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INSTITUTO MOREIRA SALLES | CINEMA | JUNHO DE 2011 GRUPPO DI FAMIGLIA IN UN INTERNO DE LUCHINO VISCONTI VIOLÊNCIA E PAIXÃO

Cinema IMS-RJ Junho

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Programaçao do cinema do IMS-RJ de junho

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INSTITUTO MOREIRA SALLES | CINEMA | JUNHO DE 2011

GRUPPO DI FAMIGLIA IN UN INTERNO DE LUCHINO VISCONTI

VIOLÊNCIA E PAIXÃO

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UMA FAMÍLIA BRASILEIRA EM DOIS TEMPOS

Em 16 de abril último, uma semana depois de receber o prêmio de melhor filme da 16ª edição do festival internacional de documentários É Tudo Verdade, uma exibi-ção especial de Família Braz - dois tempos no Instituto Moreira Salles reuniu os rea-lizadores, Arthur Fontes e Dorrit Harazim, para uma conversa com os espectadores. O que se segue é um resumo das respostas de Arthur e Dorrit.

Arthur Fontes: Foi super rico voltar à família Braz. Mudou tudo nesses dez anos entre o primeiro e o segundo filme. E a segunda filmagem foi mais sim-ples. Na primeira, abrimos muito o leque, filmamos muito, mas acabamos por editar só os depoimentos. Agora, decidimos nos concentrar na família, ficar à espera deles em casa, abertos para o que fosse acontecendo. Isso fez com que filmássemos menos. Estávamos concentrados em registrar o que aconteceu com eles depois do primeiro filme.

Dorrit Harazim: Bom, eles deram um salto grande, mas é prudente imaginar que se você filma uma família com quatro adolescentes, ou recém-saídos da adolescência, e volta dez anos depois, irá encontrar um quadro muito diferente – acho que qualquer um nessa faixa de idade muda muito. Não vamos esquecer que dois deles eram menores de idade quando fizemos a primeira filmagem, e naturalmente se encaminharam na vida. O crescimento econômico ajudou, mas é compreensível que eles tenham hoje um perfil diferente.

Arthur Fontes: A saída da adolescência é o período em que acontecem mais coisas na vida de uma pessoa. Talvez, se voltarmos daqui a dez anos, será difícil encontrar tantas mudanças.

Dorrit Harazim: O que talvez não tenha mudado é a importância da mãe – ela até parece ter a mesma idade. Tanto que tivemos que recorrer ao preto e branco para as imagens de dez anos atrás, porque dona Maria… é difícil saber o que é antes e o que é depois. O que certamente não mudou é a importância dela como eixo da família. Apesar de os filhos, todos, já terem uma profissão, já estarem começando a sair de casa, ainda assim, o papel dela é fundamental. Se olharmos bem, várias mulheres na família acabaram definindo as coisas... O caçula acabou ficando com vergonha de não ter profissão porque a namorada tinha – o papel indireto da namorada é grande.

Arthur Fontes: Apesar de eles estarem todos bem à vontade, é complicado. Botar uma câmera e um sujeito atrás com um microfone… Quem já partici-

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pou da filmagem de um documentário sabe. Eles foram uma família muito boa para se filmar exatamente porque agiram com naturalidade, todos eles, diante da câmera e do microfone… mas, mesmo assim, talvez fosse preciso ficar filmando um ano com eles para conseguir que eles ficassem absolutamente naturais. Ainda existe aí um caminho a se percorrer para alcançar a naturalidade.

Dorrit Harazim: A dificuldade maior dessa vez foi a diferença dos horários de… Eles voltavam muito cansados para casa, queriam descansar, e lá vem aquela tur-ma do cinema, esperando. Então, nem sempre eles estavam dispostos a passar ho-ras respondendo nossas perguntas. Nós também nos mantivemos mais ou menos discretos. Essa foi a dificuldade maior. E a dificuldade eterna é conseguir filmar ou dar uma ideia de como é o espaço da casa. Não conseguimos.

Arthur Fontes: É impossível! Eles construíram um segundo andar que sobe, des-ce, vira… Ninguém sabe como eles fizeram aquilo. O primeiro filme foi feito em película, esse agora em câmera digital de alta definição, em hd, o que, claro,

Família Braz - dois tempos, de Arthur Fontes e Dorrit Harazim

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facilita. Principalmente na hora das entrevistas, pois fazer as entrevistas com negativo é caríssimo. Depois, tem que revelar, tem que telecinar. Então, há dez anos a gente tentava conter, não fazer entrevistas longas. Dessa vez, tenta-mos aprofundar um pouco mais as entrevistas. Da primeira vez, tínhamos que conquistar a confiança deles, levou mais tempo, filmamos mais, ficamos mais tempo com eles, quase um mês. Nessa segunda, ficamos com eles duas sema-nas, interrompemos as filmagens, assistimos a tudo o que fora feito até então. Tínhamos planejado fazer isso, porque, quando você está filmando, absorve muita informação, e chega uma hora em que a gente se pergunta: “Será que conseguimos tudo, ou não?”. Paramos durante o final do ano para examinar o material registrado. Filmamos em dezembro de 2010, exatamente dez anos depois da primeira filmagem. Quando voltamos em janeiro, já tínhamos assis-tido a tudo o que tínhamos filmado – “aqui está faltando… ali a gente esqueceu de perguntar isso, vamos buscar aquilo ali”…. Voltamos com uma nova pauta e com uma vontade ainda maior de aprofundar mesmo a conversa – coisa que talvez se consiga num terceiro filme...

Dorrit Harazim: Outra dificuldade que encontramos foi para editar todo o material. Se usássemos apenas imagens feitas agora, em 2010, perderíamos a trajetória de cada personagem. Tivemos que dosar o quanto de informação da primeira versão manter no filme de agora, quanta informação dar, quanto deixar de dez anos atrás para o espectador poder ter uma ideia da diferença da caminhada. Mas, ao fazermos isso, você rouba tempo de exibição de hoje… Então eu entendo que pareça que, a primeira versão, o filme inteiro, para falar só daquela época, pareça mais profundo, pareça mais trabalhado.

Dorrit Harazim: As entrevistas... Acho interessante mencionar, aconteceu na primeira versão também, sem ter sido falado, mas acabou sendo encaminhado assim: nunca, nem no primeiro nem no segundo filme, repetimos perguntas. Ou seja: a nossa surpresa é a mesma da família. Digamos que o assunto seja “água”, “que água mineral vocês bebem?” Se tivéssemos essa pergunta, entre os vários tipos de água, com gás, sem gás, qual a que vocês preferem? Se tivés-semos feito a pergunta, se na hora percebêssemos que deu errado (porque o som saiu torto, porque a imagem ficou sem foco), não repetiríamos a pergunta. Não voltamos ao assunto. Mesmo que o tema seja espetacular, não voltamos, porque na segunda vez não se consegue uma resposta tão espontânea como na primeira. É inviável. Não dá certo. Dito isso, o que aconteceu? Me parece que é uma das características interessantes do resultado desse documentário:

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os temas que não brotam naturalmente, nós decidimos não trazê-los à tona, porque se não a pauta seria nossa, não deles. Ao longo de duas semanas de convivência, foi raro encontrar a família toda junta. São horários diferentes, conseguimos filmar um almoço meio torto, com muitos membros da família, mas não todos… Então, nessas duas semanas, nenhum dos membros da famí-lia naturalmente trouxe à tona a questão política, partidária, eleitoral… E olha que tivemos eleições recentemente, seria um assunto que poderia ter brota-do… Eu quero crer que foi sabedoria nossa não propor a questão. Procuramos não trazer assuntos que não são do universo deles. Se analisarmos um por um, cada um deve mais aos valores que trouxe para família e a seu empenho pesso-al do que a qualquer política. Isso é importantíssimo, a meu ver, observar.

Arthur Fontes: Ou seja, existem milhares de famílias Braz, a família Braz não é a família heroica, única…

Dorrit Harazim: É claro que, com o crescimento econômico, coisas aconte-cem. Então, compram-se quatro carros agora. E onde está o metrô? Onde está o ônibus pro casalzinho jovem sair do bairro dele? Não tem. O Anderson mesmo diz: “Eu comprei o carro porque não tinha como sair daqui”. Isso é es-petacular, diz tudo sobre o universo dessa família. Há dez anos lemos estatísti-cas econômicas: não se consegue um lugar na ponte aérea, os engarrafamentos em São Paulo – por quê? Os números meio que indicam isso, estamos vivendo isso. Na época em que fizemos o primeiro filme com a família Braz, a periferia

Família Braz - dois tempos de Arthur Fontes e Dorrit Harazim

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de São Paulo e a favela aqui do Rio eram representadas pela violência, pelos ditos males sociais. Nós fomos contra a corrente, porque fomos procurar uma família absolutamente sem nenhum pecado mortal. Era contra a corrente, uma família antinotícia, ninguém parecia se interessar pela periferia numa família normal. O que se queria ver era o crime do dia, o assassinato da manhã, e nós fomos escolher uma família antinotícia. Esse tipo de Brasil acompanhou o crescimento econômico e virou notícia, mas a notícia já estava nos jornais, no fundo, através das estatísticas..

Arthur Fontes: A escolha da família foi uma longa investigação. A Dorrit fez a escolha baseada nas estatísticas. Queríamos mostrar o que seria o brasileiro médio. E também, ao invés de ser a avenida Paulista olhando para a periferia, a gente quería ir lá e perguntar o que eles achavam da avenida Paulista. Dona Maria fala que tinha medo de São Paulo – “eu morro de medo de São Paulo!” –, deveria ser o contrário, a gente é que devia ter medo da Brasilândia, que era então um lugar, está na música, no rap, estranho, esquisito.

Dorrit Harazim: Era o segundo lugar em índice de violência da cidade…

Arthur Fontes: O segundo distrito mais violento da cidade de São Paulo. Na verdade, ela tem medo de ir a São Paulo, ela quase não saía de lá, então era um pouco tentar mostrar a visão da periferia, a periferia olhando para São Paulo. Foi uma investigação longa. O mais importante era tentar encontrar uma fa-mília normal, no melhor dos sentidos, que não tivesse nenhum caso de crimi-nalidade, de problema de saúde, alguma coisa que chamasse demais a atenção. Existiam estatísticas sobre essa… maior minoria de 1999. Ela usaria tantas pastas de dentes por ano, teria tantos filhos, moraria em tais bairros. Baseado nesses números, a Dorrit fez uma pesquisa longa com a ajuda de…

Dorrit Harazim: … Líderes de comunidades, igrejas e entidades de bairro, do Centro de Ensino a Distância, de institutos de dados de São Paulo... A pes-quisa nos indicou as áreas de São Paulo com famílias que se enquadrassem no perfil que estávamos procurando. Aí, então, foi pegar o carro, ir para um lugar desses e bater na porta. Tem gente que abre a porta para você, tem gente que não abre. Sempre estranham a sua presença, porque é imediato ver que você não mora ali. Mas, como jornalista, não é difícil, você sabe como chegar. Mui-tas famílias se enquadravam no que procurávamos… Uma me impressionou muito, mas não servia. Ela se encaixava até melhor no perfil que procurávamos, mas tinha um desvio tão óbvio que ia interferir na história que queríamos contar: um dos filhos não tinha o céu da boca, um dos filhos pequenos. Aquela

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criança iria tomar conta do filme e esconderia o resto. Em outra família mara-vilhosa, perfeita para o que queríamos, a dona de casa tinha agorafobia, tinha medo de sair do quarto e da casa. Ora, aí complica, seria outro documentário, um documentário sobre fobias. Então, “vamos pra outro bairro”, procuramos em outro bairro. Não sei quantas famílias visitei. Quando percebemos que tinha um bairro chamado Brasilândia – já é simpático, Brasilândia, não é? Para quem quer fazer um filme sobre família brasileira, fica bom. Pois aí, na Brasilândia, ouvi falar de uma família Braz.

Arthur Fontes: Moravam no alto do morro, vista belíssima…

Dorrit Harazim: Você chega na família Braz e eu lembro que seu Toninho estava na laje. Chamo, tento explicar, “é uma equipe do Rio que está pensando em vir fazer uma filmagem sobre a família”, conversa de maluco. Seu Toninho imediatamente: “Espetacular! Bom demais!” Ele disse: “Olha, preciso pergun-tar pra dona Maria”. E isso levou muito tempo, ele consultou cada membro da família. Na época, mesmo os jovens, não era claro que quisessem. Foram perguntando um para o outro, levou dias, levou muito tempo... Agora, apesar de eles fugirem ao modelito que cientificamente nós achávamos que íamos encontrar, o povo brasileiro médio, eu acho que deu certo... Bom, essa é a observação que mais me encanta: nós estamos aqui há meia hora falando da família Braz. Em São Paulo, foram dois debates. Neles, e nesse aqui no Rio, o assunto, a família, é tão forte, que o fato deles serem negros não suscitou uma só pergunta. Eu acho que deu certo, a família Braz deu certo.

Família Braz - dois tempos, de Arthur Fontes e Dorrit Harazim

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Já a partir do seu título, Família Braz - dois tempos tem um programa absoluta-mente cristalino: encontrar, dez anos depois, os seis membros de uma família de classe média baixa da periferia paulistana retratada pelos dois diretores em um documentário realizado no final da década de 1990, e perceber de que ma-neira suas vidas estão ou não mudadas depois desse período. Cristalino, aliás, como já eram também o programa e o título do primeiro filme, Família Braz, que tentava construir um retrato dessa família, tomando-a metonimicamente como uma representação, justamente, dessa classe social e desse ambiente so-ciogeográfico.

Projeto original da importante jornalista Dorrit Harazim, não é difícil perce-ber nos dois filmes a pegada que mistura uma tendência à apuração para uma reportagem com o pendor da observação socioantropológica. De fato, Família Braz - dois tempos, como seu antecessor, tem forte sabor de filme etnográfico, mesmo que a “tribo” aqui retratada nos soe mais próxima do que as incursões exóticas mais associadas ao gênero. Sendo que aqui, aos costumes e rituais típicos de um povo distante, substitui-se pela relação com os espaços físicos da casa, a posse do carro e a relação com o espaço do trabalho – todos esses surgindo como exemplos de desejo ou concretização de uma ascensão social que é, desde o começo, claramente o maior interesse no relacionamento dos realizadores com seus objetos. Se tomarmos esses pressupostos como medição principal, é difícil dizer que Família Braz - dois tempos não cumpra à risca seus objetivos, arrancando de seus personagens exatamente aquilo que busca – seja na visita aos ambientes, seja nas várias entrevistas.

Só que é esse mesmo “sucesso” que nos faz sentir que talvez bastasse a sobrepo-sição das imagens da família na frente da casa, com a diferença de dez anos e quatro carros a mais, para que o mesmo conteúdo desejado fosse passado com enorme economia. Claro que existe mais profundidade na simples presença na tela dos personagens como indivíduos, para além de seus papéis, mas não se pode dizer que o filme esteja realmente muito interessado nisso para além das categorias que a narração em off atribui a cada um deles dentro da organização da família. Não deixa de ser sintomático que a única cena em que o filme se deixa respirar minimamente venha depois da sua “conclusão”, na dança que ilustra os créditos finais, estando ressignificada pela informação da morte de

UM FILME nAS FRESTAS DE OUTRO | EDUARDO VALENTE

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um dos membros da família depois do final das filmagens. A simples duração daquela cena, em que não se representa nem informa nada para além da di-nâmica entre os corpos de alguns familiares que celebram um momento, é o que falta a todo o resto do filme – em que tudo parece sempre já muito dado, entendido, resolvido.

Nas frestas das entrevistas, porém, é que se deixa entrever talvez a mais curiosa e menos controlada (ou tematizada) das relações que o filme produz: aquela da equipe de filmagem com os personagens. Existe, ao longo de toda duração de Família Braz - dois tempos, uma estranha sensação de cordialidade distante, talvez muito mais significativa e sintomática das relações de classe no Brasil do que qualquer coisa que o filme efetivamente deseje narrar. Da parte dos membros da família, seja na forma de falar ou de se portar, percebe-se sempre um desejo de se mostrar da forma mais positiva possível (“você está me dedan-do?”, pergunta jocosamente – mas não muito – um deles quando alguém conta algo menos abonador), dentro do imaginário de “sucesso” que construíram para si, num certo congelamento orgulhoso frente ao “pessoal do cinema” que vai lá tirar um retrato da família. Do outro lado, existe da parte da manufatura do filme (filmagem e montagem) um tom algo condescendente, uma simpatia bastante de cima para baixo, que parece sempre querer dar a chance de mostrar toda a dignidade da vida daquelas pessoas.

Muito mais que no seu retrato sociológico da “evolução em dez anos de uma típica família da classe média”, é nessa calada convivência entre duas clas-ses, aparentemente harmoniosa e de comunhão, mas no fundo incrivelmente distante, desconfiada e inconciliável, que Família Braz - dois tempos se mos-tra mais representativo e agudo. Nesses momentos, percebe-se ali a presença encarnada ainda que numa forma muito mais sutil (e por isso mesmo mais marcante, pois naturalizada) da mesma velha questão que levou aos dilemas metalinguísticos de um Santiago (de João Moreira Salles, 2007). E que aqui esses dilemas nunca surjam como uma questão para o filme acaba nos di-zendo bastante sobre um modo de estar no mundo absolutamente brasileiro.

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nO InTERIOR DA FAMÍLIA | JOSé CARLOS AVELLAR

Ao iniciar a filmagem de Violência e paixão (Gruppo di famiglia in un interno), em junho de 1974, aos 68 anos, Luchino Visconti trabalhava com dificuldade. Dois anos antes, um acidente vascular deixara seu lado esquerdo paralisado. Ele estava numa cadeira de rodas. Num dos braços da cadeira, um microfone para que ele pudesse falar com a equipe.

De certo modo, o velho professor que vemos em Violência e paixão, amante de Mozart e retirado do mundo num apartamento “estranho, mas requintado e fascinante” com sua coleção dos retratos de famílias inglesas do século xviii, os conversation pieces, tem algo de autorretrato, de flagrante do que o realizador vivia então, de imagem de sua condição depois do avc, de testamento, de des-pedida, de uma última pulsação. O personagem parece falar pelo autor ao dizer que a “consciência de que sua vida chegava ao fim já se anunciava pelos passos da morte no andar de cima”. Tal impressão nasce logo na primeira imagem do filme, o gráfico da pulsação de um coração por baixo dos letreiros de apresen-tação, e se reforça no final, quando o gráfico volta a aparecer na tela.

Uma espécie de autorretrato, também, porque o diretor, como o personagem de sua história, foi um colecionador de conversation pieces. Filmou diversas histórias de famílias que se desintegram por pressões diversas. Uma família de pescadores na Sicília – A terra treme (La Terra trema, 1948). Uma família de migrantes do Sul perdida na grande cidade do Norte – Rocco e seus irmãos (Rocco e i suoi fratelli, 1960). Uma família Toscana desintegrada pelo fascismo – Vagas estrelas da Ursa (Vaghe stelle dell ’Orsa, 1965). Uma família alemã que se decompõe no nazismo – Os deuses malditos (La Cadutta degli dei / Götterdäm-merung, 1969).

O inocente (L’ inoccente), seu último filme, baseado no romance de Gabriele d’Annunzio, concluído pouco antes de sua morte, em março de 1976, conta também a desagregação de uma família, e nesse “desmonte de uma família”, como observou a roteirista Suso Cecchi d’Amico no debate depois da exibi-ção no Festival de Cannes, em maio de 1977, “temos a desagregação de uma sociedade, a da grande burguesia italiana responsável pelo fascismo”. Esses, ao lado da adaptação de O leopardo (Il Gattopardo, 1963), de Giuseppe Tomasi di Lampedusa, são, sem dúvida, expressivos retratos de família, e Violência e paixão, talvez, um expressivo autorretrato de família.

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Não que a força desse filme, lá, no instante em que chegou aos cinemas, tanto quanto aqui, quando retorna, 25 anos depois da morte do cineasta, resulte da impressão de que o professor retrata o diretor. Mas, sem dúvida, o vigor dessa história resulta de uma direta relação entre o narrador e a história narrada. O artista, aqui, não é apenas um técnico que atende à encomenda de pintar determinada família: pinta sua família ou uma família como a sua, está ali naquele mesmo interior. Em dezembro de 1974, no lançamento na Itália, Vis-conti sublinhou que Violência e paixão pode ser visto como uma autobiografia somente se o examinarmos como o retrato da época em que o realizador viveu e não como o retrato do diretor, porque as semelhanças entre ele e o professor interpretado por Burt Lancaster são pequenas.

“Eu e ele somos velhos. As pessoas velhas vivem a se proteger de uma vida que, além do mais, não oferece mais qualquer ilusão. Os velhos procuram se refugiar em suas recordações, numa bagagem de conhecimentos que não cresce mais. Vi nesse personagem a oportunidade de representar um mo-mento e uma classe. Eu vivi esse momento. Eu pertenço a essa classe. So-mos velhos, eu e o professor, mas a identificação entre nós termina aqui. O

Silvana Mangano: Violência e paixão de Luchino Visconti

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professor não gosta dos homens. Detesta o barulho dos outros. Vive num silêncio total. Eu não sou egoísta assim. Adoro estar cercado de gente, es-tou sempre em companhia de amigos. O que eu pretendi no personagem interpretado por Burt Lancaster foi contar a história de um intelectual de minha geração. Examinar a posição, as responsabilidades, os sucessos e os fracassos dos intelectuais de minha geração. Pretendi fazer a parábola de uma cultura.”

A breve cena entre Lietta, a mais jovem personagem do grupo, e o velho pro-fessor resume com precisão a parábola que Visconti procura compor. O pro-fessor surpreendera Lietta e seus dois amigos drogados e nus em seu aparta-mento. Ela pergunta: “O senhor também foi jovem. O que fazia então? Não fazia exatamente o que nós fazemos agora?” E o professor responde:

“Não. Não fazia nada disso. Estudei, viajei, estive na guerra, casei-me. De-pois, quando encontrei tempo para olhar em volta, descobri que estava no meio de pessoas que não podia entender, no meio de pessoas com as quais não tinha nada em comum.”

O filme é esse encontro. De um lado, no andar de cima, os jovens, a marquesa Bianca Brumonti, mulher de um industrial de extrema-direita, e Konrad, seu amante. Lietta, filha de Bianca, e o namorado, Stefano; de outro, no andar de baixo, um homem velho, o professor mais afeito aos livros, aos quadros, à música, que ao contato direto com as pessoas; nas palavras do diretor, um con-fronto entre “um velho professor e a vitalidade dos jovens, o lado irracional dos jovens, a vontade de não acreditar no que existiu antes deles, de recusar tudo o que existiu antes deles”.

Como sugestão de que se encontram todos de certo modo pressionados pelo mesmo espaço e tempo (os jovens poderiam dizer, como o velho professor, que ao olhar em volta se descobrem no meio de pessoas que não entendem?), a história se passa inteiramente dentro de um apartamento. Nas poucas vezes em que a câmera se aproxima da janela, encontra uma paisagem “de evidente falsificação, embora montada com detalhes verdadeiros”. Visconti pediu que a cenografia evitasse a cópia exata. “Podia até mesmo usar uma paisagem natu-ral, mas preferi tomar uma série de elementos do barroco romano e reorgani-zá-los em completa liberdade de proporções e de posições”. A solução adotada para desenhar a paisagem vista pela janela é a mesma adotada para compor os personagens e os acontecimentos dentro do apartamento. Trata-se de organi-zar uma ficção (uma evidente falsificação?) com detalhes inteiramente verda-

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deiros do mundo exterior reorganizados em completa liberdade de proporções e posições (não é mesmo isso o que se faz no cinema com o enquadramento e a montagem?). Trata-se de insinuar o mundo exterior por meio de uns poucos sinais que invadem o apartamento pela janela, tal como os ruídos das pessoas que se mudam para o andar de cima invade a música de Mozart.

Quase ao final de Violência e paixão, um ruído mais forte invade o relativo silêncio do professor. Ele encontra Konrad morto, vítima de uma explosão de gás na cozinha. Suicídio, explica Bianca: “Ele sempre quis ter a última palavra. Foi um modo cruel e insensato de nos punir.” “Ele foi assassinado”, corrige Lietta, filha de Bianca e que se confessa também amante de Konrad: “Não acredite em minha mãe, professor. Ele não se suicidou, foi assassinado”. O espectador que reconheceu na mão esquerda de Konrad a echarpe do provável assassino tende a concordar com Lietta. Importa um pouco menos o que se diz e um pouco mais o que filme (como uma pintura) nos deixa sentir nas imagens.

Quando o professor chega à cozinha, o fogão está destruído, e Konrad caído entre pratos e garrafas quebradas, entre panelas e latas atiradas longe pela ex-plosão. Nenhum movimento de câmera, nenhum efeito de luz, nenhum plano de detalhe concentram a atenção na echarpe em sua mão. Entre os muitos objetos no chão, ela aparece apenas para o espectador que acompanhou a his-tória, desde o começo, como uma composição à maneira de uma conversation piece. E, ainda assim, dar-se conta dela e associá-la a determinado personagem não significa solucionar o mistério em torno da morte de Konrad.

Claudia Marsani e Burt Lancaster: Violência e paixão de Luchino Visconti

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Talvez seja possível dizer que os retratos das famílias de aristocracia e da alta burguesia do século xviii fazem parte da ação, são personagens que agem em cena como qualquer outro, mas em segundo plano. Na verdade os personagens se referem pouco às conversation pieces. As pinturas ficam a uma certa distância, nas paredes do apartamento do professor, entre muitos outros objetos de cena. Em nenhum momento um quadro aparece em primeiro plano. Com a echarpe do possível assassino, acontece o mesmo. Se ela se destaca no vestuário de um personagem, é só talvez por seu colorido, por suas manchas largas, ou pela repetição do gesto, simples, natural, de ajeitá-la em torno do pescoço – gesto tão natural quanto a presença de um quadro na parede, gesto e quadro que se incorporam à cena como um detalhe significativo, exatamente por não ter sido destacado num movimento de câmera ou de um plano de detalhe para deixar de ser o que é e transformar-se numa peça de um único sentido.

Trata-se de realizar um filme bem de acordo com as linhas de composição dos quadros colecionados pelo professor, as peças de conversação ou grupos de família, que aparecem no fundo da imagem como um dos muitos objetos de cena e só ganham um ligeiro destaque quase no final do filme, quando a câmera passeia sobre as paredes da biblioteca do professor. Como observou Visconti na apresentação do filme em dezembro de 1974:

“Esses quadros ingleses do século xviii, representam famílias da aristocra-cia e da alta burguesia com suas crianças, empregadas e cachorros. Pessoas elegantes, encantadoras, deliciosas mesmo. Diante desses quadros, nos sen-timos estimulados a imaginar as paixões e os vícios dos retratados, a vida que se esconde por trás da imobilidade da pintura. O professor coleciona conversation pieces porque é egoísta e maníaco. Tem medo de encarar os problemas dos outros face a face. Tem medo de se deixar envolver em pro-blemas alheios. Prefere ocupar-se das obras produzidas pelos homens a se ocupar dos homens em si mesmos. Não quer reconhecer que mais impor-tante que as obras são os homens. Meu filme é justamente uma conversation piece, o retrato de uma família. E por isso a minha cena preferida é aquela que, quase ao final, reúne em volta da mesa os cinco personagens principais. Ali, eles se enfrentam, dizem as verdades mais atrozes. Uma simples refei-ção se transforma num quadro trágico em que uma família se desagrega para sempre.”

Talvez seja possível dizer que a estrutura da cena cinematográfica obedece, em Violência e paixão, ao mesmo princípio de composição que organiza os

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quadros. Esse princípio exige um olhar atento, uma dedicação exclusiva. As imagens do filme, como as pinturas na biblioteca do professor, são ricas em sugestões. Não se preocupam em reduzir as questões que desenvolvem a res-postas conclusivas: cada nova pergunta recebe como resposta uma nova per-gunta, não pelo gosto simples de alimentar o mistério, mas para encaminhar a questão para o que de fato importa: não um mistério policial, mas uma questão social. No retrato dentro do apartamento, um gruppo como que de famiglia in un interno, por meio dele, uma imagem do exterior, a história de uma geração, a história da Itália do tempo em que Visconti viveu – novembro de 1906 a março de 1976.

Em 2 de novembro de 1975, dia de seu aniversário, durante a filmagem de O inocente, confidenciou à roteirista Suso Cecchi d’Amico:

“Estou bem velho, mas sem medo de morrer. Por que deveria ter medo? Será interessante ver como é o outro lado. Deve ser como visitar uma outra família. Ou então como ir ao cinema.”

Helmut Berger e Burt Lancaster: Violência e paixão de Luchino Visconti

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O nome dela é Sabine (Elle s’appele Sabine) é um retrato de Sabine Bonnaire, realizado por Sandrine, sua irmã mais próxima. Arquivos pessoais, filmados por Sandrine ao longo de 25 anos, e testemunho de sua vida hoje, em uma residência de acolhimento em Charente. O documentário evoca uma personalidade que teve seu desenvolvi-mento e talento esmagados por um tratamento inadequado. Após uma passagem trágica de cinco longos anos em um hospital psiquiátrico, Sabine recobra o gosto pela vida e seu exemplo demonstra a penúria dos centros especializados e suas con-sequências dramáticas. “Em toda parte, os olhares se desviam dos autistas”, observa Sandrine. “Todos nós fazemos parte de uma sociedade que fecha os olhos para os problemas ligados à responsabilidade e ao respeito pelos autistas. Meu filme fala do olhar. Espero sensibilizar as pessoas, levá-las a olhar os autistas”.

Você sempre teve uma ligação especial com Sabine, sua irmã mais nova, admirava o talento dela e a filmava com freqüência, durante a adolescência.

Quando levei para casa minha primeira câmera super 8, comecei a filmar mi-nhas irmãs. Sabine era a que mais me pedia para ser filmada, ela se divertia em cena e queria que eu a filmasse constantemente. Desde o princípio. Era como um jogo. Eu percebi que esse olhar sobre ela tinha um efeito benéfico. Diante da câmera, Sabine se tornava mais calma e concentrada, ela se sentia bem em sua própria pele. Assim, eu comecei a gravar tudo o que fazíamos juntas – como as nossas viagens. Era tão prazeroso para ela que decidi dirigi-la baseando-me em textos de Brecht, por exemplo. Eu pedia que ela improvisasse. Assim, podia também incentivar seu gosto pela leitura. Depois, eu projetava esses pequenos filmes para minha mãe, que era extremamente preocupada e protetora com Sabine. Tinha esperanças de que minha mãe, ao vê-la feliz e cheia de talento, pudesse se tranquilizar com relação às capacidades e à diferença de minha irmã. Sabine era uma adolescente tão bela, expansiva, inventiva, manualmente hábil – e musical! Recentemente, revi com minha irmã Lydie esses filmes em super 8 e ficamos espantadas ao ver o quanto Sabine mudou desde então.

No filme, um quadro preto mostra essa oscilação entre a Sabine de antes e depois da internação num hospital. O que aconteceu realmente?

Sabine foi hospitalizada logo depois do choque emocional provocado pela morte repentina de um de nossos irmãos. Esse confinamento de cinco anos em um hospital psiquiátrico onde ela passou por tratamentos destrutivos foi,

A nECESSIDADE DO OLHAR | DEPOIMENTO DE SANDRINE BONNAIRE

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para Sabine, uma violência extrema. Era um círculo sem fim, quanto mais ela ficava angustiada, mais se tornava violenta. Quanto mais era violenta, mais lhe davam medicamentos que faziam com que ela perdesse a consciência. E nos explicavam: “É a doença que está progredindo.” Mas, hoje em dia, Sabine não é mais inconsciente! No filme, inseri um letreiro sobre um fundo preto – “Cin-co anos de internação” – porque, para mim, Sabine cumpriu cinco anos de pri-são por um crime que não cometeu. Quem poderia suportar anos confinado, com frequência em quartos de isolamento, a pessoa sozinha, amarrada em uma cama, sem se revoltar? O confinamento leva à violência. É algo que fica claro no filme, há um lado em Sabine com muita vitalidade. Trabalhar essa vitalida-de pode ajudar a reduzir a parte mais sombria de sua personalidade. O filme é uma constatação, não quero demonstrar que tratamentos e medicamentos são inúteis ou que é preciso fechar os hospitais, mas dizer que o hospital é um lugar de tratamento, de transição, de modo algum um lugar para viver.

Sua irmã foi diagnosticada tardiamente, com 32 anos, como paciente “psico-in-fantil com comportamento autista”.

Sim, tardiamente. Não souberam cuidar dela no hospital. Não deram atenção ao choque emocional que provocou a internação. No hospital não se preocu-param com sua fragilidade, sua dor, sua diferença. Em seu caso, a rápida visi-ta semanal de um psiquiatra não era suficiente. Era preciso ter desenvolvido um diálogo sobre sua relação com o irmão, com o sentimento de abandono, para ajudá-la a lidar com a morte, que faz parte da vida. A violência havia se tornado o único meio de expressão possível na angústia que ela sentia diante desse drama, então, por que responder com uma violência ainda maior? Por que privá-la de movimentos e da fala embrutecendo-a com remédios? Esses tratamentos indignos e desrespeitosos com o ser humano aumentam a falta de confiança em si mesmo e a culpa que leva à automutilação. Recentemente, perdemos outro irmão, e outra vez Sabine ficou muito abalada. Só que dessa vez ela teve acompanhamento, pode chorar seu irmão e dar nome a sua tris-teza. A morte, agora, passou a ser para ela algo concreto, ela pode se manter à distancia. É, de fato, muito triste toda a violência que Sabine teve que suportar, imposta por pessoas que deveriam ter cuidado dela adequadamente.

Como foi suportar tudo isso?

Fomos obrigados a suportar o insuportável, pois não havia outra escolha. Eu e minhas irmãs passamos por estados diferentes, podemos entrar em depressão ao ver nossa irmã tão maltratada. Diante dessa injustiça, que não podemos

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combater, apesar de tentarmos encontrar soluções, oscilamos entre as lágrimas e a cólera. Tive a sorte de encontrar Joseph Desbrosses, o fundador da Apec – Ação pela Proteção, Educação e Cidadania. Ele responsabilizou-se por Sa-bine em uma das residências de acolhimento que criou e, finalmente, ela pode se beneficiar de um acompanhamento com uma dimensão humana.

Como surgiu a ideia de fazer um documentário sobre sua irmã?

Eu me sentia cada vez mais inútil, mesmo que tentasse atenuar os problemas cotidianos, visitando-a quando ela não estava em isolamento... Pouco a pouco, tínhamos cada vez menos possibilidades de ajudar. Durante esses cinco anos de confinamento, eu buscava um meio para denunciar os deslizes da institui-ção psiquiátrica. O que fazer para reparar os sofrimentos causados à minha irmã e trazer-lhe de volta um pouco de dignidade? Se Sabine está melhor hoje em dia, é porque está cercada de pessoas que a consideram, que olham para ela, que a escutam. É sempre importante levar em conta o olhar dos outros. Podemos enlouquecer, se ninguém nos olha ou nos leva em consideração. É o olhar do outro que dá identidade uma pessoa. Eu queria esperar um pouco até que Sabine melhorasse. Mostrar sua degradação poderia ser muito violento para todo o mundo, eu teria a impressão de estar lhe roubando a intimidade e estar atingindo, uma vez mais, sua dignidade. Nessa época, meu filme teria sido repleto de cólera. Não teriam me autorizado a filmar no hospital e eu não usaria a câmera escondida. Resolvi, assim, adiar a ideia do filme. Mas eu estava dilacerada, queria realmente tirá-la daqueles muros! Eu me dizia, lembrando-me de Raymond Depardon quando filmou Françoise Claustre durante seu cativeiro (La Captive du désert, 1990): algumas imagens, mesmo roubadas, testemunham a existência de uma pessoa que foi privada de sua liberdade e obrigada a aguentar sofrimentos inumanos. Quando fui escolhida Madrinha das Jornadas de Autismo, confrontei-me com testemunhos terríveis. As pes-soas me confiavam seus problemas e e era mais ou menos como se falassem de Sabine; isso me fez muito bem. Eu jamais tinha falado da minha irmã antes, e muito menos para pessoas estranhas. Naquele momento, Sabine já tinha encontrado um lugar melhor para ela, mas as outras Sabines ainda estavam confinadas, eu percebi que deveria fazer algo e testemunhar.

Seu filme mostra as dificuldades para encontrar instalações adequadas.

Eu ainda recebo cartas de famílias angustiadas, por isso resolvi filmar a sequ-ência com a mãe do pequeno Olivier. Uma mãe experimenta um sentimento de culpa quando seu filho não é como os outros.

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Especialmente porque até pouco tempo atrás, pensava-se que o autismo tinha sua origem numa relação problemática entre mãe e filho...

A psiquiatra que tratou de Sabine recusou ser entrevistada, e ela não é a única, desde que eu dei minha opinião, nas Jornadas do Autismo, sobre o tratamen-to psiquiátrico que impuseram a Sabine. Há também a mãe de Olivier, um jovem homem epilético que vive no mesmo centro que Sabine e recebe um tratamento bastante pesado; seria muito perigoso para ele parar com os me-dicamentos. Através do relato de sua mãe, que conta o que sofreu após ter in-gerido alguns comprimidos do tratamento do seu filho, é possível perceber os danos que podem causar tratamentos pesados administrados a pacientes cujo estado não necessita dessas doses excessivas. Sobretudo se levarmos em conta que essas camisas de força químicas são os únicos cuidados que chegam até o confinamento em que vivem. Sem dúvida, os medicamentos são necessários, porém eles não devem servir como solução para manter tranquilidade e ordem nos serviços hospitalares. Precisamos de um lugar em que os doentes sejam respeitados em sua singularidade. Desde que Sabine chegou a esse centro, seu comportamento é diferente. Ela tenta apaziguar sua violência dentro de si mesma.

Você filma sua irmã sem concessões. Sabine é comovente quando evoca seus desejos de criança e sua necessidade de carinho. Mas você não hesita em revelar os momen-tos em que ela se torna agressiva e violenta. Ela às vezes chega a morder ou a fincar o garfo no braço de um enfermeiro!

Eu queria apresentar Sabine em todas as suas facetas, simpática, engraçada, normal, e, também, malvada em alguns momentos. Não queria fazer dela um ícone. Além disso, era uma maneira de prestar uma homenagem aos educa-dores, de mostrar as dificuldades que eles têm no cotidiano com pessoas que podem mudar de comportamento de uma hora para outra. Eu também queria mostrar quanto o apoio qualificado de lugares especializados pode ser eficaz.

Como você estava com a câmera, pode captar a troca de afeto entre vocês duas, seu olhar amoroso para Sabine e o olhar amoroso dela quando reivindica sua atenção.

Sim, para mim esse filme também é a continuação de uma aventura entre irmãs que teve início na adolescência. Eu estava acostumada a filmar Sabine e ela acostumada com meu olhar. Deste modo, teria sido absurdo contratar um cameraman para filmá-la. Esse filme tinha que ser o meu olhar sobre Sabine e a minha voz em off. Em uma piscadela de olhos para esse “diário intimo”,

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escolhi a música de Nicola Piovani feita para o filme de Nanni Moretti Caro Diário (Caro diario, 1993) . Nicola Piovani nos cedeu gentilmente os direitos da música. Prestei muita atenção à trilha sonora do filme. No começo, a beleza e a alegria melancólica do piano de Piovani simbolizam a Sabine adolescente. A seguir, a música diminui o ritmo quando Sabine começa a ter crises depois da morte de nosso irmão Patrice. E, então, para as sequências de seu confi-namento, enquanto Sabine vive num mundo de pesadelos, eu pedi a Jefferson Lembeye e Walter N’Guyen que compusessem uma música mais séria, para ressoar nos corredores do hospital. No fim, as duas músicas, o sol e o pesadelo, se misturam para sublinhar as perguntas: Sabine poderá viver sem os medi-camentos? Eu poderia, ainda, fazer uma viagem com ela? Sabine sairá dessa situação? O silêncio que se segue indica que há poucas respostas possíveis... E o filme para bruscamente. É o vazio, a interrogação do momento em que fizemos o filme.

Um silêncio que dá a palavra ao espectador e aos poderes públicos.

É isso mesmo, no comments. Eu acabo de contar a história de Sabine, você viu os danos, agora é sua vez de fazer alguma coisa.O problema existe e, em toda parte, os olhares se desviam dos autistas. Todos nós fazemos parte de uma sociedade que fecha os olhos para os problemas ligados à responsabilidade e ao respeito pelos autistas. Torno a repetir, o filme fala do olhar. Eu espero transmitir uma mensagem de sensibilização a fim de obter ações concretas.

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Desde pequena, Sabine se mostrara uma criança “diferente”, que pedia um pouco mais de atenção. Depois de várias crises e tentativas de tratamento, por falta de um lugar que aceitasse uma paciente como ela, Sabine foi internada em um hospício, onde viveu por 5 anos. Quando saiu de lá, estava 30 quilos mais gorda e com os cabelos raspados, entupida de fortes medicamentos, completa-mente dependente. Sabine é irmã da famosa atriz francesa Sandrine Bonnaire (Mulheres diabólicas, Aos nossos amores), aqui estreante atrás das câmeras. Quan-do adolescentes, Sandrine filmava obsessivamente a irmã um ano mais nova. Em uma recente entrevista, ela diz que a ideia era um dia mostrar para Sabine as imagens de um passado doloroso, mas superado. Contudo, como vemos no filme, aconteceu o contrário.

O nome dela é Sabine (Elle s’appele Sabine) é composto de dois momentos. O primeiro sublinha a juventude de Sabine, registrada em vários vídeos de famí-lia. Nessas imagens de arquivo, seu olhar esbanja vivacidade. Ela dança e toca piano, vai à praia e viaja aos eua. A segunda Sabine é captada no presente, em uma instituição especializada (aberta graças à “notoriedade” da autora do filme). Agora, ela é outra: gorda, dispersa, cansada e insegura. Ainda assim, ao que parece, Sabine já melhorou bastante desde que deixou o hospício. San-drine costura esses dois períodos com uma pontual narração em off descritiva, sem adjetivos. O filme não se interessa em expor misérias ou questionar a ve-racidade de um diagnóstico. Tampouco se empenha em críticas ao tratamento psiquiátrico na França. E, embora a culpa seja aqui algo palpável, O nome dela é Sabine não tem como propósito culpabilizar, seja a família ou alguma insti-tuição. A intenção é de outra ordem.

O nome dela é Sabine, diz o título do filme. Sandrine não quer reduzir sua irmã a um diagnóstico. O risco é mesmo grande. O autismo (como qualquer mal psíquico) tende a se sobrepor ao paciente. É contra isso que Sandrine se de-bate. O depoimento da psiquiatra da casa onde vive Sabine a ajuda: o autismo é um problema de adaptação ao mundo. O longa procura então valorizar sua personagem, afirmá-la perante esse mundo. E, assim, Sandrine monta uma sé-rie de cenas em que sua irmã demonstra vaidade, orgulho, simpatia. Sabine se diz feliz por nadar na piscina, adora comer em uma determinada lanchonete e se surpreende ao se olhar bela no espelho. O documentário se afirma então no registro afetuoso que Sandrine faz do cotidiano de sua irmã. Sabine comendo,

À MInHA IRMã, COM CARInHO | JÚLIO BEZERRA

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babando, deitando no chão, brincando na piscina, comprando roupas, gritando sem mais nem menos etc.

A grande maioria dessas imagens foi captada pela cineasta. Embora ela quase não apareça, sua presença marca o filme. Pois Sandrine assume não só o papel de narradora, como também o de câmera. “Sandrine, é certo e seguro que você virá me ver amanhã?”, pergunta Sabine diretamente à câmera mais ou menos a cada duas cenas. O olhar da diretora, o olhar da câmera e os nossos olhos se fundem. A câmera opera como uma extensão do corpo de Sandrine: ela res-pira, hesita, duvida, se aproxima e se distancia. Ainda que Sandrine não leve essa premissa de um “corpo-câmera” às ultimas consequências, cria-se uma espécie de curto-circuito nas estratégias do filme. O que se percebe é, de um lado, uma frieza calculada na narração e o uso clínico da câmera e das imagens de arquivo; do outro, uma enorme afetividade e franqueza em relação ao que nos é mostrado. É como se o filme buscasse, dialeticamente, material para identificação (com os personagens dessa história e os seus dramas) e os meios

O nome dela é Sabine, de Sandrine Bonnaire

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de distanciamento que não nos deixam esquecer da gravidade dessas imagens. Afinal, a convivência com Sabine ainda é difícil.

Sandrine soube sabiamente não pôr seu filme a serviço do sentimentalismo. Muito pelo contrário, é a sua frieza (estranhamente afetiva) que nos acorda para as dores dessa história. O tipo de olhar proposto ao espectador neste filme vai na direção contrária ao oferecido, por exemplo, pelos reality shows. Embora gire em torno de questões pessoais, O nome dela é Sabine não está a serviço de uma expressão narcísica. Não há invasão de privacidade, mas cumplicidade. Sandrine nos chama para mais perto, nos convida a acompanhar o filme, não sua intimidade. E o filme nos envolve menos com ordens ou imperativos retó-ricos do que com uma sensação relacionada com sua sensibilidade. O especta-dor se envolve de maneira indireta, por intermédio da carga afetiva aplicada ao filme e que a realizadora procura tornar nossa.

O filme ainda guarda um final desconcertante. Sabine vê imagens do que tal-vez tenha sido o momento mais feliz de sua vida: uma viagem com a irmã à Nova York. Ela se reconhece jovem e bonita, e chora, “de alegria”, diz ela. Uma alegria recheada de tristezas, “uma alegria difícil”, diria Clarice Lispector, mas ainda assim uma alegria. Ao ver a si mesma pelos olhos da irmã (e para os nos-sos olhos), Sabine é tocada pela emoção, pelo reencontro com um eu que havia se distanciado dela mesma. Ela se encontra de novo, por meio das imagens do filme caseiro. É o próprio cinema que reafirma suas potencialidades. Sem defender uma tese, sem ensinar ou sugerir nada, o filme abre certo horizonte de possibilidades que estava virtualmente fechado para Sabine. E, no fim, ela pede para ver o dvd novamente.

Setembro de 2009

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SESSÃO DUPLA | ACOSSADO | ELEIÇãO

Acossado (À bout de souffle)

de Jean-Luc Godard

Eleição: o submundo do poder

(Hak se Wui) de Johnnie To Dois filmes exibidos em parceria com a

www.revistacinetica.com.br em sessão seguida de debate com os críticos da revista

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A expressão “filme de estreia” acaba sendo bem pouco precisa, ou no mínimo traz muito pouca luz sobre o fenômeno que assolou o cinema mundial chamado Acossado (À bout de souffle). O projeto de cinema de Godard dá claros sinais de já estar pronto àquele momento. Seus alvos estão bem definidos, assim como suas relações com uma ideia de história e de presente muito específicas. Uma histó-ria, a do cinema, que está sendo reescrita por Godard e seus pares, em torno do grupo dos Cahiers du Cinéma, talvez pela primeira vez, principalmente com os filmes americanos que chegavam à França no pós-guerra. E um presente de um país que vive uma explosão de consumo, de liberalidade, de publicidade e de uma nova cultura jovem. É bastante claro o choque desses dois eixos fundamentais em Acossado. É a partir deles que Godard extrai sua matéria-prima. Porém, ainda impressiona a sua capacidade de transcender esses elementos e reconfigurá-los ao ponto de abrir novas condições de possibilidade para o cinema naquele momento e ressoar ainda hoje.

Trata-se de um filme que, bem pouco tempo após Os incompreendidos (Les quatre-cents coups, de François Truffaut) e Hiroshima, meu amor (Hiroshima mon amour, de Alain Resnais), consegue novamente ampliar o escopo do que se pode chamar: cinema. No momento onde os limites dessa arte haviam sido muito recentemente alargados com violência, Godard produz uma obra cuja falta de reverência a qual-quer valor consolidado atinge mesmo esses marcos recém-estabelecidos da época. E talvez a adição fundamental ao magma cultural de onde Acossado nasce seja jus-tamente a obra de um outro francês, Jean Rouch. Dali, Godard retira uma postura altamente anárquica e uma forma de filmar e montar absolutamente porosa, em que o mundo parece invadir a imagem por vários lados. Seu filme quase se cha-mou Eu, um branco, numa alusão direta a Eu, um negro (Moi, un noir) de Rouch, porque há neste segundo uma grande parcela de descontrole e indecidibilidade que parece caber perfeitamente no projeto de Godard e que habita seu cinema até os dias de hoje. A estrutura rouchiana de incorporação de signos quaisquer a partir de seus personagens e a aposta numa profundidade da exterioridade, isto é, num investimento intenso em mostrar o que não se é, o que se deseja ser e, afi-nal, o que se pode ser, tornam este cinema uma máquina poderosa e destruidora (inclusive de si mesmo. Trata-se claramente de um filme suicida. É como diz o escritor interpretado por Jean Pierre Melville: “Meu sonho é ser imortal e morrer logo depois”).

SESSÃO DUPLA 1 | TUDO É CInEMA | JULIANO GOMES

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A grande realização do fotógrafo Raoul Coutard na ampliação da possibilida-de de trânsito entre exterior e interior é fundamental no sentido de estabelecer um paradigma de câmbio incessante entre essas duas ideias na maneira como os personagens – e o filme – se constituem. Este é acima de tudo um filme de trânsito: movimento incessante (mesmo em espaços mínimos), carros e a abso-luta falta de solidez na constituição dos personagens. A regra é mudar sempre, de opinião, de humor, de tom de voz, de cara, de iluminação. A luz virá sempre do exterior. Os slogans publicitários invadem as falas. Pinturas de Renoir, Pi-casso, as salas. A personagem de Jean Seberg, Patricia, olha para Michel ( Jean-Paul Belmondo) e diz que olha para ele, para seu rosto, fixamente, pensando o que haverá atrás de sua face, mas ela não vê nada. É exatamente isso. Não há nada para ver dentro. Seguindo os ensinamentos de Melville, Bresson e Tati, Godard vai investir nas infinitas possibilidades do exterior. A alma, a essência, o divino em nós, morreu. O que se pode fazer é misturar-nos às coisas e nos tornarmos elas, e assim indefinidamente. Cria-se aqui uma forma indefinida, com grandes cenas, como a do apartamento de Patricia, que dura por volta de 20 minutos, sucedidas por pequenos trechos que acabam sem motivo abrupta-mente, numa estruturação desengonçada, indecisa, deambulante.

A política de autor em Godard é justamente mais “política” do que “autoral”. Seu primeiro longa mostra uma espécie de anti-autor, alguém que aparenta não ter nada a dizer, num filme em que tudo parece poder entrar, em que se pode dizer tudo e ver tudo. Acossado é um organismo mutante: francês, ame-ricano, noir, burlesco, trágico, abstrato, erótico, idiota, intelectual, bruto, dia-lético e lírico. Sua unidade é justamente a possibilidade de diferença perma-nente que ele abre, e daí que advém sua imortalidade como obra. Arte como colagem, como jogo de espelhos, como nas cenas com Humphrey Bogart e a tela de Auguste Renoir. A originalidade aqui é justamente aquela da cópia da cópia da cópia – infiel cópia que não respeita suas matrizes no sentido de canonizá-las, mas as cultua verdadeiramente, pois as coloca como objeto atuante de pensamento, no presente. O jogo aqui é sempre poder tornar outro o que for, um desfile de alteridades, uma máquina de diferença, dos espaços, dos idiomas, dos nomes, dos sons, das vozes. Acossado é quase um estado, que parece poder se propagar indefinidamente – e assim o faz, por toda a obra de Godard, tomando várias caras, e por isso continuando sempre a mesma.

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SESSÃO DUPLA 2 | O nASCIMEnTO DO CAOS | FÁBIO ANDRADE

Gilles Deleuze, pensador impreciso mas bom frasista, partia de Lacan para di-zer que o estilo não seria mais que a diferença subordinada ao idêntico. Poucos cineastas ilustram tão bem esse conceito como Johnnie To, sujeito que foi, sem cerimônia, das comédias aos filmes de ação, de romances fantasmas a tiroteios que transformam as ruas de Hong Kong em palco (ou picadeiro) de western. Embora Eleição: o submundo do poder (Hak se wui, 2005) não seja o melhor dos filmes recentes de Johnnie To (a despeito de estar facilmente entre os melhores de sua carreira), ele talvez seja um dos guias mais precisos para se compreender o trabalho de maturidade do diretor e os rumos de seu olhar. Ativo no cinema de Hong Kong desde 1979, incluindo uma pausa de sete anos após seu pri-meiro longa-metragem, e progressivamente responsável por um cruzamento bastante peculiar entre o cinema industrial – realizando uma média de dois filmes por ano, cruzando uma série de estilos, e com uma variação sensível de qualidade – e o reconhecimento artístico, Johnnie To tem como traço de sua fase mais recente a dedicação frontal e quase exclusiva (à exceção de equívocos como Linger, 2007), à potencialização barroca do estilo. Seja pelo universo dos mafiosos de Hong Kong, como em Eleição: o submundo do poder, os bastidores do telejornalismo, como em Breaking News (Dai si gin, 2004) ou o (parco) funcionamento da instituição policial, em Ptu (2003) e Mad Detective (Sun taam, 2007), Johnnie To cada vez mais transforma seus trabalhos de gênero em esforços rigorosos (e muitas vezes descerebrados) de exacerbação estilística. Para quem chega a Eleição já familiar à coreografia exagerada dos filmes pos-teriores, talvez este lhe pareça surpreendentemente contido em seu ritmo até certo ponto tradicional, seus contrastes intensos, sua trama em carrossel e seu peso político. Mas Eleição é um filme essencial justamente por testemunhar o começo do desbunde: como é viver em um mundo onde não há mais regras?

É exatamente aí que são colocadas as personagens da trilogia de Eleição (com-pletada por Eleição 2 – Hak se wui yi wo wai kwai, 2006 –, e Exilados – Fong juk, 2006), entre os escombros da tradição e da ética. Eleição filma esse pro-gressivo desmantelamento e, à medida que ele avança, os punhos da atmosfera se cerram com maior força em nosso pescoço: quando não há mais regras, tudo é possível. Todo carro que se move é uma ameaça, toda sombra (e há tonela-das delas) pode esconder um confronto com a morte, todo encontro pode ser preparação para um banho de sangue. Nesse ponto, Johnnie To realiza um es-pelhamento bastante surpreendente. Pois, assim como o submundo do crime,

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o cinema de gênero – lugar mais que propício para que a diferença seja subor-dinada ao idêntico – também tem suas regras. Mas, se as regras já não servem para nada dentro do filme, é preciso que elas sejam também abolidas pelo filme. O que aflora em Eleição (embora já estivesse presente em momentos de filmes anteriores do diretor) é justamente essa encenação do apocalipse ético, em que tudo é permitido desde que seu efeito – como no faroeste spaghetti – seja absolutamente espetacular. Essa transformação pode ir do exagero farsesco da sequência da casa de espelhos em Mad Detective ao sangue em pó que brota a cada tiro em Exilados: não há mais compromisso possível, a não ser com a orquestração desse caos autogerido e autogerado.

Eleição começa justamente com essa ruptura. Big D (Tony Leung Ka Fai) e Lok (Simon Yam) disputam a eleição para a presidência da Tríade, organiza-ção mafiosa que domina grande parte do crime de Hong Kong. Assim que Big D desrespeita as regras do jogo político, a Tríade se despedaça, e o filme se transforma em um duelo em loop pelas ferramentas do poder. Não é à toa que Big D, o subversivo, seja o único a negar o capuz oferecido pelos policiais quando é preso. Ele para do lado de fora da prisão e pede que as pessoas tirem sua foto, eternizem seu rosto congelado naquele momento. Big D é justa-mente o sujeito a fazer a passagem da tradição – do universo “documental” que funciona de acordo com, e pela manutenção de, certas regras de convívio – para o barroco, a performance pura que se exibe como tal, trocando a ética pelo carisma. É por isso, inclusive, que as sequências de ação se tornam cada vez mais rebuscadas no avançar da trilogia, chegando à apoteótica carnificina que é Exilados. Não importa que Big D seja morto, pois até a necessidade de sua morte é um reconhecimento de o quão fatal é sua ruptura, de o quão per-turbadora e irreversível é a sua presença.

Eleição não é, portanto, tão pirotécnico quanto os filmes seguintes, pois aqui a ética ainda se arrasta como um cadáver insepulcro, cadenciada no andar paqui-dérmico dos veteranos, conservada nos restos de respeito que os mais jovens ainda carregam pela tradição. O filme, porém, é cuidadosamente arquitetado para espremer cada uma dessas últimas gotas, tornando-se cada vez mais su-focante e rarefeito, armando um cerco que se fecha ao redor do espectador à medida que o confronto se torna inevitável. Uma vez cooptados pela precisão da mise-en-scène de Johnnie To, estamos em suas mãos. E quando o único compromisso possível é com a experiência física do espetáculo (do amor ou do horror, pouco importa), seus delírios e perversões são de uma energia e vibra-ção que encontra raríssimos paralelos no cinema contemporâneo.

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SEXTA 10

14h00 : Família Braz - dois tempos de Dorrit Harazim e Arthur Fontes (Brasil, 2011. 82’) Um projeto cristalino: encontrar, dez anos depois, os seis membros de uma família de classe média baixa da periferia paulistana retratada pelos dois diretores em um documentário realizado no final da década de 1990. Perceber de que maneira suas vidas estão ou não mudadas depois desse período. Cristalino, aliás, como já eram também o programa e o título do primeiro filme, Família Braz, que tentava construir um retrato dessa família, tomando-a metonimicamente como uma representação, justamente, dessa classe social e desse ambiente sociogeográfico.

16h30 : A puritana (La puritaine) de Jacques Doillon (França, 1986. 90’)Um ano depois de fugir de casa, Manon escreve para pai, Pierre, homem de teatro, para comunicar sua volta e pedir de desculpas. Pierre e sua companheira, Ariane, a esperam no teatro.

18h30 : O nome dela é Sabine (Elle s’appelle Sabine) de Sandrine Bonnaire (França, 2007. 85’)A atriz narra a história da irmã Sabine, que é autista, através de imagens filmadas ao longo de 25 anos.

20h00 : Encontro com Sandrine Bonnaire

OS FILMES DE JUnHO

SáBAdO 11

14h00 : Mulheres diabólicas (La céremonie) de Claude Chabrol (França, 1995. 111’)Discreta e calada, Sophie é escolhida pela rica família Lalièvre para tomar conta de sua mansão e faz amizade com a curiosa e intrometida Jeanne, que tem inveja dos Lalièvre e arquiteta um plano para prejudicá-los.

20h00: Sem teto nem lei (Sans toit ni loi) de Agnès Varda (França, 1985. 105’)Uma jovem andarilha morre de frio: apenas mais uma nota de jornal. Teria sido morte natural? Um caso policial ou social? O que poderíamos saber dela e como reagiriam aqueles que cruzaram seu caminho? A câmera se cola a Mona, perscrutando sua errância forçada, pois as portas se fecham para ela. Na estrada, ela caminha, pára, parte novamente: breves encontros, desesperança, vinho, solidão, frio. Ela cai num fosso, estremece, choraminga... vem a noite e a manhã é gélida.

Entre os dias 1 e 12 de junho a programação de cinema do Instituto Moreira Salles conta com a parceria do Unibanco Arteplex. A mostra Sandrine Bonnaire é feita em parceria com o Festival Varilux de Cinema Francês.

Sandrine Bonnaire

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dOMingO 12

14h00 : Aos nossos amores (À nos amours) de Maurice Pialat (França, 1983. 100’)Suzanne, quinze anos, acumula aventuras amorosas sem conhecer o amor de verdade. Quando seus pais se separam, ela tem que enfrentar a hostilidade da mãe e do irmão, que condenam seu comportamento.

16h00 : Xeque-mate (Joueuse) de Caroline Bottaro (França, 2009. 97’)A vida apagada e discreta de Hélène... Ela trabalha como camareira em um hotel e aparenta ser feliz com seu marido e a filha de quinze anos. Tudo se confunde no dia em que ela surpreende um jovem casal de americanos jogando xadrez no terraço de seu quarto no hotel.

18h00 : Família Braz - dois tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes (Brasil, 2011. 82’)

20h00 : Família Braz - dois tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes (Brasil, 2011. 82’)

TErçA 14

14h00 : Família Braz - dois tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes (Brasil, 2011. 82’)

16h00 : Sem teto nem lei (Sans toit ni loi) de Agnès Varda (França, 1985. 105’)

18h00 : Poderá ser amor? (Je crois que je l’aime) de Pierre Jolivet (França, 2007. 90’)Lucas, 43 anos, um homem de negócios divorciado, sente-se irresistivelmente atraído por Elsa, 38 anos, uma ceramista sofisticada a quem encomendou um fresco para a fachada dos seu edifício de escritórios. Intrigado pelo fato de esta jovem e bela mulher se encontrar descomprometida, Lucas decide pedir ao detetive privado da sua empresa para investigar a vida particular de Elsa.

20h00 : Família Braz - dois tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes (Brasil, 2011. 82’)

quArTA 15

14h00 : Senhorita (Mademoiselle) de Philippe Lioret (França, 2001. 76’) Logo após conhecer Pierre, Claire perde o trem de volta para casa e é convidada pela troupe a viajar de carro. Durante o trajeto, Claire parece descobrir uma nova vida ao lado de Karim e Alice, e acaba envolvendo-se com Pierre. Após o breve encontro dos amantes, a tímida Claire já não é mais a mesma...

16h00 : Família Braz - dois tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes (Brasil, 2011. 82’)

18h00 : Aos nossos amores (A nos amours) de Maurice Pialat (Ficção, 1983. 100’)

20h00 : Família Braz - dois tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes (Brasil, 2011. 82’)

quinTA 16

14h00 : Família Braz - dois tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes (Brasil, 2011. 82’)

17h00 : Acossado (À bout de souffle) de Jean-Luc Godard (França, 1959. 90’)

19h00 : Eleição, submundo do poder (Hak se wui) de Johnnie Too (Hong Kong, 2005. 101’)

Sessão dupla realizada em parceria com www.revistacinetica e seguida de debate com os críticos da revista

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SEXTA 17

13h45 : Violência e paixão (Gruppo di famiglia in un interno) de Luchino Visconti (Itália, 1974. 121’) No andar de cima, os jovens, a marquesa Bianca Brumonti, mulher de um industrial de extrema-direita, e Konrad, seu amante. Lietta, filha de Bianca, e o namorado, Stefano; No andar de baixo, um homem velho, o professor mais afeito aos livros, aos quadros, à música, que ao contato direto com as pessoas; nas palavras do diretor, um confronto entre “um velho professor e a vitalidade dos jovens, o lado irracional dos jovens, a vontade de não acreditar no que existiu antes deles, de recusar tudo o que existiu antes deles”.

16h00 : Violência e paixão (Gruppo di famiglia in un interno) de Luchino Visconti (Itália, 1974. 121’)

18h15 : Família Braz - dois tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes (Brasil, 2011. 82’) Um projeto cristalino: encontrar, dez anos depois, os seis membros de uma família de classe média baixa da periferia paulistana retratada pelos dois diretores em um documentário realizado no final da década de 1990. Perceber de que maneira suas vidas estão ou não mudadas depois desse período. Cristalino, aliás, como já eram também o programa e o título do primeiro filme, Família Braz, que tentava construir um retrato dessa família, tomando-a metonimicamente como uma representação, justamente, dessa classe social e desse ambiente sociogeográfico.

20h00 : Violência e paixão (Gruppo di famiglia in un interno) de Luchino Visconti (Itália, 1974. 121’)

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13h45 : Violência e paixão (Gruppo di famiglia in un interno) de Luchino Visconti (Itália, 1974. 121’)

16h00 : Violência e paixão (Gruppo di famiglia in un interno) de Luchino Visconti (Itália, 1974. 121’)

18h15 : Família Braz - dois tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes (Brasil, 2011. 82’)

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18h15 : Família Braz - dois tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes (Brasil, 2011. 82’)

20h00 : Violência e paixão (Gruppo di famiglia in un interno) de Luchino Visconti (Itália, 1974. 121’)

OS FILMES DE JUnHO

Violência e paixão

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Família Braz - dois tempos

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18h15 : Família Braz - dois tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes (Brasil, 2011. 82’) Um projeto cristalino: encontrar, dez anos depois, os seis membros de uma família de classe média baixa da periferia paulistana retratada pelos dois diretores em um documentário realizado no final da década de 1990. Perceber de que maneira suas vidas estão ou não mudadas depois desse período. Cristalino, aliás, como já eram também o programa e o título do primeiro filme, Família Braz, que tentava construir um retrato dessa família, tomando-a metonimicamente como uma representação, justamente, dessa classe social e desse ambiente sociogeográfico.

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13h45 : Violência e paixão (Gruppo di famiglia in un interno) de Luchino Visconti (Itália, 1974. 121’) No andar de cima, os jovens, a marquesa Bianca Brumonti, mulher de um industrial de extrema-direita, e Konrad, seu amante. Lietta, filha de Bianca, e o namorado, Stefano; No andar de baixo, um homem velho, o professor mais afeito aos livros, aos quadros, à música, que ao contato direto com as pessoas; nas palavras do diretor, um confronto entre “um velho professor e a vitalidade dos jovens, o lado irracional dos jovens, a vontade de não acreditar no que existiu antes deles, de recusar tudo o que existiu antes deles”.

16h00 : Violência e paixão (Gruppo di famiglia in un interno) de Luchino Visconti (Itália, 1974. 121’)

18h15 : Família Braz - dois tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes (Brasil, 2011. 82’)

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16h00 : Violência e paixão (Gruppo di famiglia in un interno) de Luchino Visconti (Itália, 1974. 121’)

18h15 : Família Braz - dois tempos, de Dorrit Harazim e Arthur Fontes (Brasil, 2011. 82’)

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Instituto Moreira Salles Rua Marquês de São Vicente, 476. Gávea. Telefone: (21) 3284-7400

www.ims.com.br

De terça a sexta, das 13h às 20h. Sábados, domingos e feriados das 11h às 20hAcesso a portadores de necessidades especiais. Estacionamento gratuito no local. Café WiFi.

Como chegar: as seguintes linhas de ônibus passam em frente ao IMS:

158 – Central-gávea (via praça Tiradentes, Flamengo, São Clemente)

170 – rodoviária-gávea (via Rio Branco, largo do Machado, São Clemente)

592 – Leme-São Conrado (via Rio Sul, São Clemente)

593 – Leme-gávea (via Prudente de Morais, Bartolomeu Mitre)

Ônibus executivo Praça Mauá - Gávea

O programa de cinema do

Instituto Moreira Salles tem o apoio da

Cinemateca do MAM do Rio de Janeiro,

do Institut Français, da Unifrance Films,

da Aliança Francesa do Rio de Janeiro,

Cultures France, Embaixada da França.

E conta ainda com a parceria do Unibanco Arteplex,

da Videofilmes, da Revista Cinética

e da Associação Brasileira de Cineastas.

Curadoria: José Carlos Avellar. Coordenação do IMS - RJ: Elizabeth Pessoa. Assessoria de coordenação: Bárbara Alves Rangel.

Capa : Violência e paixão de Luchino Visconti. Quarta capa: Sandrine Bonnaire e Família Braz - dois tempos de Dorrit Harazim e Arthur Fontes.

Ingressos avulsos Os ingressos para a mostra Sandrine Bonnaire e para a Sessão dupla Cinética, custam R$ 10,00 (inteira) e R$ 5,00 (meia). Os ingressos das sessões de filmes do circuito comercial, feitas em parceria com o Unibanco Arteplex, custam de terça a quinta-feira: R$ 15,00 (inteira) e R$ 7,50 (meia); de sexta a domingo e nos feriados: R$ 17,00 (inteira) e R$ 8,50 (meia)

Capacidade da sala: 113 lugares. Ingressos e senhas sujeitos à lotação da sala. Ingressos disponíveis também em www.ingresso.com

Page 36: Cinema IMS-RJ Junho

SANDRINE BONNAIRE

FAMÍLIA BRAZ - DOIS TEMPOS | DE ARTHUR FONTES E DORRIT HARAZIM