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Paulo Heitlinger 4.ª Edição, 2018 412 páginas, 500 imagens Edições de Arqueologia A cultura Visigótica na Hispânia: Monarcas, Monumentos, Manuscritos, Leis, Jóias, Arte e Música.

Cultura visigótica. Em Espanha e Portugal, 2018 · Cristologia ariana ..... 16 Cristologia ortodoxa ... evolução da Hispânia na época tardo-romana

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Paulo Heitlinger 4.ª Edição, 2018

412 páginas, 500 imagens Edições de Arqueologia

A cultura

Visigóticana Hispânia: Monarcas, Monumentos, Manuscritos, Leis, Jóias, Arte e Música.

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Cultura

Autor e paginação: Paulo Heitlinger. Copyright 2011 – 2018 by Paulo Heitlinger.Todos os direitos reservados para a língua portuguesa e para todas as outras línguas.

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Foto da capa: Coluna da época visigótica.Museu da Igreja de Santo Amaro, Beja.Nesta página: o outro lado da mesma coluna.

visigótica

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Coroa de Recesvinto. MAN. Foto: Magnificus.

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Cultura Visigótica / / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 5Procurar no texto: CTRL+F

TemasIntrodução ..............................................................................8

Os Cristianismos .......................................... 9Os Cultos de Cristo ............................................................ 10As igrejas hispânicas .........................................................11Cristologia ariana .............................................................. 16Cristologia ortodoxa ......................................................... 16Os cristãos de Mértola ..................................................... 21Cristologia monofísita ...................................................... 21Conversão dos Suevos: Martinho de Dume ..............22Frutuoso de Braga ............................................................23Os Beneditinos ....................................................................25

Os Visigodos ................................................27Godos em terras hispânicas .......................................... 28Iberização do reino visigodo ......................................... 29Toledo, capital do reino ................................................... 30Museo de los Concilios y de la Cultura Visigoda .. 34Reis visigodos ......................................................................35Isidoro de Sevilha ...............................................................41Direito visigodo ................................................................. 42O Código de 654 (Liber Judiciorum) ........................... 42O embate do Islão ............................................................. 45Cultura moçárabe ............................................................. 48

Os Judeus.....................................................52A Reconquista .............................................55

Os reis das Astúrias ...........................................................58

Cultura visigótica ....................................... 65Placas decorativas .............................................................75Colunas, pilastras e capitéis ...........................................87Capitéis historiados de San Pedro de la Nave ........102Arte visigótica ...................................................................106Escultura: o Baixo-relevo .............................................. 112Cerâmica ............................................................................. 125

Cruzes votivas ........................................... 129O Tesouro de Torredonjimeno .................................... 137

O Artesanato ............................................. 138Preciosas fíbulas .............................................................. 139Fivelas ornadas, artesanato visigótico .....................142900: Ainda o ouro .............................................................147Arqueta de San Genadio ...............................................147Arqueta das Ágatas .........................................................149

A Letra Visigótica ...................................... 150Versais orientais ............................................................... 155Decadência da letra romana ........................................ 157Os primeiros 250 anos da Versal visigótica ..............161Decoração ...........................................................................169

Temas

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Inscrições gregas ..............................................................194A Cultura dos Vândalos ................................................ 197O reino africano ................................................................ 197Formas das versais visigóticas arcaicas..................204

A segunda letra visigótica lapidar ........... 207Lápides e inscrições em monumentos .....................208O corpus epigráfico de Salas ........................................216Moedas visigóticas ..........................................................241

A caligrafia monástica ...............................243Os scriptoria .....................................................................244

Canto moçárabe ....................................... 250Os Antifonários .................................................................251

Escrita visigótica librária ...........................258O requinte da versal visigótica ....................259Codex Vigilanus ..............................................................266

Beatus ........................................................ 272Os Beatus hispânicos ......................................................273Seu de Urgell ..................................................................... 277Apocalipse do Lorvão .................................................... 283Pizarras visigodas ........................................................... 287Vamos a números............................................................289A erradicação da Escrita visigótica .......................... 292A substituição do rito moçárabe ............................... 292

Descobrir sítios ......................................... 296Testemunhos a Sul .......................................................... 298Senhora da Rocha, Porches, século vii .....................301Basílica paleo-cristã, Mértola, séculos v-vi ........... 303Santo Amaro, Beja, século xi, espólio visigótico .. 305Torre de Palma, século iv ............................................. 309Badajóz ................................................................................310Mérida ...................................................................................311Santa Maria de Melque, século viii ..........................312Toledo ................................................................................... 313Recopólis, 578 ....................................................................316San Vicente, Córdova, século vi .................................. 317Sevilha .................................................................................318Tarragona ........................................................................... 319Barcelona ........................................................................... 320Testemunhos ao Centro ................................................321Basílica de Tróia, Setúbal, século iv ......................... 322São Gião, Nazaré ..............................................................323Conímbriga, Condeixa-a-Nova ................................... 327São Pedro de Lourosa, 912 ............................................ 328Testemunhos nas Astúrias ......................................... 332Oviedo ................................................................................. 334Santa María del Naranco, 842 ................................... 334San Miguel de Lillo, Oviedo ......................................... 338San Julián de los Prados, Oviedo ...............................340Museu Arqueológico das Astúrias, Oviedo ............341

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San Salvador de Val de Diós, 893 ............................... 342Santianes de Pravia, século viii ................................. 345Santa Cristina. Pola de Lena, século ix ...................346Santa María de Lebeña, Cantábria ........................... 349Testemunhos em León .................................................. 350León ...................................................................................... 351Santiago de Peñalba, León ........................................... 352Santo Tomás de las Ollas .............................................. 358San Miguel de la Escalada, Gradefes, 913................ 359San Juan de Baños, Baños de Cerrato, Palencia, 661 365Capela do Ciprés .............................................................. 366Santa Comba de Bande, Galiza, século vii ............ 367São Torcato, Guimarães, 951 ....................................... 369São Frutuoso de Montélios, Braga, século vii ........ 371Braga, Museu arqueológico ..........................................373Dume ....................................................................................374San Pedro de la Nave, 670 ..............................................375São Pedro de Balsemão, Lamego, século ix ............383Quintanilla de las Viñas, Burgos ............................... 386

Epigrafia moderna .....................................387Epigrafistas ....................................................................... 388Andrés Merino ................................................................. 389Hermann Dessau............................................................. 390Theodor Mommsen ........................................................ 390Emil Hübner ....................................................................... 391Estácio da Veiga: o parteiro da Arqueologia portuguesa ................................................393José Leite de Vasconcelos ............................................. 394

Glossário ....................................................395Bibliografia ............................................... 400

Links ....................................................................................406Índice...................................................................................407Os autores ........................................................................... 411As fontes usadas neste livro .........................................412

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Cultura Visigótica / / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 8Procurar no texto: CTRL+F

Introdução

Os testemunhos da cultura visigótica em Portugal e Espanha são muito fragmen-tados – um mosaico confuso que inclui alguma arquitectura, um pouco de artes

decorativas, pouca escultura, bastante epigrafia, e preciosos manuscritos iluminados. Estes elementos são, no seu conjunto, escassos, pouco conhecidos do grande público, mal divulgados e frequentemente mal interpretados. Deste modo, o leitor compreenderá que não foi tarefa fácil ordenar estes fragmentos para tentar obter uma visão mais consolidada do que foi a Cultura visigótica.

Falamos de um período começado pelas inva-sões bárbaras, com início em 409, e fortemente afectado pelas invasões muçulmanas no ano de 711. Uma cultura que teve uma continuação

chamada moçárabe (nos territórios sob o domínio islâ-mico) e uma continuação alto-medieval, nos territó-rios obtidos pela Reconquista.

Em termos da evolução dos sistemas de escrita vigentes na Península Ibérica a partir da época tardo-romana e até à implementação da monar quia portuguesa, não existe ainda publi-

cação que nos mostre e interprete o corpus de inscri-ções e manuscritos. Muito poucos arqueólogos e paleó-grafos se têm ocupado desta matéria. A presente docu-

mentação propõe colmatar esta lacuna, para nos mostrar o que se passou no domínio dos Sistemas de Escrita durante esses 600 anos.

A letra visigótica é um tipo de escrita singular, que acompanhou a História da Península Ibérica desde o século iv até ao século xii. Assistiu à fundação do reino

de Portugal, mas, por motivos político-religiosos, foi substituída pela Escrita Carolina. Marca a transição de um padrão estético da Antiguidade Tardia para uma caligrafia medieval. Este letra é genuinamente peninsular, pois não existiu em qualquer outra zona geográfica. Com ela se grafaram textos latinos, gregos e nos idiomas/dialectos/falares que deram origem ao galego, português e castelhano.

P ara a compilação de alguns dos textos que vai ler, baseei-me em obras de Katherine Fischer Drew, Peter Klein, Emil Hübner, Claudio Torres, José Mattoso e Mário Jorge Barroca,

assim como em textos patentes em web-sites de museus e bibliotecas de reconhecida competência e autoridade. Informações da Wikipedia ou de blogues só foram usadas quando validadas por outras fontes.

Janeiro de 2018Paulo Heitlinger

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Cultura Visigótica / Os Cristianismos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 9Procurar no texto: CTRL+F

Os CristianismOs

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Cultura Visigótica / Os Cristianismos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 10Procurar no texto: CTRL+F

A seguinte apresentação sumária do Cristianismo é essencial para se perceber a evolução da Hispânia na época tardo-romana e nos primeiros tempos das invasões ditas bárbaras.

A s religiões praticadas na Hispâ nia romana faziam parte do politeísmo romano, que inte-grava o panteão greco-romano, mas também outras divin da des; por exemplo, da Lusitânia.

Os deuses romanos mais importantes eram Júpi-ter, Neptuno, Apólo, Diana, Minerva, Marte, Vénus, Mercúrio, Vulcano, Vesta, Céres e Juno. Por exemplo, em Lisboa {Olisipo}, praticava-se um culto à Lua e a Esculápio, deus da Medicina, e ainda ao Deus dos Lagartos e Cobras.

A mitologia de Mitra mostra fortes paralelis-mos com o culto a Jesus de Nazaré, figura central do culto cristão. Aliás, o culto de Cristo começou em concorrên cia com culto de Mitra.

Na Península Ibéri ca, o Cristianismo penetrou pelo Sul, vindo de mosteiros norte-africanos. Já no fim do domínio romano, Olisipo foi um dos primei-ros núcleos romanos a acolher o Cristianismo; o pri-meiro bispo cristão da cidade foi São Gens.

Durante os últimos decénios do Império Romano, já com muitos convertidos às várias seitas do Cris-tianismo, vários bispos de Lisboa participaram em concílios que moldaram a teologia cristã actual.

Em 325, o bispo Potâmio de Olisipo participou no Concílio de Nicéia, no qual o Arianismo foi con-denado e a inter pretação de outras seitas cristãs foi aceite: Jesus como encarnação directa de Deus.

A partir de 313, o Cristianismo obteve uma posi-ção de privilégio face às religiões vigentes no Impé-rio romano, o que permitiu a realização de uma série de concílios. No ano de 380, o imperador Teodósio (346–395), ao publicar o Édito de Tessalónica, fez do Cristianismo a religião oficial e única do Império. O Cristianismo acaba por ser escolhido pelos impera-dores romanos para ser Religião de Estado

A partir do século iii, os historiadores já falam de uma Igreja cristã, pois na Hispânia, muito antes da já relatada evolução da Monarquia visigoda, já existiam comunidades cristãs

organizadas hierarquicamente sob o poder dos bispos e diáconos.

O Cristianismo expandiu-se preferencialmente nas zonas urbanas com maior densidade populacio-nal; a nova crença apareceu ligada a grupos sociais heterogéneos. As actas de mártires dão-nos notí-cia de escravos libertos, comerciantes, artesãos e soldados.

As ligações com o Norte de África são dominantes, sendo claras as influências desta região até ao século iv. Nos autores hispano-cristãos observa-se uma evolução para uma cultura cristã que progressiva-mente começa a omitir os autores clássicos, embora ainda sejam conhecidos autores romanos (pagãos!) como Virgílio ou Ovídio.

A figura do Bom Pastor é a representação preferida nos primeiros tempos da era cristã. Só mais tarde é substituída pelo masoquismo do Cristo crucificado.

Os Cultos de Cristo

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As igrejas hispânicas

A primeira notícia refe-rente ao Cristianismo em Caesar augusta (a Zara-goza de hoje) aparece

numa carta de Cipriano, bispo de Cartago, datada de 254, na qual menciona Félix de Caesaraugusta, fidei cultor ac defensor veritate. Foi Prudêncio que deixou o teste-munho mais extenso no seu Peris-tephanon (princípios do século v);

assistiu ao Concílio de Iliberis em 306, pertencia à domus infu-lata dos Valérios, uma dinastia de bispos ceasaraugustanos chamados Valero/Valério, o que demonstra que Zaragoza já era sede epis-copal desde meados do século III. O sarcófago chamado da receptio animae ou da Assunção (ca. 330 – 350), procedente de uma necrópole cristã perto da igreja basílica de Santa Engrácia, onde se encontram

L ápide funerária de Muriensis. Foto: Museu de Huelva,

Andaluzia, Espanha.

Sarcófago cristão. Escultura tardo-romana. Museu de Córdova, Espanha.

fala de inúmeros mártires. Possi-velmente, estes mártires morreram durante a perseguição feita pelo imperador Valeriano (200–260) de 257/258, embora este dado não seja seguro. Um tal Valero, bispo de Zaragoza, e Vicente, seu diácono, foram deportados por volta de 303 para Valencia por Maximiano (250-310), onde foram torturados, fale-cendo Vicente. Valero, que ainda

actualmente. No ano de 311 o impe-rador Galério (260–311) publicou o édito que legalizava a igreja cristã.

A partir de 313, os cristãos obti-veram uma posição de privi-légio face às religiões vigentes no Império romano, o que

lhes permitiu realizar uma série de concílios, como o já mencio-nado de Iliberis, nos quais se elimi-naram uma série de heréticos. Ao concílio de Arles foram enviados,

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359Arte tarde-romana. Museo della Civiltà Romana, em Roma - Sala 15 (Cristianismo) - Cópia em gesso do Sarcofago di Giunio Basso (o original, datado de 359, está no Museo do Tesouro de São Pedro). Trata-se do mais antigo sarcófago cristão decorado com episódios bíblicos e cenas dos evangelhos que chegou até nós.

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em 314, Rufino e Clemêncio. Em 343, Casto, bispo de Zaragoza, foi convocado a Sérdica (actual Sofia, Bulgária) para combater o Arianismo. Também houve concílios em Zaragoza, sendo o primeiro em 380, dedicado à luta contra o Priscilianismo.

D atam de entre 330 e 350 dois sarcófagos paleo-cristãos que se conservam na igreja basílica de Santa Engrácia; ambos são de mármore esculpido em Roma, o que indica

a existência de cristãos com suficientes recursos. Além da igreja de Santa Engrácia, que se encon-trava no mesmo lugar que o edifício actual, é possível que houvesse outras duas basílicas na cidade: a de Santa Maria, no lugar no que se encontra actualmente a Basílica do Pilar; a de São Milão, no terreno do antigo teatro romano.

Já no século iv, encontramos na Hispânia distintas personalidades na doutrinação reli-giosa, como o já mencionado Potâmio de Lisboa (360). É este que inicia a doutrinação

cristã hispânica, uma espécie de teologia popular, menos especulativa e mais ligada à prática.

O movimento priscilianista mostra tendên-cias logo difamadas como «heréticas». Os pris-cilianistas, acusados de maniqueísmo e de prati-car magia, desencadearam um vasto panfletismo, encabeçado por nomes da militância cristã ibé-rica, como, por exemplo, Idácio de Mérida, ou Itá-cio de Ossonoma.

Depois do afastamento e condenação de Potâ-mio cria-se um vazio, só preenchido no século vi por Martinho de Dume, que chegára à Península Ibérica cerca de 550. Isidoro de Sevilha, um século

mais tarde, irá considerá-lo o homem mais culto do seu tempo. Manifesta-se defensor do ascetismo monástico, tem um papel considerável no reino suevo, sendo o responsável pela conversão do monarca – e, por arrasto, de toda a população sob o domínio suevo.

A sua obra é militante no político e no religioso, que o levou à compilação de cânones de concílios. Teve também um importante papel na adopção do latim falado na Galécia.

Segundo P. de Palol, é a partir do século iv que a arte páleo-cristã se manifesta e divulga. Entendemos na Hispânia como manifestações de arte paleocristã, as peças que correspondem à Tetrarquia e, sobretudo, a tempos constantinos, quer dizer, aos séculos iv e posteriores. Em relação ao limite final é muito difícil estabelecê-lo na Península.

337Sarcófago paleocristão de Martos. Museo de Jaén, Espanha. Procedente duma oficina de Roma. Possui sete nichos, entre colunas. Decorado com passagens do Antigo e Novo Testamento. Mostra, na tampa, a cena dos hebreus na Babilónia e uma cena da vida de Jónas. Na caixa, da esquerda à direita, as seguintes cenas da vida de Cristo nos nichos: a ressureição do filho da viúva de Naim, a cura do cego, a cura de Hemorroisa, a negação de São Pedro, a cura do paralítico, a multiplicação dos pães e dos peixes e o milagre das bodas de Caná.

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O s aliados mais directos (e mais poderosos) da monarquia visigoda foram os bispos cristãos. Muitos bispos tiveram um papel chave na vida social, política e económica durante os anos de

convulsão entre a eclipse do poder romano e o esta-belecimento definitivo do poder visigodo1. Note-se que os invasores visigodos respeitaram o poder do clero e aproveitaram os seus conhecimentos; conti-nuaram a tradição cultural já enraizada de feição hispano-romana – pouco trazendo de novo.

A ( falsa) noção de que o período visigótico terá sido brilhante, foi difundida e sustentada por cléri-gos e monges. Os códices legados às gerações poste-riores, contendo regras do direito civil e canónico e os textos litúrgicos foram ciosamente guardados pelo clero. No entanto, todos eles são cópias de tex-tos elaborados pela elite cristã hispânica anterior à chegada dos Visigodos.

1 "Las más elevadas dignidades de la Iglesia hispana son los obispos y a ellos se consagran vários epitafios. Son citados com el término episcopus, lo más frecuente dado su carácter técnico para dar idea de jerarquía, pero en algunas ocasiones, sin duda como recurso poético, se les aplica algún otro, si bien pueden adquirir algún matiz diferenciador, aunque suelen tener la connotación de persona consagrada. Memoria de la Vida y Publicidad de La Muerte en la Hispania tardorromana y visigoda. Las Inscripciones Funerarias." Javier de Santiago Fernández.

S arcófago de Leocadio. Século IV. Museo de la Necrópolis

Paleocristiana de Tarragona. Foto: ph.

Reis e bispos: o poder político e o poder religioso

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Tarragona, Espanha.Mosaicos de uma sepultura paleo-cristã.

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Cristologia ariana

O Arianismo representa uma das mais impor-tantes correntes paleocristãs. Esta doutrina, de origem oriental-bizantina, como algumas outras, foi defendida por Ário, sacerdote

cristão activo em Alexandria (256 – 336). Negava a Trindade, a divindade de Cristo e a Redenção.

Por volta de 319, Ário propagava que só exis-tia um Deus verdadeiro, o Pai Eterno, princípio de tudo e de todos os seres. O Cristo-Logos havia sido criado por ele antes do tempo, pois a divin-dade transcendente não poderia entrar em con-tacto com a matéria.

Cristo, inferior e limitado, não possuíria o mesmo poder divino, situando-se entre o pai e os homens. Ário afirmava ainda que o filho era dife-rente do pai em substância.

Um primeiro sínodo, realisado em Alexandria, expulsou Ário da comunhão eclesiástica, mas dois outros concílios, fora do Egipto, condenaram aquela decisão, reabilitando-o.

A doutrina ariana foi condenada no i Concí-lio de Nicéia (325) e considerada herética; aqui, o Catolicismo ficou como a única doutrina verda-deira. Os Visigodos aderiram ao Arianis mo, antes de se converterem ao Catolicismo, em 589, por ini-ciativa do rei Recaredo, quando do III. Concílio de Toledo.

Cristologia ortodoxa

A Cristologia ortodoxa, hoje conjuntamente defendida pelas igrejas católica, ortodoxa e protestante, tem por base o Concílio de Calce-dónia (451), o qual estabeleceu as bases

desta corrente, na qual o Cristo é tido por verda-deiro deus e verdadeiro homem (união hipostá-tica) e se apresenta nestas suas duas naturezas sem distinção, indivisíveis e inseparáveis, de tal forma que as propriedades de cada uma perma-necem ainda mais firmes quando unidas numa só pessoa.

Para os defensores desta cristologia, o termo Filho de Deus aplicado a Jesus deve ser inter-

C ruz grega, típica da época visigótica,

exposta no Museu Visigótico instalado na Igreja de Santo Amaro, Beja.

Fragmento dum sarcófago paleo-cristão representando Daniel na fossa dos Leões. Museo Arqueológico y Etnológico de Córdova, Espanha.

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Em Zaragoza, a cripta da Basílica de Santa Engrácia conserva dois sarcófagos de mármore do século IV,

paleocristãos, sobressalientes, herdados da antiga igreja Santas Masas:O sarcófago chamado Receptio animae ou de la Asunción, 330-350. O segundo, chamado Trilogía petrina, foi esculpido entre 340 e 350.

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Em Córdova conserva-se este precioso sarcófago de mármore do século IV,

paleocristão.

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Fragmento dum sarcófago paleo-cristão, representando magistrados (?). Museo

Arqueológico y Etnológico de Cordóva, Espanha.

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Sarcófago paleocristão, da Igreja de Santa Cruz de Écija, Andaluzia, Espanha.

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Cultura Visigótica / Os Cristianismos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 21Procurar no texto: CTRL+F

pretado com a natureza de Deus, gerado já desde o início de tudo e, portanto co-eterno.

Os cristãos de Mértola

C omo é que os cristãos chegaram a Mértola? Por volta do ano 300, estima-se que 10 a 15% da população do Império

Romano se tinha convertido ao Cristianismo. Os centros teoló-gicos localizavam-se na Ásia Menor, Síria e África do Norte. Legalizado como culto pelo imperador Cons-tantino e tornado religião de Estado sob Teodósio I, o Cristianismo expandiu-se célere. Na Antiguidade Tardia não só se tinha expandido dentro das fronteiras do Império, como também em regiões adja-centes, como a Arménia e a Etiópia.

Mas a cristianização não deu origem a um credo homógeneo; antes pelo contrário. Diversas sei-tas e os respectivos bispos disputa-vam a verdade divina entre si. Uma corrente principal estabeleceu-se em Roma, outro caudal formou-se em Bizâncio (Constatinopla), asso-

Sarcófago cristão. Século IV. Museo de la Necrópolis Paleocristiana de Tarragona.

ciado à cultura e língua grega. Dos centros do Norte de África, o Cristia-nismo penetrou o Sul da Península Ibérica, muito antes da relação que este culto obteve com os Suevos que tinham penetrado no Norte e no Cen-tro da região hoje portuguesa. É esta a origem do culto cristão em Mértola (veja página 303), que nos séculos v e vi estava sob a influência da cul-tura bizantina, conforme revela o belo mosaico do caçador com falcão, des-coberto na zona palatiana de Mértola.

Cristologia monofísita

O Monofisismo1 é uma doutrina de origem oriental-bizantina, lançada no século V. Surgiu na igreja de Antió quia, elaborada

pelo monge Eutíques, arquiman-drita dum mosteiro de Constanti-

1. Até aos nossos dias existem igrejas monof ísitas cristãs no Egipto, na Arménia, na Etiópia e na Índia.

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nopla. Estendeu-se à Palestina e à Síria. Eutí-ques contrariou Nestório, proclamando a união completa das duas naturezas de Cristo, negando o seu carácter humano e atribuindo--lhe uma única natureza, a divina – daí o termo monofisismo. É a crença numa só natu-reza (ou physis, em grego) da pessoa de Cristo. Mas, com um Cristo totalmente divini zado, punha-se a questão: Porque é que existem dois deuses, um que é pai, e outro que é filho? Um deles estaria a mais, não?

Eutíques foi condenado como herético no Concílio de Calcedónia em 451. Leu-se uma carta dirigida ao bispo de Constantinopla, que continha as concepções do papa Leão Magno (440–461) relativamente às naturezas de Jesus

Conversão dos Suevos: Martinho de Dume

B raga também foi um centro paleocristão – isto deve-se a Martinho de Dume (? – 579), ou ainda Martinho de Braga – os nomes por que é conhecido Martinho da Panónia, bispo

de Braga e de Dume. É tido como «Apóstolo dos Suevos», pois operou a sua conversão do Aria-nismo ao Catolicismo.

Martinho de Dume nasceu na Panónia, actual Hungria, no século VI. Estudou grego e práticas eclesiásticas no Oriente. Foi para Roma e França, onde visitou o túmulo de Martinho de Tours.

Estabeleceu um mosteiro em Dume, uma aldeia próximo de Braga, a partir do qual come-çou a irradiar a sua pregação. Estabeleceu a dio-cese de Dume (caso único na história cristã – con-finada ao mosteiro a que presidia), da qual foi pri-meiro bispo e, depois, por vacatura da diocese bra-carense, foi feito metropolita de Braga, então capi-tal do Reino Suevo.

Fez reunir o Concílio de Braga em 563, tendo proíbido que se cantassem muito dos hinos e can-tos de carácter popular que estavam incluídos nas missas e noutras celebrações religiosas. Ao longo dos anos, a música litúrgica foi sendo fixada no Cantochão, mas o povo, apoiado num substrato musical muito antigo, apoderou-se de alguns des-tes cânticos da Igreja e popularizou-os, dando-lhes a sua interpretação própria.

Lápide funerária, gravada com letras gregas. Mértola.

Cristo e que foi aceite por todos os presentes nesse concílio. Os 25 bispos presentes fixaram uma fórmula de fé que declarava inquestionável a (nova) definição da pessoa de Jesus. A fórmula foi aceite pelos imperadores bizantinos Marciano e Pulquéria, sendo contudo rejeitada por um dos mais acérrimos monofisistas, Dióscuro.

Em Mértola existem traços desta variante das fés cristãs. Parte dos vestígios paleo--cristãos conservam-se no pequeno Museu Visigótico, onde se pode estudar uma parte

das lápides funerárias aqui achadas, em que se destaca o grupo de estelas epigrafadas em grego, da comunidade oriental residente em Mértola no século VI (veja página 303).

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P ara além de se destacar como virulento batalhador pela ortodoxia contra os Arianos, foi também autor. Entre as suas obras figuram escritos canónicos e litúr-

gicos. Destacou-se como tradutor (designada-mente, dos Pensamentos dos padres egípcios). Considerando indigno de bons cristãos que se continuasse a chamar os dias da semana pelos nomes latinos pagãos de Lunae dies, Martis dies, Mercurii dies, Jovis dies, Veneris dies, Saturni dies e Solis dies, Martinho de Dume obrigou os fiéis a usar a terminologia eclesiástica (Feria secunda, Feria tertia, Feria quarta, Feria quinta, Feria sexta, Sabbatum, Dominica Dies). Morreu em 579 e foi sepultado na Catedral de Dúmio.

O templo original de Santa Eulália do Mosteiro de Arnoso foi fundado no século vii

por iniciativa de Frutuoso, bispo de Dume e de Braga, durante a época visigótica. Foi parcialmente destruído pelos Mouros, em 1067. Foi reconstruído por Garcia I (1042-1090), rei da Galiza – ainda que seja de 1156 a data inscrita no tímpano do portal Sul. Foto: ph.

Martinho de Dume

Frutuoso de Braga

F rutuoso de Braga, ou Frutuoso de Dume, nasceu em Astorga e faleceu em Braga em 665. Frutuoso nasceu de nobre família visi-gótica. Fundou numerosos mosteiros,

que contribuíram para a captar a juventude, como centros de vida religiosa. Nomeado arce-bispo de Braga, a fama da sua santidade e sabe-doria estendeu-se a toda a Península Hispânica. A história da sua vida chega-nos via Valério, um dos seus discípulos, monge copista e escritor, que a escreveu imediatamente após a sua morte.

Na obra Vita Sancti Fructuosi destacam--se quase exclusivamente os aspectos da vida monástica do biografado, omitindo a sua actua-

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ção como bispo e sua intervenção na vida civil e religiosa do reino visigodo.

O Arcebispo de Compostela Diego Gelmírez, no ano 1102, foi o responsável pela rapto do corpo enquanto relí-quia de Dume, em Braga, para Santiago, onde foi enter-rado solenemente na cripta da catedral. A catedral de Compostela celebra essa transladação, acto que veio a ser designado por Pio latrocínio, a 16 de Dezembro.

A importância de Frutuoso para compreender a His-pânia visigótica é fundamental. Foi padre no monasti-cismo hispânico, viajante infatigável, fundador de dez mosteiros, seguidor de duas regras monásticas, a Regra Monachorum e a Regra Monastica Communis – que se podem considerar as mais tipicamente hispânicas do monasticismo peninsular.

Depois dele, ainda persistiram outras regras euro-peias, mesmo nos próprios centros frutuosianos, parti-cularmente a Beneditina; não obstante, muitos dos mos-teiros fundados por Frutuoso subsistiram até épocas recentes.

Frutuoso, conhecedor do monasticismo oriental, das regras europeias e das normas isidorianas, refundiu--as todas dando-lhes uma originalidade tal que, frente ao latente latinismo da Regra de São Isidoro, podem ser consideradas reflexo de um carácter hispânico que se identificou com o espírito dos Visigodos.

C rismón, alfa e ómega é o símbolo cristão mais tematizado em toda a iconografia da época visigoda e durante a Reconquista. Por isso, não surpreende

que ocorra muitas vezes neste livro....

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Os Beneditinos

A ordem dos Beneditinos foi instaurada em 529 na Abadia de Montecassino, por Bento de Núrsia: a Regula Benedicti. A ordem nasceu da reunião de vários mosteiros que profes-

savam a regra, muito após a sua morte. Bento de Núrsia foi dos pioneiros militantes que

organizou a cristianização da Europa ainda pagã. Um primeiro bastião beneditino foi o Mosteiro de Bouças (onde nasceu a cidade de Matosinhos), construído entre 920 e 944, em Sendim, com a vinda dos Beneditinos para Portugal. A introdução da regra de Bento de Núrsia em território português, como norma de disciplina monástica, fez-se a par-tir do Concílio de Coyanza (1050 – 1055, León, Espa-nha), embora já fosse conhecida antes.1

Por volta de 1000, a regra seguida em quase todos os mosteiros da Europa Ocidental inspirava--se na dos Beneditinos – tal como muitos dos edi-

1 "La devoción cluniacense de Alfonso (VI, 1065-1109), heredada de su padre Fernando, le convirtió en socius de la gran abadía borgoñona, teniendo en la persona del abad san Hugo (1049-1109) a uno de sus mayores consejeros. Así pues, el fenómeno de la penetración de los benedictinos de Cluny en los reinos cristianos peninsulares favorecido por Alfonso sólo se comprende como un proceso europeizador. En relación com la problemática ritual castellana, Cluny influyó fundamentalmente mediante dos procedimientos: por un lado, por medio de algunos monasterios que fue recibiendo en donaciones y en los que introdujo sus consuetudines y su tradición litúrgica. Por otro lado, gracias a destacados miembros de su orden que ejercieron el papel de consejeros reales y que ocuparon los niveles más altos de la política de los estados alfonsinos. En este grupo sobresale sin duda la figura del abad Hugo". Juan Rubio Sadia.

Sarcófago da época paleocristã. Museu Arqueológico de Braga.

Benedito de Nursia, pintura de Taddeo di Bartolo, c. 1400

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Cultura Visigótica / Os Cristianismos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 26Procurar no texto: CTRL+F

fícios se baseavam no modelo delineado para o Mos-teiro de Sankt Gallen, na Suíça, em 820.

Em Portugal, a ordem beneditina ajudou os primei-ros reis a estabilizar e fortalecer a Reconquista dos ter-ritórios do Sul, captados aos muçulmanos. Essa ajuda concretizou-se no repovoamento de regiões comple-tamente desertificados pela violência das acções mili-tares, na exploração desses territórios, concretamente na re-introdução de técnicas agrárias e hortículas, no aproveitamento dos recursos naturais (campos, pra-dos, bosques, rios) – e no repovoamento compulsório.

A lguns monges vindos de França (por exemplo, Geraldo de Braga e Bernardo de Coimbra) foram sagrados bispos. Os mosteiros benedi-tinos dessa época, em Portugal, são: Ganfei,

Castro de Avelãs, São Martinho da Castanheira, São Pedro das Águias, São Fins de Friestas, São Pedro de Rates, Santa Maria de Fiães e São Pedro de Cête.

Os mosteiros beneditinos eram dirigidos por um prior ou abade. Os monges trabalhavam arduamente em actividades agrícolas para o auto-abastecimento da comunidade. 1

A ordem, em permanente dissonância com a sua austéra regra, sofreu numerosas reformas, devido à decadência da disciplina nos mosteiros. A primeira reforma foi levada a cabo por Juan de Perez Lloma no

1 A rotina diária, monótona, invariável, prescrevia quatro horas de serviços religiosos, outras quatro de meditação e seis de trabalhos braçais nos campos ou nas oficinas. As horas de oração e de trabalho eram entremeadas com períodos de meditação; os monges deitavam-se pelas seis e meia da tarde. Durante o Verão havia uma refeição diária, sem carne; no Inverno, havia uma segunda refeição para os ajudar a resistir ao frio. A vida de um monge durava, em média, 30 anos.

século x; esta reforma, dita cluniacense (nome prove-niente de Cluny, Borgonha, onde se fundou o primeiro mosteiro desta reforma), tomou grande impulso; durante longa parte da Idade Média praticamente todos os mosteiros beneditinos estiveram sob o domí-nio de Cluny.

Em Espanha, entre os mosteiros sujeitos a Cluny, encontramos San Isidro de Dueñas, Nájera, Santa Coloma de Burgos e San Juan de Hérmedes de Cerrato.

Os cluniacenses adquiriram grande poder económico e político, e os abades mais importantes faziam parte das cortes impe-riais e papais. Tanto poder levou à decadên-cia da reforma cluniacense, que encontrou uma contraparte na reforma cisterciense (de Cister, Cîteaux, em francês), onde se fun-dou o primeiro mosteiro desta corrente de reforma.

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Cultura Visigótica / Os Visigodos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 27Procurar no texto: CTRL+F

U ma forma única de apresentar e usar letras: detalhe da coroa votiva do rei visigodo Recesvinto (649 –

672). As letras pendentes formam o texto RECCESVINTHUS REX OFFERET.

A ltura do diadema: 10 cm; diâmetro: 20,6 cm; espessura: 0,9 cm. Arte visigoda, estilo bizantino.

Museu de Arqueologia de Madrid.

Os VisigOdOs

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Cultura Visigótica / Os Visigodos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 28Procurar no texto: CTRL+F

N o século v, a Península Ibérica, depois de vários séculos sob o domínio do Império Romano, tinha sido invadida novamente. Desta feita, por povos

germânicos – Suevos, Vândalos, Alanos e Visi-godos. Os Godos eram um povo originário das margens do mar Báltico. Por volta de 230, os grupos étnicos godos separam-se nos seus dois principais ramos: Ostrogodos e Visigodos.

No seu trajecto migratório, os Visigodos vol-tam-se para a Península Ibérica, onde a sua pre-sença já era sentida pela ocupação, em nome de Roma, sobretudo a partir do reinado de Teodo-rico ii (453 – 466). O seu sucessor, Eurico (466 – 484), foi o responsável pelo assentamento visi-godo duradouro em terras hispânicas.

D urante o século v operou-se a ruptura com o mundo romano – em todos os âmbitos. Nos fins deste século e no começo do

sexto século, vemos aparecer as primeiras epígrafes das comunidades cristãs estabelecidas na Península Ibérica.

Godos em terras hispânicas

A influência da cultura bizantina revela-se no belo mosaico do caçador com falcão, descoberto na zona palatiana de Mértola.

Nestes testemunhos abundam as datas entre 500 e 600. Estavam já finalizadas as correntes migratórias do povo visigodo para o terri-tório peninsular, por causa da perda dos seus domínios na Gália.

A penetração dos Visigodos na Penín-sula começou com o estabelecimento do rei godo em Barcelona, em 414–415; o início duma etapa conturbada e

violenta, de lutas quase constantes no terri-tório hispânico, que darão origem a uma cres-cente influência dos Visigodos no solo penin-sular, especialmente na segunda metade do século V, quando se consolida o seu domínio no reinado de Eurico, que converte grande

parte da Península Ibérica numa prolon-gação do reino de Toulouse.

Em 475, a paz nego-ciada com o impe-rador Flávio Júlio Nepote (430 – 480)

implica a entrega da Hispânia aos Visi-godos. Os únicos

territórios que ficaram

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Cultura Visigótica / Os Visigodos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 29Procurar no texto: CTRL+F

C ruz. Artesanato visigodo, estilo bizantino. Chapa dourada. Museu de Arqueologia de Sevilha.

fora do seu domínio foram o reino suevo da Gallaecia, as zonas seten-trionais, pouco romanizadas, fundamentalmente as habitadas por Cantábros e Vascões e, prova-velmente, a Bética, que devia conti-nuar sob a administração dos seus antigos quadros provinciais.

Portanto, torna-se impossível traçar com precisão cronológica e geográfica a divisão, assinalar com certeza as inscrições que perten-cem ao período propriamente visi-godo e separá-las das que possam ser um pouco anteriores.

500Iberização do reino visigodo

C lóvis, (ou Chlodowech) foi o primeiro rei dos Francos a converter-se ao Catolicismo, em oposição ao Arianismo

comum entre os povos germânicos. Clóvis expandiu os seus domínios sobre quase toda a antiga província romana da Gália. Foi o fundador da dinastia merovíngia, que governou a Gália nos dois séculos seguintes.

A vitória sobre o rei visigodo Alarico II, em Tolosa (Toulouse), na Batalha de Vouillé (507), deu a Clóvis o domínio quase total da Gália.

S omente depois da batalha de Vouillé e da subsequente expulsão de todos os Godos (que não quiseram aderir ao Catolicismo) do território do sul

da Gália, é que se verifica uma mais forte presença na Hispânia e a progressiva insta-lação dum poder visigodo peninsu lar. A população local começou a ser mais forte-mente cristianizada. Entre os séculos iv e vi cristaliza-se uma nova sociedade que florescerá durante os séculos vi e vii – até à chegada dos Muçulmanos.

A partir da citada derrota de Vouillé, infligida pelos Francos, o reino visigodo confinou-se à Península Ibérica, embora a capital continu-

asse a ser Toulouse, na Gália. Mas começa a iberização do reino visigodo, sobretudo a partir do reinado de Teudis (531 – 548) (veja página 35) .

Inicia-se então o período de auge da monarquia visigoda, sobretudo durante os reinados de Leo vi gildo e do seu filho Reca-redo i (reinou de 586 a 601), que abandona o Cristianismo da vertente ariana para se converter ao Catolicismo, que passa a ser a religião oficial. À semelhança do seu pai,

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Cultura Visigótica / Os Visigodos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 30Procurar no texto: CTRL+F

Recaredo i fez de Toledo a capital do seu reino (veja página 30).

C omparado com o reino suevo, o reino visigodo foi mais evoluído, quer na cultura, quer nas instituições sociais e políticas. Os Visigodos, embora mais romanizados, mantiveram

sempre o seu carácter guerreiro e agressivo. Assim como os Romanos o tinham feito, enriqueceram pela apropriação de territórios, de bens roubados e dos impostos cobrados. Assim como os Romanos o tinham feito, exerceram a sua autoridade baseada no uso da força das armas e da riqueza acumu-lada. Para governar, serviram-se de leis hispano--romanas – e dos bispos católicos.

N as suas cortes, os reis visigodos gostaram de adoptar as práticas bizantinas. A corte dos reis visigodos, aula regia, assemelhava--se à corte bizantina de Ravena: o prín-

cipe, que já tinha abandonado o vestuário bárbaro (germânico), estava rodeado pelos seus seniores e era assistido na administração pelo conde da câmara real, pelo conde do tesouro público, pelo conde do património, etc.

Os actos escritos emitidos pela chancelaria real, for mal mente semelhantes aos de Bizâncio, eram enviados aos rectores das províncias e aos curia-les das cidades. Na corte visigoda, alguns reis gaba-vam-se de ser letrados: o rei Reca redo e os seus sucessores Sisebuto e Recesvindo deixaram-nos nas suas poesias e obras hagio gráficas testemu-nhos do seu suposto "talento literário".

Toledo, capital do reino

T oledo (em latim, Toletum; em árabe, Tulaytulah; em hebreu sefardita, Toldoth; em moçárabe, Tolétho) foi a capital da reino visi-gótico, desde o reinado de Leovigildo, até a

conquista islâmica da Península Ibérica. Cerca de trinta sínodos tiveram lugar em Toledo; o primeiro foi no ano 400. No sínodo de 589 – o iii Concílio de Toledo– o rei visigodo Recaredo declarou sua conversão ao Arianismo. Esta conversão marca o início de uma estreita aliança entre a monarquia visigoda e os bispos católicos da Península Ibérica, aliança que ganhou expressão significativa na obra de autores da época, como Isidoro de Sevilha (veja página 41) e Juliano de Toledo.

No Sínodo de 633, conduzido por Isidoro de Sevilha, foi decretada a uniformidade da liturgia

em todo o reino visigótico e decretaram-se medi-das repressivas contra judeus baptizados que reca-íssem na sua antiga fé. O Concílio de 681 assegu-rou ao arcebispo de Toledo a primazia no reino da Espanha.

Sob o Califado de Córdoba, Toledo conheceu a segunda era de prosperidade. Após a decomposi-ção deste Califado, em 1035, foi a capital do reino Taifa de Toledo.

Em 1085, Alfonso VI de Castela ocupou a cidade e estabeleceu controlo directo sobre a cidade moura. Este foi o primeiro passo do rei de Leão e Castela na Reconquista.

Toledo possuía grandes comunidades de judeus e muçulmanos (até que estes foram expulsos da Espanha em 1492); por isto a cidade tem importan-

Tremis, Teodorico, Tolosa. 510-526.

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Cultura Visigótica / Os Visigodos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 31Procurar no texto: CTRL+F

tes monumentos religiosos, como a Sina-goga de Santa Maria la Blanca, a Sinagoga de El Tránsito, e a Mesquita de Cristo de la Luz.

No século xiii Toledo foi um impor-tante centro cultural sob o domínio de Afonso X, cuja alcunha era el Sabio (o Sábio) por seu amor ao conhecimento. A escola de tradutores de Toledo tornou disponíveis tratados filosóficos escritos

Em cima: Muro visigótico, Toledo. Ao lado: Folio 129 v do Códice dos Concilios. Representação esquemática dos Concilios de Toledo.

em Árabe e Hebraico ao traduzi-los para o latim, disponibilizando pela primeira vez uma grande quantidade de conhecimen-tos para a Europa1.

1 Toledo era famosa pela sua produção de aço, especialmente espadas, e a cidade ainda é um centro de manufactura de facas e pequenas ferramentas de aço. Após Filipe II de Espanha mudar a corte de Toledo para Madrid em 1561, a cidade entrou em lento declínio, do qual nunca se recuperou.

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Cultura Visigótica / Os Visigodos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 32Procurar no texto: CTRL+F

Placa com inscrição visigótica. Toledo.

579Epitáfio de Inma Frita

Forma arcaica da escrita visigótica. Epitáfio da mulher Inma Frita, que faleceu com a idade de 35 anos. Proveniente de San Pedro el Verde, Vega Baja (Toledo).Dimensões: 52 x 37 x 5 cm.Exposto no Museo dos Concilios y de la Cultura Visigoda (Toledo). Foto: ph.

Trascripción: (cruz) IMMA FRITA / (crismón) IMAFRITA VIC/SIT ANNOS PLVS MINVS / XXXV REQUIEVIT IN PACE / SVB DIE SEXTO ID(us) NO/VENBRI IN ERA DCXVII / DATVM EST PRO LO/CELLO IPSO IN AVRO / SOLEDOS III

Traducao para castelhano: Imma Frita. Imafrita vivió 35 años poco más ó menos. Descansó en paz á 8 de Noviembre de la era 617 (año 579). Se han dado por el lucillo tres sueldos en oro.

Fita, Fidel. “Noticias”, Boletín de la Real Academia de la Historia, tomo XVI, 1890, pág. 317-320Revuelta Tubino, M “Museo de los concilios de Toledo y de la cultura visigoda”; Madrid, 1979; nº 56.Ficha nº 369 en Hispania Epigraphica

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Cultura Visigótica / Os Visigodos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 33Procurar no texto: CTRL+F

562Epitáfio de Sagenis

Forma média da letra visigótica. Tumulo de Sagenis. Marmore. Proveniente de Vega Baja (Toledo), achado em 1781. Exibida no Museo de los Concilios y de la Cultura Visigoda (Toledo). Foto: ph.Dimensões: 32 x 45 cm. (rota em 4 pedaços)Nº Inventário del Museo de los Concilios: 1

(cruz) SAGENIS FAMVLV/S DEI VIXIT ANNOS L / RECESSIT IN PACE II / IDVS APRILES ERA DC / (Kreuz)Sagenis, siervo de Dios, vivió 50 años. Murió en paz á 12 de abril de la era 600 (año 562).

Fita, Fidel. “Noticias”, Boletín de la Real Academia de la Historia, tomo X, 1887, pág. 345

Revuelta Tubino, M. “Museo de los concilios de Toledo y de la cultura visigoda”; Madrid, 1979; nº 61.Nº 367 in Hispania Epigraphica

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Cultura Visigótica / Os Visigodos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 34Procurar no texto: CTRL+F

Museo de los Concilios y de la Cultura Visigoda

E ste museu de Toledo exibe testemunhos da época visi-gótica. A igreja mudéjar de San Román, construída

no século xiii, foi eleita para albergar este museu. Aqui são mostrados peças do século 6 ao 8., por exemplo, trabalhos de ouro ou prendas de sepulturas da Necró-pole de Carpio de Tajo, assim como reproduções das coroas do Tesouro de Guarrazar. Os belos frescos pintados nas paredes são românicos, do século 13. (Foto: ph).

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Cultura Visigótica / Os Visigodos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 35Procurar no texto: CTRL+F

Katherine F. Drew apontou para o facto de que no reino visigodo (como noutros reinos germânicos), o rei ocupava uma posição que mais equivalia à de um árbitro do que propriamente a de um governante...

A responsabilidade pela segurança indivi-dual e colectiva, pela administração da lei e da justiça, recaía sobre os grandes proprietários e chefes das linhagens aris-

tocráticas.1 Contudo, os monarcas visigodos eram os responsáveis por paz e guerra, e pelas grandes opções política e ideológicas. Não menos influência política tiveram as mais altas figuras do clero, como Isidoro e Leandro de Sevilha, Frutuoso de Braga e Martinho de Dume.

1 Drew, Katherine Fischer. Another Look at the origins of the Middle Ages: A Reassessment of the Role of the Germanic Kingdoms. Speculum, Cambridge, v.62, n. 04. pp. 803–812, 1987.

Reis visigodosAmalarico, 526-531

Amalarico (502 — 531), filho de Alarico II, era ainda criança quando o seu pai morreu em batalha contra os Francos (507). Para sua segurança, foi levado para a Hispânia, que,

junto com a Provença, eram governadas pelo seu avô materno, o rei ostrogodo Teodorico, o Grande.

O jovem Amalarico foi proclamado rei em 522, e quatro anos depois, com a morte de Teodorico, foi coroado rei dos visigodos, cedendo a Provença ao seu primo Atalarico.

Casou-se com uma princesa dos Francos, Clo-tilde, filha de Clodoveu I, porém, as desavenças com ela - sendo ele ariano e ela católica - levaram a uma invasão dos Francos, sob o comando de Chil-deberto I, cunhado de Amalarico.

Teudis, 531–548

T eudis, ou Teodorico, foi rei com paço em Toledo; sucedeu a Amalarico. Durante o seu reinado foi levada a cabo a única codi-ficação legislativa desde a que foi reali-

zada por Eurico: a lei dada em Toledo, em 546. Em 541 Teudis teve de enfrentar os Francos coman-dados por Clotário e Childeberto, que entraram por Pamplona até Saragoça, cidade que sitiaram durante 49 dias. Teudis conseguiu derrotar esta invasão. Mas perdeu a cidade de Ceuta (ocupada

D estacou-se na luta contra o Arianismo. Leandro de Sevilha (Cartagena, ca. 534 – Sevilha, 600 ou 601) nasceu no seio de uma família hispano-romana influente.

Teve três irmãos mais novos: (Fulgêncio, Isidoro e Florentina) todos os quais foram também canoniza-dos. Isidoro de Sevilha iria atingir ainda maior nota-riedade do que Leandro.Supõe-se que a sua família fugiu de Cartagena aquando da conquista bizantina (552? 555?), tendo--se estabelecido em Sevilha, onde Leandro entrou para um mosteiro beneditino.Ao seu irmão Isidoro de Sevilha atribui-se a conver-são de Hermenegildo ao Catolicismo em 579. Depois da conversão deixou Sevilha a caminho de Constan-tinopla para pedir auxílio para Hermenigildo.Ascendeu a arcebispo de Sevilha antes de 584, ano em que Leovigildo tomou a cidade durante a guerra civil que travou contra o seu filho Hermenegildo. Leandro foi por isso desterrado pelo rei visigodo para Constantinopla. Terminado o desterro em 586, voltando ao seu bispado, pela grande influência que teve na conversão de Recaredo I (veja página 36).Morrendo no final do século VI, em Sevilha, não sem que antes tivesse presidido ao III. Concílio de Toledo, em 589, onde converteu novamente os Visigodos à fé cristã.Escreveu várias regras de conduta para freiras.Introduziu em Niceia o Credo na Missa do Ocidente.

Moedas com a efige de Recaredo

Leandro, arcebispo de Sevilha

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em 533) no ano de 542 para os Bizantinos, que atacaram por terra e mar. Foi assassinado em 548 no seu palácio de Barcelona. A primeira lei que se conhece na Península Ibérica visigoda é um docu-mento judicial emitido por Teudis.

Leovigildo, 572–586O primeiro rei visigodo com um programa político. Leovigildo, embora se mantivesse fiel ao credo ariano, começou a abrir canais de diálogo com forças políti-cas diversas, católicas ou não, dentro e fora do reino visigodo. Leovigildo anexou o reino suevo, e em 585 juntou os dois reinos; morreu em 586. É com ele que pela primeira vez um rei visigodo põe o seu nome nas moedas que manda cunhar. Primeiro juntamente com o nome do imperador romano, um em cada face da moeda, depois omitindo este definitivamente. Fun-dou a cidade de Recopólis (veja página 316), mas também reinou a partir de Toledo (veja página 30).

Recaredo I, 586–601Como o seu pai Leovigildo, Recaredo elegeu Toledo para capital. Os reis e nobres visigodos eram tradi-cionalmente arianos, enquanto que a população era católica trinitária. O bispo Leandro de Sevilha (ou Isi-doro?) logrou converter o filho de Leovigildo, cha-mado Hermenegildo, à fé católica, e apoiou-o numa rebelião, o que lhe valeu o exílio (e, no caso de Herme-negildo, a morte).

Moeda de ouro de Suintila. Foto: Projecto arqueológico Vega Baja, Toledo.

Moeda de ouro do rei Wamba (?—680), o último grande rei dos Visigodos. Diámetro máximo: 2 cm. 672-680. Proveniente de Jaén, Espanha. No verso, aparece um busto olhando para a direita e, diante do personagem, uma cruz. No reverso, tem como motivo central a cruz. Pertence à Ceca de Toledo.

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Cultura Visigótica / Os Visigodos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 37Procurar no texto: CTRL+F

Lápide de Comenciolo, o principal testemunho da presença bizantina na Península Ibérica. Século VI. Museu Arqueológico de Cartagena.QVISQVIS ARDUA. TVRRIVM MIRARIS. CVLMINA. VESTIBVLVMQ. VRBIS. DVPLICI. PORTA. FIRMATVM. DEXTRA LEVAQ. BINOS POR-TICOS. ARCOS QVIBUS. SVPERVM. PONITVR CAMERA CURVA CON-VEXAQ COMENCIOLVS. SIC. HAEC IVSSIT. PATRICIVS MISSVS. A MAVRICIO. AVG. CONTRA. HOSTES. BARBAROS.MAGNVS. VIRTUTE. MAGISTER. MIL. SPANIAE. SIC. SEMPER.HISPANIA. TALI. RECTORE. LAETETVR. DVM. POLI. ROTANTVR.DVMO. SOL. CIRCVIT. ORBEM. ANN VII. AVG. IND. VIII

Quem quer que sejas, admirarás as partes altas da torre e do vestíbulo da cidade afirmados sobre uma porta dupla, à direita e à esquerda leva dois pór-ticos com arco duplo aos que se superpõe uma câmara curva convexa. O patrício Comenciolo man-dou fazer isto (esta lápide), enviado por Mauricio Augusto contra o inimigo bárbaro. Grande pela sua virtude, mestre da milícia hispânica, sempre His-pânia se alegrará de tal rector, enquanto os polos girem e enquanto o sol circunde a orbe. Ano VIII de Augusto.

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Com a morte de Leovigildo em 586 e a aceita-ção do Catolicismo por Recaredo em 587, este fez converter o reino à fé de Roma, o que foi confir-mado pelo iii Concílio de Toledo, em589.

Sisebuto, 612–621

O reinado de Sisebuto foi marcado por campa-nhas militares e acordos políticos com os Francos e Bizantinos, que ainda dominavam uma pequena faixa no sul da Península.

A sua política interna ficou definida pela defesa da homogeneidade religiosa e a disciplina epis-copal, preocupação demonstrada nas cartas que o rei dirigiu aos membros da hierarquia episco-pal, em que Sisebuto os exorta a cumprir adequa-damente as prescrições impostas aos seus cargos. O ideal de realeza divulgado na narrativa hagio-gráfica Vita Desiderii1, escrita por Sisebuto no ano 615, enquadra-se no processo de institucionaliza-

1 Neste texto, Sisebuto narra a vida e a morte de Desidério, bispo de Vienne, executado em 607 por ordem do rei merovíngio Teodorico da Burgúndia, e de sua avó, a rainha Brunequilda, após entrar em choque contra estes. Desidério nunca foi objeto de culto na Península Ibérica, mas a referida rainha era de origem visigoda, filha do monarca Atanagildo e de Gosvinta. Problemas diversos envolvendo trocas matrimoniais levaram Brunequilda, já na posição de esposa e mãe de reis francos merovíngios, a sucessivos atritos com reis e aristocratas visigodos.

ção da monarquia visigoda iniciado na segunda metade do século vi.2

O monarca autor da hagiografia, ao apropriar--se do ideal de conduta régia propagado pelo bispo Isidoro de Sevilha (veja página 41) numa obra contemporânea, visa demonstrar a sua pró-pria adequação aos princípios que atribuem ao rei a responsabilidade sobre a salvação ou a perdição de seus súbditos, e que apoiam a sua legitimidade como governante no exercício de uma justiça pru-dente e na adopção de uma conduta condizente com as normas cristãs.

2 Fontaine, Jacques. King Sisebut’s Vita Desiderii and the political function of Visigothic Hagiography. In: James, Edward (ed.). Visigothic Spain: new aproaches. Oxford: Claredon, 1980. p. 93–129.

Reis visigodos: Chindasvinto, Recesvinto e Égica. Códice Albeldense ou Vigilano, detalhe do fólio 428.

Suíntila, 621–631

S uíntila (Swinthila) teve a sua corte em Toledo. Combateu os Bizantinos esta-belecidos na Península Ibérica no ano de 620, às ordens de Sisebuto. No ano

seguinte foi eleito rei, depois da morte de Reca-redo II. Prosseguiu a luta contra os Bizantinos que ainda ocupavam partes da Bética (desde o século vi) e conseguiu expulsá-los. Em 621, Suin-tila conquistou um dos últimos baluartes bizan-tinos na Hispânia: Cartagena. Deste modo pode reunir toda a Península Ibérica sob o seu poder – a primeira vez que um monarca visigodo tal conse-guiu. Tentou tornar a sucessão hereditária em

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vez de electiva, mas nobreza e clero opuseram--se, ditando o fracasso de Suíntila. Em 631, Sise-nando, governador da Septimânia (= Languedoc, França), organizou uma conjura que pôs fim ao reinado de Suíntila. No iv Concílio de Toledo, em 633, presidido por Isidoro de Sevilha (veja página 41), Suíntila foi excomungado e todos os seus bens confiscados. Morreu um ano depois, em 634.

Sisenando, 631–636

N o iv Concílio de Toledo, Sisenando foi legitimado como rei e estabeleceu--se oficialmente o carácter electivo da monarquia visigoda. Os cânones deste

Concílio, realizado em 633, representam a conso-lidação do processo de estreita associação entre a monarquia visigoda e a Igreja católica, iniciado com a conversão de Recaredo.

Chindasvinto, 642–653

C hindasvinto (Chindasvindo, Quindasvinto, Kindswinth ou Chindas winth) foi eleito para o trono visigodo no ano de 642, quando já era idoso. Tentou pacificar o reino, domi-

nando as facções dissidentes da aristocracia visi-goda. Convocou o vii Concílio de Toledo (646), associou o seu filho Recesvinto ao trono (649), consolidou a monarquia visigoda e «protegeu as artes e as letras», assim rezam as crónicas.

Recesvinto, 653–672Recesvinto (em godo, Receswinth) era filho de Chindasvinto e Riciberga. No seu reinado, de 653 a 672, foram celebrados o VIII, IX e X Concílios de Toledo. Em 654, este soberano visigodo promul-gou o Liber judiciorum (veja página 42)

Wamba, 672–687Vamba (ou Wamba, ?—687) foi o último grande rei dos Visigodos. Exigiu ser coroado em Toledo, em 672. Foi deposto por perfídia quando lhe deram a beber um hipnótico que o levou a crer que a sua morte estava iminente.

Ervígio, 687–710

E rvígio foi usurpador do trono visigótico de Toledo quando, em conluio com outros nobres, traiu o rei Wamba. Foi coroado em 687. Perseguiu os judeus, tendo sido

ajudado pelo bispo Juliano de Toledo, ele próprio um judeu converso. Casou com Liuvigota, filha de Suíntila, rei dos Visigodos (621 – 635) e de Teodora, neta do rei Recaredo I e de Bado, filha de Fonso, conde dos Patrimónios.

B reviarium Alarici (Breviário de Alarico). Autor: Iulius Paulus, Gaius, Alcuinus. Data: 803-814. Contribuidor: Audgarius. Manuscrito, Latim.

Minúscula carolina; incipits em unciais e semi-unciais; «lettres enclavées»; títulos rubricados. Bibliothèque Nationale de France.

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Cultura Visigótica / Os Visigodos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 40Procurar no texto: CTRL+F

M uito depois de extinta a Monarquia visigoda, multi-plicam-se as homenagens aos reis visigóticos, transformados

em heróis do Nacionalismo espanhol. É o caso desta gravura com a imagem de Recaredo, realizada em 1561.

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Isidoro de Sevilha é fonte obrigatória para qualquer estudo sobre a sociedade visigoda dos séculos VI e VII. Estrateja político, teólogo e bispo, foi uma figura-

-chave dos primeiros séculos do Cristia-nismo hispânico. Destacou-se, desde muito jovem, pela sua obsessiva militância reli-giosa. Frustrado por se considerar menos inteligente que o seu irmão Leandro, fugiu de casa (veja página 35).

Um certo dia, dando atenção à água que caia sobre uma rocha, observou que apesar da pouca força das gotas que caíam sobre a pedra, com o

tempo iam furando pequenos buracos na pedra. Percebeu – assim a lenda – que se persistisse nos estudos, poderia ser tão sábio como o seu irmão. Voltou para casa e completou seus estudos. Após a morte de Leandro (~600), que fundára uma escola em Sevilha para formar sacerdotes, sucedeu--lhe como arcebispo de Sevilha, exercendo o cargo durante 37 anos.

Organizou sínodos para cimentar a hierarquia da Igreja. Dirigiu os Concílios de Sevilha (618–619) e de Toledo (633), que unificaram a liturgia, abolindo

o Arianismo. Determinado a continuar o trabalho do irmão, criou novas escolas episcopais. Conseguiu que a nobreza visi-

goda abandonasse o Arianismo, vertente ideológica que negava a divindade de Cristo. A sua obra escolástica mais impor-tante foi a Etimologia (veja página 265), uma enciclopédia em 20 volumes, onde os três primeiros tratavam das Artes e os 17 seguintes discorrem sobre Aritmética, Astronomia, Dialéctica, Direito, Geografia, Geometria, Gramática, História, Medicina, Mineralogia, Música, Retórica, Teologia, etc.

A sua erudição seguia inte resses reli-giosos, gramaticais... e pseudo-científi-cos. Nas Etimologias (página de manus-crito ao lado), nas Diferenças das palavras (De diffe rentiis verborum), no livro sobre A natureza das coisas, passa indiferente-mente do âmbito religioso ao âmbito civil.

Ao construir uma enciclopédia humana, quis conjugar a tradição antiga e a ideologia cristã. Recor-demos apenas as obras mais impor-

tantes: Diferenças das palavras, uma espécie de léxico dos sinó nimos; De diffe-rentiis rerum (As diferenças das coisas), em que são examinados conceitos, sobre-tudo teológicos, místicos e filosóficos. Aqui Isidoro retoma e mistura material tradi-cional, cristão e profano.

Isidoro de Sevilha

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Cultura Visigótica / Os Visigodos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 42Procurar no texto: CTRL+F

Direito visigodoO Código de 654 (Liber Judiciorum)

A pós a realização de muitos concílios, começou a surgir alguma legislação geral, embora esta inicialmente apenas regulasse a fé religiosa. De um modo geral, conti-

nuava a haver leis para cada grupo étnico, embora os monarcas, ocasionalmente, lançassem leis para as duas comunidades.

Recesvinto foi o responsável pela criação de um código de leis comum que pôs fim a esta separa-ção jurídica. A ele se deve a publicação do Código Visigótico de 654, também designado por Liber Judiciorum. São conhecidas três versões: a original da época de Recesvinto (veja página 36); uma segunda, do tempo do rei Ervígio (veja página 39), e a última conhecida como vulgata, sem datação. A primeira versão terá sido produzida na sequência do viii. Concílio de Toledo.

A grande inovação deste texto jurídico: o código, ao contrário de outras compilações ante-riores, era para ser aplicado a todos os súbditos abrangidos pela monarquia visigótica, indepen-dentemente da sua raça ou origem.

Pergaminho visigótico. Forum iudicum, Tabulae Chronologicae, Canones Ecclesiae et Opuscula Grammaticae. Data: 1058. Corpo legislativo que regeu os reinos hispânicos durante o período visigodo. O manuscrito procede da Catedral de León. Informa que foi escrito pelo copista Froila para o presbítero Munnio. Escrito em letra visigótica, atribuível à escoa leonesa. Bela ornamentação à base de orlas e iniciais, de influencia moçárabe. Online no site da Biblioteca Nacional de Espanha.

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Cultura Visigótica / Os Visigodos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 43Procurar no texto: CTRL+F

O código proíbe o recurso ou obediência a quaisquer leis ou instituições romanas. Para alguns estudiosos, esta proibição parece conter a revogação da Lex Romana Wisigothorum; para historiadores como Gaudenzi, ela está relacio-nada com a proibição das leis bizantinas, intro-duzidas na Península. A opinião mais consensual considera que a revogação das leis romanas se refere à Lex Romana Wisigothorum.

E ste código foi dividido numa série de livros, que por sua vez compreendem títulos, e estes leis ou capítulos. Apresenta 324 leis classificadas de antiqua, ou antiqua

noviter emendata do Codex de Leovigildo; três leis de Recaredo; duas leis de Sisebuto; 99 leis de Chindasvindo, e 87 leis de Recesvinto. São conhe-cidos dois exemplares deste texto, na sua versão inicial, uma delas na Biblioteca Vaticana e outra na cidade de Paris.

O Código Visigótico ervigiano foi elaborado em 681. Trata-se de uma revisão do texto primi-tivo em colaboração, desta feita, com o xii Concí-lio de Toledo, onde foram alteradas, aumentadas ou anuladas algumas leis, e assim se mantiveram nos reinados de Wamba e de Ervígio.

Um dos aspectos distintivos desta obra é a introdução de um texto no final do Código, que apresenta um conjunto de leis forte-mente repressivas, anti-semíticas, as De

novellis legibus judeorum. Os manuscritos inte-

grais deste Código ainda existentes conservam-se na sua totalidade em Paris.

A terceira versão do Código Visigótico, a Vul-gata, é composta pelos textos copiados depois de Ervígio que guardam novelas de Égica e Vitiza, leis extravagantes e aditamentos doutrinais como o famoso Primus titulos, que é uma espécie de resumo do Direito Público Visigótico, em concor-dância com os concílios cristãos e a doutrina de Isi-doro de Sevilha (veja página 41).

E ste não é um texto oficial, mas antes o resul-tado de contribuições particulares. Caracte-rizado pelo já citado Primus titulos, é consi-derado por alguns autores como uma revisão

do código elaborada durante o reinado de Egica, e por outros, uma produção já da época da Recon-quista, acrescentando-se das novelas depois de Ervígio.

Este Código é um dos mais importantes docu-mentos jurídicos da Idade Média peninsular; deixa transparecer a combinação da influência repres-siva da Igreja católica com a influência germâ-nica, a brutalidade dos costumes dos Visigodos bárbaros.

A influência eclesiástica é determinante, uma vez que os concílios deram um contributo essen-cial para a elaboração do Código. O latim aqui uti-lizado, bastante idêntico ao usado nas igrejas, é um latim pomposo, com frequentes referências políti-cas e do foro moral.

Pergaminho visigótico. Forum iudicum, Tabulae Chronologicae, Canones Ecclesiae et Opuscula Grammaticae. Data: 1058.

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Cultura Visigótica / Os Visigodos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 44Procurar no texto: CTRL+F

N este documento são evidentes as repres-sões da elite dirigente aplicadas ao povo; os germanicos continuavam ligados aos seus costumes "bárbaros", apesar do banho de

civilização proporcionado pelos Romanos.

S e é verdade que alguns costumes ditos bárbaros surgem no Código Visigótico, também é verdade que muitos outros foram banidos; esta situação, contudo, não impedia

que alguns desses usos e costumes interditos conti-nuassem vivos e fossem assimilados pela popu-lação hispano-romana. O que significa que este é um código jurídico proposto pelos chefes visigó-ticos, e não um repositório do direito geralmente observado.

Neste código as leis romanas aparecem não só na Lex Romana Wisigothorum, como também no Codex Euricianus. Talvez também se possa apontar a influência da legislação bizantina, sobretudo do imperador Justiniano.

p ara além destas edições antigas do Código Visigótico, existem duas outras mais recentes: a edição da Real Academia Espanhola de 1815, copiada por Alexandre Herculano no volume

I dos Portugaliae Monumenta Historica - Leges et consuetudines, e a edição sob a direcção de Karl Zeumer, publicada nos Monumenta Germaniaæ Historica - Legum, sectio I, tomo 1.º, 1902.

Esta edição, dirigida por este germanista, foi a edição eleita pela Universidade de Coimbra para

ser publicada nos Textos de Direito Visigótico, 1.º volume, 1923, embora Zeumer tivesse excluído desta edição os textos referentes ao Primus titulus.

h á ainda que referir outras fontes que tiveram importância para este Código, nomeadamente os cânones dos oito concí-lios ecuménicos primitivos e dos concí-

lios da Gália e da Hispânia que eram conhecidos na Península Ibérica.

A Igreja exercia uma fortíssima influência neste período; por isso, o Direito Canónico tinha não só intervenção na vida religiosa, mas também na vida quotidiana. Para a Península são conhecidas algumas coleções de canónicas, entre as quais de destacam a Capitula Martini, da segunda metade do século VI, e a Collectio Hispanæ, do século VII.

Nos finais do século XIX, o estudioso ita-liano Gaudenzi encontrou numa biblioteca privada de Holkham um códice, designado por Fragmenta gaudenzia na, que é uma compilação jurídica onde aparecem misturados o Direito Visi-gótico e o Romano.

A s Formulas visigóticas são outra das fontes com um papel importante no Direito, pois funcionam como uma fonte relativa à apli-cação das leis. Actualmente são conhe-

cidas cerca de 46 fórmulas datadas entre 615 e 620, escritas por um notário de Córdova, e que dão a conhecer o Direito Romano dessa época.

Para conhecer o texto das leis visigodas, consulte o site (em inglês) http://libro.uca.edu/vcode/visigo-ths.htm

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Cultura Visigótica / Os Visigodos / Bibliografia Temas Índice remissivo / página 45Procurar no texto: CTRL+F

A Mesquita de Córdova (muros exteriores) situa-se em Córdova, na Andaluzia, Espanha. Data da era em que esta cidade atingiu o seu apogeu, sob

o governo do emir Abderramão III, um dos maiores governantes do Islão. Nessa época, Córdova era a cidade mais próspera da Europa, ofuscando até Bizâncio e Bagdade em urbanismo, ciência, cultura e artes. Hoje, é um exemplo da fusão da arquitectura islâmica com a cristã. A mesquita foi consagrada como templo cristão no ano em que Córdova foi reconquistada: 1236.

No interio do templo islâmico foi então implementada uma catedral cristã. Este monumento, declarado Património Cultural da Humanidade, começou aser edificado no de 786 no lugar que ocupava a Basílica visigótica de San Vicente Mártir. Depois da Reconquista, converteu-se a mesquita em catedral. Em 1523 começou a construcção duma basílica renacentista de estilo plateresco no centro do edifício muçulmano. O monumento mais importante da cultura do Al-Andalus foi a segunda maior mesquita do mundo.

O embate do Islão

A pesar de episódios de brilho, como os reinados de Sisebuto (612 – 621) e Reces-vinto (649 – 672), a instabilidade política, com o assassinato da maior parte dos reis e

o hábito de nomeação dos monarcas, impedindo a estabilidade de uma sucessão hereditária, levaram ao definhar da monarquia visigoda. A mal gover-nada sociedade entrou num processo de feudali-zação progressiva.

O já comércio externo desapareceu; o sistema fiscal, cada vez mais ineficiente, deixou quase de existir. Estas condições de decadência favoreceram o rápido avanço da invasão militar islâmica de 711, liderada pelo general omíada Tariq ibn Ziyad, que comandou a conquista da Península Ibérica a par-tir do rochedo que leva o seu nome: Gibraltar. Do Norte de África tinha chegado o Cristianismo; do Norte de África veio o Islão.

Rodrigo, 710 – 711

O s Visigodos comandados por Rodrigo, o seu último rei, foram derrotados pelos Muçul-manos em 711 na batalha de Guadalete. Com este rei morto, caiu rapidamente toda a Penín-