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1. Introdução O edema de úbere é um acúmulo excessivo de líquido intersticial em espaços extravasculares da glândula mamária e na região ventral do ab- dômen. Esta condição é mais comum em novilhas do que em vacas adultas e, geralmente, ocorre no período peri- -parto, quando um edema leve é fisio- logicamente normal pouco antes e/ ou depois do parto. Entretanto, quan- do ocorre um edema excessivo, pode haver comprometimento da ordenha das vacas, pois esta alteração dificulta a remoção completa do leite e aumen- ta o risco de ocorrência de mastite. Além disso, outra séria consequência do edema de úbere é o risco de lesão permanente nos ligamentos suspen- sórios, o que causa redução da vida produtiva do animal e da longevidade. Na maioria dos casos clínicos, o in- chaço do úbere diminui gradualmen- te com a ordenha, alguns dias após o parto. Porém, em algumas vacas, esse distúrbio pode se tornar grave e causar dor e desconforto. Nos casos em que a gravidade não é atenuada, podem ocorrer outras consequências como a mastite. Os estudos indicam que a ocorrência de edema de úbere foi um fator de risco significativo para a ocorrência de mastite clínica em novilhas no pós-parto. Em um estu- do que utilizou modelo multivariado, as novilhas que apresentaram edema de úbere moderado ou grave no peri- -parto foram 1,7 vezes mais propensas Clínica Como lidar com o edema de úbere? Texto: Juliana Regina Barreiro Marcos Veiga dos Santos O edema de úbere é uma enfermidade clínica muito comum nos rebanhos lei- teiros e, apesar de aparentemente não chamar muita atenção, pode causar pre- juízos diretos como perda de produção e custos de tratamento; e indiretos como a ocorrência de mastite e descarte pre- coce do animal. 64 | REVISTA LEITE INTEGRAL | outubro de 2014

Clínica Como lidar com o edema de úbere?qualileite.org/.../2017/11/como-lidar-com-edema-de-ubere.pdflinfáticos em remove-la causando o edema. Estima-se que, aproximada-mente, 400

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Page 1: Clínica Como lidar com o edema de úbere?qualileite.org/.../2017/11/como-lidar-com-edema-de-ubere.pdflinfáticos em remove-la causando o edema. Estima-se que, aproximada-mente, 400

1. Introdução

O edema de úbere é um acúmulo

excessivo de líquido intersticial em

espaços extravasculares da glândula

mamária e na região ventral do ab-

dômen. Esta condição é mais comum

em novilhas do que em vacas adultas

e, geralmente, ocorre no período peri-

-parto, quando um edema leve é fisio-

logicamente normal pouco antes e/

ou depois do parto. Entretanto, quan-

do ocorre um edema excessivo, pode

haver comprometimento da ordenha

das vacas, pois esta alteração dificulta

a remoção completa do leite e aumen-

ta o risco de ocorrência de mastite.

Além disso, outra séria consequência

do edema de úbere é o risco de lesão

permanente nos ligamentos suspen-

sórios, o que causa redução da vida

produtiva do animal e da longevidade.

Na maioria dos casos clínicos, o in-

chaço do úbere diminui gradualmen-

te com a ordenha, alguns dias após

o parto. Porém, em algumas vacas,

esse distúrbio pode se tornar grave e

causar dor e desconforto. Nos casos

em que a gravidade não é atenuada,

podem ocorrer outras consequências

como a mastite. Os estudos indicam

que a ocorrência de edema de úbere

foi um fator de risco significativo para

a ocorrência de mastite clínica em

novilhas no pós-parto. Em um estu-

do que utilizou modelo multivariado,

as novilhas que apresentaram edema

de úbere moderado ou grave no peri-

-parto foram 1,7 vezes mais propensas

Clínica

Como lidar como edema de úbere?

Texto: Juliana Regina Barreiro Marcos Veiga dos Santos

O edema de úbere é uma enfermidade clínica muito comum nos rebanhos lei-teiros e, apesar de aparentemente não chamar muita atenção, pode causar pre-juízos diretos como perda de produção e custos de tratamento; e indiretos como a ocorrência de mastite e descarte pre-coce do animal.

64 | REVISTA LEITE INTEGRAL | outubro de 2014

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a apresentar um episódio de mastite

clínica, em relação aos animais sem

edema ou com apenas um leve grau

de inchaço.

A ocorrência de edema de úbere

varia, consideravelmente, entre os re-

banhos leiteiros, com incidências de

18 a 96%. Não existem informações

precisas sobre sua ocorrência em re-

banhos do Brasil, mas o aumento da

produção média e o melhoramento

genético com foco em aumento da

produção de leite são uma crescente

em nosso país. Embora o inchaço do

úbere, geralmente, diminua após o

parto, sem cuidados especiais, defici-

ências de manejo do rebanho podem

agravar a situação e causar danos per-

manentes, tornando a vaca mais vul-

nerável a traumas e lesões da glândula

mamária e das estruturas de susten-

tação do úbere, como os ligamentos

suspensores.

A intensidade da manifestação

clínica do edema de úbere em vacas

leiteiras pode ser classificada em cinco

escores: 1 = sem edema; 2= com ede-

ma leve; 3 = com edema moderado; 4

= com edema grave e 5 = edema mui-

to grave. Outro sistema de classifica-

ção utiliza uma sistemática diferente,

com uma escala de amplitude maior,

ou seja, de 0 = nenhum edema a 10 =

edema grave; ou o escore pode ainda

ser definido pela mensuração do com-

primento, altura e largura do úbere

acometido, além da inspeção visual, o

que possibilita uma avaliação mais de-

talhada do problema.

2. Causas do edema de úbere

As causas do edema de úbere não

são conhecidas com exatidão, mas é

provável que seja uma condição mul-

tifatorial, que compromete a circula-

ção sanguínea da glândula mamária.

Como o edema de úbere é mais co-

mum antes do parto, a pressão exer-

cida pelo feto na cavidade pélvica,

durante a gestação, pode dificultar e

prejudicar o fluxo sanguíneo e linfá-

tico do úbere e, consequentemente,

ocasionar o edema. Esta estase de san-

gue venoso e redução do fluxo linfáti-

co durante o final da gestação, devido

à pressão do feto na cavidade pélvica

é considerada como causa primária do

edema de úbere.

Os pesquisadores também con-

outubro de 2014 | REVISTA LEITE INTEGRAL | 65

Máxima

Máxima

Máxima

Proteção

Aderência

Resistência

[email protected]

0800 648 1730

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ClínicaComo lidar com o edema de úbere?

sideram como possíveis causas do

edema o aumento do fluxo sanguíneo

para o úbere antes do parto, associado

com uma diminuição da quantidade

de sangue que retorna do mesmo, o

que resulta em alta pressão hidros-

tática capilar e, consequentemente,

permite o extravasamento dos fluidos

da circulação sanguínea, levando ao

acúmulo no espaço intersticial. O au-

mento na formação de linfa, devido

ao maior metabolismo tecidual, pode

resultar em uma dificuldade dos vasos

linfáticos em remove-la causando o

edema. Estima-se que, aproximada-

mente, 400 litros de sangue circulem

pela glândula mamária para produzir

1 litro de leite, algo em torno de 280

ml por segundo.

Em novilhas, considera-se como

fator predisponente ao edema de

úbere o leite retido na glândula em

razão da maior dificuldade de ejeção,

o que prejudica mais ainda a circula-

ção local. Um estudo americano, com

vacas da raça Holandesa, demonstrou

que a ocorrência de edema de úbere

é menor com o avançar da idade das

vacas. Nesse estudo, a ocorrência foi

de 37,5% durante a primeira lactação;

19,4% na segunda lactação; 16,7% na

terceira; 18,7% na quarta lactação e

6,9% na quinta ou mais lactações. Va-

cas com longos períodos secos, acima

de 70 dias, tendem a apresentar qua-

dros mais graves de edema de úbere.

Por outro lado, outro estudo ava-

liou a gravidade do edema da glân-

dula mamária de 73 vacas primíparas

e as concentrações hormonais diárias

durante o período peri-parto e os es-

cores da gravidade pela observação

visual (classificação de 1 a 10). Foi con-

cluído que o edema durante o período

peri-parto aumentou em primíparas

mais velhas e naquelas com um perí-

odo seco mais longo (Figura 1). Ainda

que alguns hormônios como proges-

terona, estradiol e prolactina estejam

envolvidos no controle do desenvol-

vimento da glândula mamária e o iní-

cio da síntese do leite, não foi possível

identificar qual deles era determinante

da gravidade do edema.

Um estudo sobre a influência ge-

nética do edema de úbere indicou que

há uma alta correlação entre produção

leiteira e a ocorrência do mesmo, sen-

do que a herdabilidade é maior para

a produção leiteira. Por essa razão, a

ocorrência do edema de úbere pode

ser uma consequência indireta de al-

terações fisiológicas em vacas de alta

produção. Por outro lado, as pesquisas

também indicam que a alimentação

com excesso de cloreto de sódio (sal)

e, principalmente, de potássio, oriun-

do de uma dieta rica em grãos ou na

forma de fertilizantes do solo que se

incorporam na matéria vegetal, são fa-

tores de risco para o edema.

A alimentação com excesso de su-

plementos energético-concentrados,

como grãos, é apontada como im-

portante fator para a manifestação

e persistência do problema. A oferta

exagerada de proteína para vacas no

período pré-parto também pode au-

Figura 1- Associação entre a idade ao primeiro parto e a ocorrência de edema de úbere.(Adaptado de MALVEN et al., 1983)

7

Esco

re d

e Ed

ema

6

5

420 22 24 26

Idade da Novilha (meses)

28 30 32

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mentar a predisposição de manifesta-

ção do edema de úbere. Um estudo

realizado em vacas e novilhas da raça

Holandesa revelou que o fornecimen-

to de dieta a base de grãos, 21 dias

antes do parto, aumentou a gravidade

do edema em novilhas, por aumentar

a pressão intramamária, impedindo a

drenagem linfática e venosa; e 30 dias

antes do parto, em vacas sadias de alta

produção, evidenciou-se aumento de

edema de úbere e, posteriormente,

mastite. Além disso, também foi ob-

servada uma maior probabilidade do

edema de úbere em vacas obesas.

3. Tratamento e Prevenção

O tratamento de eleição para casos

graves de edema de úbere é a utiliza-

ção de medicamentos diuréticos, ape-

sar de que muitas vacas apresentam

cura espontânea. As medidas de auxí-

lio incluem realizar duchas, para esti-

mular a circulação na glândula mamá-

ria, e a ordenha frequente, nas formas

pós-parto do edema de úbere.

Os casos mais simples apresen-

tam uma recuperação espontânea,

logo nos primeiros dias após o parto.

Entretanto, quando o edema persiste

por algum tempo é necessário o tra-

tamento com corticoides e diuréticos.

Nos casos em que a vaca já apresenta

um edema excessivo antes do parto, é

possível reduzi-lo com o uso de diuré-

ticos, massagens no úbere e exercício

moderado. Foi relatado que as novi-

lhas induzidas à prática de exercícios

apresentam redução do edema no

pré-parto.

Para avaliar o efeito da ordenha

antes do parto sobre a ocorrência de

edema de úbere, foi realizado um es-

tudo no qual as novilhas com proble-

ma foram ordenhadas três vezes antes

do parto. Os resultados indicaram que

houve redução do edema, aumento

da produção e diminuição na conta-

gem de células somáticas durante as

duas semanas após o parto. Os bezer-

ros nasceram sem alteração de peso

e não houve aumento de retenção

de placenta ou no índice de distocias

nos partos. No entanto, a qualidade do

colostro produzido foi inferior, sendo

necessário utilizar o banco de colostro

para a alimentação dos bezerros.

Para prevenir a ocorrência de ede-

ma de úbere é recomendado que a in-

gestão de sódio (Na) seja limitada em

outubro de 2014 | REVISTA LEITE INTEGRAL | 67

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ClínicaComo lidar com o edema de úbere?

0,15% da dieta, e a de potássio (K) a

1,4% da dieta, durante as três últimas

semanas antes do parto.

Além das demais causas descritas,

alguns pesquisadores sugerem que

um processo oxidativo pode estar

associado com a etiologia do edema

de úbere. Esta teoria indica que, com

o aumento do metabolismo no início

da lactação, ocorre maior acúmulo

de oxigênio livre no úbere, que pode

produzir substâncias pro-oxidantes,

sendo que o produto destas reações

químicas lesionaria as membranas da

célula, causando o edema de úbere.

Sendo assim, alguns nutrientes antio-

xidantes, tais como o zinco, o cobre, o

manganês, o magnésio, a Vitamina E e

o selênio, poderiam atuar para reduzir

estas reações oxidativas. Recomenda-

-se que a dieta das vacas no pré e pós-

-parto contenha 0.3 ppm de selênio,

20 ppm de cobre, 60 ppm de zinco e

manganês, 0.25% de magnésio e 1000

ppm de Vitamina E.

No Brasil, vacas de diferentes fai-

xas etárias foram incluídas em uma

pesquisa para avaliação de escore de

edema de úbere, utilizando-se a escala

de 1 a 5. Os resultados indicaram que

21% das vacas apresentaram escore 2,

53% o escore 3 e 26% o escore 4. Além

disso, foi avaliada a amplitude de va-

riação em relação ao período no qual

o edema foi observado, sendo que, an-

tes do parto, o edema foi evidente em

40% das vacas, e após o parto em 58%

dos animais avaliados. Ainda neste es-

tudo, foi descrita a preferência de tra-

tamentos nos casos que necessitaram

de intervenção clínica, sendo utiliza-

das com maior frequência as seguintes

terapias: corticoide + diurético (forma

injetável) em 52% dos casos; apenas

diuréticos em 12%; apenas linimento

(tópico) em 11%; em 5% dos casos fo-

ram utilizados duas drogas diuréticas

e corticoide (forma injetável); em 10%

foram utilizados linimentos e injeções

de dimetilsulfóxido (DMSO); em 1%

foram aplicados anti-inflamatório não-

-esteroide, e em 19% dos casos as va-

cas não receberam tratamento, apesar

da demora em desaparecer os sinto-

mas do edema.

Dentre as medidas profiláticas mais

utilizadas nas fazendas, observou-se:

• a redução da quantidade de

grãos na dieta do pré-parto;

• a utilização de dietas catiônica-

-aniônica no pré-parto;

• a suplementação com vitamina

E, sais de magnésio e cloreto de

cálcio no pré-parto.

Outras medidas adicionais são:

exercitar os animais com caminhadas

antes e depois do parto sobre terre-

nos planos, com baixa velocidade; or-

denhas frequentes e controladas no

pós-parto, para reduzir a congestão; e

disponibilizar livre acesso à água para

as vacas. Todos estes fatores de mane-

jo apresentaram efeitos positivos para

a prevenção do edema, quando bem

utilizados e associados com as medi-

das adicionais.

4. Considerações Finais

O edema de úbere é uma enfer-

midade clínica muito comum nos re-

banhos leiteiros e, apesar de aparen-

temente não chamar muita atenção,

pode causar prejuízos diretos como

perda de produção e custos de trata-

mento; e indiretos como a ocorrência

de mastite e descarte precoce do ani-

mal.

As causas específicas do edema de

úbere ainda não foram completamen-

te elucidadas, mas é provável que seja

uma manifestação decorrente de múl-

tiplos fatores.

O adequado balanceamento da

dieta das vacas durante o período

pré-parto pode ser uma ferramenta

de manejo de controle e prevenção

do edema de úbere. Sendo assim, a

implantação de medidas preventivas

e o tratamento adequado do edema

de úbere são as principais alternativas

para reduzir as lesões da glândula ma-

mária e os efeitos negativos, como a

mastite.

Marcos Veiga dos SantosProfessor Associado, FMVZ-USP, Campus de Pirassununga-SP. Laboratório Qualileite-FMVZ-USP

Juliana Regina BarreiroDoutoranda em Nutrição e Produção Animal, FMVZ, USP

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