Contrae Livro Site Sdh

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    1/198

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    2/198

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    3/198

    Dilma RousseffPresidenta da Repblica

    Maria do Rosrio NunesMinistra de Estado Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica

    Patrcia BarcelosSecretria-Executiva da Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica

    Gabriel dos Santos RochaSecretrio Nacional de Promoo e Defesa dos Direitos Humanos da Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica

    Jos Armando Fraga Diniz GuerraCoordenador-Geral da Comisso Nacional para a Erradicao do Trabalho Escravo Conatrae

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    4/198

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    5/198

    SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOSPRESIDNCIA DA REPBLICASetor Comercial Sul B, quadra 9, Lote CEdifcio Parque Corporate, Torre A,10 andarCEP: 70308-200 Braslia, DFTel. (61) 2025-7908 / [email protected]

    APOIO

    Organizao dos Estados Ibero-americanos para a Educao, a Cincia e a Cultura OEIEscritrio Regional da OEI em BrasliaSHS Quadra 06, Conjunto A, Bloco C, Ed.Brasil 21, sala 919CEP 70316-109 Braslia DF

    Impresso no Brasil

    DISTRIBUIO GRATUITA

    5.000 exemplares

    Braslia, 2013

    Secretaria de Direitos Humanos, 2013Permitida a reproduo sem fins lucrativos, parcial ou total, por qualquer meio, desde que citada a fonte e o stio da Internet onde pode ser encontrado o original (www.sdh.gov.br).

    Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica. Braslia: SDH, 2013.10 anos de Conatrae: Conatrae 2013

    197 p. il.

    1. 10 anos de Conatrae. Trabalho escravo e escravido contempornea. Ttulo

    CDD: 341344

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    6/198

    EXPEDIENTE DA PUBLICAO

    Equipe editorialJos Armando Fraga Diniz Guerra Conatrae/SDHLeonardo Sakamoto ONG Reprter Brasil

    Xavier Plassat Comisso Pastoral da TerraPesquisa e textoCarolina Falco Motoki

    Pesquisa de imagemAndr Boselli

    Imagem capaSrgio Carvalho

    Projeto grficoEditorar Multimdia

    DiagramaoEditorar Multimdia

    ImagensAcervo da Cmara dos DeputadosAgncia BrasilAssessoria de imprensa do Ministrio do Trabalho e EmpregoAssociao Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT)Centro de Documentao e Memria Sindical da CUTComisso Pastoral da TerraDiviso para Erradicao do Trabalho Escravo do Ministrio do Trabalho e EmpregoIber ThenrioJoo Roberto Ripper (Imagens Humanas)Joo ZinclarLeonardo Sakamoto

    Organizao Internacional do Trabalho (OIT)Renato AlvesReprter BrasilSrgio CarvalhoSindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho (Sinait)Verena Glass

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    7/198

    APRESENTAOSubmeter trabalhadoras e trabalhadores a condies de trabalho anlogas a escravido uma grave violao de Direitos

    Humanos e, como tal, representa uma afronta ao Estado Democrtico de Direito. O Estado brasileiro, diante do fato de que esta

    prtica inaceitvel ainda ocorre tanto no interior quanto nas grandes cidades, assumiu a erradicao e a represso prtica do

    trabalho escravo como uma de suas prioridades.

    Nos ltimos anos, o Brasil fez expressivos avanos no combate a esta prtica justamente por ter um olhar sobre a questo

    com base na violao de direitos. O trabalho decente um direito a ser preservado e assegurado. Com o reconhecimento da

    comunidade internacional, o Governo Federal trabalha com determinao para manuteno de uma economia forte e garantia de

    emprego digno para todas e todos. Porm, mais que tudo, quer assegurar que estes postos de trabalho sejam disponibilizados da

    forma adequada nossa legislao e sem que se admita qualquer discriminao s pessoas por suas caractersticas individuais.

    Neste sentido, a criao da Comisso Nacional para a Erradicao do Trabalho Escravo CONATRAE um marco histrico para o

    Pas. Coordenado pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica, o rgo completou 10 anos em julho de 2013.

    Reconhecemos que muitos obstculos ainda precisam ser transpostos para que se possa garantir o cumprimento de todas as

    metas do Plano Nacional para a Erradicao do Trabalho Escravo, que se encontra em sua segunda verso. Todavia, nos ltimos

    anos foram criados importantes mecanismos de combate ao trabalho escravo como, por exemplo, o Cadastro de Empregadores

    que tenham submetido trabalhadores a condies anlogas de escravo, mais conhecido como Lista Suja. Ao lado das

    operaes de campo coordenadas pelo Grupo Especial de Fiscalizao Mvel, a lista um valioso instrumento com o qual oEstado brasileiro pode contar na luta contra o trabalho escravo.

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    8/198

    Temos nos dedicado ao debate pblico sobre a importncia da aprovao do Projeto de Emenda Constitucional (PEC 57-A/99,

    Senado Federal), que prev a expropriao de propriedades nas quais sejam identificados trabalhadores em condies anlogas

    escravido. O Projeto foi aprovado na Cmara dos Deputados em 2012 e agora se encontra sob apreciao do Senado Federal.

    Trata-se de mais um instrumento decisivo para erradicar essa violao aos Direitos Humanos.

    Alm disso, destacamos a articulao empresarial em torno do Pacto Nacional pela Erradicao do Trabalho Escravo, cujos

    signatrios se comprometem a no adquirir qualquer produto cuja produo incorpore trabalho escravo em sua cadeia produtiva.

    Da mesma forma, ressaltamos a importncia da criao de Comisses Estaduais para a Erradicao do Trabalho Escravo

    em diversos estados brasileiros, com potencial para se estender a todas as 27 unidades federativas. Estes so importantesinstrumentos de garantia do direito ao trabalho decente para brasileiras e brasileiros. Em boa parte dos estados, alm da

    criao da comisso estadual, tambm foi estabelecido um Plano Estadual e at mesmo uma lei estadual para somar foras ao

    enfrentamento articulado no mbito federal.

    A erradicao definitiva do trabalho escravo no Brasil uma das prioridades do governo da Presidenta Dilma. A CONATRAE, com

    energia e determinao, continuar coordenando e avaliando a implementao das aes previstas no Plano Nacional, bem como

    coordenando todos os esforos estaduais e federais de autoridades pblicas e entidades da sociedade civil engajadas nessa luta.

    No descansaremos enquanto no erradicarmos definitivamente essa prtica herdada do passado colonial escravista, que tanto

    afronta os preceitos da Declarao Universal dos Direitos Humanos.

    Maria do Rosrio Nunes Ministra de Estado-Chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica.

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    9/198

    INTRODUO| 12

    ENTRE DENNCIASE ARTICULAES: O CAMINHO

    AT A CONATRAE| 20

    O NASCIMENTO

    DA CONATRAE| 48

    SUM

    RIO

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    10/198

    O QUE MARCOU A HISTRIA

    DA CONATRAE| 612003 | 62

    2004 | 82

    2005 | 92

    2006 | 104

    2007 | 110

    2008 | 1362010 | 140

    2012 | 144

    A CONATRAE HOJE:QUAIS OS DESAFIOS?| 158

    LISTA DE SIGLAS| 188

    LISTA DE PESSOAS ENTREVISTADAS| 189

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS| 191

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    11/198

    INTRODUOFazia pouco mais de 80 anos da assinatura da Lei urea de 1888 quando dom

    Pedro Casaldliga, bispo na prelazia de So Flix do Araguaia, em Mato Grosso,

    denunciou publicamente que o trabalho escravo ainda era uma realidade no Brasil,

    em sua carta pastoral Uma Igreja na Amaznia em conflito com o latifndio e a

    marginalizao social, em 1971. Em um trecho dedicado aos pees1, o religioso

    descreve a situao enfrentada pelos trabalhadores na abertura das grandes

    fazendas da regio do Vale do Araguaia, estimulada pelo governo militar.

    1 Parte VI: Pees. Uma

    Igreja na Amaznia em

    conflito com o latifndio e

    a marginalizao social.

    So Flix do Araguaia, 10 de

    outubro de 1971.

    FotgrafoSrgio Carvalho

    LocalMinas Gerais

    DescrioCana de acar, 2008

    12

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    12/198

    13

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    13/198

    Os pees, aliciados fora, so transportados em avio, barco

    ou pau-de-arara para o local da derrubada. Ao chegar, a

    maioria recebe a comunicao de que tero que pagar os

    gastos de viagem, inclusive transporte. E j de incio tm que

    fazer suprimento de alimentos e ferramentas nos armazns

    da fazenda, a preos muito elevados.

    Para os pees no h moradia. Logo que chegam, so

    levados para a mata, para a zona da derrubada onde tm que

    construir, como puderem, um barraco para se agasalhar,

    tendo que providenciar sua prpria alimentao. As

    condies de trabalho so as mais precrias possveis. (...)

    No h com os pees nenhum contrato de trabalho. Tudo

    fica em simples combinao oral com o empreiteiro.

    Acontece mesmo que o empreiteiro foge, deixando na

    mo todos os seus subordinados. Os pagamentos so

    efetuados ao bel-prazer das empresas. Muitas vezes usa-

    se o esquema de no pagar, ou pagar s com vales, ou s

    no fim de todo o trabalho realizado, para poder reter os

    pees, j que a mo de obra escassa. (...)

    Fotgrafo

    Joo Roberto Ripper

    LocalPiau

    DescrioCarvoaria, 2008

    14

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    14/198

    Outros muitos, doentes, sentindo-se sem foras e temendo

    morrer naquelas condies, no conseguindo receber o que

    de direito, fogem para sobreviver. Outros ainda fogem por

    se verem cada vez mais endividados. E nesta fugas so

    barrados por pistoleiros pagos para tanto. (...)

    O peo, depois de suportar este tipo de tratamento, perde

    sua personalidade. Vive, sem sentir que est em condies

    infra-humana. Peo j ganhou conotao depreciativa por

    parte do povo das vilas, como sendo pessoa sem direito e

    sem responsabilidade. Os fazendeiros mesmo consideram o

    peo como raa inferior, com o nico dever de servir a eles,

    os desbravadores. Nada fazem pela promoo humana

    dessa gente. O peo no tem direito terra, cultura,

    assistncia, famlia, a nada. incrvel a resignao, a

    apatia e pacincia destes homens, que s se explica pelo

    fatalismo sedimentado atravs de geraes de brasileirossem ptria, dessas massas deserdadas de semiescravos que

    se sucederam desde as Capitanias Hereditrias.

    [Trecho da carta pastoral Uma Igreja na Amaznia em conflito com o

    latifndio e a marginalizao social, de dom Pedro Casaldliga, em 1971]

    15

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    15/198

    Foram necessrios mais 30 anos para que o governo federal

    lanasse, em 2003, o primeiro Plano Nacional para a Erradicao do

    Trabalho Escravo, com 75 metas envolvendo os poderes Executivo,

    Legislativo e Judicirio, o Ministrio Pblico e atores da sociedade

    civil. Fruto de discusso realizada em 2002 no mbito do Conselho

    de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) da Secretaria

    de Direitos Humanos, o plano previa a criao da Comisso

    Nacional para a Erradicao do Trabalho Escravo a Conatrae,

    o que aconteceu em 31 de julho de 2003, por meio de decreto

    presidencial. A comisso nasceu com a funo de acompanhar a

    implementao das aes do plano, assim como as demais polticasnacionais para enfrentar o trabalho escravo, e propor estudos e

    campanhas de divulgao de informao sobre o tema.

    A releitura da carta de dom Pedro Casaldliga descortina uma

    realidade daquela poca, que, no entanto, infelizmente se mostra

    atual ainda hoje. Ao longo dos anos, a escravido foi revelada

    em fazendas e carvoarias de todos os estados brasileiros, de

    norte a sul, e em outras atividades econmicas: recentemente,

    casos flagrados na construo civil e nas confeces ganharam

    destaque. Como elemento comum, situaes que roubam a

    dignidade do trabalhador.

    16

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    16/198

    A escravido contempornea no se utiliza de grilhes e chibata,

    mas, assim como aquela que marcou nossos perodos de

    Colnia e Imprio, baseia-se na violncia e na destituio dos

    trabalhadores de sua condio de ser humano. Em muitos casos,

    a explorao no vista como tal e considerada natural, como

    hbito, cultura ou a nica opo destinada a quem nasceu pobre.

    O reconhecimento pblico pelo governo brasileiro de que o trabalho

    escravo existia em territrio nacional s veio em 1995. Desde ento,

    o Estado passou a criar estruturas especficas para combater o

    problema. Apesar disso e dos avanos alcanados desde ento,alguns setores insistem em negar a sua gravidade, atribuem a

    exagero de fiscais algumas autuaes e contestam o conceito

    brasileiro de trabalho escravo, evocando as imagens do passado.

    Os dez anos de histria da Conatrae so marcados por esse

    dualismo: eles acompanham a maneira como o combate

    escravido contempornea no Brasil se consolidou, a ponto de

    ser considerado pela Organizao Internacional do Trabalho (OIT)

    uma experincia que deve servir de exemplo a outros pases

    do mundo, ao mesmo tempo em que apontam as resistncias

    enfrentadas para que a prtica seja condenada como um crime

    de lesa-humanidade.

    FotgrafoRenato Alves

    (Assessoria deimprensa/MTE)

    LocalCear, 2009

    17

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    17/198

    18

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    18/198

    CASO COMPANHIA VALEDO RIO CRISTALINOSANTANA DO ARAGUAIA, SUL DO PAR

    Em 1973, a Volkswagen, montadora de veculosalem, comprou 140 mil hectares de terra no sul doPar, respondendo ao chamado do regime militarpara a ocupao da Amaznia. A terra era baratae o governo concedeu incentivos fiscais a queminstalasse projetos agropecurios na regio, almde realizar obras de infraestrutura. dessa poca a

    construo da rodovia Transamaznica.

    Ao mesmo tempo em que incentivava a chegadado empresariado, o governo tambm atraamigrantes de diversas regies do pas, em especialdo Nordeste, de Minas Gerais e de Gois, sob ojargo falacioso terra sem homens para homenssem terra, propagandeando um grande projeto decolonizao e de distribuio de terras.

    No entanto, ao chegarem ao destino, em vez deencontrarem a terra onde jorra leite e mel, osmigrantes depararam-se com intensos conflitosfundirios e muitos deles se viram obrigados aservirem de mo de obra farta e barata para aberturadas grandes fazendas. Assim se formou a basepara a escravido contempornea na Amaznia.

    Sem terra e sem emprego, tiveram de atender aoschamados dos gatos, aliciadores de trabalhadores,e a se submeter a pssimas condies de trabalho.

    No foi diferente na fazenda Vale do RioCristalino, da Volkswagen. O projeto da empresafoi aprovado pela Sudam em 1974, quando foraminiciadas as atividades. Ao passo em que a Valedo Rio Cristalino se utilizava de alta tecnologia ecolocava disposio de seus funcionrios retiroscom clube e escola, os pees, nos fundos dafazenda, eram tratados de maneira degradante etinham sua dignidade e liberdade roubadas.

    Em 1983, ganharam repercusso na imprensainternacional as denncias elaboradas pelaComisso Pastoral da Terra CPT, representadapelo padre Ricardo Rezende Figueira, que acolhiaos trabalhadores fugitivos da fazenda. Peesamarrados, tortura, violncia sexual, cerceamentoda liberdade de ir e vir, endividamento, gua sujapara beber, doenas no tratadas apresentavam umcenrio de extrema violao de direitos. Em pocade derrubada, a Vale do Rio Cristalino chegava a

    empregar mil trabalhadores nessas condies.

    O inqurito policial instalado chegou concluso da

    existncia do trabalho escravo na fazenda. Apesar

    disso, a Volkswagen negou sua responsabilidade, e a

    atribuiu ao empreiteiro.

    REALIDADE

    FotgrafoJoo Roberto Ripper

    DescrioDesmatamento da

    Floresta Amaznica

    19

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    19/198

    ENTRE DENNCIAS EARTICULAES:

    O CAMINHO ATA CONATRAEFotgrafo

    Srgio Carvalho

    LocalPiau, 2008

    20

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    20/198

    21

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    21/198

    LAS ABRAMO, DIRETORA DA OIT NO BRASIL

    A OIT considera que o Brasil uma referncia internacional na luta contra o trabalho escravo. Isso est expresso nos relatrios globais sobre o

    trabalho forado, elaborados periodicamente pelo diretor geral da OIT. Desde 2005, o Brasil aparece como um pas que tem realmente feito um

    esforo muito grande no sentido da preveno e da erradicao do trabalho forado. A primeira questo que destacada quando se analisa a

    experincia brasileira que eu acho que central o fato de o pas ter reconhecido oficialmente a existncia do problema.

    As denncias em relao existncia de trabalho escravo contemporneo no Brasil vm desde os anos 1970. A Comisso Pastoral da Terra teve

    um papel muito importante no desenvolvimento dessas denncias, e durante muito tempo isso era algo bastante oculto, bastante desconsiderado.

    At que, em 1995, no governo Fernando Henrique Cardoso, houve um reconhecimento oficial, ante a Organizao das Naes Unidas, da existncia

    do problema no Brasil, e a primeira definio de um mecanismo de combate ao trabalho escravo.

    A anlise da OIT que o trabalho escravo hoje, infelizmente, um fenmeno generalizado no mundo. Ele acontece em todas as regies e tem

    crescido no contexto da globalizao. Est presente no apenas nos pases mais, digamos, atrasados ou menos desenvolvidos, mas tambm nos

    pases centrais e em cadeias produtivas de empresas com presena no mercado internacional. Apesar de ser essa a realidade mundial, so poucos

    os pases hoje em dia que reconhecem oficialmente a existncia do problema nos seus territrios.

    DEPOIMENTO

    22

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    22/198

    As reiteradas denncias na imprensa, na Organizao Internacional do Trabalho OIT, na

    Organizao das Naes Unidas e no Parlamento Europeu, elaboradas pela sociedade civil a partir

    da dcada de 1970, especialmente pela Comisso Pastoral da Terra CPT, tornaram impossvel

    negar que o trabalho escravo era uma realidade no Brasil. O reconhecimento oficial em 1995 se

    deu aps o pas ser denunciado pela prpria CPT e pela organizao no governamental Centre

    for Justice and International Law na Corte Interamericana de Direitos Humanos pelo que ficou

    conhecido como caso Jos Pereira. A denncia alegava violao de diversos direitos humanos,

    omisso do Estado brasileiro para investigar crimes de trabalho escravo, muitas vezes associados a

    assassinatos, e ineficcia para punir os responsveis por essas prticas.

    O caso do trabalhador Jos Pereira foi tomado como exemplo dessa situao. Em setembro de

    1989, com 17 anos, ele tentou fugir da fazenda Esprito Santo, em Sapucaia, Par, com um colega

    de trabalho apelidado de Paran. Os dois foram seguidos por pistoleiros e alvejados por tiros.

    Paran morreu na hora e Jos Pereira ficou ferido no rosto e na mo. O rapaz se fingiu de morto e

    foi abandonado na estrada a alguns quilmetros de distncia. Jos Pereira conseguiu denunciar a

    situao Polcia Federal, que retirou 60 trabalhadores da fazenda. Os pistoleiros fugiram e nada

    foi feito para punir os responsveis pelos crimes.

    23

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    23/198

    JOS PEREIRA2, TRABALHADOR RURAL

    O gato [aliciador de servio para a fazenda] j dizia que ns estvamos devendo

    muito. A gente trabalhava e eles no falavam o preo que iam pagar pra gente, nem

    das coisas que a gente comprava deles, nem nada. E a, ns fugimos de madrugada,

    numa folga que o gato deu. Andamos o dia todo dentro da fazenda. Ela era grande.

    Mas a fazenda tinha duas estradas, e ns s sabamos de uma. Nessa, que ns

    ia, eles no passavam. Mas eles j tinham rodeado pela outra e tinham botado

    trincheira na frente, tocaia, n. Ns no sabia... Mais de cinco horas passamos na

    estrada, perto da mata. E quando ns samos da mata, fomos surpreendidos pelo

    Chico, que o gato, e mais trs. Que atiraram no Paran, nas curvas dele, e ele

    caiu morrendo. Eles foram, buscaram uma caminhonete com uma lona e forraram

    a carroceria. A colocaram ele de bruos e mandaram eu andar. Eu andei uns dez

    metros e ele atirou em mim.

    2 Em entrevista concedidaa Leonardo Sakamoto, da

    ONG Reprter Brasil. In:

    Trabalho escravo no

    Brasil do sculo XXI.

    Braslia: OIT, 2007.

    3 Um exemplo so os relatrios

    elaborados pela Coordenadoria

    de Conflitos Agrrios doMinistrio da Reforma e

    Desenvolvimento Agrrio que

    defendiam a desapropriao de

    imveis rurais onde a prtica

    de trabalho escravo fosse

    constatada, o que no chegou a

    acontecer naquele perodo.

    DEPOIMENTO

    Entre as dcadas de 1970 e de 1990, aes da Polcia Federal, como a da fazenda Esprito

    Santo, no garantiam os direitos aos trabalhadores nem a punio dos proprietrios. Muitas

    das aes realizadas pelo prprio Ministrio do Trabalho no caracterizavam as situaes

    flagradas como trabalho escravo, o que tambm era denunciado pela CPT. Nesse perodo,

    iniciativas esparsas foram realizadas pelo governo3. Essas medidas, entretanto, no se

    configuravam como uma ao organizada do pas para combater a prtica da escravido.

    Enquanto isso, algumas instituies se articulavam para discutir o problema.

    24

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    24/198

    DEPOIMENTOANA DE SOUZA PINTO,

    AGENTE DA CPT EM

    XINGUARA, PARA divulgao era para mostrar: Olha, est

    existindo na Amaznia um problema muito

    grave e cabe aos poderes pblicos enfrentar

    isso, se responsabilizar pelo que vem

    acontecendo aqui, ter formas de agir. E o

    primeiro passo seria reconhecer a existnciado problema. Todo o esforo era nessa direo,

    para forar o poder pblico a agir.

    FotgrafoLeonardo Sakamoto

    LocalEldorado dos Carajs, Par

    DescrioTrabalhador libertado de

    fazenda de gado

    25

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    25/198

    Em 1991, diante do acirramento dos conflitos envolvendo trabalhadores rurais e posseiros, especialmente

    no sul do Par, foi criado o Frum Nacional contra a Violncia no Campo. Ele reunia na Procuradoria

    Geral da Repblica, em Braslia, diversas entidades da sociedade civil, como a prpria CPT, sindicatos,

    movimentos de direitos humanos e a Ordem dos Advogados do Brasil, e tinha a participao do prprio

    Ministrio Pblico Federal e de alguns servidores do Ministrio do Trabalho.

    O Frum surgiu com os objetivos de registrar as prticas de violncia no campo e de apontar solues

    para o problema. No mesmo ano de seu lanamento, o sindicalista Expedito Ribeiro fora assassinado em

    Rio Maria, sul do Par, uma morte anunciada por ele mesmo meses antes em um congresso da Central

    nica dos Trabalhadores CUT em So Paulo. Nas reunies quase mensais, o trabalho escravo tornou-se um dos principais assuntos debatidos, com formulao de legislao e de propostas de polticas

    pblicas para o enfrentamento ao crime, entre elas o que viria a ser a PEC do Trabalho Escravo, que at

    meados de 2013 ainda tramitava no Congresso Nacional. A proposta de emenda constitucional prev o

    confisco das propriedades onde for flagrado o trabalho escravo.Foto:arquivo/CPTXinguara

    26

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    26/198

    FotoTrecho do documentrioOs Rurais da CUT

    DescrioSindicalista Expedito Ribeiro,assassinado em 1991

    DEPOIMENTOFREI HENRI BURIN

    DES ROZIERS,

    ADVOGADO DA CPTEM XINGUARA, PAR

    Teve o assassinato de Expedito, depois do

    assassinato de Joo Canuto, dos filhos de

    Joo Canuto. Em uma grande assembleia

    da CUT em So Paulo, chamaram Expedito.

    Ele disse: querem me matar, querem

    eliminar o sindicato de Rio Maria. E estava

    acontecendo, estavam eliminando pouco

    a pouco. O pessoal queria que ele sasse

    de l e ele disse: como posso abandonar

    meus companheiros de luta?; e ficou. Ele

    foi assassinado. Foi como uma bomba. Todo

    mundo preocupado. No tinha advogadono local, e era necessrio acompanhar

    imediatamente para no perder as pistas. Me

    ofereci por dois meses, adiando uma viagem

    que estava marcada. Quando cheguei a Rio

    27

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    27/198

    DEPOIMENTO Maria, estava presente o subprocurador geral da repblica lvaro Ribeiro, que

    voltou a Braslia com a ideia do Frum Nacional contra a Violncia no Campo.

    A procuradoria ofereceu seu espao para fazer as reunies. Eu estava no focoda violncia, em Rio Maria, e me convidaram a participar. A ideia era aliviar o

    problema do sul do Par. O trabalho escravo j era uma coisa muito importante

    na CPT de Conceio do Araguaia e apareciam sempre casos de trabalho escravo

    gravssimos. Ento, sempre que eu ia ao espao do Frum, alm da violncia,

    alm do andamento dos processos criminais, sempre colocava o trabalho

    escravo: acontece isso, isso, isso e nada foi feito. No existia o Grupo Mvel.

    Preocupava muito a situao e nada funcionava. O trabalho escravo se tornou

    uma prioridade do Frum. E o que era fantstico: a partir da realidade que

    colocvamos l. As pessoas estavam mobilizadas descobrindo a realidade.

    Organizamos um seminrio no Congresso em 1994 sobre esta realidade que

    estava negada oficialmente4. O seminrio foi assumido pelo Ministrio Pblico

    do Trabalho, vrios procuradores do trabalho presentes e muita gente. O pblico

    no era muito simpatizante, teve muito debate. Foi interessante, briga feia

    entre os procuradores do Trabalho. Uns diziam: tem que sair do escritrio e

    acompanhar, ver a realidade. Comeava um pouco a ideia do Grupo Mvel.

    O outro dizia: no, temos que trabalhar sobre peas, no tem que sair. Foi

    extremamente importante. Criou-se pouco a pouco o embrio do Grupo Mvel.

    4Seminrio

    Trabalho Escravo

    Nunca Mais,

    de 23 a 25 de

    agosto de 1994,

    na Cmara dos

    Deputados,

    Braslia.

    FotoArquivo/CPT Xinguara

    LocalRio Maria, Par, fev. 1991

    Descrio

    Ato pblico em protestoao assassinato deExpedito Ribeiro e deoutras lideranassindicais

    28

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    28/198

    O Estado brasileiro passou a

    se mobilizar para combater o

    trabalho escravo apenas em 1995,

    quando, aps o reconhecimento,foi criado o Grupo Executivo

    de Represso ao Trabalho

    Forado Gertraf. O Gertraf era

    coordenado pelo Ministrio do

    Trabalho e composto por mais seis

    ministrios5. Outras organizaes

    eram convidadas s reunies, mas

    sem poder de voto. No entanto,a avaliao que se faz que o

    Gertraf no funcionava a contento.

    5 Pelo decreto 1.538 de 27 de junho de 1995,

    o Gertraf era composto por: Ministrio do

    Trabalho; Ministrio da Justia; Ministrio do

    Meio Ambiente, dos Recursos Hdricos e da

    Amaznia Legal; Ministrio da Agricultura e

    do Abastecimento; e Ministrio da Indstria,

    do Comrcio e do Turismo. Em 1996, o decreto

    1.982 incluiu o Ministrio da Previdncia e

    Assistncia Social e o Gabinete do Ministro

    de Estado Extraordinrio de Poltica Fundiria.

    29

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    29/198

    RUTH BEATRIZ VILELA, SECRETRIADE INSPEO DO TRABALHO

    1993-1994; 1995-1998;2003-JAN/2011

    O Gertraf foi uma primeira tentativa de articulao interinstitucional para

    lidar com o tema. Existia interesse e boa vontade da parte dos tcnicos

    que representavam cada Ministrio. Mas no necessariamente eram

    pessoas com poder de deciso, com governabilidade suficiente sobre os

    recursos e sobre a possibilidade de caminhar. Eu entendo que o Gertraf,muito embora tenha sido uma iniciativa importante para a poca, no

    vingou por falta de possibilidade de execuo das polticas.

    O que realmente figurou uma mnima poltica governamental foi a

    criao do Grupo Mvel, que tambm ocorreu em 1995. O que segurou

    o tema e deu visibilidade foram as aes realizadas e a cobertura

    da mdia. As questes comearam a ser divulgadas e chegaram ao

    conhecimento pblico.

    No incio, a fiscalizao sofreu muito, porque no tinha os instrumentos e

    no havia nenhum antecedente que se pudesse usar. Tivemos que ir criando

    as formas de atuao. Nas primeiras aes de que participei, eu desesperei,

    porque voc encontra o problema e v a gravidade dele, mas no h legislao

    eficiente que d conta do recado e no h recurso para bancar todos os

    desdobramentos da ao. Ento, no incio, foi uma coisa de desbravador...

    Porque no sabamos o que fazer. Tivemos que criar alternativas.

    Se o Gertraf tivesse caminhado bem, teria sido timo, porque seria

    uma estrutura que reforaria o trabalho da fiscalizao e o resultado

    das aes. Mas, infelizmente, caminhavam bem separados porque

    comearam as presses polticas contrrias. E o mesmo discurso que

    ainda se ouve hoje: trabalho escravo inveno, no existe, um

    exagero, forao de barra.

    O discurso era muito semelhante, por incrvel que parea. Agora tem leis

    mais claras, j tem vrios precedentes, tem decises da Justia; isso jdeveria ser um limitador da cara de pau de quem faz o discurso mais

    escravagista. Mas, do ponto de vista dos parlamentares, da bancada

    ruralista, o discurso no mudou. Ele continua nessa insistncia de que tudo

    um exagero e inveno da fiscalizao. Eu tive muito esse enfrentamento,

    cara a cara, em algumas audincias pblicas na Cmara dos Deputados. Eu

    me lembro de um deputado que falou assim: mas, doutora, vocs esto

    praticamente exigindo que a gente fornea gua Evian aos trabalhadores.

    No respeita nem os costumes locais. Vocs no deixam nem os

    trabalhadores dormirem em rede. Mentira, porque no tem isso.

    O que ao longo do tempo foi mudando um pouco, com a boa repercusso

    nacional e internacional, foi conseguir angariar um apoio maior e mais

    adeptos para a defesa do trabalho.

    DEPOIMENTO

    30

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    30/198

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    31/198

    6 Hoje Superintendncias

    Regionais do Trabalho eEmprego - SRTE.

    7 Entrevista concedida em

    junho de 2013.

    8Entrevista concedida por

    email em julho de 2013.

    Outra proposio surgida no espao do Frum Nacional contra a Violncia no Campo,

    tambm levada a cabo pelo governo em 1995, foi a criao de um grupo de fiscalizao que

    atendesse denncias de trabalho escravo com atuao nacional, livre de influncias polticas

    locais e de possveis ameaas aos auditores fiscais envolvidos nas aes. Em entrevista,

    Lus Antnio Camargo, procurador-chefe do trabalho, declara que havia muita dificuldade

    no atendimento das denncias pelas ento chamadas Delegacias Regionais do Trabalho6:

    no Mato Grosso do Sul, por exemplo, aconteceu de chegar a uma determinada empresa

    ou propriedade rural para fazer uma verificao, e tomar conhecimento que o proprietrio j

    estava nos aguardando. Significava no poder confiar naquelas estruturas das Delegacias

    Regionais do Trabalho. A criao do Grupo Mvel diretamente ligado Secretaria de

    Inspeo do Trabalho aqui em Braslia retirava das Delegacias Regionais do Trabalho o

    conhecimento da operao7. A CPT fazia as mesmas queixas. De acordo com padre Ricardo

    Rezende Figueira, no estado, o delegado do trabalho e os auditores do Ministrio eram

    omissos ou coniventes8.

    O Grupo Especial de Fiscalizao Mvel, em funcionamento at os dias de hoje, ligado Secretaria de Inspeo do Trabalho em Braslia e fiscaliza casos de trabalho escravo com

    auditores de diversas partes do pas, apoio da Polcia Federal e participao do Ministrio

    Pblico do Trabalho. Por reunir diversas esferas para uma ao coordenada, considerado

    um instrumento inovador no campo da represso.

    FotgrafoSrgio Carvalho

    DescrioAo do Grupo Mvelresgata trabalhadoresO GRUPO MVEL DE FISCALIZAO: OUTRA REIVINDICAO

    32

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    32/198

    33

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    33/198

    VALDEREZ MONTE, AUDITORAFISCAL DO TRABALHO E

    COORDENADORA DE EQUIPE DOGRUPO MVEL

    1995-2004

    Filha e neta de seringalistas, sempre quis saber o que era seringueiro

    no saldo porque pelos comentrios soava como extravagncia.

    Perguntando e entendendo aos poucos, descobri que era o trabalhadordos seringais que conseguia a faanha de sair, libertar-se das dvidas de

    barraco; significava tambm um homem com dinheiro, esbanjando nas

    compras e despesas com bares e cabars.

    Nossa casa sempre foi frequentada por todos os tipos de pessoas e me

    fascinavam as histrias sofridas dos nordestinos que deixaram tudo

    pra trs e foram em busca de um sonho de vida digna que muitos no

    conseguiram. Era um mundo paradoxal: muita gua, peixes, animais e a

    pujana da floresta. Era tambm a primeira notcia de trabalho escravo

    que conhecia.

    Inconformada, abordava sempre o assunto, at que um dia, trabalhando

    no Movimento de Educao de Base da CNBB, Paulo Freire como base,

    encontrei amigos que tambm eram sensveis questo. Chegamos a

    escrever uma pea de teatro, inclusive com msica, sobre o tema. Veio aDitadura, foi tudo destrudo e nosso projeto tambm.

    J auditora fiscal do trabalho, logo me apaixonei pela fiscalizao rural,

    poca feita de forma muito precria e sazonal na regio Centro-Oeste.

    Em 1995, com o reconhecimento da existncia de trabalho escravo pelo

    Estado brasileiro, foram criados os Grupos Mveis de Fiscalizao para

    combate e erradicao do trabalho escravo. Me coloquei disposio

    para fazer parte do trabalho, dedicando-me integralmente a ele

    enquanto estive na ativa, at 2004 quando me aposentei.

    Foi uma das mais gratificantes experincias que tive no servio pblico,

    sentindo-me realmente til.

    DEPOIMENTO

    34

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    34/198

    No incio de sua formao, porm, o Grupo Mvel enfrentou algumas dificuldades, o que pode ser notado pelo

    baixo nmero de trabalhadores libertados entre 1995 e 2002, em comparao com os anos seguintes9. Alm

    da falta de estrutura para a realizao das operaes as equipes no dispunham nem de computadores para

    relatoria , carecia de agilidade no atendimento das denncias e, ainda, sofria influncia poltica de algunsdelegados regionais, que negavam aos seus fiscais participao nas aes.

    Ao longo dos anos, o Grupo Mvel tem enfrentado resistncias e ataques de alguns setores econmicos.

    Rosa Maria Campos Jorge, do Sindicato Nacional dos Auditores Fiscais do Trabalho Sinait, afirma que

    o trabalho dos auditores fiscais do trabalho que compem e coordenam os Grupos Mveis feito no

    estrito cumprimento da lei, de forma exaustivamente documentada, com vdeos, fotografias, depoimentos

    dos trabalhadores e ainda com presena de outros servidores pblicos. Ao final so produzidos relatrios

    minuciosos, sempre com a preocupao de deixar claro, e de maneira inequvoca, se a realidade encontrada

    pela fiscalizao se adqua descrio legal10.

    9 Segundo

    levantamento da CPT,

    entre 1995 e 2002

    foram libertados 5.893

    trabalhadores. Somenteem 2003, 5.228 pessoas

    foram resgatadas pelo

    Grupo Mvel.

    10 Entrevista

    concedida por

    email em julho

    de 2013.

    35

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    35/198

    FotgrafoSrgio Carvalho

    DescrioAo do Grupo Mvelem canavial

    36

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    36/198

    ALEXANDRE LYRA, CHEFE DA DIVISO DE FISCALIZAO PARAERRADICAO DO TRABALHO ESCRAVO DO MINISTRIO DO TRABALHO

    Os que contestam dizem que h ausncia de objetividade do conceito, que trabalho escravo coisa da cabea de auditor. Posso garantir que isso no

    corresponde realidade. Se eventualmente percebemos excessos, analisado e contestado. Quando voc se depara com aquela situao, no h

    dvida de que trabalho escravo. At o deputado Giovanni Queiroz, em fiscalizao no Par, ficou chocado com o que viu e afirmou ser impossvel

    que essa situao ainda acontea. Por falta de argumento, dizem que so meras irregularidades, que por dormir na rede, que pela espessura do

    colcho. mentira. O que acontece que, junto com o trabalho escravo, so lavrados autos sobre todas as irregularidades encontradas. So autos

    perifricos. Trabalho escravo uma situao gravssima na qual h negao total do direito do trabalhador. Alm disso, em mdia a fiscalizao tem

    contato com 30 mil trabalhadores, e apenas 10% se resgata da situao de trabalho escravo. Se a fiscalizao estivesse de qualquer forma buscando

    resgatar ou apontar como trabalho escravo, o nmero seria maior. No razovel dizer que a fiscalizao est exagerando.

    DEPOIMENTO

    37

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    37/198

    Apesar das dificuldades, o Grupo Mvel consolidou-se como um dos

    principais instrumentos na represso ao trabalho escravo, a partir

    do qual derivam aes em outras instncias, como na Justia do

    Trabalho e no Ministrio Pblico Federal. Entre 1995 e setembro de2013, 47.666 pessoas foram libertadas da escravido.11

    Durante a ao de fiscalizao, os auditores fiscais,

    coordenadores da equipe, verificam as condies de trabalho

    e aplicam autos de infrao em caso de irregularidade. Se

    constatados elementos que configurem a situao como

    trabalho escravo, feita a resciso indireta dos contratos

    de trabalho. Assim, garantem o pagamento de todos os

    direitos trabalhistas no ato do resgate. J os procuradores

    do trabalho reforam a atuao dos auditores com medidas

    judiciais urgentes, como o bloqueio de bens dos acusados

    que se negarem a pagar os direitos trabalhistas. Alm disso,

    podem firmar termos de ajustamento de conduta ou entrar na

    Justia do Trabalho com aes civis pblicas, com a exigncia

    de indenizaes por dano moral coletivo. Para o procurador do

    trabalho Sebastio Caixeta, a participao dos procuradores do

    trabalho nas atuaes do grupo Mvel, sem dvida, influenciou

    a forma como o MPT trata o tema hoje12.

    11 Dado compilado

    pela ComissoPastoral da Terra.

    12 Entrevista

    concedida por

    e-mail em agosto

    de 2013.

    FotgrafoRenato Alves(Assessoria deimprensa/MTE)

    LocalPar, 2010

    38

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    38/198

    Os policiais federais, alm de garantir a segurana da equipe,

    devem colher provas, abrir inquritos e efetuar prises em caso

    de flagrantes de crimes. Para Paula Dora, chefe do Servio de

    Represso ao Trabalho Forado da Polcia Federal, o choque derealidade com questes como vulnerabilidade e explorao faz

    com que os policiais passem a enxergar um delito hediondo e

    silencioso, o que fundamental para a atuao. O principal

    desafio da PF continua sendo a qualificao e treinamento dos

    policiais visando no s aprimorar as tcnicas operacionais,

    como tambm a sensibilizao com a existncia e prtica do

    delito, complementa13.

    Desde 2003, os trabalhadores resgatados pelas equipes mveis

    tm direito a trs meses de salrio do Seguro-Desemprego14. O

    objetivo da medida impedir que retornem mesma situao,

    mesmo que temporariamente.

    Mais recentemente, as Superintendncias Regionais do Trabalho

    e Emprego SRTEs passaram a investigar denncias e afiscalizar casos de trabalho escravo. A prtica bastante comum

    e, em alguns estados, praticamente o Grupo Mvel no tem

    atuado, como em Mato Grosso, Minas Gerais, So Paulo e

    Tocantins, por exemplo. De acordo com Alexandre Lyra, chefe

    13 Entrevista

    concedida por

    e-mail em junho

    de 2013.

    14 Lei 10.068 de 20

    de dezembro de 2002.

    39

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    39/198

    da Diviso de Fiscalizao para Erradicao do Trabalho Escravo

    do Ministrio do Trabalho e Emprego, ao longo dos anos, as

    SRTEs se organizaram e, ao receberem denncias, podem

    optar pela fiscalizao. A Secretaria de Inspeo em Brasliatambm pode solicitar que a fiscalizao seja efetuada pelas

    regionais. Quando no envolve um alto nvel de complexidade

    ou quando no se coloca em risco a segurana dos auditores,

    encaminhamos para as superintendncias15.

    A medida, no entanto, ainda polmica: alguns auditores

    consideram que essas aes colocam em risco a segurana

    dos servidores e que deveriam ser feitos mais investimentos

    no grupo nacional. Para Rosngela Rassy, presidenta do Sinait,

    esse movimento foi uma tentativa de facilitar o deslocamento,

    de atender mais rpido, de dar mais agilidade. Sem dvida

    nenhuma funcionou, est funcionando. Mas, por outro lado, ns

    como categoria temos esta preocupao com a segurana16.

    15 Entrevista

    concedida por

    telefone em outubro

    de 2013.

    16 Entrevista

    concedida em junho

    de 2013.

    40

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    40/198

    DEPOIMENTORACHEL CUNHA, SERVIDORA

    NO MINISTRIO DO TRABALHO

    E EMPREGO (1993-2001) ECOORDENADORA DO BALCO DEDIREITOS, NA SECRETARIA DIREITOSHUMANOS (2001-2010)

    Eu cheguei ao Ministrio do Trabalho em 1993 para trabalhar com a

    Ruth Vilela. No havia informao nenhuma sobre trabalho escravo na

    Secretaria. As denncias chegavam, mas no tinha estrutura, no tinha

    carro, no tinha pessoal. O ministrio levava meses para apurar. O trabalho

    escravo tem um carter temporrio e quando a fiscalizao chegava l,

    claro, o trabalho escravo j estava acabado. E os fiscais colocavam assim:

    trabalhador sem carteira. Descries muito bobas e no acontecia nada.

    O Brasil foi denunciado na OEA pelo caso de Z Pereira. E Valter Barelli,

    ministro do Trabalho na poca, teve a ousadia de reconhecer. Porque todomundo dizia: no, acho que no pode escancarar. Valter Barelli esteve

    na conferncia da OIT dizendo: ns temos trabalho escravo sim e agora

    o governo vai fazer um esforo para combater. Foi quando o governo

    Fernando Henrique resolveu criar o Gertraf.

    E criou o Grupo Especial de Fiscalizao Mvel, formado de auditores

    fiscais de diversas regies com o objetivo de combater o trabalho escravo.

    Esse grupo foi, aos poucos, comeando, e o pessoal aprendeu a fazer

    fazendo. Ia apurar uma denncia e a situao encontrada era uma lona

    preta e os pedaos de pau; essa era a habitao desses trabalhadores. s

    vezes, bebiam gua onde os animais bebiam; as necessidades fisiolgicas

    eram feitas na mata... Era uma situao deplorvel. Naquela poca, eram

    grandes propriedades com 20 mil cabeas de gado, grandes projetos

    agropecurios. Os trabalhadores eram jogados no mato, e as fazendas com

    casas projetadas por Burle Marx; os proprietrios no fim de semana iam de

    jatinho para a sua propriedade e os trabalhadores naquelas condies.

    Eu digo sempre que os animais tinham um atendimento e uma assistncia

    muito melhor do que os trabalhadores. Os animais tinham rao

    balanceada, vacina, currais at aquecidos. No incio, a sofisticao era to

    grande que voc tinha um chip na pata do animal e esse chip ia identificar

    o momento ideal para o corte. O gado tinha um atendimento timo. Os

    trabalhadores no tinham nada. Se casse uma tora de rvore na cabea

    ou houvesse picada de cobra, no tinham assistncia mdica. Omisso

    de socorro, a fiscalizao sempre autuava. Chegava e encontrava um

    trabalhador em uma rede, com malria, doente, com febre alta.

    O incio sempre difcil porque tudo por fazer; no tinha frmula. Em 2003,

    voc j tinha todo esse incio estruturado. De 1993 a 2003, se preparou o

    terreno para que as coisas comeassem a acontecer de forma bem estruturada.

    41

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    41/198

    42

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    42/198

    A COMISSO PASTORAL DA TERRA E SUA AOARTICULADA

    A CPT foi pioneira ao dar visibilidade, nacional e internacionalmente,

    condio de explorao a que eram submetidos muitos trabalhadores

    acolhidos por seus agentes pastorais, funo que desempenha at hoje17.

    A sua participao no Frum Nacional contra a Violncia no Campo

    possibilitou o encontro com fiscais do trabalho comprometidos com o

    combate escravido, o que fez com que a entidade se tornasse referncia

    na formalizao de denncias ao Ministrio do Trabalho, construindo a ponte

    entre os trabalhadores e o poder pblico.

    Ainda hoje, responsvel pela maior parte das denncias que so

    encaminhadas ao Grupo Mvel de Fiscalizao. Sua ao tem sido fatordeterminante para que muitas vtimas sejam resgatadas e tenham seus

    direitos ressarcidos. Desde 2003 at 2012, a CPT encaminhou 1.174 denncias

    Secretaria de Inspeo do Trabalho, das quais 446 foram fiscalizadas,

    resultando no resgate de 8.146 trabalhadores.

    FotgrafoSrgio Carvalho

    17 A CPT foi criada

    em 1975, em resposta

    s violncias sofridas

    no campo por

    trabalhadores rurais e

    posseiros, sobretudo

    na Amaznia. O

    trabalho escravo

    eixo transversal das

    aes da entidade,

    que mobiliza e articulacomunidades rurais

    para reivindicao

    de seus direitos e

    para a conquista e

    a permanncia na

    terra com vida digna.

    Desse modo, a CPT

    acredita que suas

    atividades, no geral,

    acabam por evitar que

    trabalhadores desses

    grupos caiam no cicloda escravido, ao

    atuarem diretamente

    no que considera a

    raiz do problema:

    a concentrao

    fundiria.

    43

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    43/198

    ANA DE SOUZA PINTO, AGENTEDA CPT EM XINGUARA, PAR

    Nos vrios povoados, havia equipes pastorais, compostas de

    padres, irms e leigos que trabalhavam ligados prelazia [de So

    Flix do Araguaia, Mato Grosso], no sentido de acompanhar a

    caminhada do povo da regio, frente aos seus problemas ligados

    terra, questo das relaes de trabalho, e tambm sade,

    educao e tudo mais. Na medida em que os trabalhadores

    fugiam, buscavam apoio nas casas dessas pessoas, em condies

    de extremo sofrimento e com muito medo. Se at agora ainda tempistoleiros, imagine naquela poca, na dcada de 1970, o nvel

    de controle que era exercido sobre os pees. Eu me lembro, em

    Ribeiro Cascalheira onde eu morei seis anos , de um grupo de

    seis pees que vieram. Eles chegaram espancados por pistoleiros,

    todos arranhados, cheios de feridas, os ps inchados, com um

    medo, um desespero... Tinham andado mais de uma semana,

    morrendo de fome... Chegaram l pedindo comida, roupa, remdio,essas coisas. A atuao da equipe da prelazia, que tinha ligao

    com a CPT, era de acolher e prestar a solidariedade bsica em

    funo dessa situao limite.

    DEPO

    IMENTO

    FotgrafoJoo Roberto Ripper

    DescrioPeo que trabalhava comoescravo em fazenda noestado do Par

    44

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    44/198

    Entre as primeiras denncias da dcada de 1970 e os anos 1990, as equipes do Mato

    Grosso e do sul do Par perceberam que a maioria dos trabalhadores escravizados

    na regio chegavam de outros estados, principalmente do Piau, do Maranho e

    do Tocantins. E que, ento, fazia-se necessria uma articulao com as equipespastorais que atuavam nos locais de origem desses trabalhadores.

    Assim, a partir de 1997, a CPT tambm organizou sua prpria articulao, na forma

    de uma campanha chamada deDe olho aberto para no virar escravo. Alm do

    recolhimento de denncias, so realizadas aes preventivas, com distribuio de

    materiais, palestras com trabalhadores, educadores, lideranas e agentes pblicos.

    Hoje, oito estados participam da campanha (Bahia, Gois, Maranho, Mato Grosso,

    Par, Piau, Tocantins e Rondnia), alm do Centro de Defesa da Vida e dos Direitos

    Humanos Carmen Bascarn, de Aailndia (MA), e da ONG Reprter Brasil.

    45

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    45/198

    FotoDivulgao/CPT

    DescrioMaterial da CPT explicacomo se d o ciclo dotrabalho escravo

    46

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    46/198

    DEPO

    IMENTOFREI XAVIER PLASSAT,

    AGENTE DA CPT EM

    ARAGUANA, TOCANTINS, ECOORDENADOR NACIONALDA CAMPANHA DE OLHOABERTO PARA NO VIRAR

    ESCRAVO

    A ideia era simples: existem rotas do trabalho escravo;e ns da CPT estamos nas rotas. Ento, que as equipes

    de cada lugar da rota abram o olho, entendam o que

    est acontecendo. Que verifiquem se h trabalhadores a

    caminho do trabalho escravo, quais so as modalidades

    de seu aliciamento, como fazer um trabalho de alerta e

    de preveno. E nas linhas de frente, onde o trabalho

    escravo acontece, na poca supostamente somente no

    Par e no Mato Grosso, incentivamos esse trabalhador

    a denunciar, acolhemos e protegemos esse trabalhador,

    sendo rigorosos na lavratura das denncias e respeitando

    regras de sigilo absoluto.

    47

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    47/198

    O NASCIMENTODA CONATRAE

    48

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    48/198

    FotgrafoJoo Roberto Ripper

    LocalMato Grosso

    do Sul, MS

    Descriondio trabalhando em

    usina de cana de acar

    49

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    49/198

    ROBERTO CALDAS,REPRESENTANTE DA

    OAB NA CONATRAE2003-2007 E 2010-2013

    Antes se falava em combate ao trabalho escravo. No governo Lula,

    o ministro Nilmrio Miranda veio com o conceito de erradicao

    do trabalho escravo. Da o nome: Comisso Nacional para a

    Erradicao do Trabalho Escravo. Claro que ns discutimos muito

    na poca, porque erradicao parece um termo utpico pelo

    tamanho do problema e pelas suas razes. Mas ns entendemos

    que deveramos perseguir essa utopia, que ns no deveramos

    sossegar enquanto houvesse um s trabalhador escravizado.

    DEPO

    IMENTO Com a ineficcia do Gertraf, o Frum Nacional contra a Violncia

    no Campo continuou a se reunir e identificou que era fundamental

    um espao de articulao que aglutinasse no somente o Poder

    Executivo mas tambm, oficialmente, organizaes da sociedade

    civil, com participao de outras instituies pblicas, como o

    Ministrio Pblico Federal e o Ministrio Pblico do Trabalho.

    O processo do caso Jos Pereira corria na Corte Interamericana de

    Direitos Humanos desde 1992. Em 1999, o governo brasileiro se

    prontificou a assinar um Acordo de Soluo Amistosa. No entanto,

    a assinatura foi sendo adiada sucessivamente e o pas, cada vez

    mais pressionado pela possibilidade de uma condenao. Diante

    disso e do impressionante crescimento do nmero de denncias de

    casos de trabalho escravo18, foi instituda, em 2002, uma Comisso

    Especial ligada ao CDDPH: um de seus objetivos era propor

    medidas urgentes para combater o trabalho escravo.

    18 De acordo com a CPT, em 2001,

    foram 59 casos denunciados,

    explodindo para 215 casos em

    2002, mais do que o total de todo o

    perodo entre 1995 e 2001 (168 casos

    denunciados).

    50

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    50/198

    Naquele ano, a sociedade civil apresentou muitas denncias, inclusive de

    assassinato de oito trabalhadores tocantinenses em fazenda na regio do Iriri,

    no Par19. A articulao se fazia cada vez mais forte: as organizaes mais

    atuantes se reuniam paralelamente para dar forma s propostas. A partir das

    discusses foi construdo o que viria a ser o primeiro Plano Nacional para a

    Erradicao do Trabalho Escravo, lanado no ano seguinte pelo governo Lula.

    A Conatrae foi proposta diante da necessidade de planejamento conjunto

    e de monitoramento de aes articuladas para combater o trabalho

    escravo, e prevista como uma das metas do Plano Nacional. Ela se moldou

    como a consolidao de uma demanda antiga, congregando pessoas

    historicamente engajadas em suas prticas no combate ao trabalho

    escravo dentro de suas instituies. O que torna a experincia brasileira

    to particular, segundo a OIT, a articulao desses diversos atores para

    criar instrumentos que combatam o problema. E a Conatrae tornou-se o

    espao institucionalizado para esse encontro.

    19 Entre junho e agosto de 2002, oito trabalhadores

    dos municpios de Anans, Angico e Tocantinpolis,

    norte do Tocantins, retornaram sem vida da regio do

    Iriri, no Par, onde haviam ido trabalhar. A coincidncia

    das mortes por acidente causou estranhamento.

    Cinco deles trabalhavam em fazenda de Aldemir

    Lima Nunes, conhecido como Branquinho. Em funo

    das denncias, o fazendeiro ameaou testemunhas,

    agentes da CPT e o procurador da repblica Mrio Lucio

    Avelar, que tiveram de deixar o estado. Condenado

    por trabalho escravo, falsificao de documentos e

    desmatamento ilegal, Branquinho ficou foragido durante

    anos e, at hoje, conseguiu escapar do cumprimento de

    qualquer sentena penal, apesar de vrias acusaes e

    condenaes por grilagem e homicdios.

    51

    FotgrafoAssessoria de imprensa/SDH

    Descrio

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    51/198

    RAQUEL DODGE, PROCURADORA DA REPBLICAHavia uma desconfiana da sociedade civil muito forte em relao ao Gertraf porque era um frum de debates diferente do Frum Nacional contra

    a Violncia no Campo. Ele tinha uma marca de uma instituio absolutamente oficial da qual no participavam oficialmente os representantes da

    sociedade civil ou os membros do Ministrio Pblico enquanto defensores da sociedade civil. No tinha um desenho institucional que permitisse

    entender aquele grupo como um ambiente em que a sociedade civil tinha voz, podia encaminhar perguntas para serem respondidas, diretrizes de

    atuao e cobrar relatrios. Comea uma nova discusso para criar uma instituio voltada para a questo do trabalho escravo em que membros da

    sociedade civil e organismos de governo tivessem um ambiente oficial de discusso com paridade de votos.

    [A Conatrae] uma instituio que me parece moderna porque ela no integrada apenas por rgos de governo em ambiente em que a sociedade

    civil tratada como visitante ocasional, como se fosse uma deferncia t-la ali assistindo s reunies, mas ao contrrio: a Conatrae moderna

    exatamente porque ela um organismo do Estado integrado pela sociedade civil, em que os rgos da sociedade civil tm voz, vez e atribuies,

    inclusive, de exigir prestao de contas, fiscalizao, mecanismos de controle e de cobranas de indicadores da correo e do xito desta poltica

    pblica de erradicao do trabalho escravo. Me parece que uma ideia bastante feliz, tambm, porque ela nasce da prpria sociedade civil, que

    demanda e acaba conseguindo que exista um rgo com essas caractersticas, um rgo em que a sociedade tenha participao e voz ativa. uma

    soluo bem interessante.

    DEPOIMENTO

    DescrioMinistra Maria do Rosriopreside reunio daConatrae; dezembrode 2012

    52

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    52/198

    53

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    53/198

    FotoDivulgao/OIT

    DescrioPea publicitria decampanha da OIT

    54

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    54/198

    A ORGANIZAOINTERNACIONAL DOTRABALHO COMO

    ARTICULADORA

    A OIT teve importante papel no processo de articulao contra

    o trabalho escravo a partir de 2001, em seu primeiro projeto

    no Brasil, que previa diversas aes com objetivo de otimizar

    os mecanismos de coordenao entre os diferentes rgos e

    reforar a fiscalizao. Entre elas, estava a construo de um

    plano de ao, que se misturou formulao do Plano Nacional.

    Foram convocados pela organizao vrios encontros de

    discusso do problema.

    Alm disso, a OIT apoiou diretamente o Grupo Mvel, ao doar

    equipamentos s equipes. Tambm auxiliou no processo de

    padronizao dos relatrios e na construo de um banco dedados sobre trabalho escravo.

    No campo normativo, realizou oficinas jurdicas que contriburam

    para a reflexo, pelos operadores de direito, de suas atribuies nas

    diferentes instncias do Judicirio e do Ministrio Pblico, para a

    criao de novos instrumentos e para a definio de competncias.

    Antes do projeto, a OIT j havia formulado observaes e

    recomendaes ao governo brasileiro acerca do trabalho escravo.

    55

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    55/198

    LUS ANTONIO CAMARGO, PROCURADOR-CHEFE DO TRABALHO

    Durante os anos de 2001 e 2002, ns temos um fator importante: a entrada da Organizao Internacional do Trabalho, com um projeto deenfrentamento ao trabalho escravo financiado pelo governo dos Estados Unidos. Esse projeto da OIT d uma nova conformao nossa atuao. Era

    como se todos ns colaborssemos com o projeto da OIT. O fato de todos ns, representantes de instituies, passarmos a colaborar com o projeto

    da OIT, fez com que aquela fogueira de vaidades que existe entre as instituies do poder pblico fosse apagada. Isso deu um novo flego no final do

    governo do Fernando Henrique Cardoso, concomitantemente com a elaborao do primeiro Plano Nacional para a Erradicao do Trabalho Escravo.

    DEPOIM

    ENTO

    SECRETARIA DE DIREITOS HUMANOS: O LUGAR DA CONATRAE

    A Conatrae foi criada em 2003 e sua coordenao ficou sediada na Secretaria de Direitos Humanos da Presidncia da Repblica20. Esta

    opo visava a afirmar o trabalho escravo como uma grave violao dos direitos humanos, e no s trabalhistas, alm de reforar a ideia

    de que seu combate deveria ser transversal, envolvendo diversos ministrios e instituies. De acordo com Nilmrio Miranda, ministro

    de Direitos Humanos entre 2003 e 2005, isso foi uma conquista. Para ele, se tivesse ficado vinculado ao excesso da lei trabalhista, iria

    conviver ad eternun com o Estado de Direito, como uma pequena violao, punindo s com multas. Na medida em que associado aosdireitos humanos, inclui outras responsabilizaes penais e cveis para a prtica do trabalho escravo21.

    Diferentemente das articulaes que a antecederam, sua composio garantiu a participao de representantes dos trs poderes, da

    sociedade civil, de entidades de classe (incluindo a Confederao da Agricultura e Pecuria do Brasil CNA, patronal), alm da presena

    20 Ento

    Secretaria Especial

    de Direitos

    Humanos daPresidncia da

    Repblica.

    21 Entrevista

    concedida em junho

    de 2013.

    56

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    56/198

    do Ministrio Pblico do Trabalho, do Ministrio Pblico Federal e da

    OIT22. Na opinio de Marcelo Campos, auditor fiscal do trabalho, o

    significado da Conatrae era transformar aquela estrutura embrionria

    do Gertraf, puramente estatal, ventil-la, e trazer a sociedade civil pra

    dentro dessa organizao, que vigiaria e formularia a respeito da polticanacional. Para ele, foi um grande marco porque trouxe a sociedade civil

    para discutir, acompanhar e fiscalizar23.

    Na solenidade de lanamento da comisso, o Brasil assinou o Acordo

    de Soluo Amistosa que reconheceu sua responsabilidade diante do

    caso Jos Pereira. Com isso, o pas assumiu diversos compromissos de

    reparao ao trabalhador24e de punio dos responsveis pelos danos

    causados a ele, alm de medidas para combater o trabalho escravo, comoaperfeioamento legislativo, incremento da fiscalizao e da represso, e

    informao da sociedade sobre o tema.

    De acordo com o decreto de sua criao, a Conatrae tem como objetivos:

    acompanhar o cumprimento do Plano Nacional para a Erradicao do

    Trabalho Escravo, propondo adaptaes necessrias; acompanhar projetos

    de lei relacionados temtica; propor estudos, pesquisas e incentivar

    campanhas, entre outros. Ao longo dos anos, sua importncia comoespao de encontro e de articulao, de discusso da poltica nacional e

    de apoio estratgia de combate ao trabalho escravo tornou-se evidente,

    como se poder notar pela linha do tempo que se segue.

    22 A composio inicial da Conatrae,

    estabelecida pelo decreto, era: Secretrio

    Especial dos Direitos H umanos (presidente);

    Ministros de Estado (da Agricultura,

    Pecuria e Abastecimento; da Defesa; do

    Desenvolvimento Agrrio; do Meio

    Ambiente; da Previdncia Social, e do

    Trabalho e Emprego); dois representantes

    do Ministrio da Justia, sendo um do

    Departamento de Polcia Federal e outro do

    Departamento de Polcia Rodoviria Federal;

    e at nove r epresentantes de entidades

    privadas no governamentais, reconhecidas

    nacionalmente, e que possuam atividades

    relevantes relacionadas ao combate ao

    trabalho escravo.

    23 Entrevista concedida emmaio de 2013.

    24 Aps 14 anos de

    sua fuga, Jos Pereira

    recebeu do Estado

    brasileiro indenizao

    de 52 mil reais.

    57

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    57/198

    CARLOS HENRIQUE KAIPPER, REPRESENTANTE DO MINISTRIO DO

    DESENVOLVIMENTO AGRRIO NA CONATRAE2003-2006

    O plano foi fundamental. A cada passo e a cada movimento que se d em torno desse tema, h uma repercusso, tanto interna, aqui no pas, quanto

    externa. So sinalizaes que potencializam e do fora para a poltica que se tenta implementar. E o que eu sempre dizia na poca: o trabalho

    escravo, ainda tem muita gente que nega. Para poder abolir o trabalho escravo contemporneo, para poder implementar todas as polticas pblicas,

    para articul-las, tem que se admitir que o trabalho escravo existe no Brasil ainda nos dias de hoje. E todos esses movimentos de criao, de

    indenizao, de articulao sinalizam para a sociedade e para a comunidade internacional que, apesar de ainda ser uma mazela do nosso pas, ns dogoverno e da sociedade civil admitimos e estamos trabalhando para combater.

    DEPOIM

    ENTO

    58

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    58/198

    FotgrafoJoo Roberto Ripper

    LocalPar

    DescrioResgate de

    trabalhadores, 1999

    59

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    59/198

    60

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    60/198

    O QUE MARCOU

    AHISTRIA

    DA CONATRAEFotgrafo

    Joo Roberto Ripper

    DescrioCondies do alojamento 61

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    61/198

    2003

    O ano foi marcado pelaconsolidao dos

    instrumentos de combate escravido

    contempornea no Brasil. Alm do

    lanamento do primeiro Plano Nacional

    para a Erradicao do Trabalho Escravo e da

    Conatrae, foi implementada a lista suja,

    que d visibilidade ao nome de quem

    flagrado cometendo esse tipo de explorao,

    e foi alterado o artigo 149 do Cdigo Penal,

    que atribuiu contornos mais exatos ao crime.

    O ano comeou com uma grande oficina

    no Frum Social Mundial, que demonstrou

    a tnica desta nova etapa do combate ao

    trabalho escravo no pas. E um protesto deproprietrios rurais em Redeno, no Par, foi

    uma mostra das resistncias que a Conatrae

    teria de enfrentar ao longo destes dez anos.

    O QUEMARCOUA HISTRIADA CONATRAE

    62

    Janeiroper

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    62/198

    A oficina Trabalho escravo, uma chaga aberta, no III Frum Social

    Mundial em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, marca simbolicamente o incio

    de uma nova etapa no combate ao trabalho escravo no Brasil. Reunindo cerca

    de duas mil pessoas, foi organizada de forma conjunta por diversas entidades,

    um retrato da articulao que vinha se consolidando. A oficina foi dividida em

    trs momentos, que visavam a responder as seguintes perguntas:Quem o

    escravo? Quem escraviza? Quem liberta?

    Na ocasio, Nilmrio Miranda, ministro dos Direitos Humanos (2003-2005),

    anunciou o lanamento do Plano Nacional para a Erradicao do Trabalho

    Escravo. A palavra de ordem passou a ser erradicao, e no mais

    combate, e o termo trabalho escravo passou a ser empregado de forma

    oficial, em substituio a trabalho forado.

    2003Foto:JooRobertoRipp

    Foto:JooRobertoRipper

    Foto:JooRobertoRipper

    63

    Lula pediu que cada setor do governo, que cada ministrio, cada secretaria, apresentasse algumas25 In: Anais da oficina

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    63/198

    u a ped u que cada se o do go e o, que cada s o, cada sec e a a, ap ese asse a gu as

    prioridades, algumas aes. Na nossa secretaria, a Secretaria Especial dos Direitos Humanos, a primeira

    que ns escolhemos foi erradicar, acabar, sepultar o trabalho escravo no Brasil. Entendo que isso

    possvel. Exatamente porque h toda uma luta das pessoas que esto nesta mesa, que esto sentadas

    aqui. H um acmulo, h um trabalho feito por vrias frentes e que nos permite dizer que, se houver

    vontade poltica, o trabalho escravo vai desaparecer do Brasil nos prximos quatro anos.

    (...) H inclusive uma proposta j elaborada por uma Comisso Especial do Conselho de Defesa e

    Direitos da Pessoa Humana, constituda no ano passado, coordenada pelo professor Jos de Souza

    Martins, que produziu uma proposta por todas as organizaes citadas aqui, instituies, pessoas

    que detm o conhecimento de como enfrentar essa chaga aberta. E essa proposta j foi feita no

    governo passado. Ns prorrogamos essa Comisso Especial por mais 60 dias e em 30 dias nosapresentaro uma atualizao disso.

    [Trecho da fala de Nilmrio Miranda, durante oficina]25

    Trabalho Escravo: uma

    chaga aberta.Braslia:

    OIT, 2003.

    64

    Maro2003

    lanado o Plano Nacional para a Erradicao do Trabalho

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    64/198

    2003 p

    Escravo,formulado pela Comisso Especial do CDDPH em 2002 e

    referendado pelo governo que acabava de assumir. Com o plano, o

    governo federal passa a declarar a erradicao do trabalho escravo como

    uma prioridade do Estado brasileiro.

    O plano funcionou como aglutinador das aes previstas ou em

    desenvolvimento, na tentativa de coordenar os esforos para enfrentar

    o trabalho escravo. Ele apresentava aes gerais, aes de promoo

    da cidadania e de combate impunidade e aes de conscientizao,

    capacitao e sensibilizao. Alm disso, propunha melhorias na estrutura

    administrativa do Grupo Especial de Fiscalizao Mvel, da ao policial,do Ministrio Pblico Federal e do Ministrio Pblico do Trabalho. As

    responsabilidades foram atribudas a diversas instituies, do poder pblico e

    da sociedade civil.

    Dentre as Aes Gerais, a meta 13 previa a criao da Conatrae: Criar o

    Conselho Nacional de Erradicao do Trabalho Escravo Conatrae vinculado

    Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidncia da Repblica.

    Em 2007, um estudo publicado pela OIT avaliou que haviam sido cumpridas

    68,4% das metas do Plano Nacional26. E em 2008 foi lanado um novo plano.

    26 In: trabalho

    escravo no Brasil

    no sculo XXI.

    Braslia: OIT, 2007.

    Foto:VictorSoares,AgnciaBrasil

    65

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    65/198

    LUS ANTONIO CAMARGO,PROCURADOR-CHEFE DO TRABALHO

    Eu creio que o primeiro plano responsvel pela organizao e estruturao dessa interveno. Quando voc parte para escrever o Primeiro Plano

    Nacional para a Erradicao do Trabalho Escravo, ns no tnhamos comeado a atuar na noite anterior; ns atuamos desde o incio dos anos 1990.

    Algumas instituies se incorporam a esse projeto ao longo dele, mas ele no um projeto que comeou, por exemplo, com o Gertraf em 1995. Pode-

    se dizer: mas ele comea de forma desorganizada. Sim, mas as instituies j estavam l, o Ministrio Pblico do Trabalho j estava l, o Ministrio

    do Trabalho e Emprego j estava l. Desorganizado? Claro, desorganizado. Com, digamos assim, um foco no muito definido? Sim, com um foco no

    muito definido. Se o plano foi um sucesso e foi um sucesso porque havia uma experincia acumulada. As pessoas no tinham chegado naquela

    reunio para escrever o plano e dito: hoje eu vou escrever um Plano Nacional para a Erradicao do Trabalho Escravo; no, essas pessoas j tinhamdez anos de interveno.

    E eu no posso trabalhar sozinho, e isso ns fomos aprendendo. Voc vai aprendendo com a experincia, com a prtica, com a articulao, com

    a convivncia com outras instituies; ns aprendemos isso. Identificamos muitas instituies importantes em todos esses processos. E essas

    instituies hoje esto na Conatrae.

    A Conatrae, do meu ponto de vista, est onde sempre esteve: um grande frum democrtico de discusso, onde voc tem o poder pblico e a

    sociedade civil reunidos, observando os problemas e discutindo solues. Isso um grande exerccio democrtico.

    DEPOIM

    ENTO

    66

    Agosto2003

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    66/198

    DECRETO DE 31 DE

    JULHO, PUBLICADO NODIRIO OFICIAL EM 1DE AGOSTO,CRIA

    A CONATRAE.

    2003

    67

    Novembro2003

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    67/198

    2003

    A Conatrae realiza sua primeira reunio itinerante em Redeno, no Par, quando foi lanada

    a Campanha Estadual de Erradicao do Trabalho Escravo. Em 2003, fazendeiros da regio

    haviam realizado uma ofensiva contra a CPT e contra o Ministrio do Trabalho, em funo do

    grande nmero de aes no incio do ano no sul do estado: somente no primeiro trimestre,

    foram cerca de 500 trabalhadores resgatados.

    Duas fiscalizaes foram especialmente difceis, pois houve dificuldade para garantir o

    pagamento aos trabalhadores: uma envolvendo 250 trabalhadores na fazenda Vale do Rio

    Fresco, de propriedade de Jos Lucena de Barros, em Santana do Araguaia; outra envolvendo

    100 trabalhadores na fazenda Santa Ana, em Cumaru do Norte, de propriedade do deputado

    Augusto Farias e Eleuza Farias, irmos do tesoureiro da campanha de Fernando Collor

    presidncia, PC Farias. Augusto e Eleuza chegaram a ter priso preventiva decretada.

    Essa situao gerou um descontentamento nos fazendeiros da regio, liderados pelo

    Sindicato Rural de Redeno, que realizou discusses para questionar as aes do Ministrio

    do Trabalho, com apoio do prefeito da cidade, da Cmara Municipal e do ex-secretrio de

    agricultura do Par Gervsio Camilo. O sindicato comeou a atacar a atuao do Grupo Mvel.

    68

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    68/198

    Segundo o sindicato rural de Redeno, o grupo mvel

    de fiscalizao vem agindo de forma arbitrria e

    intimidatria nas fazendas. (...)

    Sendo assim, teremos que demitir toda mo de obra

    contratada, no podemos comparar a realidade de

    grandes centros do sul e sudeste com o interior do

    nosso estado para seguir ao p da letra, o que exigem

    os fiscais do ministrio, afirmou o presidente do

    Sindicato, Adelino Junqueira Franco Neto.

    [Trecho de matria27publicada no jornal Folha de Carajs

    em 28 de fevereiro de 2003].

    So de conhecimento pblico os fatos envolvendo denncias

    de trabalho escravo em nossa regio, que chegaram,

    inclusive, a culminar em prises de produtores ruraisacusados de descumprir a Legislao Trabalhista. O Sindicato

    Rural de Redeno v aes desta natureza com perplexidade.

    Estes funcionrios pblicos agem desta forma no sul do

    Par, porque no tm compromisso com a soluo dos

    problemas da regio, mas sim com a necessidade de aparecer

    na imprensa para serem promovidos em seus cargos. Estes

    cidados deveriam ser mais responsveis, pois somente

    desmoralizam o setor que hoje o maior gerador de emprego

    e renda do Estado do Par, afirma o produtor rural e diretor

    do SRR, Luciano Guedes (...).

    O Sindicato Rural de Redeno entende que aes como essa da

    fiscalizao tm como objetivo paralisar a atividade agropecuria,

    uma vez que os responsveis demonstram claramente que no

    abriro espao para nenhum tipo de flexibilizao da lei, levandoem conta as peculiaridades regionais.

    [Trecho de matria28 publicada no jornal Folha de Carajs

    em 21 de maro de 2003].

    28 SRR questiona

    aes do Ministrio

    do Trabalho, p. 8.

    [Arquivo CPT]

    27 Pecuaristas

    se renem para

    discutir sobre

    fiscalizao do

    Ministrio do

    Trabalho na

    regio, p. 7

    [Arquivo CPT].

    69

    Na imprensa local, tambm foram publicadas notas desqualificandoLeonardoSakamoto

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    69/198

    a atuao da CPT, com ataques diretos a frei Henri des Roziers.

    Assim, fcil encaminhar denncias ao Tribunal Superior do

    Trabalho, ao Ministrio da Justia, Organizao Internacional doTrabalho, com provvel noticirio para o exterior, especialmente

    para a Frana, de onde veio esse frei Henri Burin des Roziers. Todos

    conhecem as ambies internacionais sobre a Amaznia Legal e

    desmoralizar o Par com um denuncismo vazio e repetitivo, parece

    colaborar com a campanha orquestrada em vrios pases a respeito

    da Amaznia, inclusive com a divulgao de um mapa do Brasil, na

    Inglaterra, sem constar a Amaznia.

    Se existem alguns poucos fazendeiros, comprovadamente escravagistas,

    isso no autoriza essa campanha sistemtica do frei Henri e da CPT,

    sob o comando dele, contra os pecuaristas do sul e sudeste do Par,

    especialmente os de Redeno. Ningum do Sindicato Rural de

    Redeno quer denegrir a imagem do frei Henri Burin des Roziers,

    e esse tipo de acusao infundada, parece mais uma tcnica de

    autovalorizao, de autopromoo, de se apresentar espertamente comovtima, do que outra coisa.

    [Trecho de nota do Sindicato Rural de Redeno29

    publicada no jornal Folha de Carajs em 23 de maio de 2003].

    Com o passar do ano, cerca de cem outras aes do GrupoMvel de Fiscalizao libertaram trabalhadores no sul e no

    sudeste do Par, e os ataques dirigidos pelo Sindicato Rural de

    Redeno no esmoreceram. Assim, julgou-se necessrio fazer

    na cidade o lanamento da Campanha Estadual de Erradicao

    do Trabalho Escravo, com a presena da Conatrae e do ministro

    de Direitos Humanos Nilmrio Miranda.

    Ao chegar, a comisso foi recebida com hostilidade, e foi

    impedida de realizar a reunio no local agendado. Apesar disso,

    as atividades aconteceram, com a presena de trabalhadores

    rurais, sindicalistas e entidades de atuao local.

    29 Sindicato

    Rural de

    Redeno contra

    generalizaes, p.

    8. [Arquivo CPT]

    Foto:L

    Foto:LeonardoSakamoto

    Foto: Leonardo Sakamoto

    70

    TOCARLOS HENRIQUE KAIPPER, seria cerceado de aterrissar. Eu lembro que ns tivemos que aterrissar em

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    70/198

    DEPOIMENT

    REPRESENTANTE DO MINISTRIODO DESENVOLVIMENTO AGRRIONA CONATRAE

    2003-2006

    Foi um daqueles momentos inesquecveis. Ns samos no avio da FAB,

    vrios representantes da Conatrae. E, no caminho, nos chegou a notcia

    de que os produtores rurais haviam colocado tratores e mquinas na

    pista do aeroporto para no deixar o avio aterrissar naquela localidade.

    Ns ficamos perplexos porque nunca iramos imaginar que, no Estado

    Democrtico de Direito, um avio cheio com uma comitiva de Braslia, com

    ministro de Estado e uma representao bem forte do Poder Executivo,

    um aeroporto de uma cidade vizinha e nos deslocar de carro para o destino.

    E, chegando l, havia algumas pessoas vestidas de preto e faixas dizendo

    que a cidade estava de luto com a presena da Comisso Nacional para

    a Erradicao do Trabalho Escravo. Uma coisa absurda, impensvel; se

    algum me contasse, eu no acreditaria. Se as pessoas se encorajam de

    ir publicamente contra a Comisso Nacional de Erradicao do Trabalho

    Escravo, o que no se faz em um mbito no pblico de boicote poltica?

    Foi um momento bem marcante da existncia da Conatrae esse episdio,

    mas fomos. No conseguimos aterrissar naquele aeroporto, aterrissamos

    no aeroporto mais prximo, fomos l de carro, ultrapassamos essas

    barreiras, faixas e cartazes e pessoas de preto, fizemos a reunio que

    tnhamos planejado. No obstante toda a hostilidade do momento, ns no

    deixamos de fazer tudo o que estava previsto na regio.

    Depois de Redeno, outras reunies itinerantes foram realizadas ao longo destes dez anos, em diversos estados Tocantins, Maranho, Bahia, Rio de Janeiro,Mato Grosso , para apoiar as foras locais que atuam no combate ao trabalho escravo e para tentar envolver os governos estaduais na luta contra a escravido.

    71

    ROBERTO CALDAS, REPRESENTANTE DA OAB NA CONATRAEN

    TO

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    71/198

    2003-2007 E 2010-2013

    A sociedade tem que compreender que o Estado no consegue estar em todos os lugares neste pas de dimenses continentais. Especialmente nas

    novas fronteiras, isso [que aconteceu em Redeno] sempre possvel de acontecer. O importante que, se acontecer, haja uma reao imediata

    do Estado para no permitir que esse tipo de coisa acontea. A possibilidade hoje muito menor. Vamos dizer que os movimentos ruralistas j

    esto acostumados com a presena do Estado. Havendo uma ao, haver uma reao e vice-versa. Ento o importante , para atividades ilcitas ou

    criminosas, que o Estado esteja presente para garantir a liberdade das pessoas.

    DEP

    OIMEN

    72

    Novembro2003

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    72/198

    O Ministrio do Trabalho e Emprego lana portaria que cria o Cadastro de Empregadores que tenham submetido trabalhadores a condies anlogas de

    escravo, mais conhecido como lista suja. Na mesma data, o Ministrio da Integrao Nacional tambm divulga portaria com recomendao aos bancos

    pblicos de cortar financiamento aos proprietrios do cadastro. A primeira lista continha 52 nomes e, desde ento, vem sendo atualizada semestralmente.

    A atualizao de julho de 2013 apresentava 490 nomes.

    O empregador inserido na lista aps encerrado, no Ministrio do Trabalho e Emprego, o processo administrativo em consequncia do flagrante de trabalho escravo

    pela fiscalizao. Seu nome nela mantido por dois anos, e retirado se os dbitos trabalhistas e multas forem quitados, desde que no haja reincidncia.

    A lista suja apontada como um dos principais instrumentos de combate escravido. Primeiro, pelo constrangimento ao expor publicamente o fato de a

    pessoa ou a empresa ser escravagista. Segundo, por ser usada para restringir crditos e financiamentos. Por fim, pela sua utilizao por outras instituies,

    o que gerou novas iniciativas, como a pesquisa de cadeias produtivas envolvendo trabalho escravo e o Pacto Nacional pela Erradicao ao Trabalho Escravo,

    acordo que rene importantes grupos econmicos do pas que se comprometem a no realizar transaes comerciais com os que tm o nome na relao.

    A lista suja, assim, foi o primeiro instrumento que visava a mexer no bolso de quem escraviza. O ministro de Direitos Humanos Nilmrio Miranda

    (2003-2005) considera essa estratgia muito importante, pois o trabalho escravo tem que deixar de ser uma atividade economicamente vivel eatraente para quem quer faz-la, as pessoas sem escrpulo. Porque enquanto for vivel economicamente, haver trabalho escravo30.

    Algumas empresas tm entrado com liminares na Justia para retirada dos nomes do cadastro, processos contestados pela Advocacia Geral da Unio AGU.

    2003

    30 Entrevista

    concedida em

    junho de 2013.

    73

    Via de regra, os empregadores alegam a inconstitucionalidade e a ilegalidade da atual Portaria Conjunta 02 (antiga Portaria 540),

    pois entendem que a mesma tem carter sancionatrio e portanto deveria ter anterior previso legal ou constitucional

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    73/198

    pois entendem que a mesma tem carter sancionatrio e, portanto, deveria ter anterior previso legal ou constitucional.

    A AGU defende a Unio em todas as aes em que existe algum questionamento a respeito do cadastro. Os principais

    argumentos adotados pela AGU so:

    O cadastro tem como fundamentos constitucionais a dignidade da pessoa humana e a valorizao social do trabalho

    (artigo 1, III e IV, artigo 3,I e III, artigo 4,II, artigo 170, III e VIII, 186,III e IV, todos da Constituio Federal);

    O cadastro tem embasamento legal diante das previses existentes em atos internacionais: Conveno da OIT n

    29 (Decreto n 41.721/1957), Conveno da OIT n 105 (Decreto n 58.822/1966), Conveno sobre Escravatura de

    1926 (Decreto n 58.563/1966) e a Conveno Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de San Jose da Costa Rica -

    Decreto n 678/1992), todas ratificadas pelo Brasil, com status normativo de lei ordinria e plenamente recepcionadas

    pela Carta Constitucional de 1988, que contm dispositivos prevendo a adoo imediata de medidas, sejam elaslegislativas ou no, necessrias para a erradicao do trabalho escravo;

    A criao do cadastro funciona como um dos mecanismos de orientao de polticas conjuntas do governo, no

    implicando por si s restrio aos direitos de quem foi apanhado na conduta de reduzir trabalhadores condio

    anloga de escravo. Nessa linha, o Poder Executivo pode e deve possuir bancos de dados e cadastros de suas

    atividades no sentido de registro e orientao das suas aes, sendo o cadastro uma importante ferramenta

    administrativa na medida em que permite a atuao conjunta de rgos pblicos, evitando-se o risco da adoo de

    polticas contraditrias no mbito do Governo Federal.

    Mario Guerreiro, diretor do Departamento Trabalhista da AGU31

    31 Entrevistaconcedida por e-mail

    em julho de 2013.

    74

    O CASO DAA

    DE

    o/DivisodeFiscalizaopara

    aodoTrabalhoEscravo(MTE)

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    74/198

    CONSTRUTORA MRV AMERICANA, INTERIORDE SO PAULO

    Um caso que ficou conhecido pela disputa judicial

    contrria lista suja foi o da construtora MRV.

    A primeira insero da empresa no cadastro se deu

    em julho de 2012, por conta de dois flagrantes de

    escravido em 2011 no interior de So Paulo: um em

    Americana, onde 63 trabalhadores foram libertadosna construo de um condomnio residencial que

    recebeu financiamento do programa Minha Casa,

    Minha Vida; outro em Bauru, com o resgate de 5

    trabalhadores contratados no Maranho. A Caixa

    Econmica Federal chegou a suspender a concesso

    de crdito empresa, que entrou com liminar para

    retirada de seu nome da lista, acolhida pelo ministro

    Benedito Gonalves do Superior Tribunal de Justia.

    A partir de novo flagrante de escravido em Curitiba,

    Paran, a MRV retornou ao cadastro em dezembro

    de 2012. No entanto, outra liminar foi concedida

    pelo STJ, desta vez pela ministra Eliana Calmon.

    Entre 2011 e 2013, a utilizao de mo de

    obra escrava foi flagrada em quatro canteirosde obras da empresa, resultando num total

    de 85 trabalhadores resgatados. O ltimo

    aconteceu em Contagem, regio metropolitana

    de Belo Horizonte, Minas Gerais. As situaes

    encontradas apresentavam elementos de

    condies degradantes de trabalho, no

    pagamento de salrio, informalidade empregatcia

    e aliciamento. Em todos os casos, a MRV alegou

    responsabilidade de empresas terceirizadaspor ela contratadas. Em 2011, ano em que

    aconteceram trs dos flagrantes, a empresa teve

    faturamento bruto de R$ 2,5 bilhes.

    Os casos de libertao na construo civil

    aumentaram nos ltimos anos. Os primeiros

    flagrantes aconteceram em 2008 no Rio de Janeiro,

    no Mato Grosso e no Mato Grosso do Sul. Muitos

    dos municpios que antes forneciam trabalhadorespara atividades agrcolas hoje veem seus filhos

    saindo para buscarem emprego nesse outro setor

    econmico, em franco crescimento no Brasil, nem

    sempre com melhoria nas condies de trabalho.

    REALIDA

    Foto:Divulga

    Erradica

    Foto:Divulgao/DivisodeFiscalizaopara

    ErradicaodoTrabalhoEscravo(MTE)

    Foto:Divulgao/DivisodeFiscalizaopara

    ErradicaodoTrabalhoEscravo(MTE)

    Foto:Divulgao/DivisodeFiscalizaopa

    ra

    ErradicaodoTrabalhoEscravo(MT

    E)

    75

    Dezembro2003

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    75/198

    2003

    aprovada anova redao do artigo

    149do Cdigo Penal Brasileiro, que d

    forma mais precisa tipificao do crime,

    ao considerar a jornada exaustiva, a

    restrio da liberdade em razo de dvida

    e o trabalho degradante como formas de

    trabalho escravo, adequando a definio

    realidade brasileira. Na verso anterior,

    apenas aparecia na lei: reduzir algum a

    situao anloga a de escravo.

    Artigo 149

    Reduzir algum a condio anloga de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forados ou

    a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condies degradantes de trabalho, quer restringindo,

    por qualquer meio, sua locomoo em razo de dvida contrada com o empregador ou preposto.

    Pena recluso, de 2 (dois) a 8 (oito) anos, e multa, alm da pena correspondente violncia.

    1 Nas mesmas penas incorre quem:I cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de ret-lo

    no local de trabalho;

    II mantm vigilncia ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos

    pessoais do trabalhador, com o fim de ret-lo no local de trabalho.

    2 A pena aumentada de metade, se o crime cometido:

    I contra criana ou adolescente;

    II por meio de preconceito de raa, cor, etnia, religio ou origem.

    76

    NTOMARCELO CAMPOS, AUDITOR FISCAL

    DO TRABALHO E COORDENADOR

    o cerceamento da liberdade de ir e vir. O que distingue o trabalhador

    com direitos e o trabalhador escravo como objeto? a dignidade. Porque o

  • 7/22/2019 Contrae Livro Site Sdh

    76/198

    DEPOIMENDO TRABALHO E COORDENADOR

    NACIONAL DO GRUPO MVELNA SECRETARIA DE INSPEO DOTRABALHO

    1997-2000 E 2003-2010

    Ns fazamos um enfrentamento no seguinte sentido: no h cerceamento

    da liberdade de ir e vir, mas trabalho anlogo ao de escravo, entendemos

    como tal. Sempre dialogvamos com o conjunto das instituies pblicas e

    com a sociedade civil e dizamos: ns temos que modificar o Cdigo Penal.

    O Cdigo Penal no dizia que deveria haver cerceamento da liberdade de

    ir e vir; quem dizia era uma jurisprudncia que nunca tinha enfrentado a

    realidade. Era uma inveno da cabea de alguns juristas, completamente

    pautada em algo que no era uma realidade.

    Ns considervamos [trabalho escravo] porque aquilo feriafundamentalmente a dignidade do trabalhador. Se fizer uma anlise do

    ponto de vista filosfico e conceitual, o que diferencia o trabalhador

    contemporneo com direitos e livre do trabalhador escravo do Imprio no

    j g q

    trabalhador contemporneo um sujeito de direitos, livre, e, para realizar

    o seu trabalho, h uma srie de direitos que tm que ser cumpridos. E

    esses direitos no so uma fico: na prtica dariam a ele uma dignidade

    para exercer o seu trabalho.

    Para o escravo no Imprio e na Colnia, no havia o