12
CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL: O CASO DOS LATICÍNIOS CERTIFICADOS COM O “SELO DE PUREZA 100% BÚFALA” Fabricio Pini Rosales (UFSCar) [email protected] Mario Otavio Batalha (UFSCar) [email protected] A bubalinocultura tem ganhado cada vez mais espaço dentro da pecuária nacional e a produção e industrialização do leite de búfala têm sido um dos principais responsáveis por esse crescimento. O presente artigo tem por objetivo identificar oos principais desafios enfrentados pelos laticínios certificados com o “Selo de Pureza 100% Búfala”. Para tanto foi realizada uma revisão da literatura sobre certificação de produtos agroindustriais e sobre produção de leite de búfala e o “Selo de Pureza 100% Búfalo”. A partir disso conduziu-se uma pesquisa exploratória aplicada aos oito laticínios que possuem tal certificação. Os dados analisados evidenciaram que os laticínios que participam desse programa são, em sua maioria, empresas com pequena capacidade de produção. A principal vantagem da utilização dessa certificação é garantir ao consumidor a pureza do produto, agregando, assim, maior valor ao produto final. Por outro lado, o custo da certificação e a concorrência desleal foram identificados como pontos negativos. Palavras-chaves: Certificação, Bubalinocultura, Leite de búfala, Agroindústria XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL: O CASO DOS LATICÍNIOS ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_163_953_19993.pdf · 3. Produção de leite de búfala e a certificação “Selo

  • Upload
    others

  • View
    8

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL: O CASO DOS LATICÍNIOS ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_163_953_19993.pdf · 3. Produção de leite de búfala e a certificação “Selo

CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL: O

CASO DOS LATICÍNIOS

CERTIFICADOS COM O “SELO DE

PUREZA 100% BÚFALA”

Fabricio Pini Rosales (UFSCar)

[email protected]

Mario Otavio Batalha (UFSCar)

[email protected]

A bubalinocultura tem ganhado cada vez mais espaço dentro da

pecuária nacional e a produção e industrialização do leite de búfala

têm sido um dos principais responsáveis por esse crescimento. O

presente artigo tem por objetivo identificar oos principais desafios

enfrentados pelos laticínios certificados com o “Selo de Pureza 100%

Búfala”. Para tanto foi realizada uma revisão da literatura sobre

certificação de produtos agroindustriais e sobre produção de leite de

búfala e o “Selo de Pureza 100% Búfalo”. A partir disso conduziu-se

uma pesquisa exploratória aplicada aos oito laticínios que possuem tal

certificação. Os dados analisados evidenciaram que os laticínios que

participam desse programa são, em sua maioria, empresas com

pequena capacidade de produção. A principal vantagem da utilização

dessa certificação é garantir ao consumidor a pureza do produto,

agregando, assim, maior valor ao produto final. Por outro lado, o

custo da certificação e a concorrência desleal foram identificados

como pontos negativos.

Palavras-chaves: Certificação, Bubalinocultura, Leite de búfala,

Agroindústria

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

Page 2: CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL: O CASO DOS LATICÍNIOS ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_163_953_19993.pdf · 3. Produção de leite de búfala e a certificação “Selo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

2

1. Introdução

Vem crescendo cada vez mais a procura por parte do consumidor por alimentos livres de

contaminantes e com boas características organolépticas. Essa demanda pode ser explicada

por alguns eventos como aumento populacional, procura por melhor qualidade de vida,

globalização e barreiras não tarifárias (FIGUEIREDO, 2006).

Esses atributos exigidos pelo mercado demandam capacidade de diferenciação e coordenação

dos agentes econômicos para atingir e manter o padrão de qualidade desejado pelo

consumidor (REZENDE et al, 2005). Nesse contexto, a certificação é um dos mecanismos de

garantia de qualidade utilizado para transmitir informações sobre as características intrínsecas

dos produtos para o consumidor final (LAZZAROTO, 2001).

A criação de búfalos vem ganhando espaço graças à capacidade de produzir leite e carne de

qualidade. Apesar de ser considerado um animal de dupla aptidão, é na produção de leite e de

seus derivados que a espécie tem ganhado maior destaque. O leite de búfala permite a

industrialização de produtos diferenciados e de alto valor agregado que atende as

necessidades dos consumidores mais exigentes (BERNARDES, 2007; CASTRO et. al., 2008;

GONÇALVEZ, 2008).

Assim, a grande demanda por esses produtos aliada à pequena escala de produção do leite

bubalino tem proporcionado condições para o aparecimento de fraudes, onde algumas

empresas adicionam leite bovino ao produto e os comercializa como sendo fabricado apenas

como leite de búfala. Para combater essa prática foi criado um selo de certificação que garante

ao consumidor a pureza do produto e protege a cadeia da concorrência desleal (BRUNA,

2011; ABCB, 2012).

O presente artigo apresenta uma revisão sobre a questão da certificação de produtos

agroindustriais e um estudo realizado a partir da aplicação dos conceitos estudados,

objetivando compreender os desafios enfrentados pelos laticínios certificados com o “Selo de

Pureza 100% Búfala”.

2. Certificação

Com maior facilidade de acesso à informação e cada vez mais preocupado com a qualidade de

vida, o consumidor tem mudado sua percepção em relação à segurança e qualidade do

alimento (TALAMINE et al, 2005; ARAMYAN e KUIPER, 2009). Atributos como métodos

de produção, origem, características nutricionais, padrão de qualidade e fatores ambientais e

sociais tornam-se cada vez mais avaliados pelos consumidores na hora da compra dos

alimentos.

Entretanto, alguns atributos dos produtos agroalimentares, chamados de intrínsecos, não são

passíveis de avaliação pelo consumidor na hora da compra, exigindo, assim, o fornecimento

de informações adicionais por meio de marcas, selos e certificações (SANTOS, 2008). Essa

situação gera uma assimetria de informação onde o fornecedor detém mais informações

podendo omiti-las do consumidor e desfavorece os produtos de boa qualidade tornando o

mercado menos eficiente (LAZZAROTO, 2001).

Nesse cenário, a certificação pode ser utilizada como ferramenta para compensar essa

assimetria de informação servindo como diferenciação dos produtos. A Associação Brasileira

Page 3: CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL: O CASO DOS LATICÍNIOS ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_163_953_19993.pdf · 3. Produção de leite de búfala e a certificação “Selo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

3

de Normas Técnicas (ABNT, 2010) define certificação como um modelo pelo qual uma

terceira parte, independente, dá garantia formal de que um sistema de gestão, produto,

processo ou serviço, está em conformidade com os requisitos especificados.

A certificação pode ser aplicada a produtos, processos e sistemas de gestão e classificada

segundo a natureza (oficial ou privada) e quanto ao agente econômico que a concede

(primeira, segunda ou terceira parte) (SALA, 2003; SORNBERGER et al, 2010; IMETRO,

2011).

Uma certificação de produtos determina se o produto está em conformidade com as normas

técnicas que define suas características. Já uma certificação de processo foca a capacidade do

processo para produzir um determinado produto. Por sua vez a certificação de sistemas de

gestão garante a capacidade da empresa em produzir um determinado produto e satisfazer

seus clientes de forma consciente ao longo do tempo (SALA, 2003). O Quadro 1 resume as

principais características das certificações de produtos e serviços, processos e sistemas de

gestão.

Fonte: Adaptado de SALA, 2003

Quadro 1 – Característica das certificações de produtos e serviços, processos e sistemas de gestão

A classificação da certificação em oficial (pública) ou privada, diz respeito ao órgão

regulamentador da mesma. Uma certificação oficial é regulamentada por órgãos

governamentais e emitida por um agente certificador estatal (por exemplo, o SIF) ou privado

(por exemplo, o SIBOV). A certificação privada é regulamentada por empresas e associações

e tem seus objetivos mais restritos, podendo abranger produtos, cadeias ou temas específicos e

pode ser empregada também na certificação de fornecedores (SORNBERGER et al, 2010).

A certificação oficial pode, ainda, ser dividida em compulsória ou voluntária. A primeira é

obrigatória por lei e envolve temas relacionados às questões de segurança, saúde e meio

ambiente. Já a certificação voluntária é uma opção da empresa e pode ser vista como uma

decisão estratégica na busca de vantagens competitivas no mercado por meio da diferenciação

dos produtos (SALA, 2003; SORNBERGER et al, 2010).

No caso da certificação compulsória, a coordenação é exercida pelo próprio governo. Na

certificação voluntária esse papel é feito pelo mercado em função das estratégias competitivas

Page 4: CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL: O CASO DOS LATICÍNIOS ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_163_953_19993.pdf · 3. Produção de leite de búfala e a certificação “Selo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

4

das empresas atuante, em particular das empresas dominantes que impõe suas regras na cadeia

de fornecimento (SALA, 2003).

Quanto ao agente econômico que a concede, a certificação pode ser de primeira, segunda ou

terceira parte. Quando a certificação é concedida por um o organismo certificador credenciado

independente da empresa certificada e de seus clientes, a mesma é dita de terceira parte. Na

certificação de segunda parte, uma empresa certifica seus fornecedores de matéria-prima. Já a

certificação de primeira parte é quando uma empresa se autocertifica, ou seja, o próprio

produtor concede a garantia da certificação (INMETRO, 2010).

2.1. Certificação e coordenação de cadeias agroindustriais

Para Conceição e Barros (2005) certificação pode ser discutida a partir de duas perspectivas.

A primeira refere-se ao mercado interno, onde é utilizada como ferramenta para diferenciação

e valorização dos produtos por parte do consumidor. No cenário internacional, a certificação

torna-se ferramenta importante para evitar as chamadas “barreiras não tarifárias”.

Furlaneto (2002) destaca que em cadeia agroalimentares a identificação dos produtos por uma

marca ou certificação permite agregar valor ao produto e pode ser um fator decisivo na

escolha de um produto pelo consumidor final. Nesse contexto, certificação pode ser entendida

como resultado das exigências do consumidor que está cada vez mais exigente em relação à

qualidade e segurança do alimento (SORNBERGER et al, 2010).

A qualidade e as características dos produtos agroalimentares é resultado da ação de cada elo

da cadeia desde o produtor rural até o varejo (VAN DER VORST et al., 2007). Assim, a

certificação de fornecedores pode ser empregada para melhorar a qualidade da matéria prima

e diminuir os casos de não conformidade diminuindo, assim, os custos de transação e,

consequentemente, tornando a relação clientes e fornecedores mais harmoniosa (TAM, 2001).

Nesse contexto, segundo Rezende et al (2005), a preocupação em atender as novas exigências

de consumidores, governos e outros elos da cadeia, resulta em nova concepção de

coordenação em que se substitui o simples controle de cada etapa por uma coordenação

através de estruturas proativas e suprafirmas. Esses mesmos autores acrescentam que a

certificação, na medida em que representa a qualidade que o produto oferece, passa pela busca

de mecanismos de transferências da confiabilidade. Assim, os integrantes dos sistemas

agroindustriais vêm transferindo o foco para o controle de qualidade da produção.

Uma firma que decide certificar seus produtos ou serviços assume que a informação que

fornece por meio da certificação ajudará o consumidor a direcionar seus gastos a produtos que

realmente atenda suas expectativas (CONCEIÇÃO e BARROS, 2005). Para isso, a empresa

deve considerar os benefícios que tal certificação trará que podem ser desde um sobrepreço do

produto, a abertura de novos mercados, ou até mesmo a possibilidade de permanecer no

mercado, no caso de certificações compulsórias ou exigências contratuais (SALA, 2003).

3. Produção de leite de búfala e a certificação “Selo de Pureza 100% Búfalo”

O leite de búfala, devido às suas qualidades, é matéria-prima para a fabricação de queijos e

outros derivados (ANDRIGHETTO, 2011). Como principais características podem ser citados

os elevados teores de proteína, gordura, minerais e sólidos totais e o baixo número de células

somáticas (MACEDO, 2001). Teixeira et al. (2005) acrescenta que graças a essa composição

Page 5: CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL: O CASO DOS LATICÍNIOS ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_163_953_19993.pdf · 3. Produção de leite de búfala e a certificação “Selo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

5

o leite bubalino tem um rendimento entre 40% e 50% superior ao similar bovino na

industrialização.

Macedo (2001) destaca que os queijos produzidos exclusivamente com leite de búfala são

muito bem aceitos pelo consumidor, que está disposto a pagar um valor diferenciado pelo

produto. O maior rendimento do leite na industrialização somado, ao maior valor agregado em

seus produtos finais, tem estimulado os laticínios a remunerarem a matéria prima a preços

cerca de duas vezes maiores que o valor pago ao produtor de leite bovino (GONÇALVEZ,

2005; BERNARDES, 2007).

Esse diferencial vem estimulando o crescimento da produção do leite de búfala no Brasil.

Assim, a partir dos anos 80 tem-se obsevado uma intensa formação de bacias leiteiras,

principalmente próximo aos grandes centros consumidores onde se observou a criação de

laticínios especializados na industrialização do leite bubalino (BERNARDES, 2007; BRUNA,

2011).

Segundo o último senso pecuário do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE,

2006), no ano de 2006 foram produzidos cerca de 92,3 milhões de litros de leite de búfala no

Brasil, dos quais 45 milhões foram transformados em 18,5 mil toneladas de derivados. Essa

movimentação gerou um faturamento bruto às indústrias da ordem de U$55 milhões e aos

produtores de leite U$17 milhões.

A mozzarela tem se destacado como principal responsável pelo crescimento da produção do

leite de búfala no Brasil. Teixeira et al. (2005) relatam que a mozzarela, originária da região

italiana de Campana no século XVI, é um tipo de queijo fresco de paladar delicado produzido

tradicionalmente a partir do leite bubalino integral. Gonçalves (2008) destaca que na Itália a

bubalinocultura é uma atividade econômica de grande importância desenvolvida com alta

tecnologia e que tem o posicionamento do seu principal produto, o queijo mozzarela, bem

definido em seu mercado alvo.

Outros queijos podem ser fabricados a partir do leite de búfala são como o provolone (que

utiliza o mesmo processo da mozzarella, acrescido de maturação e defumação), o queijo

frescal, o requeijão e a ricota (GONÇALVEZ, 2005; TEIXEIRA et al., 2005). Além dos

queijos, são produzidos também o doce de leite, o requeijão, o iogurte entre outros produtos

de expressão regional.

A búfala apresenta uma característica fisiológica que pode comprometer a eficiência de toda

cadeia produtiva. Pereira (2007) descreve a búfala como um animal poliéstrico estacional de

dias curtos, ou seja, apresenta cios apenas em alguns meses do ano. Assim, segundo Vieira et

al. (2009), a búfala concentra a 82,57% da produção de leite durante os meses de fevereiro a

abril, causando uma queda brusca ou até mesmo a falta do leite nos demais meses do ano.

Para solucionar o problema da concentração da produção de leite de búfala algumas técnicas

para alterar o calendário natural dos partos podem ser empregadas para manter a produção

mais constante. Mas, segundo Tonhati (2001), esse procedimento aumenta o custo de

produção e diminui a eficiência reprodutiva do rebanho.

Segundo Andrighetto (2011), a cadeia produtiva do leite de búfala apresenta características

positivas, mas alguns pontos precisam ser melhorados. A autora destaca o alto valor agregado

dos queijos e derivados do leite de búfala e a grande demanda por esses produtos como pontos

fortes da cadeia. Um dos pontos fracos é a sazonalidade na produção do leite de búfala.

Page 6: CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL: O CASO DOS LATICÍNIOS ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_163_953_19993.pdf · 3. Produção de leite de búfala e a certificação “Selo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

6

Assim, a mozzarella e os demais subprodutos do leite de búfala têm se destacado como um

produto de alto valor agregado e com um mercado disposto a pagar um valor diferenciado por

eles. Entretanto, a escassez de matéria-prima tem estimulado o aparecimento de produtos

ditos “piratas” ou falsificados, ou seja, mozzarella dita de búfala produzida parcial ou

totalmente com o leite bovino.

Com o objetivo de combater esse tipo de fraude, a Associação Brasileira de Criadores de

Búfalos (ABCB, 2012), criou em 2000 um programa de certificação de queijos produzidos

com o leite de búfala chamado “Selo de Pureza 100% Búfalo”. Esse selo garante, mediante

exames realizados periodicamente nos produtos, que o produto certificado foi fabricado

apenas com leite de búfala (ABCB, 2012).

Segundo Bruna (2011), essa certificação tem sua utilização regida por um regulamento, sendo

ela exclusiva aos associados da ABCB, mediante assinatura e registro do “Termo de

Autorização e Compromisso”. Nele o laticínio participante se compromete a produzir

seguindo os temos de utilização do selo.

Compete aos membros da ABCB selecionar o técnico que inspecionará o laticínio certificado

e contratar o laboratório e o apoio necessário para a análise dos produtos e controle da

utilização do selo. Ao participante do programa cabe, após pagar uma taxa de ingresso,

informar mensalmente a quantidade de leite recebida em sua plataforma e pagar à ABCB a

quantia proporcional ao leite processado (BRUNA, 2011; ABCB, 2012).

Atualmente, o programa de certificação conta com a participação de 8 laticínios, 5 deles

localizados no estado de São Paulo e os estados de Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do

Norte contam com um representante cada. Como mostrado na Tabela 1, de 2001 à 2010 a

captação de leite por esses laticínios teve um incremento de 460%, com um crescimento anual

médio de 21% (BRUNA, 2011; ABCB, 2012).

Page 7: CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL: O CASO DOS LATICÍNIOS ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_163_953_19993.pdf · 3. Produção de leite de búfala e a certificação “Selo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

7

Fonte: Adaptado de Bruma (2011)

Tabela 1 – Número de laticínios certificados e captação de leite de búfala

4. Metodologia

O presente estudo se caracteriza como uma pesquisa exploratória (VOSS, 2009) aplicada à

agroindústria processadora do leite de búfala. A população do estudo foi composta pelos 8

laticínios certificados com o “Selo de Pureza 100% Búfala” da ABCB. Desses, 6 responderam

os questionários, resultando em uma amostra de 75% da população. A pesquisa foi realizada

entre dezembro de 2010 e março de 2011.

A principal ferramenta para coleta de dados foi um questionário estruturado, enviado via e-

mail para as empresas participantes da pesquisa. Antes de ser enviado, o questionário foi

discutido entre os autores e avaliado por outras duas pessoas, sendo uma atuante na área e

outra não. Outras fontes de informações também foram utilizadas como o site da ABCB, os

sites das próprias empresas e contatos realizados por e-mail e telefone.

O questionário era formado de 14 questões, sendo que as duas últimas eram abertas para os

respondentes darem suas opiniões sobre as vantagens e desvantagens de possuir a certificação

do “Selo de Pureza 100% Búfala”. Antes do envio do questionário foi feito um contato por

telefone com os proprietários das empresas convidando-os a participarem da pesquisa. Junto

com o questionário foi enviado uma carta com os objetivos da pesquisa e com o compromisso

de não divulgar os nomes das empresas.

5. Apresentação e análise dos dados

Baseado nos dados levantados na pesquisa foram analisadas algumas características dos

laticínios. Os nomes das empresas não serão divulgados e as mesmas serão identificadas

como LT1, LT2, LT3, LT4, LT5 e LT6.

Como mostrado na Tabela 2, pode-se considerar a amostra avaliada como predominantemente

experiente na industrialização do leite de búfala uma vez que apenas a empresa LT6 tem

menos de 10 anos de experiência na área. Em relação ao tempo de certificação, constata-se

que 4 empresas têm mais de 8 anos de certificadas e as demais têm 6 e 8 anos. Essas duas

primeiras informações indicam que a atividade tem apresentado boa sustentabilidade

econômica (uma vez que essas empresas têm conseguido se manter financeiramente) e que o

programa de certificação tem mostrado resultados satisfatórios, já que as empresa têm

mostrado interesse em se manterem certificadas por tanto tempo.

Page 8: CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL: O CASO DOS LATICÍNIOS ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_163_953_19993.pdf · 3. Produção de leite de búfala e a certificação “Selo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

8

Tabela 2 – Caracterização das empresas

A inspeção sanitária pode ser considerada uma certificação pública compulsória que diz

respeito às práticas de segurança do alimento. Apesar de ser compulsória, a empresa pode

optar por uma inspeção federal (SIF), estadual ou municipal. A escolha pelo tipo de inspeção

sanitária deve ser uma opção estratégica da empresa, uma vez que pode limitar sua área de

atuação comercial. Assim, uma empresa com inspeção federal poderá comercializar seus

produtos em todos os estados da nação, enquanto a inspeção estadual permite a

comercialização apenas dentro do estado onde o produto é processado e a inspeção municipal

apenas no município. Nesse sentido, podemos constatar pela Tabela 2 que apenas das

empresas em questão possuem inspeção sanitária estadual e atuam comercialmente apenas

dentro do estado.

Pela Tabela 3 observa-se que apenas duas empresas tem capacidade máxima diária de

industrialização superior a 8.000 l/dia, o que caracteriza o grupo como predominante de

pequenos laticínios. A Tabela 3 também indica que, exceto as empresas LT2 e LT5, todas as

empresas possuem capacidade ociosa de produção. Essa ociosidade é prejudicial à empresa,

podendo comprometer seu desempenho econômico.

A integração vertical pode trazer vantagens e desvantagens às empresas. Dentre as vantagens

podem-se destacar maior controle da cadeia produtiva (incluindo quantidade e qualidade da

matéria-prima), redução de custos e apropriação dos lucros situados a montante e/ou a jusante

da atividade original da empresa. Por outro lado, a necessidade do aumento de investimentos,

a maior dificuldade da gestão e o aumento dos ricos podem ser vistos como pontos negativos

(AZEVEDO, 2007; SILVA e BATALHA 2011). Nesse sentido, a Tabela 3 indica que as 5

empresas produzem pelo menos 39% do leite que processam. Essa verticalização pode ser

uma estratégia da empresa ou uma imposição pelas condições de mercado.

Page 9: CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL: O CASO DOS LATICÍNIOS ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_163_953_19993.pdf · 3. Produção de leite de búfala e a certificação “Selo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

9

Tabela 3 – Capacidade produtiva, quantidade média de leite processada, produção própria de leite e forma de

aquisição de leite

A Tabela 4 destaca as principais dificuldades das empresas: distância em relação ao produtor

de leite, a falta de leite e a falta de mão obra especializada. Esses fatores afetam diretamente a

competitividade das empresas através do aumento nos custos de produção (transporte do leite)

e comprometendo a produtividade das empresas (pela falta de leite) e a qualidade do produto

final (falta de mão de obra especializada).

As empresas também mostraram que estão passando por um bom momento. Em relação aos

últimos 12 meses apenas uma empresa afirmou que não aumentou sua produção. Já em

relação à intenção para os próximos 12 meses as empresas afirmaram que pretendem

aumentar sua produção. Essas repostas dão indícios de que a atividade está sendo rentável e

interessante.

Nas duas últimas perguntas os respondentes puderam discorrer sobre as principais vantagens e

desvantagens de trabalhar com um produto certificado como 100% de búfala. Em relação às

vantagem todas as respostas incluíram a agregação de valor ao produto por meio da garantia

da pureza do mesmo. As desvantagens variam entre custos, concorrência desleal com

produtos impuros e peque escala de produção.

Page 10: CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL: O CASO DOS LATICÍNIOS ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_163_953_19993.pdf · 3. Produção de leite de búfala e a certificação “Selo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

10

Tabela 4 – Dificuldade na aquisição do leite, gargalo da atividade, avaliação dos últimos 12 meses e intenção

para os próximos 12 meses

6. Conclusão

Com base nos dados levantados nessa pesquisa pode-se concluir que os laticínios certificados

com o “Selo de Pureza 100% Búfala” possuem características muito próximas. No geral são

empresas com baixas capacidades de produção que apresentam ociosidade de produção

relativamente alta por não terem oferta suficiente de matéria prima (leite de búfala).

Entretanto, o alto valor agregado e a diferenciação do produto final, aliados à grande

demanda, têm dado a essas empresas condições de competirem no mercado e aumentarem de

maneira constante sua produção.

A principal demanda para essa certificação tem sido o consumidor que vê nesse selo a

garantia de um produto de qualidade superior e está disposto a pagar um valor diferente por

esse produto. Como ponto negativo, pode-se citar o custo para a certificação e a concorrência

com produtos de baixa qualidade.

O estudo indicou que a pequena produção de leite de búfala parece estar limitando o

crescimento desses laticínios. Entretanto, devido ao pequeno número de casos estudados,

esses dados não devem ser generalizados sendo, por tanto, necessário mais estudos nessa

cadeia.

7. Referências

ABCB – Associação Brasileira de Criadores de Búfalos. Disponível em: <HTTP://www.bufalo.com.br>.

Acesso em: 05 de jun. de 2011.

ABNT – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE NORMAS TÉCNICAS. Disponível em:

<http://www.abnt.org.br>. Acesso em: 01 fev 2011.

Page 11: CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL: O CASO DOS LATICÍNIOS ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_163_953_19993.pdf · 3. Produção de leite de búfala e a certificação “Selo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

11

ANDRIGHETTO, C.Cadeia produtiva do leite de búfala – Visão da universidade. In: II Simpósio da Cadeia

Produtiva da Bubalinocultura, 2011. Botucatu. Anais... Botucatu, 2011. CD-roon.

ARAMYAN, L., KUIPER, M. Analyzing price ransmission in agri-food supply chains: an overview.

Measuring business excellence, v. 13, n. 3, p. 3 -12, 2009.

BERNARDES, O. Bubalinocultura no Brasil: situação e importância e econômica. Revista Brasileira de

Reprodução Animal, Belo Horizonte, v. 31, n. 3, p. 293 – 298, jul./set. 2007.

BATALHA, M. O; SILVA, A. L.;. Gerenciamento de Sistemas Agroindustriais: definições, especificidades e

correntes metodológicas. In: Batalha, M. O. (Org.). Gestão Agroindustrial. São Paulo: Atlas, 2011. p. 1 – 62.

BRUNA, C. V. O Selo de Pureza da Associação Brasileira dos Criadores de Búfalos. In: II Simpósio da Cadeia

Produtiva da Bubalinocultura, 2011. Botucatu. Anais... Botucatu, 2011. CD-roon.

CASTRO, A. C.; LOURENÇO JR., J. B.; SANTOS, N. F. A.; MONTEIRO, E. M. M.; AVIZ, M. A. B.;

GARIA, A. R. Sistema silvipastoril na Amazônia: ferramenta para elevar o desempenho produtivo de búfalos,

Ciência Rural, Santa Maria, v. 38, n. 8, 2008.

CONCEIÇÃO, J. C. P. R.; BARROS, A. L. M. Certificação e rastreabilidade no agronegócio: instrumentos

cada vez mais necessários. Texto para discussão nº 1122, Brasília, 2005.

FIGUEIREDO, V. F. A gestão da segurança de alimentos: um estudo comparativo dos elementos inibidores

para sua implementação. In: XXVI Enegep, 2006, Fortaleza, CE.

FURLANETTO, E. L. Formação das estruturas de coordenação nas cadeias de suprimentos: estudos de caso em

cinco empresas gaúchas. Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre 2002. (Tese de Doutorado).

GONÇALVES, O. Características da criação de búfalos no Brasil e a contribuição do marketing no agronegócio

bubalino. USP, Pirassununga, 2008. (Tese de doutorado).

IBGE, Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em < http://www.ibge.gov.br/home/>

Acesso em 23/10/2010.

INMETRO – INSTITUTO NACIONAL DE METROLOGIA, NORMALIZAÇÃO E QUALIDADE

INDUSTRIAL. Disponível em: <http://www.inmetro.gov.br/>. Acesso em: 01 fev 2011.

LAZZAROTO, N. F. Estudos sobre o mercado de certificação em alimentos no Brasil. In: V congresso

internacional de economia e gestão de redes agroalimentares, 2001, Ribeirão Preto.

MACEDO, M. P.; WECHLER, F. S.; RAMOS, A. A.; AMARAL, J. B. A. Composição físico-química e

produção do leite de búfalas da raça mediterrâneo no oeste do estado de São Paulo, Revista Brasileira de

Zootecnia, v. 30, n. 3, p. 1084 – 1088 (suplemento 1), 2001.

REZENDE, D; WILKINSON, J; REZENDE, C. F. Coordenação da qualidade em cadeias produtivas de

alimentos: O caso dos queijos fi nos no Brasil. Econômica, R.J., v.7, n.2, p.233-.253, dez, 2005.

SALA, S. P. Qualidade fitossanitária: proposição de um modelo para gestão da prevenção do cancro cítrico na

produção de laranja no estado de São Paulo. UFSCar, São Carlos, 2003 (Dissetação).

SANTOS, R. R. P. Certificação de frutas no Brasil: influências na coordenação e gerenciamento das cadeias de

suprimentos. UFSCar, São Carlos, 2008 (Tese de doutorado).

SORNBERGER, G. P. ; REDIVO, A. ; REDIVO, A. R. . Sistemas de certificação de alimentos: o caso da

carne no Brasil. Revista INGEPRO - Inovação Gestão Produção, v. 2, p. 16-27, 2010.

TALAMINI, E; PEDROZO, E. A.; SILVA, A. L. Gestão da cadeia de suprimentos e a segurança do alimento:

uma pesquisa exploratória na cadeia exportadora da carne suína. Gestão & Produção, v. 12, p. 107 – 120, 2005.

TAM, K. C. A framework of supply chain management literature. European Journal of Purchasing & Supply

Management, v. 7, p. 39 – 48, 2001.

TEIXEIRA, L. V.; BASTIANETTO, E.; OLIVEIRA, D. A. A. Leite de búfala na industria de produtos

lácteos. Revista Brasileira de Reprodução Animal, Belo Horizonte, v. 29, n. 2, p. 96 – 100, 2007.

Page 12: CERTIFICAÇÃO AGROINDUSTRIAL: O CASO DOS LATICÍNIOS ...abepro.org.br/biblioteca/ENEGEP2012_TN_STO_163_953_19993.pdf · 3. Produção de leite de búfala e a certificação “Selo

XXXII ENCONTRO NACIONAL DE ENGENHARIA DE PRODUCAO Desenvolvimento Sustentável e Responsabilidade Social: As Contribuições da Engenharia de Produção

Bento Gonçalves, RS, Brasil, 15 a 18 de outubro de 2012.

12

VAN DER VORST, J.G.A.J. Performance measurement in agri-food supply chain networks. An overview. In

Ondersteijn, C.J., Wijnands, J.H., Huirne, R.B. and van Kooten, O. (Eds), Quantifying the Agri-food Supply

Chain, Springer, Dordrecht, 2007, p. 13-24.

VIEIRA, C. M.; CAVICHIOLO, J. R.; FACHINI, C.; LISERRE, A. M.; SOUZA, K. B.; RODRIGUES,

C. F. C.; VAN DENDER, A. G. F. Viabilidade Econômica da Implantação de Uma Unidade Industrial para

Produção de Mozzarela e de Massa Coagulada, Fermentada e Congelada de Leite de Búfala. In: Informações

Econômicas. V. 39, n. 10, out/2009.

VOSS, C. Case research in operations management. In: Karlson, C. Researching Operations Management. NY,

Routledge, 2009. pp. 162 a 195.