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UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
As Atividades Psicomotoras e
o Desenvolvimento da Criança Cega Congênita:
Por: Ana Cristina Teixeira Prado Rangel.
Orientadora
Prof. Ms. Fabiane Muniz
Rio de Janeiro
2009
2
UNIVERSIDADE CANDIDO MENDES
PÓS-GRADUAÇÃO “LATO SENSU”
PROJETO A VEZ DO MESTRE
As Atividades Psicomotoras e
o Desenvolvimento da Criança Cega Congênita:
Apresentação de monografia à Universidade
Candido Mendes como requisito parcial para
obtenção do grau de Especialista em
Psicomotricidade.
Por: Ana Cristina Teixeira Prado Rangel.
3
AGRADECIMENTOS
Agradeço aos meus pais, Waldir e
Carminha, pessoas brilhantes, que nunca
medem esforços para me apoiarem e
estarem comigo em todos os momentos da
minha vida.
Agradeço ao Paulinho, meu irmão, que,
quando solicitado, sempre se mostra
disposto.
Agradeço ao Eduardo, amigo,
companheiro, cúmplice, namorado,
"coorientador" dessa pesquisa e que, nos
momentos mais desestimulantes,
impulsiona-me a continuar, a não desistir
nunca.
Agradeço à amiga Silvana por sua
participação fundamental na finalização
deste trabalho. Se não fosse o seu
desprendimento, a sua generosidade e o
seu carinho, seria quase impossível, tê-lo
concluído. Ela deu a ele forma, beleza,
enfim, ela o tornou vivo!
Agradeço a todos que torcem pelo meu
sucesso e àqueles que torcem contra,
porque nunca se esquecem de mim.
Agradeço a Fabiane, professora e
orientadora, que ultrapassou os ´muros` da
orientação, envolvendo-se com o meu
trabalho.
4
DEDICATÓRIA
Dedico este estudo aos meus alunos, Felipe, José Augusto e Roberto, que me
inspiraram na sua realização.
Às suas famílias, que acreditam na minha capacidade de trabalho e na
potencialização das capacidades de seus filhos.
Aos profissionais da Escola Municipal Paulo Freire, que torcem e lutam pela
construção de uma sociedade para todos.
Aos profissionais da saúde, que trabalham com essas crianças, porque vêem
seus talentos e respeitam seus déficits, contribuindo com a formação de
pessoas capazes de se amarem e se fazerem amadas, conscientes da sua
incapacidade visual e da sua capacidade humana.
5
RESUMO
É indiscutível a importância da assistência psicomotora na prevenção de
complicações no desenvolvimento do sistema motor, cognitivo e afetivo, como
forma de evitar grandes perdas biopsicossociais no futuro da criança que nasce
cega. O bebê cego apresenta um alto risco em seu desenvolvimento. O déficit
visual impõe uma grande dificuldade na troca com o meio, uma vez que a
maior parte das informações são recebidas pelo canal visual. O
desenvolvimento é fruto de contínua troca entre os estímulos ambientais e as
respostas orgânicas. Deste modo, é fácil compreender a importância da
estimulação desde os primeiros dias de vida para a criança cega congênita,
como forma de prevenir a instalação de outros déficits, além do visual. É
importante salientar a ação fundamental dos pais no desenvolvimento do
sistema psicomotor do seu filho, uma vez que tem dificuldades para interagir,
de forma socialmente competente, com o meio que o cerca, o que está
relacionado, não com a deficiência em si, mas com a ausência de contextos
estimulantes que favoreçam tais aprendizados. A família é um contexto
particularmente relevante para a criança aprender, especialmente, quando é
bem orientada por profissional especializado. Tais intervenções, em qualquer
contexto social, devem acontecer num clima de puro prazer. São as vivências
lúdicas (jogos, brinquedos e brincadeiras) que dão prazer à criança, desde a
mais tenra idade e, por isso, facilitam/possibilitam vivências motoras e
cinestésicas a fim de fortalecerem as bases psicomotoras.
Palavras-chave:
1. Atividades Psicomotoras; 2. Cegueira Congênita; 3. Desenvolvimento
Global.
6
METODOLOGIA
A realização deste estudo embasou-se em pesquisa bibliográfica,
associada à experiência de cinco anos no acompanhamento
(detecção/intervenção) do desenvolvimento da motricidade, da inteligência e da
afetividade de crianças cegas congênitas, alunas da Escola Municipal Paulo
Freire (Niterói - RJ), e nos constantes diálogos com seus responsáveis e com
os profissionais da saúde que as atendem.
7
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO ........................................................................................... 08 CAPÍTULO I A cegueira congênita e o desenvolvimento infantil .................................... 13 CAPÍTULO II A importância do lúdico no desenvolvimento infantil .................................. 27 CAPÍTULO III Brincando com a criança cega congênita .................................................. 36 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 53 ÍNDICE ....................................................................................................... 60
8
INTRODUÇÃO
"Não lhe posso dar
O que já existe em você mesmo.
Não posso atribuir-lhe
Outro mundo de imagens
Além daquele que há em sua própria alma.
Nada lhe posso dar a não ser
A oportunidade, o impulso,
A chave.
Eu ajudarei a tornar visível
O seu próprio mundo.
É tudo."
Herman Hesse [s/d].
A presente pesquisa aborda o desenvolvimento psicomotor da criança
que nasce cega, levantando os dados referentes aos aspectos da ausência de
estímulos visuais, que interferem no desenvolvimento motor, podendo
ocasionar atrasos na aquisição de suas etapas evolutivas. Embora o foco deste
trabalho seja o desenvolvimento da motricidade, torna-se imprescindível
levantar alguns outros aspectos que, direta ou indiretamente, refletem sobre
ele. A criança é um ser global e se desenvolve harmonicamente, de forma que
todas as áreas que a constituem, biopsicossocialmente, se interligam e se
interdependem.
A Psicomotricidade contribui de maneira expressiva para a formação e
estruturação do esquema corporal e tem como objetivo principal estimular a
prática do movimento enquanto expressão do pensamento em todas as etapas
9 da vida. Por meio das atividades lúdicas, a criança, além de se divertir, cria,
interpreta e se relaciona com o mundo em que vive. Por isso, cada vez mais,
recomenda-se que as brincadeiras ocupem um lugar de destaque no dia-a-dia
da criança desde os seus primeiros meses de vida.
Assim sendo, a Psicomotricidade nada mais é que se relacionar através
da ação, como um meio de tomada de consciência que une o ser corpo, o ser
mente, o ser natureza e o ser sociedade; está associada à afetividade e à
personalidade, porque o indivíduo utiliza seu corpo para demonstrar o que
sente.
A criança busca experiências em seu próprio corpo, formando conceitos
e organizando o esquema corporal. A abordagem psicomotora irá permitir a
compreensão da forma como a criança toma consciência do seu corpo e das
possibilidades de se expressar por meio dele, localizando-se no tempo e no
espaço. O movimento humano é construído em função de um objetivo. A partir
de uma intenção como expressividade íntima, o movimento transforma-se em
comportamento significativo. É necessário que toda criança passe por todas as
etapas em seu desenvolvimento.
O trabalho da educação psicomotora com a criança deve promover a
formação de base indispensável em seu desenvolvimento motor, afetivo e
psicológico, dando-lhe oportunidade para que por meio de jogos, brinquedos e
brincadeiras, se conscientize do seu corpo. Através da ludicidade, a criança
desenvolve suas aptidões perceptivas como meio de ajustamento do
comportamento psicomotor.
A educação da criança deve evidenciar a relação através do movimento
de seu próprio corpo, levando-se em consideração sua idade, sua cultura
corporal e os seus interesses. A educação psicomotora, para ser trabalhada,
necessita que sejam utilizadas as funções motoras, perceptivas, afetivas e
sócio-motoras, pois, assim, a criança explora o ambiente, passa por
experiências concretas, indispensáveis ao seu desenvolvimento intelectual e é
capaz de tomar consciência de si mesma e do mundo que a cerca.
10 Pode-se afirmar, então, que a Psicomotricidade, através do brincar,
permite o desenvolvimento das aquisições básicas de motricidade, linguagem,
competência social e cognição das pessoas, expresso na interação entre o
desejo e o corpo, a afetividade e a energia, o indivíduo e o grupo, promovendo
a totalidade do ser humano.
Toda criança necessita de estímulos para que seu potencial se
desenvolva efetivamente. O organismo infantil pode estar pronto a reagir, mas,
se não houver estímulos adequados, imprescindíveis ao seu desenvolvimento,
poderá permanecer em estado de "latência". Quando o organismo infantil não
apresenta distúrbios ou qualquer deficiência, a figura materna intervém e
estimula a criança naturalmente, valendo-se dos laços afetivos estabelecidos,
dando significado às suas sensações. A criança motivada se desenvolve de
forma saudável e satisfatória. As ações realizadas pelo senso comum não são
totalmente desprovidas de fundamentação científica como pode parecer. É
importante que estas ações sejam percebidas de forma mais consciente, de
modo a garantir o máximo desenvolvimento das potencialidades da criança.
Se alguma deficiência acometer o indivíduo, diminuindo as
possibilidades do seu desenvolvimento, faz-se necessária a intervenção de um
profissional especializado, caso haja risco na aquisição de habilidades motoras.
Tal intervenção deve ser realizada o mais precocemente possível, a fim de
prevenir atrasos e/ou alterações, facilitando sua adaptação ao meio.
A função biológica carregada de emoção e tonicidade se matura, se
corticaliza e se modela às diferentes situações de vida. Contudo, os olhos são
os grandes responsáveis pelas informações que a nossa mente capta do real.
A visão é o sentido que mais nos integra com a exterioridade, que transmite
maior qualidade de informações recebidas, especialmente, durante os
primeiros anos de aprendizado em situações novas. A criança cega, por
conseqüência, precisa desenvolver o uso de todos os outros sentidos e
organizar sua percepção central, de modo que possa receber e ordenar essas
múltiplas informações de forma utilizável. Tudo que a criança vidente aprende,
11 naturalmente, deve ser ensinado passo a passo, pouco a pouco, desde o
nascimento, nas diferentes situações de vida, à criança cega.
Os bebês buscam os estímulos e as respostas de seu ambiente desde
as primeiras horas após o nascimento. Tipicamente, eles procurarão ´o novo` e
o diferente enquanto demandam respostas dos outros. Assim, a importância de
um ambiente estimulante deve ser enfatizada, porque, só nesse tipo de
ambiente, os bebês começam a se dar conta de sua capacidade de agir sobre
seu mundo.
Os pais devem ser ajudados a perceber que a criança cega é perceptiva,
tem habilidades de aprendizado, precisa de retorno e de estimulação desde
seus primeiros momentos.
Pelo exposto, percebe-se que um bom desenvolvimento do processo
das aquisições básicas, depende de fatores relacionados ao progresso da
criança nas diversas áreas do seu comportamento. A criança deve ter um bom
desenvolvimento motor para poder articular os sons da fala e se locomover, um
bom desenvolvimento cognitivo, a fim de que possa estabelecer relações
significativas de causa e efeito e um bom desenvolvimento afetivo, para que se
torne mais competente socialmente.
Este estudo valoriza os aspectos preventivos da Psicomotricidade,
atuando na prevenção de atrasos/alterações motores secundários, decorrentes
da cegueira; guarda, portanto, em seu bojo, aspectos educacionais relevantes.
Não há prevenção sem educação. Prevenir é educar o indivíduo precocemente,
para que não venha a apresentar alterações em seu desenvolvimento, ou
minimizar, ao máximo, os efeitos negativos advindos de determinada disfunção
orgânica, no caso específico deste trabalho, da cegueira congênita.
Nas etapas evolutivas do homem, a qualidade do seu crescimento global
mede-se pelo volume de oportunidades e estímulos que lhe são oferecidos.
Neste caso, a desvantagem entre uma criança cega e uma vidente, faz-se clara
e precisa ser encarada com realismo e coragem.
Eis, então, a ação fundamental da família e dos profissionais que lidam
com essa criança: intervir efetiva e intensivamente na sua formação e no seu
12 desenvolvimento, oferecendo-lhe quantidade e qualidade de experiências e
domínio do espaço.
13
CAPÍTULO I – A cegueira congênita e o desenvolvimento infantil
"Quem nada conhece, nada ama.
Quem nada pode fazer, nada compreende.
Quem nada compreende, nada vale.
Mas, quem compreende, também ama, observa, vê...
Quanto mais conhecimento houver inerente numa coisa,
tanto maior o amor...
Aquele que imagina que todos os frutos amadurecem ao mesmo tempo
como as cerejas, nada sabe a respeito das uvas..."
Paracelso [s/d].
O desenvolvimento psicomotor é um processo contínuo durante o qual
se dá a evolução da inteligência, da comunicação, da afetividade, da
sociabilidade e da aprendizagem de forma global e simultânea. Decorre por
etapas e depende da maturação do sistema nervoso central. Todas as crianças
passam por todas as etapas, embora o ritmo na aquisição possa variar de uma
para a outra.
As primeiras manifestações de estruturação do comportamento da
criança são de ordem motora. Desde o nascimento até o surgimento da
linguagem oral, é pelos gestos que a criança se faz entender. O movimento
constitui quase a expressão global das suas necessidades. Um exemplo é a
evolução da marcha, que se relaciona com a linguagem, pois a exploração do
meio ambiente determina a necessidade de comunicação entre o indivíduo, os
objetos e as pessoas. A fala, portanto, evolui com o aparecimento da marcha.
De acordo com Fonseca (1998), é por meio do movimento que o sistema
14 nervoso se elabora e se estrutura como primeiro aspecto da relação da
integração humana com o meio, o que permite a expressão da afetividade.
O bebê nasce dotado de uma série de reflexos, isto é, movimentos
involuntários, que vão desaparecendo ao longo dos primeiros meses de vida,
para darem lugar a movimentos adquiridos e realizados de forma consciente.
Durante o primeiro mês de vida, o bebê apresenta apenas movimentos reflexos
de respiração, sucção e percepção.
Durante os dois primeiros anos de vida, o desenvolvimento da
motricidade e do psiquismo confundem-se e sobrepõem-se através do
desenvolvimento sensorial, motor e cognitivo, que constituem o
desenvolvimento psicomotor. Neste desenvolvimento intervêm fatores
genéticos, fatores do meio em que a criança vive e o sexo do bebê.
No início, a aprendizagem é muito global, isto é, o bebê aprende de
forma simultânea a deslocar-se, a prestar atenção ao que lhe dizem, a
estabelecer um vínculo com a figura de afeição, etc. À medida que o bebê vai
crescendo, podemos estimulá-lo de forma mais precisa. Podemos estimular
apenas a sua motricidade, a fala ou a percepção, e assim sucessivamente com
todas as capacidades.
Contudo, se a criança com alguma deficiência não receber estimulação
em tempo, a limitação sensorial, a física ou a mental poderá impedir o ganho
das aquisições básicas de motricidade, linguagem, competência social e
cognição. Ferrell, Shal e Deitz (1998) afirmam que há uma diferença no grau e
seqüência dessas aquisições na criança cega em relação à criança vidente e
que o tempo se encarrega de diminuir essa diferença, permitindo-nos levantar
a hipótese de que essa diferença pode ser minimizada com um trabalho de
intervenção psicomotora precoce.
A criança com deficiência visual tem as mesmas necessidades afetivas,
físicas, intelectuais, sociais e culturais, apresentadas por todas as crianças.
Precisa de atenção, cuidado, interação positiva, afeto e segurança. Gosta de
brincar, passear, conhecer pessoas e conviver com outras crianças. Se tiver a
oportunidade de participar desde cedo de ambientes organizadores, que
15 favoreçam a construção do vínculo, com trocas afetivas e sociais favoráveis e
experiências de aprendizagem, que atendam às suas necessidades, não
apresentará, quando comparada às outras crianças, prejuízo relevante no seu
desenvolvimento global.
Em decorrência da deficiência sensorial, apresenta necessidades
específicas, caminhos e formas peculiares de apreender e assimilar o real, pois
Cobo, Rodriguéz e Bueno (2003) afirmam que cerca de 80% das informações
exteriores são captadas pelo sentido visual. Assim, essa criança precisa de
mais tempo para vivenciar e organizar as suas experiências, aprender e
construir conhecimentos. Compreendidas essas especificidades pela família e
pelos profissionais da saúde e da educação, ela poderá se beneficiar e obter
sucesso na inclusão escolar e social. No entanto, tais medidas têm que ser
adotadas antes que se estabeleçam determinados distúrbios do
comportamento, que, muitas vezes, se tornam irreversíveis.
"As estruturas mentais vão ser construídas pelas crianças, através de
suas possibilidades de interação e ação sobre o meio e pela qualidade de
solicitação do ambiente." (BRUNO, 1993)
Através de uma abordagem prática de ordem lúdica, utilizando-se de
fundamentos da Psicomotricidade, pode-se intervir no processo do
desenvolvimento motor da criança cega congênita como elemento facilitador,
permitindo que ela se desenvolva da forma mais ajustada possível. É
imprescindível que se tenha profundo conhecimento do desenvolvimento das
etapas evolutivas da motricidade na criança de visão normal. Ele é que vai
servir de base para o estabelecimento dos parâmetros necessários ao estudo
comparativo do desenvolvimento da criança com deficiência visual.
O ser humano é único, é um todo indivisível; não podemos compreendê-
lo na sua integralidade ao compartimentá-lo. Através de experiências
significativas: sociais, afetivas, cognitivas e adaptativas, busca explorar todas
as suas possibilidades; constrói-se nas interações que estabelece com o outro,
com os objetos e com o mundo que o cerca. Seu desenvolvimento, portanto,
deve ser visto sob os aspectos biopsicossociais que se inter-relacionam e
16 interdependem. Seu corpo organicamente perfeito responderá aos estímulos
do mundo externo.
Porém, existe um espaço entre a possibilidade e a realização. Este
intervalo é ocupado pela figura materna que atua como fundamental mediadora
nesse processo.
De acordo com Flehmig (1987), a plasticidade do cérebro é máxima nos
primeiros meses de vida. Quando ocorre uma lesão em um sistema que ainda
não está em pleno funcionamento, a possibilidade de adaptação é maior; o
contrário se dá, caso o sistema já esteja amadurecido.
As primeiras sensações percebidas pelo ser humano, no início do seu
desenvolvimento, são captadas pelos seus órgãos sensoriais e se expressam
pela atividade motora. Inicia-se o desenvolvimento sensório-motor que
transcorre nos dois primeiros anos de vida.
Gradativamente, as informações captadas pelos vários sentidos
interagem, se integram, promovendo respostas adequadas às solicitações do
ambiente. Após o nascimento, todos os sistemas orgânicos trabalham para
adaptar-se aos fatores ambientais. Distúrbios sensoriais afetam, sobremaneira,
o desenvolvimento motor da criança. Os sentidos assumem inegável
importância nas relações que a criança mantém com o mundo, principalmente,
no início do seu desenvolvimento, pois, sem dúvida, é aí que se forma o
alicerce para todas as suas futuras aquisições. Eles servem de "porta de
entrada", provocando as mais diversas reações na criança.
Através das sensações captadas pelos receptores sensoriais
espalhados por todo o organismo, tomamos conhecimento de tudo que nele se
passa e o que acontece com o mundo dos objetos ao nosso redor.
Desde o nascimento, os órgãos dos sentidos estão aptos a funcionar,
recolhendo as informações dos diferentes estímulos do ambiente. Eles, por sua
vez, aprimoram cada vez mais sua função, na medida em que são utilizados
nas atividades da vida diária.
17 A cegueira, quando presente ao nascimento, afeta o desenvolvimento da
percepção espacial e de distância, da caracterização dos objetos, do
desenvolvimento das habilidades motoras e do comportamento social.
Restringe, significativamente, a aquisição das habilidades dos
movimentos, pois impede que as principais informações sensoriais sejam
captadas, de forma a promover os ajustes do tônus muscular e as implicações
relativas aos resultados dos próprios atos.
É indispensável que a criança cega sinta-se motivada aos mais variados
movimentos. Só através da execução e repetição dos mesmos, serão
assimilados e poderão ser reproduzidos. A criança cega tanto quanto a vidente,
necessita dessa interação para que possa sentir-se aceita, segura e motivada a
interagir com o ambiente e iniciar suas primeiras experiências motoras. Neste
caso, a criança mantém suas relações com o mundo, com os outros e com os
objetos, através das informações disponíveis, captadas por seus sentidos
remanescentes.
Basicamente, é a audição que garante à criança cega, a noção de
distância, localização e direção dos objetos, porém, este sentido não pode
fornecer qualquer idéia concreta dos mesmos: suas qualidades e disposições.
"As informações fornecidas pela audição são
momentâneas e não formam um todo significativo, não
podendo ser percebidas uma segunda vez. É muito mais
difícil a obtenção de informações através da audição do
que olhando, olhando e olhando." (HYVARINEN, 1989)
A visão é contínua e seletiva, só vemos aquilo que queremos ver. Além
disso, tem função integradora dos outros sentidos e passa a liderar as
experiências motoras da criança, principalmente, após os três meses.
A audição, como sentido isolado, tem pouca significação para a criança
cega nos primeiros meses de vida; a busca do objeto pelo som está associada
à busca visual. A localização do som ocorre sobre a focalização do objeto que,
gradativamente, vai alcançando distâncias maiores.
18 Rodrigues (In: Revista BENJAMIN CONSTANT, 2002) aponta que só em
torno dos dez meses, a criança cega estende a mão em direção a um som em
particular. Para ela, a audição é um sentido extremamente subjetivo. Os sons
não adquirem objetividade, localização e sentido de distância de forma rápida.
A reação auditiva não é automática; é mais lenta e depende da posição e
distância em que a fonte sonora se encontra da criança. Sendo assim, a reação
ao estímulo auditivo não é compensadora por si só e, em muitos casos, age
como fator de desorganização, quando há excesso de ruído.
O sentido tátil-cinestésico adquire fundamental importância, quando se
integra ao sentido auditivo, nas primeiras etapas do desenvolvimento, devendo
ser estimulado. As informações obtidas, a partir dessa integração, dão à
criança cega maior possibilidade de acesso ao mundo que a rodeia. O som do
chocalho, ouvido pela criança cega nos primeiros meses, "se perde no vácuo."
Torna-se fundamental que ela o pegue e o sacuda para que possa, ela mesma,
produzir seu som. É preciso que se dê à criança cega a oportunidade de
concretizar, sempre que possível o que é ouvido. A associação das
informações táteis, cinestésicas e auditivas enriquece suas experiências,
tornando-as mais significativas.
Futuramente, poderá reconhecer objetos pelo som e se motivar a ir ao
encontro deles.
Os sentidos do olfato e paladar já se encontram bastante desenvolvidos,
ao final da terceira semana de vida. Porém, estes sentidos prestam
informações limitadas no que se refere às possibilidades motoras da criança
cega. Tais informações servem como "pistas" para sua orientação e
localização. Assim como a audição, o olfato e o paladar, como sentidos
isolados, fornecem pouco significado à criança cega. Devem vir associados a
situações concretas para que possam ser mais bem percebidos por ela. O
cheiro do leite materno, para que assuma significado, deve vir acompanhado
do toque do seio ou mamadeira, ao ser alimentada.
19 Na verdade, nenhum sentido pode substituir ou compensar,
adequadamente, qualquer outro. Os sentidos foram feitos para funcionarem,
sinergisticamente, mesclando-se duas ou mais modalidades.
Acredita-se, no entanto, que a necessidade da utilização dos sentidos
remanescentes pela criança cega, venha a contribuir para o maior
aperfeiçoamento dos mesmos.
A cegueira não pode ser vista simplesmente como a perda de um
sentido isolado. Ela é muito mais do que isso; é a perda do sentido que integra
todos os outros.
É fundamental que seja oportunizado o máximo de experiências
possíveis, integrando informações simples, claras e precisas, advindas dos
canais sensoriais disponíveis. Só assim, a criança cega poderá compreender,
pouco a pouco, o mundo que a cerca, desenvolver-se satisfatoriamente e
adaptar-se de forma integrada a ele.
"As primeiras estruturas do comportamento humano são
essencialmente de ordem motora e só mais tarde de
ordem mental. À medida que o contato com o meio vai se
enriquecendo, o papel da motricidade vai ficando cada
vez mais na dependência recíproca com a consciência."
(FONSECA, 1998)
O movimento é uma necessidade orgânica; é a base para a organização
física, psíquica, mental e social do homem. Ele vive em unidade com o meio
externo e busca adaptar-se constantemente a ele. O movimento pressupõe, em
geral, um objetivo, algo a ser alcançado. É sob esse ponto de vista que ele está
intimamente relacionado à motivação e à satisfação de desejos. Sem dúvida, a
visão, no desempenho do seu papel unificador dos sentidos, tem fundamental
importância nesse processo. Os dados oriundos dos outros sentidos, na
ausência da visão, são intermitentes, difusos e fragmentados.
A criança que vê, movimenta-se tão logo sua curiosidade é aguçada;
quando vê um objeto atraente, quer tê-lo, experimentá-lo e examiná-lo. Isso
não ocorre com a criança cega. Sem dúvida, ela não descobrirá aquilo que a
20 criança vidente descobre brincando. Sem a informação e a integração que a
visão proporciona, a criança cega demora mais tempo para, através dos outros
sentidos, formar um todo significativo das situações vivenciadas.
É inegável que, nos primeiros anos de vida, a criança aprende por
observação, experimentação e imitação. A criança cega tem graves prejuízos
em relação à utilização desses recursos; torna-se, por isso, defasada em seu
desenvolvimento.
A maior parte das crianças cegas demora a ficar de pé e a adquirir a
marcha independente, o que demonstra a importância da visão, não só como
fator de motivação, mas também para o desenvolvimento dos mecanismos de
controle motor.
A criança cega precisa conhecer o ambiente para que possa se sentir
motivada a romper o espaço com segurança, em busca de algo que tenha
significado para ela. Só o fará, quando o som for percebido como algo palpável,
quando conseguir relacionar o objeto ao som produzido por ele, através de
experiências auditivas, táteis e cinestésicas.
A coordenação “ouvido-mão” que, de certa forma, "tenta substituir" a
coordenação olho-mão, que se inicia nas crianças videntes em torno dos cinco
meses, só ocorre muito mais tarde na criança cega e, de acordo com Halliday
(1975), raramente, antes do término do primeiro ano de vida, e apenas se
experiências adequadas concorrerem para o seu desenvolvimento. Só a partir
daí, a criança cega desenvolve a capacidade de fazer o "alcance" dirigido a um
som particular.
Fraiberg (1977) verificou que para a criança cega não existem atrativos
nem objetos à sua volta, exceto aqueles que estão em imediato contato com o
seu corpo. O objeto com o qual "brinca", explorando com as mãos e produzindo
seu som, ao cair e rolar no espaço, sem mais o contato direto com ele, parece
provocar nela a idéia de que ele deixou de existir. Ela age como se o som do
objeto que lhe era familiar, se desintegrasse do mesmo e não tivesse nenhuma
conexão com o objeto que ela havia segurado e manipulado.
21 "A criança cega geralmente não engatinha ou se arrasta
antes de ter desenvolvido a percepção da permanência
dos objetos ou a coordenação “ouvido-mão”. Até então
não há nada motivando o seu deslocamento no espaço."
Community Based Program Boston Center for Blind
Clildren (In: Revista BENJAMIN CONSTANT, 1996).
De acordo com Brandão (1984), nas crianças de visão normal, a noção
de que um determinado objeto ou pessoa existe, mesmo quando fora do seu
campo de ação, se inicia em torno de oito a dez meses. A criança cega, em
geral, não a adquire antes dos doze meses, o que vai depender,
principalmente, das suas vivências corporais no tempo e no espaço, do
conhecimento de si, do outro e das propriedades dos objetos, assim como a
possibilidade de reencontrar o objeto desaparecido. Esta noção não pode ser
obtida, quando os objetos caem e desaparecem e são reencontrados somente
após intervalos de tempo irregulares. A criança cega deve, portanto, ser
estimulada a usar suas mãos para recuperar imediatamente objetos que caem
e saem do seu campo de ação, bem como estar atenta ao ruído que fazem ao
cair, pois facilita sua localização.
Estes objetos, inicialmente, devem ser recolocados em contato direto
com uma parte exposta do seu corpo, de fácil acesso e, dessa forma, dar-lhe
uma pista sensorial para a busca do mesmo.
A criança cega tende a engatinhar para trás ou se deslocar de forma
atípica. Admite-se que o senso de proteção atue e ela busque adaptações
como forma de defesa, expondo menos sua cabeça e face. Muitas vezes,
encontra-se crianças cegas que "pulam" a etapa do engatinhar, ou vão fazê-lo
muito depois de já terem adquirido a marcha. Em geral, a criança cega não
adquire a marcha independente, antes de cerca de dois anos. É necessário
que já tenha explorado tátil-corporalmente um determinado espaço. Muitas
vezes, a criança cega está pronta posturalmente para os movimentos, mas o
medo e a insegurança gerados pelo espaço desconhecido dificultam tal
aquisição.
22 A visão antecipa os fatos. A criança cega precisa ser comunicada
verbalmente do que está por acontecer, pois encontra dificuldade em realizar
ajustes do tônus muscular de forma a permitir movimento e comportamento
adequados que dependem de um planejamento motor. É comum à criança
cega fazer movimentos mais bruscos e grosseiros, principalmente, com as
mãos. Sem o auxílio da visão, a aquisição dos movimentos mais finos e
delicados fica seriamente prejudicada. É preciso estimular a criança cega a
usar as mãos de forma funcional. Geralmente, ela as mantém por mais tempo
fechadas e com pouca atividade significativa. Suas mãos serão instrumentos
úteis e necessários para explorar o ambiente, reconhecer as qualidades dos
objetos e, principalmente, para proteção contra obstáculos que se interpõem no
ambiente. A marcha com independência só poderá ocorrer com segurança,
quando a criança cega puder ter suas mãos e membros superiores
suficientemente trabalhados em extensão, para se proteger e se orientar no
espaço. Experiências negativas como quedas e contusões podem gerar medo,
reforçando as atitudes de retração e falta de iniciativa para o movimento.
Se a criança cega receber afeto, se tiver a chance de se familiarizar com
muitas posições do seu corpo, se seus ouvidos e mãos receberem grande
variedade de estímulos, através de objetos que unam os sentidos táteis e
cinestésicos, ela encontrará interesse em explorar o espaço mais amplo. A
princípio, o espaço se estrutura em referência ao próprio corpo e se organiza
através de dados fornecidos pelo esquema corporal e pela experiência pessoal.
Nos primeiros meses de vida, o espaço é muito restrito, se limitando ao
reduzido campo visual e às escassas possibilidades motoras. A junção das
mãos à frente do corpo parece dar a referência básica para o início da
construção do espaço. A partir daí, quando um objeto é colocado no campo
visual da criança, ela tenta alcançá-lo, fazendo a busca visual, inicialmente,
com vários movimentos desordenados. As experiências visomotoras repetidas
aperfeiçoam os movimentos e reforçam, continuamente, a orientação da mão
no espaço.
23 Quando começa a andar, seu espaço se amplia, consideravelmente.
Capta distâncias, direções e demais estruturas espaciais elementares,
inicialmente, sempre em relação ao seu próprio corpo.
É essencial que a criança cega seja movimentada e colocada em
variadas posições, precocemente, para que possa se situar em relação aos
objetos à sua volta. Ela precisa estabelecer pontos de referência táteis e
auditivos, para se orientar no espaço que se torna tão confuso, sem o auxílio
da visão. Só poderá explorar o ambiente, quando for capaz de associar os
objetos aos sons produzidos por eles e reconhecer pelo tato os objetos
familiares.
A partir da aquisição da mobilidade do rolar, engatinhar e andar, a
criança vai, concomitantemente, em cada uma destas etapas, organizando um
mapa mental do espaço experimentado à sua volta. A criança cega não pode
fazer isso num relance como ocorre com a vidente. Nela, esta construção
ocorre, a partir da motivação pelo toque, pela busca do som, pela posição e
relação do corpo e objetos no espaço.
A construção da noção de espaço está intimamente relacionada às
experiências motoras, ou seja, à capacidade de se deslocar, tanto na criança
vidente quanto na cega.
As mãos da criança cega precisam se encontrar à frente do corpo para
que se inicie a primeira noção de espaço. Isto pode ser estimulado, através de
objetos sonoros e atraentes ao tato. Informações auditivas, táteis e
cinestésicas integradas, sem dúvida, facilitam este processo.
A criança cega necessita de experiências abundantes em espaços
diferentes: tão pequenos em que só caibam suas mãos e grandes o suficiente
para comportá-la sentada. Experimentar o espaço com o próprio corpo é
fundamental para a criança cega. Precisa compreender os limites do espaço
tocado por seu corpo para, mais tarde, compreender e se localizar em espaços
maiores.
24 A organização do espaço físico é imprescindível para que possa se
mover com segurança. Móveis e objetos não devem ser trocados de lugar em
curtos intervalos de tempo.
A ausência de estímulos visuais produz na criança cega uma baixa
atividade motora. Sem compreender o ambiente, seu espaço fica limitado ao
próprio corpo. Tende a se manter isolada e o contato com pessoas e objetos
fica mais reduzido. Se não houver estímulos adequados que a motivem ao
movimento através de experiências ricas e integradoras, desenvolve
movimentos rítmicos e repetitivos como forma de auto-estimulação. Em razão
deste comportamento, muitas vezes, crianças cegas são confundidas com
crianças autistas, devido à tendência ao isolamento. Porém, deve ficar claro
que o isolamento da criança cega é imposto pela impossibilidade de se
relacionar, visualmente, com o ambiente.
Quando a criança inicia o balanceio, deve-se sugerir, imediatamente,
uma atividade motora mais significativa que preencha sua necessidade de
estimular o ouvido interno.
Outro hábito característico desta criança é o de esfregar e pressionar os
olhos com as mãos, continuamente. Esta atitude revela acentuada baixa visual
e, acredita-se que a pressão dos dedos sobre os olhos, estimula a formação de
imagens virtuais que se tornam interessantes, provavelmente, intensificando
novas sensações.
Nos primeiros anos de vida, a criança tem restrita noção de tempo. A
organização temporal está intimamente relacionada à construção do espaço. O
tempo se estrutura entre duas percepções espaciais sucessivas.
A noção de tempo segue a mesma evolução da noção de espaço.
Primeiro, se estrutura tendo a própria criança como referência, depois, entre
ela e os objetos e, em seguida, entre os objetos.
A percepção do tempo é mais complexa que a de espaço e só aparece
bem mais tarde. As primeiras noções de tempo se formam em função das suas
experiências pessoais. O tempo passa depressa em atividades que lhe dão
prazer e demora, quando vivencia situações que causam desprazer.
25 Dentro desta perspectiva, ela inicia seus conceitos formais de tempo. A
idéia do presente aparece primeiro como uma única dimensão. Tudo é agora,
na mesma hora, ainda não sabe esperar. Depois, progride, incorporando a
noção de futuro e, por último, a de passado. Ela vai adquirindo esta noção, a
partir da seqüência de acontecimentos que ocorre em atividades da sua vida
diária, podendo, posteriormente, reconstruir o que passou, perceber o que está
realizando no presente e antecipar o que está por acontecer.
Os cuidados dispensados à criança cega, em sua rotina diária, são
importantes como início da aquisição da noção de tempo. O tempo reservado
para alimentação, banho, sono e passeio, assim como as sensações
experimentadas durante estas atividades, auxiliam, significativamente, esta
aquisição. Pela falta de percepção de pistas visuais, oferecidas pelo ambiente,
é fundamental que sejam estabelecidas rotinas bem estruturadas das
atividades da vida diária. Gradativamente, ela vai adquirindo a noção da
seqüência das atividades oferecidas. Depois do banho, a refeição e, logo após,
será colocada em sua cama para dormir.
Muitas destas crianças têm dificuldade de adquirir hábitos de sono e
vigília, coerentes com o dia e a noite. A incapacidade visual, muitas vezes, não
lhes permite estabelecer a distinção entre o claro e o escuro. Deverão, por isso,
contar com uma rotina mais rigorosa, pois só poderão adquirir este importante
hábito, por meio dos seus processos fisiológicos.
O trabalho da Psicomotricidade tem um cunho lúdico. É preciso que a
criança sinta prazer ao ser estimulada. Só assim, ela se motivará a repetir e
aperfeiçoar seus movimentos. Deve ficar claro que o lúdico prevê objetivos
bem definidos e estabelecidos por parte do profissional, porém, este deve estar
ciente da flexibilidade que a terapia prevê, aproveitando todas as situações que
surgirem, muitas vezes, inesperadas, para estimular a criança.
A cegueira não é doença. É, antes de tudo, uma condição. As atividades
psicomotoras visam favorecer situações vivenciais que valorizem o potencial
positivo da criança. É pelo vivido que a aprendizagem se estrutura. Na
ausência da linguagem oral e da conceitualização nos dois primeiros anos de
26 vida, suas relações são essencialmente corporais e motoras. A partir das
vivências relacionais com o mundo e com os outros, através do corpo, se
estrutura a base inicial e fundamental da personalidade. Experiências
posteriores virão a se integrar nesta base, enriquecendo e dando novo
invólucro a esta estrutura, porém, sem modificar sua essência. Considerando
que os estímulos visuais favorecem as relações psicomotoras, somente pela
integração dos sentidos remanescentes, principalmente, a criança cega será
incitada a explorar o mundo e a relacionar-se com ele.
27
CAPÍTULO II – A Importância do Lúdico no Desenvolvimento Infantil
O brincar é um fenômeno universal que tem atravessado fronteiras e
épocas, passando por várias transformações, mas perpetuando-se na sua
essência. Historicamente, o homem sempre brincou, através dos diversos
povos e culturas e, no decorrer da história, sem distinção, nas ruas, praças,
parques, praias, campos, rios, etc.
Com uma predisposição natural às brincadeiras e aos brinquedos, a
criança em sua inocência, absorve imagens e situações, processando-as com
o objetivo de torná-las alegres e divertidas, criando o brincar na sua mais
primitiva e pura forma de manifestar a alegria e satisfazer a necessidade de
descarregar toda a energia que o seu corpo começa a gerar.
O vocábulo BRINQUEDO designa “todo objeto que ampara ou dá
suporte a uma atividade lúdica; é aquele objeto que, muitas vezes, representa
um objeto da realidade material e cultural do adulto” (FERREIRA, 1993), a
exemplo disso, está o aviãozinho de plástico que é uma representação de um
meio de transporte aéreo - que desloca pessoas ou cargas de um determinado
lugar a outro. Quanto ao termo BRINCADEIRA, este se refere a “todo ato de
brincar, orientado pela espontaneidade, com ou sem regras predeterminadas e
que confere uma experiência prazerosa em si mesma” (ibidem) e, como o
brinquedo, também simboliza o cotidiano cultural de uma dada sociedade. A
brincadeira pode ser solitária (quando a criança brinca sozinha com brinquedos
ou com objetos) ou compartilhada (quando a criança brinca com adultos e/ou
crianças). O brinquedo é um convite ao brincar, facilita e enriquece a
brincadeira, proporciona a motivação.
Etimologicamente, a palavra JOGO vem do latim locus, que significa
gracejo, zombaria e que foi empregada no lugar de ludus: brinquedo, jogo,
divertimento, passatempo. Segundo a Enciclopédia Barsa (1997, p.338),
"A denominação jogo é dada a diversas formas de atividades físicas ou
mentais que têm por fim a recreação, embora, às vezes, envolva também
interesse financeiro." Afirma ainda que jogos se praticam segundo regras
28 estabelecidas ao espírito lúdico e a necessidade humana de comunicação da
qual as brincadeiras infantis são a primeira manifestação. Quanto à sua
importância: todos os tipos de jogos desempenham importante papel no
desenvolvimento físico e intelectual do indivíduo.
Almeida1 (1978) afirma que os jogos não devem ser fins, mas meios
para atingir objetivos. Estes devem ser aplicados para o benefício educativo.
Deve se aplicar os jogos de uma forma correta, planejada, de modo que levem,
realmente, a criança a aprender brincando.
Brenelli (1996) diz que o jogo é uma atividade poderosa que estimula a
atividade construtiva da criança, criando assim, um espaço para pensar,
abrindo lugar para a criatividade, a afirmação da personalidade e a valorização
do eu.
Para Piaget (1975), os jogos caracterizam-se no primeiro período de
desenvolvimento da criança pelo jogo do exercício, que reaparece mais tarde,
em outras fases do desenvolvimento da criança e também na vida adulta e
quando abrangem mais indivíduos, necessitam de regras que permitam o jogo
regulando as situações. Outra característica dos jogos infantis são os jogos
simbólicos, nos quais originam-se a imitação e representação. Neste jogo
existe uma verdade subjetiva, ou seja, constitui uma transposição simbólica
que submete as coisas a atividade própria, sem regras ou limitações.
Para tudo isso que os jogos e brinquedos são usados nos mais diversos
segmentos da convivência humana. São usados por famílias para estimularem
suas crianças; em Psicologia (ludoterapia), Psicopedagogia como recurso
terapêutico em sala de aula na condição de estratégia do trabalho docente e na
terapia psicomotora como estratégia de prevenção/alteração de
comportamentos motores.
Hoje, a maioria dos filósofos, sociólogos, etólogos e antropólogos
concordam em compreender o jogo como uma atividade que contém em si
mesma o objetivo de desafiar os enigmas da vida e de construir um momento
1 O material de pesquisa foi digitalizado e algumas partes da digitalização não ficaram legíveis pelo leitor de telas.
29 de entusiasmo e alegria na ridez da aprendizagem e da caminhada humana
pela evolução biológica. Assim, brincar significa extrair da vida nenhuma outra
finalidade que não seja ela mesma. Em síntese: o jogo é o melhor caminho de
iniciação ao prazer estético, à descoberta da individualidade e a meditação
individual (ANTUNES, 2000).
Os jogos podem exercer funções cognitivas, afetivas e sociais
(acompanham o desenvolvimento da humanidade). Todos os jogos contêm e
exercitam todos os aspectos (cognitivo, afetivo e social) e, de acordo com a
predominância, podem ser classificados como:
• jogos lógicos: desenvolvem o raciocínio;
• jogos afetivos: estimulam as emoções e
• jogos sociais: facilitam a aquisição de conhecimentos, atitudes e
destrezas próprias de um determinado meio.
Geralmente, em cada uma dessas três categorias existe o que poderia
se chamar de "uma família de jogos" cujos distintos membros representam um
grau variado de complexidade crescente, que permite elaborar uma hierarquia
e, também, estabelecer uma correspondência tanto com jogos de uma mesma
família quanto de famílias diferentes, de tal forma que um jogo mais simples
pode preparar para outro mais complexo, facilitando a construção de esquemas
requeridos por este último.
Os jogos lógicos põem em exercício as operações cognitivas como a
classificação, a seriação, a antecipação, a conservação, a compensação, etc.,
de uma forma amena, porque unem as operações à emoção. É notório como
as mesmas operações que se praticam com um grau de entusiasmo em um
jogo, freqüentemente, são rechaçadas, quando são realizadas como mera
prática de treinamento, em que a emoção está ausente ou reprimida.
De acordo com Piaget (1978), os fatores do desenvolvimento cognitivo
são quatro: o crescimento orgânico, o exercício e a experiência adquirida na
ação efetuada sobre o objeto, as interações e transmissões sociais e o
equilíbrio, no sentido da auto-regulação retroativa à antecipatória.
30 Os jogos oferecem excelentes oportunidades para nutrir a linguagem
oral da criança. O contato com diferentes objetos e situações estimula a
língua e o aumento do vocabulário.
Segundo Newcombe (1999), Piaget acreditava que a experiência ativa
com o mundo é essencial para o crescimento cognitivo, isto é, ele era um
interacionista convicto. De acordo com Piaget (1975), a criança constrói seu
mundo ao ordenar o material bruto fornecido por visões, sons e cheiros. Ainda,
conforme Piaget (1978), a inteligência consiste na capacidade individual de
acomodação ao meio e, desta forma, o processo cognitivo teria início nos
reflexos fortuitos e difusos do recém-nascido, desenvolvendo-se por estágios
até alcançar o nível adulto do raciocínio lógico.
Existe uma assimilação progressiva do meio ambiente e uma
acomodação das estruturas mentais para os novos conhecimentos adquiridos
do mundo em que vive.
Com relação ao jogo, Piaget (1975) acredita que ele é essencial na vida
da criança. De início, tem-se o jogo de exercício que é aquele em que a criança
repete uma determinada situação por puro prazer, por ter apreciado seus
efeitos. Mais tarde, nota-se a ocorrência dos jogos simbólicos, que satisfazem
à necessidade da criança de não somente relembrar mentalmente o
acontecido, mas de executar a representação. Em período posterior, surgem os
jogos de regras, que são transmitidas socialmente de criança para criança e
por conseqüência vão aumentando de importância de acordo com o progresso
de seu desenvolvimento social.
Para Piaget (ibidem), o jogo constitui-se em expressão e condição para
o desenvolvimento infantil, já que a criança quando joga assimila e pode
transformar a realidade. O mesmo autor afirma (1978) que a atividade lúdica, é
o berço obrigatório das atividades intelectuais da criança, sendo, por isso,
indispensável à prática educativa.
Conclui-se, portanto, que o desenvolvimento infantil se encontra
particularmente vinculado ao brincar, uma vez que esta prática se apresenta
como linguagem própria da criança, através da qual lhe será possível o acesso
31 à cultura e sua assimilação. O brincar se apresenta como fundamental tanto ao
desenvolvimento cognitivo e motor da criança quanto à sua socialização, sendo
um importante instrumento de intervenção em saúde durante a infância.
O ato de brincar proporciona ilimitadas possibilidades de experiências à
criança, favorecendo uma maior compreensão de si mesma, das pessoas,
sentimentos, pensamentos, fatos vivenciados, como também, oportuniza uma
maior interação ativa no manuseio de objetos e materiais diversos, estimula
sua socialização através do compartilhar de atividades com outra criança e/ou
um adulto e no vivenciar de limites ou regras estabelecidos em diversas
brincadeiras. Segundo Platão (apud FERREIRA; VASCONCELOS; GOMES &
ROCHA, 2004, p. 05) "você aprende mais sobre uma pessoa em uma hora de
brincadeira do que uma vida inteira de conversação."
O brincar é oportunidade de desenvolvimento. Ao brincar a criança
experimenta, descobre, inventa, aprende e confere habilidades, além de
estimular a curiosidade, a autoconfiança e a autonomia e proporcionar o
desenvolvimento da língua, do pensamento e da concentração e atenção; é
indispensável à saúde física, emocional e intelectual da criança, o que irá
contribuir, no futuro, para a eficiência e o equilíbrio do adulto; é um momento
de auto-expressão e auto-realização. Conforme Gadotti (1994, p. 53)
“A infância é um conjunto de possibilidades criativas que
não devem ser abafadas. Todo ser humano tem
necessidade vital de saber, de pesquisar, de trabalhar.
Essas necessidades se manifestam nas brincadeiras, que
não são apenas uma diversão, mas um verdadeiro
trabalho.”
O brincar como atividade essencialmente da criança, acompanha como
ela, o caminhar das sociedades. E para que ele não seja desvalorizado com as
mudanças de valores que ocorrem nas mesmas, precisa ser levado a sério.
Precisa ser praticado e experimentado principalmente pela criança, que traz
como marco de suas primeiras e principais atividades, o brincar livre.
32 As atividades livres com blocos e peças de encaixe, as dramatizações, a
música e as construções desenvolvem a criatividade, pois exigem que a
fantasia entre em jogo. Já o brinquedo organizado, que tem uma proposta e
requer desempenho como os jogos (quebra-cabeça, dominó, resta 1, jogo da
memória e outros), constitui um desafio que promove a motivação e facilita
escolhas e decisões à criança.
O brinquedo traduz o real para a realidade infantil. Suaviza o impacto
provocado pelo tamanho e pela força do adulto, diminuindo o sentimento de
impotência da criança. Brincando, sua inteligência e sua sensibilidade estão
sendo desenvolvidas. A qualidade de oportunidades que estão sendo
oferecidas à criança, através de brincadeiras, garante que suas potencialidades
e sua afetividade se harmonizem.
A criança constrói sua identidade brincando e, ao brincar, atua sobre a
realidade, representando-a, vivendo-a e transformando-a num processo que é
imaginário e, ao mesmo tempo, real. Por exemplo: em uma situação de faz-de-
conta, na qual a criança brinca de mamãe e filhinha, ela utiliza das regras que
vivencia no seu cotidiano de filha para que sua brincadeira seja legítima. Caso
contrário, não seria possível a situação de faz-de-conta. Mesmo sendo uma
atividade imaginária, ela é calcada no real. A idéia de alguns adultos de que
uma criança pode se comportar em uma situação imaginária sem regras, é
simplesmente incorreta. Se a criança está representando o papel de mãe,
então, ela obedece às regras do comportamento maternal. O papel que a
criança representa e a relação dela com um objeto (se o objeto tem seu
significado modificado) originar-se-ão sempre das regras. Nesse sentido, o faz-
de-conta é exercitar e promover o seu raciocínio abstrato. Outro exemplo: uma
criança ao amassar uma folha de papel, formará uma bola, que para ela,
poderá ser a bola de um famoso time de futebol, ou de um famoso jogador de
tênis. Enfim, estará fazendo uso da abstração para construir através da
imaginação o seu mundo.
A brincadeira é uma forma privilegiada de aprendizagem. À medida que
vai crescendo, a criança traz para suas brincadeiras o que vê, escuta, observa
33 e experimenta. As brincadeiras ficam mais interessantes, quando a criança
pode combinar os diversos conhecimentos a que teve acesso. Nessas
combinações, muitas vezes, inusitadas aos olhos dos adultos, a criança revela
sua visão de mundo, suas descobertas.
A ludicidade, tão importante para a saúde global do ser humano, é um
espaço que merece atenção dos pais, demais educadores e profissionais da
saúde, pois, é nele que se dá a expressão mais genuína do ser e é direito de
toda criança para o exercício da relação afetiva com si mesma, com o mundo,
com as pessoas e com os objetos.
Um bichinho de pelúcia pode ser um bom companheiro; uma bola é um
convite à atividade motora; um quebra-cabeça desafia a inteligência e; um colar
faz a menina sentir-se bonita e importante como a mamãe. Sendo assim, todos
servem de intermediários para que a criança consiga integrar-se melhor. As
situações-problema contidas na manipulação dos brinquedos, jogos e
brincadeiras, fazem a criança crescer através da procura de soluções e de
alternativas. O desempenho motor da criança enquanto brinca, alcança níveis
que só mesmo a motivação intrínseca consegue e, ao mesmo tempo, favorece
a concentração, a atenção, o engajamento e a imaginação. Como
conseqüência: a criança fica mais calma, relaxada e aprende a pensar,
estimulando sua inteligência.
Para que a brincadeira seja significativa para a criança, é preciso que
tenha pontos de contato com a sua realidade. Através da observação do
desempenho da criança nas brincadeiras, podemos avaliar o nível de seu
desenvolvimento psicomotor e cognitivo. No lúdico, manifestam-se suas
potencialidades e ao observá-las, poderemos enriquecer sua aprendizagem,
fornecendo através do brincar, nutrientes ao seu desenvolvimento.
As interações lúdicas propiciam amadurecimento emocional e vão pouco
a pouco construindo a sociabilidade infantil. O momento em que a criança está
absorvida pelo ato de brincar, é um momento mágico e precioso, em que está
sendo exercitada a capacidade de observar e manter a atenção concentrada e
que irá inferir na sua eficiência e produtividade, quando adulta.
34 Desde o nascimento, a criança é mergulhada num contexto social. Os
adultos que convivem com ela, quando se transformam em parceiros de seus
jogos e brincadeiras, muitas vezes, não se dão conta da importância de cada
gesto, de cada palavra, de cada movimento. Alguns desses adultos cantam,
transmitem conhecimentos e ensinam brincadeiras. Outros pensam que a
criança não entende nada e que só é preciso cuidar para que não fique doente,
não passe fome, frio ou sede.
A criança trata os brinquedos conforme os recebeu. Ela sente quando
está recebendo por razões subjetivas do adulto, que, muitas vezes, compra o
brinquedo que gostaria de ter tido, ou que lhe dá status, ou ainda, para comprar
afeto e, outras vezes, para servir como recurso para livrar-se da criança por um
bom espaço de tempo. É indispensável que a criança sinta-se atraída pelo
brinquedo e cabe-nos mostrar a ela as possibilidades de exploração que ele
oferece, permitindo tempo para observar e motivar-se. A criança deve explorar
livremente o brinquedo, mesmo que a exploração não seja a que esperávamos.
Não cabe ao profissional, interromper o pensamento da criança ou atrapalhar a
simbolização que está fazendo. Deve-se limitar em sugerir, estimular, explicar,
sem impor nossa forma de agir, para que a criança aprenda descobrindo e
compreendendo e não por simples imitação. A participação do adulto é para
ouvir, motivá-la a falar, pensar e inventar.
Ao brincar, a criança desenvolve seu senso de companheirismo. Ao
jogar com amigos, aprende a conviver, ganhando ou perdendo, procurando
aprender regras e conseguir uma participação satisfatória. No jogo, ela aprende
a aceitar regras, esperar sua vez, aceitar o resultado, lidar com frustrações e
elevar o nível de motivação. Nas dramatizações, a criança vive personagens
diferentes, ampliando sua compreensão sobre os diferentes papéis e
relacionamentos.
Brincar juntos, criança e adulto, reforça os laços afetivos. É uma
manifestação do nosso amor à criança. Todas as crianças gostam de brincar
com os pais, com a professora, com os avós... A participação do adulto na
brincadeira da criança eleva o nível de interesse, enriquece e contribui para o
35 esclarecimento de dúvidas, bem como, a criança sente-se prestigiada e
desafiada, descobrindo e vivendo experiências que tornam esta atividade o
recurso mais estimulante e mais rico em aprendizado. Assim, o brincar está
associado a prazer, descoberta, domínio, criatividade e auto-expressão. O
prazer associado ao brincar origina-se em certas características: brincar não é
um sonho, é um aprendizado sobre o mundo, sobre os outros e sobre
relacionamentos. O que a criança aprende através do brincar, influencia como
ela interage com o mundo real e a vida real. O brincar permite à criança extrair
significados de situações e entendê-las melhor. É também uma forma de
dominar a realidade, além de ser mais uma oportunidade para a criança lidar
com a habilidade humana, através da criação de modelos de situação e
domínio da realidade pela experiência e planejamento. É através do brincar
que a criança descobre que ela pode ter efeito no seu ambiente. Apenas
enquanto brinca, o indivíduo, criança ou adulto, é capaz de ser criativo e usar
sua personalidade completamente. A criatividade é como o surgimento de uma
função sem formação e desorganizada, uma forma rudimentar do brincar na
qual o indivíduo aproxima-se da realidade externa.
Enfim, "brincar é fundamental" para a aprendizagem e o
desenvolvimento de todo ser humano, uma vez que facilita a integração, a
sobrevivência e a compreensão da cultura para flexibilidade de pensamento,
adaptação, aprendizado, resolução de problemas, aquisição de idiomas,
integração de informações do ambiente, desenvolvimento social, intelectual,
emocional e habilidades físicas.
36
CAPÍTULO III – Brincando com a criança cega congênita
“As crianças aprendem a brincar umas com as outras,
observando-se mutuamente,
movimentando-se juntas, imitando, participando de jogos.
A criança que não pode ver as outras brincando,
que não sabe brincar junto e não entende as brincadeiras,
tende a permanecer isolada em seu canto,
podendo ficar marginalizada e
ter prejudicado o seu desenvolvimento”.
(SIAULYS, Mara O. de Campos, 1997)
“A criança com deficiência visual pode apresentar déficits
quando brinca ou joga, pois precisa reconhecer a
atividade, avaliar sua competência para participar e
convencer os colegas a aceitá-la. Além disso,
comportamentos deficitários durante a brincadeira podem
acarretar dificuldades na interação, gerando críticas e
isolamento, o que, por sua vez, pode restringir várias
áreas de desenvolvimento, incluindo habilidades motoras,
de linguagem e sociais” (WARREN, 1994). Portanto,
alguns atrasos podem se relacionar à deficiência na
estimulação, à falta de motivação, à superproteção e ao
medo de perigos e riscos reais ou presumíveis. Além
disso, as crianças com deficiência visual usam um terço
do tempo interagindo com adultos, enquanto crianças
videntes permanecem a maior parte do seu tempo
37 interagindo com outras crianças. Schneekloth (apud
ibidem).
A desinformação dos pais é outro fato que influencia o desenvolvimento
da criança com deficiência. O impacto ao constatarem que o filho apresenta
deficiência visual quase sempre dificulta a interação da díade e prejudica os
primeiros aprendizados sociais da criança. Nogueira2 (2002) afirma que esse
evento impede a compreensão real do caso, paralisa os pais, impele-os, na
maior parte das vezes, a negarem o fato ou a buscarem alternativas que
acreditam serem capazes de restituir a "boa saúde" ao filho. Tais
comportamentos, quando desviam a atenção das reais necessidades da
criança, podem trazer graves conseqüências ao seu desenvolvimento global.
O processo de adaptação dos familiares ao novo contexto costuma ser,
em termos afetivos, altamente conturbado, sendo mais comum posturas
superprotetoras ou de repúdio. Essa maneira de agir pode afetar a
responsividade e o aprendizado de interações mais ativas da criança, bem
como expressões adequadas de afeto.
As interações entre crianças são oportunidades preciosas para elas
aprenderem comportamentos de extrema importância no desenvolvimento
social e de aceitação pelo outro. Durante essas trocas, as crianças aprendem
como entrar em grupos de brincadeira, participar de conversas com os colegas,
estabelecer amizades e resolver conflitos. Crianças que não estão dentro dos
padrões e não atendem às expectativas do grupo são, freqüentemente,
ignoradas ou rejeitadas, o que pode ocasionar interações futuras ainda menos
proveitosas e mais desajustadas. “A criança cega congênita não tem
referências nem modelos visuais; seu mundo torna-se pobre em experiências
táteis-cinestésicas, vestibulares, auditivas e proprioceptivas” (BRUNO, 1993).
Nesse contexto, o presente capítulo pretende contribuir positivamente
para prevenir ou minorar as conseqüências negativas impostas pela privação
sensorial a que a criança cega congênita é submetida, através da adoção dos
2 O material de pesquisa foi digitalizado e algumas partes da digitalização não ficaram legíveis pelo leitor de telas.
38 procedimentos e recursos próprios da Psicomotricidade, como também, da
apresentação de sugestões de Atividades Lúdicas que sirvam para auxiliar os
profissionais da saúde e da educação e orientações aos pais, estimuladores
naturais, pois, segundo Perez-Ramos (1978), "Os pais devem participar
ativamente como co-terapeutas para assegurar a eficácia do plano individual e
sua continuidade no lar."
Os procedimentos e recursos empregados nessa prática psicomotora
fundamentam-se na estimulação e integração dos sentidos remanescentes da
criança cega congênita, principalmente: vestibular, tátil-cinestésico, auditivo e
proprioceptivo.
Procedimentos e Atividades3:
A - Área do desenvolvimento motor-postura e motricidade
a) Sistema sensorial
- Objetivos
• favorecer o desenvolvimento da sensibilidade corporal para a
diferenciação e percepção de suas partes, limites e possibilidades;
• propiciar o desenvolvimento da percepção tátil-cinestésica;
• promover a regularização do tônus muscular.
- Atividades
• que promovam o contato corporal com materiais de texturas variadas:
escovas com cerdas plásticas e macias, para escovação corporal dos
membros inferiores e superiores, região posterior do tronco (costas) e
3 Os procedimentos, atividades (entre outros) serão baseados por Rodrigues (In: Revista BENJAMIM CONSTANT, 2002)
39 cabeça; esponjas macias e secas, para estimulação da região
anterior do corpo (tórax e abdome) e face; buchas e bolas de
borracha de consistências variadas, com padrão de relevo ou
pontiagudas, para massagem corporal, principalmente, nos pés e nas
mãos; creme ou óleo para massagem corporal (verificar possível
alergia); tecidos de texturas variadas: jeans, algodão, veludo, etc.,
para estimulação corporal.
• que envolvam massagem corporal com vibrador ou massageador
manual ou de pequeno porte, com creme ou óleo de suave
fragrância, desde que não provoque alergias.
Posicionamento da criança: decúbito dorsal, deitada na horizontal, de
modo que a região anterior do corpo (tórax e abdome) fique voltada para cima,
ou sentada com apoio ou na calça sensorial, a qual pode ser confeccionada,
costurando-se de modo a fechar as duas aberturas inferiores das pernas de
uma calça jeans grande, enchendo-a plenamente com retalhos de lycra ou
malha e fechando sua cintura, de forma que se transforme num grande "colo;"
pode-se prender chocalhos e outros materiais sonoros; indicada para colocar a
criança em variadas posições e posturas.
• que se faça uso da água: piscinas de pequeno porte ou bacias
grandes, para estimular o contato corporal da criança com o meio
líquido. Iniciar com pouca água e aumentar seu nível aos poucos.
• com piscina de bolas ou similar (caixa de papelão grande e
resistente), preenchida com bolas plásticas e pequenas, para
estimulação sensorial em movimentos espontâneos, favorecendo a
compreensão e o domínio do espaço com o próprio corpo.
• com bola suíça (bola que pode ter variadas dimensões e resistências
ao peso, empregada na realização de exercícios motores e de
equilíbrio corporal) com superfície em relevo e/ou com estímulos
auditivos, para estimular a sensibilidade corporal, através do contato
e da audição, por movimentos variados, principalmente, em prono, ou
40 seja, deitada de modo que a região anterior do corpo fique voltada
para baixo, ou sentada sobre ela.
Sistemas tátil-cinestésico, vestibular e proprioceptivo
- Objetivos
• propiciar a aquisição do equilíbrio e controle postural;
• estimular o desenvolvimento da propriocepção;
• favorecer a compreensão das relações espaço-temporais;
• regularizar o tônus muscular.
- Atividades
• com movimentos corporais lineares: movimentar, horizontalmente, a
criança posicionada em decúbito dorsal em uma rede comum ou feita
de lycra; rolar para ambos os lados, alternando, e sentada, em
movimentos rítmicos verticais. Dois adultos, um em cada
extremidade, movimentam a rede conforme o objetivo a alcançar.
• Bola suíça grande, com ou sem guizos e relevos, para movimentar a
criança: sentada sobre a bola, executando movimentos verticais,
como, pequenos saltos. O adulto pode ficar por trás, para posicioná-
la corretamente; idem ao item anterior, com apoio dos pés da criança
em banco baixo (ângulo de 90 graus entre tronco e perna; perna e
pés e pés e solo); sentada sobre a bola, alternar o apoio dos
membros superiores estendidos e das mãos espalmadas sobre ela,
lateralmente ao tronco; em prono sobre a bola, para frente, podendo
chegar ao solo e apoiar as mãos espalmadas ao chão, ficando os
membros superiores estendidos; e para trás, podendo tocar o solo
com as plantas dos pés, ficando os membros inferiores em extensão;
em prono sobre a bola, estimular a criança a erguer a cabeça e, se
possível, a coluna cervical e tronco superior, com um estímulo sonoro
41 (instrumento musical, caixinha de música e outros) à sua frente; a
perna do adulto em movimentos verticais rítmicos de "cavalinho",
estando a criança sentada ao seu colo, de costas, com as plantas
dos pés totalmente apoiadas ao solo.
• A criança de pé numa cama elástica com estrutura de alça de suporte
para apoio das mãos, em movimentos verticais, podendo realizar
saltos.
• que estimulam a integração sensorial com brinquedos típicos de
parques e praças: balanço, gangorra, escorrega, cavalinho, entre
outros.4
Posturas
- Objetivos
• conquistar a postura sentada;
• conquistar a postura de quatro apoios;
• conquistar a postura ortostática, ereta, de pé.
- Atividades
• Que favoreçam a aquisição da postura sentada, promovendo a
manutenção desta por um tempo cada vez maior:
• A criança fica sentada entre as pernas do adulto, também sentado, e
de costas para ele. O adulto fornece a contenção corporal, evitando,
somente quando necessário, o desequilíbrio e queda para frente,
para trás e para os lados; estimular a extensão dos membros
superiores com as mãos espalmadas sobre o apoio.
4 Todas as atividades acima descritas, principalmente, as que envolvem movimentos, são acompanhadas por cantigas infantis, com seus ritmos bem marcados. Dessa forma, também são trabalhadas as noções de espaço e tempo.
42
• A criança fica sentada dentro de uma caixa grande de papelão,
preenchida com bolinhas plásticas, encostada em um dos seus
cantos, entre duas de suas laterais.
• A criança senta num banco sem encosto, ficando o adulto sentado
por trás dela, ensinando os movimentos próprios para acionar
brinquedos sonoros e interessantes (piano, argolas sonoras na
haste, carrossel, etc.), colocados sobre uma mesa baixa à sua
frente. As plantas dos pés da criança ficam sempre apoiadas por
completo ao solo e mantidas em 90 graus com a perna. O mesmo
ângulo é mantido entre a perna e a coxa e entre esta e o tronco.
- Que favoreçam a aquisição da postura de quatro apoios:
• A criança fica em prono, com os membros superiores em extensão e
mãos abertas apoiadas sobre o solo. Erguer a região posterior do seu
corpo (quadril e membros inferiores), forçando a extensão dos braços
no apoio com as mãos abertas. Esta atividade é conhecida como
"carrinho de mão."
• Aproveitando a posição do "carrinho de mão", o adulto fica
posicionado por trás da criança e promove o balanceio do tronco para
frente e para trás, ensinando-a, assim, a atividade do "gatinho."
- Que favoreçam a aquisição da postura ortostática:
• Manter a criança de pé, com a região posterior do corpo apoiada na
parede ou qualquer superfície similar.
• Manter a criança de pé, de frente para a parede, com apoio das
mãos espalmadas à sua frente.
• Manter a criança de pé, apoiada em móvel baixo, evitando que fique
nas pontas dos pés, aumentando o tempo conforme sua aceitação e
43 condição.
Mudanças de postura e motricidade5
- Objetivos
• conquistar a mudança de postura de supino (decúbito dorsal) para
prono e vice-versa e rolar;
• deslocar-se no espaço através do engatinhar;
• realizar marcha lateral com apoio e para frente com autonomia.
- Atividades
• Rolar a criança, incentivando-a a alcançar objetos com estímulos
sonoros, executando os movimentos de supino para prono e vice-
versa, de decúbito para quatro apoios e desta para sentado.
• que facilitam a mudança de postura para quatro apoios e sentada, a
partir da posição de decúbito (inicialmente em prono): Em quatro
apoios, movimentar a criança apoiada em apenas um dos membros
superiores estendido, com a mão aberta sobre o solo, ficando o
membro inferior e o quadril deste mesmo lado apoiados. Executar o
movimento póstero-lateral, próprio do ato de sentar. Incentivar a
criança a alcançar estímulos sonoros e táteis com a mão que ficou
livre.
- Que favoreçam o deslocamento no espaço através do engatinhar:
Executar o movimento de engatinhar juntamente com a criança, ficando
o adulto acima dela e na mesma postura; alternar membros superiores e
5 Todas as atividades deste item são realizadas pelo adulto juntamente com a criança, ensinando-a como se faz o movimento, de preferência, por trás dela, como se fosse ela mesma a executá-los. A criança precisa entender como realizá-los, sem o recurso da imitação visual; sua repetição é sempre importante e necessária.
44 inferiores em movimento cruzado; incentivar a criança com estímulos sonoros,
táteis e com a voz da mãe chamando, para que se motive a ir ao seu encontro.
Faz-se importante salientar que Rodrigues (In: Revista BENJAMIN
CONSTANT, 2002) afirma “ser freqüente a criança cega ´pular` o estágio do
engatinhar, e, quando o faz, ocorre de forma passageira”. É recomendável que,
na medida do possível, esta etapa seja cumprida pela criança.
- Que propiciam a aquisição da marcha lateral e para frente6:
• De pé, com apoio em mesas e móveis baixos, incentivar a criança a
rodeá-los, através da marcha lateral, ensinando o movimento por trás
e fazendo-a alcançar lateralmente brinquedos sonoros do seu
interesse. Alternar o movimento para ambos os lados.
• De pé, incentivar a criança a realizar a marcha para frente,
arrastando cadeiras pesadas, que funcionam como um anteparo
protetor. O adulto poderá ficar sentado nesta cadeira, de frente para a
criança, e controlar o movimento.
• De pé, estimular a criança a realizar marcha para frente, mantendo
uma das mãos sempre na parede, um pouco à frente do corpo.
• De pé, incentivar a criança a realizar a marcha para frente, ficando o
adulto por trás dela, executando junto o movimento.
• De pé, motivar a criança a andar para frente. O adulto fica de frente
para ela, segurando suas mãos ou braços, andando para trás e a
criança para frente.
B - Área do desenvolvimento cognitivo - cognição e motricidade fina
- Objetivos
6 A criança deve ser estimulada a realizar a marcha para frente sempre com as mãos posicionadas à frente do corpo, como forma de proteção.
45
• propiciar o desenvolvimento das habilidades para pegar, manusear e
explorar manualmente;
• estimular o estabelecimento das relações som/objeto, para
desenvolver a percepção e o reconhecimento dos seus respectivos
nomes;
• favorecer a orientação espacial pelo som de um objeto familiar
(inicialmente, as vozes de pessoas) em direções e distâncias
variadas;
• estimular a compreensão do conceito de permanência dos objetos,
levando a criança a recuperar imediatamente o objeto "perdido";
• incentivar a compreensão e o domínio do espaço com o próprio
corpo;
• estabelecer a organização espacial, a partir do uso das mãos,
incentivando a aquisição de conceitos básicos, como: dentro/fora,
tirar/botar, grande/pequeno, de quantidade (cheio/vazio), de unidade,
entre outros;
• identificar e mostrar algumas partes do seu corpo, quando solicitado;
• relacionar objetos característicos às situações em que são utilizados
(água/banho; mamadeira/leite; entre outros);
• estimular a compreensão, a comunicação e a linguagem oral.
- Atividades
• Oferecer à criança chocalhos e brinquedos sonoros de texturas com
consistências variadas (ásperos, lisos, com buracos e reentrâncias),
interessantes ao manuseio, para estimular a abertura das mãos e a
exploração tátil.
• Oferecer repetidamente à criança um número não muito grande de
chocalhos e brinquedos simples, interessantes e de fácil manuseio,
46 para que possa se familiarizar com eles. Aos poucos, introduzir novos
e descontinuar antigos, que devem reaparecer de tempo em tempo.
• Quando um objeto cair das mãos da criança, o adulto deve incentivar
a sua pronta recuperação, providenciando o contato com alguma
parte acessível e exposta do corpo da mesma.
• Na postura sentada, oferecer à criança jogos e brinquedos pequenos
dentro de recipientes ou bandejas, para facilitar o domínio e a
organização espacial e mental, inicialmente, em espaços restritos.
• Facilitar à criança a exploração de variados espaços, através de
experiências corporais de estar dentro e fora; de sair e entrar em
caixas grandes e resistentes, piscina de bolas; brincadeiras no
escorregador, no balanço, entre outros. Colocar nas caixas objetos
familiares e do agrado da criança.
• Oferecer recipiente com brinquedos e incentivar a criança a tirá-los
um a um, explorando-os com as mãos, ouvindo seus nomes e
recolocando-os em outro recipiente. Ela precisa perceber que as
coisas têm nome. Esta atividade pode ser realizada, utilizando-se
materiais próprios do cotidiano da criança, distintos por categorias,
como, alimentos, de higiene. Esta atividade favorece a discriminação
e identificação dos objetos.
Faz-se importante algumas ressalvas: a criança poderá estar sentada ao
chão ou em banco baixo com apoio de mesa à sua frente, desde que sua
condição motora o permita. Este recurso possibilita uma postura mais ereta e
elevada, facilitando a atenção, concentração e organização da criança em
atividades mais direcionadas. E as atividades sugeridas devem ser repetidas
com freqüência, até que se consiga o resultado almejado.
Orientações aos pais
Gerais:
47
• Pendurar móbile sonoro próximo aos locais onde a criança fica
(berço, cercado, etc.), de forma que ela possa percebê-lo e ter
acesso a ele.
• Prender no berço sininhos, pompons, chocalhos e guizos, de modo
que a criança possa golpeá-los.
• Colocar pulseiras e/ou tornozeleiras com guizos, para que perceba e
relacione o barulho provocado por seu próprio movimento.
• Oferecer alimentos de sabores, aromas, texturas e temperaturas
variados.
• Incentivar a criança a segurar a mamadeira, colocando as mãos do
adulto sobre as dela no ato de mamar.
• Colocar a criança deitada de bruços sobre o corpo dos pais, deitados
de barriga para cima, enquanto falam e cantam para ela.
• Introduzir o hábito de escovar os dentes. O adulto deve realizar o
movimento com sua mão sobre a da criança.
• Incentivar a criança a levar alimentos à boca.
• Providenciar para que os alimentos da refeição possam ser
percebidos distintamente, evitando sempre a mesma mistura.
• Oferecer e insistir na alimentação da criança com a utilização de
colher, de acordo com orientação pediátrica.
• Manter a criança no berço somente para dormir.
• Manter os móveis da casa nos mesmos lugares e ensinar a criança a
compreender os espaços familiares, estabelecendo pontos de
referência, de forma que possa construir aos poucos um mapa
mental dos ambientes comuns e possa deslocar-se e orientar-se com
mais segurança.
• Não permitir na criança o hábito de colocar as mãos nos olhos e
outros comportamentos atípicos, como, balanceio do tronco para
48 frente e para trás, agitar as mãos lateralmente à cabeça, entre outros.
Procurar distraí-la nestes momentos ou dar sentido a eles. Evitar
deixar a criança ociosa, pois, certamente, ela irá descobrir
movimentos inadequados.
• Manter as rotinas da criança bem estabelecidas. Isto ajuda na
aquisição das noções de tempo (fatos cotidianos) e lhe promove
maior segurança.
• Cantar, falar e comentar sobre tudo que está acontecendo. Nunca
deixar a criança só, entregue a si mesma, isolada, sem interagir com
o mundo à sua volta.
• Colocar as mãos da criança próximas à boca do adulto que fala com
ela, para que saiba como e de onde vem o som das vozes das
pessoas.
• Fazer a criança tocar o rosto do adulto enquanto este lhe fala.
• Mudar a entonação da voz é importante para que a criança perceba o
estado de humor de quem lhe fala - se zangado, alegre, aborrecido,
entre outros - e reaja adequadamente às situações.
• Favorecer o contato e o relacionamento da criança com outras
pessoas (adultos e crianças). Levá-la a festas de aniversário, praias,
praças, parquinhos e a outros ambientes próprios à sua idade.
• Apresentar o mundo à criança, estimulando sua interação com ele.
Levá-la ao mercado, padaria, igreja, etc.
• Colocar a criança em variadas posições para que possa perceber as
possibilidades do seu corpo.
• Tornar disponível o máximo de experiências possíveis, a fim de
estimular o aprendizado da criança, principalmente, as que envolvam
movimentos corporais nos seus primeiros anos de vida.
• Tocar as partes do corpo da criança, nomeando-as e cantar músicas
alusivas a elas.
49
• Promover, incentivar e auxiliar os deslocamentos da criança no
espaço, evitando carregá-la ao colo, desnecessariamente. Ela
precisa entender o espaço percorrido com seu próprio corpo e
reconhecer os diversos ambientes de sua casa.
• Providenciar creche próxima da moradia da criança, quando já tiver
adquirido a marcha independente. O ambiente escolar facilita sua
integração social, promove o aprendizado e estimula a aquisição da
língua.
• Manter os brinquedos da criança dentro de caixas grandes ou baús
de fácil acesso. A organização e as rotinas devem ser incentivadas
desde cedo, para facilitar sua compreensão do mundo e permitir
estabilidade emocional.
• Evitar usar com a criança termos como "aqui" e "lá."
• Ensinar e incentivar a criança a realizar pequenas tarefas
domésticas.
• Orientar e estimular a criança a vestir-se e despir-se sozinha.
É contra-indicada a utilização de "andador" ou "voador", comumente
encontrado à venda no mercado, pois, além do risco de prejuízos ortopédicos,
dificulta a estruturação, organização e orientação do corpo no espaço.
Específicas:
• Proceder escovação corporal pelo menos uma vez ao dia.
• Aplicar massagem manual diariamente.
• Usar esponjas ou luvas de texturas e consistências variadas na hora
do banho.
• Aplicar massagem corporal com massageador ou vibrador elétrico, se
possível, diariamente.
• Efetuar movimentos corporais verticais de "cavalinho" na perna.
50
• Efetuar movimentos corporais horizontais, de rolamento lateral para
ambos os lados, a partir da posição deitada e sentada em rede
comum, de lycra ou lençol.
• Variar as posturas e posições da criança: para prono, deitada para
um e para outro lado e sentada (inicialmente, recostada). Depois de
alcançada a postura sentada sem apoio, incentivar a de quatro
apoios e em seguida, a de pé.
• Manter a criança o maior tempo possível no chão.
• Colocar a criança na postura sentada em caixa grande de papelão
resistente, alta o suficiente para o apoio da cabeça, com bolas
pequenas de plástico. Ela funciona como uma piscina de bolas. A
criança deve ficar sentada, em um dos cantos, com as costas
apoiadas entre duas laterais da caixa. Conforme a cabeça for ficando
mais firme, é indicada a utilização de caixas mais baixas.
• Utilizar banco e mesa baixos para as refeições e para realizar
atividades direcionadas, diariamente, com joguinhos e brinquedos
sonoros, quando a criança for capaz de ficar sentada com firmeza. O
banco favorece melhor postura do que a cadeirinha.
• Conversar com a criança, dizendo tudo o que se passa ao seu redor.
• Antecipar à criança os acontecimentos, principalmente, aqueles aos
quais ela vai ser submetida, momentos antes de ocorrerem: banho,
alimentação, etc.
• Brincar com a criança todos os dias, oferecendo-lhe alguns
brinquedos sonoros e interessantes ao tato, ensinando-a a explorá-
los, colocando suas mãos sobre as dela, ensinando o movimento
correto. Aos poucos, ir variando os brinquedos.
• Ensinar os movimentos, colocando-se por trás da criança e fazendo o
movimento junto com ela, como se fosse ela mesma.
• Dizer os nomes dos objetos que estão sendo tocados pela criança.
51
• Iniciar a utilização do "troninho" ou redutor de vaso sanitário
juntamente com banquinho para apoio dos pés nas horas que ela tem
por hábito defecar, a partir de 18 meses.
• Utilizar a calça sensorial como recurso para posicionar a criança de
diferentes formas: lateralmente, em prono, em supino e sentada.
As atividades devem ser realizadas acompanhadas de cantigas ou
conversas em tom de brincadeira, de modo a se tornarem mais interessantes e
prazerosas.
Diz o ditado popular que "a melhor mãe é aquela que se faz
desnecessária." É importante ressaltar que cada criança tem suas
características próprias. Apesar dessas diferenças, todas têm o direito de
brincar juntas. E, para que seja uma interação efetiva, ou seja, momentos de
alegria, aprendizado, auto-conhecimento e conhecimento do outro, faz-se
necessário que haja condições reais para isso! No caso de crianças com e sem
deficiência visual, partilhando do mesmo espaço físico e compartilhando da
mesma brincadeira, recomenda-se:
• apresentar à criança cega todo o ambiente: sua extensão, seu piso,
onde ficam a porta, janela, os brinquedos envolvidos na brincadeira
(o que são, como são e funcionam), pistas táteis e auditivas
facilitadoras da sua locomoção independente;
• mostrar e ensinar à criança, gestos e expressões faciais, caso
apareçam na brincadeira. Para que ela assimile gestos, basta que
alguém fique por trás dela, coloque os braços sobre os dela e, à
medida que o outro se movimentar, ela compreenderá a dinâmica.
Repetir os movimentos quantas vezes forem necessárias e, ao se
mostrar segura, deixá-la fazê-los sozinha. No caso das expressões
faciais, deixá-la vê-las no rosto de alguém;
• quando a brincadeira envolver bola, pode-se utilizar uma com guizo,
porém, esta não é de fácil aquisição. No entanto, basta colocar uma
52 bola comum dentro de um saco plástico bem barulhento e, todas às
vezes, em que a bola se movimentar, ela ouvirá o barulho.
As brincadeiras que envolvem bola, só serão inclusivas, se todos,
criança vidente e com baixa visão, estiverem vendadas.
O adulto deve evitar interferir nesse jogo de interação das crianças.
Muitas vezes, elas se entendem e criam suas próprias estratégias. No caso de
dificuldades das crianças e, tratando-se de crianças bem pequenas, cabe a
intervenção do adulto, porém, de forma natural e lúdica, o que permitirá às
crianças encararem aquilo como uma novidade e, da próxima vez, não
precisarem da ajuda do adulto.
53
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Psicomotricidade, valendo-se de atividades lúdicas, contribui
significativamente na prevenção dos atrasos motores e na alteração de
possíveis déficits psicomotores da criança cega congênita. Trata-se de uma
ação terapêutica que leva em consideração o interesse real da criança: a
vontade de brincar, despertando nela, o desejo de cumprir todas as etapas
previstas na evolução humana.
A criança cega organiza-se e estrutura-se de forma diferente da criança
vidente. Só a partir da utilização e integração dos sentidos remanescentes,
passará a ter um desenvolvimento global satisfatório. Ela necessita de mais
tempo para se organizar. Dessa forma, constrói, gradativamente, seu sistema
de significação.
Este ser supracitado é único e deve ser respeitada com suas limitações
e características próprias. Há que se valorizar, porém, todo seu potencial
positivo. Ele possibilita o desenvolvimento infantil, quando uma deficiência se
faz presente.
A natureza é sábia. Deixa sempre alternativas quando se instalam
alterações de ordem orgânica; dessa forma, a cegueira não inviabiliza o
processo de desenvolvimento. Porém, há que se contar com assistência, em
tempo hábil, recursos adequados e a participação efetiva da família, para que
seus efeitos negativos não se instalem.
Contudo, as atividades psicomotoras, a partir dos brinquedos, jogos e
brincadeiras, tornam-se "mágicas", isto é, capazes de propiciar à criança cega
congênita, oportunidades prazerosas de desenvolvimento dos seus esquemas
sensório-motores, de suas estruturas cognitivas, do seu equilíbrio emocional,
da sua auto-confiança e da independência.
O estudo do desenvolvimento humano é infinito, quanto mais ele é
aprofundado, mais nos certificamos ser um campo inesgotável de
conhecimento.
54
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA
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em: 06 out. 2008.
60
ÍNDICE
FOLHA DE ROSTO .................................................................................... 02
AGRADECIMENTO .................................................................................... 03
DEDICATÓRIA ........................................................................................... 04
RESUMO .................................................................................................... 05
METODOLOGIA ......................................................................................... 06
SUMÁRIO ................................................................................................... 07
INTRODUÇÃO ............................................................................................ 08
CAPÍTULO I
A cegueira congênita e o desenvolvimento infantil...................................... 13
CAPÍTULO II
A importância do lúdico no desenvolvimento infantil .................................. 27
CAPÍTULO III
Brincando com a criança cega congênita ................................................... 36
CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 53
BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA ............................................................. 54
REFERÊNCIAS .......................................................................................... 56
ÍNDICE ....................................................................................................... 60
61
FOLHA DE AVALIAÇÃO
Nome da Instituição: UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES – U.C.A.M. –
Instituto A Vez do Mestre.
Título da Monografia: As Atividades Psicomotoras e o Desenvolvimento da
Criança Cega Congênita.
Autora: ANA CRISTINA TEIXEIRA PRADO RANGEL.
Data da entrega: 14 de fevereiro de 2009.
Avaliado por: Fabiane Muniz Conceito: