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“La Classe Operaia Va in Paradiso”, dirigido por Elio Petri e escrito com Ugo Pirro, 1971 (vencedor do prêmio de melhor filme do Festival de Cannes de 1972). Comentários, cenas e conceitos a serem trabalhados. Thiago Barison. Lulu se orgulha de ser da Lombardia, de Torino, do norte da Itália, onde se passa a história toda. Aparecem já de início as contradições ideológicas que dividem a classe operária: Lulu se refere a um companheiro de fábrica como “terrone” ― termo utilizado pelos italianos setentrionais para depreciar os habitantes da Itália meridional, significando aquele que pertence ou vem da “terra”, do “campo” e, também fazendo referência à cor da pele, escura como a cor da terra. Conceito de taylorismo-fordismo. O cronômetro nas mãos do “encarregado” de jaleco-branco (superior hierárquico imediato dos operários) serve para estabelecer metas mínimas de tempo para a execução de cada tarefa (fabricação de uma peça, componente ou etapa do processo produtivo de autopeças). O descumprimento da meta importa em multa, a ser descontada no salário. Por outro lado, o operário passa a ganhar por peça produzida, estimulando o incremento da intensidade do trabalho.

Comentários Sobre a Classe Operária Vai Ao Paraíso

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Roteiro de questões para debater a partir do filme Enio Petri "A Classe Operária vai ao Paraíso".

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La Classe Operaia Va in Paradiso, dirigido por Elio Petri e escrito com Ugo Pirro, 1971 (vencedor do prmio de melhor filme do Festival de Cannes de 1972).

Comentrios, cenas e conceitos a serem trabalhados.

Thiago Barison.

Lulu se orgulha de ser da Lombardia, de Torino, do norte da Itlia, onde se passa a histria toda. Aparecem j de incio as contradies ideolgicas que dividem a classe operria: Lulu se refere a um companheiro de fbrica como terrone termo utilizado pelos italianos setentrionais para depreciar os habitantes da Itlia meridional, significando aquele que pertence ou vem da terra, do campo e, tambm fazendo referncia cor da pele, escura como a cor da terra.Conceito de taylorismo-fordismo. O cronmetro nas mos do encarregado de jaleco-branco (superior hierrquico imediato dos operrios) serve para estabelecer metas mnimas de tempo para a execuo de cada tarefa (fabricao de uma pea, componente ou etapa do processo produtivo de autopeas). O descumprimento da meta importa em multa, a ser descontada no salrio. Por outro lado, o operrio passa a ganhar por pea produzida, estimulando o incremento da intensidade do trabalho.Trata-se do incio ou dos primrdios do perodo de transio entre o modelo econmico e de produo fordista-keynesiano para o modelo toyotista-neoliberal. A introduo das metas, da concorrncia entre os operrios e sua revolta, no mais por salrios apenas (eles tm um padro razovel de consumo, Lulu encheu sua casa de mercadorias), mas contra a sujeio do trabalho-vivo (humano) no cho-de-fbrica ao trabalho morto (mquina) so analisadas em Os Sentidos do Trabalho, de Ricardo Antunes.

A trilha sonora procura expressar o barulho do cho-de-fbrica, seu aspecto incmodo, tenso, que impede o dilogo. Os trabalhadores gritam uns com os outros frases curtas.Essa situao ruidosa contrasta flagrantemente com o anncio de bom-dia, feito por uma voz calma, no incio da jornada, que pede aos operrios que tratem a mquina com amor. Isto torna ainda mais falsa e cnica, aos olhos operrios, essa mensagem patronal.

Parnteses: o encarregado de jaleco-branco o cabo de guerra entre os operrios e a direo, que dele exige que imponha aos obreiros o cumprimento das metas e o incremento da produtividade, ao passo que os trabalhadores o odeiam, o tensionam e o pressionam de modos diversos. Essa posio poltica de esmagamento e mesmo a situao de disputa pelo controle do ritmo da produo simbolizada nas cenas da greve radicalizada, quando os operrios capturam um desses jovens engenheiros, de dentro do nibus que furava o bloqueio, para o meio da massa do piquete.A subsuno do trabalho vivo ao trabalho morto, trabalho vivo que se reduz aos movimentos os mais simples e repetitivos o possvel e trabalho passado, incorporado na mquina que o realiza automaticamente, tornando o homem um seu apndice, se expressa tambm na ausncia de treinamento: os operrios mais jovens, recm contratados so postos simplesmente para observar os mais experientes, para depois reproduzir o mesmo trabalho. Isto revela a luta capital-trabalho pela apropriao real (intelectual e fsica) dos meios de produo. O desenvolvimento tecnolgico na grande indstria torna descartvel e plenamente substituvel o trabalho-vivo. Lulu recebe com aspereza o novato. Os jovens tornam-se potenciais substitutos dos mais velhos eis a mais um elemento que quebra ou ataca a conscincia e solidariedade de classe, por meio da desconfiana e da concorrncia.

Mas, por paradoxal que isto seja, quanto mais montono e repetitivo um trabalho, maior concentrao ele exige do trabalhador, em comparao com os trabalhos edificantes, que aproveitam as potncias fsicas e intelectuais do ser humano, despertando-lhe o interesse e a ateno. Este paradoxo se revela no acidente de trabalho sofrido por Lulu.Mais, o esgotamento das energias vitais que o trabalho repetitivo impe ao operrio se expressa na relao inversamente proporcional com que, de um lado, Lulu aumenta a produtividade, utilizando-se da metfora sexual por sobre a mquina para manter fixa sua concentrao, e, de outro, deixa de satisfazer os desejos sexuais de sua esposa, que passa a reclamar. Isto sem falar na falta de apetite para o almoo sobre o que reclama o personagem principal, sempre acometido de dores nas costas, no estmago (resultantes de uma intoxicao pelo trabalho em indstria qumica), feridas na pele, aumento do tabagismo. Lulu chega ao ponto de se sentir menos viril. Fica aliviado depois que tem relao sexual com a jovem operria em seu carro.

O acidente de trabalho e a mutilao revelam tambm para Lulu sobretudo, que alis fica perplexo ante certa indiferena da famlia a integrao entre corpo e esprito. O que a linha de produo separa (as dimenses intelectual e manual do trabalho, cristalizadas, respectivamente, na mquina e no homem), no de fato separado na vida do operrio. Lulu comeara o filme falando que o corpo como uma mquina. O acidente, contudo, lhe mostra que essa mquina no pode ser consertada. O fato de o filho no ter sabido do acidente o toca. Depois da mutilao, o personagem-central passa a rever sua vida, entra em crise, visita Militina no manicmio, sente-se como ele, cai em depresso sem vontade de sair da cama.Outro aspecto e to profundo quanto da alienao vivida pelo operariado retratado nos dilogos de Lulu com Militina: para que servem as peas? Em que mquina vo aquelas pequenas peas? Quem a inventou? O que fabrica a fbrica?. O operrio emprega seu trabalho (sua vida, da alvorada ao crepsculo, que sinaliza para a grande noite que significa o capitalismo para a massa operria) sem saber sequer para o qu. No se reconhece no processo produtivo, nem no produto, que mal se pode saber qual , e que dir se fazer a ponte entre a atividade cotidiana e esse bem-de-utilidade sociedade, gerando uma sensao vivida de ausncia de sentido na vida cujo cume o manicmio onde est Militina. Mas o sofrimento de todos. No manicmio h pessoas que eram ricas expe Militina.H outra referncia importante alienao precisamente ao fetichismo da mercadoria. Trata-se do no-reconhecimento entre o operrio e as mercadorias em geral. Entre as necessidades humanas e as necessidades criadas pelo mundo do consumo (consumismo) mercantil. Estes elementos podem ser trabalhados no momento do filme em que Lulu j est em crise, separado momentaneamente da esposa. Lulu veste-se como um vendedor e passa a fazer um inventrio das mercadorias adquiridas nos ltimos anos, dispondo-as na sala-de-estar como mostra, para a venda. A inutilidade delas parece-lhe, agora flagrante. Os produtos tornam-se estpidos, ridculos, patticos (no por acaso que uma dessas mercadorias exatamente um grande pato Donald inflvel, que Lulu cuida em destruir enfiando-lhe o cigarro aceso cara). H tambm outro boneco: um Tio-Sam ou tio-patinhas com uma mala de dinheiro nas mos. L-se numa embalagem: Luz de velas para uma vida luz de velas. Contudo, o jantar em famlia se deva invariavelmente luz da televiso. Lulu s consegue enxergar em cada uma das mercadorias exatamente o que vive em seu dia-a-dia: uma determinada quantidade de trabalho abstrato necessrio para produzi-las, convertido em equivalente geral o dinheiro. Tal mercadoria geralmente algo bem estpido, e que de fato as pessoas compram ; tantas liras; tantas horas de trabalho. A companheira de Lulu, contudo, em nenhum momento consegue romper essa lgica: irrita-se diante dos amigos de Lulu e sustenta enfaticamente, que, sim, quer um casaco-de-peles, porque o merece.

Aparecem diversas formas de resistncia operria. Desde as mais instintivas (como a depredao furtiva da fbrica), at a organizao poltica. Entretanto, o filme mostra bem a dificuldade de o movimento sindical opor-se ao novo momento e aos termos da disputa com o capital, no mais restrita remunerao seno ampliando-se para questes mais profundas, vividas no cho-de-fbrica, que so retratadas no filme. poca, s imediaes do Maio de 1968, aparece um outro personagem na luta poltica: o movimento estudantil, que traz consigo provocaes poticas, irreverncia e um nimo de transformao radical. Entretanto, o grupo de estudantes que aparece no filme e que se infiltra na fbrica, no logra propriamente dialogar com o operariado. As propostas, a fala, o discurso, as acusaes de imobilismo que os estudantes jogam por sobre os operrios so por eles recebidas como de fora. E, de fato, esto os estudantes fora daquela realidade e incapazes de acess-la. Eles idealizam a classe operria e no so capazes de compreend-la e dialogar com ela, com as contradies que ela vive. O smbolo dessa fetichizao o fato de uma jovem estudante, bonita, virgem, querer e, de fato, faz-lo nas condies mais estranhas, num carro apertado, no frio, estacionado numa fbrica abandonada perder sua virgindade com o grosseiro operrio Lulu (a no ser por este caminho, a meu ver, fica sem sentido aquela cena no curso do filme). Tal idealizao e a relao externa dos grupos sectrios com o operariado se expressa em diversos momentos, mas mais claramente quando os novos companheiros de Lulu se hospedam em sua casa, travando discusses que Lulu admira, mas que no entende niente. Os prprios jovens ridicularizam o imaginrio e o nvel de conscincia de Lulu e de sua famlia, recusando aceitar aquela realidade contraditria como matria-prima do trabalho poltico, notadamente na discusso com a esposa dele realidades como o catolicismo, o nacionalismo, o medo anticomunista difundido na massa. A transformao social torna-se, na lgica do grupo de estudantes, algo que perde qualquer ligao com a realidade a ser transformada. No por acaso, os sindicatos acusados de pelegos no tm dificuldades em obter e manter o apoio da maioria dos operrios. Inclusive logram a reintegrao de Lulu.Bibliografia sugerida.

ANTUNES, Ricardo. Os Sentidos do Trabalho. So Paulo: Boitempo.

MARX, Karl. O Capital, Livro I.

BEYNON, Trabalhando para Ford.DEJOURS, Christophe. A banalizao da injustia social.