e 25

organizações internacionais, em assembléia na cidade de Salamanca, Espanha, afirmaram

novamente o compromisso com a Educação para todos. Neste documento, se reconhece que a

educação dada a crianças, jovens e adultos que têm necessidades educacionais especiais deve

fazer parte de um sistema regular de ensino. É notável que, nas últimas décadas, ocorreu um

número infinito de mudanças no sistema educacional brasileiro e que as escolas entenderam a

obrigatoriedade de serem acessíveis a todos. Passou-se, portanto, de um sistema educacional

excludente para um sistema educacional inclusivo.

20

De fato, no Brasil, é possível encontrar uma multiplicidade de raças, culturas,

religiosidades, classes sociais, enfim, vive-se em um país onde predominam as diferenças e

essas diferenças são todas aglomeradas e expressas nas escolas. No entanto, mesmo diante dos

avanços conquistados nestas ultimas décadas, ainda se caminha a passos lentos rumo à

inclusão escolar.

De acordo com Mantoan (2003), na sociedade inclusiva, professores e alunos

aprendem uma lição que a vida dificilmente ensina: respeitar as diferenças. Esse é o principio

para a construção de uma sociedade mais igualitária. A inclusão possibilita ao ser humano

conviver e interagir com pessoas diferentes, pois a educação inclusiva acolhe a todos.

Estudos comprovam que estudantes que convivem com pessoas diferentes têm mais

facilidade para vencer preconceitos. Segundo a mesma autora, a inclusão permite que aqueles

que são marginalizados, não só pela deficiência, mas também pela classe social, pela etnia,

enfim, por não fazerem parte de um padrão pré-estabelecido como ideal, tenham o direito de

ocupar o seu espaço na sociedade.

Mesmo diante de tantas políticas favoráveis à inclusão educacional, ainda são muitos

os marginalizados. Celedón (2009, s.p.) esclarece que podemos “excluir da escola, botar para

fora, não deixar que façam parte dela, porém não há como excluir alguém da sociedade, botá-

lo para fora dela. O não incluído na escola continua fazendo parte da sociedade.”

Com a obrigatoriedade da inclusão garantida por lei, muitas escolas tradicionais se

vêem obrigadas a aceitar alunos deficientes, se denominando, dessa forma, escolas inclusivas.

No entanto, o fato de aceitar alunos “diferentes” não faz com que uma escola seja inclusiva, o

que a torna inclusiva, e não integradora, é a maneira como ela acolhe esses alunos,

possibilitando a eles novas e significativas experiências e aprendizagens. Um dos grandes

problemas do sistema educacional brasileiro é o de que a maioria das escolas não cumpre a lei

e continua excluindo. A Constituição de 1988 garante o acesso de todos ao ensino

fundamental, sendo que alunos especiais devem receber atendimento especializado,

preferencialmente nas escolas, o que não substitui o ensino regular.

Para melhor compreender a Inclusão Escolar, propõe-se, nesta pesquisa, um diálogo

com vários autores, destacando-se os estudos apresentados por Sassaki (1999); Omote (2003);

Mantoan (2003) e Carvalho (2004). Todos defendem a inclusão como um processo viável e

possível. Inicialmente, cita-se Omote (2003, p. 154), para quem,

na realidade, o conceito de educação inclusiva abrange crianças deficientes e

superdotadas, bem como aquelas pertencentes a grupos marginalizados ou em

21

situação de desvantagem, tais como as crianças de rua, as que trabalham, as que

pertencem a minorias lingüísticas, étnicas ou culturais etc. Em última instância,

trata-se da educação de qualidade para todas as crianças e jovens.

Nesse sentido, a Inclusão Escolar é de fundamental importância. De acordo com

Parolin (2006), é preciso aprender a incluir e isso se põe como um desafio aos educadores.

Nessa perspectiva, a autora ressalta que

[...] é necessário querer participar do movimento inclusivo e ter disposição para

conhecimentos e experiências com o outro e, “Incluir para Aprender” requer ousadia

e fé em que nós podemos transformar as práticas arcaicas e excludentes em ações

mais dignas e humanas. (PAROLIN, 2006, s/p.).

Já no entender de Carvalho (2004, p. 157), a essência está em enfatizar

o direito a igualdade de oportunidades, respeitadas a diversidade humana e a

multiplicidade de interesses e necessidades de cada um. Este é o principio

democrático que deve nortear as discussões e os processos deliberativos na escola,

em clima de gestão compartilhada.

A afirmação da autora leva a se pensar que o que ainda falta é fazer valer os direitos

humanos e que as pessoas necessitam se conscientizar da importância da inclusão. Mas

infelizmente, muitos ainda acreditam que é melhor excluir as crianças especiais,

argumentando que elas precisam somente de ensino especial, não havendo a necessidade de

freqüentarem a rede normal de ensino. No entanto, acredita-se que todos são seres únicos e

especiais, tendo direito também à “educação especial”, pois esta não deve ser privilégio de

uma minoria chamada de “pessoas especiais”. Todos têm direito a mesma educação, uma vez

que

não existem “necessidades educativas”, necessidades “que educam”, que “servem

para educar”, não faz sentido; existem campanhas educativas, filmes educativos,

etc. Educacional sim, “é o que concerne à educação, no âmbito da educação” como

em “política educacional”, “direitos educacionais”, etc. (Sassaki, 1999, p.45).

Para que se efetive o processo de inclusão, faz-se necessário uma transformação no

sistema de ensino, de forma a promover uma formação ampla do ser humano, possibilitando,

com isso, a transformação da sociedade em geral e beneficiando toda e qualquer pessoa. O

22

sistema de ensino precisa levar em conta a especificidade de cada ser e não as suas

deficiências e limitações ou suas altas habilidades.

2.2 REFLETINDO SOBRE A CEGUEIRA

O percurso feito pela ciência para chegar até ao conceito atual de cegueira foi longo e

lento. Desde a Antiguidade, a cegueira vem sendo considerada algo de difícil compreensão.

Em seus estudos, Vygotsky (1997) a descreve em três etapas: a mística, a biológica e a

contemporânea ou sócio-psicológica.

A etapa mística abrange a Antiguidade, a Idade Média e uma pequena parte da

História Moderna. Foi uma época em que a cegueira era considerada uma enorme desgraça,

onde o cego era um ser indefeso, desvalido e abandonado, sendo que a grande maioria vivia

em pleno abandono, à margem da sociedade. Acreditava-se ainda que, devido à falta de visão,

eles fossem possuidores de poderes místicos, e por isso, seus dons filosóficos poderiam

intensificar-se.

Em sua obra Fundamentos de Defectologia, Vygotsky (1997) diz que os cegos eram,

com freqüência, guardiões da sabedoria popular dos cantores e dos projetos do futuro.

Homero era cego. Sobre Demócrito, diz-se que se cegou para se dedicar inteiramente à

filosofia. Acreditava-se, portanto, que os cegos eram possuidores de sabedoria, de um

conhecimento espiritual superior, não acessível aos demais seres humanos.

A etapa biológica iniciou por volta do século XVIII. Com o Iluminismo, surgiu uma

nova concepção sobre a cegueira e foram deixados para trás o misticismo e o preconceito.

Acreditava-se que, com a perda de um sentido, todos os outros se intensificavam, por esse

motivo, os cegos teriam o tato e a audição muito apurados. Mas tarde, descobriram-se falhas

nesta teoria e se constatou que não havia nenhum desenvolvimento supernormal nos cegos, o

tato ou a audição não se intensificavam devido à falta de visão, ao contrário, muitas vezes,

essas funções se apresentavam, nos cegos, menos desenvolvidas do que nos videntes. São

palavras de Vygotsky (1997, s.p.):

Portanto, não se pode falar sobre nenhuma substituição dos órgãos dos sentidos [...]

a substituição, é preciso compreendê-la não no sentido não que os outros assumam

diretamente as funções fisiológicas da visão, senão no sentido da reorganização

complexa de toda a atividade psíquica, provocada pela alteração da função mais

importante, e dirigida por meio da associação, da memória e da atenção à criação e

23

formação de um novo tipo de equilíbrio do organismo para a mudança do órgão

afetado.

A etapa biológica foi de grande contribuição para o avanço da verdade, pois, pela

primeira vez, abordou-se a cegueira não apenas como uma deficiência, mas também como

algo que estimula o indivíduo a incorporar novas forças e funções à sua vida, motivando-o ao

trabalho. A nova compreensão da psicologia sobre a deficiência visual trouxe como resultado

natural a educação e a instrução dos cegos, incorporando-os à vida social e oportunizando-

lhes, dessa maneira, o acesso à cultura. Foi nesse período que se criou a educação para os

cegos e foi Valentin Haüi quem fundou, em Paris, a primeira escola destinada à educação dos

cegos e à sua preparação profissional, chamada Institut Royal des Jeunes Aveugles de Paris

(Instituto Real de Jovens Cegos de Paris). Seus métodos foram aperfeiçoados anos depois, por

Louis Braille, com o método Braille, possibilitando aos cegos a oportunidade de ler e

escrever, fato este que resultou ser mais importante do que qualquer caridade, considerando

que por meio da aquisição da leitura e da escrita o cego pode, de fato, ser inserido na

sociedade.

Foi na época contemporânea, porém, que a ciência aprimorou seus conhecimentos

sobre a psicologia da pessoa cega. De acordo com Vygotsky (1997, s.p.),

o defeito se converte, desta maneira, no ponto de partida e na força motriz principal

do desenvolvimento psíquico da personalidade. Se a luta conclui com a vitória para

o organismo, então não somente vencem as dificuldades originadas pelo defeito,

senão se eleva em seu próprio desenvolvimento a um nível superior, criando do

defeito uma capacidade, da debilidade, a força, da menos valia a super valia.

Dessa maneira, o indivíduo é encaminhado para a superação do conflito e não para o

super desenvolvimento dos sentidos, portanto, para conquistar uma posição social a pessoa

cega desenvolve suas funções compensatórias. Ainda Vygotsky (1997) afirma que a memória,

no cego, desenvolve-se sob a pressão das tendências compensatórias, da menos valia

originada pela cegueira, no entanto, a concentração mental do cego, devido aos inúmeros

estímulos auditivos que ele percebe no ambiente, possui, de modo geral, um desenvolvimento

inferior ao dos videntes. Nas palavras do autor:

A particularidade da atenção no cego consiste na força peculiar da concentração das

excitações do ouvido e do tato, que chegam sucessivamente ao campo do

conhecimento, a diferença das que chegam de forma simultânea, quer dizer, das que

24

chegam imediatamente ao campo das sensações visuais e provocam uma rápida

mudança e a distração da atenção pela conseqüência da concorrência de muitos

estímulos simultâneos [...] nos cegos não pode haver uma concentração plena num

objeto até o esquecido total que o rodeia, quer dizer, a concentração total no objeto.

(VYGOTSKY, 1997, s.p.).

É necessário que se entenda que a pessoa cega possui a mesma estrutura psicológica

da pessoa que enxerga, sendo capaz de compreender por completo o ambiente em que está

inserida. O que diferencia a pessoa cega é a forma pela qual ela se apropria de conhecimentos,

utilizando outros canais perceptivos. Com relação a esse assunto, assim se pronunciam

Ochaita e Rosa (1995, p.183):

A cegueira é um tipo de deficiência sensorial e, portanto, a carência ou

comprometimento de um dos canais sensoriais de aquisição da informação, neste

caso o visual. Isto, obviamente, tem conseqüências sobre o desenvolvimento e a

aprendizagem, tornando-se necessário elaborar sistemas de ensino que transmitam,

por vias alternativas, a informação que não pode ser obtida através dos olhos. [...] A

carência ou a séria diminuição da captação da informação, por um canal sensorial da

importância da visão, faz com que a percepção da realidade de um cego seja muito

diferente da dos que enxergam. Boa parte da categorização da realidade reside em

propriedades visuais que se tornam inacessíveis ao cego, mas isto não quer dizer que

careça de possibilidade para conhecer o mundo ou para representá-lo; o que o ocorre

é que, para isso, deve potencializar a utilização dos outros sistemas sensoriais.

As contribuições feitas por estudiosos acerca da cegueira podem fornecer valiosos

instrumentos para pesquisa, mas não são capazes de fazer entender a verdadeira dimensão do

mundo da pessoa cega, porque a compreensão total da cegueira escapa ao vidente, que não

pode se colocar inteiramente no lugar daquele que não vê.

Na realidade, Vygotsky (1997) apresenta a cegueira não somente como a ausência de

visão, mas também como uma “deficiência” capaz de fazer como que o indivíduo reorganize

todas as forças do seu organismo e da sua personalidade. Isto significa que a cegueira é capaz

de reanimar forças, mudando as direções normais das funções do ser organismo, sendo este

um fator importante na construção da personalidade do indivíduo.

Para uma discussão mais aprofundada sobre o tema em questão, é preciso conhecer

as principais características da cegueira. De acordo com a Organização Mundial de Saúde -

OMS, as crianças cegas são consideradas portadoras de uma perda sensorial – a ausência da

visão – que as limita perceptivamente. Hoffmann (1999, p.73) explica melhor essa ideia:

A deficiência visual é caracterizada pela anulação ou pelo sério comprometimento

da captação das informações ambientais pelo canal perceptivo da visão,

25

categorizando seus portadores em cegos ou com visão subnormal respectivamente.

Esta impossibilidade ou esta dificuldade visual provoca profunda e extensa

problemática que não está restrita aos limites anatômicos do olho, mas envolve

cumulativamente os aspectos motores, afetivos, sociais e cognitivos do indivíduo.

Ao se analisar a cegueira de maneira cientifica é possível perceber o quanto as

crendices populares e literárias acerca do tema estão alheias à questão científica.

Contrariamente ao que muitos pensam, o cego não é um ser que vive na escuridão, sendo

raros os cegos que não possuem a capacidade de distinguir o claro do escuro ou de perceber

vultos. De acordo com Amiralian (1997, p.30),

o diagnóstico de cegueira é, desta forma, fundamentalmente médico, e centra-se na

capacidade visual apresentada pelo sujeito após a oferta de todos os tratamentos

medicamentosos e cirúrgicos necessários, e das correções ópticas possíveis. Do

ponto de vista médico e educacional, os cegos constituem um grupo dentro de um

conjunto maior de indivíduos possuidores de problemas no órgão da visão, que são

denominados deficientes visuais. Dentre estes há também aqueles que, embora

apresentem limitação da percepção visual, a utilizam para muitos afazeres, e são

classificados como sujeitos com visão residual.

Hoje, mesmo o diagnóstico médico oftalmológico pode ser contestado, pois estudos

mostram que pessoas cegas com idêntica acuidade visual utilizam o seu resíduo visual de

diferentes maneiras, comprovando assim que a eficiência visual é diferenciada. Portanto, para

se diagnosticar uma pessoa como cega é preciso considerar a maneira pela qual ela concebe o

mundo exterior. Conforme explica Amiralian (1997), são considerados cegos aqueles para

quem o tato, o olfato e a cinestesia são essenciais na percepção do mundo externo.

É importante também ressaltar que, do ponto de vista educacional, se faz necessário

diferenciar os cegos congênitos e os possuidores de cegueira adquirida. Considera-se cego

congênito aquele que nasceu cego ou perdeu a visão antes dos cinco anos de idade. Essa

diferenciação faz-se necessária, tendo em vista os estudos comprobatórios que indicam que a

perda de visão antes dos cinco anos de idade não possibilita ao indivíduo a lembrança de

qualquer imagem visual, enquanto aqueles que perderam a visão após esta idade, devido à

recordação de algumas imagens, possuem uma referência visual útil. No entanto, deve-se

ressaltar que, mesmo não conservando as imagens na sua memória, a criança que perdeu a

visão antes dos cinco anos de idade teve diferentes bases para o seu desenvolvimento.

Cabe então destacar que, a pessoa cega possui a mesma capacidade que a pessoa que

enxerga, desde que receba os estímulos necessários para o seu desenvolvimento. As pessoas

26

que não enxergam precisam utilizar meios alternativos para perceber o mundo, o que não as

desqualifica nem impossibilita o seu desenvolvimento.

2.3 A BRINCADEIRA SIMBÓLICA COMO INDICADORA DO DESENVOLVIMENTO

INFANTIL

A brincadeira é de extrema importância para o desenvolvimento infantil. É por

intermédio dela que a criança amplia as suas vivências, crescendo cognitivamente. Ao recriar

situações do seu cotidiano, aprende a solucionar problemas, amplia sua imaginação e melhora

suas habilidades físicas, apropriando-se, dessa forma, do mundo que a cerca. No contexto

desta pesquisa, é importante destacar que a criança deficiente visual possui tanta habilidade

para brincar quanto qualquer outra criança, porém, é preciso que a ensinem. Efetivamente, é

possível afirmar que

a brincadeira está colocada como um dos princípios fundamentais, defendida como

um direito, uma forma particular de expressão, pensamento, interação e

comunicação entre as crianças. Assim, a brincadeira é cada vez mais entendida

como atividade que, além de promover o desenvolvimento global das crianças,

incentiva a interação entre os pares, a resolução construtiva de conflitos, a formação

de um cidadão crítico e reflexivo. (QUEIROZ; MACIEL; BRANCO, 2006, p. 169).

Discorrendo sobre o tema, Vygotsky (2003) explica que é por meio da brincadeira

que a criança se torna capaz de interpretar o mundo em que vive. O faz-de-conta cria uma

zona de desenvolvimento proximal que pode emergir e desenvolver na sua imaginação. Para o

estudioso, a brincadeira não é somente uma fonte de prazer, mais também uma necessidade

infantil, porque a criança, no seu imaginário, procura realizar desejos irrealizáveis no mundo

real. Ainda segundo o mesmo autor, todas as brincadeiras possuem regras, mesmo que estas

não sejam pré-estabelecidas. Em síntese,

tanto pela criação da situação imaginária, como pela definição de regras especificas,

o brinquedo cria uma zona de desenvolvimento proximal na criança. No brinquedo a

crianças comporta-se de forma mais avançada do que nas atividades da vida real e

também aprende a separar objeto e significado. (OLIVEIRA, 2009, p. 69).

27

Considera-se então que a brincadeira tem uma importante função pedagógica, por

favorecer o imaginário e, conseqüentemente, o desenvolvimento infantil. É importante

ressaltar que, durante a imitação de situações cotidianas dos adultos, as crianças criam regras

que contribuem para que elas entendam as especificidades dos papéis que representam. O fato

de a criança desempenhar papéis que estão além da sua idade pode ser um indicador do

desenvolvimento dessa criança.

Ao estudar as brincadeiras infantis, Cerisara faz menção à obra de Vygotsky (1987)

intitulada “A imaginação a arte e a infância”, em que o referido autor afirma que existem

diferentes vínculos entre a imaginação e a realidade. Para Vygotsky (apud CERISARA, 2010,

p.124), a imaginação da criança reflete na sua maneira de brincar, sendo “produto de um tipo

de impulso criativo, entendido como aquele que possibilita ao sujeito reordenar o real em

novas combinações.”

Novamente fazendo menção à obra de Vygotsky, Cerisara (2010) destaca algumas

formas de vinculação existentes entre o real e o imaginário no comportamento humano. A

primeira forma destaca que a base da imaginação é a realidade. A segunda forma faz menção

às experiências adquiridas por meio das vivências sociais, através de relatos ou descrições, em

que o sujeito pode imaginar situações que não vivenciou. A terceira forma refere-se aos

vínculos emocionais existentes entre a fantasia e a realidade, neste caso, os sentimentos

influenciam na imaginação e vice-versa. A quarta forma consiste na capacidade humana de

inventar algo totalmente novo, inexistente na experiência do homem.

Diante dessas colocações, percebe-se a complexidade das relações entre o real e o

imaginário. Com efeito, “a criação da situação imaginária não é algo fortuito na vida da

criança; pelo contrário, é a primeira manifestação da emancipação da criança em relação às

restrições situacionais.” Vygotsky (2007, p.117). Por conseguinte, a brincadeira é uma

atividade composta de significado social. Quando a criança brinca, ela aprende a exercer

controle sobre o seu universo simbólico, atribuindo diferentes significações à vida cotidiana.

Resumindo o que foi exposto,

a análise da estrutura de funcionamento da atividade lúdica da criança reflete numa

relação constante entre a realidade e a fantasia, o que torna sua caracterização

complexa, uma vez que não se limita a ser pura fantasia, entendida como negação da

realidade, nem pura realidade transposta. (CERISARA, 2010, p. 131).

Cabe ainda ressaltar que a brincadeira é uma das primeiras formas de interação com

o meio da criança, sendo fundamental na aquisição da linguagem. A relação entre a

28

brincadeira e a linguagem é enfatizada por Vygotsky (2003) quando este refere que a

linguagem é constitutiva do pensamento. Esse assunto será tratado com maior profundidade

no próximo capítulo.

As crianças deficientes visuais possuem os mesmos desejos e anseios que as crianças

que enxergam. Devido à falta da visão, durante as brincadeiras, elas utilizam principalmente a

audição, o tato e a comunicação verbal para identificar e conhecer o ambiente que as cerca.

Alguns estudos relatam que crianças cegas possuem um atraso na função simbólica.

Para elas, a brincadeira simbólica desenvolve-se a partir das suas vivências, começando com

ações simples, como dormir, comer, ser mamãe, etc. Essas brincadeiras se ampliam à medida

que elas exercitam seu pensamento, comunicando seus desejos e fantasias. Ochaita e Rosa

(1995) afirmam que esse atraso normalmente é superado por volta dos seis anos de idade.

Segundo eles, isto pode ser explicado pela dificuldade que as crianças têm de formar uma

imagem de si mesmas, não conseguindo se imaginarem e imaginar os outros durante a

brincadeira.

Por sua vez, Silveira, Loguércio e Sperb (2000) observaram, em seus estudos,

crianças de 06 a 11 anos de idade, com o objetivo de verificar como ocorre a brincadeira

simbólica nas crianças cegas. Concluíram então que o nível de desenvolvimento cognitivo

dessas crianças depende da estimulação que recebem, isto é, ficou claro que o interesse em

participar de atividades que envolvam a brincadeira simbólica depende do incentivo que lhes

é dado. Durante essas brincadeiras, foi destacada a linguagem oral como sendo de suma

importância para que a criança se envolva nesse tipo de atividade. O estímulo do adulto

também deve ser considerado, pois proporciona segurança e motivação.

Os referidos autores colocam a importância de uma orientação adequada aos

familiares e de uma intervenção educativa por parte de profissionais especializados, de

maneira a possibilitar a essas crianças diferentes vivências, encorajando-as a explorar o meio

em que vivem.

2.4 A LINGUAGEM CONFORME A PERSPECTIVA SÓCIO-INTERACIONISTA

Discutir o papel da linguagem numa abordagem sócio-interacionista é fundamental

para compreender sua importância no desenvolvimento da criança para que ela possa

constituir-se como um elemento social e histórico. Nessa perspectiva, o homem é entendido

29

como um ser social por natureza, sendo ele um sujeito ativo nas relações sociais com o seu

meio.

Em suas pesquisas, Vygotsky (2003) declara que a linguagem se desenvolve, na

criança, como meio comunicativo no contexto em que ela está inserida, sob a influência e por

causa dos vínculos com pessoas que a rodeiam de forma dinâmica, instaurando-se as relações

para o desenvolvimento da linguagem interna, que se transforma em função mental, essencial

para a formação do pensamento.

Assim, afirma-se, na perspectiva sócio-interacionista, que a narrativa se caracteriza

principalmente pela importância concedida ao meio social na formação psicológica do

indivíduo, sendo este participante de um processo sócio-histórico-cultural. Completando esta

reflexão, pode-se dizer que

[...] a origem das mudanças que correm no homem, ao longo do seu

desenvolvimento, está vinculada às interações entre o sujeito e a sociedade, a cultura

e a sua história de vida, além das oportunidades e situações de aprendizagem. Para o

desenvolvimento do indivíduo, as interações com os outros são, além de necessárias,

fundamentais, visto que esses são portadores de mensagens da própria cultura.

(VERONEZI; DAMASCENO; FERNANDES, 2005, p.538).

Vygotsky, em suas teorias, afirma que o ser humano desenvolve suas funções

psicológicas superiores a partir da interação com o meio físico e social em que vive, sendo

que a aquisição da linguagem lhe permitirá um maior desenvolvimento das suas habilidades.

Portanto, a linguagem pode ser considerada o instrumento mais importante no que diz respeito

ao desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores, e é por intermédio dela que a

criança se torna capaz de interiorizar conteúdos culturalmente aprendidos. É permitido, então,

concluir o seguinte: “O surgimento do pensamento verbal e da linguagem como sistema de

signos é um momento crucial no desenvolvimento da espécie humana, momento em que o

biológico transforma-se em sócio-histórico.” (OLIVEIRA, 2009, p.48).

Quando se mencionam as funções psicológicas superiores, subentendem-se os

mecanismos psicológicos tipicamente humanos, mais sofisticados e complexos, que envolvem

o controle consciente e a ação intencional do seu comportamento. A esse respeito, salienta-se

o pensamento de alguns estudiosos: “As funções psicológicas superiores, tais como a atenção,

memória, imaginação, pensamento e linguagem, são organizadas em sistemas funcionais, cuja

finalidade é organizar adequadamente a vida mental de um indivíduo em seu meio.”

(VERONEZI; DAMASCENO; FERNANDES, 2005, p. 538).

30

A relação do homem com o mundo, de acordo com Vygotsky, não é uma relação

direta e sim uma relação mediada por sistemas simbólicos, que servem de ligação entre o

sujeito e o mundo, salientando que o homem não é capaz de se desenvolver plenamente sem a

interação com indivíduos humanos. Oliveira (2009) descreve a mediação como sendo o

processo de intervenção de um elemento intermediário numa relação.

A mediação pode ser realizada por meio de instrumentos, que são definidos, de

maneira sucinta, como sendo os meios utilizados para a realização de uma ação, funcionando

como um elemento posto entre o trabalhador e o objeto do seu trabalho, ampliando as

possibilidades de transformação da natureza, ou então por meio do uso de signos, que são

meios auxiliares para solucionar um problema psicológico, representando outros objetos ou

acontecimentos. Nas palavras da autora:

[...] as representações mentais da realidade exterior, são na verdade, os principais

mediadores a serem considerados na relação do homem com o mundo. É justamente

na origem dessas representações que Vygotsky está buscando quando nos remete a

criação e ao uso de instrumento e de signos externos como mediadores da atividade

humana. (OLIVEIRA, 2009, p. 37).

Cabe destacar aqui que a linguagem é um signo, utilizado como sistema simbólico

básico de todos os grupos humanos. A função inicial da fala é o contato social. O ato de

comunicar-se com os outros está estreitamente ligado ao pensamento, sendo a comunicação

uma função básica que permite a interação com o meio e, ao mesmo tempo, constitui o

pensamento do indivíduo. Desse modo,

para explicar as formas mais elevadas do comportamento humano, temos que pôr a

nu os meios através dos quais o homem aprende a organizar e dirigir o seu

comportamento. Todas as funções psíquicas de grau mais elevado são processos

mediados e os signos são os meios fundamentais utilizados para os dominar e

orientar. O signo mediador é incorporado na sua estrutura como parte indispensável

a bem dizer fulcral do processo total. Na gênese do conceito, esse signo é a palavra,

que a princípio desempenha o papel de meio de formação de um conceito,

transformando-se mais tarde em símbolo. (VYGOTSKY, 2003, p.42).

A associação do pensamento e da linguagem se dá de forma gradativa. Assim, antes

de se apoderar da fala, a criança passa pela fase pré-intelectual, na qual já lança mão de

manifestações verbais para alcançar seus objetivos, utilizando o choro, o riso e os balbucios

para se comunicar.

31

Em um determinado momento do desenvolvimento infantil, o pensamento e a

linguagem se unem e as relações da criança passam a ser mediadas por esse sistema

simbólico. Em conformidade com Vygotsky, o surgimento da linguagem não faz desaparecer

a presença da linguagem sem o pensamento, nem do pensamento sem a linguagem. Ou seja,

o uso da linguagem como instrumento de pensamento supõe um processo de

internalizarão da linguagem. Isto é, não é apenas por falar com as outras pessoas que

o individuo da um salto qualitativo para o pensamento verbal. Ele também

desenvolve, gradualmente, o chamado “discurso interior”, que é uma forma interna

de linguagem, dirigida ao próprio sujeito e não a um interlocutor externo. É um

discurso de vocalização, voltado para o pensamento, com a função de auxiliar o

individuo em suas operações psicológicas. (OLIVEIRA, 2009, p. 53).

Pode-se constatar, de acordo com os autores, que é no decorrer do desenvolvimento

infantil que a criança será capaz de utilizar a linguagem como instrumento do seu

pensamento. Vygotsky enfatiza que é no processo de transição entre o discurso socializado e o

discurso interior que surge a fala egocêntrica. A fala egocêntrica está a serviço da orientação

mental da criança, e com o passar do tempo, vem se tornar a fala interior. Portanto, em

determinada fase do desenvolvimento infantil, a fala divide-se em fala egocêntrica e fala

comunicativa. A fala comunicativa é a fala direcionada aos indivíduos com quem a criança

convive. Para Vygotsky (2003, p. 87),

[...] a relação entre o pensamento e a palavra não é uma coisa, mas um processo, um

movimento contínuo de vaivém do pensamento para a palavra, e vice-versa. Nesse

processo, a relação entre o pensamento e a palavra passa por transformações que, em

si mesmas, podem ser consideradas um desenvolvimento no sentido funcional. O

pensamento não é simplesmente expresso em palavras; é por meio delas que ele

passa a existir. Cada pensamento tende a relacionar alguma coisa com outra, a

estabelecer uma relação entre as coisas. Cada pensamento se move, amadurece e se

desenvolve, desempenha uma função, soluciona um problema. Esse fluxo de

pensamento corre como um movimento interior através de uma série de planos. Uma

análise da interação do pensamento e da palavra deve começar com uma

investigação das fases e dos planos diferentes que um pensamento percorre antes de

ser expresso em palavras. A primeira coisa que qualquer estudo revela é a

necessidade de estabelecer a distinção entre dois planos de discurso. Ambos os

aspectos da linguagem, tanto o interno, significante, semântico, como o aspecto

externo, fonético, têm as suas leis de movimento específicas, embora formem uma

verdadeira unidade, mas que é uma unidade complexa e não homogênea.

Dessa maneira, o desenvolvimento do pensamento é determinado pela linguagem,

pelos instrumentos lingüísticos do pensamento e pela experiência sócio-cultual da criança.

32

Para o autor mencionado, a linguagem verbal é decisiva na construção do pensamento, sendo

que a sua compreensão de mundo é mediada pela significação das palavras.

Nesse sentido, a linguagem, o pensamento e a cultura não se desenvolvem de

maneira mecânica, não se compõem apenas de funções biológicas, mas também e de forma

essencial, têm origem social e histórica e são transmitidas de uma geração para outra.

Diante do que foi exposto, é possível afirmar que é pela linguagem e na linguagem

que se podem construir conhecimentos. Então, a comunicação entre pares é fundamental. É

aquilo que é dito, comentado, pensado pelas crianças, nas diferentes situações vivenciadas,

que faz com que conceitos sejam generalizados, sejam relacionados, gerando um processo de

construção de conceitos que vão inferir de maneira contundente nas novas experiências que

essa criança venha a ter. Ela se transforma através desses conhecimentos construídos,

transforma seu modo de lidar com o mundo e com a cultura e essas experiências geram outras

num “continuum” de transformações e desenvolvimento. (LACERDA, 2006, p. 63).

Corroborando essa idéia, dialoga-se novamente com Vygotsky (2007), que ressalta

que o desenvolvimento da linguagem aparece na criança como meio comunicativo, sob a

influência das pessoas que a rodeiam e dos vínculos estabelecidos com elas e,

conseqüentemente, com o meio social no qual estão inseridas. Cita-se, aqui, mais uma

contribuição do autor:

O pensamento verbal não é uma forma natural de comportamento, inata, mas é

determinado pelo processo histórico-cultural e tem propriedades e leis específicas

que não podem ser encontradas nas formas naturais do pensamento e do discurso.

Desde que admitamos o caráter histórico do pensamento verbal, teremos que o

considerar sujeito a todas as premissas do materialismo histórico, que são válidas

para qualquer fenômeno histórico na sociedade humana. Só pode concluir-se que a

este nível o desenvolvimento do comportamento será essencialmente governado

pelas leis gerais do desenvolvimento histórico da sociedade humana. (VYGOTSKY,

2003, p.39).

A linguagem também é de extrema importância para a criança cega, pois é através

dela que será possível a interação dessa criança com o meio social. Alguns autores relatam

que a visão é a base para o aprendizado humano e que a falta dela influenciará o

desenvolvimento lingüístico de crianças deficientes visuais. Por isso, desde os primeiros

meses de vida, a interação verbal com o adulto é de extrema importância para o

desenvolvimento da criança cega, considerando que a audição é o seu principal instrumento

de recepção de informações.

33

Para Amiralian (1997), durante o processo de aquisição da linguagem, o contato com

o vidente é fundamental, pois este se torna um mediador do simbolismo da utilização da

linguagem. Durante esse processo, deve ser considerado o mundo da criança cega, pois ela o

experimenta por meio do tato, da audição, do olfato e do paladar, construindo, assim, seus

conceitos por meio dessas experiências sensoriais. Já o vidente possui diferentes experiências

de modelos de mundo, gerando-se uma incompatibilidade entre as percepções de mundo do

cego e do vidente.

É através da fala que as pessoas se comunicam, verbalizam o que sentem e pensam.

Para o cego, a linguagem é algo muito mais abrangente. Com efeito,

a falta de visão estimula a criança cega a usar as palavras como substitutas de coisas

que não vê. Ela descobre uso para a fala em diferentes atividades: para se orientar,

para catalogar características que diferenciam as pessoas, para descobrir alguma

marca para qual um objeto possa ser reconhecido. (AMIRALIAN, 1997, p. 63).

A ausência da visão torna muitas palavras sem significado para a criança e ela acaba

usando palavras substitutas para aquilo que não vê. Essa dificuldade em dar um significado

para aquilo que não faz parte de sua experiência particular pode explicar a ecolalia (repetição

imprópria de palavras ou frases) e os verbalismos muitas vezes descritos em crianças cegas.

Com relação a essa falta de significados, traz-se o seguinte texto:

A qualidade da relação, da interação, comunicação e organização da rotina diária

permitem à criança com deficiência visual perceber indícios que ajudam a antecipar

os acontecimentos e compreender as ações. Esses indícios podem ser a voz, passos,

cheiros, movimento, maneira de pegar, e são elementos essenciais para antecipação,

previsão, elaboração do pensamento e planejamento para ação. (BRASIL, 2003,

p.23)

As imagens tornam-se complexas para ela, pois precisa conhecer para definir os

nome dos objetos e, a partir disso, construir sentimentos e combinar palavras para a

construção da linguagem oral.

A linguagem, segundo Vygotsky (1997), é responsável pela regulação da atividade

psíquica humana, pois é ela que permeia a estruturação dos processos psicocognitivos e

emocionais. É por meio da linguagem que a criança se apropria da vida social e se constitui

como tal, com suas características humanas, diferenciando-se dos demais animais. (Lacerda,

2006).

34

Não se deve, portanto, considerar a cegueira como um obstáculo para o

desenvolvimento lingüístico, uma vez que por sua relação com os adultos e com o mundo

exterior que a criança cega vai sendo estimulada ou não. É importante salientar que ela tem as

mesmas condições para a aquisição da linguagem de que qualquer outra criança. Cabe

considerar também que ela necessitará de um maior apoio e estímulo no que se refere à

conceituação e contextualização das palavras, tendo em vista que a visão facilita essas

aquisições.

35

3 ANÁLISE E INTERPRETAÇÃO DE DADOS

Nesta etapa será analisado, de forma mais aprofundada, o material da pesquisa –

registros escritos, fílmicos e fotográficos – procedente das observações realizadas junto ao

grupo de crianças e também das informações obtidas através de questionários e conversas

informais realizadas com as professoras.

3.1 A CRIANÇA CEGA E GRUPO SOCIAL

Durante as observações, pode-se interagir com o grupo em que estava inserida Flor,

acompanhando atentamente situações do seu cotidiano, como a realização de atividades,

alimentação, higiene, brincadeiras, entre outras. Direcionou-se o olhar especialmente para as

interações ocorridas com ela e seus colegas e professores. Foi possível constatar que Flor

procura sempre estar inserida em todas as atividades, fazendo parte da rotina e seguindo as

regras estabelecidas pelo grupo. Ela apresenta independência para se alimentar e ir ao

banheiro, preferindo agir sozinha, recusando a ajuda da professora e dos amigos. Expõe-se,

aqui, um trecho do diário de campo para melhor exemplificar o que se disse:

Flor larga seus brinquedos e levanta-se sem falar nada, abre a porta da sala e sai a

caminhar pelo corredor da instituição. Curiosa vou atrás dela e pergunto:

- Aonde você vai?

- No banheiro. - Respondeu ela, e seguiu caminhando sozinha.

Fui seguindo-a sem falar nada. Sem a menor dificuldade ela utilizou o banheiro,

recusando minha ajuda quando a ofereci.

(Diário de Campo, 01/03/2011)

Estudos comprovam que existe uma relação íntima entre o nível de desenvolvimento

e aprendizagem das crianças e o estímulo que recebem. Se a criança cega tiver as mesmas

oportunidades que uma criança que enxerga, terá as mesmas possibilidades. A criança que não

enxerga, quando recebe o estimulo adequado, possui a mesma capacidade de interação social

do que as outras crianças.

36

Foto 1: Flor, lavando as mãos após utilizar o banheiro.

Fonte: Centro de Educação Infantil São José II, 2011.

A participação da família também é de extrema importância para o seu

desenvolvimento, pois pode propiciar as condições necessárias para que a criança receba os

estímulos de que precisa, possibilitando melhores resultados no seu desenvolvimento global.

No que se refere à integração da Flor com o grupo, cabe destacar uma situação

ocorrida após um conflito ocasionado pela disputa por brinquedos. A professora chamou as

crianças para a rodinha para que conversassem sobre alguns combinados da turma,

aproveitando a situação para expor que não estava gostando de algumas atitudes do grupo

com relação a Flor. Durante a conversa, Flor pediu para falar e começou a fazer várias

reivindicações:

- Eu não vô deixa eles brinca com os meus brinquedos a hora que eles chega na

minha casa, nem vô deixa nada, porque eles não deixam eu brinca com os

brinquedos da escola.2

A professora a interrompe e pergunta aos amigos se é certa essa atitude, eles

respondem de uma só vez:

- Nãããoooooo.

Eu aproveito a oportunidade e pergunto para Flor como ela se sente quando os

amigos a tratam dessa maneira, ela responde:

- Fico bem braba com eles.

A professora explica a ela que os amigos não vão mais fazer isso, Flor continua a

falar:

- E nem vão mais menti pra mim? Nem vão bate em mim? Nem vão empurra eu?

Nem vão bate nos meu braço?

A cada pergunta as crianças respondem que não, e ela continua:

- Qué que eu deixo vocês brinca com meus brinquedo e brincá com a minha boneca

e vê o bichinho que eu trouxe de lá da minha tia e brinca com a minha bicicleta.

- Simmmmm. – Respondem as crianças

2 Como já foi mencionado na seção que define a metodologia da pesquisa, nos registros escritos do diário de

campo, optou-se por transcrever as falas das crianças do modo mais fidedigno possível, de modo a respeitar seus

modos de expressão, por isso, algumas palavras não apresentam a escrita correta do ponto de vista ortográfico.

37

Fico curiosa e a interrompo perguntando:

- Você anda de bicicleta?

Ela responde:

- Sim eu ganhei da minha vó, mas ela é mais grande.

Flor aproveita que os amigos estavam todos a sua volta prestando atenção nas suas

falas e continua a fazer perguntas:

- Vamu vê a minha bicicleta? Vamu vê o carrinho da hotwells do meu irmão?

Também vamu vê a cama do meu irmão nova? Também vamu vê a cômoda do meu

irmão? Também vamu vê o meu joguinho? E o meu quebra cabeça? Também vão

assisti o meu DVD da Moranguinho?

A cada pergunta feita as crianças respondem todas juntas que sim.

Nesse instante uma amiga pergunta:

- O Flor como é que tu vê o DVD da Moraguinho?

Ela responde:

- Ah eu só sento e canto. Depois vocês vão quere ir lá na minha casa?

A mesma amiga pergunta:

- Onde é tua casa?

Flor responde:

- É lá no Araucária.

E finaliza seu discurso com a fala:

- Quem gosto bate palma.

As crianças são autorizadas pela professora a voltar para as suas brincadeiras.

(Diário de Campo, 01/03/2011)

Foto 2: Flor fazendo reivindicações aos amigos.

Fonte: Centro de Educação Infantil São José II, 2011.

Partindo do exposto, pode-se perceber que Flor possui um amplo vocabulário, bem

como grande facilidade para se comunicar verbalmente com seus colegas e com as

professoras. Ao discorrer sobre a comunicação verbal, Vygotsky (1997) relata que a cegueira

cria algumas dificuldades na vida social, no entanto, o cego tem o acesso à principal fonte de

conteúdos para o seu desenvolvimento: a linguagem. De acordo com o autor, a linguagem é a

principal condição para a superação das limitações da cegueira.

Ainda a esse respeito, o referido autor ressalta que a linguagem foi criada ao longo

do desenvolvimento histórico da humanidade e é por meio dela que a criança se manifesta

socialmente. Com o passar do tempo e de forma gradual, a linguagem é utilizada para o

38

desenvolvimento de seus processos internos. Com base no exposto, acredita-se que a

linguagem, além de ser um meio de comunicação, resultado do desenvolvimento humano e

social, é primordial para o desenvolvimento e para a regulação dos processos internos

próprios da criança.

Em outro momento, Flor foi escolhida para ser a ajudante do dia. Quando a

professora lhe deu a notícia, foi notável sua satisfação. Sua primeira tarefa foi ajudar a

professora a distribuir as folhas para os amigos realizarem uma atividade, tarefa essa que ela

realizou com sucesso. Nesse sentido, concorda-se com a afirmação da professora titular da

turma, durante uma das conversas em que se questionou sobre a interação da Flor:

Ela quer sempre ajudar, que é uma coisa muito positiva, ela se sente útil ao guardar os

brinquedos, por exemplo, ela não usa o quebra cabeça, mas ela guarda o quebra

cabeça. Outra coisa legal foi o dia que ela foi ajudante, ela tava bem exibia, eu ouvi ela

falar várias vezes, “eu sou ajudante”, então a gente também tem que cuida para fazer

ela se sentir útil, pedindo a ajuda para ela. Às vezes nos vamos fazer algo por ela e ela

nega, dizendo “não deixa que eu faço, deixa que eu pego”.

Foto 3: Flor distribuindo folhas para seus colegas, quando escolhida como ajudante do dia.

Fonte: Centro de Educação Infantil São José II, 2011.

Sua independência em realizar as atividades foi algo que ficou bem presente durante

o período em que foi acompanhada. Observou-se também que as crianças não possuem um

lugar fixo para deixarem suas mochilas. No entanto, quando foi solicitado que Flor pegasse

algo na sua mochila, como a escova de dente, por exemplo, ela localizou a mochila sem

dificuldade, mesmo tendo outras mochilas iguais a sua. Considera-se que ela possui grande

capacidade de memorização, considerando que ela pendura sua mochila em locais diferentes

39

na maioria dos dias. Relativamente a este aspecto, estudos apontam que, desde muito cedo, a

criança cega aprende a utilizar seus outros sentidos, o que lhe permite um maior grau de

eficiência em relação às crianças que se utilizam da visão.

Em algumas ocasiões, observou-se Flor sentada, mexendo nos olhos e

movimentando os braços de maneira repetitiva. No decorrer das observações, verificou-se que

situações como esta ocorriam em momentos de frustração ou ociosidade. Convém esclarecer

que

comportamentos estereotipados ou maneirismos, freqüentes entre as crianças cegas,

são denominados ”ceguismos”, embora não sejam específicos delas. São

movimentos rítmicos do corpo, hábito de apertar os olhos ou de bater com as mãos

na cabeça. Freeman Ef Alii (1989) afirmam que estes comportamentos ocorrem

quando a criança está excitada, isolada ou entediada. Para Burlingham (1961) e

Sandler (1963), estes movimentos servem como substitutos de uma atividade

muscular normal e como descarga do impulso agressivo. Por outro lado, podem

também ser considerados como manifestações auto-eróticas. Nagera e Collona

(1965) explicam esse comportamento como a contrapartida de uma fuga de contato e

um maior investimento afetivo nas sensações corporais e nos estímulos internos.

(AMIRALIAN, 1997, p.72).

Para reforçar esta explicação, apresenta-se um trecho da apostila do MEC/SEESP

(2003) sobre educação inclusiva:

Os movimentos corporais repetitivos que uma criança cega ou de visão muito

reduzida fazem não significam autismo ou deficiência mental. São denominados

ceguismo, uma forma peculiar de as crianças cegas manifestarem agitação, tensão ou

expressão corporal das emoções. Algumas crianças prolongam essa forma primitiva

de brincar com o corpo porque é o que elas dão conta de fazer, e isso lhes dá prazer.

Outras, talvez, porque ainda não adquiriram ação funcional ou função de mão, para

compreender como os objetos funcionam para poderem aprender novas formas de

brincar. (BRASIL, 2003, p.22).

Os movimentos repetitivos são encontrados em algumas fases do desenvolvimento

da criança, independente de ela enxergar ou não. Nas crianças cegas, essas estereotipias

acontecem com maior freqüência e normalmente ocorrem em momentos de excitação,

surpresa, frustração, ansiedade ou até mesmo cansaço.

Outro fato que merece ser mencionado ocorreu durante uma atividade em que a

professora distribuiu os cadernos de desenho para as crianças. Deu-se então o seguinte

diálogo:

40

A professora pede então que todos sentem-se para a atividade, distribuindo cadernos

de desenho à todos. Ao receber seu caderno Flor fala:

- O meu é da Moranguinho.

O colega ao perceber seu equivoco a contraria:

- Não, é da pizza o teu.

Flor se incomoda:

- Não é da Moranguinho.

- Não é da Moranguinho, já disse que é da pizza. – Responde ele irritado.

- Não, pizza não pode fica no caderno. O Prof né que a minha mãe compro o

caderno da Moranguinho? – Argumenta Flor.

A professora não escuta a sua indagação e o coleguinha continua:

- Não é da pizza.

Insatisfeita Flor pergunta para o outro colega que estava ao seu lado assistindo a

discussão:

- É da Moranguinho o meu caderno né?

O colega, intimidado, responde que sim e Flor fica feliz:

- Viu, o meu é da Moranguinho, o meu é da Moranguinho, o teu é que é da pizza.

(Diário de Campo, 10/03/2011)

Foto 4: Flor preparada para realizar atividade em seu caderno de desenho.

Fonte: Centro de Educação Infantil São José II, 2011.

Na verdade, o caderno da Flor não era da Moranguinho, como ela gostaria. Em

situações como essa, pode-se perceber o universo simbólico da criança cega. Para Flor, seu

caderno tinha estampado, na capa, a imagem da Moranguinho, Vygotsky esclarece que o

sujeito transporta para seu mundo interior suas percepções mentais sobre o mundo,

integrando-as em um sistema simbólico.

Completando esse pensamento, Oliveira (2009) explica que,

quando trabalhamos com processos superiores que caracterizam o funcionamento

psicológico tipicamente humano, as representações mentais da realidade exterior são

na verdade, os principais mediadores a serem considerados na relação do homem

com o mundo. É justamente a origem destas representações que Vygotsky esta

41

buscando quando nos remete à criação e ao uso de instrumentos e signos externos

como mediadores da atividade humana. (OLIVEIRA, 2009, p. 37).

Em outro momento observado, notou-se não somente sua representação

simbólica como também sua capacidade de percepção tátil:

A professora convida a todos a sentarem-se na rodinha, para ouvir uma história. Flor

se lembra que trouxe um livro para a sala e o solicita. A professora então lhe da um

livro nas mãos, porém Flor não o reconhece:

- Mas não é esse.

A professora lhe da outro livro. Flor o apalpa e o recusa afirmando que não é o seu.

A professora convence Flor a acharem o seu livro depois.

Após a contação da história da “lebre e da tartaruga” a professora diz que cada um

poderá escolher um livrinho para ler, e depois contar a história para os amigos. Flor

fica inquieta e diz:

- Eu quero o meu.

- A gente não sabe onde ta escolhe outro. – Fala a professora.

- Não, eu quero o meu. – Responde Flor.

- Ta, qual era a história? – Fala a professora.

- É do polvo. - Responde Flor.

A professora então procurou pela sala o livro do polvo, até que encontrou um e lhe

deu. Flor então afirmou:

- É esse mesmo.

(Diário de Campo, 11/03/2011)

Evidenciou-se, com essa situação, a capacidade de Flor em reconhecer os objetos

pelo tato, considerando que o primeiro livro que a professora lhe ofereceu era muito parecido

com o seu livro.

O fato de ser cega não interfere na sua capacidade de memorização, uma vez que ela

sabia qual história continha em seu livro. Em um momento posterior, ela recontou para seus

amigos a historinha que estava no livro que trouxe de casa, sendo notável que ela houvesse

memorizado a historinha.

3.2 O BRINCAR E A NECESSIDADE DE MEDIAÇÃO

Durante as observações, pode-se perceber a importância do olhar atento e da

mediação do professor durante as brincadeiras, levando em conta que através da brincadeira a

criança se apropria de conceitos, tornando-se capaz de interpretar o mundo que a cerca. Na

verdade,

42

a brincadeira está colocada como um dos princípios fundamentais, defendida como

um direito, uma forma particular de expressão, pensamento, interação e

comunicação entre as crianças. Assim, a brincadeira é cada vez mais entendida

como atividade que, além de promover o desenvolvimento global das crianças,

incentiva a interação entre os pares, a resolução construtiva de conflitos, a formação

de um cidadão crítico e reflexivo. (QUEIROZ, MACIEL E BRANCO, 2006 p. 169).

O seguinte trecho foi retirado do diário de campo e refere-se ao primeiro dia de

observação na instituição. Na situação descrita a seguir torna-se visível a importância da

mediação como facilitadora da inclusão da criança deficiente visual no grupo:

A auxiliar de ensino entra na sala, trazendo consigo caixas de isopor, montando com

este material uma cozinha para as crianças brincarem, compostas de uma mesa, um

armário e uma pia. As crianças adoraram a novidade. Flor ao perceber a

movimentação logo se levanta indo em direção aos materiais novos expostos na sala,

apalpando-os minuciosamente.

Ao se aproximar de algumas amigas pergunta:

- É um aniversário?

Uma das amigas responde:

- Não estamos brincando de casinha.

- Quero sentar. - Afirma Flor, saindo à procura de uma cadeira, não encontrando

nenhuma se sentou no chão mesmo, junto à mesinha, se apropriando de um pratinho

e uma colher para brincar.

Na procura por loucinhas que estavam expostas na mesa, Flor acabou derrubando

vários itens, o que incomodou sua coleguinha Rosa que reclamou:

- Sai Flor, deixa a gente brincá, você ta derrubando tudo.

Flor incomodada responde:

- Eu também to brincando.

E continua a brincar, porém os colegas aproveitavam suas distrações para se

apropriarem dos seus brinquedos. Flor percebe, porém não reclama, apenas fica

apalpando a mesinha em busca dos seus brinquedos, sem muito sucesso, até que

cansou e desistiu da brincadeira.

(Diário de Campo, 01/03/2011)

Foto 5: Flor brincando de casinha com suas colegas.

Fonte: Centro de Educação Infantil São José II, 2011.

43

Foto 6: Flor, momentos depois disputando brinquedos.

Fonte: Centro de Educação Infantil São José II, 2011.

Faz-se necessário que a inclusão seja trabalhada com as demais crianças da turma,

para que estas possam entender as especificidades de uma criança cega. De maneira lúdica, o

educador pode propiciar situações que oportunizem um contato maior das outras crianças com

o mundo da pessoa cega, permitindo assim que a criança que enxerga possa se colocar no

lugar da criança que não enxerga, facilitando, com isso, o respeito entre ambas. Convém

salientar que

a construção da identidade depende da qualidade da relação, interação e

comunicação que a criança com deficiência visual terá com o adulto e com as

crianças de sua idade no grupo. A satisfação das necessidades básicas por seus

cuidadores e educadores e a possibilidade de conviver, de brincar, de trocar

experiências, de imitar outras crianças é que permitem a identificação e a construção

do eu diferenciado, da personalidade e da identidade. (BRASIL, 2003, p.23).

É necessário que a criança com deficiência visual sinta-se um membro do grupo,

participando ativamente de todas as atividades. Cabe ainda destacar que a criança cega, assim

como as demais crianças, possui suas especificidades, seus limites e suas possibilidades,

portanto, ela deve ter os mesmos direitos e deveres que as outras crianças.

Não se pode deixar de evidenciar que a cegueira pode interferir na aquisição da

linguagem e da narrativa da criança. No entanto, considera-se que a maior dificuldade das

crianças é a questão da memória e da apreensão da realidade. Por isso a necessidade da

mediação do educador nas oportunidades que são dadas a elas. O que se deve ter em mente é

que o cego possui a mesma estrutura psicológica de uma pessoa vidente e é capaz de

compreender de forma plena o mundo que o rodeia. Estudos mostram que o cego compreende

44

melhor o mundo dos videntes do que estes são capazes de compreender a cegueira e a forma

com que o cego se constitui no mundo que o cerca.

Foram observados vários momentos em que Flor procurou interagir com a turma,

porém, seus amigos a excluíram das brincadeiras, devido às suas limitações. O relato a seguir

se refere a uma ocasião em que Flor se aproximou das colegas para brincar de casinha:

Ao esbarrar no armário de loucinhas recentemente colocado na sala, ouve a seguinte

objeção de sua colega:

- Sai daqui Flor, você atrapalha.

Flor, no entanto continuou a procurar as loucinhas, como se estivesse ignorando a

objeção da sua amiga, colocando-as em cima da mesinha, em seguida começou a

guardar tudo o que havia pegado, afirmando:

- Tem que por mais loucinha no armário.

Nesse momento, seus colegas bloqueiam seu acesso ao armário. Ao perceber a

situação Flor reclama:

- Prô eles não querem me deixa brincá.

- Prô eles não querem me dá o fogão.

(Diário de Campo, 01/03/2011)

Foto 7: Flor guardando loucinhas no armário.

Fonte: Centro de Educação Infantil São José II, 2011.

Em outra situação observada, Flor saiu em busca da casinha de fantoches,

perguntando a um amigo onde ela estava. O amigo prontamente a conduziu até o local, porém

as crianças que ali estavam não deixaram que ela participasse da brincadeira, pegando a

casinha e levando para outro lugar da sala. Flor ficou muito irritada e falou gritando: - Pode

trazer pra cá, eu sei o que vocês tão fazendo. Seus bobos.

A explicação a seguir vem ilustrar essa situação relatada:

45

A maior dependência do mundo externo é vista por uma constante necessidade de

reafirmação e da dificuldade do cego em manter sua auto-estima quando não sente

resposta afirmativa do ambiente. Nagera e Collona (1965) afirmam que as crianças

mostram extrema ansiedade quando não há alguém à mão para protegê-las. Elas

sentem perigos ao seu redor e incapacidade de cuidar de si mesmas na ausência de

alguém que as proteja. Esta condição favorece um freqüente conflito entre os cegos,

um desejo de independência e de auto-afirmação e a sempre presente necessidade

real de um contínuo suporte e proteção do ambiente externo. (AMIRALIAN, 1997,

p. 72).

Em situações como esta que foi transcrita, fica perceptível como a falta de mediação

do adulto dificulta a brincadeira e a integração da criança especial com o grupo. Para Lemos

(1989), essas profissionais são denominadas como sócio-construtuvistas, dado que não se

fundamentam na interação da criança com o adulto como fator essencial para a aquisição da

linguagem. Salienta-se ainda que é essencial que a criança cega brinque e interaja com

crianças que enxergam, considerando que a brincadeira é um importante momento de troca de

experiências e aprendizado, contribuindo de maneira significativa para o seu

desenvolvimento.

Expõe-se, agora, uma situação ocorrida durante a aula de Educação Física, momento

em que a mediação do adulto possibilitou a interação da Flor com a turma:

O professor, então ensina outra brincadeira, chamada caixotinho queimado, essa a

turminha não conhece. O professor então explicou que era igual pato cinza, só que

ao invés de ficar falando pato cinza e tocando na cabeça dos amigos, nessa um

amigo fica nadando em volta da roda falando “caixotinho queimado” e quem está

sentado responde “torrado”. No decorrer da brincadeira um amigo que está andando

em volta do circulo decide por o objeto na cabeça da Flor ela fica muito animada e

com o auxilio do professor sai correndo atrás dele. (Diário de Campo, 02/03/2011)

Foto 8: Flor brincando durante a aula de educação física

Fonte: Centro de Educação Infantil São José II, 2011.

46

Nesta situação, ficou evidente que a mediação do adulto é imprescindível para que a

criança cega possa participar das mesmas brincadeiras realizadas pelas outras crianças. Mais

um aspecto relevante refere-se ao fato da brincadeira ter sido ensinada para a turma apenas

naquele momento, o que veio comprovar que Flor tem a mesma capacidade de aprendizado

que seus colegas. Destaca-se, então, a importância da mediação pedagógica, considerando que

a estimulação é um fator de grande influência para que a criança cega potencialize o seu

desenvolvimento.

Tendo em vista esse contexto, pode-se afirmar que é preciso considerar e valorizar o

outro como ele é, respeitando suas especificidades, pois não existe um só ser que seja igual ao

outro. Respeitar a diferença, seja ela qual for, é fundamental para se viver na coletividade. São

palavras de Celedón (2009, s.p):

Para aprendemos a lidar com a diferença precisamos: primeiro reconhecer que ela

existe, o que não existe é a homogeneidade; segundo, estar disposto a aceitá-la,

afirmá-la e valorizá-la e terceiro, conviver com ela, viver em comunhão, com

intimidade, familiaridade. Só assim aprenderemos a lidar com ela. Por isso, é de

suma relevância que as crianças tenham essa oportunidade de convívio desde cedo.

Ora, para que a inclusão escolar ocorra, de maneira ampla e eficaz, é preciso que haja

uma transformação não só no sistema de ensino, mas principalmente na forma de pensar da

sociedade em geral, visando beneficiar toda e qualquer pessoa, levando em conta a

especificidade de cada ser e não mais as suas deficiências e limitações ou suas altas

habilidades.

Para que isso aconteça, entende-se que a criança cega necessita ampliar a exploração

e o uso dos outros sentidos, o que constitui condição fundamental de conhecimento e

reconhecimento do mundo à sua volta. Masini (2007) assinalou a importância de fatores

perceptivos e cognitivos à luz do papel crucial do corpo e dos sentidos. Por sua vez, Ochaíta e

Espinosa (2004, p. 151) apontaram também para a indispensabilidade do uso do tato e do

ouvido, e ainda, “em menor medida, do olfato e do paladar, como substitutos da visão, que

conferirá certas peculiaridades na construção do desenvolvimento e da aprendizagem”.

Segundo Sacks (2006),

nós, com a totalidade dos sentidos, vivemos no espaço e no tempo; os cegos vivem

num mundo só de tempo. Porque os cegos constroem seus mundos a partir de

seqüências de impressões (táteis, auditivas, olfativas) e não sendo capazes, como as

47

pessoas com visão, de uma percepção visual simultânea de conceber uma cena

visual instantânea (2006, p. 128).

Para que a criança cega se desenvolva de maneira ampla, faz-se necessário que ela

seja constantemente estimulada, em todos os sentidos. Devem-se proporcionar a ela atividades

e vivências significativas junto a seus colegas, para que ela se sinta integrante do grupo, caso

contrário, a falta de visão torna-se um empecilho. A cegueira não possibilita às crianças

imitarem seus companheiros nas ações da vida diária ou se reconhecerem dentro de uma

brincadeira livre, fazendo com que, muitas vezes, prefiram brincadeiras solitárias, que

envolvam jogos e objetos sonoros. Ao tratar com um indivíduo que não possui a visão, não se

pode esquecer jamais que

o mundo dos videntes é um fato perturbador para ele. Podem surgir sentimentos de

compararão e, com estes, a desqualificarão, o isolamento, a solidão, a inveja. O cego

não está imune a estigmas e preconceitos. Tudo parece convidá-lo a trazer à tona a

questão de fazer face a um mundo cuja tônica é dada pelos padrões e

condicionamentos ditados, especialmente, pelos videntes nesse ponto, ressalta-se,

porém, a necessidade que o cego sente de usar os próprios recursos, em vez da

submissão aos padrões injustos, estabelecidos por referenciais inadequados. Não

existe um tipo característico de personalidade cega, pois as pessoas cegas, assim

como as que vêem, apresentam todo tipo de personalidade possível. (AMIRALIAN,

1997, p.10)

Certos autores, como Silveira, Loguércio e Sperb (2000), colocam a importância de

uma orientação adequada aos familiares e de uma intervenção educativa realizada por

profissionais especializados, de maneira a possibilitar a essas crianças diferentes vivências,

encorajando-as a explorar o meio em que vivem para melhor se desenvolverem.

Durante as entrevistas realizadas com as professoras do grupo, percebeu-se que elas

têm pouco conhecimento sobre a cegueira. Situações como as mencionadas anteriormente não

são percebidas pelas mesmas. Esta afirmação pode ser comprovada quando se lê as respostas

das professoras à seguinte pergunta: a Flor enfrenta dificuldades durante as brincadeiras com

seus colegas?

Auxiliar de Educandos Especiais: Ela tem dificuldades, mas ela consegue superar

essas dificuldades, é ela quem escolhe com quem quer brincar, ela tem as suas

preferências, dando prioridade a certos amigos.

Auxiliar de sala: Trabalhar com jogos é difícil, ela quer se sentir útil e a gente têm

que tá ajudando.

48

Professora titular: Com certeza, por mais que a gente diga que ela interage, que ela

consegue, que ela se da bem, tem brincadeiras que ela já percebe que ela não pode

por que tem suas limitações. Muitas vezes a gente percebe que ela ta isolada, tem

coisas que ela tenta brincar e outras que ela não consegue, por exemplo, quebra

cabeça, ou jogos muito visuais, já são mais complicados. Às vezes ela parece mais

animada, outras vezes ela já ta mais na dela.

Em momento algum foi mencionado o fato de que, muitas vezes, as crianças

excluíam Flor das brincadeiras. Quando se perguntou a elas se não julgavam necessária a

mediação durante as brincadeiras livres, obteve-se a seguinte resposta da professora titular:

A gente sempre fica com aquele receio de tentar ajudar e acabar prejudicando acho

que ela pode sentir que não consegue que só consegue contigo. Tem algumas

situações que ela não se sente bem em outras ela vê que tem muita limitação, ai ela

não acha ruim. Temos que adotar um equilíbrio para ver quais situações devem ser

intervindas até para ela não fica mal acostumada.

Em certo sentido, é compreensível sua posição, pois Flor possui independência e

iniciativa para a realização de muitas atividades, e a partir das observações, pode-se afirmar

que não gosta que façam as coisas por ela. No entanto, acredita-se que, em alguns momentos,

é necessário que as educadoras ensinem a menina a brincar, considerando que o fato de não

saber como brincar gera a exclusão dela por parte de seus colegas.

O nível de desenvolvimento cognitivo das crianças cegas, assim como o das crianças

que enxergam, depende da estimulação que recebem, portanto, o interesse em participar de

atividades que envolvam a brincadeira simbólica depende do incentivo que lhes é dado. O

estimulo do adulto é muito importante e deve ser considerado, pois proporciona segurança e

motivação. É possível dizer que,

dessa forma de lidar com as diferenças no cotidiano, das atitudes éticas, da forma

como são tratadas, da tolerância, paciência e forma de expressão do educador é que

as crianças vão formando suas próprias noções, conceitos, representações e práticas

sociais. Esse é o maior desafio que se impõe ao educador, como dizia Gusdorf, ser o

professor de humanidade... Ele poderá ajudar cada criança a construir sua identidade

mediante experiências e vivências significativas, construídas por um caminho que

lhe é próprio, mas na ação coletiva. É o uno no todo, o individual articulado ao

coletivo, a diversidade e a diferença como enriquecimento para todos. (BRASIL,

2003, p.23).

A sociedade em geral é fundamentada na desigualdade, na diferença, na exclusão dos

diferentes e isso não deve ser disseminado na escola. Faz-se necessário que os educadores

49

interajam com as crianças, possibilitando que as brincadeiras sejam inclusivas e que assim se

quebrem estigmas sociais que enfatizam a desvalorização do deficiente.

3.3 REFLEXÕES SOBRE O IMAGINÁRIO E A BRINCADEIRA DA CRIANÇA CEGA

CONGÊNITA

Recentes estudos mostram que, para as crianças cegas, a brincadeira simbólica

desenvolve-se a partir das suas vivências, começando com ações simples, como dormir,

comer, ser mamãe, etc. Essas brincadeiras se ampliam à medida que ela exercita seu

pensamento, comunicando seus desejos e suas fantasias. Na situação descrita a seguir, Flor

está em uma das suas brincadeiras favoritas, que é brincar de casinha:

Flor remexeu no armário da cozinha derrubando alguns itens, sua amiga vai auxiliá-

la:

- Oh Flor, dexa eu mostrá, aqui é a torneira da pia pra lava louça. Pega uma

panelinha a vai fazer comidinha, o fogão liga aqui em baixo ó. - disse a colega

direcionando a sua mão conforme explicava a localização dos objetos.

Flor passou então a cozinhar seguindo as orientações da amiga, reproduzindo os

movimentos conforme ela havia ensinado.

- Posso ser a mamãe dessa vez? – Perguntou Flor.

- Não Flor, eu sou a mãe. – Respondeu a amiga.

- Por favor, deixa eu ser a mamãe.

- Não, sou eu.

- Prof., diz pra elas deixarem eu ser a mamãe.

A professora não intervém, mas a colega decide ceder:

- Tá bom, tá bom.

- Espera filha, to lavando a louça. – Comenta Flor entrando na brincadeira.

- Tá. Responde a amiga.

- Filha vai lá e prepara um bolo pra mãe. - Fala Flor.

- Vô fazê um de chocolate. - Diz a amiga.

- Qué pará Gérbera, para minha filha. – Fala Flor.

- Não fiz nada mãe. – responde a colega.

- Vamu arrumá essa bagunça, vem, é agora. – Fala Flor.

(Diário de Campo, 02/03/2011)

50

Foto 9: Flor brincando de casinha.

Fonte: Centro de Educação Infantil São José II, 2011.

A partir das observações, pode-se perceber que durante a brincadeira de faz-de-conta

a criança entra no mundo da imaginação, assumindo papéis que estão presentes na sua

realidade social, seguindo as regras pertinentes ao personagem que está interpretando. Cabe

salientar que as brincadeiras são embasadas nas suas experiências de vida, adquiridas em seu

círculo de relacionamentos.

Para Vygotsky (2007) p.135, a brincadeira de faz-de-conta é

uma reprodução da situação real. Uma criança brincando com uma boneca, por

exemplo, repete quase exatamente o que sua mãe faz com ela. Isso significa, que na

situação original, as regras operam sobre uma forma condensada e comprimida. Há

muito pouco de imaginário. É uma situação imaginária, mais é compreensível

somente a luz da situação real que, de fato, tenha acontecido. O brinquedo é muito

mais a lembrança de alguma coisa que realmente aconteceu do que imaginação. É

mais a memória em ação do que uma situação imaginária nova.

Em outro momento, em que estava sentada à mesa, junto a seus colegas, para a

realização de uma atividade, Flor passou a folhear seu caderno de desenho, narrando: “Vou

fazer a chamada, ai vocês falam presente. Priscila, Artur, Paulo....”

Em seguida, começou a virar as páginas do caderno, como se estivesse observando

figuras, verbalizando: “Ah a igreja! Ah que lindo! Ah a Moranguinho! Ah o cabeludinho, vem

cá, cabeludinho.”

51

Foto 10: Flor realizando atividades.

Fonte: Centro de Educação Infantil São José II, 2011.

As práticas observadas evidenciaram que o reconhecimento de objetos, por crianças

cegas, não é somente tátil, mas também e sobretudo conceitual. Ao folhear as páginas do seu

caderno para a realização da “chamada”, ela revelou saber que o professor faz a chamada

utilizando uma folha que contém o nome dos seus alunos. Ficou evidente ainda que Flor

assimilou os conceitos de igreja e de boneca Moranguinho.

Ao falar sobre as brincadeiras de faz-de-conta, Kishimoto (2007, p. 39-40) afirma:

A importância dessa modalidade de brincadeira justifica-se pela aquisição do

símbolo. É alterando significado de objetos, de situações, é criando novos

significados que se desenvolve a função simbólica, o elemento que garante a

racionalidade ao ser humano. Ao brincar de faz-de-conta a criança está aprendendo a

criar símbolos.

É fundamental ressaltar que, durante as brincadeiras, verificou-se a importância da

linguagem na interação da criança cega com o meio. Por isso mesmo é que Vygotsky (1997),

em suas teorias, afirma que a linguagem é o instrumento mais importante no que diz respeito

ao desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores, sendo que é por intermédio da

linguagem que a criança se torna capaz de interiorizar conteúdos culturalmente aprendidos e

interagir com o seu meio.

Outro momento que merece destaque é aquele em que Flor está brincando de

casinha, porém, dessa vez, ela interpreta o papel da mamãe e da filhinha, dando, inclusive,

diferentes tonalidades à sua voz:

52

Flor pegou uma panelinha e um fogão e foi brincar sozinha de mamãe e filhinha,

dessa vez ela interpretava os dois papéis. Fiquei admirada com a desenvoltura dela

ao reproduzir as duas falas durante a brincadeira.

- Filha, vamos anda. – Fala Flor interpretando a mamãe.

- Ta bom mamãe vamu. - Fala Flor com voz bem fina de filhinha.

- Filha temos que guardar a coisa naquela caixa. – Fala Flor interpretando a

mamãe.

- Ta bom mamãe eu te ajudo. - Fala Flor com voz bem fina de filhinha.

Sentou-se no chão guardando alguns brinquedos espalhados, dentro de uma caixa.

- Agora a gente vai no mercado tá filha?

- Ta bom mamãe.

E saiu a andar pela sala sem reproduzir mais falas.

(Diário de Campo, 11/03/2011)

O episódio aqui narrado apresenta alguns recursos, como gestos, vocalizações e

posturas usadas pela criança cega quando ela quer representar papéis sociais com significados

próprios, a partir de sua imaginação, do faz-de-conta e da fantasia. Assim, na situação que se

transcreveu, a criança, com apoio dos brinquedos, construiu uma situação imaginária e suas

atitudes evidenciaram a capacidade de simbolização e imaginação, já destacada por

Kishimoto (2007), Vygotsky (2003) e outros estudiosos.

Outra característica relevante observada e que merece destaque é o interesse de Flor

pela literatura. Durante as observações, em várias ocasiões, Flor se apropriou de livros de

histórias infantis, como se estivesse lendo-os. Algumas vezes, inclusive, convidou seus

amigos a sentarem-se próximos a ela para que ela lhes contasse uma história. Este fato foi

registrado no diário de campo:

Ao chegar à sala Flor foi até a prateleira de livros, escolheu um e chamou os

colegas:

- Vou contar uma história pra vocês, atenção.

A professora não percebeu seu movimento e a interrompeu chamando as crianças

para ouvir uma história Flor fala baixinho:

- Ta, então depois eu conto.

Durante a cotação da história pela professora Flor fica atenta. Contei à professora

que minutos antes Flor se reparava para contar uma história, então a professora pede

para que ela escolha um livro para contar uma história para os amigos. Flor, se

levantou, escolheu um livro e sentou-se no sofá:

- Atenção a história vai começar. – Pediu ela aos colegas.

- É da bruxa. – Afirmou um amigo.

- Não é de caminhão, e das filha da moça feliz. – Ela respondeu e continuou a

história.

- Eles sairo e atravessaro a rua e seguraro a mão. Ai veio o caminhão ele é mais

rápido que o passarinho voando. Ai eles entraro no caminhão e foro pra casa da

rainha. Ai passo o tempo, o tempo, o tempo e ele quebro a porta da casa e viveram

sempre feliz. Fim. Quem gosto bate palma.

(Diário de Campo 02/03/2011)

53

Foto 11: Flor contando uma história pra seus amigos.

Fonte: Centro de Educação Infantil São José II, 2011.

No contexto apontado, foi possível evidenciar a capacidade de Flor para a construção

de narrativas elaboradas, relacionando muitas vezes o real e o imaginário. Em outros

momentos, pode-se observar a menina narrando diferentes histórias, em sua maioria

envolvendo fadas, princesas e rainhas. Foi notável sua satisfação ao perceber que os colegas

direcionavam a atenção para as suas falas.

Nas leituras realizadas constatou-se que, à medida que a criança se desenvolve, ela se

apropria dos comportamentos estabelecidos pela cultura em que está inserida. Durante esse

processo, os sistemas simbólicos, em especial a linguagem, são de extrema importância para a

interação dos indivíduos, pois é por meio da linguagem que se compartilham informações e

significados atribuídos a situações do mundo real.

Finalizando, cabe destacar outro momento em que se observou Flor andando de salto

alto pela sala. Ela fazia de conta que estava em um shopping observando vitrines. Concorda-

se novamente com Vygotsky (2007), quando este autor afirma que a brincadeira é uma

situação imaginária criada pela criança com o intuito de satisfazer desejos que não podem ser

satisfeitos imediatamente.

54

Foto 12: Flor andando de salto alto pela sala.

Fonte: Centro de Educação Infantil São José II, 2011.

Observando Flor, em diversos momentos, ficou claro o papel da linguagem na

interação da criança cega com o meio. Vygotsky (2003), em suas teorias, fala sobre a

importância da interação com o meio físico e social para que o ser humano desenvolva suas

funções psicológicas superiores. A aquisição da linguagem lhe permitirá um maior

desenvolvimento das suas habilidades, logo, a linguagem é o instrumento mais valioso no que

diz respeito ao desenvolvimento das estruturas psicológicas superiores, sendo que é por

intermédio da linguagem que a criança se torna capaz de interiorizar conteúdos culturalmente

aprendidos.

55

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Esta pesquisa propôs estudar a criança cega congênita, para compreender o seu

potencial, no que se refere ao desenvolvimento da narrativa e às contribuições da

brincadeira simbólica para este desenvolvimento. Salienta-se que os resultados obtidos não

permitem generalizações em função de se tratar de um estudo de caso em que foram

analisadas as especificidades de apenas uma criança cega.

Cabe ressaltar ainda que cada criança é um ser único e tem especificidades que

devem ser respeitadas e valorizadas, como sua maneira de interagir com o mundo. Nesse

contexto, a cegueira deve ser vista como uma das características do sujeito, tal como gênero,

classe ou etnia.

Seus processos psicológicos superiores, assim como os dos demais seres humanos,

são sócio-culturalmente organizados. Portanto, a deficiência é apenas uma das inúmeras

características do sujeito. A partir dessa pesquisa, pode-se perceber que a cegueira não

provoca limitações ao desenvolvimento do ser, a criança cega, como qualquer outra, tem

plena possibilidade de se desenvolver, pois é igual às outras pessoas, apenas não conta com a

visão.

O cego compreende o mundo externo por seus canais perceptivos, que são diferentes

dos canais perceptivos das pessoas que enxergam. Nesse sentido, destaca-se a importância da

ação pedagógica, que deve ser planejada buscando o desenvolvimento das habilidades

sensório-motoras da criança, uma vez que é notório que a estimulação é um fator

preponderante para que a criança cega potencialize o seu desenvolvimento cognitivo.

Além do que foi proposto inicialmente, outro propósito surgiu, o de investigar de

que forma a brincadeira simbólica contribui para o desenvolvimento da narrativa da

criança cega congênita. Pode-se perceber, que é por meio da brincadeira que a criança se

torna capaz de interpretar o mundo que a cerca. Na brincadeira de faz-de-conta evidencia-se o

avanço no seu desenvolvimento, com a aquisição de novas formas de interpretação e

compreensão do mundo real, criando uma zona de desenvolvimento proximal.

Nesse contexto, percebe-se que a mediação do adulto torna-se significativa, tendo em

vista que o cego pode utilizá-la como estratégia para obter maiores informações sobre o

mundo e assim se constituir como sujeito no grupo em que se encontra inserido. Dessa

maneira, é fundamental a função de mediação do adulto, como companheiro mais qualificado,

nas interações e na construção conjunta de conhecimentos.

56

Destaca-se igualmente o valor da linguagem como um fator determinante para a

interação do cego no grupo. Nas observações realizadas, constatou-se a significativa

importância da linguagem, principalmente nos momentos de brincadeira simbólica. Por meio

dela, a criança se torna capaz de apresentar seus anseios e suas vontades, enfatizando assim a

sua importância no convívio social e no processo de ensino e aprendizagem.

Quanto ao propósito de verificar as capacidades da criança cega congênita,

quanto à narrativa e à brincadeira simbólica, o presente estudo, dentro das suas

possibilidades informativas, conclui que não há comprometimento na construção da narrativa

de crianças deficientes visuais nem da sua função simbólica. Um fator que deve ter

influenciado significativamente esse dado é a inserção da criança na Educação Infantil, bem

como o seu atendimento por órgãos capacitados desde seus primeiros meses de vida,

proporcionando uma educação adequada ao seu desenvolvimento, minimizando suas

defasagens.

Por outro lado, notou-se o descaso dos setores competentes com relação à

qualificação dos profissionais destinados a trabalhar com crianças que têm necessidades

especiais. As profissionais afirmaram que a inclusão tem relevância, porém, da maneira como

ela vem ocorrendo, não é válida. A falta de formação e de amparo teórico foi ressaltada.

Para responder à pergunta da pesquisa: de que forma a brincadeira simbólica

auxilia no desenvolvimento da criança cega congênita, pode-se verificar que, assim como

para a criança que enxerga, para a criança cega a brincadeira também é extremamente

importante. Considera-se que ela possui a mesma habilidade que as outras crianças para

brincar, porém, é necessário que a ensinem, levando em conta que ela não possui a

visualidade que permite o processo de imitação. Mais uma vez a linguagem torna-se

imprescindível durante as brincadeiras, para que ela possa interagir com os seus pares. A

mediação do professor faz-se necessária, em alguns momentos, para encorajá-la a realizar a

exploração do ambiente, a fim de que conseguir situar-se na brincadeira.

Finalizando, pretendeu-se, com este estudo, compreender um pouco mais a cegueira,

dando início a uma investigação que deve ser aprofundada, dentro de um espaço de tempo

maior, reconhecendo sua complexidade e também a falta de bibliografia, referente ao tema, no

Brasil.

57

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60

APÊNDICES

61

APÊNCICE A – Diário de campo

01/03

Em um primeiro momento tive uma conversa informal, com a professora Margarida3

– responsável pelas crianças especiais – onde ela me informou que estaria sozinha com a

turma, pois a prefeitura ainda não havia designado uma professora para a sala, e a auxiliar de

sala estava doente. Durante essa conversa pude observar que Flor se encontrava sozinha em

uma mesa com um fogãozinho e uma panelinha nas mãos.

Após a nossa conversa, Margarida chamou as crianças para formarem uma rodinha.

Flor prontamente se levantou guardando os brinquedos na prateleira, seguindo sozinha até a

rodinha, onde se sentou sem dificuldades perto de seus amigos. Nessa conversa Margarida

explicou as crianças o motivo da minha presença na sala, solicitando-lhes ajuda no dia de

hoje, pois ela estava sozinha com eles.

Depois da conversa, as crianças estavam livres para voltar a brincar, observei que

Flor não voltou para a sua brincadeira de antes, permanecendo sentada onde estava, mexendo

nos olhos e movimentando os braços de maneira repetitiva.

Em seguida, a auxiliar de ensino entra na sala, trazendo consigo caixas de isopor,

montando com este material uma cozinha para as crianças brincarem, composta de uma mesa,

um armário e uma pia. As crianças adoraram a novidade. Flor ao perceber a movimentação

logo se levanta indo em direção aos materiais novos expostos na sala, apalpando-os

minuciosamente.

Ao se aproximar de algumas amigas pergunta:

- É um aniversário?

Uma das amigas responde:

- Não estamos brincando de casinha.

- Quero sentar. - Afirma Flor, saindo à procura de uma cadeira. Não encontrando

nenhuma se sentou no chão mesmo, junto à mesinha, se apropriando de um pratinho e uma

colher para brincar.

3 Para preservar a identidade das professoras e das crianças, seus nomes serão substituídos por nomes de flores.

62

Na procura por loucinhas que estavam expostas na mesa, Flor acabou derrubando

vários itens, o que incomodou sua coleguinha Rosa que reclamou:

- Sai Flor, deixa a gente brincá, você ta derrubando tudo.

Flor incomodada responde:

- Eu também tô brincando.

E continua a brincar, porém os colegas aproveitavam suas distrações para se

apropriarem dos seus brinquedos. Flor percebe, porém não reclama, apenas fica apalpando a

mesinha em busca dos seus brinquedos, sem muito sucesso, até que cansou e desistiu da

brincadeira.

Saiu então gritando pela sala:

- Prô, quero uma cadeira.

Como não obteve resposta, ela mesma tratou de encontrar uma, esbarrando a cadeira

no armarinho de isopor, onde as outras crianças haviam colocado loucinhas.

Ao esbarrar no armário de loucinhas recentemente colocado na sala, ouve a seguinte

objeção de sua colega:

- Sai daquí Flor, você atrapalha.

Flor, no entanto continuou a procurar as loucinhas, como se estivesse ignorando a

objeção da sua amiga, colocando-as em cima da mesinha, em seguida começou a guardar tudo

o que havia pegado, afirmando:

- Tem que por mais loucinha no armário.

Nesse momento, seus colegas bloqueiam seu acesso ao armário. Ao perceber a

situação Flor reclama:

- Prô eles não querem me deixa brincá.

- Prô eles não querem me dá o fogão.

Como não houve intervenção da professora Flor se senta no chão como se desistisse

da brincadeira.

Flor pega então um prato, enchendo-o com bloquinhos de madeira, segura uma

colher e finge estar comendo, logo diz:

- Terminei.

Aproxima-se dela uma colega e fala:

- Flor eu sou a mamãe, você tem que ser a filhinha.

Então, Flor levanta indo em direção a sua amiga e responde:

- Mãe, traz os pratos.

Porém a amiga já estava do outro lado da sala e não a escutou.

63

Flor voltou a se sentar, e brincar com suas loucinhas. Decido então perguntá-la:

- O que você está fazendo?

- Brincando de casinha, você qué? Eu sô a filhinha - respondeu ela.

- Ta certo, vou ser sua irmã então. – Falei.

Infelizmente fomos interrompidas pela professora, que solicitou às crianças que

formassem uma fila para o lanche de dois em dois. Flor se dirigiu a mim e falou:

- Não vai dá.

Ela se levantou organizando as loucinhas no armário e se dirigiu para a fila, onde

uma colega pega em sua mão, ela recusou a mão da amiga, indo à busca de outra amiga. No

refeitório demonstrou independência não precisando de ajuda para senta-se ou se alimentar.

No retorno para a sala ela continuou a brincar sozinha. De repente Flor larga seus

brinquedos e levanta-se sem falar nada, abre a porta da sala e sai a caminhar pelo corredor da

instituição. Curiosa vou atrás dela e pergunto:

- Aonde você vai?

- No banheiro. - Respondeu ela, e seguiu caminhando sozinha.

Fui seguindo-a sem falar nada. Sem a menor dificuldade ela utilizou o banheiro,

recusando minha ajuda quando a ofereci.

Na volta para a sala, continua a brincar com as loucinhas. Um colega se aproxima e

tira o brinquedo da sua mão, dessa vez ela não deixou passar, argumentando:

- Não, dá pra mim.

- Você ta quebrando tudo. - Falou o amigo.

- Eu não to quebrando, to guardando. - Contrapôs Flor.

- A é, então olha aqui. - Retrucou o amigo

- Sai deixá eu brinca. – Finaliza Flor.

O amigo se ausentou deixando Flor brincar. Ela pegou um prato e uma colher,

sentou-se na mesa fingindo que estava se alimentando. Nesse momento, a professora dela do

ano passado chega à porta para cumprimentar a outra professora. Ao escutar sua voz Flor se

levanta prontamente, indo a sua direção, recepcionado-a com um abraço.

Nesse instante, a professora chama as crianças para a rodinha para que conversassem

sobre alguns combinados da turma, aproveitando a situação para expor as crianças que não

estava gostando de algumas atitudes do grupo com relação à Flor. Flor pede para falar:

- Eu não vô deixa eles brinca com os meus brinquedos a hora que eles chega na

minha casa, nem vô deixa nada, porque eles não deixam eu brinca com os brinquedos da

escola.

64

A professora a interrompe e pergunta aos amigos se é certa essa atitude, eles

respondem de uma só vez:

- Nãããoooooo.

Eu aproveito a oportunidade e pergunto para Flor como ela se sente quando os

amigos a tratam dessa maneira, ela responde:

- Fico bem braba com eles.

A professora explica a ela que os amigos não vão mais fazer isso, Flor continua a

falar:

- E nem vão mais menti pra mim? Nem vão bate em mim? Nem vão empurra eu?

Nem vão bate nos meu braço?

A cada pergunta as crianças respondem que não, e ela continua:

- Qué que eu deixo vocês brinca com meus brinquedo e brincá com a minha boneca

e vê o bichinho que eu trouxe de lá da minha tia e brinca com a minha bicicleta.

- Simmmmm. – Respondem as crianças

Fico curiosa e a interrompo perguntando:

- Você anda de bicicleta?

Ela responde:

- Sim eu ganhei da minha vó, mas ela é mais grande.

Flor aproveita que os amigos estavam todos a sua volta prestando atenção nas suas

falas e continua a fazer perguntas:

- Vamu vê a minha bicicleta? Vamu vê o carrinho da hotwells do meu irmão?

Também vamu vê a cama do meu irmão nova? Também vamu vê a cômoda do meu irmão?

Também vamu vê o meu joguinho? E o meu quebra cabeça? Também vão assisti o meu DVD

da Moranguinho?

A cada pergunta feita as crianças respondem todas juntas que sim.

Nesse instante uma amiga pergunta:

- O Flor como é que tu vê o DVD da Moraguinho?

Ela responde:

- Ah eu só sento e canto. Depois vocês vão quere ir lá na minha casa?

A mesma amiga pergunta:

- Onde é tua casa?

Flor responde:

- É lá no Araucária.

E finaliza seu discurso com a fala:

65

- Quem gosto bate palma.

As crianças são autorizadas pela professora a voltar para as suas brincadeiras.

02/03

Ao entrar na sala me surpreendi quando vi Flor caminhando de salto alto, junto de

suas amigas, parecia que elas estavam em um shopping, fazendo compras. Quando as meninas

cansaram da brincadeira algumas sandálias ficam, espalhadas pela sala, a professora então

solicitou que colocassem as sandálias no pé. Pelo tato Flor reconhece sua sandália,

verbalizando “Deixa eu vê, é essa aqui” põe a sandália no pé e sai andando pela sala, em

direção a cozinha, onde brincavam suas amiguinhas.

Em outro momento, na procura por loucinhas, Flor remexeu no armário da cozinha

derrubando alguns itens, sua amiga vai auxiliá-la:

- Oh Flor, dexá eu mostra, aqui é a torneira da pia pra lava louça. Pega uma

panelinha a vai fazer comidinha, o fogão liga aqui em baixo oh. - Disse a colega direcionando

a sua mão conforme explicava a localização dos objetos.

Flor passou então a cozinhar seguindo as orientações da amiga, reproduzindo os

movimentos conforme ela havia ensinado.

- Posso ser a mamãe dessa vez? – Perguntou Flor.

- Não Flor, eu sou a mãe. – Respondeu a amiga.

- Por favor, deixa eu ser a mamãe.

- Não sou eu.

- Prof., diz pra elas deixarem eu ser a mamãe.

A professora não intervém, mas a colega decide ceder:

- Ta bom, ta bom.

- Espera filha, to lavando a louça. – Comenta Flor entrando na brincadeira.

- Tá. Responde a amiga.

- Filha vai lá e prepara um bolo pra mãe. - Fala Flor.

- Vô faze um de chocolate. - Diz a amiga.

- Qué pará Gérbera, para minha filha. – Fala Flor.

- Não fiz nada mãe. – responde a colega.

- Vamu arruma essa bagunça, vem é agora. – Fala Flor.

Nesse momento a professora solicita que as crianças guardem seus brinquedos. Flor

ajuda os amigos e sai à procura de uma cadeira para sentar-se.

66

É hora da educação física, é o primeiro dia de um novo professor. Flor não parece ter

problemas com isso. Quando ele solicita uma filinha para irem para a sala de educação física

ela é a primeira a pegar na sua mão.

Na sala de educação física o professor pede que as crianças lhes ensinem novas

musicas. Todos cantam a música da “Dona baratinha”. Ao termino da música, Flor pede para

cantar uma. Começa então a cantar a música da “Borboletinha”. Todos cantam junto.

O professor convida as crianças a formarem uma roda que brinquem de pato-cinza.

Flor dirige-se para a roda com a ajuda da professora que a acompanha. Durante a explicação

da brincadeira, o professor diz que quem for pego terá que ficar no meio da roda chocando o

ovo. Então uma criança pergunta:

- Como é chocar um ovo?

Flor prontamente responde

- É sentar e fica parado.

Ela participa com animação da brincadeira, rindo e gritando junto aos colegas “foi

pego, foi pego”.

O professor, ensina outra brincadeira, chamada caixotinho queimado, essa a turminha

não conhece. O professor então explicou que era igual pato cinza, só que ao invés de ficar

falando pato cinza e tocando na cabeça dos amigos, nessa um amigo fica nadando em volta da

roda falando “caixotinho queimado” e quem está sentado responde “torrado”. No decorrer da

brincadeira um amigo que está andando em volta do circulo decide por o objeto na cabeça da

Flor ela fica muito animada e com o auxilio do professor sai correndo atrás dele.

No retorno para a sala, seguiu em direção ao professor, guiada por sua voz.

Ao chegar à sala Flor foi até a prateleira de livros, escolheu um e chamou os colegas:

- Vou contar uma história pra vocês, atenção.

A professora não percebeu seu movimento e a interrompeu chamando as crianças

para ouvir uma história Flor fala baixinho:

- Ta, então depois eu conto.

Durante a cotação da história pela professora Flor fica atenta. Contei à professora

que minutos antes Flor se reparava para contar uma história, então a professora pede para que

ela escolha um livro para contar uma história para os amigos. Flor, se levantou, escolheu um

livro e sentou-se no sofá:

- Atenção a história vai começar. – Pediu ela aos colegas.

- É da bruxa. – Afirmou um amigo.

67

- Não é de caminhão, e das filha da moça feliz. – Ela respondeu e continuou a

história.

- Eles sairo e atravessaro a rua e seguraro a mão. Ai veio o caminhão ele é mais

rápido que o passarinho voando. Ai eles entraro no caminhão e foro pra casa da rainha. Ai

passo o tempo, o tempo, o tempo e ele quebro a porta da casa e viveram sempre feliz. Fim.

Quem gosto bate palma.

A professora chamou as crianças para o refeitório, todos se amontoaram na porta da

sala. A professora reclama:

- É assim que a gente se organiza para ir ao refeitório?

As crianças não falam nada, mas Flor responde:

- Não é de dois em dois.

Durante a escovação dos dentes Flor se comporta com independência, preferindo agir

sozinha a com a ajuda da professora.

Algo que observei é que as crianças não possuem um lugar fixo para deixarem as

mochilas. Quando solicitado que Flor pegue algo na sua mochila, como a escova de dente, por

exemplo, ela localiza a mochila sem dificuldade, mesmo tendo outras mochilas iguais a sua.

Percebo, portanto que ela memoriza onde à pendura todos os dias.

Após a escovação dos dentes a professora auxiliar começa a cantar a música do

“elefantão” com as crianças. Todas cantam e fazem a coreografia da música, inclusive

Eduarda. A professora me contou que eles aprenderam a música no dia anterior e que ela

havia ensinado a coreografia para Flor. Em seguida a professora se propôs e lhes ensinar uma

nova música na letra dizia que o cascão iria limpar toda a salinha. Na mesma hora Flor

protesta:

- Não o Cascão não limpa, o Cascão só suja.

Ela aprende a letra com facilidade e canta junto aos amigos.

10/03

Ao chegar à sala encontro Flor sentada na mesa junto a alguns colegas. A amiguinha

Orquídea se aproxima dela com um beijo no rosto. Flor pede a ela uma caneca de água, a

amiga atendeu seu pedido prontamente e saiu para brincar com as outras crianças. Ao tomar a

água Flor chama a amiga para devolver a caneca, por várias vezes, como não obteve resposta

ela mesma guardou a caneca utilizando as mãos para reconhecer o caminho.

68

A professora pede então que todos sentem-se para a atividade, distribuindo cadernos

de desenho à todos. Ao receber seu caderno Flor fala:

- O meu é da Moranguinho.

O colega ao perceber seu equivoco a contraria:

- Não, é da pizza o teu.

Flor se incomoda:

- Não é da Moranguinho.

- Não é da Moranguinho, já disse que é da pizza. – Responde ele irritado.

- Não, pizza não pode fica no caderno. O Profi né que a minha mãe compro o

caderno da Moranguinho? – Argumenta Flor.

A professora não escuta a sua indagação e o coleguinha continua:

- Não é da pizza.

Insatisfeita Flor pergunta para o outro colega que estava ao seu lado assistindo a

discussão:

- É da Moranguinho o meu caderno né?

O colega, intimidado, responde que sim e Flor fica feliz:

- Viu, o meu é da Moranguinho, o meu é da Moranguinho, o teu é que é da pizza.

A professora pediu para que as crianças copiassem o seu nome no caderno de

desenho. Como que para provocar o amigo Flor falava:

- Lindomara Moranguinho é o meu nome, o teu ta errado.

Os amigos começam a fazer a atividade, ela porém ainda não tinha recebido o seu

lápis, começou então a brincar:

- Vou fazer a chamada, ai vocês falam presente.

E começou a virar as folhas do caderno repetindo o nome dos amigos que

respondiam “presente”. Flor pergunta a eles:

- Vocês conhecem a Aline barros?

Um amigo responde:

- Não, quem é?

- Não sei mais eu tenho o DVD. – respondeu ela.

Flor começou a virar as paginas do caderno como se estivesse observando figuras e

ficava verbalizando: “Ah a igreja! Ah que lindo! Ah a Moranguinho! Ah o cabeludinho, vem,

cá cabeludinho”

Demonstrou então estar incomoda pelo fato de ainda não estar fazendo a atividade e

reclamar para a professora que estava sem lápis. Dentro de alguns instantes a professora vai

69

atendê-la explicando que demorou por que tinha ido buscar a tela, Flor fica curiosa e

pergunta:

- Que tela?

- Para você sentir o que está fazendo. - Respondeu a professora.

- A tá.

A professora pega na sua mão e juntas escrevem o seu nome com giz de cera. A

professora vai auxiliar outra criança e ela continua a rabiscar seu caderno, então eu pergunto:

- O que você está fazendo?

- Estou fazendo letras. – Diz ela.

Ela se ela se levantou vindo em minha direção, tocando no bloco e na caneta que

estavam em minhas mãos, e pergunta:

- O que é isso?

- Isso é um bloco e uma caneta que eu uso para escrever, igual a você estava

fazendo no seu caderno. – Respondi.

- Ah, então é isso que faz aquele barulho? - Ela perguntou.

Percebi então que ela estava se referindo a minha maquina fotográfica, que toda vez

que é ligada faz um pequeno barulho. Porém quando ia lhe explicar o motivo do barulho que

ela escutava, a professora chamou sua atenção, pedindo que voltasse a se sentar para terminar

a sua atividade, decidi então não intervir. Flor, pega o giz, risca mais um pouco no seu

caderno e fala:

- Profi Teminei.

- Ta então me mostra o que você fez. – Pede a professora.

- O “A”, o “E” e o “O”. Profi eu quero que alguém segure as minhas coisas, eu já

terminei. – Reclama Flor.

Ela se levanta e vem novamente em minha direção e solicita:

- Deixa eu vê tua caneta?

Alcanço a caneta para ela.

- Ai que linda, tem tampinha. Posso escreve no teu bloco?

- Claro. – Respondi.

Dei meu bloco para ela que começou a rabiscá-lo. Perguntei a ela:

- O que você está desenhando?

- Uma boneca. - Responde

Ela rabiscou mais um pouco me devolveu a caneta e saiu a caminhar pela sala, pegou

um joguinho e sentou-se no chão para brincar.

70

A professora não gosta e reclama:

- Flor a atividade não acabou, não é hora de brincar de lego, já pra carteira.

Ao perceber que Flor não retornou a sentar-se, a professora pegou sua mão e a

conduziu para o seu lugar.

A professora pediu, que as crianças fizessem um desenho. Flor pediu o giz de cera,

seu coleguinha de mesa comentou com a amiga ao lado:

- Não vamo da pra ela não senão ela vai quere pega tudo. - E falou alto para Flor -

que cor você quer Flor?

- Eu quero o rosa.- Respondeu ela.

O amigo lhe da o giz cor de rosa, desconfiada Flor afirma:

- Esse não é o rosa, é preto, me da outro. Passa o pote pra mim.

Ao invés de lhe dar o pote o amigo lhe da outra cor, porém nesse momento, a telinha

que ficava embaixo da sua folha saiu do lugar sem que ela percebesse. Ao tentar riscar o

caderno, ela fica irritada:

- Não ta dando da outro lápis.

O amigo lhe deu outro.

- Esse também não da, me da o pote. – Reclama Flor.

O amigo acha engraçado e lhe da o pote de giz de cera. Flor fala:

- Agora eu vou dar os lápis, quem qué marrom? Quem qué o rosa?

Ao termino da atividade as crianças foram brincar. Flor foi em direção a prateleira de

livros, escolheu um e passou a folheá-lo. Uma amiga parou ao seu lado, ela percebe sua

presença, se aproxima dizendo:

- Passa o dedo aqui – se referindo ao livrinho – tas vendo é o passarinho, a bruxa e

a princesa.

A amiga, pega o seu livrinho contando a ela a história por meio das figuras.

A professora reúne as crianças para contar uma história chamada “Meu amigo

Artur”. Esse livro conta a história de uma criança cega que está aprendendo a usar o método

braile.

Flor ouve a história com atenção e quando a professora termina ela comenta:

- É o mesmo caderno que eu aprendi a letra né Pro?

A professora lhe explica que sim.

11/03

71

Ao chegar a sala, encontrei Flor no bebedouro, após tomar água ela diriguiu-se até o

armário de brinquedos, encontrou uma lata e ficou batendo, produzindo bastante barulho.

Depois de alguns minutos ela se levanta indo em direção a uma amiga e pergunta:

- Vamos brincar de casinha? Só falta pega o isopor que saiu da sala.

A amiguinha responde:

- Não da Flor o isopor foi pros bebês. (Comenta a amiga se referindo à cozinha que a

auxiliar de ensino havia montado no dia 01/03, e não se encontrava mais na sala).

Flor, então caminha até o armário em busca de novos brinquedos. Derrubou uma

caixa cheia de letrinhas, juntando-as no mesmo instante. Após organizar sua bagunça,

encontrou um jogo com cartinhas e começa e espalhá-las no chão. Um amigo então se

aproxima e pergunta:

- Flor ta jogando o que?

- Cartinhas. – Responde

- Ta eu vou te ajuda. – Fala o amigo.

- Ta vamo brinca de casinha eu vou se a tua mãe. – Fala Flor.

- Ta mas eu vo se o pai. – Responde o amigo.

- Não o filho. – Retruca Flor.

- Ah eu não vo brinca com você. – Fala o amigo.

Flor não se importou com a atitude do amigo, deixou as cartinhas de lado e voltou a

reproduzir sons com a sua latinha. Uma amiga se aproxima dela e pergunta:

- Flor tas fazendo o que?

- Quês joga? – Fala Flor.

- Ta – Responde a amiga.

- Ta então eu vo se tua mãe e você a filha. - Fala Flor.

A amiga se afasta dela sem falar nada. Flor continua a brincar:

- Péra ai vo pega uma coisa.

Flor começa e remexer o armário trazendo um fogão e uma panela. Então eu

perguntei:

- O que é isso?

- É um fogão, eu vo fazer pastel. - Respondeu ela.

Ela continuou a brincar, colocando as cartinhas na frigideira como se estivesse

fritando pastel.

72

Ligo a maquina fotográfica para registrar o momento. Ao escutar o barulho Flor se

levanta imediatamente indo a minha direção e pergunta:

- O que é isso? É o teu bloquinho?

Eu respondo:

- Não, essa é minha máquina fotográfica, liguei ela para bater uma foto sua.

- Bate então. – Respondeu.

Ela levantou o rosto e deu um sorriso para posar para a foto e pediu:

- Deixa eu vê, cadê o botão? - Disse ela já com a máquina em suas mãos.

Ensinei para ela como tirar fotos. Ela então bateu varias fotos minhas, encostando o

flash bem próximo dos olhos, afirmando:

- Que linda eu bati uma foto sua.

Então eu pergunto:

- Por que você gosta de bater fotos colocando a máquina bem pertinho dos seus

olhos?

- Por que eu vejo estrelinha. – Respondeu ela.

A professora convida a todos a sentarem-se na rodinha, para ouvir uma história. Flor

se lembra que trouxe um livro para a sala e o solicita. A professora então lhe da um livro nas

mãos, porém Flor não o reconhece:

- Mas não é esse.

A professora lhe da outro livro. Flor o apalpa e o recusa afirmando que não é o seu.

A professora convence Flor a acharem o seu livro depois.

Após a contação da história da “lebre e da tartaruga” a professora diz que cada um

poderá escolher um livrinho para ler, e depois contar a história para os amigos. Flor fica

inquieta e diz:

- Eu quero o meu.

- A gente não sabe onde ta escolhe outro. – Fala a professora.

- Não, eu quero o meu. – Responde Flor.

- Ta, qual era a história? – Fala a professora.

- É do polvo. - Responde Flor.

A professora então procurou pela sala o livro do polvo, até que encontrou um e lhe

deu. Flor então afirmou:

- É esse mesmo.

73

A professora improvisou um palco e vários fantoches para as crianças usarem para

contarem suas histórias para os amigos. Enquanto os amigos contavam suas histórinhas a

professora Margarida, descrevia para Flor o que estava acontecendo na sala. Flor ficou muito

entusiasmada, a todo instante perguntava se estava na vez dela. Quando finalmente chegou

sua vez ela não quis ajuda da professora para chegar até o palco, preferiu ir sozinha. La

chegando perguntou aos amigos que a assistiam:

- Vocês estão brincando de alguma coisa?

- Sim. – Respondem os amigos.

- Sabia que eu trouxe uma história do polvo?

- Sim. – Respondem os amigos.

- Ta então vamos começar.

- Vamos - Respondem os amigos.

- Era uma vez um polvo. Ola meus amiguinhos, eu sou o Paulinho, eu vo pesca.

Neste momento ela interrompe sua história reclamando para o professora que os

amigos não estão fazendo silêncio. A professora chama a atenção dos amigos e Flor continua.

- Depois vocês vão brinca no parque? E depois vocês vão lancha?

- Sim. – Respondem os amigos.

- Vocês tão se comportando?

- Sim. – Respondem os amigos.

- Vocês tão andando de carro com a mãe de vocês?

- Sim. – Respondem os amigos.

- Vocês tão de carro com o pai de vocês?

Nesse momento as crianças já haviam se dispersado e não respondiam mais as

perguntas da Flor, então ela solicitava aos amigos:

- Mais alto que eu não to ouvindo, mais alto.

A professora então fala:

- Vamos bater palma para a Flor.

Flor não aceita:

- Não, eu não terminei.

- Então termina, que os outros amiguinhos também querem ir. – Justifica a

professora.

- Boa tarde. – Continua Flor.

- Boa tarde.

- Mais alto. – Pede Flor.

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- Boa tarde. – Respondem os amigo, dessa vez mais alto.

A professora intervém:

- Isso você já disse, conta o que aconteceu com o polvo na história.

- Eu trouxe uma história pra vocês, podemos começar? – Fala Flor.

A professora disse a Flor que o tempo tinha terminado e que era a vez de outro

amiguinho. Flor então sai do palco dando a vez para outro amigo.

As crianças vão para o lanche, na volta para sala, Flor é escolhida a ajudante do dia.

Ela ficou muito feliz com a noticia repetindo por varias vezes a frase “eu sou a ajudante do

dia”. Sua primeira tarefa foi ajudar a professora a distribuir as folhas para os amigos.

Nessa atividade as crianças tinham que escrever seu nome em uma folha em branco.

Ela fez a atividade com o auxílio da professora. Ao término da atividade as crianças foram

brincar, Flor pegou uma panelinha e um fogão e foi brincar sozinha de mamãe e filhinha,

dessa vez ela interpretava os dois papéis. Fiquei admirada com a desenvoltura dela ao

reproduzir as duas falas durante a brincadeira.

- Filha, vamos anda. – Fala Flor interpretando a mamãe.

- Ta bom mamãe vamu. - Fala Flor com voz bem fina de filhinha.

- Filha temos que guardar a coisa naquela caixa. – Fala Flor interpretando a mamãe.

- Ta bom mamãe eu te ajudo. - Fala Flor com voz bem fina de filhinha.

Sentou-se no chão guardando alguns brinquedos espalhados, dentro de uma caixa.

- Agora a gente vai no mercado tá filha?

- Ta bom mamãe.

E saiu a andar pela sala sem reproduzir mais falas.

Após o jantar as crianças foram ao parque. Flor sabia a localização de cada

brinquedo do pátio e foi à procura da bicicleta, fiquei curiosa, sobre seu desempenho andando

de bicicleta, e fui surpreendida mais uma vez. Apesar dela não usar os pedais teve uma boa

desenvoltura com o brinquedo se guiando com facilidade no parque.

15/03

Hoje cheguei antes da Flor na sala. Assim que ela chegou foi recepcionada pela

professora, ela guardou sua mochila, escolheu uma cadeira e abaixou sua cabeça sobre a

mesa, aparentando cansaço. A professora lhe ofereceu um colchão lhe perguntando em

75

seguida por que dela estar assim, Flor relatou a ela, que a mãe não tinha a deixado dormir, por

que chegou visita.

Ficou deitada por algum tempo. Levantou-se foi em busca de um brinquedo, pegou

um carrinho, mas não parecia entusiasmada, volta e meia se deitava no chão ou ficava fazendo

movimentos repetitivos com os braços, fato que não observei com freqüência nos outros dias.

Depois de algum tempo foi em busca da casinha de fantoches, perguntando a um amigo onde

ela estava, o amigo prontamente lhe conduziu até o local, porém as crianças que ali estavam

não queriam deixar que ela participasse da brincadeira, pegando a casinha e levando para

outro lugar da sala. Flor ficou muito irritada gritando:

- Pode trazer pra cá, eu sei o que vocês tão fazendo. Cambalhota. Seus bobos.

A professora fez uma rodinha propondo uma brincadeira para as crianças. Elas

cantariam a musica da canoa virou e a professora tiraria de uma caixa letras do alfabeto, as

crianças deveriam completar a musica com o nome de um amigo que iniciasse com aquela

letra. Flor não podia visualizar as letras, mas participou da atividade cantando junto aos

amigos.

Já na mesa a professora lhes apresentou todas as letras do alfabeto, entregando as

crianças massinha de modelar para que cada um fizesse a primeira letra do seu nome com

massinha.

Ao receber sua massinha Flor primeiro cheirou, depois apertou e finalmente pôs um

pedaço na boca, como não gostou muito, jogou fora o pedaço que havia colocado na boca e

ficou brincando de apertar a massinha. Em seguida pede ao amigo que estava sentado a sua

frente para fazer uma cobra para ela e me chamou para mostrar:

- Olha uma cobra.

- Que legal. – Respondi

Eu pedi a ela a massinha emprestada e fiz a primeira letra do seu nome na mesa e

perguntei:

- Que letra é essa? Direcionando sua mão.

- É o “F’ de Flor. – Respondeu

Hoje ela ficou inquieta o dia todo, não brincou muito, a maior parte do tempo ficava

com a cabeça abaixada ou movimentando os braços repetidamente.

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APÊNDICE B – Apresentação do acadêmico em campo

PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ

FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE SÃO JOSÉ

CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ

APRESENTAÇÃO DO ACADÊMICO NO CAMPO

Pesquisa do TCC

São José, 28 de fevereiro de 2011.

Ilma Sra. Claudia

Diretora do Centro de Educação Infantil São José II

Prezada Diretora,

O Curso de Pedagogia da USJ realiza visitas de campo, intervenções, observações

participantes nas Escolas do Ensino Fundamental, Centros de Educação Infantil das redes

municipal, estadual e particular da Grande Florianópolis/SC, inclusive nas 6ª, 7ª, e 8ª fases.

Nesse sentido, vimos apresentar à acadêmica Sabrini Hoffmann, regularmente

matriculada no curso de Pedagogia da USJ para que possa realizar a pesquisa do Trabalho de

Conclusão de Curso (TCC) nessa Instituição, cuja temática de estudo é: Construção da

Narrativa e da Brincadeira Simbólica de Crianças Cegas Congênitas.

Como proposta de ação, a acadêmica precisa participar de um grupo de Educação

Infantil observando crianças cegas congênitas, conforme agenda: 03 observações por semana

no mês de março no período vespertino.

A referida pesquisa é requisito obrigatório para a formação profissional, conforme Art.

65 da lei 9.394/96.

Sendo o que tínhamos para o momento, agradecemos.

Orientadora do TCC Coordenadora do Curso da Pedagogia

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APÊNDICE C – Autorização para o uso de imagens

PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ

FUNDAÇÃO EDUCACIONAL DE SÃO JOSÉ

CENTRO UNIVERSITÁRIO MUNICIPAL DE SÃO JOSÉ

São José, 15 de março de 2011.

Senhores pais ou responsáveis:

Eu, Sabrini Hoffmann, aluna da 8ª fase do Curso de Pedagogia do Centro Universitário

Municipal de São José, venho, através desta, solicitar sua autorização para utilizar imagens

fotográficas e fílmicas, de seu filho (a) para a pesquisa de Trabalho de Conclusão de Curso

(TCC) sobre: Análise da construção da narrativa e da brincadeira simbólica de crianças cegas

congênitas.

Afirmo que os referidos materiais serão utilizados somente com a finalidade de estudos e

divulgação científica no âmbito da formação de professores de educação infantil e que a

instituição receberá cópia do material produzido, ficando assim disponível seu acesso aos pais

e professores.

Autorização

Eu, _________________________________________, através desta autorizo a utilização de

imagens, falas e desenhos de meu filho (a) ________________________________________

para os fins acima descritos.

São José,____ de _________de 2010.

Assinatura: _______________________________

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APÊNDICE D – Questionário

1. Em sua opinião como tem sido a educação para a criança cega?

2. O direito do aluno cego de estudar no ensino regular ou na educação infantil é plenamente

garantido?

3. Como a Flor interage com as outras crianças? Me conte algum episódio em que houve

interação entre ela e os colegas.

4. Quais as maiores dificuldades que a Flor enfrenta durante as brincadeiras com os seus

colegas?

5. De que forma o professor poderá estar auxiliando a criança cega durante as brincadeiras

livres e dirigidas?

6. Que cuidados devemos ter com relação à comunicação oral com pessoas cegas?

7. Quais atitudes positivas o educador pode tomar para melhor incluir a criança com

deficiência visual?

8. Como as outras crianças se portam diante da criança cega?

9. Ele participa de todas as atividades que as demais crianças participam?

10. Você acha válida a inclusão? Por quê?

11. Em sua opinião quais os aspectos negativos e positivos de se ter uma criança com

deficiência visual incluída na educação infantil?

12. Qual a sua formação?

13. Por que escolheu trabalhar com educação especial? (pergunta para a auxiliar de educandos

especiais)

14. Quais os meios que a prefeitura disponibiliza para a capacitação dos profissionais que

trabalham com crianças especiais?

15. Na sua opinião as brincadeiras podem ajudar no desenvolvimento de crianças com

deficiência visual? Justifique.

16. De que forma você possibilita que a Flor adquira conhecimento sobre o mundo de coisas

pouco ou nada acessíveis aos seus canais perceptivos?

17. Existem limites para que uma pessoa privada da experiência visual possa se desenvolver

intelectualmente?