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Fundador: Francisco Martins Rodrigues Francisco Martins Rodrigues Francisco Martins Rodrigues Francisco Martins Rodrigues Francisco Martins Rodrigues SETEMBRO / OUTUBRO 2010 Nº 126 SETEMBRO / OUTUBRO 2010 Nº 126 SETEMBRO / OUTUBRO 2010 Nº 126 SETEMBRO / OUTUBRO 2010 Nº 126 SETEMBRO / OUTUBRO 2010 Nº 126 3,00 3,00 3,00 3,00 3,00 SUPLEMENT SUPLEMENT SUPLEMENT SUPLEMENT SUPLEMENTO PO O PO O PO O PO O PO Maoísmo à portuguesa ANA BARRADAS Cuba: já nada será como dantes ANTÓNIO BARATA Mono Jojoy: a vida pela revolução CARLOS MORAIS Não restam dúvidas a ninguém que as recentes manifestações de pro- testo significam uma força social de envergadura totalmente insatisfeita com as medidas de austeridade so- bre todos os trabalhadores, em es- pecial os mais pobres. As medidas aprovadas pelos sucessi- vos PECs encontram suporte no ac- tual OGE, que se encarniça contra os direitos sociais e económicos dos assalariados com o objectivo de os fazer pagar a crise que suportam há dois anos. Estamos confrontados com uma classe dominante pronta para um combate em várias frentes, tendo por armas as medidas anti- -sociais que tanto desconforto e mi- séria produzirão. Uma coisa não se pode esconder, todos o entendem: todo este plano tem um carácter injusto por recair sobre quem não tem nenhuma res- ponsabilidade acerca do estado la- mentável a que chegámos. Porém, uma greve marcada para os finais de Novembro, quando todas as medidas já foram aprovadas, terá um valor essencialmente simbólico. Além disso, outra dificuldade se le- vanta: é muito difícil mobilizar a ade- são dos precários, dos subcontrata- dos e das pequenas empresas priva- das, que são a maioria, tanto mais que a realização de assembleias ge- rais se torna nestes casos muito pro- blemática. Os mais de 10 por cento de desempregados também não es- tarão em greve, obviamente. Por outro lado, num contexto de crise como é este, muitos trabalhadores com emprego certo se retrairão com receio de perder esse verdadeiro privilégio, nos dias que correm, que é ter um trabalho garantido. Veremos se a força social que se ex- prime activamente nesta fase será capaz de vencer o pessimismo rei- nante e funcionar como perspectiva emancipadora. Assim as centrais sin- dicais saibam interpretar correcta- mente os sentimentos e as disposi- ções mais avançadas do mundo la- boral. Só assim é possível condenar ao fracasso este governo. A auto- -organização na base, na perspecti- va da radicalização colectiva dos protestos, é certamente uma forma de tentar ultrapassar as dificuldades dando um exemplo de luta decidida. Uma força social Viva a Greve Geral! AUDITÓRIO DA LIVRARIA LER DEVAGAR ESPAÇO LXFACTORY | ALCÂNTARA | LISBOA DIAS 13 - SÁBADO e14 - DOMINGO DAS 9,30 ÀS 19,30H. As conversações de paz entre Israel e a Autoridade Palestiniana, forçadas pelos EUA, chegaram a um impasse ainda antes de começarem. Mais um tro- peção para Obama – a juntar aos insucessos no Afeganistão e no Iraque – que assim se vê perante acrescidas dificuldades para a implementar a sua estratégia antiterrorista e o impede de concentrar meios para cercar e submeter o Irão, se necessário pela força. (Pág.11) A paz de Washington A fome alastra entre nós. Os ministros deviam deslocar-se à sopa do Sidónio e indagar junto daquelas centenas de des- possuídos a origem dos seus infortúnios. Assinalando o Ano da Pobreza os políticos dizem umas palavras comovidas, pas- sam indiferentes, dão uma moedinha e vão à vidinha. (Pág.9) Distribuição de riqueza

Política Operária nº 126

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Política Operária nº 126

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Page 1: Política Operária nº 126

Fundador: Francisco Martins RodriguesFrancisco Martins RodriguesFrancisco Martins RodriguesFrancisco Martins RodriguesFrancisco Martins Rodrigues SETEMBRO / OUTUBRO 2010 Nº 126 SETEMBRO / OUTUBRO 2010 Nº 126 SETEMBRO / OUTUBRO 2010 Nº 126 SETEMBRO / OUTUBRO 2010 Nº 126 SETEMBRO / OUTUBRO 2010 Nº 126 3,003,003,003,003,00

SUPLEMENTSUPLEMENTSUPLEMENTSUPLEMENTSUPLEMENTO POO POO POO POO PO

Maoísmoà portuguesa

ANA BARRADAS

Cuba: já nada serácomo dantesANTÓNIO BARATA

Mono Jojoy:a vida pelarevoluçãoCARLOS MORAIS

Não restam dúvidas a ninguém queas recentes manifestações de pro-testo significam uma força social deenvergadura totalmente insatisfeitacom as medidas de austeridade so-bre todos os trabalhadores, em es-pecial os mais pobres.

As medidas aprovadas pelos sucessi-vos PECs encontram suporte no ac-tual OGE, que se encarniça contraos direitos sociais e económicos dosassalariados com o objectivo de osfazer pagar a crise que suportam hádois anos. Estamos confrontadoscom uma classe dominante prontapara um combate em várias frentes,tendo por armas as medidas anti--sociais que tanto desconforto e mi-séria produzirão.

Uma coisa não se pode esconder,todos o entendem: todo este planotem um carácter injusto por recairsobre quem não tem nenhuma res-ponsabilidade acerca do estado la-mentável a que chegámos.

Porém, uma greve marcada para osfinais de Novembro, quando todasas medidas já foram aprovadas, teráum valor essencialmente simbólico.Além disso, outra dificuldade se le-vanta: é muito difícil mobilizar a ade-são dos precários, dos subcontrata-dos e das pequenas empresas priva-das, que são a maioria, tanto maisque a realização de assembleias ge-rais se torna nestes casos muito pro-blemática. Os mais de 10 por centode desempregados também não es-tarão em greve, obviamente. Poroutro lado, num contexto de crisecomo é este, muitos trabalhadorescom emprego certo se retrairão comreceio de perder esse verdadeiroprivilégio, nos dias que correm, queé ter um trabalho garantido.

Veremos se a força social que se ex-prime activamente nesta fase serácapaz de vencer o pessimismo rei-nante e funcionar como perspectivaemancipadora. Assim as centrais sin-dicais saibam interpretar correcta-mente os sentimentos e as disposi-ções mais avançadas do mundo la-boral. Só assim é possível condenarao fracasso este governo. A auto--organização na base, na perspecti-va da radicalização colectiva dosprotestos, é certamente uma formade tentar ultrapassar as dificuldadesdando um exemplo de luta decidida.

Uma forçasocial

Viva a Greve Geral!

AUDITÓRIO DA LIVRARIA LER DEVAGARESPAÇO LXFACTORY | ALCÂNTARA | LISBOADIAS 13 - SÁBADO e14 - DOMINGO DAS 9,30 ÀS 19,30H.

As conversações de paz entre Israel e a AutoridadePalestiniana, forçadas pelos EUA, chegaram a umimpasse ainda antes de começarem. Mais um tro-peção para Obama – a juntar aos insucessos noAfeganistão e no Iraque – que assim se vê peranteacrescidas dificuldades para a implementar a suaestratégia antiterrorista e o impede de concentrarmeios para cercar e submeter o Irão, se necessáriopela força. (Pág.11)

A paz de Washington

A fome alastra entre nós. Os ministros deviam deslocar-se àsopa do Sidónio e indagar junto daquelas centenas de des-possuídos a origem dos seus infortúnios. Assinalando o Anoda Pobreza os políticos dizem umas palavras comovidas, pas-sam indiferentes, dão uma moedinha e vão à vidinha. (Pág.9)

Distribuição de riqueza

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[email protected]

Colaboraram neste número: Ana Barradas, António Barata, AntónioDoctor, Carlos Morais, Esperança Alves, José Borralho, Ricardo Noronha,Vítor Colaço Santos

Propriedade: Cooperativa Política Operária

Correspondência: Apartado 1682 - 1016-001 LISBOA | TM: 960 135 270 |

Periodicidade: Bimestral | Tiragem: 1100 exemplares

Publicação inscrita na DGCS com o número 110858

ASSINATURAS

5 números 10 números 5 números(1 ano) (2 anos) (apoio)

Continente e Ilhas 12,50 • 25,00 • 25,00 •Europa 17,50 • 35,00 • 35,00 •Resto do Mundo 20,00 • 40,00 • 40,00 •

Pagamento por cheque ou vale de correio em nome de POLÍTICAOPERÁRIA e endereçado, Apartado 1682, 1016-001 LISBOA, ou por

transferência bancária para o NIB 0033 0000 4535 4654 3330 5

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2 | SETEMBRO / OUTUBRO 2010

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QUERIDA PETROBRÁSAí vai um discurso do Lula no “momentomais auspicioso do capitalismo mundial”.Como podem ver, com uma esquerda co-mo esta não precisamos de direita.Seleccionei os trechos do início e do finaldo discurso de Lula, na Bolsa de Valoresde São Paulo, durante o pregão da capitali-zação da Petrobrás.“E dizer para vocês que eu quero, em pri-meiro lugar, agradecer a Deus por estar-mos vivendo este momento. Eu acho queDeus foi muito generoso neste momento,não pessoalmente comigo, mas com o Bra-sil, com o povo brasileiro, que há muitotempo esperava a chance de ser respeitadono mundo como nós somos hoje. E issose deu à custa de muito trabalho. Muitotrabalho, e eu quero manifestar a minhaalegria em comparecer a esta Bolsa, nomomento em que ela se torna um pontode referência de um singular capítulo dodesenvolvimento brasileiro. É importantelembrar que eu vim aqui em 2003. A Bolsade Valores movimentava naquele tempo,quem sabe, 200 bilhões por ano. Hoje aBolsa está movimentando quase 2 trilhõespor ano, quase 2 trilhões. A Bolsa tinha oequivalente a 14 mil pontos em 2003.Hoje ela tem 70 mil pontos, ou seja, amudança foi extraordinária. Portanto, euquero que vocês saibam que o Brasil estámuito orgulhoso do Brasil neste dia 24 deSetembro, na primavera de 2010. Nós es-tamos participando da maior oferta deações já registrada na história econômicamundial que acontece aqui nesta Bolsaverde e amarela, com uma empresa emcujo nome reluz o interesse nacional: anossa querida Petrobras”.... “Mas, de qualquer forma, eu queria quevocês soubessem que a alegria de estaraqui não tem tamanho. Não tem tamanhoporque... eu estava vendo o Presidenteda Bolsa falar, estava ouvindo o discursodele e estava imaginando: quem diria queeu viria à Bolsa de Valores ouvir o que euouvi aqui hoje. Isso só pode ser uma dádi-va de Deus. Só pode ser uma dádiva deDeus porque, dez anos atrás eu passavaaqui na porta da Bolsa, as pessoas tremiamde medo: “Onde é que vai esse comedorde capitalismo?”. E exatamente esse come-dor de capitalismo deixa a Presidência daRepública, depois de oito anos, como oPresidente que participou, de forma hon-rosa – com o Presidente da Petrobras, como Presidente da Bolsa, com o Vice-Presi-dente da República, com o Ministro daFazenda, o Ministro de Minas e Energia ecom vocês –, do momento mais auspicio-so do capitalismo mundial. E aí, Guido, a

gente tem que dizer o seguinte: nunca an-tes na história da Humanidade nós tive-mos um processo de capitalização da en-vergadura que a nossa Petrobrás está fa-zendo aqui hoje”.

Dois amigos do Brasil – Rio de Janeiro

TERRORISMO DO CAPITALE pronto. Ontem lá terminei o preenchi-mento e entrega electrónica da inqualificá-vel “Prova de Condição de Recursos”, pre-vista no Decreto-Lei n.º 70-2010, de 16de Junho.Para nós, que recebemos subsídio socialde desemprego, o prazo terminava a 30 deSetembro. Para os que recebem rendimen-to social de inserção e abonos de família,o prazo pode ir até ao fim do ano.A minha saga começou quando recebi, co-mo os demais, a ameaçadora carta da Segu-rança Social e prosseguiu com a obtençãodos saldos bancários em 31/12/2009 dasduas contas da CGD que possuo, certifica-dos de aforro (por sorte a aplicação infor-mática deles lá no IGCP permitia ir buscaro extracto àquela data, senão queria ver co-mo descalçava a bota!) e outras modestasaplicações financeiras. Tudo isto, muito abai-xo dos 100.613 euros impostos pela SS comopatamar máximo para este património.Depois, tive que ter muito cuidado com oformulário electrónico, especialmente comas quantias declaradas (ao euro), pois qual-quer distracção no seu preenchimento nospode fazer incorrer em falsas declarações,punidas com a cassação liminar dos apoiossociais e inibição de a eles, ou a outros, recor-rer (e os familiares) durante dois anos.A própria carta da SS, sem registo algum, achantagem para a exposição de dados pes-soais, o carácter retroactivo desta prova ea quase obrigatoriedade de ser feita pelainternet são prova da constitucionalidademais que duvidosa de todo este processo.Mas tudo isto, além um acto administrativocorsário, é uma pulhice cobarde, por partedo capital, dos poderosos e do seu governo,sobre os mais fragilizados e indefesos, estig-matizados ideologicamente pela burguesiacomo malandros, relapsos e vigaristas. E con-denados deste modo, por via da cassaçãoimediata dos apoios e sua inibição durantedois anos, à sopa dos pobres ou ao delitocomum, para se alimentarem, a si e aos seus.E é ainda, no plano meramente económico,uma fraude e uma farsa, porque os trocadosque a administração fiscal irá assim sacar,em termos de Orçamento de Estado e PEC,não passarão disso mesmo: trocados. Alémde que os amiguinhos mais remediados oupobres deste reaccionário PS foram presu-mivelmente avisados antecipadamente e

SOARES CADA VEZ MAIS FIXE – Soares fez com CavacoSilva a parelha ideal para os grandes capitalistas e empre-sários. Entreajudando-se, mantendo os conflitos ocasio-nais à porta fechada; os dois garantiram uma longa estabili-dade do regime, que era a maior necessidade de todas asforças burguesas para se poderem sentar em cima do movi-mento operário.A lei das privatizações, a liberdade dos despedimentos eo pacote laboral, o aumento das rendas de casa, a liquida-ção final das cooperativas agrícolas, a polícia política –tudo passou sem dificuldade pelas mãos de Soares.

DEMOCRACIA NA EMPRESA – Se o trabalhador se apro-pria de algo que é propriedade do patrão pode ser imedia-tamente despedido sem qualquer indemnização. Mas seo patrão se apropria dos salários e subsídios dos seus traba-lhadores, estes nem sequer podem recusar-se a trabalharde graça, pois tal pode ser considerado falta justificada,dando lugar a serem despedidos por aquele mesmo que orouba!

CHAMAM-LHE “HIROCHIMA”… – O bairro El Chorrillo,na Cidade de Panamá, foi baptizada de “Hirochima” pelossobreviventes. Os bulldozers do exército americano limpa-ram o que restava das casas e carros depois do bombar-deamento de 20 de Dezembro. Viviam aqui mais de 14 milpessoas. Ainda não se sabe quantas morreram no ataque,sob a bombas dos aviões “Stealth” ou devido às rajadas demetralhadora dos helicópteros e da infantaria. Um poucomais longe, junto ao cemitério privado “Jardim da Paz”,há velas, fotografias, coroas de flores, próximo de umafossa comum aberta pelo exército americano. A fossa tem36 metros de comprimento por 6 de largura. Não se sabequantos corpos contém. Há fossas semelhantes na zonado Canal. Os números oficiais americanos são de 203 mor-tos civis e 314 militares. Várias fontes panamianas dizemque os mortos não foram menos de 3 mil e podem ter idoaté aos 8 mil.

“PARA O GOLFO E EM FORÇA” – A ÚLTIMA PALHAÇA-DA DOS SOCIALISTAS LUSITANOS – Indignou-se o PSpor o governo ter aberto as Lajes à ponte americana semconsultar ninguém? Nem lhes passou pela cabeça atacaro governo por esse lado! Cheios de ciúmes por não seremeles a brilhar junto do Pentágono, ultrapassam o governopela direita e criticam-no por falta de presteza em serviros “aliados”. “Não podemos ter uma participação simbó-lica”, exclama João Cravinho. João Soares declara que “ofundamental é dar uma lição ao agressor” e assegura que“Israel é, não obstante os erros que por vezes comete, oúnico Estado democrático de todo o Médio Oriente”!

Na PO 26, Setembro/Outubro de 1990:- Soares cada vez mais fixe- Vasco Gonçlves e os esquerdistas- Crónica do capitalismo real- Cruzada anti-árabe pelo petróleo- Os socialistas e o 1º de Maio- O socialismo das classes médias

descoberto por Adam Sghaff- Um tiro ao lado- Lenine e a revolução russa

(continua pág. 15)

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SETEMBRO / OUTUBRO 2010 | 3

A aprovação do próximo Orçamentode Estado (OE) é um dos temas quentesem que governo e oposição se travam derazões. Com muito pouca seriedade, sabere competência para enfrentar o problemada falência económica e financeira do país,a discussão reduz-se ao faz-de-conta e ademagógicos exercícios retóricos em tor-no do “Estado social”, agora transforma-do no grande responsável pelo descalabroeconómico a que os governos do PS, PSD,e por vezes do CDS, nos conduziram comos seus trinta anos de governação.

Com a ajuda da comunicação socialos nossos líderes partidários e governa-mentais vão-nos entretendo com questõesmenores, como a de saber como vão Ma-nuel Alegre, o BE e o PS entender-senuma candidatura presidencial que tantoé apoiada (para já) pelo partido do gover-no (PS) como pelo da oposição da esquer-da desempoeirada (o BE); se o candidatodo PCP vai apoiar ou não Alegre na segun-da volta ou quando Cavaco se resolve aformalizar a sua candidatura. Ao mesmotempo que Sócrates, na sua patética cam-panha de demonstração de que o paísestá a recuperar e a economia a entrar nobom caminho, vai inaugurando creches,estradas e tudo o mais que houver.

Do Eurostat vêm números que situamo desemprego acima dos 10%, o que nãose registava desde 1952, mas nada distomerece a atenção do governo e das oposi-ções, que se limitam aos circunstanciais erotineiros comentários – o governo dizque o Eurostat está enganado, as oposi-ções que este vive no país das maravilhas.E tudo continua na mesma, com os decima a passar ao lado da crise, a aumentaros seus rendimentos, a esbanjar em carrose habitações de luxo, férias milionárias,cavando ainda mais fundo o fosso que ossepara dos pobres. Ao mesmo tempo quepara os despossuídos não param de cresceras privações – desemprego, aumento deimpostos, carestia, redução drásticas dasprestações, ajudas sociais e subsídio dedesemprego –, agravadas já no próximoano, com as reduções salariais e o esgota-mento do prazo de atribuição do subsídiode desemprego às centenas de milharesde trabalhadores que se viram lançadosna rua com a crise.

Aos níveis estratosféricos do endivi-damento externo do Estado e dos priva-dos, soma-se agora a desconfiança dosmeios financeiros internacionais, que jánão emprestam, e a exigência pelo BancoCentral Europeu de juros ainda maiores.Nada que não se soubesse há mais de umano, mas todos faziam por ignorar, paraevitar o “derrotismo”. Com o PEC soouo alarme e descobriu-se o grande culpado,o “Estado social”, esse monstro maléficoe insaciável que engole tudo quanto édinheiro sacado aos portugueses e à banca.E como sempre acontece nestas situações,poucos são os que se atrevem a questionaresta suposta verdade e apontar para a obs-

cena acumu-lação de ri-queza porum punha-do de ricoscada vezmais ricos, afuga de capi-tais, a eco-nomia para-lela, toda a sorte de isenções e privilégiosfiscais de que goza o grande capital, apolítica das grandes e inúteis obras deregime, as remunerações dos gestores edemais figurões, as despesas militares, asubmissão à União Europeia, etc.

Governo e oposições falam do OEcomo se estivessem em condições de deci-dir o que quer que seja. Todos eles sabemque o OE que vão viabilizar é um orça-mento imposto, feito à sua revelia e deacordo com os ditames da EU, em parti-cular da Alemanha, sujeito a aprovaçãoprévia pela ECOFIM, uma estrutura nãoeleita da União Europeia com poder deveto. E que por via disso ele tem comopreocupação central não a salvação daeconomia nacional ou o bem-estar dosportugueses, mas a salvação do euro. Háum pacote de 750 mil milhões garantidospela Alemanha para esse efeito, o qualimpõe a redução dos défices nacionaispara os famigerados 3% – e quem não sequiser que se vá embora. Porque governo,parlamento e oposições aceitam jogar estejogo, não lhes passa pela cabeça denun-ciá-lo e menos ainda contrariá-lo. Pelonão lhes resta outra saída que não seja ode assinar por baixo. Pelo que todo estebarulho se resume a saber quem vai arcascom as culpas.

Sócrates finge acreditar naquilo emque ninguém acredita – que neste segundosemestre se vão repetir os resultados me-nos maus da execução orçamental do pri-meiro, conseguidos não à custa da reduçãodos gastos do Estado (que aumentaram4,3% na despesa efectiva e 5,6% na cor-rente primária) ou da reanimação econó-mica, mas do aumento dos impostos indi-rectos e de algumas exportações.

Também por conveniência, as oposi-ções fingem que os pressupostos em queassenta a discussão são verdadeiros, quetudo se resume a boa ou má governação,à vontade de avançar ou não com medi-das de regulação dos mercados e que odito “Estado social” poderá ser mantido,ainda que numa versão mini, através docontínuo endividamento do Estado ouda entrega dos serviços que presta o sec-tor privado.

Há muito que a soberania nacio-nal é uma ficção. Se antes da adesão àEU e ao euro ela era mitigada, depoisdisso passou a ficção – em Portugal osgovernos, seja qual for a sua cor, já nãosão outra coisa que meras comissões exe-cutivas de Bruxelas.

ANTÓNIO BARATA

O reino dofaz-de-conta

“Em Portugal temos tudo àsavessas”, descobriu Passos Coelho,num assomo ímpar de sagacidade eclarividência política. E como não éhomem para deixar as coisas pelametade, sentenciou, com ares degrande estadista, que a solução para“voltar a pôr tudo a direito é pôrquem tem boas ideias a governar equem revela tanta inacção a fazer ostrabalhos de casa”.

É bonito, mas não diz nada. Éaquilo que se chama falar para nãoestar calado. Que Nossa Senhora deFátima o guarde.

Há hoje na sociedade portuguesa um novo consen-so nacional — “a crise só pode ser vencida com o alas-tramento da pobreza”. É claro que não é enunciadodesta maneira, mas numa linguagem matreira: é precisocortar “no lado da despesa e não do da receita”, “70%dos portugueses são sustentados pelos dinheiros doEstado” e por isso o “estado social faliu”, etc. A lógicaférrea do sistema económico capitalista só deixa comoalternativa aos que a não põem em causa serem os debaixo a pagar crise. A receita é tão velha como o capi-talismo, e à custa dela este tem resolvido as suas cri-ses, deixando um tremendo rasto de milhões de vítimas,sejam as lançadas nos enormes matadouros das guerrasmundiais, sejam as que anónima e silenciosamente vãomorrendo à fome e de inanição nas grandes metrópolesdo Norte rico e, principalmente, no chamado terceiromundo.

Certamente o PCP e o BE não comungam da ideia deque devem ser só os pobres a pagar a crise. Mas por-que lhes é alheia a ideia de que a uma esquerda dignadesse nome não compete andar a dar conselhos àsclasses dominantes sobre a melhor forma de conduziros negócios, de a catequizar e sensibilizar sobre assuas “responsabilidades sociais”, esforça-se por con-vencê-la de que a crise tem de ser paga por todos, temde ser patriótica, e este esforço conjunto em prol deum ilusório “bem comum” é um “desígnio nacional”.Se fosse uma esquerda a sério andaria ocupada a amo-tinar os deserdados para que a burguesia os temessee, então sim, se visse obrigada a fazer concessões paraque não estalasse uma crise revolucionária. Por isso,PCP e BE, que após as férias de Verão começaram porafirmar que o OE não teria o seu voto favorável nempor eles seria viabilizado pela abstenção, resolveramdepois, tacticamente, moderar o discurso e dizer es-tarem dispostos a negociar, que não será por causadeles que não haverá OE para 2011: tudo depende deserem ou não contempladas as suas propostas de pa-gamento da dívida a meias. Ao mesmo tempo vão-sequeixando da falta de vontade do governo de falarcom eles e que só tem olhos para a direita. Uma habi-lidade táctica que as classes dominantes e as consciên-cias reformistas não levam a sério, mas muito apreciam,dado que tal postura funciona como um anestésicodas massas trabalhadoras, que, prisioneiras desta ló-gica “responsável e com sentido de Estado”, aceitampacificamente que seja convocada uma greve geralpara depois de aprovado o OE, e se iludem na espe-rança de que o BE e o PCP, face à “intransigência” doPSD, consigam arrancar ao PS algumas concessões. Umcaminho que não pode deixar de conduzir os traba-lhadores a novos desastres.

Sem saída

Temos líder

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O mês em relance

4 | SETEMBRO / OUTUBRO 2010

MAIS UM INJUSTIÇADO – Dias Loureiro tem umprocesso em curso de investigação, negou afir-mações feitas pelo seu antigo chefe Cavaco, este-ve muito ligado ao PSD, sabe fazer umas canti-guinhas, também sabe jogar golfe e desde háuns meses nunca mais se ouviu falar dele. DiasLoureiro vive actualmente à grande em CaboVerde. É dono do maior resort turístico da ilhado Sal, aquela ilha daquele país africano onde oBPN criou umas sucursais e um banco mais oumenos virtual, com que se faziam umas operaçõesde lavagem e fugas ao fisco, etc.Como vêem, é fácil fazer esquecer um roubo su-perior a mais de 4 mil milhões de euros quandose tem amigos por todo o lado...

Cada um que se governe“O Governo não mascara o desemprego, considera-o

principal problema social, mas não podemos cingir a res-posta à crise aos subsídios, ao seu prolongamento ou aoseu aumento”. (Helena André, Ministra do Trabalho, 21

Setembro, no Parlamento).

A teta nacional“Existem cerca de 14 mil instituições que estão no

Orçamento de Estado. 13.740 entidades que recebemdinheiros públicos — 365 institutos públicos, 639 funda-ções, 343 empresas públicas, 87 parcerias público pri-vadas…” (José Cantigas, economista, num debate organiza-

do pela Ordem dos Economistas, 21 Setembro).

Avante camaradas, confiança no futuro“Uma revolução que tem heroicamente resistido ao

criminoso bloqueio dos EUA” terá êxito no seu “projectode construção do socialismo”. (PCP ao Expresso de 18 Se-

tembro, comentando as reformas cubanas de liberalização

económica).

Eureka! Ele propõe!“Estamos no centenário da República. Como portu-

guês muito preocupado com o seu país, seria incapaz depassar este período sem propor um desígnio para o país.E proponho: qualificação.” (Manuel Maria Carrilho, Expres-so, 18 Setembro).

SÓCRATES & PASSOS COELHO – São carae coroa da mesma má moeda. O rotativismode poder, disputado entre apenas dois partidos– o PD e o PSD – causa desmobilização, deses-perança e falta de ânimo, também pela péssimaqualidade destes.

Sócrates reuniu com “sábios” economistas,muitos dos quais pertenceram a governos odio-sos e odiados, culpados de tudo o que de piornos tem acontecido. Quase todos receberamreformas milionárias, duas e três, e atrevem-sea dar nas televisões patrióticas lições de salva-ção económica. Miserável! Um deles, com defi-ciências de fala e espuma aos cantos da boca,trabalhou seis anos num banco do Estado erecebeu uma reforma para sempre!, de 18 mileuros! É o retrato típico de uma situação repu-gnante. Mas há mais… Afinal, de que falaramos ex-ministros “sábios”?

Indicaram os mesmos remédios para a reso-lução da crise (da nossa crise, de facto!): cortesnas despesas de saúde, da educação, da previ-dência, baixa dos salários da função pública(os funcionários públicos que paguem a crise!),supressão do 13º mês, redução nas pensões,extinção de subsídio para os mais pobres, au-mento nos medicamentos … e caso alguémtente desmontar esta ladainha é consideradocomunista ou afim. Haja decoro e decência.

Passos Coelho também reuniu com um ricogrupo de economistas. Foram dizer-lhe o quequis ouvir. A mesma receita. A mesma cantile-na. Os mesmos cortes. Os mesmos sacrifícios.A mesma ou pior fome! Esta gente não está(nunca esteve, nem estará) ao lado de quemsofre e está na mó de baixo. Os seus testemu-

nhos não ocultam a casta a que pertencem. Osjornais e revistas publicam os nomes, os rendi-mentos, as casas luxuosas, os iates, os aviões,os automóveis topo de gama dos que nos exigemsacrifícios, suor, lágrimas e renúncia. Exigemmas não praticam. Uma televisão quis saber oque pensam os portugueses desta actual situa-ção: uns não responderam, outros não sabiam,alguns revelaram indiferença e ignorância ouausência. Até que uma mulher antiga, comolhos de sofrimento e rugas no rosto de misériada fome, disse: “Não acredito em nada, nemem ninguém. Eles estão lá para se encher.”

Quando se tira aos reformados um escassocêntimo, as dificuldades que daí advém sãomais que muitas e as consequências imediatassão terríveis. Portugal é um país padrasto epátria madrasta para a grande parte dos portu-gueses. Até nós querermos…

É nesta “pérfida embrulhada”, para citarum português maior – Jorge de Sena – quevamos sobrevivendo. Omissão, mentira, engano,cambalhotas. E não é apenas Sócrates o paladi-no destas tropelias. Passos Coelho vai nosmesmos passos…

O DR. CAVACO – Desde a apariçãodo “messias” Cavaco, montado numCitroen com cavalos até se guindar aprimeiro-ministro, a nossa democraciapassou a ser de superfície. A sociedadeficou amolgada. Esta criatura alimen-tou (e alimenta) um distorcido entendi-mento do que é a democracia. Os dezanos em que foi chefe de governo salda-ram-se pela recusa da modernidade epela imposição de uma rigidez emocio-nal que ainda hoje lhe está colada à

pele. Pedra ebetão substi-tuíram a al-ma e cora-gem. Encheu o paísde cimento inútil. Dealcatrão também.Fez de Portugal oINATEL da Europa!Recebeu toneladas dedinheiro para resol-ver dificuldades es-senciais e dar um tra-tamento uniformeaos problemas relati-vos ao desenvolvi-mento. É uma dasmaiores mentiras ar-tificiosas de que hámemória. O primadodo económico sobre-pôs-se a tudo. As pes-soas passaram a sernúmeros! Nada tema ver com apostola-do da liberdade.

Em termos cul-turais, o que o dr. Ca-vaco nos oferece é a“cultura” que nos dáo programa de entre-tém “Quem quer sermilionário”… Um

solitário exemplo: do bicentenário do nascimento de Ale-xandre Herculano – comemora-se este ano – cuja obracomo escritor e jornalista tentou resgatar do tristonhoviver este povo deprimido, o dr. Cavaco ignorou a data.Quero lá saber!, – terá dito. Alguma vez se terá debruçadosobre uma minguada linha escrita pelo grande historiador?Não creio. Alexandre Herculano tem um destino degrandeza e de solidão confirmado pela guerra, pelo estudoe pelo exílio. Ignorá-lo é mais do que um escândalo!

3 EFES – FOME, FRAUDE E FUTEBOL… –Impostos - Há trinta mil milhões de euros que não pagamimpostos! Caso pagassem, arrecadava-se 10 milhões deeuros!Bancos - O Banco de Portugal lucrou 254 milhões deeuros em 2009. No primeiro trimestre deste ano, os lucrosdos quatro maiores bancos privados portugueses totali-zaram 361,9 milhões de euros! Os lucros diários do Mille-nium, BES, BPI e Santander foram de 4,3 milhões aodia!!Remédios e Farmácias - A Associação Nacional deFarmácias queixa-se de que o negócio da venda de medi-camentos nunca esteve tão mal – coitadinhos! Cada vezhá mais doenças, mais doentes. Tenho dó da Associação.Se as queixas fossem mais pequenas, diria que tomassemum ben-u-ron. Tirem senha, esperem pela vez, que ogoverno vos há-de atender. Se apresentarem a reclamaçãopor escrito, façam-no com letra legível…

VÍTOR COLAÇO SANTOS

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SETEMBRO / OUTUBRO 2010 | 5

Depois de enormes delongas e ten-do o processo já transitado de passagempelas Varas Criminais de S. João Novo,baixando novamente à sua origem no2º Juízo Criminal do Bolhão (tribunalsingular), por decisão da Relação doPorto, recomeçou no passado dia 15 deSetembro o julgamento de quatro acti-vistas sociais acusados de difamaçãoagravada ao Serviço de Estrangeiros eFronteiras (SEF), concluindo-se depoiscom sentença de absolvição a 8 de Ou-tubro.

Os factos reportam-se ao Verão de2006 e necessitam de alguma contextua-lização. A Direcção Regional Norte doSEF tinha passado, em Dezembro de2005, pelo escândalo da ampla divulga-ção mediática (iniciada por uma repor-tagem da SIC) das condições desumanasa que submetia as pessoas a quem erarecusada e entrada no território nacionalà chegada ao aeroporto Sá Carneiro, fi-cando aí a guardar repatriamento. Estesindivíduos e famílias ficavam instalados,por semanas ou meses a fio, em “Centrosde Instalação Temporária” que consis-tiam em vulgares contentores de merca-dorias, com adaptações mínimas, emcondições de salubridade indescritíveis.Este escândalo custou o lugar à Sr.ª D.ªAmélia Paulo, que detinha o cargo à al-tura, tendo sido substituída pelo Sr. Dr.Eduardo Margarido, que transitou deigual lugar na Direcção Regional dosAçores.

Por esta altura, a queixa mais inten-sa e generalizada da comunidade imi-grante instalada no Norte de Portugalera relacionada com as dificuldades arbi-trárias criadas pela Direcção RegionalNorte do SEF na emissão de autoriza-ções de permanência e de residência.Enquanto a lei se limitava a exigir queo candidato fizesse prova de posse de“meios de subsistência”, a autoridadepolicial sedeada no Porto entendia exi-gir, por conta disso, cópia de declaraçãode rendimentos do ano anterior, paraefeitos de IRS, com um mínimo declara-do de 5.400 euros (salário mínimo mul-

tiplicado por catorze). Esta exigênciaera tão patentemente absurda – sabendo--se como a vida laboral dos trabalhado-res imigrantes é marcado pela precarie-dade e pela informalidade – que só podeser entendida no âmbito de uma estraté-gia destinada a manter estas pessoas empermanente sobressalto, entre vistosprovisórios necessitados de renovaçãoa cada 60 dias, sob pena de cair na clan-destinidade, incorrendo então na amea-ça imediata de expulsão. Pode ser sim-ples insensibilidade e despotismo buro-crático, nada incomum neste país, massabendo-se que em 2008 foi desmantela-da uma rede de legalizações ilícitas deestrangeiros que envolvia pelo menosdois funcionários do SEF-Porto (presospreventivamente), não pode deixar deconcluir-se que esta rigidez de critériosfacilitava objectivamente a actividadecriminosa então em curso.

Hamid Hussein, paquistanês, 33 anos,casado e pai de dois filhos menores, eraum desses trabalhadores desesperados àprocura da revalidação da sua autoriza-ção de residência, que lhe permitisseencarar a sua vida com alguma tranqui-lidade. Sabe-se que, no início de Junhode 2006, esteve a tratar desse assuntojunto aos balcões da Comissão Nacionalde Apoio ao Imigrante (CNAI) na Ruado Pinheiro, onde o SEF também estápresente. Segundo relato feito por umamigo próximo e compatriota, que es-teve presente, desenganado sobre a pos-sibilidade de renovação da sua autoriza-ção de residência, Hussein terá pedidoque lhe fossem devolvidos todos os des-contos feitos para a Segurança Socialportuguesa, para com esse dinheiroregressar à sua pátria. Essa hipótese ter-lhe-á sido negadaterminantemente por parte do funcionário que o atendeu (doSEF ou do CNAI), com atitudes de enfado e de escárnio. HamidHussein entrou numa espiral depressiva que o levou a suicidar--se, nessa mesma noite, atirando-se ao rio Douro a partir dotabuleiro superior da ponte D. Luis I.

Desaparecido durante muito tempo, o corpo de Hussein sóseria encontrado pelos amigos no Instituto de Medicina Legal,onde voz informada os aconselhou a procurá-lo. Apesar de ocorpo ter sido encontrado com o passaporte no bolso, nem a

polícia nem ninguém naquela instituição se preocu-pou em alertar a família ou o consulado paquistanêsdo seu falecimento. O corpo estava ali simplesmentedepositado como um dejecto anónimo e não recla-mado, a breve trecho destinado à cremação paranão ocupar mais espaço. Também esta circunstânciaprovocou uma forte comoção indignada nos amigosde Hussein, que procuraram de imediato contactocom associações representativas da comunidadeimigrante para denunciar esta situação.

A partir de meados de Junho de 2006, diversasassociações de imigrantes e outras organizações deactivistas solidários com eles estão mobilizadas nadenúncia das circunstâncias que envolveram o sui-cídio de Hamid Hussein, assunto que merece trata-mento noticioso, assaz discreto, num certo númerode órgãos da comunicação social. Foi também reali-zada uma manifestação pública onde se exigiu oapuramento de responsabilidades e a revisão de pro-cedimentos. Mas isso era coisa que o Director Re-gional Norte do SEF achou que não podia permitirde modo algum, pelo que resolveu recolher elemen-tos e fazer uma participação ao Ministério Públicopelo crime por “difamação ao SEF”. Apesar de adenúncia ser patentemente inepta e de o inquéritopreliminar nada lhe ter acrescentado, o certo é queo Ministério Público deduziu prontamente a acusa-ção pretendida, nos seus exactos termos, fazendo

Concluído o julgamentodos “Quatro do Porto” Parece estar a chegar ao fim um longo ciclo histórico

iniciado a 25 de Novembro de 1975 e acelerado após aadesão à CEE, em 1986. Durante estes 35 anos, tanto aburguesia (a possível) como o regime liberal (aquele quese conseguiu arranjar) sustentaram-se na perspectiva deuma progressiva convergência dos principais indicadoreseconómicos e sociais portugueses com os países mais de-senvolvidos da Europa Setentrional.

E embora a imaginação não tenha sido o ponto forte daII República, lembramos com nostalgia os tempos auspicio-sos em que expressões como “A Europa connosco”, “A Suí-ça do Sul”, o “pelotão da frente” e outras ambiciosas mira-gens eurodesenvolvimentistas deixavam estadistas e jorna-listas com um brilhozinho nos olhos, aqueles dias gloriososdo cartão jovem, da Europália e da fúria consumista, quan-do a paixão entre Lisboa e Bruxelas era tórrida e poucos(mas bons) encontravam razões para se queixar.

Tudo aquilo que nos prometem agora é mais crise, re-cessão e sacrifícios. O aluno bem comportado da ComissãoEuropeia passa os dias virado para o canto com orelhas deburro, sem autorização para ir ao recreio nem gelatina deananás depois do almoço. É caso para dizer que não foipara isto que se fez o 25 de Novembro e, se o soubesse,talvez Jaime Neves não tivesse saído do Batalhão de Coman-dos da Amadora para fazer o lindo trabalhinho que se co-nhece. Definitivamente, o futuro já não é aquilo que era.

Agora que a nau se afunda, os mais ingénuos poderiamser levados a dirigir o olhar para os homens que manejaramo leme ao longo de tão acidentada viagem. Mas isso equiva-leria a ignorar o ponto forte da oligarquia portuguesa, asaber, a desconcertante capacidade para se eximir das suasresponsabilidades próprias com a ligeireza de quem aban-dona uma casa de banho pública. Restam por isso os suspei-tos do costume: o povo, a ralé, a arraia-miúda, os trabalha-dores (“por conta de outrem”), o proletariado. Não se trataagora de feitos assustadores, como o derrube de um regi-me, a expropriação de empresas, a ocupação de terras, odesrespeito pela propriedade privada ou pela autoridadedo Estado. Os problemas agora são a competitividade e ascontas públicas.

RICARDO NORONHA

O que nos prometem agora

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6 | SETEMBRO / OUTUBRO 2010

Uma jornalista do Diário de Notícias, conhe-cida por ser uma espécie de porta-voz oficiosadas polícias, decidiu desta vez investir, não con-tra os “gangues” de jovens negros dos ditos “bair-ros problemáticos”, mas contra a PAGAN (umadas coligações que em Portugal contestam a rea-lização da cimeira da NATO em Lisboa, consti-tuída por pessoas e organizações vulgarmentetidas como da área revolucionária e anticapita-lista – anarquistas, bloquistas, ecologistas, etc.)tentando conotá-la com os grupos “violentos”,como o Black Block, que costumam confrontaras “forças da ordem” que protegem os encontrosdos ricos e poderosos.

Até aqui, nada de extraordinário. Seguindoa ordem natural das coisas, os governos e aspolícias fazem o seu trabalho, tal como o “jorna-lismo” a soldo. O que já é estranho e sintomáticodo estado comatoso em que se encontra aquiloque faz de “esquerda” em Portugal, foi a reacçãoda PAGAN que, em vez de chamar a atençãopara o reforço de meios repressivos – está pre-vista a colocação de uma vasta rede de câmarasde vigilância em Lisboa para recolher e gravarimagens; a aprovação de leis de excepção e asuspensão do tratado de Schengen; a expulsãoimediata de estrangeiros; a limitação do direitode manifestação e a criação de vários perímetrosde segurança de check-points; a aquisição de blin-dados semelhantes aos que estão a ser usados noIraque; o recrutamento à pressa de mais 60 ele-mentos para a polícia de choque; a elaboraçãopelas polícias europeias e norte-americanas deuma listas de elementos e organizações radicaisa ter debaixo de olho; infiltração das secretas,etc. – resolveu secundarizar este facto relevantee centrar-se em abjurar (mais uma vez e emnome do pacifismo) a acção directa e os “violen-tos”, jurando que “recusa liminarmente a asso-ciação do seu nome a actos violentos ou ameaça-dores da ordem pública” e insurgindo-se: “Ofacto de o Diário de Notícias subverter o nomeda PAGAN, cujo acrónimo se traduz em Pla-taforma Anti-Guerra Anti-NATO, omitindo aexpressão anti-Guerra e sublinhando a expressãoanti-NATO, configura-se como uma tentativa

de distorção do carácter pacifista desta platafor-ma de cidadãos.”

Quando na altura publiquei este comentá-rio no Diário Liberdade (www.diarioliberdade.org)foram várias as reacções negativas – ridículo,sectário, espécie de infiltrado do PCP, adeptoda acção directa (esqueceram-se de terrorista).Pena foi que não se tivessem referido ao que defacto importava – por que razão considerarammais importante demarcar-se dos “violentos”que denunciar todo o aparato repressivo e delimitação de liberdades que está a ser montadopara “proteger” a Cimeira da NATO.

Ora uma demarcação destas, na sequênciade anteriores e insistentes pronunciamentos so-bre o carácter não violento da plataforma, valecomo um programa político. Começa por fechara plataforma a todos aqueles que não têm qual-quer posição sobre a violência, como aquelesque a admitem como uma inevitabilidade quan-do se agudizam os conflitos sociais. Depois obri-ga a que nos interroguemos sobre as razões quelevam pessoas e movimentos que se dizem deesquerda a constantemente se sentirem obrigadosa justificar-se e a apresentar credenciais de bomcomportamento e de respeito da ordem pública,ao ponto de achar necessário traçar fronteiras.Por que será que não percebem que com atitu-des destas se colocam numa posição reaccioná-ria, de isolamento da outra esquerda que pensadiferente, indicando-a como um alvo mais fácilpara a repressão e a provocação? Que diferençaentre esta atitude e aquela que o PCP tomou notempo da ditadura, ao “avisar” publicamente,nas páginas do Avante sobre a entrada no país dealguns militantes comunistas que tinham rom-pido com ele pela esquerda? Que diferença en-tre as suas preocupações e as do PCP contra os“provocadores esquerdistas”? Por que não que-rem ou não conseguem tirar lições da campa-nha anti-“violentos” promovida pelos meios so-ciais-democratas para os isolar e erradicar dasmanifestações antiglobalização e o definhamen-to e domesticação desse movimento e o dosFóruns Sociais?

ANTÓNIO BARATA

A nossa esquerda ordeira

irresistivelmente recordar outros tempos em que asinstituições judiciais funcionavam como câmara deratificação pronta e expedita de quantas fantasias poli-ciais lhes fossem presentes.

Os quatro acusados eram:- Rachid Fathi, solteiro, na altura com 30 anos,

natural da cidade de Tânger, em Marrocos, radicadoem Portugal já há alguns anos e de nacionalidade por-tuguesa, tendo sido já operário têxtil, trolha, cortadorde carnes, conhecido por ser dirigente da associaçãoESSALAM - Associação dos Imigrantes Magrebinos ede Amizade Luso-Árabe;

- José Alberto da Rocha Paiva, conhecido activistalibertário português, preso político no tempo do fascis-mo (nessa altura era marxista-leninista), animador dediversos grupos de causas sociais e ecológicas, como éo caso, presentemente, da associação Terra Viva! Terravivente, com sede na Rua dos Caldeireiros, Porto;

- Abílio Gonçalves Mourão, português, produtorteatral em Lisboa, simples associado de uma agremia-ção cultural portuense denominada Espaço Musas;

- Flávio Ferreira Paes Filho, cidadão brasileiro, naaltura doutorando na Faculdade de Letras do Porto epresidente da AACILUS, associação de apoio aos imi-grantes lusófonos sul-americanos e africanos em Por-tugal, actualmente professor efectivo na UniversidadeFederal de Mato Grosso, em Cuiabá.

O julgamento, novamente interrompido, teve umreinício a 30 de Setembro, mas aí nada se passou, paraalém das alegações do Ministério Público e dosadvogados. Era suposto ser ouvida então a principaltestemunha de acusação e autor da denúncia crime, oex-director regional Norte do SEF, Eduardo Marga-rido, mas este escusou-se a comparecer justificando--se com uma ausência em serviço nos estrangeiro. Es-teve presente, isso sim, o actual director regional Nortedo SEF que “ofereceu” a desistência da queixa contrauma retratação dos Réus publicada na imprensa, hipó-tese que foi prontamente rejeitada. A 8 de Outubrofoi lida sentença que absolveu os arguidos, por faltade provas. Simplesmente, nada disso é ainda suficientepara se fazer justiça neste caso.

Faltou ainda responder pela morte de Hamid Hus-sein, prestar uma qualquer compensação à sua viúva eamparar devidamente os seus filhos menores.

E falta, sobretudo, para o que nos interessa comvista ao futuro, saber como foi possível perpetrar esteverdadeiro atentado ao Estado de direito. Como foipossível, em esconsos gabinetes policiais, tramar todaesta operação celerada, visando criminalizar, amorda-çar e perseguir por via judiciária as justíssimas manifes-tações de indignação cívica levantada pelas circunstân-cias que envolveram a morte da Hamid Hussein? Comofoi possível a estes agentes reunir uma semelhantecultura de desprezo humano e, por cima dela, a arro-gância burocrática suficiente para montar tudo isto,confiantes em que podem calar e reprimir a seu talantea opinião pública livremente formada e expressa pormeios legítimos e pacíficos?

Mas mais inquietante ainda, falta explicar como éque o aparelho judiciário pôde embarcar nesta aber-ração e deixar-se envolver nela, passando depois abatata quente de Caifás para Pilatos ao longo de quatroanos e meio, sem nenhuma consideração pelos acusa-dos, a quem manteve em suspenso de uma possívelcondenação criminal e sujeitos a medidas de coacção,durante todo este tempo. E tudo apenas porque seterem indignado e buscado reparação para uma injus-tiça feita a um seu semelhante, com um desenlacetrágico que ainda hoje traz mergulhada na miséria asua família.

ESPERANÇA ALVES

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SETEMBRO / OUTUBRO 2010 | 7

Saudamos a convocatória de uma greve geralnacional pela CGTP, embora tenhamos que dizerque peca por tardia como consequência de umaorientação que alimenta a ilusão política de que osistema há-de recuperar da crise desde que envere-de pela via do crescimento económico. Todas ashesitações sindicais têm a mesma proveniência:“estamos aqui para colaborar desde que os trabalhadoressejam ouvidos.” Ainda não perceberam que os capi-talistas têm ouvidos de mercador.

São duas coisas distintas: uma greve geral con-vocada com uma perspectiva para a superação dacrise através de propostas colaborantes com o capi-talismo, para o seu crescimento e fortalecimento,ou uma greve geral convocada segundo os interes-ses da classe operária e restantes massas trabalha-doras tendo como motivos o combate à crise eperspectivando dar fim ao odioso sistema capita-lista. Daqui partem duas linhas antagónicas face àluta de classes. O que temos aí é a greve geralconstrutiva.

Há razões de sobra para que os trabalhadoresse lancem decididamente na luta até fazer vergaro capital, o governo de Sócrates e a direita reaccio-nária PSD-CDS e a razão determinante é que acrise capitalista está a ser descarregada para cimados mesmos de sempre: o proletariado e as massastrabalhadoras.

Vejam-se as medidas que o governo tomou equer implementar através do orçamento do Estado:congelamento de todos os investimentos estatais,fim dos contratos a prazo e das admissões de pessoalna administração pública, cortes nos salários em5%, aumento do IVA de 21 para 23%, congelamen-to das pensões e reformas e do salário mínimo,corte em 20% nos apoios de reinserção social,para lá de outros roubos semelhantes nos dois an-teriores PECs. A imaginação dos abutres não temlimites quando se trata de roubar o povo.

Esta é a grande crise do sistema que abre bre-chas por todos os lados e só não vê quem não querou a quem não convém ver. A ilusória ideia profu-samente transmitida de que a causa da crise estevena falta de regulamentação das instituições finan-ceiras é um embuste do capital e dos seus arautoseconomistas a quem convém vender a tese de que,resolvido o problema da ganância, tudo entrarána normalidade. Puro malabarismo. A génese dacrise é a economia capitalista de que o capitalfinanceiro é uma parte, e o que está à vista é aponta do icebergue, o resto e mais importante doponto de vista económico é a chamada economia

real, que entrou numa profunda crise de superacu-mulação de lucros e de superprodução de mercado-rias, lançando o caos no sistema por imposiçãodas economias mais fortes e pela emergência dosnovos concorrentes chineses, indianos e brasileiros.

As velhas economias entraram em caos semcapacidade de competir, lançaram no desempregomilhões de trabalhadores, muitos dos quais a quemtinham dado créditos, a exportação de mercadoriasficou bloqueada e entrou em recessão devido à leida concorrência do mercado “livre” e à impossibi-lidade de consumo das massas trabalhadoras. Eassim o capitalismo entrou num impasse e em criseque descarrega sobre os trabalhadores e os povos.O facto de assistirmos à grande especulação finan-ceira com a dívida pública deve-se às imposiçõesditadas pela União Europeia, que impôs a escrava-tura do défice precisamente para que as economiasmais fortes da UE esmaguem as mais fracas navelha lógica de mercado do capitalismo.

O problema central que está colocado ao paísnão é uma questão de incompetência dos capitalis-tas que não sabem pôr a economia a produzir e acrescer como defendem em uníssono os partidosda esquerda do regime, PCP e BE; a questão nãovai lá com batalhas da produção, mas sim comcombate ao próprio sistema que sustenta as políti-cas reaccionárias.

Quanto a nós, faz falta uma greve geral quefaça com que os exploradosganhem confiança nas suasforças e clarividência de que ocapitalismo deverá ser elimi-nado e não reforçado. E porisso apelamos aos operários e atodos os assalariados, aos de-sempregados, aos jovens e àsmulheres trabalhadoras, aostrabalhadores do ensino, daeducação e da saúde, aos refor-mados e pensionistas roubadosnos seus baixos proventos, àsuniões de agricultores, ao mo-vimento associativo e de mora-dores, à intelectualidade pro-gressista, para que façamos dodia da greve geral em 24 de No-

Viva a greve geral!

vembro um dia de luta a sério, uma rebelião, unidossob a ideia de que as medidas de austeridade devemser para os ricos e não para os trabalhadores. Eque medidas são essas?a) A dívida externa do país deve ser paga num

prazo de quinze anos, assumindo o Banco Cen-tral Europeu os encargos imediatos com os ban-cos credores.

b) Os recursos financeiros do Estado devem seraplicados na efectiva criação de postos de tra-balho, seja na agricultura, no mar, na reabilita-ção de estradas e edifícios ou noutras áreasúteis ao povo trabalhador.

c) Cobrança coerciva das dívidas dos capitalistasàs finanças públicas.

d) Pagamento pelos bancos de uma taxa de IRCde 25% igual ao que pagam as outras empresas.

e) Anulação da compra dos submarinos.f) Corte nos ordenados dos ministros, gestores e

equivalentes.g) Regresso imediato das tropas do Afeganistão

ou outras missões de guerra.h) Fim do offshore da Madeira. i) Passagem a efectivos de todos os contratados e

a recibo verde. j) Pagamento imediato de todos os salários em

atraso.k) Trabalhador despedido, subsídio garantido e,

enquanto não obtiver novo emprego, a integra-ção do trabalhador em serviços do Estadocompatíveis.

l) Aumento do salário mínimo e das reformas.m) Redução do horário de trabalho sem perda de

salário no combate ao desemprego.n) Reposição imediata dos valores dos subsídios

sociais.o) Obrigatoriedade de negociação com o patronato

através da contratação colectiva.

Este programa mínimo atinge o capital e de-fende as condições sociais dos trabalhadores; épois um programa do trabalho contra o capital.

Apelo aos trabalhadores de vanguarda que fa-çam seu este programa, o divulguem e assumamnesta perspectiva a defesa da greve geral.

JOSÉ BORRALHO

INFORMAÇÃO ALTERNATIVA

Diário Liberdade é um projecto jornalísticoalternativo anticapitalista e anti-imperialista,

virado para a realidade social e as lutas de classesna península Ibérica, América Latina e África de

expressão portuguesa e castelhanawww.diarioliberdade.org

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6,42% é o valor da taxa de juro exigidapela banca internacional à economiaportuguesa, nas obrigações a 10 anos.Mais 30 pontos percentuais, o valormais alto desde 1997. (Agência Bloomberg).

A Associação Portuguesa de Turismode Lisboa, presidida pelo presidenteda CM de Lisboa António Costa, queraplicar aos turistas taxas sobre as entra-das e do dormidas na cidade (1 europelas entradas, 20 cêntimos pelas dor-midas em pensões e 1,90 euros em ho-téis de 5 estrelas). (Diário Económico,20 de Setembro).

O valor das poupanças dos portugue-ses subiu 830 milhões de euros entreJunho e Julho, o maior valor desde1989. Os depósitos de particulares pas-saram no mesmo período de 118.402milhões de euros para os 119,232 mi-lhões. Enquanto isso, o crédito malpa-rado aumentou, com as famílias quenão conseguem pagar os empréstimosbancários a atingirem os 2,91% (4.09mil milhões de euros) e o relativo aoconsumo os 7,86%. A banca emprestou975 milhões de euros para compra decasa, menos 30 milhões que em Junho.(Boletim Estatístico do Banco de Por-tugal, 21 de Setembro).

57 milhões de euros em 2010, 235no próximo ano e 369 em 2012, é quan-to estima obter em receitas de porta-

gens a Estradas de Portugal, EP. (Alme-rindo Marques, presidente da EP na ComissãoParlamentar de Obras Públicas, 21 de Setem-bro).

Os trabalhadores das autarquias fize-ram uma greve a 20 de Setembro para“levar o governo a cumprir a sua pró-pria legislação e deixar de ingerir nascâmaras com vista à redução de salá-rios”.

O emprego em Portugal reduziu1,5% no segundo trimestre do ano, faceao período homólogo de 2009. Nesteperíodo foram destruídos 74 mil pos-tos de trabalho.

Os preços subiram 1,9% em Agosto,face ao período homólogo de 2009, e1,8% relativamente a Julho. Os aumen-tos principais registaram-se nos trans-portes, produtos alimentares, bebidas,habitação, água, electricidade, gás eoutros combustíveis.

A destruição de activos financeirosà escala mundial durante o períodomais agudo da crise foi de 37 biliõesde euros, o equivalente a 87% do PIBmundial em 2009. Nesse ano o PIBmundial caiu 0,8% e o comércio inter-nacional entre 11 e 12,3%. (Jorge Nas-cimento Rodrigues, Expresso Economia,18 de Setembro).

Cavacadas

Cavaco, numa demons-tração de que é um presiden-te atento às modas políticase empenhado em apontar ru-mos de salvação para o país,acaba de revelar a sua “in-quietação pelo alheamento

de Portugal relativamente aomar”, o qual deve tornar-se“uma verdadeira prioridadeda agenda política”, e mos-trar-se igualmente alarmadocom a deficiente exploraçãoeconómica de tão “valiosorecurso”.

Estranhas palavras, vin-das precisamente de quem hávinte anos, em nome da mo-dernidade e do desenvolvi-mento, iniciou o abate da fro-ta pesqueira portuguesa e li-quidou o que ainda restavada indústria naval e transpor-tes marítimos, inaugurando omodelo de “desenvolvimen-to” que nos conduziu à situa-ção de mão estendida em quehoje nos encontramos – a po-lítica do betão e das obras fa-raónicas, feitas à custa e como esbanjamento dos dinheirosda União Europeia, e de li-quidação do aparelho produ-tivo a troco das ajudas estru-turais que, dizia, nos iriamtransformar num moderno epróspero país de serviços emuito sol.

O sucessor dinástico de Belmiro de Aze-vedo (o tal que é a segunda maior fortuna dePortugal, ganha a pulso – dos outros), seufilho Paulo de Azevedo, afirmou: “Se oshipermercados abrissem ao domingo, de tarde,iriam ser criados 2.000 postos de trabalho”.Mentira! Valente mentira! Aquilo que iria serfeito era diminuir as horas de trabalho nosdias de menos afluência, para que depois os

Comércio ao Domingo

mesmos empregados tivessem de trabalhar aodomingo de tarde. É o que se vem fazendo nogrupo Sonae. E também retirar horas em al-guns dias e obrigar os trabalhadores a trabalharaté às 14 horas de domingo e, durante a sema-na, até às duas horas da madrugada, quando asua hora de saída contratada é à meia noite.

VÍTOR COLAÇO SANTOS

A Solvay, multina-cional belga da indústriaquímica, vendeu recente-mente o seu sector farma-cêutico à Abbot, umamultinacional das indús-trias ligadas à medicina e àinvestigação, fabrico e co-mércio de medicamentos.Feito o negócio, anunciou--se o despedimento de 800trabalhadores a nível mun-dial para tornar o grupomais competitivo e leve.Ou seja, aquilo que moti-vou a mudança estratégica

Descartáveisda Solvay foi tudo menosa crise.

Setenta e cinco dostrabalhadores a despedirserão da Solvay portu-guesa. Mais uma vez quemtrabalha é que vai pagar oscustos de mais uma reorga-nização do capital e daprodução, no caso provo-cada por um negócio emque não foram vistos nemachados. Uma demonstra-ção clara de que a essênciado sistema capitalista é aprocura do lucro máximoe não a satisfação das ne-cessidades humanas.

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SETEMBRO / OUTUBRO 2010 | 9

31% das famíliasportuguesas vivem nolimiar da pobreza e20% estão já na po-breza. A causa destes31% está no desem-prego e na precariedadelaboral. Caso não hou-vesse apoios sociais(neste momento a se-rem cortados), a po-breza aumentaria paraos valores próximosdos 50%. Entretanto,o número de milio-nários em Portugalsubiu no último ano de1040 para 11.000 –mais 600! Os pobresmais pobres, os ricosmais ricos. O problemada pobreza não tem aver com o crescimentodo PIB, mas com omodo como o rendimento é distri-buído.

A fome alastra entre nós. Osministros deviam deslocar-se até àsopa do Sidónio, em frente à igrejados Anjos, e indagar junto daquelascentenas de despossuídos da vida quese juntam ali, diariamente, em busca

Distribuição de riqueza

“Este não é o acordoque os trabalhadores de-sejavam, mas é o acordopossível”. Com estas pa-lavras, Aquilino Coelho,do Sindicato da Constru-ção e Madeiras do Sul,sintetizava a impotênciae o conformismo dos tra-balhadores da IFM/Pla-tex, de Tomar. Com a rea-lização da assembleia decredores em Setembro,terminava um longo pro-cesso de luta dos 200 tra-balhadores da Platex emdefesa dos seus postos detrabalho e pela viabiliza-ção da empresa. Salva doencerramento pela Investewood, tal fez-se sob chan-tagem, porque os credores (trabalhadores, Segu-rança Social, finanças, BES e BCP) ou aceitavamas condições desta empresa, que comprou a Platex,ou era o fim para os operários. O que para eles

Uma vitóriacom sabor amargo

significou o despedimento de quase metade (só105 foram integrados), o pagamento dos saláriosem atraso e um corte de 35% nas indemnizaçõesdevidas aos que não foram reintegrados. Os 105que ficaram tiveram de prescindir de três meses

IFM/PLATEX

Um trabalhador de 50 anos morreu,vítima de acidente de trabalho, na madrugadado dia 5 de Outubro, quando trabalhava nareparação de uma instalação da Petrogal emSines. É mais uma vítima da precariedadecontratual, do trabalho à hora em que tudose exige, pouco se paga, os trabalhadores nãotêm direitos e raramente constam das estatís-ticas.

O trabalho que efectuava era de carácterurgente, de curta duração e por isso obrigavaa várias horas de trabalho quase seguidas ecom pouco descanso. Era um operário sub-contratado de outra empresa a recibo verde,o que significa que quanto mais horas fizesse,mais ganhava e menos a empresa descontavapara a Segurança Social.

Este é mais um caso demonstrativo daexploração selvagem a que estão sujeitos osprecários, sujeitos a todas as arbitrariedadespatronais e das próprias chefias. Têm muitasvezes receio de reclamar melhores condiçõesde trabalho, mais segurança e inclusive de

recusar fazer determinados tra-balhos sem condições.

Na Petrogal neste momentoexistem milhares de trabalhadoresprecários, portugueses e estran-geiros, com contrato a termo e areceber à hora. Não gozam férias,não recebem subsídio de férias,de Natal, nem horas suplemen-tares. O salário é o mais baixopossível, para que o patronato pa-gue o mínimo para a SegurançaSocial; o restante vem no recibocomo ajuda de custo, quandoafinal não existe deslocação.

Outros estão a recibo verde,como seria o caso do trabalhadorfalecido. Chamam-lhes trabalha-dores por conta própria, mas nãotêm qualquer autonomia: cum-prem um horário de trabalho, asferramentas utilizadas são da em-presa e, no local de trabalho, estãosob ordens, direcção e autoridadede um responsável da empresa àqual foi adjudicado o trabalho eestá também sempre presente umquadro da Petrogal.

PETROGAL

Morrer atrabalhar

de um pão e de um caldo, a origemdos seus infortúnios. Assinalando oAno da Pobreza e da Exclusão, os“bravos” políticos dizem uma palavrascomovidas ou passam indiferentes,ou entregam uma moedinha e vão àvidinha. Os governantes malfeitoresestão a enfiar-nos numa camisa de

onze varas – mas não sabem prever aexplosão social que se aproxima…Almeida Garrett disse: “para haver”poucos ricos, tem que existir muitospobres. Mais contundente, JoséRodrigues Miguéis: “Por cada rico,têm de existir 100 pobres!”

VÍTOR COLAÇO SANTOS

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10 | SETEMBRO / OUTUBRO 2010

Uma investigação de Eva Golinger, do WshingtonPost, revela que Barak Obama aprovou a expansão daguerra secreta contra grupos radicais. Tais operações,a realizar em 75 países, vão envolver 13 mil militares ecivis, especialista em espionagem, guerra psicológica,treino, acções clandestinas e outras. A jornalista afirmaainda que o investigador Jerry Schaill descobriu queObama enviou grupos de elite das forças especiaisdenominadas Comando de Operações Especiais Con-juntas para o Irão, Geórgia, Ucrânia, Bolívia, Paraguai,Equador e Peru. E que um alto militar do Pentágonolhe terá confidenciado que Obama está a autorizarmuitas acções e estratégias que não foram autorizadasdurante o governo de Bush.

Não falta dinheiro para conspirar e financiar orga-nizações como La Torre, que há dois anos tentou der-rubar Evo Morales através de um “golpe cívico-comu-nal”, coordenado pelo embaixador Philip Goldberg,que viria a ser expulso.

Obama acaba de pedir um aumento de 5,7% doorçamento destinado a Operações Especiais para 2011.6.300 milhões de dólares, mais 3.500 adicionais paraoperações clandestinas de contingência. O que elevapara 872 mil milhões o orçamento de defesa, sendo 75mil milhões destinados a acções de espionagem.

Em 2009 Obama deu a conhecer a sua Doutrina deGuerra Irregular, a qual dá prioridade às acções deguerra “encobertas” e não convencionais. A subversãoe o uso de forças especiais em operações clandestinassão o principal meio de destabilização do adversário,a partir de dentro. Para realizar estas tarefas, agênciase ONG’s como a USAID - Agência para o Desenvolvi-mento Internacional dos EUA, a NED - Nacional En-dowment for Demoracy ou a Freedon House, servempara canalizar o financiamento dessas acções. A “socie-dade civil” e os movimentos sociais infiltram-se nopaíses onde os interesses imperialistas estão sob amea-ça – “já não temos de trabalhar a partir das embaixadasnem de nos coordenarmos com o Departamento deEstado. Podemos operar a partir de onde quisermos”,revelou uma fonte a Golinger.

(Adaptado de Resumen Latinoamericano, Jul./Ago.)

Obama pior que Bush

Uma enorme campanha dedesinformação acompanhou oanúncio da retirada norte-ame-ricana do Iraque. Estávamosperante mais uma vitória dosEUA e, em particular, de Oba-ma: a guerra baixou de intensi-dade e, supostamente, o Estadoiraquiano seria uma realidade,dotado de forças armadas e po-liciais capazes e eficientes, como parlamentarismo minimamen-te implantado. A resistência es-taria debilitada e a caminho daderrota. O único senão seria nãoterem conseguido deitar mão aBin Laden. Dos mais de 600 milmortos iraquianos vitimados pe-la invasão nem sequer se falou.Contaram mais as menos de 5mil baixas sofridas pelos norte--americanos por um Iraque“livre e democrático”.

No entanto, a realidade dosfactos é outra, como fizeramnotar algumas vozes menos de-dicadas à propaganda e mais aojornalismo a sério. Não houvequalquer retirada, mas umasimples reconversão do dispo-sitivo militar, em conformidadecom os objectivos estratégicosdefinidos há muito por Obama– centrar a luta contra o terro-rismo no Afeganistão e privi-legiar a guerra suja ou “enco-berta”, consubstanciada na suaDoutrina de Guerra Irregular (otexto publicado na rubrica PeloMundo é esclarecedora a esterespeito). No terreno ficamcerca de 60 mil homens, 40 mildeles tropas de elite, das me-lhores que os EUA dispõem,fortemente armadas com o maisavançado equipamento militarexistente. A única força aéreaexistente no Iraque não é outra que a norte--americana. O restante contingente é cons-tituído por espiões, gente das secretas, espe-cialistas em guerra suja, etc. A esta espéciede guarda pretoriana do regime, que tantoserve para o manter a salvo da resistênciacomo dentro dos limites que mais convêmaos interesses do império americano, háainda a juntar o enorme contingente demercenários, superior a 100 mil homens.

No plano político, ao contrário da ver-dade oficial, as últimas “eleições” foramum fracasso. Realizadas em Março e venci-das pelo candidato que não era apoiadopelos ocidentais, as facções ainda não conse-guiram chegar a qualquer acordo, pelo queo Iraque não tem governo há mais de meioano. O único resultado visível foi o de pro-vocar um recrudescimento da guerra, o au-mento da violência sectária e aguçar os ape-

Os EUA retiraramdo Iraque?

tites e as ingerências locais (Irão, sauditas,turcos, sírios, russos, israelitas, etc.), o queobriga os EUA a negociar com o arqui--inimigo Irão e pode conduzir a prazo aodesmembramento do Iraque entre sunitas,xiitas e curdos. Na realidade, o Curdistãoiraquiano já só formalmente é que ainda éparte do Iraque.

Há algo nesta “retirada” que faz lembrara do Vietname, em 1973. Também na altura,dados os custos políticos, económicos e hu-manos, os EUA anunciaram uma retirada ea vietnamização da guerra, deixando paratrás, como agora, milhares de “instrutores”e um governo fantoche, mas “democrático”.Dois anos depois, o regime sul vietnamitacolapsava e os norte-americanos retiravamà pressa, de forma desordenada, deixandopara trás aviões, blindados, helicópteros eos “protegidos” entregues ao seu destino.

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As conversações de paz entre Israel e a Autori-dade Palestiniana, forçadas pelos EUA, chegarama um impasse ainda antes de começarem, comoera previsível. Mais um tropeção para Obama – ajuntar aos insucessos no Afeganistão e no Iraque –que assim se vê perante acrescidas dificuldadespara a implementar a sua estratégia antiterroristae de “pacificação” do Médio Oriente, o que o im-pede de concentrar meios para cercar e submetero Irão, se necessário pela força.

Contratempo mais significativo se tivermosem conta que os Estados Unidos e Israel contaramcom a boa vontade sem paralelo do presidente pa-lestiniano Abu Mazen, disposto a mais uma vezreconhecer o Estado hebraico e a não levantarobstáculos à liquidação do governo palestiniano edo Hamas em nome da “segurança de Israel”. Ouseja, uma rendição sem condições. A troco de quê?Da promessa de um expansionismo menos agressivode Israel e da suspensão da construção de colona-tos. Quanto ao resto, continuaria a ocupação daPalestina, agora transformada e reconhecida comocolónia de Israel, a existência de um “Estado”palestiniano sem continuidade territorial, mura-do e desarmado. A sua defesa e segurança seriaassegurada pela potência colonial, tal como conti-nuaria condicionada aos caprichos sionistas acirculação entre as pulverizadas comunidades pales-tinianas que, lembremos, dependem totalmentede Israel no que respeita ao abastecimento de água,produtos industriais, alimentares, etc. O que signi-ficaria também a oficialização da existência de

pelo menos cinco Pales-tinas – Gaza, Cisjordâ-nia, a Palestina de 1948,Jerusalém Ocidental e ados refugiados.

Forçado a suspender asconversações, sob pena de cairno descrédito e tornar-se alvoda ira popular, o presidenteda Palestina está longe de seruma vítima das circunstâncias.Ao aceitar falar de paz com opresidente israelita, nas condi-ções que lhe foram impostaspor ele e pelos americanos,com ataques a decorrer emGaza e Jerusalém, deixou defora os representantes elei-tos pelo povo palestinianopara os governar, a popula-ção de Gaza e o Hammas. Omínimo que se pode dizer éque é uma traição aos sacri-fícios suportados pelo povoda Palestina que há 60 anosluta pelo direito à autodetermi-nação nacional. Este acto nãose deve a um só homem, mas a uma lógica desobrevivência da corrupta casta da burguesia pales-tiniana, fortemente ligada e dependente da econo-mia e dos negócios com Israel. Se se conseguementender nos negócios, porque razão não se podem

entender noutros assuntos?Abu Mazzem também sabia – como todos sabe-

mos, dado que os governantes israelitas não fazemsegredo disso – que a política de expansão doscolonatos é para continuar, porque ela é e sempre

foi a peça essencial do plano de colo-nização pelos sionistas. Israel só lheporá fim pela força.

Nada tem de novidade que Israeltenha decidido avançar com a cons-trução de novos colonatos, depois dea ter suspendido por uns meses e porpressão norte-americana, no precisomomento em que se iniciavam os pri-meiros encontros. Repetiu o que sem-pre tem feito. Obtida a cedência (eaqui era levar a Autoridade Palestinia-na a “negociar” a paz), logo fez tábuarasa das condições iniciais e avançoucom novas exigências – reconheci-mento prévio do Israel e não questio-namento da política de expansão doscolonatos.

Como Abu Mazzem é homem demão dos americanos, o mais provávelé que daqui a uns meses as conversa-ções sejam retomadas e em condiçõesainda mais gravosas. O que se perfilaé nova tragédia palestiniana, com aeclosão provável de uma guerra civil.A outra coisa não pode conduzir uma“paz” conseguida à custa da dignidadee da negação dos direitos dos palesti-nianos, da liquidação da OLP, das di-visões na base da Fatah, da fragmen-tação política das organizações pales-tinianas, do aprofundamento da sepa-ração entre as diferentes Palestinas,fazendo tábua rasa da implantaçãodo Hammas, do milhão e meio depalestinianos que vivem em Gaza edos milhões forçados a viver na emi-gração.

A paz de Washington

A PROPÓSITO DO CATIVEIRODO SOLDADO GILAD

Há dois dias li o seguinte no Twitter: “Passaram de-masiados dias e noites desde que Gilad Shait foi seques-trado pelo Hammas. 1501 dias de cativeiro está para alémdo incompreensível.”

Shalit é um soldado ocupante israelita cuja missãoera matar palestinianos. Não é um “cidadão sequestra-do”… se está para além do compreensível, que dizer de6.000 em cativeiro? Ou 9.000? E como chamariam a 11.817dias presos por um Estado terrorista?

Um sionista à civil ou fardado tem luz verde paradisparar e matar qualquer palestiniano que ele ‘pense/acredite/assuma/preveja/imagine’ ser uma ‘ameaça’ paraa potência nuclear que detém o quarto exército mais po-deroso do mundo, e tem a certeza de que jamais será de-tido, julgado ou encarcerado por isso.

Um palestiniano só precisa de ser palestiniano e es-tar na mesma rua, aldeia, cidade, região, continente, planetaou galáxia em que seja ‘atacado’ um sionista para ser deti-do, torturado e encarcerado por ‘atacar’ um sionista arma-do até aos dentes, mesmo sem qualquer prova disso.

Entre os mais de 7.200 presos palestinianos que estãoactualmente nas prisões israelitas:- 308 são “presos veteranos” – palestinianos presos antes

da assinatura do chamado acordo de paz entre a entidadesionista e a defunta OLP, em Maio de 1994;

- 118 são “decanos dos presos” – palestinianos encarcera-dos há mais de vinte anos;

- 21 são “generais da paciência” – palestinianos encarcera-dos há mais de vinte e cinco anos;

- 291 são crianças;

- 36 são mulheres;- 203 estão sob prisão administrativa.

(Adaptado de um artigo de Reham Alhelsi, Rebelion).

O NACIONALISMO GALEGO MARXISTAA génese do movimento nacional galego não é alheia

a todo esse movimento mundial de ruptura com as posi-ções conciliadoras soviéticas, com o conservadorismodos partidos comunistas tradicionais, de legitimização eutilização da violência revolucionária como instrumentoimprescindível para atingir o poder e destruir o modode produção capitalista, trazendo à luta uma nova geraçãomilitante com outros referenciais imediatos diferentesdos dos seus pais. Não podemos deixar de considerarque a acidentada fundação da UPG tem lugar poucassemanas depois da constituição das FARC nas montanhasda Colômbia, quando Che difundia por todo o planeta anecessidade de se confrontar o imperialismo por todosos meios. Mais que mera casualidade, o movimento pa-triótico galego de inspiração marxista é também fruto,ou pelo menos está influenciado pelas tendências interna-cionais em voga naquela conjuntura. Tanto o que sepassava em Paris, Havana, Moscovo e Pequim, a cisãosino-soviética como os debates e as novas orientações daesquerda latino-americana e caribenha não eram alheias aLuís Soto, no México, ou a Celso Emílio Ferreira, emCaracas. Hoje tão-pouco devem sê-lo, embora a culturahegemónica em boa parte do movimento patriótico in-compreensivelmente despreze o que acontece para ládas nossas fronteiras. (Carlos Morais, Voz Própria, 23).

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12 | SETEMBRO / OUTUBRO 2010

A América Latina registou em2009 um número impressionante daassassinatos, ameaças de morte, desa-parecidos e perseguições a trabalha-

Enfrentamos um ataque de grande envergadura.Responder-lhe é essencial. O governo Sarkozy-Pari-sot tem um objectivo preciso: aproveitar a criseeconómica mundial para reestruturar o capitalismofrancês, tornando-o mais competitivo. Depois dasdezenas de milhares de despedimentos em 2009, oataque dirige-se agora às reformas. E no entanto ariqueza existe, para salvar bancos ou fluir aos milhões,como no caso Bettancour. Mas se somos nós quecriamos a riqueza, é o capital quem dela se apropria…

Nas democraciasdo Tio Sam

Nas Fábricas de França

Recusamos ser destruídos psíquica ou intelec-tualmente pelo trabalho… queremos o fim destesmétodos de produção, do trabalho em cadeia, dotrabalho que nos imobiliza, do trabalho nocturnocom horários atípicos, stressante e polivalente, cro-nometrado, que nos desgastam o corpo e o cérebro,dia após dia.

(Passagens de uma declaração da VoieProlétatienne, Partisan, 241).

dores. Este clima de extrema violên-cia custou a vida a 89 sindicalistas eactivistas pelos direitos laborais, fa-zendo da América Latina a zona maismortífera do mundo.

No topo do ranking encontra-sea Colômbia do narco-para-presidenteUribe. Aí não só foram assassinados48 sindicalistas como existe um climaanti-sindical, que dura há vários anose parece ter-se enraizado.

No México persiste a estratégiaanti-sindical do governo. Quatromembros do sindicato nacional demineiros morreram durante uma gre-ve, enquanto noutros incidentes sepa-rados eram assassinados dois outrosdirigentes, um deles na presença dafamília.

No Brasil aumentaram os actosde violência contra os trabalhadoresagrícolas, tendo sido assassinados trêsdirigentes sindicais e um activista de-fensor dos trabalhadores rurais.

Nas Honduras foram assassina-dos pelo menos 12 sindicalistas e 125presos durante o golpe de Estado. Ospatrões recorrem a todo o tipo deintimidação – despedimentos, perse-guições e listas negras.

(Contramarcha, Agosto/Setembro)

Uma coluna de ajuda humanitária cons-tituída por 140 veículos e mais de 300apoiantes da causa palestiniana chegou aGaza no dia 21 de Outubro depois de atra-vessar a Europa e parte do Médio Oriente.Organizada pelo ex-deputado britânicoGeorges Galloway, que já havia organizadouma outra coluna de ajuda humanitária aGaza e foi por isso declarado “persona nongrata” e impedido de prosseguir viagem pelasautoridades egípcias, a coluna entrou naqueleterritório palestiniano pela fronteira de Ra-fah. Foram calorosamente recebidos pelapopulação de Gaza e por responsáveis doHammas, com bandeiras palestinianas e dospaíses que participaram na expedição.

Criada com o apoio da Câmara dos Co-muns de Londres, em 12 de Setembro, acoluna de ajuda humanitária passou porFrança, Itália, Grécia, Turquia e Síria, tendochegado por mar ao Egipto, cujo governofez questão de “excluir qualquer responsabi-lidade com a coluna de George Galloway”.

Durante a travessia foi prestada umahomenagem aos nove turcos assassinadospela marinha israelita no assalto ao navioMavi Marmara, em 31 de Maio, que coman-dava a frota humanitária que pretendiaromper o bloqueio de Israel a Gaza.

Ajudahumanitáriachega a Gaza

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SETEMBRO / OUTUBRO 2010 | 13

Os pneus ardendo nas estradasde Maputo e Matola não obrigaramapenas a parar o trânsito daquelascidades. Paradoxalmente, esse blo-queio à normalidade abriu acesso aoutras estradas que pareciam blo-queadas em todo o país. Os motinsobrigaram a repensarmo-nos comopaís, como entidade que não podeser dirigida por um pensamento único.As manifestações tornaram visívelum outro Moçambique que pareciaesquecido e longe dessa “pátria ama-da” tornada em chavão oficial. Noauge da crise, a Frelimo retomou oseu velho método de contacto di-recto com as bases. Brigadas “saíram”para os bairros e regressaram alarma-das. O sentimento que encontraramnas bases estava distante dos relató-rios oficiais que, à força de serem re-petidos, pareciam ser a verdade únicae total.

 Afinal, a zanga não era apenas ados que saíram à rua. Os distúrbioseram a expressão desordenada de umainsatisfação bem mais generalizada eprofunda. Não era obra dos “inimi-gos”. Se calhar, era obra dos que pa-recem militar nas próprias fileiras.Dos que assumem que fazer política

As outras nações de Moçambique?Aqui está um retrato da relação entre classes, com a burguesiamoçambicana alheada e de costas voltadas para o povo,embora não partilhemos da esperança de uma refundação daFrelimo como partido popular que já foi.

é levar e trazer relatórios falseadospara agradar aos chefes. A insatisfaçãodos mais pobres não tinha apenas aver com preços de produtos. Essa re-volta não era, afinal, apenas dos quevivem na pobreza absoluta. Outraspobrezas fizeram fumo no primeirode Setembro.

 A dimensão desse sentimentopopular foi vital para ditar o volte--face do Governo. Medidas que 48horas antes haviam sido tidas como“irreversíveis” pelo porta-voz doConselho de Ministros foram, afinal,revogadas. De forma pouco habitual,o poder vinha dizer que uma partedo problema estava também dentroda própria governação. Esta aceitaçãoda necessidade de uma nova ética narelação com os outros é talvez maisimportante que as anunciadas medidaseconómicas. Ao assumir publicamen-te que devem dar o exemplo no aper-tar do cinto, os dirigentes da Frelimotornam-se mais próximos dessa van-guarda moral que, antes nos ensinouque o “responsável político é o pri-meiro no sacrifício e o último nosprivilégios”.

 Os eventos de Setembro podemindiciar que a Frelimo pretende

reaproximar da própria Frelimo.Chama-se o que se quiser ao volteface que o Conselho de Ministros.Eu acho que essa mudança foi cora-josa, vital e indiciadora de outras mu-danças. Essa mudança pode salvartodas as nações da nação moçambi-cana. E pode salvar a própria Frelimocomo força condutora dos destinosde uma pátria que é a única que, nós,moçambicanos temos.

Este acordar para uma realidadenão tocou apenas os dirigentes departidos. No dia dos tumultos, muitoscidadãos de Maputo foram sacudidospela surpresa. Morando em bairrosricos, esses cidadãos há muito queconfundiam a nação com a reduzidageografia da cidade por onde circu-lam. O lugar dos pobres era, para eles,um cenário longínquo, uma fachadaapenas visível da janela das viaturascom que, apressadamente, atravessamas chamadas “periferias”. Aos poucos,a nação destes compatriotas se resu-miu ao circuito das grandes avenidase dos quarteirões privilegiados do ci-mento. É fácil amar uma pátria assim:mais ou menos limpa, mais ou menosservida, mais ou menos cosmopolita.Para os cidadãos “deste” Moçambi-que, os motins surgiram como umaespécie de invasão. Os desordeiros es-tavam avançando sobre a sua “na-ção”. Xilunguíne estava sendo amea-çada pelos bárbaros suburbanos.

 De repente, os habitantes da

nação cimentada acordaram para aexistência de uma outra nação maior.De súbito, lembraram-se que haviauma outra cidade fora da cidade, quehavia uma pobreza que não moravaapenas nos “distritos”.

 O fumo dos pneus teve o efeitoinverso do que se poderia prever: cla-reou céus e rasgou horizontes. Os po-bres deixaram de ser apenas assuntodos workshops. Os pobres saltaram dosseminários em luxuosos hotéis para arealidade do dia-a-dia. Os pobres po-dem fazer parar o país dos outros.Mesmo que para isso acabem ficandomais pobres. Para quem tem pouco“amanhã” esse esbanjar de futurovalia a pena.

Neste sentido, no dia primeiro deSetembro Moçambique deu umacambalhota. Dito de outro modo, apercepção que um certo Moçambi-que tem de si mesmo foi colocada depernas para o ar. A periferia virou ocentro. A pobreza falou por si mesma,com seus recursos pobres, com a suaesperança empobrecida. As cicatrizesdos pneus em chamas não sobrevi-verá nas estradas da capital.

 Espero que as lições desse trans-bordar sobrevivam dentro de nóscomo um alerta que algo precisamudar nas duas nações.

MIA COUTO

(O País online, 19/9)

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14 | SETEMBRO / OUTUBRO 2010

EM DEBATE,UFSC, Brasil.

Está de volta a revista Em Debatedo Departamento de Sociologia eCiência Política da Universidade Fe-deral de Santa Catarina (UFSC), quedivulga os resultados de pesquisas de-senvolvidas no Laboratório de Socio-logia do Trabalho (LASTRO) daquelaacademia.

Agora – com objectivos redefini-dos e ampliados, exclusivamente emformato electrónico e periodicidadesemestral – retorna com um perfilmultidisciplinar, aberta a pesquisado-res(as) de temáticas para além do es-trito campo da sociologia do trabalho.Pretende reunir artigos, ensaios, rese-nhas, traduções, capítulos de relató-rios de pesquisas, dentre outros traba-lhos elaborados por estudantes de gra-duação e pós-graduação, funcionáriospesquisadores, pesquisadores inde-pendentes e professores.

Os artigos que nos parecerammais interessantes neste número:

“História contemporânea e crisecapitalista” de Pablo Rieznik, que dis-cute as crises capitalistas, inclusive arecente, como um aspecto dos limitesinsuperáveis do capital e uma mani-festação de uma etapa específica doseu declínio histórico. A análise recor-re neste caso ao panorama das grandescrises, desde a Grande Depressão, atéà presente crise mundial em curso e àluz do contexto social mais geral daépoca.

“A Revolução Russa de 1905 eos Conselhos Operários” de NildoViana. Uma análise do significado his-

definindo-o como “de direita”, noamigo B. Bastos, no major Tomé, emBush – “o louco e o assassino genocidaque desencadeou a guerra no Iraque”,a classe política e Cavaco. No futeboldos milhões representados no “spe-cial one” Mourinho.

O autor de Maria de Nazaré, seuterceiro livro (Afrontamento, 1972)numa lista longa, encontra (só) a so-lução jesuânica para todos os malesda (dita) civilização. Não reconheceos partidos nem a política como sendocapazes de libertar de toda a explora-ção e opressão que os de cima (bur-guesia) exercem sobre os “de baixo”.Ora a solução jesuânica é (e será) umcomplemento, não a chave da resolu-ção do enorme quebra-cabeças que éo actual capitalismo de casino ou osparaísos fiscais, cancro maligno emfase terminal.

O livro do homem livre Máriode Oliveira recomenda-se tambémpor outro conjunto de situações quenão cabem neste breve comentário.A ler, pois claro!

Apostila: “A crise, em Portugal,é uma crise de cultura e uma criseética. Toda esta situação advém domedo (!), vivemos com o medo àscavalitas … - B. Bastos, no DN.

Precisamos de mulheres e homenscom rebeldia, inquietação e brilho.Com esperança. O presbítero Máriode Oliveira também dá esperança.

Vítor Colaço Santos

série de imprecisões, meias verdadese omissões que alguns protagonistaslhe apontam. Os dados que apresentanem sempre coincidem com outrasversões que antes circularam, como ade Felícia Cabrita (ela própria reco-nheceu a mistificação de algumas de-las), do MPLA (profundamente sec-tária e politizada) e do PCP (possivel-mente envolvido mas depressa dis-tanciando-se friamente de qualquerconexão que o comprometesse juntodo MPLA).

Claro que são os comunistas por-tugueses que ficam mais mal vistos,por terem deixado “cair” alguém quelhes estivera muito próximo e que me-receria mais consideração. Mas conti-nua por se saber e nem ao de leve éaflorado, como se não contasse, o papeldas outras forças externas que naqueletempo se ingeriam de todas as maneirasnos assuntos angolanos (Cuba, Esta-dos Unidos, França e toda uma chus-ma de espiões que pululavam em Luan-da). Ainda vai ser preciso investigarbastante mais para sabermos toda averdade.

JOSÉ SARAMAGO(1922 – 2010)

O Nobel da Literatura de 1998disse um dia: “Não invento nada, souapenas alguém que se limita a levantara pedra e pôr à vista o que está porbaixo. Não é minha culpa se de vezem quando me saem monstros”.

Amado ou odiado, José de SousaSaramago foi um indisciplinado dealmas, um inquietador, um não-con-sensual, irreverente e lutador.

Em Novembro deste ano Sara-mago assinalaria mais um aniversário.O octogésimo oitavo. Não está cá parao fruir. Faleceu. Há precisamente um

tórico da Revolução Russa de 1905 ea emergência dos conselhos operários(sovietes), que aborda tanto as formasorganizativas como as abordagensteóricas que as precederam. Para tan-to, apresenta o contexto social daRússia e o dilema da revolução bur-guesa neste país de capitalismo retar-datário, a emergência dos conselhosoperários e a teoria elaborada posteri-ormente na Rússia sobre o seu signifi-cado histórico.

“Trabalho e acção: o debate entreBakunine e Marx e sua contribuiçãopara uma sociologia crítica contem-porânea” de Andrey Cordeiro Ferrei-ra. O artigo desenvolve uma reflexãosobre a confrontação política e teóri-ca entre Bakunine e Marx, focandoas suas diferentes concepções de tra-balho e revolução. Considera que osestudos de sociologia do trabalho par-tem de um universo de problemaseconómico-filosóficos que têm clarose importantes efeitos políticos e queas diferenças na interpretação da natu-reza (económica, ideológica) do pro-letariado e do papel a ser desempe-nhado pelo campesinato derivavam dediferentes conceptualizações de tra-balho. Ao retomar o debate clássicoentre Karl Marx, que colocava a cen-tralidade no desenvolvimento econó-mico que geraria a classe revolucioná-ria (o proletariado industrial) e Mi-khail Bakunine, que enfatizava a von-tade (liberdade) e acção como factoresdeterminantes do processo revolu-cionário e entendia que somente aaliança operário-camponesa poderialevar à liquidação do capitalismo, pro-cura-se demonstrar que tais diferençasinfluenciaram o curso da história eos debates do movimento operário esocialista internacional, além de teremsido fundamentais para a história dasteorias sociais e para a formação daclasse trabalhadora em todo o mundo.No final discute-se como certos pres-supostos fundamentais (definição detrabalho, definição de classes sociaise concepção de história) podem serdeterminantes para uma sociologiacrítica do trabalho nos dias de hoje.

NOVO LIVRODO APOCALIPSE

OU DA REVELAÇÃO, Pe. Máriode Oliveira, Areias Vivas.

“ Deus disse: do que eu gosto éde política, não de religião”, títulode um livro do mesmo autor, ediçãoCampo das Letras, 2004. O cidadãoMário de Oliveira (MO) é um homemlivre. Conhecemo-lo. Não se vende,nem vende a sua liberdade por ne-nhum preço. Lembra Leonardo Boff,brasileiro, teólogo da libertação queacabou excomungado (a excomunhãoé uma pena eclesiástica que separa dogrémio católico quem a sofre). MO“merecia” ser excomungado, mas porcausa da sua intensa actividade nascomunidades de base, as suas mensa-gens e os livros que publicou, issoteria um impacto e mal-estar não con-troláveis, pelo que a hierarquia cató-lica antes o quer “saurado”. Exco-mungá-lo dar-lhe-ia o dobro da visibi-lidade.

O Novo Livro do Apocalipse ou daRevelação está bem escrito. É um ma-nancial de corajosa, luminosa e desas-sombrada denúncia contra o(s) po-der(es) instituído(s). Sem apelo nemagravo! Diz: “Bispos de Portugal…mudai de fé e de deus”! De BentoXVI: “É o grande desastre. Espéciede Inverno na Igreja. Continuação deJoão Paulo II, para pior.” Sobre Fáti-ma: “Não encontramos nenhum teó-logo convicto que defenda Fátima… é absolutamente impossível haver(ter havido) aparições … uma mentiraas aparições de 1917”.

Neste livro denso mas com in-teresse, MO, presbítero do Porto semofício pastoral (sem igreja atribuída,pudera!) desanca em quase tudo oque mexe: em Frei Bento Domin-gues, em toda a hierarquia católica,em D. António Ferreira Gomes (quemdiria?) pelo seu silêncio no momentoda segunda prisão de MO pela PIDEpor causa da forma genuína de pregare viver o Evangelho, em Saramago,

SITA VALLES.REVOLUCIONÁRIA,

COMUNISTA ATÉ À MORTE(1951-1977),

Leonor Figueiredo,Aletheia Editora, 2010.

Por estranho que pareça, este li-vro encomendado e patrocinado pelaeditora de Zita Seabra até parece seruma obra fidedigna. A jornalista suaautora recolheu uma quantidade apre-ciável de factos, depoimentos, teste-munhos, documentos, cartas, etc. econfeccionou uma biografia bastantecredível e isenta, se esquecermos uma

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SETEMBRO / OUTUBRO 2010 | 15

A “relação especial” entre os Estados Unidos e o Reino Unidocausou, nestes últimos doze anos, a morte de milhares de pes-soas no Iraque, no Afeganistão e na Sérvia — tudo isso a bem da“cruzada moral” americana e britânica, destinada a instaurar a“paz e estabilidade no mundo”. Harold Pinter, 2002

Aos emudecidosOh, a loucura da grande Cidade, quando à noitejunto ao muro negro aleijadas árvores se erguem boquiabertas,e por uma máscara de prata o Espírito do Mal se ri;a luz com flagelo magnético a pétrea noite expulsa.Oh, o submerso dobrar dos sinos pelo anoitecer.

Prostituta, que em convulsões de gelo pares uma criançamorta.

A ira de Deus chicoteia a fronte do homem possesso,purpúrea pestilência, fome, verdes olhos quebra,Oh, o horrendo riso do ouro.

Mas quieta na caverna escura uma humanidade mais silentesangra,

Forja no duro metal a redentora cabeça.

Georg Trakl (1887/1914)

Nascido em Salzburgo,Áustria, é considerado umdos grandes poetas da línguaalemã, para muitos superiora Rilke. A sua poesia,influenciada pelo simbolismo,é atravessada por umsentimento existencial e desolidão. Mobilizado paraa I Guerra Mundial, prestaserviço na frente oriental nasenfermarias. Após a batalhade Grodek, é deixado emcondições terríveis, com aresponsabilidade de cerca deuma centenas de feridosgraves, e quase enlouquece.Internado num hospital deCracóvia, suicida-se.

11 Out. a 10 Nov. – Ciclo de debatesPrivado, Público e Comum, orga-nizada pela UNIPop, às 18,30 horas,no Teatro Maria Matos:11 Out. - O que é Comum?, comMichael Hardt e a UNIPop;13 Out. - Economia, Comunismoe Pirataria, com José Maria CastroCaldas e Miguel Serras Pereira;20 Out. - Cidades, Centros Comer-ciais e Praças Públicas, com JoãoPedro Nunes, Manuel Graça Dias eMiguel Silva Graça;27 Out. - Médias, Propriedade eLiberdade, com Daniel Oliveira,Nuno Ramos de Almeida e Rui Pe-reira;3 Nov. - Medicina, Ciência e Sabe-res, com António Fernando Cascais eIsabel do Carmo;10 Nov. - Escola, Ordem e Eman-cipação, com António Avelãs e JorgeRamos do Ó.

A Batalha, 240, LisboaAbrente, 57, CompostelaChallenge, v. 42/20, Brooklyn,Nova IorqueContramarcha, 52, MadridDans le monde une classe en lutte,Jul., ParisÊxodo, 104, MadridFraternizar, 179, S. Pedro da CovaLutte de classe, 129, ParisLutte ouvrière, 2200, ParisMonthly Review, Set., Nova IorqueNous ne revendiquons rien, Maio,MarselhaO militante socialista, 84, LisboaOctubre, 38, MadridPartisan, 240, ParisPerspectivas, Jul./Dez.09, S. PauloResumen Latinoamericano, 109,Donóstia/San SebastianSimón Bolívar, libertador denaçons, criador de Pátria Grande,AGRAB, GalizaThéorie communiste , 23, LesVignères, MarselhaVoz Própria, 23, Compostela

25 Outubro – Às 14,30 horas, noJardim de Inverno do Teatro S. Luís,Edições Dinossauro apresentam olivro de Cândido Ferreira, comas peças de teatro “O Segredo deConceição”, “Paris de Fora” e “S. Tomás da Ermida”. Na apresen-tação, diversos actores lerão cenas daspeças.

17 Novembro – Protesto nacionalde estudantes contra as condiçõesde atribuição das bolsas de estudo,convocado pela academia de Coim-bra, em Lisboa

20 Novembro – Às 15 horas, no Mar-quês de Pombal, manifestação con-tra a Cimeira da NATO promo-vida pela plataforma Paz Sim! NATOnão!

24 Novembro – Greve Geral Na-cional contra as medidas de auste-ridade contidas no Orçamento deEstado para o próximo ano, convo-cada pela CGTP e UGT.

já terão, antes de 31/12/2009, passado os patacos (património mobiliário)para outros titulares ou património imobiliário, a exemplo do que fez osenhor Carlos Cruz, quando foi avisado de que ia ser condenado a largaravultadas indemnizações às vítimas da Casa Pia.Entrementes, dois milhões de beneficiários (gente essa sim, explorada),mais de metade deles analfabetos e/ou info-excluídos, no limiar da pobrezae mesmo da fome, literalmente aterrorizados com a complexidade da provae com a iminência de perder os magros apoios estatais, arrastam os seusdias fazendo desde madrugada filas intermináveis à porta das delegaçõesda SS para obter informações.No caso dos desempregados, os que mesmo assim conseguirem transpormais esta odiosa barreira lá continuarão a marchar quinzenalmente paraas apresentações periódicas.Mas estes, são os dos trocados... E os outros, os dos milhões, perguntarãoos mais distraídos? E os maiores dos grandes, as grandes fortunas, offshores,banca, seguradoras, administradores e altos quadros?Vamos deixar de ser tolos: obviamente que a esses ninguém lhes toca,ninguém lhes impõe o levantamento do sigilo bancário que, no fim do talformulário, nos obrigam a assinar. Porquê? Porque não há “ninguém” porcima deles. São eles o topo, os donos, os verdadeiros amos deste sistemacapitalista rapace. E das nossas humildes vidas. Até quando?

PJA (professor recém-profissionalizado, desempregado) – Mercês

(continuação da pág.2)

ano, escrevia contra o desemprego:“O crime contra a humanidade é tam-bém o que os poderes financeiros eeconómicos, com a cumplicidade efec-tiva ou táctica dos governos, friamen-te perpetram contra milhões de pes-soas em todo o mundo, ameaçadas deperder o que lhes resta, a sua casa e assuas poupanças, depois de terem per-dido a única e tantas vezes escassafonte de rendimento, quer dizer, oseu trabalho”.

A direita portuguesa nem no mo-mento da morte de Saramago lhe reco-nheceu o que lhe é devido. Houvemesmo quem, com o rancor dos nulos,o atacasse de várias maneiras, comose as ideias diferentes tivessem de sercondenadas à Inquisição ou ao fogodo inferno. O ódio da direita à culturae, sobretudo, à liberdade (Saramagonão pedia licença às palavras) maisuma vez comprovado. A igreja “infi-nitamente piedosa” , como gosta dese auto-elogiar, também não perdeua oportunidade de lançar Saramago,depois de morto, às chamas do diabo.A direita e a igreja afinal são frente ereverso da mesma moeda.

Os factos são incontornáveis:não perceber que o laureado autor deLevantado do chão colocou, entre ou-tras coisas, a língua portuguesa nomundo é talvez, também, não ter lidoo Ensaio sobre a cegueira…

Vítor Colaço Santos

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Os resultados da jornada de luita convocada ontem a escalaestatal devem ser avaliados como positivos. A greve geral tivo umhaadesom na Galiza superior a todas as previsons mais optimistas.Embora o seguimento tenha sido desigual por sectores e comarcas,o determinante foi o elevado nível de apoio na indústria, construçome transporte. A greve foi maciça em Vigo, Ferrol, Corunha e Compos-tela, e em menor medida em Ourense, Lugo, Vila Garcia e Ponfer-rada. Largas dezenas de milhares de trabalhadoras e trabalhadoresparticipárom nas manifestaçons convocadas polas diferentes cen-trais sindicais.

A reforma laboral empreendida polo governo do PSOE antesdo Verao, que basicamente facilita ainda mais o despedimento euniversaliza o contrato precário, junto ao posterior anúncio doatraso da idade da reforma, forçárom as corruptas cúpulas sindicaisa convocar umha greve geral coincidindo com a jornada de mobili-zaçom europeia promovida pola CES. O nível de descrédito, portantas traiçons, práticas entreguistas e políticas pactistas tem atingi-do tal grau que era necessário mudar qualquer cousa para que todocontinuasse na mesma. No entanto, a anunciada reforma da seguran-ça social e os ataques ao modelo de sindicalismo pactuado na Transi-çom entre a burguesia e o reformismo provocárom que as duasprincipais centrais sindicais espanholas, CCOO e UGT, se vissemforçadas a implicar-se a fundo no sucesso da greve, para evitaremperder os enormes privilégios da sua casta burocrática e assegura-rem o cumprimento dos Pactos da Moncloa de 1977.

Os seus líderes e o conjunto do mastondôntico aparelho burocrá-tico optárom por desculpar as políticas neoliberais e contrárias àclasse operária que, com diversos ritmos, tem aplicado Zapaterodesde 2003 até a actualidade, passando a solicitar a sua rectificaçom,sem questionar o modelo capitalista.

No caso da Galiza, a CIG, principal sindical nacional e declasse, careceu de vontade e coragem para encabeçar a respostaobreira aos ataques do Capital. A burocratizaçom de umha direc-çom hipotecada polos seus vínculos e compromissos com o regiona-lismo provocou que, diferentemente das etapas precedentes, quan-do tinha convocado em solitário greves gerais, nesta ocasiom foi areboque do sindicalismo amarelo espanhol.

Este adverso e desalentador panorama nom impediu que a res-posta obreira e popular ultrapassasse todos os cálculos. A classetrabalhadora galega optou por aderir à greve e ocupar as ruas para

A Greve Geral de 29 de Setembro é insuficientemanifestar colectivamente o que até agora nom passava de ser umhaoposiçom individual e maioritariamente silenciosa.

O 29 de Setembro foi um grito colectivo para transmitir aogoverno espanhol o enorme mal-estar polo desemprego e a preca-riedade laboral, a preocupaçom e ansiedade polo negro futuro quenos prometem, a oposiçom aos cada vez mais visívies cortes dedireitos laborais e a progressiva regressom no poder aquisito. Mastambém foi umha mensagem inequívoca aos sindicatos de que énecessário luitar para evitar mais retrocessos e derrotas. O sinallançado pola classe obreira ainda é tímido, mas é claro. Basta depactos, de tanta negociaçom, de apoios a governos de “esquerda”que aplicam idênticas políticas que os de direita porque estaspráticas só tenhem conduzido a empobrecer amplas camadas popu-lares e condenar a juventude e pensionistas a um futuro de miséria.

Só estám a ser dados os primeiros passos, som ainda insufi-cientes, modestos, contraditórios, mas cada vez é mais constatável,a recuperaçom da rebeldia e ruptura com o pactismo entre inexpe-rientes núcleos juvenis e sectores veteranos desencantados comtantos anos perdidos em práticas conciliadoras.

As dúzias de sabotagens e ataques a autocarros, sedes do PSOE,bancos, grandes empresas, barricadas em vias de comunicaçom,queimas de contentores, confrontos com as burocracias nos pique-tes, que acompanhárom a greve, som reflexo destes sintomas.

As condiçons do presente e o aprofundamento da crise sistémicado capitalismo vai inexoravelmente obrigar a que do seio do proleta-riado se consolide umha linha combativa e assemblear que, pratican-do a luita obreira com visom global, dote o conjunto da classe deumha direcçom revolucionária capaz de se despreender da resigna-çom e assumir que só mediante a tomada do poder se poderá evitaro incremento da sobre-exploraçom e corte de direitos e liberdades.

Chegou pois o momento de avançar com decisom nesta direcçom.E isto só é possível coincidindo na luita para a radicalizar e estender.

O sindicalismo revolucionário tem que preparar umha novaresposta para tombar a reforma laboral, descartar qualquer modifi-caçom na idade de jubilaçom e impossibilitar mudanças na segu-rança social. O governo PSOE está extremamente enfraquecido. Aresposta de ontem nom chegou. É necessário convocar antes definalizar Outubro umha nova greve geral.

Galiza, 30 de Setembro de 2010CARLOS MORAIS

Em finais de Agosto, na mesma altura em quese anunciava a promulgação pelo presidente Cava-co Silva de mais um pacote de combate à corrup-ção, o Banco de Portugal divulgava números sobrea fuga de capitais da economia portuguesa para osoffshores – 1,2 mil milhões de euros nos primeirosseis meses do ano, mais 471 milhões relativamenteao período homólogo de 2009.

Sobre o novo pacote (resultado das propostasamalgamadas dos partidos parlamentares) poucohá a dizer e, como os anteriores, de pouco servirá(não é esclarecedor que passados dois já ninguémse lembre dele?). É certo que se anuncia um maiorrigor legal sobre os detentores de cargos políticose na administração pública e a redução das situa-ções contempladas pelo sigilo bancário. Simples-mente nada disto é para levar a sério, pela simplesrazão de que os cíclicos anúncios de combate àgrande corrupção se têm revelado ineficazes devi-do à falta de vontade política de quem nos temgovernado em afrontar os interesses instalados.Não é segredo que a multiplicação de leis, decretose portarias, sem qualquer coerência e contraditó-rios, criaram propositadamente um tal emaranhadolegal que alimenta às mil maravilhas a impunidade

Vai acabar a corrupção?

dos ricos e poderosos. Não é por falta de leis quea justiça portuguesa não funciona, ou só funcionapara os pobres. Ao contrário, é a proliferação emultiplicação de leis e mais leis que a paralisa eesvazia. Como há um século, nos tempos finais damonarquia, hoje cada um dispõe da justiça ouimpunidade que pode comprar.

O nosso regime, assente num capitalismo atra-sado e parasitário, não sobreviria se, em nome damoral e da transparência, se começasse a levantarentraves ao livre jogo dos subornos, tráfico deinfluências e lavagem de dinheiro. É a corrupçãoque dá vida à economia portuguesa, fazendo fluir

os negócios e o dinheiro. A corrupção é a formaencontrada pelo grande capital nacional para con-tornar as leis tacanhas e o “peso do Estado” queabafam a livre iniciativa dos empreendedores. Porisso ela é incontrolável.

Daí que a fuga de capitais do sector produtivo(seja pela forma legal registada pelo Banco de Por-tugal, seja através da economia paralela que, segun-do os dados disponíveis, corresponde a mais de20% da economia portuguesa) para o especulativoseja uma realidade imparável. Esgrimir contra estarealidade sem pôr em causa o sistema que a gera,fazendo fé na renovada utopia de que o capitalis-mo é regulável, de que há um capitalismo bom eético, capaz de criar riqueza e bem-estar, e umoutro maléfico e parasitário, que vive da especula-ção financeira e de costas voltadas para a satisfa-ção das necessidades da humanidade, como o fa-zem o BE e PCP só nos pode conduzir a nova erenovada miséria material e ideológica.

Hoje, mais que nunca, se sente a falta de umprograma político e ideológico que diferencie, iden-tifique e isole os interesses da classe proletáriados das restantes classes.

ANTÓNIO BARATA