4
CIDADEZINHA QUALQUER, DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE Poesia é uma forma que o poeta possui, de transmitir ao leitor o que ele pensa sobre a vida e o mundo. As principais características dopoema são: possuem versos, que formam estrofes. Estes versos podem ser rimados ou não. Leia o poema: Cidadezinha qualquer Casas entre bananeiras mulheres entre laranjeiras pomar amor cantar. Um homem vai devagar. Um cachorro vai devagar. Um burro vai devagar. Devagar... as janelas olham. Eta vida besta, meu Deus. Carlos Drummond de Andrade COMPREENDENDO O TEXTO Responda às questões a seguir, consultando, quando necessário, o poema “Cidadezinha qualquer”, de Carlos Drummond de Andrade. 1. O poema é um texto feito em versos. Verso é cada linha do poema. Quantos versos tem o poema “Cidadezinha qualquer”? 2. Um conjunto de versos chama-se estrofe. Uma linha em branco separa uma estrofe da outra. Seguindo esse raciocínio: a. Quantas estrofes de três versos há no poema de Drummond? b. E quantas estrofes de dois versos?

Cidadezinha Qualquer Carlos Drummond de Andrade

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Cidadezinha Qualquer Carlos Drummond de Andrade

CIDADEZINHA QUALQUER, DE CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE

Poesia é uma forma que o poeta possui, de transmitir ao leitor o que ele pensa sobre a vida e o

mundo. As principais características dopoema são: possuem versos, que formam estrofes. Estes

versos podem ser rimados ou não.

Leia o poema:

Cidadezinha qualquer

Casas entre bananeiras mulheres entre laranjeiras 

pomar amor cantar.

Um homem vai devagar. Um cachorro vai devagar. 

Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.

Eta vida besta, meu Deus.Carlos Drummond de Andrade

COMPREENDENDO O TEXTO

 Responda às questões a seguir, consultando, quando necessário, o poema “Cidadezinha qualquer”, de Carlos Drummond de Andrade.

 1.      O poema é um texto feito em versos. Verso é cada linha do poema. Quantos versos tem o poema “Cidadezinha qualquer”?

 2.      Um conjunto de versos chama-se estrofe. Uma linha em branco separa uma estrofe da outra. Seguindo esse raciocínio:

 a.      Quantas estrofes de três versos há no poema de Drummond?

 b.      E quantas estrofes de dois versos?

 3.      Qual é o sentido que o uso do diminutivo atribui à palavra cidade?

 4.      Ao acrescentar a palavra qualquer ao título, a cidadezinha ganha um novo significado. Qual é ele? 

Page 2: Cidadezinha Qualquer Carlos Drummond de Andrade

ANÁLISE DO POEMA

Cidadezinha Qualquer 

1 - Casas entre bananeiras 2 - mulheres entre laranjeiras 3 - pomar amor cantar 

4 - Um homem vai devagar. 5 - Um cachorro vai devagar. 6 - Um burro vai devagar. 

7 - Devagar . . . as janelas se olham. 

8 - Eta vida besta, meu Deus. ( Carlos Drummond de Andrade) 

O título – “Cidadezinha Qualquer” – traz consigo uma forma significativa bastante explícita, enquadra – se muito bem como título indicial, pois expressa, bem propriamente, o que tratará o poema numa primeira análise. O substantivo “Cidade” no grau diminutivo, expressa um local de povoamento pequeno, uma vilinha rural bem afastada da civilização e cultura dos grandes centros urbanos, isolada e desconhecida. Reafirmando essa idéia, é notório vermos a adjetivação por “Qualquer” ao referente “Cidadezinha” - “Cidadezinha Qualquer”. “Qualquer” corrobora o sentido de lugarzinho sem importância, esquecido e banal. O poema mostra, em sua leitura, um certo movimento do observador/ narrador em relação à paisagem. Há uma espécie de inconstância panorâmica na observação do “eu-lírico”. É como se ele estivesse deslocando-se frente à cidadezinha interiorana. Na primeira estrofe, os substantivos no plural (1º e 2º versos), “casas/ bananeiras/ mulheres/ laranjeiras”, além de contarem um pouco do aspecto paisagístico do lugar (paisagem rural), mostram, na seqüência do v. 3 “pomar amor cantar” , uma perspectiva reflexiva do “eu-lírico” diante da realidade que presencia. Diria, mais claramente, que nesse terceiro verso, é revelada toda uma subjetividade bucólica do “eu-poético” : o sujeito abranda-se, sente-se bem, aguça toda a sua estesia; o sentido de amor e paz aflora na simplicidade e naturalidade da vida campestre, longe da artificialidade e desarmonia dos grandes conglomerados urbanos. Subjaz aí, analógicamente falando, uma referência ao pensar iluminista de Jean-Jacques Roussau, que exaltava a liberdade da vida selvagem e a pureza desse estado natural, contrapondo-o à falsidade e ao artificialismo do homem civilizado. A segunda estrofe já mostra nitidamente a movimentação do narrador – a variação da perspectiva: uma outra parte da paisagem e um outro sentimento. Ocorre na seqüência de versos “4,5 e 6”, uma enumeração dos substantivos “um homem/ um cachorro/ um burro”, vê-se aí uma focalização dos objetos, ou seja, uma individualização dos objetos observados. O contexto “um homem/ um cachorro/ um burro vai devagar” sugere uma reflexão sobre tempo, ou melhor, sobre a “inexistência” de tempo naquele lugar, inexistência de tempo corrido, tempo limitado e tempo prisão. As repetições da estrutura sintática entre os versos da segunda estrofe (versos 4,5 e 6), com a variação apenas dos nomes

Page 3: Cidadezinha Qualquer Carlos Drummond de Andrade

(“homem/ cachorro/ burro”) , revela a visão aglutinadora do “eu-lírico” – as atitudes do ser humano (o homem) não se distingue das dos outros seres (um burro e um cachorro); todos “vão devagar”. Da mesma forma como não há noção de tempo para o “burro” e o “cachorro”, não há também para o “homem” daquele lugar. Todos seguem vagarosamente, despreocupados, inconscientes e unos – homem/ bicho, “homem do mato”. Na terceira estrofe, o advérbio de modo (“Devagar” ) procedido por um sinal de reticências, denota uma interrupção no pensamento do narrador sobre “vagarosidade” de tempo e estaticidade de acontecimentos na “cidadezinha”. De repente a abstração do “eu” é interrompida e invadida “ . . .quando as janelas se olham “ v.7. O observador percebe que a observação é recíproca; ele observa mas também é observado pelos moradores daquele lugar. Na quarta estrofe, definitivamente, o “eu” desfaz-se de toda a divagação - a paisagem foge, o narrador segue viagem. “Eta vida besta, meu Deus” : é como se o “eu-lírico” se despedisse daquele lugar ironizando alguma particularidade do “falar” local – o uso da expressão coloquial “Eta” referencia um traço lingüístico regional. Ainda podemos entender esta última parte do poema – “Eta vida besta, meu Deus” – de uma outra forma : o narrador (onisciente) demonstra um despertar para a própria realidade, para o seu mundo diferente, diferente daquela vida – “vida besta”. O “eu” está só ou, pelo menos, não compartilha o seu sentir com ninguém material. Busca no final do poema um desabafo à “Deus” – seu único “ouvinte” naquele momento. O “Todo-poderoso” conhecedor das consciências é involuntariamente invocado, como se já estivesse, tacitamente, junto ao observador e, tal como este, também observava. * * * “Cidadezinha Qualquer” ainda pode ser analisado dentro de uma abordagem filosófica: é uma busca ontológica, feita pelo “eu” – a busca da essência. Por assim dizer, percebe-se no poema uma cadência rítmica, provocada pela intenção do “eu” de se abstrair e buscar a essência daquela realidade visível. Isto fica claro, ao verificarmos a gradação decrescente que há no sentido 1ª estrofe 2ª estrofe. Na primeira estrofe, os substantivos se apresentam no plural (“casas/ bananeiras/ mulheres/ laranjeiras”), e isto demonstra uma percepção vaga, inconstante e distraída. A falta de pontuação deixa bem perceptível uma maior velocidade do ritmo e uma atenção superficilizada pelo narrador. Já na segunda estrofe, há uma singularização dos substantivos (“um homem/ um cachorro/ um burro”), constata-se aí, uma gradação decrescente em número. Os versos são finalizados por um ponto-final, e isso causa queda no ritmo em relação a primeira estrofe. Essas pausas, provocadas pela pontuação, e a aliteração da labiodental “V “na expressão “Vai deVagar” que se repete no decorrer dos versos 4/5/6 e apresentam uma sonoridade macia e branda, concorrem para uma sublimação abstracionista e uma sutileza transcendental. Há o deslocamento da observação da mera aparência para um arrazoamento do essencial – o caminho do epistemológico. Esse processo culmina na 3ª estrofe (7ª verso): a reticências pós colocada ao advérbio “devagar” demonstra e encerra toda a abstração do momento. Esse efeito do reticências é bem explicado por Mário Quintana, que diz: “as reticências são os três primeiros passos do pensamento que continua por conta própria o seu caminho. . .” As reticências notam claramente o momento em que o raciocínio se dissolve, ocasionando a cissura da realidade visível e a construção ontológica já findada pelo pensamento. Realidade e essência são colocadas em planos relativos - ambas se refletem e se espelham. Isto fica claro

Page 4: Cidadezinha Qualquer Carlos Drummond de Andrade

quando se diz: ". . .as janelas se olham". Onde "janelas" figura no contexto, a direção em que estão voltadas as formas da realidade e da essência. Visto que, literalmente falando, para que duas "coisas", uma em cada janela, possam reciprocamente se observarem, estas devem se confrontar - uma janela frente à outra, e as coisa se vêem através daquelas (janelas). Isto significa uma visão similar de ambos os lados, visões espelhadas, imagens análogas portanto. Tudo isso, conota em reflexão (do "eu): as comparações que relativizam o "real" e o "essencial", desfecham em uma conclusão: "Eta vida besta, meu Deus" v.7