204
2018 DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS: FUNDAMENTOS E METODOLOGIAS Prof.ª Graciele Alice Carvalho Adriano

Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

  • Upload
    others

  • View
    11

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

2018

DeficiênciasMúltiplas: funDaMentose MetoDologias

Prof.ª Graciele Alice Carvalho Adriano

Page 2: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

Copyright © UNIASSELVI 2018

Elaboração:

Prof.ª Graciele Alice Carvalho Adriano

Revisão, Diagramação e Produção:

Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI

Ficha catalográfica elaborada na fonte pela Biblioteca Dante Alighieri

UNIASSELVI – Indaial.

AD243d

Adriano, Graciele Alice Carvalho

Deficiências múltiplas: fundamentos e metodologias. / Graciele Alice Carvalho Adriano – Indaial: UNIASSELVI, 2018.

194 p. : il.

ISBN 978-85-515-0195-5

1. Educação especial – Brasil. 2.Deficientes - Educação – Brasil

II. Centro Universitário Leonardo da Vinci

CDD 370.711

Impresso por:

Page 3: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

III

apresentação

Caro acadêmico! Os estudos sobre a deficiência múltipla englobam conceitos que permeiam entendimentos referentes à educação inclusiva, deficiências e a inclusão de pessoas na vida social, ou seja, infere na percepção da inserção de todos nos diversos segmentos sociais, incluindo a frequência no ensino nas escolas regulares com o direito ao acesso da Tecnologia Assistiva e as adaptações de objetos e recursos.

Na Unidade 1, estudaremos sobre o processo histórico da construção conceitual de deficiência múltipla, com alterações ao longo dos anos, até se constituir como conhecemos atualmente. Um fator importante que sugeriu sua elaboração foi a atuação das políticas públicas com a promulgação de alguns documentos, que incidiram sobre a mudança conceitual incorporada no cotidiano social. Nessa unidade, ainda discutiremos sobre os princípios das relações interpessoais e sua influência no desenvolvimento da vida das pessoas com deficiência. Por fim, elencaremos a etiologia da deficiência múltipla, os atendimentos oferecidos às pessoas com deficiência e algumas medidas de prevenção.

Na Unidade 2, apresentaremos as características e o desenvolvimento das pessoas com deficiência múltipla desde a infância até a adolescência, com conceitos que apresentam aspectos específicos para cada fase, associados à inserção no Ensino Básico. Desta forma, englobamos as possibilidades de adaptações curriculares desde a Educação Infantil até os anos do Ensino Fundamental, com o ingresso ao mercado de trabalho das pessoas com deficiência.

Na Unidade 3, compreenderemos sobre o acesso de pessoas com deficiência múltipla às perspectivas educacionais, com conhecimentos referentes aos processos cerebrais e como interferem no processo de ensino e aprendizagem. Incluímos estudos sobre a neuroplasticidade e sua associação ás pessoas que sofreram lesões cerebrais, incluindo a atuação da afetividade no desenvolvimento da cognição. Por fim, destacamos algumas reflexões quanto à organização de uma escola que contemple a diversidade e preconize a qualidade em educação, com a proposta de trabalho educativa baseada nos projetos pedagógicos, as Tecnologias Assistivas e a adaptação de objetos e recursos.

Bons estudos!

Page 4: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

IV

Você já me conhece das outras disciplinas? Não? É calouro? Enfim, tanto para você que está chegando agora à UNIASSELVI quanto para você que já é veterano, há novidades em nosso material.

Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material base da disciplina. A partir de 2017, nossos livros estão de visual novo, com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura.

O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página, o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo.

Assim, a UNIASSELVI, preocupando-se com o impacto de nossas ações sobre o ambiente, apresenta também este livro no formato digital. Assim, você, acadêmico, tem a possibilidade de estudá-lo com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Eu mesmo, UNI, ganhei um novo layout, você me verá frequentemente e surgirei para apresentar dicas de vídeos e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto em questão.

Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar seus estudos com um material de qualidade.

Aproveito o momento para convidá-lo para um bate-papo sobre o Exame Nacional de Desempenho de Estudantes – ENADE. Bons estudos!

NOTA

Olá acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você e dinamizar ainda mais os seus estudos, a Uniasselvi disponibiliza materiais que possuem o código QR Code, que é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar mais essa facilidade para aprimorar seus estudos!

UNI

Page 5: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

V

Page 6: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

VI

Page 7: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

VII

UNIDADE 1 - FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS ........1

TÓPICO 1 - CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS ...............................................................................31 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................32 A INFLUÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS ............................................................................33 CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA ..........................................74 O DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS ..............................................10RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................14AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................15

TÓPICO 2 - ETIOLOGIA E SERVIÇOS DESTINADOS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS ............................................................................171 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................172 ETIOLOGIA DA DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA...............................................................................173 ATENDIMENTOS OFERTADOS À PESSOA COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA.................33RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................38AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................39

TÓPICO 3 - PREVENÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS .................................................411 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................412 MEDIDAS DE PREVENÇÃO DO PERÍODO PRÉ-CONCEPTIVO AO PÓS-NATAL .........413 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO ÂMBITO SOCIAL .......................................................................................................................44LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................48RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................52AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................53

UNIDADE 2 - CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA ..............................................................................55

TÓPICO 1 - CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA ...........................................571 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................572 INCIDÊNCIA E AVALIAÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS .................................................................573 CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA ...............................................................61

3.1 DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E DEFICIÊNCIA FÍSICA ......................................................623.2 DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E DEFICIÊNCIA AUDITIVA ...............................................623.3 DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E DEFICIÊNCIA VISUAL ....................................................633.4 DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E TRANSTORNO MENTAL................................................643.5 DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA SENSORIAL ..................................................................................663.6 SURDO-CEGUEIRA ......................................................................................................................67

LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................69RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................73AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................75

suMário

Page 8: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

VIII

TÓPICO 2 - DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DE ZERO AOS TRÊS ANOS DE IDADE .................................................................................................771 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................772 ASPECTOS GERAIS DO BEBÊ COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA .........................................773 DESENVOLIMENTO DA CRIANÇA DE ZERO A TRÊS ANOS COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA ..............................................................................................................................................79

3.1 CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS ........................................................................................................803.2 CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS .....813.3 CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS .......84

RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................86AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................88

TÓPICO 3 - DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS QUATRO AOS SEIS ANOS DE IDADE ........................................................................................891 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................892 ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DE QUATRO A SEIS ANOS .....893 EDUCAÇÃO INFANTIL E ADAPTAÇÕES CURRICULARES .................................................91

3.1 CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS ........................................................................................................953.2 CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS ...973.3 CRIANÇAS COM MÚLTIPLAS DEFICIÊNCIAS SENSORIAIS ............................................101

RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................103AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................104

TÓPICO 4 - DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS SETE AOS 11 ANOS DE IDADE .............................................................................................1051 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1052 DESENVOLVIMENTO E INCLUSÃO EDUCACIONAL...........................................................1053 ADAPTAÇÕES CURRICULARES NO ENSINO FUNDAMENTAL ........................................109

3.1 ALUNOS COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS ..1113.2 ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS .......1123.3 ALUNOS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS .........1133.4 ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E OUTRAS DEFICIÊNCIAS

ASSOCIADAS .................................................................................................................................1143.5 ALUNOS COM MÚLTIPLA DEFICIÊNCIA SENSORIAL .....................................................114

RESUMO DO TÓPICO 4......................................................................................................................117AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................119

TÓPICO 5 - DESENVOLVIMENTO DE ADOLESCENTES .........................................................1211 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1212 O DESENVOLVIMENTO DOS ADOLESCENTES COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA .......1213 OFICINAS PEDAGÓGICAS E O INGRESSO NO MUNDO DO TRABALHO ...................123LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................128RESUMO DO TÓPICO 5......................................................................................................................133AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................134

UNIDADE 3 - DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS .......135

TÓPICO 1 - PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E AFETIVO..............................................1371 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................137

Page 9: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

IX

2 FUNÇÕES CEREBRAIS E OS PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM ..................1373 A INFLUÊNCIA DAS EMOÇÕES NA APRENDIZAGEM ........................................................1404 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E O AFETO .....................................................................................142RESUMO DO TÓPICO 1......................................................................................................................146AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................148

TÓPICO 2 - INTEGRAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA NO PROCESSO EDUCACIONAL ...............................................................................1491 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1492 INCLUSÃO ESCOLAR DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA ................................1493 PROJETOS PEDAGÓGICOS COMO METODOLOGIA INCLUSIVA ..................................1514 UMA ESCOLA PARA A DIFERENÇA ..........................................................................................157RESUMO DO TÓPICO 2......................................................................................................................161AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................163

TÓPICO 3 - SUGESTÕES DE ATIVIDADES EDUCATIVAS ......................................................1651 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................1652 AS PERSPECTIVAS E OS DESAFIOS DA ESCOLA PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA..1653 TECNOLOGIA ASSISTIVA E O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO..1674 SUGESTÕES DE ATIVIDADES PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA .........172LEITURA COMPLEMENTAR .............................................................................................................180RESUMO DO TÓPICO 3......................................................................................................................186AUTOATIVIDADE ...............................................................................................................................187REFERÊNCIAS .......................................................................................................................................189

Page 10: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

X

Page 11: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

1

UNIDADE 1

FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

Esta unidade tem por objetivos:

• conhecer o processo histórico da construção conceitual de deficiência múl-tipla;

• identificar e analisar a influência das políticas públicas no atendimento às pessoas com deficiências múltiplas;

• discutir sobre os princípios das relações interpessoais;

• compreender os conceitos sobre a etiologia da deficiência múltipla;

• identificar os atendimentos oferecidos às pessoas com deficiências;

• elencar as medidas de prevenção das deficiências;

• analisar o processo de aprendizagem e desenvolvimento no âmbito social.

Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

TÓPICO 2 – ETIOLOGIA E SERVIÇOS DESTINADOS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

TÓPICO 3 – PREVENÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

Page 12: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

2

Page 13: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

3

TÓPICO 1UNIDADE 1

CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE

DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico, neste primeiro tópico da disciplina Deficiências Múltiplas: fundamentos e metodologias estudaremos sobre assuntos referentes a saberes que estruturam o campo conceitual sobre as deficiências múltiplas. Comentaremos brevemente sobre o processo de organização do conceito, que sofreu alterações ao longo dos anos, até se constituir como conhecemos atualmente. Para compreendermos a sua construção, necessitamos analisar as influências das políticas públicas com a promulgação de alguns documentos que incidiram sobre a mudança conceitual incorporada no cotidiano social. Dessa forma, estruturamos o tópico de forma a trazer o contexto em que o termo ‘deficiências múltiplas’ foi construído com o passar dos anos no desenvolvimento do entendimento social em relação à integração das pessoas com deficiência.

Outro ponto a ser destacado no decorrer dos estudos diz respeito à importância das relações interpessoais estabelecidas, e que influenciam de forma positiva no desenvolvimento da vida das pessoas com deficiência. Nesse sentido, iniciamos nossos estudos sobre as Deficiências Múltiplas com o entendimento dos princípios que nortearam a sua organização no início até os dias atuais.

2 A INFLUÊNCIA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS

O desenvolvimento da ciência moderna difunde o pensamento evolucionista, influenciando os modos de se pensar e organizar a sociedade brasileira. Principalmente com a difusão do pensamento liberal e a atuação dos intelectuais, a partir do período do Império.

Na época do Brasil Colônia, os serviços educacionais foram implantados com sentido religioso, por meio da Companhia de Jesus. A responsabilidade pela organização da educação ficou a cargo da Igreja Católica, até a expulsão dos jesuítas, no século XVIII. Com a promulgação da primeira Constituição da República, em 1891, a educação passou às incumbências do Congresso Nacional. Desta forma, cada região do país organizou o atendimento segundo as possibilidades existentes, em alguns lugares com decreto-lei que dispensava das aulas as crianças com “[...] incapacidade física ou mental certificada pelo médico escolar ou verificada por outro meio idôneo; na capacidade física se compreendem, além das deformações ou enfermidades que fisicamente inabilitam para a frequência,

Page 14: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

4

as moléstias contagiosas ou repulsivas” (KASSAR, 1999, p. 20).

Na República houve a difusão do pensamento em relação à modernização da sociedade, com a livre concorrência e valorização das iniciativas privadas. Nesse meio, os serviços público e privado dividiam o mesmo espaço de ofertas, incluindo o setor de serviços sociais.

Para a educação especial, os dois estilos de serviços, o público e o privado, encontram-se presentes desde o início do século XX. Os serviços privados voltados ao atendimento especializado a pessoas com deficiências estão presentes e atuantes, como o Instituto Pestalozzi, criado em 1926 no Rio Grande do Sul, uma instituição particular especializada no atendimento às crianças com deficiência mental, com caráter filantrópico, que atendia na época por meio de convênios com instituições públicas (KASSAR, 1999).

O Instituto Pestalozzi inseriu no país a concepção de ortopedia das escolas auxiliares europeias, que adotam os conhecimentos das ciências naturais pelas ciências humanas, com uma visão organicista da deficiência mental. Assim, as classes especiais públicas, como eram chamadas, surgiram baseadas na necessidade científica da separação dos alunos considerados normais ou anormais na época. A segregação era supervisionada pela inspeção sanitária, fundamentada na concepção da ortopedia numa perspectiva de racionalidade e modernidade com uma pedagogia científica e racional (KASSAR, 1999).

Na década de 1930, Helena Antipoff estrutura o Instituto Pestalozzi em Minas Gerais, com uma concepção científica, mas base assistencialista. Nesse meio, decorrente do desenvolvimento social e a consequente urbanização devido à industrialização, surgiu a preocupação em relação à escolaridade da população.

FIGURA 1 – HELENA ANTIPOFF COM CRIANÇAS DO INSTITUTO PESTALOZZI

FONTE: Disponível em: <http://pgl.gal/wp-content/uploads/2015/09/HELENA-ANTIPOFF-com-crian%C3%A7as0.jpg>. Acesso em: 20 abr. 2018.

Page 15: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

5

A Constituição de 1934 estabeleceu pela primeira vez, enquanto competência da União, delimitar as diretrizes da educação nacional com os Estados e divulgar a instrução pública abrangendo todos os graus de ensino. Com a responsabilidade da educação ao regime público, apesar do crescimento das escolas públicas, o número de crianças com deficiências matriculadas ainda era insignificante, em comparação à oferta dos serviços.

Em 1954, na cidade de Rio de Janeiro, foi fundada a primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE, que se desenvolve para ocupar uma lacuna deixada pela educação especial como rede nacional. A APAE, na época, contou com uma organização pautada nos parâmetros da National Association for Retarded Children dos Estados Unidos da América, enquanto uma associação que oferecia assistência às crianças com deficiência.

A preocupação com a educação especial ocorreu de forma abrangente no Brasil recentemente, principalmente após a promulgação da LDB de 1961. A legislação intensificou um compromisso com a educação especial, já existente no país, ao atendimento de alunos com deficiências em instituições particulares com caráter assistencialista, e em algumas classes públicas. Um dos pontos de destaque da LDB 4.024/61 consiste na inserção da população economicamente menos favorecida aos processos de escolarização, em virtude do aumento das escolas públicas.

Nessa fase, a LDB 4.024/61 regulariza as funções entre os serviços públicos e privados e as formas de atendimento dentro das possibilidades oferecidas ao aluno com deficiência matriculado no ensino regular e garante o apoio financeiro às instituições particulares que recebiam a aprovação pelos critérios dos Conselhos Estaduais de Educação. Nesse sentido, os atendimentos realizados anteriormente à década de 1960, entre os grupos privados, como a Sociedade Pestalozzi e as APAEs, incluindo as classes especiais públicas, foram normatizados em 1961.

Com a promulgação da Lei 5.692/71, a educação especial assume a responsabilidade do atendimento às crianças sem a necessidade de diagnóstico de deficiência intelectual. Na época, as crianças que se encontram em lento processo de aprendizagem com idade defasada a regular de acordo com o ano de ensino, foram consideradas como "deficientes mentais educáveis" (KASSAR, 1999, p. 31).

Em 1977, por meio da Portaria Interministerial nº 477 dos Ministérios da Educação e Cultura e da Previdência Social, abre-se a possibilidade de os serviços privados ofertarem os serviços especializados, na ausência do serviço público. A demanda dos atendimentos direcionou à administração particular os alunos com deficiência, e para os serviços educacionais públicos os ditos "normais".

No final da década de 1980, o Brasil sofreu uma reorganização no pós-regime de ditadura militar. Dessa maneira, a Constituição Federal de 1988 e o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA foram promulgados, garantindo algumas mudanças sociais e a democratização. Em 1985, foi assinado o decreto

Page 16: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

6

“Comitê para o Aprimoramento da Educação Especial”, que contou com a elaboração de um plano nacional de atendimento às pessoas com deficiência. A educação especial assume um caráter de reivindicação de direitos, com aspecto de bondade.

A sociedade contou com vários acontecimentos, onde os dirigentes das instituições especializadas, públicas e privadas, de educação especial participaram da criação da Coordenadoria para a Integração da Pessoa Portadora de Deficiência – CORDE, em 1986. Neste ano, houve a implantação da Portaria CENESP/MEC nº 69, que estabeleceu normas para prestação de apoio técnico e financeiro às instituições de educação especial públicas e privadas.

A partir da promulgação da Constituição de 1988, inicia o processo de descentralização, redimensionando a competência entre a federação, estados e municípios, gerando um afastamento gradativo do poder federal. Assim, surgem os conselhos municipais nas áreas sociais, que implementaram a participação da sociedade nas decisões locais.

A Constituição Federal de 1988, em relação à educação especial, continua direcionando o atendimento do aluno com deficiência no ensino regular para as instituições particulares. A lei prevê programas de prevenção, atendimento e treinamento para o trabalho com pessoas com deficiência física, sensorial ou intelectual. A Constituição garante ainda o salário-mínimo às pessoas portadoras de deficiência e idosos que não possuem meios para manutenção de sua sobrevivência.

No início dos anos 1990, com a globalização, a expansão do modelo econômico capitalista aponta um novo sentido, com a valorização da iniciativa privada. Desta forma, as instituições assistenciais passam a ser denominadas de Organizações Não Governamentais – ONG, representando uma diferenciação entre os setores privados e públicos.

A LDB nº 9.394/96 apresenta a educação como dever da família e Estado, juntamente à alternativa preferencial sobre a ampliação do atendimento ao deficiente na rede pública de ensino, que pode agir independentemente do apoio previsto à iniciativa privada, ou seja, o pensamento neoliberal acarretou um aumento nas ações filantrópicas com maior atendimento especializado às pessoas com deficiência, com uma significativa parcela da população sem qualquer atendimento devido à insuficiência de vagas nas escolas e instituições.

Dentre aqueles que ficam à margem do atendimento educacional, estão as pessoas com deficiências mais severas, incluindo a não inserção no mercado de trabalho, sem investimentos na profissionalização. As pessoas com deficiência mental são consideradas problema individual ou familiar, vistas com uma não adaptação ou adequação à sociedade.

Page 17: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

7

As pessoas com deficiências múltiplas foram denominadas como 'deficientes severos ou graves' ou ainda 'deficientes mentais severos', isentas da garantia direta de atendimento pelo serviço público ao acesso à educação (KASSAR, 1999). Em resumo, podemos dizer que o processo de escolarização dos alunos com deficiência múltipla no Brasil é recente, um dos fatores seria a morosa institucionalização da educação especial, no início dos anos de 1970, com a ditadura. Essas crianças frequentavam escolas especiais públicas ou filantrópicas privadas, muitas vezes criadas por familiares para ocupar o vazio deixado pelo poder público (PLETSCH, 2015).

Em 1983 foi criada a Fundação de Atendimento de Deficiência Múltipla – FADEM, devido ao acesso de verbas e ao trabalho voluntário, administrado por um grupo de pais. A criação da fundação foi decorrente da iniciativa de que crianças e adolescentes com deficiências múltiplas podem aprender e precisam frequentar o espaço escolar. Assim, alguns profissionais que trabalhavam com atendimento clínico foram capacitados para aplicarem um método de alfabetização, organizado para aqueles que apresentavam dificuldades motoras graves e que não falavam. A escola foi organizada em um espaço anexo à clínica, aproximando-se da teoria psicanalítica, com a participação de uma equipe multidisciplinar.

Para saber mais sobre o atendimento da FADEM, acesse o site: <http://www.fadem.com.br/deficiencia-multipla-filantropia-doacao/>.Navegue nas abas e amplie seus conhecimentos em relação aos tipos de atendimentos ofertados.

3 CONSTRUÇÃO DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

De acordo com Guimarães (2008), o termo deficiência múltipla surge somente em outubro de 1985, com o Plano de Educação Especial – Nova Proposta, com princípios que norteariam a Portaria Cenesp/MEC nº 69. O documento

DICAS

Page 18: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

8

regulamentava as normas e critérios reguladores que estabeleciam apoio técnico e/ou financeiro para a Educação Especial no ensino público e privado.

No artigo 3º da Portaria nº 69, consta a delimitação do público para o atendimento educacional especializado: deficientes mentais, deficientes de visão, deficientes da audição, deficientes físicos, portadores de deficiências múltiplas, portadores de problemas de conduta e superdotados. Na época ainda se utilizava o termo 'portadores' para algumas definições de deficiências. Assim, a deficiência múltipla era entendida como "[...] portadores de Deficiências Múltiplas: educandos que apresentam duas ou mais deficiências, necessitando de métodos, recursos didáticos e equipamentos especiais para sua educação" (GUIMARÃES, 2008, p. 8).

O conceito de deficiência múltipla para a Política Nacional de Educação Especial do Ministério da Educação assinala ser "[...] a associação, no mesmo indivíduo, de duas ou mais deficiências primárias [...] com comprometimentos que acarretam atrasos no desenvolvimento global e na capacidade adaptativa” (BRASIL, 1994, p. 15). Autores como Carvalho (2000 apud CONTRERAS; VALENTE, 1993) assinalaram a deficiência múltipla como a simultaneidade na mesma pessoa de duas ou mais deficiências (psíquicas, físicas e sensoriais), que não apresentam relação de dependência entre si ou superioridade de importância.

Em 2004, o MEC lançou o documento Saberes e práticas da inclusão: dificuldades acentuadas de aprendizagem – deficiência múltipla, que infere:

O termo deficiência múltipla tem sido utilizado, com frequência, para caracterizar o conjunto de duas ou mais deficiências associadas, de ordem física, sensorial, mental, emocional ou de comportamento social. No entanto, não é o somatório dessas alterações que caracteriza a múltipla deficiência, mas sim o nível de desenvolvimento, as possibilidades funcionais, de comunicação, interação social e de aprendizagem que determinam as necessidades educacionais dessas pessoas (BRASIL, 2004, p. 11).

Nesse sentido, o conceito de deficiência múltipla se apresenta enquanto associação de duas ou mais deficiências, podendo ser estas de ordem física, mental, sensorial, comportamental e/ou emocional. Assim, o desempenho e as competências dos indivíduos com deficiências múltiplas são heterogêneos e variam conforme os níveis funcionais básicos, de acordo com as possibilidades de adaptação ao meio que devem ocorrer em classes regulares de ensino, considerando a adaptação e suplementação curricular. E aqueles que apresentam maiores dificuldades necessitam de processos especiais de ensino, como o apoio intenso, contínuo e de currículo alternativo para a inclusão na classe regular (BRASIL, 2004).

A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, lançada em 2008, defende que a inclusão deve ocorrer em todos os níveis de ensino, abrangendo a educação básica e superior. A oferta do atendimento deve ser prioritariamente em salas de recursos multifuncionais, com propostas

Page 19: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

9

de Atendimento Educacional Especializado – AEE, enquanto complemento ao ensino regular. Não mais como uma forma de atendimento em escolas especiais ou classes especiais, isoladas do ensino ofertado nas escolas regulares. O documento apresenta uma definição generalizada às pessoas com deficiência, não mais as separando por tipologias. Apresenta a conceitualização de deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades/superdotação.

Considera-se pessoa com deficiência aquela que tem impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental ou sensorial que, em interação com diversas barreiras, pode ter restringida sua participação plena e efetiva na escola e na sociedade. Os estudantes com transtornos globais do desenvolvimento são aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo. Incluem-se nesse grupo estudantes com autismo, síndromes do espectro do autismo e psicose infantil. Estudantes com altas habilidades/superdotação demonstram potencial elevado em qualquer uma das seguintes áreas, isoladas ou combinadas: intelectual, acadêmica, liderança, psicomotricidade e artes, além de apresentar grande criatividade, envolvimento na aprendizagem e realização de tarefas em áreas de seu interesse (BRASIL, 2008, s.p.).

Em suma, o conceito preconizado pelos documentos oficiais, quanto à deficiência múltipla, assemelha-se ao apresentado por Carvalho (2000), que infere em pessoas que apresentam mais de uma deficiência, como condição heterogênica que identifica diferentes grupos de pessoas. Com associações diversas de deficiências que afetam com maior ou menor intensidade o funcionamento individual e o seu relacionamento social.

FIGURA 2 – INTEGRAÇÃO SOCIAL, PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

FONTE: Disponível em: <http://cdn.agensite.online/arquivos/226/conteudo/posts/137043.jpg>. Acesso em: 7 jun. 2018.

Page 20: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

10

A gravidade das deficiências depende dos aspectos que permeiam as condições individuais na atuação social, mais precisamente, segundo Carvalho (2000):

• Aceitação por parte dos familiares.• Intervenção adequada nas causas e efeitos da deficiência.• Oportunidades de participação e integração da pessoa no meio físico e

social.• Apoio adequado para incluir a pessoa na sociedade.• Incentivo ao desenvolvimento de sua autonomia e criatividade.• Atitudes favoráveis para organização do autoconceito e autoimagem

positivos.

Para Carvalho (2000), a convivência em espaços educativos presume uma função relevante às melhoras das condições de desenvolvimento das pessoas com deficiências múltiplas. As intervenções apropriadas e iniciadas ainda na infância resultam em aprendizados que promovem a integração familiar e social, melhorando significativamente a qualidade de vida.

4 O DESENVOLVIMENTO DAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS

Na organização social a família consiste no primeiro espaço onde serão construídas relações de afeto e a formação de identidades, bem como o aprendizado de valores e modos de pensar, agir e sentir. Para as crianças com deficiência múltipla, a família terá, inclusive, uma função essencial na organização do ambiente, proporcionando alternativas para seu desenvolvimento. Para Silva e Dessen (2001, p. 136): “A família constitui o primeiro universo de relações sociais da criança, podendo proporcionar-lhe um ambiente de crescimento e desenvolvimento, especialmente em se tratando de crianças com deficiência, as quais requerem atenção e cuidados específicos”.

Buscaglia (1997) corrobora e aponta a família como uma força social que influencia no desenvolvimento do comportamento e formação da personalidade. Nesse sentido, a família pode ser considerada como uma unidade social inserida na comunidade de forma mais ampla, simbolizando o meio externo. O sistema de relação que ocorre se estrutura de forma interdependente, onde as formas de interação estabelecidas entre os familiares influenciam uns aos outros e as mudanças atingirão a todos os envolvidos.

Segundo Maccoby (2002), a parentalidade consiste na influência dos pais sobre os filhos enquanto um conjunto de processos interativos que se inter-relacionam a partir do nascimento de uma criança. Assim, cada membro atribui um valor de compreensão às relações segundo sua experiência de vida e seus entendimentos.

Page 21: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

11

FIGURA 3 – FAMÍLIA E A CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

FONTE: Disponível em: <http://aeecaic.blogspot.com/2014/04/surdocegueira-e-deficiencia-multipla.html>. Acesso em: abr. 2018.

O nascimento de uma criança com deficiência gera uma perturbação nos pais, como uma situação não esperada, necessitando repensar o significado de parentalidade. De acordo com Silva e Dessen (2001), a família necessita de tempo para superar e aceitar a criança com deficiência, reorganizando o ambiente familiar para sua inclusão.

Buscaglia (1997) enfatiza que a flexibilidade da família em atuar na situação depende das experiências vivenciadas anteriormente, nos aprendizados e personalidade dos membros. Aponta ainda o período da infância como um dos mais importantes para o desenvolvimento das crianças com deficiências. Nesse período, as crianças se encontram em processo de formação e entendimento de situações que revelam seus sentimentos, como o amor, o ódio, apatia, segurança, frustração, alegria e outros.

Cambruzzi (1998) discorre que a família influencia no processo educacional da criança, oferecendo meios para que desenvolva a autonomia, consciência do outro e a convivência em grupo. Dessa forma, a escola e a família são consideradas como agentes transformadores de formas individuais e coletivas, proporcionando mudanças nas relações, incluindo o respeito e a inclusão.

O objetivo central da escola se assemelha ao da família, quando pretendem preparar as crianças para a convivência na sociedade. Ambas influenciam no processo educativo infantil, sendo de suma importância para as que apresentam deficiências. Nesse sentido, Parolin (2003) expressa a importância de se estreitar as relações de convivência entre a escola e a família, para que ambas auxiliem no seu desenvolvimento.

Page 22: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

12

Davis et al. (1989, p. 37) cita que “o envolvimento dos pais proporciona benefícios a vários níveis: às crianças, aos pais, às escolas e, generalizando, infere melhorias na sociedade democrática", ou seja, por meio da parceria, a família passa a cooperar no processo de ensino e aprendizagem, demonstrando à criança confiança e coragem. A criança com deficiência percebe que conseguirá participar da vida social e ter um relacionamento com os outros, sendo capaz de se desenvolver em diversos aspectos. Segundo a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (2011, p. 36):

[...] a família é o núcleo natural e fundamental da sociedade e tem direito a receber a proteção da sociedade e do Estado e de que as pessoas com deficiência e seus familiares devem receber a proteção e a assistência necessárias para tornar as famílias capazes de contribuir para o exercício pleno e equitativo dos direitos das pessoas com deficiência.

Mesmo porque a família da criança com deficiência necessita de apoio e informações para auxiliar o seu desenvolvimento, conseguindo reorganizar suas funções. Algumas reações podem ser encontradas nos membros de parentesco, como as características físicas que podem aparentar algum fenótipo, estranheza em observar certos comportamentos diferentes, dificuldade dos familiares em prosseguir com suas carreiras profissionais ou pessoais (FÁVERO, 2005).

Grotberg (2006) destaca as dificuldades encontradas no processo de diagnóstico, seguido das emoções que a família vivencia, necessitando de medidas de intervenção e apoio para que consigam se adaptar e interagir de forma positiva. Desta forma, as parcerias estabelecidas entre profissionais e familiares supõem processos de intervenção que potencializam o enfrentamento dos desafios associados às condições expressas pela deficiência na criança.

Page 23: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DO CONCEITO DE DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

13

“Cordas” é um curta-metragem espanhol, com título original “Cuerdas”, produzido e dirigido por Pedro Sólis. Relata a história de duas crianças, uma com paralisia cerebral e um amigo que viverão bons momentos juntos. As cenas retratam vivências na escola e na comunidade onde moravam as crianças. A história foi baseada na vida dos filhos do autor. Confira o curta-metragem e se emocione com a história!

DICAS

Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=g4W7CKPdSGk>. Acesso em: 20 maio 2018.

Page 24: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

14

Neste tópico, você aprendeu que:

• Na época do Brasil Colônia, os serviços educacionais foram implantados com sentido religioso, por meio da Companhia de Jesus. A responsabilidade pela organização da educação ficou de posse da Igreja Católica, até a expulsão dos jesuítas no século XVIII.

• Na República houve a difusão do pensamento em relação à modernização da sociedade, com a livre concorrência e valorização das iniciativas privadas. Nesse meio, os serviços público e privado dividiam o mesmo espaço de ofertas, incluindo o setor de serviços sociais.

• A LDB nº 9.394/96 apresenta a educação como dever da família e do Estado, juntamente à alternativa preferencial sobre a ampliação do atendimento ao deficiente na rede pública de ensino, que pode agir independente do apoio previsto à iniciativa privada.

• O termo deficiência múltipla surge somente em outubro de 1985, com o Plano de Educação Especial – Nova Proposta, com princípios que norteariam a Portaria Cenesp/MEC nº 69.

• O conceito de deficiência múltipla se apresenta enquanto associação de duas ou mais deficiências, podendo ser estas de ordem física, mental, sensorial, comportamental e/ou emocional.

• Na organização social, a família consiste no primeiro espaço onde serão construídas relações de afeto e a formação de identidade, bem como o aprendizado de valores e modos de pensar, agir e sentir.

• O objetivo central da escola se assemelha ao da família, quando pretendem preparar as crianças para a convivência na sociedade. Ambas influenciam no processo educativo infantil, sendo de suma importância para as crianças que apresentam deficiências.

RESUMO DO TÓPICO 1

Page 25: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

15

1 A Constituição de 1934 preconizou pela primeira vez as diretrizes da educação nacional que abrangeram todos os graus de ensino. Contudo, na época, apesar da expansão das escolas públicas, o número de crianças com deficiências era insignificante em comparação à oferta dos serviços. Somente após a promulgação da LDB de 1961 é que as preocupações referentes ao atendimento educacional das crianças com deficiência surgiram. Dessa forma, analise sobre as características em relação à educação especial defendida na época no período de vigência da LDB/61.

I- Regularizou a oferta dos serviços públicos e privados, bem como outras formas de atendimento no ensino regular.

II- O acesso ao ensino nas escolas regulares foi ofertado respeitando as especificidades dos alunos com deficiência.

III- Garantiu o apoio financeiro para as instituições particulares que recebem a aprovação dos Conselhos Estaduais de Educação.

IV- Surgiram grupos privados, como a Sociedade Pestalozzi e as APAEs, assim como o início das classes especiais públicas.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:a) ( ) I – III – IV.b) ( ) II – III – IV.c) ( ) I – II – III.d) ( ) II – III – IV.

2 O termo deficiência múltipla surgiu em outubro de 1985, com o Plano de Educação Especial – Nova Proposta, que apresentava os princípios que norteavam a Portaria Cenesp/MEC nº 69. Assim, o documento norteava as normas e critérios que regulavam e estabeleciam o apoio técnico e/ou financeiro para a Educação Especial no âmbito privado e público. Reflita e assinale a alternativa correta que aponta o conceito atual de deficiência múltipla:

a) ( ) Trata-se da associação de duas ou mais deficiências, que podem ser de ordem física, mental, sensorial, comportamental e/ou emocional.

b) ( ) Consiste em deficiências generalizadas que acometem os movimentos e o funcionamento cerebral dos indivíduos.

c) ( ) Estruturam a defasagem de compreensão da realidade social e os movimentos coordenados dos indivíduos.

d) ( ) São deficiências originárias de mutações cromossômicas que resultaram na má formação orgânica nos indivíduos.

3 A família será o primeiro contato social da criança com deficiência múltipla, nesse espaço serão desenvolvidos os primeiros entendimentos sobre as

AUTOATIVIDADE

Page 26: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

16

interações com os outros e o mundo. Mais tarde, a criança frequentará outro espaço social, a escola, onde continuará seu processo de interação, desenvolvimento e aprendizagem social. Analise sobre a função da família e disserte sobre como influencia no processo educacional das crianças com deficiência múltipla.

Page 27: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

17

TÓPICO 2

ETIOLOGIA E SERVIÇOS DESTINADOS ÀS

PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, estudaremos sobre as etiologias que ocasionam as deficiências múltiplas, que podem incluir fatores associados na concepção, pré-natal, perinatal ou pós-natal. Algumas ocorrências são oriundas de condições ambientais, como as originadas por acidentes, traumatismos cranianos, e outros. Incluindo algumas enfermidades que estão associadas às deficiências múltiplas.

No decorrer dos estudos, também conheceremos sobre os atendimentos ofertados pelos serviços de saúde, nos Centros de Saúde, principalmente as orientações sobre a Intervenção Precoce na Infância – IPI. A rede de cuidados à pessoa com deficiência garantida nos serviços prestados pelo Sistema Único de Saúde – SUS, com atenção à saúde e desenvolvimento dessas pessoas.

2 ETIOLOGIA DA DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

A Organização Mundial de Saúde – OMS, em 1997, reestruturou a Classificação Internacional atribuindo novas conceitualizações em relação aos aspectos que permeiam a deficiência. Assim, lançou a Classificação Internacional das Deficiências, Atividades e Participação: um manual da dimensão das incapacidades e da saúde – CIDDM-2. O documento apresenta os princípios que indicam o apoio, contextos ambientais e as potencialidades, ao invés de enaltecer as incapacidades e limitações (BRASIL, 2006).

O CIDDM-2 (BRASIL, 2006, p. 11) destaca a deficiência como "[...] uma perda ou anormalidade de uma parte do corpo (estrutura) ou função corporal (fisiológica), incluindo as funções mentais". Ou seja, a forma como a pessoa realiza uma determinada atividade, independente do nível de complexidade e da incapacidade individual como limitação provinda da deficiência. Todavia, o termo incapacidade deixou de ser utilizado, porque incide na desqualificação social. Assim, a Classificação Internacional inclui a participação como interação que a pessoa deficiente estabelece com o meio socioambiental.

A nova Classificação Internacional sugere a inclusão social enquanto processo em que a sociedade procura formas de se adaptar para incluir as pessoas com necessidades especiais, assumindo funções na sociedade. A inclusão como uma situação bilateral é o processo no qual as pessoas com deficiência e

Page 28: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

18

a sociedade buscam formas em parceria, para se reorganizarem e efetivarem a equiparação de oportunidades para todos (BRASIL, 2006).

A deficiência múltipla pode advir de diversas causas apontadas, como fatores associados à concepção, pré-natais, perinatais ou natais e pós-natais.

FIGURA 4 – FATORES ASSOCIADOS ÀS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

FONTE: Adaptado de Brasil (2006)

Na concepção pode ocorrer a translocação de pares de cromossomos no nascimento ou erros congênitos do metabolismo, causando mudanças no embrião ou feto, incapacitando os processos químicos e metabólicos. Como resultado surgem reagrupamentos dos cromossomos que resultam em deficiência grave e outras complicações, que podem ser revertidas parcialmente, quando diagnosticadas a tempo, administrando uma dieta controlada (BRASIL, 2006).

No período pré-natal os fatores se encontram associados a medicamentos como a talidomida, utilizado como sedativo para a mãe, prejudicando o desenvolvimento normal do embrião. Assim, a criança apresenta acentuada deformidade, com anomalias sérias no coração, olhos, ouvidos, membros superiores e inferiores, e outros (BRASIL, 2006).

Como fator natal ou perinatal pode ocorrer a anoxia, a falta prolongada de oxigênio no feto durante o processo de nascimento, causando a destruição irreversível de células cerebrais. Nesse caso, a criança com paralisia cerebral pode apresentar ou não a deficiência intelectual e outras deformidades que afetam a visão e audição.

No pós-natal, os fatores associados à deficiência múltipla podem advir da encefalite e meningite, incluindo doenças infecciosas como sarampo, coqueluche e outras, que ocasionam a inflamação das células do cérebro e a decorrente destruição. Assim, na criança incidem na variedade de problemas, como a falta de atenção, hiperatividade, epilepsia, deficiência intelectual e problemas de comportamento.

Page 29: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | ETIOLOGIA E SERVIÇOS DESTINADOS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

19

Outras situações relacionadas às condições ambientais podem incidir na formação da deficiência múltipla, como acidentes e traumatismos cranianos, intoxicação química, irradiações, tumores e outros. Há também algumas enfermidades que estão associadas à deficiência múltipla, segundo Carvalho (2000), como:

Hipotireoidismo congênito: lesão cerebral e deficiência intelectual, se não tratado em tempo.

Causas: doença hereditária que impossibilita a glândula tireoide do recém-nascido de gerar o hormônio tireoidiano T4, sua ausência incide na diminuição do metabolismo, o que impede o desenvolvimento físico e mental da criança. A deficiência de iodo na alimentação pode causar o hipotireoidismo congênito.

Sintomas: as crianças, quando não tratadas, apresentam o desenvolvimento mental seriamente comprometido, com hipotonia muscular, dificuldades respiratórias, cianose, icterícia prolongada, constipação, bradicardia, anemia, sonolência excessiva, choro rouco, hérnia umbilical, alargamento de fontanelas, mixedema, sopro cardíaco, dificuldade na alimentação com baixo peso e estatura, atraso na dentição, retardo na maturação óssea, pele seca e sem elasticidade, atraso no desenvolvimento neuromotor e deficiência intelectual. Em média, 20% dos casos são assintomáticos ao nascimento, quase isentos de sintomas.

Diagnóstico: necessita ser realizado o quanto antes, visto que a partir da quarta semana de vida a deficiência de hormônios tireoideos causa lesões neurológicas. Assim, o Teste do Pezinho deve ser coletado na maternidade, após 48 horas de vida, exame de sangue realizado por meio da punção no calcanhar do recém-nascido. Em caso de resultado positivo, passa a ser administrada uma dosagem de T4 e TSH em amostra de sangue venoso, para confirmação do diagnóstico. Alguns exames, como de imagens: ultrassonografia, ressonância magnética, cintilografia de tireoide, e outros, podem auxiliar no diagnóstico.

Tratamento: inicia após a realização do Teste do Pezinho na primeira semana de nascimento, com reposição dos hormônios tireoideos que se prolongará por toda a vida. No início do tratamento se utiliza uma dose alta de T4, para atingir o nível considerado ideal para minimizar os danos cerebrais.

Page 30: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

20

FIGURA 5 – HIPOTEREIODISMO

FONTE: Disponível em: <https://4.bp.blogspot.com/-2OtvtE3Ox_0/VPraDtXpsFI/AAAAAAAAguk/8Pp8ImiQaEM/s1600/Hipotireoidismo.jpg>. Acesso em: 7 jun. 2018.

• Rubéola congênita: deficiência visual, auditiva e microcefalia, entre outras.

• Causas: doença congênita decorrente da infecção da mãe pelo vírus da rubéola durante as primeiras semanas de gravidez. Quanto mais cedo a infecção ocorrer na gestação, acentuará a gravidade da doença. Após o nascimento, a criança pode transmitir o vírus até completar um ano de idade.

• Sintomas: na gravidez o vírus invade a placenta e infecta o embrião, geralmente nos três primeiros meses de gestação. A rubéola pode causar o aborto, morte do feto, parto prematuro e malformações congênitas, como: catarata, glaucoma, surdez, cardiopatia congênita, microcefalia com deficiência intelectual e outras. A partir do quinto mês de gestação o risco de lesões no feto se anula.

• Diagnóstico: clínico, epidemiológico e laboratorial. O feto produz anticorpos específicos da classe IgM e IgG para rubéola antes de nascer. A presença de anticorpos IgM específicos para rubéola no sangue no recém-nascido evidencia a infecção congênita, pois os anticorpos IgM maternos não ultrapassam a placenta. Assim, a investigação de casos suspeitos de síndrome da rubéola congênita será por amostra de sangue logo após o nascimento, quando houver suspeita ou confirmação de infecção materna durante a gestação, ou ainda após a suspeita diagnóstica nos menores de um ano.

• Prevenção: a única maneira de prevenir a síndrome da rubéola congênita é por meio da vacinação. O esquema de vacinas ocorre com uma dose da vacina tríplice viral aos 12 meses de idade e a segunda dose aos quatro anos de idade. Em casos em que a mulher chega à idade fértil sem ter sido vacinada, ela precisa receber uma dose da vacina tríplice viral. As mulheres grávidas serão vacinadas somente após o parto. O exame de sangue indica se a pessoa está imune à doença, caso não esteja, deve ser vacinada. As mulheres necessitam aguardar quatro semanas para engravidarem.

Page 31: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | ETIOLOGIA E SERVIÇOS DESTINADOS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

21

FIGURA 6 – RUBÉOLA CONGÊNITA

FONTE: Disponível em: <http://images.slideplayer.com.br/1/78230/slides/slide_11.jpg>. Acesso em: 7 jun. 2018.

• Síndrome de Rett: deficiência intelectual, alterações neurológicas e motoras.

• Causas: causada por cerca de 200 mutações genéticas que ocorrem no cromossomo sexual X, especificamente no gene MECP2, em aproximadamente oito pontos específicos nesse gene. A doença raramente ocorre de forma hereditária, sendo que as mutações geralmente ocorrem de forma aleatória.

• Sintomas: após o nascimento, a maioria das crianças com a síndrome de Rett se comportam normalmente durante os primeiros seis meses de vida. Depois, surgem os primeiros sinais e sintomas, evidenciando durante o primeiro ano de vida. Os principais sintomas incluem crescimento lento cerebral, perda de movimento e de coordenação motora, perda das habilidades de comunicação e pensamento, movimentos anormais das mãos (padrão de movimentos como torção, apertos, palmas e outros), movimentos incomuns dos olhos, problemas respiratórios, irritabilidade, comportamentos estranhos (longas crises de riso, gritos, lamber as mãos, agarrar cabelos e roupas), convulsões, escoliose, arritmias e prisão de ventre.

A síndrome de Rett se divide em quatro estágios:

Estágio I: fase inicial da doença, os sinais e sintomas são sutis e aparecem entre seis a 18 meses de idade. Os bebês deixam de fazer contato com os olhos e perdem o interesse nos brinquedos, com dificuldades em aprender a sentar e engatinhar.

Estágio II: a partir do primeiro ao quarto ano de idade, as crianças perdem

Page 32: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

22

a capacidade de falar e de usar as mãos. Os movimentos repetitivos e involuntários das mãos começam a aparecer. Algumas crianças costumam prender a respiração ou respirar rápido demais, além de gritar ou chorar sem motivo aparente. Muitas vezes sentem dificuldade em se movimentar.

Estágio III: inicia entre os dois e os dez anos de idade e pode vigorar por muito tempo. Os problemas com movimentos persistem, mas o comportamento de forma geral melhora, choram menos e são menos irritáveis. Aumenta o contato visual e passam a reutilizar os olhos e as mãos para se comunicar.

Estágio IV: na última fase ocorre a mobilidade reduzida, fraqueza muscular e escoliose. O entendimento, capacidades de comunicação e movimentação das mãos geralmente tendem a não piorar. Os movimentos repetitivos das mãos podem até diminuir, contudo, o risco de morte súbita é maior nessa fase.

• Diagnóstico: observação do crescimento e desenvolvimento das habilidades motoras e fala. Por exames auditivos, urina, sangue, de imagem e testes genéticos, com análise do DNA do paciente, por amostra de sangue examinada em laboratório.

FIGURA 7 – SÍNDROME DE RETT

FONTE: Disponível em: <http://www.radioalternativagospel.com.br/files/post/foto/342/sindromederett.jpg>. Acesso em: 7 jun. 2018.

• Citomegalia: deficiências neurológicas e motoras.

• Causas: o citomegalovírus – CMV consiste no vírus comum, porém preocupante para as mulheres grávidas e pessoas com sistema imunológico deprimido (HIV). O citomegalovírus faz parte da família do vírus da herpes simples. A transmissão pode ocorrer em qualquer período da gestação, com especial atenção no primeiro trimestre. Assim, a transmissão para o feto e recém-nascido pode ocorrer nos seguintes casos:

• Transmissão intrauterina através da infecção materna.• Transmissão perinatal por meio da excreção do CMV em secreções da

cérvix uterina que atinge o recém-nascido no contato direto com as mucosas

Page 33: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | ETIOLOGIA E SERVIÇOS DESTINADOS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

23

contaminadas no trabalho de parto.• Transmissão perinatal no contato com a excreção do CMV no leite

materno, o recém-nascido adquire a doença na amamentação.• Transmissão iatrogênica nas transfusões de sangue.

Quando a pessoa contrai o vírus, permanece no organismo no decorrer de sua vida, mas fica ativo em alguns períodos quando se torna transmissível, geralmente em períodos em que o sistema imunológico se encontra enfraquecido.

• Sintomas: a infecção pelo citomegalovírus em crianças e adultos saudáveis não apresenta sintomas, mas pode trazer alguns sinais, como: febre, dor de garganta, fadiga, perda de apetite, hepatite e glândulas inchadas. Os sintomas costumam durar poucos dias.

Bebês que adquirem durante a gravidez nascem saudáveis, mas podem desenvolver a perda de audição ou problemas de visão, também podem apresentar pele e olhos amarelados (icterícia), manchas arroxeadas ou erupções na pele, baixo peso, aumento do baço e do fígado com funcionamento prejudicado, pneumonia, convulsões e microcefalia.

Pessoas com imunidade baixa apresentam sintomas como: febre, pneumonia, diarreia, úlceras no trato digestivo, hepatite, mudanças no comportamento, convulsões, podem entrar em estado de coma, problemas de visão ou cegueira (MINHA VIDA, 2018).

A doença pode apresentar-se nos seguintes modos:

• Assintomática: a doença não se manifesta.• Subclínica: o recém-nascido apresenta nos primeiros anos de vida

algumas anormalidades, como neurológicas e auditivas, com paralisia cerebral e deficiência intelectual.

• Sintomática: o recém-nascido apresenta sinais clínicos, como icterícia leve, púrpura tronbocitopênica transitória, dificuldade na alimentação, surdez, insuficiência respiratória leve e hepatoesplenomegalia isolada.

• Grave: ocorre em menos de 1 para 3.000 nascimentos e envolve múltiplos órgãos, incluindo o sistema reticuloendotelial e o Sistema Nervoso Central – SNC.

o Diagnóstico: nos adultos com os sintomas há exames de sangue que identificam os anticorpos para esse vírus. As gestantes necessitam realizar exames para verificar se já contraíram o citomegalovírus, contudo, caso tenha adquirido a infecção antes da gestação, o risco de transmissão reduz. Contudo, quando a infecção no decorrer da gestação for recente, pode-se pedir um exame do líquido amniótico para verificar a contaminação no feto. Esse exame pode ser realizado quando as anormalidades relacionadas à infecção congênita forem encontradas. As pessoas com sistema imunológico deficiente devem realizar o exame para verificar se contraíram o citomegalovírus, e em caso positivo, precisam monitorar as complicações constantemente.

Page 34: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

24

FIGURA 8 – CITOMEGALIA

FONTE: Disponível em: <https://2.bp.blogspot.com/-6Ug1Z115ZK4/V219fdRJKjI/AAAAAAAAFZc/XA7c3lW2KEIswYWQ_qzQkXht52-syBMKACLcB/s1600/41-Sorriso%2Blindo%2Bda%2Bmam%25C3%25A3e.jpg>. Acesso em: 7 jun. 2018.

• Toxoplasmose congênita: microcefalia, deficiência motora e orgânica.

• Causas: infecção parasitária transmitida da mãe para o feto durante a gestação por via transplacentária ou no decorrer do parto. Causada pelo Toxoplasma gondii, parasita intracelular, na ingestão de carne crua ou malcozida, de oócitos presentes na água ou no contato com terra contaminada com fezes de gatos. Os animais se infectam com ovos do parasita que passam para seus dejetos. Não há risco para o feto quando a infecção ocorreu anterior aos seis meses de gestação.

• Sintomas: a maioria das crianças infectadas não apresenta os sintomas da doença, mas podem ocorrer manifestações como febre, eritema maculopapular, hepatoesplenomegalia, microcefalia, convulsões, trombocitopenia, retinocoroidite, hidrocefalia e calcificações intracranianas. Pode ocorrer nascimento prematuro com baixo peso, sequelas variáveis, inflamação do coração, pulmões e olhos, erupções cutâneas, pressão elevada do líquido cefalorraquidiano ou aborto.

• Diagnóstico: realizado por meio de análise de sangue da mãe e do bebê, radiografias ou outros exames de imagens da cabeça, análises do líquido cefalorraquidiano e exames oculares. O exame da placenta no momento do nascimento auxilia na comprovação da infecção. Alguns problemas fetais, como microcefalia, calcificações cerebrais, ascite fetal podem ser diagnosticados pela ecografia.

• Prevenção: as mulheres grávidas precisam evitar o contato com locais contaminados por fezes de gato e consumir alimentos bem cozidos para destruir possíveis parasitas.

Page 35: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | ETIOLOGIA E SERVIÇOS DESTINADOS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

25

FIGURA 9 – TOXOPLASMOSE CONGÊNITA

FONTE: Disponível em: <http://4.bp.blogspot.com/-wQwYSc_GSsA/Tc1qYJFs-HI/AAAAAAAAAF8/-V6xWeOlWJw/s320/x435.jpg>. Acesso em: 7 jun. 2018.

• Síndrome de Usher: perda auditiva estável e visual progressiva.

• Causas: a síndrome de Usher, também conhecida como síndrome Hallgren, síndrome Usher-Hallgren ou síndrome de disacusia, consiste no conjunto de doenças genéticas autossômicas recessivas.

• Sintomas: deficiência auditiva neurossensorial, com ou sem presença de disfunção vestibular e retinose pigmentar. A doença pode se dividir em três tipos:

Tipo 1: mais grave, com surdez congênita profunda, ausência ou pequenas respostas vestibulares, problemas de equilíbrio desde o nascimento e retinose pigmentar no início da pré-adolescência.

Tipo 2: surdez congênita moderada a severa, sem alteração vestibular e com início de retinose pigmentar, até os 20 anos de idade.

Tipo 3: progressiva perda auditiva, disfunção vestibular variável e possível surgimento da retinose pigmentar.

Com a variabilidade clínica, há também uma heterogeneidade genética, sendo que a causa da síndrome ocorre por mutações em distintos genes. Assim, foram encontrados 11 tipos diferentes e apenas nove identificados:

Tipo 1: MY07A, USH1C, CDH23, PCDH15, SANS.Tipo 2: USH2A, VLGR1, WHRN.Tipo 3: USH3A.

A perda auditiva geralmente ocorre de forma bilateral e simétrica, podendo evoluir para uma perda auditiva intensa. Os pacientes apresentam cegueira noturna com dificuldades de adaptação visual em locais com baixa luminosidade e redução do campo visual periférico.

Page 36: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

26

• Diagnóstico: avalia-se o equilíbrio, a visão e audição. A avaliação oftálmica engloba o teste de campo de visão para identificar a visão periférica, eletrorretinograma e exame de retina. Os testes audiológicos incluem a medição da intensidade dos sons, faixa de frequência que o paciente ouve. O eletronistagmograma mede os movimentos involuntários dos olhos, indicando problemas de equilíbrio. Os testes genéticos são dispensados por envolverem uma ampla variedade de genes.

FIGURA 10 – SÍNDROME DE USHER

FONTE: Disponível em: <http://audifonosclaube.com/wp-content/uploads/2016/02/usher6.jpg>. Acesso em: 7 jun. 2018.

• Síndrome de Alstrom: perda visual precoce e auditiva progressiva.

• Causas: doença genética rara que acomete diversas partes do corpo. Para que a criança manifeste a síndrome precisa receber duas cópias de gene, uma herdada pelo pai e outra pela mãe. A sintomatologia decorre da ausência do gene ALMS1, que codifica uma proteína de função ainda desconhecida.

• Sintomas: alterações visuais que podem surgir entre a primeira e terceira semana de vida, com nistagmo (movimento rápido dos olhos). Sensibilidade à luz iniciada na infância e progride para retinopatia e cegueira. Sintomas auditivos iniciam entre os oito e 22 anos de idade. Na infância surgem níveis exageradamente elevados de colesterol, lipídios, triglicerídeos e insulina no sangue, podendo ocorrer o desenvolvimento de diabetes mellitus e problemas renais (MELDAU, 2006-2018). O paciente pode apresentar manchas na pele identificadas como acantose nigricans, escoliose, baixa estatura, hipotireoidismo, hipotestosteronismo nos meninos, elevação das enzimas hepáticas e problemas cardíacos. Insuficiência renal que pode surgir entre os 20 a 40 anos de vida.

• Diagnóstico: realizado por meio de teste genético que sequencia a parte em que se encontra o gene ALMS1 no cromossomo 2.

Page 37: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | ETIOLOGIA E SERVIÇOS DESTINADOS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

27

FIGURA 11 – SÍNDROME DE ALSTROM

FONTE: Disponível em: <http://1.bp.blogspot.com/-Ff9KH2GD9u4/UgX0oFAZmeI/AAAAAAAAipw/UaD9H7bhTg4/s1600/Beck2.jpg>. Acesso em: 7 jun. 2018.

• Síndrome de Bardel-Biedl: perda visual progressiva, deficiência intelectual, perda auditiva.

• Causas: doença genética relacionada ao prejuízo de pelo menos um dos genes relacionados ao complexo BBSome que auxilia no IFT, transporte infraflagelar, composto pelas proteínas BBS1, BBS2, BBS3, BBS4, BBS5, BBS6, BBS7, BBS8 e BBS9. As chaperonas são proteínas que regulam a atividade desse complexo, representadas por BBS6, BBS10 e BBS12.

• Sintomas: perda da visão decorrente das alterações na retina, com início na infância com a perda da visão noturna, evoluindo para pontos cegos da visão periférica. Depois, ocorre a ampliação dos pontos cegos, levando à perda da visão ou sua totalidade. A obesidade é outra característica com excessivo ganho de peso que se inicia na infância, permanecendo para o resto da vida do indivíduo. Associado à obesidade pode ocorrer a diabetes do tipo II, hipertensão, elevados níveis de colesterol e hipercolesterolemia. Outras manifestações clínicas incluem a plidactilia, atraso mental, anormalidades na genitália e renais, problemas na fala, atraso no desenvolvimento das habilidades motoras, problemas comportamentais, características faciais peculiares, anormalidades dentárias, dedos anormalmente curtos e/ou fundidos dos pés, perda parcial ou completa do olfato, alterações hepáticas, cardíacas e gastrointestinais.

• Diagnóstico: ocorre de forma clínica, com opção de teste molecular para quatro dos 14 genes envolvidos na síndrome e identificados até o momento.

Page 38: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

28

FIGURA 12 – SÍNDROME DE BARDEL-BIEDL

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/3ZkPDt>. Acesso em: 20 abr. 2018.

• Síndrome de Cockayne: perda progressiva visual e auditiva, deficiência intelectual, transtornos neurológicos.

• Causas: doença hereditária rara causada por inúmeras anomalias sistêmicas. • Sintomas: transtornos de fotossensibilidade que seria a sensibilidade à luz solar,

atraso grave do desenvolvimento físico, deficiência intelectual, microcefalia, envelhecimento prematuro, perda auditiva, e dependendo da gravidade, pode ocasionar morte precoce.

A doença apresenta três subtipos:

Cockayne I ou Classic: aparece na infância, por consequência da degeneração neurológica progressiva, com possível óbito entre os 20 e 30 anos.

Cockayne II ou grave: os sintomas estão presentes desde o nascimento e a morte pode ocorrer antes dos dez anos de vida.

Cockayne III ou mais suave: os sintomas surgem de forma tardia, com idade avançada.

• Diagnóstico: realizado pelo teste genético molecular.

Page 39: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | ETIOLOGIA E SERVIÇOS DESTINADOS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

29

FIGURA 13 – SÍNDROME DE COCKAYNE

FONTE: Disponível em: <http://www.documentingreality.com/forum/attachments/f149/384497d1344640176-cockayne-syndrome-cocayne1.jpg>. Acesso em: 7 jun. 2018.

• Síndrome de Flynn-Aird: perda visual e auditiva progressiva, deficiência intelectual.

• Causas: doença neurológica hereditária e rara, herdada de forma autossômica dominante.

• Sintomas: acomete o sistema nervoso, auditivo, esquelético, visual e endócrino, englobando vários sintomas que podem conter natureza neuroectodérmica. O surgimento ocorre entre dez e 20 anos de idade, os sintomas iniciais apresentam demência precoce, ataxia, perda de massa muscular, atrofia da pele e anomalias oculares. Os pacientes podem ainda desenvolver outros sintomas, como catarata, retinite pigmentosa, miopia levando à cegueira, cárie dentária, neuropatia periférica (lesão do nervo periférico), surdez e alterações ósseas císticas.

FIGURA 14 – SÍNDROME DE FLYNN-AIRD

FONTE: Disponível em: <https://i0.wp.com/www.femexer.org/wp-content/uploads/2016/09/Sindrome-de-Waardenburg-tipo-1.jpg?fit=466%2C537&resize=350%2C200>. Acesso em: 7 jun. 2018.

Page 40: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

30

• Síndrome de Kearns-Sayre: perda visual progressiva e auditiva, deficiência intelectual.

• Causas: trata-se de uma desordem genética, caracterizada pelo surgimento de ptose palpebral, oftalmoparesia e retinopatia pigmentar anterior aos 20 anos de idade. Uma das possíveis causas seriam as alterações ocorridas no DNA mitocondrial com a supressão de 5000 pares de bases, de herança materna, ocorrendo esporadicamente por mutação aleatória ou induzida (MELDAU, 2006-2018).

• Sintomas: a primeira manifestação seria a ptose palpebral, resultante do acometimento da musculatura que comanda os movimentos palpebrais. A princípio ocorre de forma unilateral, evoluindo para uma ptose bilateral com a limitação dos movimentos dos olhos. Depois evolui para retinopatia pigmentar, que ocasiona a despigmentação difusa do epitélio pigmentado da retina, mais precisamente a mácula. Anos depois, surgem anormalidades na condução cardíaca, como o bloqueio atrioventricular, que contribui com a intolerância às atividades físicas e bradicardia.

• Diagnóstico: realizado por meio da tríade de oftalmoplegia progressiva, degeneração pigmentar da retina e bloqueio de condução cardíaca. Na biópsia do músculo orbicular que indica as alterações morfológicas caracterizadas pelas fibras estriadas, em substituição da biópsia pode ser realizado o estudo genético.

FIGURA 15 – SÍNDROME DE KEARNS-SAYRE

FONTE: Disponível em: <http://scielo.isciii.es/img/revistas/aseo/v83n3/f05-01.jpg>. Acesso em: 25 jun. 2018.

• Enfermidade de Refsum: perda visual e auditiva progressiva, deficiência física progressiva.

• Causas: pessoas com doença ou enfermidade de Refsum são acometidas por uma desordem genética rara, caracterizada na incapacidade de metabolizar o ácido fitânico, que acabam se acumulando no sangue e tecidos. Essas pessoas possuem a ausência da enzima responsável por quebrar o ácido fitânico, lipídio encontrado em alguns alimentos como carnes, peixes e laticínios. O fitol

Page 41: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | ETIOLOGIA E SERVIÇOS DESTINADOS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

31

encontrado em vegetais de folhas verdes é convertido em ácido fitânico, sendo necessário evitar o seu consumo.

• Sintomas: as manifestações clínicas principais são a neuropatia sensorial, ataxia cerebelar, anosmia, retinite pigmentosa, ressecamento cutâneo, deformidades esqueléticas e ictiose, com maior frequência em crianças e adultos de origem escandinava. Podem ocorrer ainda neurodegeneração e distrofia muscular, hipotonia, hiporeflexia/areflexia e hemiplegia/hemiparesia (MELDAU, 2006-2018). No início surge a cegueira noturna e restrição do campo visual, decorrente da retinose pigmentar, que depois evolui para a cegueira e surdez.

• Diagnóstico: o diagnóstico é difícil de se estabelecer, mas pode ser confirmado pelo exame de sangue que aponta a acidemia fitânica.

• Tratamento: nesse caso o tratamento consiste na adoção de uma dieta pobre em fitol e clorofila, que auxilia a retardar o progresso da doença. Juntamente à manutenção do peso, evitando sua perda que leva à liberação do ácido fitânico.

FIGURA 16 – ENFERMIDADE DE REFSUM

FONTE: Disponível em: <https://www.saudedica.com.br/wp-content/uploads/2017/07/Doen%C3%A7a-de-Refsum.jpg>. Acesso em: 7 jun. 2018.

A análise sobre as características encontradas na deficiência múltipla incide sobre os efeitos da funcionalidade da pessoa na convivência social, e em como as deficiências interferem na sua qualidade de vida. Assim, devem ser considerados aspectos como os tipos e quantidades de deficiências primárias associadas; abrangência do comprometimento; idade de início das deficiências; fatores sociais; e na eficiência das intervenções educacionais e de saúde (CARVALHO, 2000).

O conhecimento sobre a deficiência múltipla indica formas de se promover a inserção social na pessoa, reduzindo as causas que interferem em sua integração. Dessa forma, o estudo sobre as características e funcionalidades dessas pessoas permite à sociedade buscar alternativas que favoreçam sua integração, valorizando suas habilidades e potencialidades, minimizando suas limitações.

Page 42: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

32

As informações contidas no protocolo pretendem nortear os profissionais da atenção à saúde, por meio de orientações e diretrizes para as ações de prevenção da infecção pelo vírus Zika em mulheres em idade fértil e gestantes, para a atenção no pré-natal, parto e nascimento e para a assistência aos nascidos com microcefalia, em todo o território nacional. Esse instrumento só foi possível pelo empenho de profissionais das diversas áreas e departamentos do Ministério da Saúde, secretarias de saúde, pesquisadores e instituições em todo Brasil, que se uniram com o objetivo de direcionar as ações para o enfrentamento à microcefalia ligada ao vírus Zika. Para saber mais sobre o assunto, acesse: <file:///C:/Users/Usuario/Downloads/PROTOCOLO%20DE%20ATENDIMENTO%20PARA%20MICROCEFALIA.pdf>.Baixe o documento na íntegra!

DICAS

3 ATENDIMENTOS OFERTADOS À PESSOA COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

A família, ao receber uma criança com deficiência, muitas vezes, encontra-se em meio a dúvidas que podem ser respondidas pelos profissionais da maternidade no hospital, ou ainda, no Centro de Saúde. Nesse sentido, os familiares necessitam de orientações aos serviços ofertados em seu município, que atuaram na Intervenção Precoce na Infância – IPI.

Assim que a família recebe o diagnóstico da criança precisa procurar os serviços de saúde e garantir o direito ao atendimento e apoio ao seu desenvolvimento. Soriano (2005) aponta que ao longo dos anos, os tipos de intervenções foram mudando, antes encontrava-se centrada fundamentalmente na criança, modelo médico, e atualmente a IPI se estende no atendimento à família e ao seu meio, modelo social.

Page 43: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | ETIOLOGIA E SERVIÇOS DESTINADOS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

33

A IPI consiste, de forma geral, em um conjunto de serviços e recursos ofertados a crianças em idades precoces e suas famílias, atendidas na solicitação que deve ser realizada pela família, em certo período da vida da criança. O atendimento inclui ações realizadas voltadas ao apoio especializado para assegurar e incrementar o seu desenvolvimento, fortalecer as competências familiares e promover sua inclusão social. As ações são realizadas no meio social da criança, na localidade de moradia, com a abordagem de uma equipe multidisciplinar (SORIANO, 2005).

FIGURA 17 – INTERVENÇÃO PRECOCE NA INFÂNCIA

FONTE: Disponível em: <http://2.bp.blogspot.com/_KdZDOmC9h6c/S9bu-5zudQI/AAAAAAAAABU/xU5bnItJDSQ/s1600/destaque.jpg>. Acesso em: 7 jun. 2018.

No Brasil, em 2015, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Atenção Integral da Criança – PNAISC, com a Portaria nº 11.303, que aborda de forma concisa os eixos de ações que estruturam a atenção integral à saúde da criança. O documento expressa estratégias para a articulação de ações e serviços de saúde, que devem ser implantados pelas gestões estaduais, municipais e profissionais de saúde (DAMASCENO et al., 2016). A PNAISC se estrutura segundo as redes de atenção à saúde e seus eixos estratégicos:

[...] aleitamento materno e alimentação complementar saudável; promoção e acompanhamento do crescimento e desenvolvimento integral; atenção a crianças com agravos prevalentes na infância e com doenças crônicas; atenção à saúde de crianças com deficiência ou em situações específicas e de vulnerabilidade; vigilância e prevenção do óbito infantil, fetal e materno (DAMASCENO, 2016, p. 2962).

A Atenção Primária à Saúde – APS consiste em estratégias de reorganização do sistema de atenção à saúde, para atender à demanda da população, enquanto parte coordenadora de uma Rede de Atenção à Saúde – RAS. A Portaria nº 2.488,

Page 44: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

34

de 2011, que aprova a Política Nacional de Atenção Básica, define a organização de RAS como uma forma de cuidado integral e direcionado às necessidades de saúde da população.

A APS configura-se enquanto coordenadora do cuidado à criança e como norteadora para que ocorram os processos da garantia de atendimento. Desta maneira, no Brasil, há a adoção da Estratégia Saúde da Família – ESF – como modelo que orienta os serviços de atenção básica à saúde primária.

A Portaria nº 793, de 24 de abril de 2012, institui a rede de cuidados à pessoa com deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS – por meio da criação, ampliação e articulação de pontos de atenção à saúde para pessoas com deficiência temporária ou permanente, que seja progressiva, regressiva ou estável, intermitente ou contínua, no âmbito do atendimento no Sistema Único de Saúde – SUS (BRASIL, 2012). O documento apresenta como objetivos gerais:

I- ampliar o acesso e qualificar o atendimento às pessoas com deficiência temporária ou permanente; progressiva, regressiva, ou estável; intermitente ou contínua no SUS;II- promover a vinculação das pessoas com deficiência auditiva, física, intelectual, ostomia e com múltiplas deficiências e suas famílias aos pontos de atenção; eIII- garantir a articulação e a integração dos pontos de atenção das redes de saúde no território, qualificando o cuidado por meio do acolhimento e classificação de risco (BRASIL, 2012, s. p.).

Nesse sentido, percebemos a garantia em lei do atendimento às pessoas com deficiências múltiplas e suas famílias nas redes de saúde da localidade em que vivem. A Portaria nº 793 aponta para o componente de atenção especializada e inclui as deficiências múltiplas, garantindo pontos de atenção como: estabelecimentos de saúde com oferta em apenas um Serviço de Reabilitação, Centros Especializados em Reabilitação – CER e Centros de Especialidades Odontológicas – CEO. Mais precisamente, na garantia dos seguintes serviços:

I- promover cuidados em saúde especialmente dos processos de reabilitação auditiva, física, intelectual, visual, ostomia e múltiplas deficiências;II- desenvolver ações de prevenção e de identificação precoce de deficiências na fase pré, peri e pós-natal, infância, adolescência e vida adulta;III- ampliar a oferta de Órtese, Prótese e Meios Auxiliares de Locomoção (OPM);IV- promover a reabilitação e a reinserção das pessoas com deficiência, por meio do acesso ao trabalho, à renda e à moradia solidária, em articulação com os órgãos de assistência social;V- promover mecanismos de formação permanente para profissionais de saúde;VI- desenvolver ações intersetoriais de promoção e prevenção à saúde em parceria com organizações governamentais e da sociedade civil;VII- produzir e ofertar informações sobre direitos das pessoas, medidas de prevenção e cuidado e os serviços disponíveis na rede, por meio de cadernos, cartilhas e manuais;

Page 45: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | ETIOLOGIA E SERVIÇOS DESTINADOS ÀS PESSOAS COM DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

35

VIII- regular e organizar as demandas e os fluxos assistenciais da Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência; eIX- construir indicadores capazes de monitorar e avaliar a qualidade dos serviços e a resolutividade da atenção à saúde (BRASIL, 2012, s.p.).

Em relação às diretrizes de funcionamento da rede de cuidados à pessoa com deficiência, o documento preconiza:

I- respeito aos direitos humanos, com garantia de autonomia, independência e de liberdade às pessoas com deficiência para fazerem as próprias escolhas;II- promoção da equidade;III- promoção do respeito às diferenças e aceitação de pessoas com deficiência, com enfrentamento de estigmas e preconceitos;IV- garantia de acesso e de qualidade dos serviços, ofertando cuidado integral e assistência multiprofissional, sob a lógica interdisciplinar;V- atenção humanizada e centrada nas necessidades das pessoas;VI- diversificação das estratégias de cuidado;VII- desenvolvimento de atividades no território, que favoreçam a inclusão social com vistas à promoção de autonomia e ao exercício da cidadania;VIII- ênfase em serviços de base territorial e comunitária, com participação e controle social dos usuários e de seus familiares;IX- organização dos serviços em rede de atenção à saúde regionalizada, com estabelecimento de ações intersetoriais para garantir a integralidade do cuidado;X- promoção de estratégias de educação permanente;XI- desenvolvimento da lógica do cuidado para pessoas com deficiência física, auditiva, intelectual, visual, ostomia e múltiplas deficiências, tendo como eixo central a construção do projeto terapêutico singular; eXII- desenvolvimento de pesquisa clínica e inovação tecnológica em reabilitação, articuladas às ações do Centro Nacional em Tecnologia Assistiva (MCT) (BRASIL, 2012, s.p.).

O Programa de Apoio à Atenção da Saúde da Pessoa com Deficiência – PRONAS/PCD, desenvolvido em conjunto com o Programa Nacional de Apoio à Atenção Oncológica – PRONON, atua no intuito de incentivar as ações e serviços a serem desenvolvidos por entidades, associações e fundações privadas sem fins lucrativos, para atuarem na área da oncologia e da pessoa com deficiência (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2013-2018). A intencionalidade seria na ampliação da oferta de serviços médico-assistenciais, formação, treinamento e aperfeiçoamento dos recursos humanos, em todos os níveis, com pesquisas clínicas, epidemiológicas, experimentais e socioantropológicas.

Page 46: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

36

Para conhecer mais informações sobre a rede de cuidados à pessoa com deficiência e as ações e programas que o governo brasileiro oferta à população, acesse o site: <http://portalms.saude.gov.br/saude-para-voce/saude-da-pessoa-com-deficiencia/acoes-e-programas/rede-de-cuidados-a-pessoa-com-deficiencia> e amplie seus conhecimentos!

DICAS

Page 47: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

37

RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• A Organização Mundial de Saúde – OMD, em 1997, reestruturou a Classificação Internacional atribuindo novas conceitualizações em relação aos aspectos que permeiam a deficiência.

• A Classicação Internacional sugere a inclusão social enquanto processo em que a sociedade procura formas de se adaptar para incluir as pessoas com necessidades especiais, assumindo funções na sociedade.

• A deficiência múltipla pode advir de diversas causas apontadas, como fatores associados a concepção, pré-natais, perinatais ou natais e pós-natais. Outras situações relacionadas às condições ambientais podem incidir na formação da deficiência múltipla, como acidentes e traumatismos cranianos, intoxicação química, irradiações, tumores e outros.

• Há, também, algumas enfermidades que estão associadas à deficiência múltipla.

• A família, ao receber uma criança com deficiência, muitas vezes, encontra-se em meio a dúvidas que podem ser respondidas pelos profissionais da maternidade no hospital, ou ainda, no Centro de Saúde.

• A IPI consiste, de forma geral, em um conjunto de serviços e recursos ofertados a crianças em idades precoces e suas famílias, atendidas na solicitação que deve ser realizada pela família, em certo período da vida da criança.

• No Brasil, em 2015, o Ministério da Saúde instituiu a Política Nacional de Atenção Integral da Criança – PNAISC, com a Portaria nº 11.303, que aborda de forma concisa os eixos de ações que estruturam a atenção integral à saúde da criança.

• A Portaria nº 793, de 24 de abril de 2012, institui a rede de cuidados à pessoa com deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.

Page 48: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

38

1 (ENADE, PEDAGOGIA - 2014) Estar no espaço lúdico com outras crianças é o primeiro passo no movimento de brincar inclusivo. Alunos com limitações de movimento conseguem observar as ações das pessoas no seu entorno, mas seu brincar pode se restringir bastante, pelo atraso neuropsicomotor, pela incoordenação na manipulação dos objetos ou pela falta de um sistema de comunicação e linguagem.

FONTE: REILY, L. Escola Inclusiva: linguagem e mediação. Campinas: Papirus, 2004, p. 54 (com adaptações).

Nesse sentido, a prática pedagógica inclusiva, na perspectiva da mediação cultural de Vygotsky, deve enfatizar:

I- O uso de situações-problema desafiadoras que coloquem o aluno, de forma contextualizada, em atividade.

II- A organização do planejamento didático de forma que o aluno possa aprender por meio de observação e imitação.

III- O ato de pensar sobre o seu próprio processo em atividade, incentivando a conscientização sobre sua aprendizagem.

IV- A organização do currículo e de recursos que possibilitem o acesso do aluno aos objetos de conhecimento lúdicos e desafiadores.

É correto apenas o que se afirma em:a) ( ) I e II.b) ( ) I e III.c) ( ) I, III e IV.d) ( ) II, III e IV.

2 O CIDDM-2 aponta a deficiência como uma perda ou anormalidade de uma parte ou função do corpo, incluindo as mentais. Sugere ainda a inclusão social como um processo social que busca formas de adaptação, para a inclusão de pessoas com necessidades especiais. Analise e associe as sentenças de acordo com os diversos fatores que podem incidir para ocorrer a deficiência múltipla.

I- Concepção.II- Pré-natal.III- Perinatal.IV- Pós-natal.

( ) Pode ocorrer a anoxia, a falta prolongada de oxigênio no feto no decorrer do processo de nascimento.

( ) Consiste na translocação de pares de cromossomos no nascimento ou problemas congênitos no metabolismo.

( ) São fatores associados a doenças infecciosas e a condições ambientais, como traumatismo craniano, radiações e outros.

AUTOATIVIDADE

Page 49: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

39

( ) Relacionados a fatores associados à administração de medicamentos, como sedativos pela mulher gestante.

Agora, assinale a sentença CORRETA:a) ( ) III – I – IV – II.b) ( ) I – II – III – IV.c) ( ) II – I – III – IV.d) ( ) I – III – IV – II.

3 O Sistema Único de Saúde – SUS oferta uma rede de cuidados às pessoas com deficiências, regulamentada na Portaria nº 793/2002, com a criação, ampliação e articulação de vários pontos de atenção à saúde. Nesse sentido, visite um posto de saúde próximo da sua comunidade e converse com os atendentes. Investigue sobre as ações e atendimentos que são disponibilizados para as pessoas com deficiência, incluindo os índices na localidade. Organize as informações e depois discuta com seus colegas no encontro.

Page 50: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

40

Page 51: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

41

TÓPICO 3

PREVENÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

UNIDADE 1

1 INTRODUÇÃO

Acadêmico, ao longo desta unidade estudamos sobre alguns aspectos referentes à conceitualização das deficiências múltiplas, percebemos como as políticas públicas influenciam a condução dos entendimentos sobre o assunto. Esses aspectos indicaram a oferta de serviços de acordo com o desenvolvimento da sociedade.

Conhecemos, também, as etiologias da deficiência múltipla e os atendimentos ofertados pelos serviços de saúde garantidos em lei. Nesta etapa, destacaremos as medidas de prevenção das deficiências que abrangem do período pré-conceptivo ao pós-natal. Outro aspecto analisado será o relacionado aos estudos referentes à aprendizagem e desenvolvimento das pessoas com deficiência, e sua inserção nos âmbitos social e profissional.

2 MEDIDAS DE PREVENÇÃO DO PERÍODO PRÉ-CONCEPTIVO AO PÓS-NATAL

As deficiências, em geral, são decorrentes de causas internas, com doenças congênitas, fatores de risco pré, peri e pós-natal; e as causas externas, com fatores que envolvem acidentes de trânsito, trabalho e de violência urbana. Para as Normas e Recomendações Internacionais sobre Deficiências (CORDE), a prevenção consiste na adoção de medidas para impedir que ocorra a deterioração física, intelectual, psiquiátrica ou sensorial, ou ainda impedir que cause uma deficiência ou limitação funcional permanente (CUNHA, 2001).

A deficiência não consiste em uma doença, mas pode advir de uma, ou de acidentes, condições sociais e econômicas, fatores orgânicos, hereditários ou genéticos. Enumo e Trindade (2002) apresentam as práticas preventivas que devem ser aplicadas nos seguintes episódios da vida:

Page 52: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

42

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

A prevenção pré-concepcional inicia quando a mulher e/ou casal decide ter filhos e busca acompanhamento médico para investigar suas condições de saúde. O médico indicará uma série de exames que servem para eliminar alguns riscos e problemas com o bebê, como causas hereditárias e problemas de saúde na gestante.

Segundo Enumo e Trindade (2002), os exames solicitados servem para prevenir grande parte dos riscos e incluem o hemograma, glicemia, reação sorológica para sífilis, HIV (AIDS), tipagem sanguínea, urina, toxoplasmose, hepatite e fezes. Tais exames permitem constatações sobre a incidência de algumas doenças anteriormente ao primeiro trimestre da gravidez, como no caso da rubéola, sífilis e toxoplasmose. Também são coletadas informações sobre o histórico da gestante, que poderia incidir numa gestação de risco, como casos de deficiência na família, gravidez anterior de risco, idade avançada ou precoce.

Em casos de deficiência na família, o casal deve procurar serviços de genética médica para estudos cromossômicos e identificar as probabilidades de possíveis anomalias no feto. Nos casos de gestação de risco, existem práticas preventivas para o período pré-concepcional, assim como no pré-natal.

A prevenção pré-natal ocorre no decorrer da gestação por meio de acompanhamento médico com exames de sangue e ultrassonografia, com o objetivo de organizar um histórico de saúde do bebê. Os exames orientam o médico sobre o tempo de vida, crescimento, desenvolvimento, tamanho, posição e conforto fetal.

As gestantes que são portadoras de doenças como hipertensão arterial crônica, diabetes, anemias ou tipo sanguíneo com RH negativo, podem apresentar o desenvolvimento do bebê com comprometimento. Tais situações não impedem de o bebê nascer saudável, mas indicam que o período de vida intrauterina necessita de acompanhamento médico.

Page 53: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | PREVENÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

43

Atualmente, alguns exames detectam a ocorrência de alterações no desenvolvimento fetal, descritos por Batista (2015) como:

• Vilo corial: biópsia de vilosidades coriônicas realizada por meio da inserção de uma agulha na placenta, por via abdominal ou transcervical. Realizada entre a 10ª e 15ª semana de gestação.

• Amniocentese: amostra do líquido amniótico realizada com um aparelho de ultrassom que guia uma agulha através do abdome materno até a cavidade amniótica, e aspira-se cerca de 20 ml de líquido para análise.

• Cordocentese: amostra de sangue fetal realizada entre a 18ª e 20ª semana de gestação, com a retirada de sangue do bebê através do cordão umbilical, para identificação de deficiência cromossômica.

• Ecocardiografia fetal: exame ultrassonográfico não invasivo realizado no abdome da gestante após a 18ª semana, para avaliar o desenvolvimento intrauterino morfológico e funcional do coração do feto.

• Doppler: exame de ultrassom que verifica o fluxo sanguíneo, oxigênio e as batidas cardíacas do bebê e o desenvolvimento do seu corpo. Com esse exame é possível identificar alguns problemas, como: restrição de crescimento por baixo fluxo sanguíneo; quantidade ideal de líquido amniótico; atividade e condição cardíaca do bebê; boa formação dos órgãos internos; possíveis problemas com a placenta e suas artérias, que indicam riscos de pré-eclampsia, diabetes gestacional e algumas infecções.

A deficiência pode ser causada por traumatismos, tentativas de aborto, exposição a raios-X, radioterapia e o uso indiscriminado de medicamentos. O uso de medicamentos, incluindo a administração da vitamina C, pode causar má-formação no feto se ingeridos em doses altas. Assim como a excessiva exposição a raios-X, que devem ser realizadas com um avental de chumbo protegendo o abdome da gestante (EMUNO; TRINDADE, 2002).

A prevenção perinatal ocorre após o nascimento com a avaliação das condições cardíacas, respiratórias, musculares e dos reflexos do recém-nascido. Cada uma dessas situações recebe uma nota em três diferentes momentos que indicam o primeiro, segundo e quinto minuto de vida. Esse conjunto de avaliações, denominado de Apgar do recém-nascido, ou a nota atribuída, indicará as condições gerais de saúde do bebê.

Na maternidade deve ser realizado no bebê o teste do pezinho para identificar a existência de doenças congênitas, o hipotireoidismo congênito e a fenilcetonúria e alteração no metabolismo. As doenças, quando diagnosticadas com antecedência, devem ser imediatamente tratadas. Em suma, o teste do pezinho, a nota Apgar e as orientações sobre o calendário de vacinação consistem em direitos de todos os recém-nascidos, enquanto informações sobre sua condição de saúde.

A prevenção pós-natal – durante os primeiros anos de vida – indica os cuidados com doenças como meningite, sarampo, traumatismos, ingestão de alimentos contaminados, intoxicação por medicamentos ou produtos de limpeza,

Page 54: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

44

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

instrumentos cortantes e fogo, que são as causas mais frequentes das deficiências nesse período de vida. Outros aspectos também precisam ser considerados, como a desnutrição, problemas metabólicos e maus-tratos na primeira infância.

O método de prevenção inclui consultas mensais ao pediatra durante o primeiro ano de vida, conferência da tabela de vacinação, priorizar o aleitamento materno e administrar medicamentos somente com orientação médica. Assim, nas consultas médicas, os responsáveis devem solicitar orientações e esclarecimentos sobre dúvidas para garantir a qualidade de vida das crianças.

3 APRENDIZAGEM E DESENVOLVIMENTO DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA NO ÂMBITO SOCIAL

A deficiência pode ser compreendida com base em dois paradigmas: o médico e o social. O paradigma médico limita-se à condição da pessoa, resultante do impedimento, limitação, perda ou anormalidade de uma parte do corpo ou função. Entendida inclusive como um estado negativo de funcionamento, como uma doença ou defeito, baseado na comparação entre a pessoa e um modelo humano idealizado (ABENHAIM, 2009).

O paradigma social reconhece que algumas pessoas apresentam certas dificuldades para realizarem determinadas funções, que considera como caráter limitador à condição imposta pelo contexto social, quando cria barreiras físicas e atitudinais. Cada pessoa é entendida como ser único e com direito de desenvolver suas potencialidades. Na área da educação, por muito tempo, perdurou o paradigma médico que buscava nas práticas educativas aproximar o aluno ao modelo idealizado. Contudo, ao não corresponderem ao padrão são rotulados, colocados em categorias diferenciadas (ABENHAIM, 2009).

Segundo Vygotsky (1994), o estado do desenvolvimento mental de uma pessoa jamais poderá ser definido apenas pelas respostas impressas nos testes ou atividades. As respostas apontam para o seu nível de desenvolvimento real, mas são insuficientes para determinar o estado do desenvolvimento mental.

Mantoan (1988) afirma que todas as pessoas devem enfrentar situações-problemas, situações que as desafiem a aprender a viver o desequilíbrio emocional e cognitivo. Assim, as pessoas com deficiência devem ser expostas a situações desafiadoras para que reestruturem seu pensamento, construindo seus conhecimentos.

Para Vygotsky (1994), a aprendizagem consiste no processo em que as pessoas adquirem informações, habilidades, atitudes, valores e conhecimentos por meio do contato com a realidade social e outras pessoas. As relações sociais presentes nas interações escolares são elementos constitutivos do currículo, como formas de aprendizagem subjetiva.

Page 55: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | PREVENÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

45

A aprendizagem como um processo que desenvolve na pessoa a construção da autonomia intelectual e social, segundo Delors (2001), resulta em uma forma educativa baseada em três princípios:

Assim, o grau de comprometimento de dificuldades não impera como fator para a não aprendizagem, sendo que a crença na limitação do outro provoca sérios danos, gerando uma autoimagem negativa e baixa autoestima. As pessoas que são apontadas como incapazes, geralmente, assumem essa condição e acreditam que nunca poderão modificar seu resultado.

Mantoan (1998) aponta que a escola inclui essas pessoas no grupo considerando o interesse em saber as necessidades intelectuais e sociais da pessoa, sendo que a idade cronológica é desconsiderada e substituída por uma idade mental. Dessa maneira, ocorre o impedimento da representação dos papéis sociais correspondentes à idade, gênero e cultura, influenciando na perda da significação social das aprendizagens. Essa situação atua também, diretamente, no seu esforço em se adaptarem às demandas da escola, gerando uma consciência de que não obterão sucesso em aprender sem a ajuda constante do outro, submetendo-se à dependência das condutas, escolhas e respostas oriundas do meio.

A aprendizagem e o desenvolvimento das pessoas com deficiência não podem ser determinados pela sua aparência ou laudo médico. Portanto, o elemento limitador consiste na própria sociedade, principalmente a escola,

Page 56: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

46

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

quando apresenta uma estrutura que não atende às demandas de uma sociedade heterogênea.

Com os estudos e discussões, a visão excludente das pessoas vem sendo substituída por um reconhecimento de todo ser humano como ser social, que aprende nas relações com os outros e com o mundo. A aprendizagem passa a ser entendida na complexa relação com as necessidades individuais e condições do meio social.

Nessa perspectiva, o atendimento dos alunos com deficiência suscita intervenções pedagógicas com metodologias e práticas educativas voltadas às suas especificidades e ritmos de aprendizagem. Principalmente com a intenção de desenvolver a autonomia, emancipação, interação e a convivência com os outros, incluindo os sentimentos de afetividade (NASCIMENTO, 2009).

O conceito de inclusão envolve vários aspectos e mudanças na escola, para que o ensino apresente significado e atinja a qualidade esperada. O que mais tarde incidirá no desenvolvimento da profissão das pessoas que apresentam necessidades especiais.

Para Nascimento (2009), a formação profissional exige níveis crescentes de escolaridade, que podem ser atingidos por duas formas de aprendizagem: a formal, nas instituições de ensino; e a não formal, em diferentes ambientes, incluindo os locais de trabalho. A educação profissional abrange conhecimentos teóricos e operacionais relacionados à produção de bens e serviços, oriundos da aprendizagem inicial, continuada e da qualificação das pessoas.

Segundo Manfredi (2002), a escola, com o crescimento do capitalismo industrial, assumiu a função social, de preparação para a inserção das pessoas no mundo do trabalho. Contudo, a organização curricular vivenciada nas instituições de ensino ocorre de forma diferente do mundo do trabalho. Um dos fatores seria a deficiência de políticas públicas que atendam à demanda da inserção de trabalhadores desempregados, e programas integrados de escolarização e profissionalização.

No que se refere ao atendimento à inclusão de pessoas com deficiência nas relações sociais de trabalho, há necessidade do desenvolvimento de programas com qualificação profissional. Programas que atendam à demanda de pessoas, bem como o assessoramento a empresas e suas formas de contratação profissional. Assim, a educação profissional voltada aos alunos com deficiência requer práticas pedagógicas que atendam às necessidades e especificidades desses alunos.

Antunes (2002) enfatiza que a aprendizagem depende do desenvolvimento proximal do aluno, sendo que não consiste em algo estável e deve ser mediada pela ação docente. Dessa forma, o aluno cria diferentes e frequentes Zonas de Desenvolvimento Proximal – ZDP, as quais permitem que ele progressivamente desenvolva tarefas mais complexas. A ZDP, segundo Vygotsky (1998, p. 112):

Page 57: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | PREVENÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

47

[...] é a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problema, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com um companheiro mais capaz.

Nesse sentido, o professor, como mediador na construção do conhecimento dos alunos, identifica as dificuldades e possibilidades de forma individualizada, conseguindo provocar situações de aprendizagem. Refletir sobre o valor e significado da ação docente representa analisar sua atuação pedagógica e a prática educativa.

Para saber mais sobre a teoria histórico-cultural e os conceitos referentes à ZDP e processos de aprendizagem conceitual, confira a obra Contribuições da concepção histórico-cultural para a educação. Disponível em: <http://editoraprismas.com.br/>, leia e amplie seus conhecimentos!

DICAS

Page 58: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

48

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

LEITURA COMPLEMENTAR

ALTERAÇÕES MORFOFISIOLÓGICAS DA MICROCEFALIA EM DECORRÊNCIA DA INFECÇÃO PELO ZIKA VÍRUS

Luanna Mirelle Santana Guido Márcia Noelle Cavalcante Medeiros

Priscilla Borba Tenório Isabela Tatiana Sales de Arruda

Descoberto no final da década de 1940 na África, o Zika vírus é um arbovírus da família flaviridae transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti. Foi inicialmente isolado em macacos da família Rhesus em Uganda, obtendo infecções isoladas em humanos. No entanto, o Zika vírus começou a ser notificado no Brasil no ano de 2014 após a Copa Mundial, onde houve um grande influxo de pessoas das diversas regiões do mundo no país. Após o ano de 2014 passaram a ser notificados casos de infecções pelo vírus, entretanto, sua confirmação deu-se em meados de 2015, principalmente nas regiões do Nordeste brasileiro, como Rio Grande do Norte, Pernambuco e Paraíba. As regiões brasileiras que obtiveram uma maior incidência da infecção pelo Zika vírus relataram o aparente aumento de microcefalia congênita (LIMA-CAMARA, 2016).

O Brasil é pioneiro no estudo da relação do Zika vírus com a microcefalia e conta com parceiros nacionais e internacionais nas investigações, como parte do esforço mundial para as descobertas relacionadas ao Zika. Em novembro de 2015, com base nos resultados preliminares das investigações clínicas, epidemiológicas e laboratoriais, além da identificação do vírus em líquido amniótico de duas gestantes do Estado da Paraíba com histórico de doença exantemática durante a gestação e fetos com microcefalia, e da identificação de vírus Zika em tecido de recém-nascido com microcefalia que evoluiu para óbito no Estado do Ceará, o Ministério da Saúde reconheceu a relação entre o aumento na prevalência de microcefalias no Brasil com a infecção pelo vírus Zika durante a gestação (BRASIL, 2015a; BRASIL, 2015b).

Nesse mesmo ano, foi realizado um estudo pelo Centro de Controle de Doenças da União Europeia, relatando que a Polinésia Francesa notificou um aumento incomum de pelo menos 17 casos de malformações do Sistema Nervoso Central em fetos e recém-nascidos durante os anos de 2014-2015, coincidindo com o surto de Zika vírus nas ilhas desse território. Nenhuma das gestantes relatou sinais de infecção pelo vírus Zika, mas em quatro testadas foram encontrados anticorpos (IgG) para flavivírus em sorologia, sugerindo infecção assintomática. Assim como o Brasil, as autoridades de saúde da Polinésia Francesa também acreditam que o vírus Zika está associado às anomalias congênitas, caso as gestantes estivessem infectadas durante o primeiro ou segundo trimestre de gestação (ECDC, 2015).

Page 59: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | PREVENÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

49

O surto do Zika vírus capturou a atenção do setor saúde e dos políticos não só do Brasil, mas em nível mundial, devido à associação entre as infecções em grávidas com aumento anormal da incidência de microcefalia em recém-nascidos, além da associação com outras doenças. Em novembro de 2015, o Brasil declarou Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional e em fevereiro de 2016, a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou emergência sanitária internacional (NUNES et al., 2016).

Sabe-se que as malformações congênitas, dentre elas a microcefalia, têm etiologia complexa e multifatorial, podendo ocorrer em decorrência de processos infecciosos durante a gestação. As evidências disponíveis até o momento indicam fortemente que o vírus Zika está relacionado à ocorrência de microcefalias. No entanto, não há como afirmar que a presença do vírus Zika durante a gestação leva, inevitavelmente, ao desenvolvimento de microcefalia no feto. A exemplo de outras infecções congênitas, o desenvolvimento dessas anomalias depende de diferentes fatores, que podem estar relacionados à carga viral, fatores do hospedeiro, momento da infecção ou presença de outros fatores e condições desconhecidos até o momento. Por isso, é fundamental continuar os estudos para descrever melhor a história natural dessa doença.

Diante da grande problemática que é a incidência elevada de casos de microcefalia congênita, caracterizada como epidemia global, em virtude da infecção pelo Zika vírus, é dada a grande importância do real conhecimento da população quanto ao mecanismo da etiologia da doença, suas consequências, bem como as tão estimadas medidas preventivas de combate ao vetor. Em se tratando de uma mazela cujo epicentro é o Brasil, muitos estudos voltados a tal temática, que consiste num potencial desafio à saúde pública, vêm sendo desenvolvidos, tais como estratégias de integração social aplicadas pelo Ministério da Saúde e mecanismos de alerta à população, principalmente as mais carentes (NUNES, 2016).

Desde abril de 2015, o ZIKV foi identificado como o agente patogênico de doença exantemática aguda no Brasil. A partir de outubro do mesmo ano, neuropediatras do Recife, Pernambuco, iniciaram notificações sucessivas sobre uma epidemia de microcefalia com alterações radiológicas peculiares, sugestivas de infecção congênita, apresentando calcificações, ventriculomegalia e desordem do desenvolvimento cortical, tendo sido afastadas as principais causas de infecção congênita que cursam com calcificações cerebrais, assim como outras causas genéticas ou ambientais (EICKMANN et al., 2016).

O número de casos de microcefalia nesse período no Brasil aumentou de forma exponencial. Segundo a Organização Mundial de Saúde, microcefalia é definida como a presença de um perímetro cefálico igual ou inferior a 31,9 centímetros para bebês do sexo masculino e 31,5 centímetros para os do sexo feminino, nascidos a termo. A microcefalia não é uma doença propriamente dita, mas sim um sinal de destruição ou de diminuição do crescimento cerebral, sendo que quanto mais precoce a afecção, mais graves serão as complicações no Sistema

Page 60: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

50

UNIDADE 1 | FUNDAMENTOS CONCEITUAIS DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

Nervoso Central. As complicações mais frequentes da microcefalia são déficit intelectual, paralisia cerebral, epilepsia, dificuldades na deglutição, anormalidades nos sistemas visual e auditivo, além de distúrbios comportamentais (EICKMANN et al., 2016).

FIGURA – IMAGEM DE CÉREBROS COM MICROCEFALIA

FONTE: Disponível em: <https://editorarealize.com.br/revistas/conbracis/trabalhos/TRABALHO_EV071_MD1_SA1_ID1351_01052017193349.pdf>.

A confirmação de infecção pelo vírus Zika foi obtida a partir de coletas do cérebro e líquido cefalorraquidiano de neonatos nascidos com microcefalia congênita, além de serem identificados no líquido amniótico e no tecido placentário de mães que tiveram sintomas clínicos consistentes com Zika durante suas gestações. A partir dos acompanhamentos pré-natais de gestantes infectadas pelo ZIKAV foram diagnosticadas, a partir de exames de imagens do feto, alterações no perímetro cefálico. Desse modo, as investigações e apurações laboratoriais tornaram-se mais intensas (MELO, 2016).

Os exames de imagem do SNC (ultrassonografia transfontanela, tomografia e ressonância magnética) passaram a definir essa nova síndrome de microcefalia, com características distintas das observadas em recém-nascidos com microcefalia provocada por outras infecções congênitas, mostrando como pontos diferenciais marcantes calcificações difusas, puntiformes e predominando na junção córtico-subcortical, podendo estar presente ainda no tronco, núcleos da base e região periventricular. Além de ainda apresentar comprometimento do padrão de migração neuronal, dilatação ventricular, atrofia cortical, atrofia de tronco ou cerebelo e disgenesias do corpo caloso. Anormalidades oculares também foram detectadas nessa população, sendo descritos casos de atrofia macular, nistagmo horizontal, alteração na retina e no nervo óptico (EICKMANN et al., 2016).

Figura 3: Imagem TC coronal, RN do sexo M, com 1 mês de idade. Circunferência cefálica 29,5 cm. Crânio disforme, ventriculomegalia, hipopilasia cerebelar (setas), calcificações. (Fonte: http://pubs.rsna.org/doi/10.1148/radio.2016161584. Acesso em: 30 de abril, 2017).

Figura 4: Imagem TC axial, RN com 1 mês de idade. Circunferência cefálica 27 cm. Ventriculomegalia com septação (seta), calcificações, crânio deformado. (Fonte: http://pubs.rsna.org/doi/10.1148/radio.2016161584. Acesso em: 30 de abril, 2017).

Page 61: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | PREVENÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS

51

Como não existe, até o momento, uma vacina para a doença, a OMS recomenda medidas de prevenção, como o controle da população do mosquito e a exposição limitada a este. Porém, as ações de controle do vetor têm limites e não podem ser vistas como a única solução para o problema das arboviroses. Então, em meados de janeiro de 2016, os ministros da Saúde de diferentes países da América Latina, incluindo o Brasil, fizeram recomendações públicas para mulheres e casais adiarem a gravidez de seis meses a dois anos devido ao surto do zika vírus e suas consequências pouco conhecidas. Porém estudos apresentam que 56% das gestações são provenientes de má qualidade da educação sexual, falta de acesso a contracepção, alta prevalência de estupros e barreiras culturais que tornam a negociação das mulheres com seus parceiros difícil. Por isso, a maioria das informações sobre os riscos ou potenciais provenientes da infecção pelo Zika vírus é oferecida quando as mulheres já estão grávidas (RAMOS et al., 2016). Por isso, como adoção de medidas preventivas, eles passaram a observar que as mulheres com os membros expostos são vulneráveis à picada do mosquito, e prescreveram o uso de camisas de manga comprida, calças e aplicação de repelente em áreas do corpo descobertas, reaplicando-o segundo orientação do fabricante do produto (MARTINS, 2016). Diante disso, autoridades públicas têm advogado em prol do gerenciamento de gravidez, contracepção e até abstinência sexual durante a gravidez - trazendo de volta um discurso ideológico sobre a liberdade e sexualidade femininas.

A atual epidemia de Zika mostra que, apesar de essa doença estar recebendo no momento muita atenção pela mídia e outros órgãos dentro e fora do setor saúde, certos aspectos permanecem negligenciados, em decorrência da preponderância de um discurso técnico e biomédico orientado majoritariamente para o controle de mosquitos, configurando o controle da doença em "políticas de Aedes" (PIMENTA, 2016). Entre esses aspectos negligenciados estão a problemática dos direitos reprodutivos e aborto, a saúde materna, os determinantes sociais da doença, as questões infraestruturais dos sistemas de saúde e de gestão das cidades, os quais permitem que os mosquitos e a doença se espalhem e se reproduzam.

Portanto, a epidemia de Zika suscita um conjunto de questões relacionadas aos desafios da sociedade patriarcal, nomeadamente no que diz respeito ao controle efetivo que muitas mulheres têm sobre a sua vida sexual, a liberdade de escolha na hora de gerenciar uma gravidez, o direito ao aborto e o direito à opinião e intervenção sobre as políticas que têm efeitos sobre o corpo feminino.

FONTE: Disponível em: <https://editorarealize.com.br/revistas/conbracis/trabalhos/TRABALHO_EV071_MD1_SA1_ID1351_01052017193349.pdf>. Acesso em: 15 maio 2018.

Page 62: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

52

RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• As deficiências, em geral, são decorrentes de causas internas, com doenças congênitas, fatores de risco pré, peri e pós-natal; e as causas externas, com fatores que envolvem acidentes de trânsito, trabalho e de violência urbana.

• A deficiência não consiste em uma doença, mas pode advir de uma, ou de acidentes, condições sociais e econômicas, fatores orgânicos, hereditários ou genéticos.

• As práticas preventivas devem ser aplicadas nos seguintes episódios da vida: na pré-concepção, pré-natal, perinatal e pós-natal.

• A deficiência pode ser compreendida com base em dois paradigmas: o médico e o social.

• A escola inclui as pessoas com deficiência no grupo considerando o interesse em saber as necessidades intelectuais e sociais da pessoa, sendo que a idade cronológica é desconsiderada e substituída por uma idade mental.

• A aprendizagem e o desenvolvimento das pessoas com deficiência não podem ser determinados pela sua aparência ou laudo médico.

• A aprendizagem passa a ser entendida na complexa relação com as necessidades individuais e condições do meio social.

• O atendimento dos alunos com deficiência suscita intervenções pedagógicas com metodologias e práticas educativas, voltadas às suas especificidades e ritmos de aprendizagem.

• A escola, com o crescimento do capitalismo industrial, assumiu a função social, de preparação para a inserção das pessoas no mundo do trabalho.

• No que se refere ao atendimento à inclusão de pessoas com deficiência nas relações sociais de trabalho, há necessidade do desenvolvimento de programas com qualificação profissional.

Page 63: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

53

1 (ENADE, PEDAGOGIA - 2014) Vygotsky descreveu a zona de desenvolvimento proximal como a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar por intermédio da solução independente de problemas, e o nível de desenvolvimento potencial, determinado pela solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes.

FONTE: Adaptado de VYGOTSKY, L. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1989.

Para criar zonas de desenvolvimento proximal e nelas intervir, é fundamental que, nas situações de aprendizagem, o professor:a) ( ) Destaque erros e equívocos cometidos pelos alunos e espere que

encontrem o problema.b) ( ) Indique o erro e a resposta correta, propondo, sempre que necessário,

novas situações de aprendizagem.c) ( ) Anuncie que algo está errado e espere que os alunos encontrem o

equívoco, fornecendo a resposta correta, caso não consigam obtê-la.d) ( ) Forneça pistas aos alunos e fique atento ao curso de raciocínio deles,

reformulando questões ou problemas sempre que for necessário.

2 A deficiência não se configura em uma doença, mas pode ser causada por algumas, como também por acidentes, condições sociais e econômicas, fatores orgânicos, hereditários ou ainda genéticos. As práticas de prevenção das deficiências devem ser observadas ao longo da vida dos indivíduos, incluindo o período anterior à gestação.

Analise as características do conceito de prevenção e assinale com V para Verdadeiro e F para Falso:

( ) Seria a adoção de medidas que visam impedir o acontecimento da deterioração física, intelectual, psiquiátrica ou sensorial, ou que cause uma deficiência ou limitação funcional permanente.

( ) Consiste na perda progressiva dos movimentos sensores que levam à limitação das atividades diárias, com conseguinte problema neurológico e cognitivo associado após a adolescência.

( ) Constitui nas limitações pessoais oriundas de deficiências que acarretam em problemas de socialização, principalmente no processo de inclusão no mercado de trabalho.

( ) Inclui consultas médicas em que os responsáveis devem solicitar as orientações e esclarecimentos sobre suas dúvidas, inclusive nas visitas periódicas agendadas para seus filhos, a fim de garantir a qualidade de vida das crianças.

AUTOATIVIDADE

Page 64: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

54

Agora, assinale a alternativa CORRETA:a) ( ) V – F – F – V.b) ( ) V – V – V – F.c) ( ) F – V – F – V.d) ( ) F – V – V – F.

3 Segundo os estudos realizados neste tópico, percebemos que o grau de comprometimento de uma deficiência não impera como fator determinante no processo de aprendizagem. Contudo, quando a sociedade ou aqueles que estabelecem relações sociais com pessoas com deficiência, as apontam como incapazes. Dessa forma, analise e descreva as características dos dois paradigmas existentes, relacionados à deficiência: o médico e o social.

MÉDICO SOCIAL

Page 65: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

55

UNIDADE 2

CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À

ADOLESCÊNCIA

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• identificar as características sobre a incidência e avaliação das deficiências múltiplas;

• compreender os conceitos da caracterização das deficiências múltiplas;

• conhecer o processo de desenvolvimento de crianças com deficiência múl-tipla;

• refletir sobre as possibilidades de adaptações curriculares para cada fase do desenvolvimento;

• analisar as possibilidades de ingresso no mercado de trabalho das pessoas com deficiência.

Esta unidade está dividida em cinco tópicos. No decorrer da unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresenta-do.

TÓPICO 1 – CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

TÓPICO 2 – DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DE ZERO AOS TRÊS ANOS DE IDADE

TÓPICO 3 – DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS QUATRO AOS SEIS ANOS DE IDADE

TÓPICO 4 – DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS SETE AOS 11 ANOS DE IDADE

TÓPICO 5 – DESENVOLVIMENTO DE ADOLESCENTES

Page 66: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

56

Page 67: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

57

TÓPICO 1

CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Neste primeiro tópico da segunda unidade, estudaremos sobre a caracterização da deficiência múltipla, incluindo as formas de avaliação de crianças. Veremos que o modelo transdisciplinar de avaliação inclui a participação dos familiares, que auxiliam na realização do diagnóstico e das intervenções educativas.

Ao longo do texto, estudaremos como a pessoa com deficiência múltipla estabelece relações com o meio físico e social, como organiza o conhecimento segundo suas habilidades e capacidades; por fim, conheceremos as possíveis manifestações da deficiência múltipla, as associações de deficiências que podem ocorrer nas crianças, como a física e psíquica, sensorial, sensorial e física, ainda a física, psíquica e sensorial.

2 INCIDÊNCIA E AVALIAÇÃO DAS DEFICIÊNCIAS

A deficiência múltipla não pode ser separada para uma análise individual, mesmo quando se pretende entender de que modo as deficiências de forma isolada se combinam para estruturar deficiências associadas. Desta forma, segundo Carvalho (2000a), não há como abstrair essa conjunção, sendo que a deficiência múltipla não consiste na soma de deficiências.

Carvalho (2000a) infere sobre o atendimento a várias áreas na realização da avaliação das deficiências múltiplas. As metodologias e instrumentos para realizar o diagnóstico tradicional nem sempre são úteis para a maioria dos casos de deficiências múltiplas.

Page 68: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

58

FIGURA 1 – RAZÕES SOBRE A INEFICIÊNCIA DO DIAGNÓSTICO TRADICIONAL

FONTE: Adaptado de Carvalho (2000a)

Feriole (1996 apud CARVALHO, 2000a) defende o uso do modelo transdisciplinar na avaliação de crianças com deficiência múltipla, indicando a

Page 69: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

59

inclusão dos familiares como parte integrante da equipe para realizar o diagnóstico e as intervenções. Ainda porque reconhece as situações lúdicas como recursos, que são utilizados para obter informações em relação ao desenvolvimento da criança.

O modelo consiste numa alternativa dinâmica para crianças que não se adaptaram aos métodos tradicionais, um dos motivos por essa opção condiz com a adaptação às peculiaridades de cada pessoa. Assim, sua realização ocorre segundo uma organização de situações que possibilitam observar nas crianças as reações na interação com os objetos, em que demonstram suas habilidades.

A observação ocorre com um facilitador, enquanto que a equipe multidisciplinar orienta as atividades contribuindo com as observações. Os familiares são envolvidos a comunicar as informações que não foram encontradas no momento da atividade lúdica. A participação dos familiares é de grande importância na elaboração do relatório final, que apontará informações de natureza biomédica, física, psíquica, socioafetiva e psicomotora (CARVALHO, 2000a).

Assim, as informações apontam sobre a relação que a pessoa com deficiência múltipla estabelece com o meio físico e social, bem como as formas como adquire e organiza o conhecimento, segundo o funcionamento cognitivo da pessoa e suas habilidades de integração social. As habilidades incluem algumas áreas aplicadas à integração social associadas às pessoas com deficiências múltiplas (CARVALHO, 2000a).

Page 70: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

60

FIGURA 2 – HABILIDADES DE INTEGRAÇÃO SOCIAL

FONTE: Adaptado de Carvalho (2000a)

A comunicação é a habilidade para compreender e expressar as informações por meio da linguagem oral, escrita, digital, gestual e de sinais, incluindo as expressões corporais e outras formas que levam a exteriorizar suas emoções. O autocuidado age enquanto habilidade que interfere na higiene pessoal, alimentação, vestuário e outros.

A vida familiar é necessária para o convívio no lar, incluindo os cuidados com os pertences, ambiente doméstico, atuação nas tarefas domésticas, relações familiares e outros. A vida social faz menção às habilidades necessárias para estabelecer interações sociais, nas atitudes como o respeito e na forma como se relaciona com os outros, quando compartilha, coopera. O respeito referente às normas e limites, nas escolhas, controle dos impulsos, na administração das frustrações e outras condutas sociais.

Page 71: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

61

A autonomia pertence à habilidade que indica as formas de realizar as escolhas, iniciativas, planejamento aos próprios interesses, cumprir tarefas, solicitar auxílio na resolução de problemas, em defender-se, buscar ajuda e outros. Na saúde e segurança as habilidades envolvem os cuidados com a saúde, seguir as leis de trânsito, atitudes relacionadas ao bem-estar, higiene e aos hábitos pessoais, comunicação e outros.

A funcionalidade acadêmica refere-se às habilidades sobre a aprendizagem dos conteúdos curriculares escolares, incluindo a escrita, leitura e cálculo, e outras áreas relacionadas à educação. O lazer age como habilidade para desenvolver os interesses em participar de atividades que envolvem entretenimento, comportamento social e colaboração nas diversas situações de lazer. Por fim, o trabalho é a habilidade que permite realizar atividades laborais em tempo parcial ou total, cooperar, compartilhar, concluir as tarefas, demonstrar iniciativa, administrar o salário, aceitar a hierarquia, as suas limitações e a dos demais, realizar as atividades com independência da ajuda dos outros.

3 CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

A deficiência múltipla pode se manifestar de modo a envolver algumas das dimensões descritas no quadro a seguir, segundo Carvalho (2000a), sendo que outras associações de deficiências podem ocorrer com crianças e estarem presentes no meio educacional, além das indicadas.

QUADRO 1 – DIMENSÕES DAS DEFICIÊNCIAS

FÍSICA E PSÍQUICA

• deficiência física associada à deficiência intelectual;• deficiência física associada a transtornos mentais.

SENSORIAL

• deficiência auditiva associada à deficiência intelectual; • deficiência visual associada à deficiência intelectual;• deficiência auditiva associada a transtornos mentais.

SENSORIAL E FÍSICA

• deficiência auditiva associada à deficiência física;• deficiência visual associada à deficiência física.

FÍSICA, PSÍQUICA E SENSORIAL

• deficiência física associada à deficiência visual e à deficiência intelectual;

• deficiência física associada à deficiência auditiva e à deficiência visual.

Destacaremos as deficiências que aparecem com maior frequência na escola para discorrer sobre suas principais características, revelando algumas informações importantes sobre o desenvolvimento das pessoas com essas deficiências.

Page 72: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

62

3.1 DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E DEFICIÊNCIA FÍSICA

Segundo Carvalho (2000a), as crianças com deficiência física nem sempre apresentam deficiência intelectual. Mesmo que uma lesão cerebral comprometa a locomoção, linguagem e outras atividades motoras, a capacidade cognitiva pode apresentar-se preservada. Com a redução dos movimentos espásticos, a locomoção pode desaparecer ou estar prejudicada, assim como a linguagem oral pode estar ausente ou com expressão pouco clara. A impressão que se tem é a de um comprometimento generalizado, o que requer atenção cuidadosa.

Em outros casos, a lesão do sistema motor pode afetar o cérebro, dando origem a uma deficiência intelectual. Portanto, a avaliação consiste numa ação complexa, em que a criança, muitas vezes, não consegue falar ou coordenar os movimentos, não conseguindo responder adequadamente aos testes convencionais.

Assim, as diversas formas de manifestação apontam necessidades diferentes e incidem em diversas maneiras de educação para a criança, a fim de que desenvolva as suas potencialidades. As crianças com deficiências associadas necessitam, geralmente, de intervenção da área da saúde e dos programas educacionais. Sendo que algumas, com paralisia cerebral, podem apresentar problemas visuais como estrabismo, hipermetropia, catarata, como também problemas auditivos com distúrbios perceptivo-motores e táteis.

As crianças com deficiência física e intelectual associadas necessitam de atendimento educacional que considere suas dificuldades na formação de conceitos, raciocínio, desenvolvimento cognitivo e nas relações lógicas. As limitações intelectuais se expressam de maneira diversamente agravada, variando conforme o nível de deficiência intelectual e dos estímulos ambientais.

O comprometimento físico suscita por atendimento adequado por profissionais da área da saúde; no aspecto educacional, a adaptação deve ocorrer no espaço físico, de maneira a atender sua capacidade, com cadeiras e carteiras adaptadas, órteses, próteses, equipamentos especiais, rampas, adaptações de materiais.

3.2 DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E DEFICIÊNCIA AUDITIVA

Às deficiências associadas que ocasionam os problemas de comunicação e linguagem encontrados na deficiência auditiva são incluídas as dificuldades de compreensão, aprendizagem e adaptação da criança com deficiência intelectual. Assim, a deficiência assume uma proporção complexa e necessita de atendimento educacional, de acordo com as peculiaridades de cada criança, segundo Carvalho (2000a).

Page 73: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

63

Os comprometimentos decorrentes das deficiências requerem intervenções estimulantes, emocionalmente receptivos para que a ação pedagógica seja desenvolvida. O atendimento deve ocorrer o quanto antes, sendo que a criança deve ter o apoio necessário para conseguir desenvolver suas habilidades sociais e comunicativas.

A criança que apresenta deficiência intelectual e auditiva necessita de um atendimento educacional que desenvolva suas habilidades e capacidades. O currículo deve ser adaptado para atender às necessidades, possibilitando o desenvolvimento cognitivo, socioafetivo e psicomotor. Algumas adaptações incluem a prótese auditiva, materiais sonoros variados, tablados e outros.

A pessoa com deficiência auditiva associada à intelectual necessita de estimulação multissensorial, bem como dos resíduos auditivos e sentidos – visual-olfativa e tátil-cinestésica. A capacidade de reorganização sensorial da criança ocorre para que consiga perceber e relacionar-se adequadamente com o mundo físico e social. Dessa forma, o atendimento educacional para as pessoas com deficiência intelectual e auditiva suscita por atenção à sua saúde e apoio psicopedagógico, buscando o seu desenvolvimento integral, em ambiente integrador e receptivo.

3.3 DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E DEFICIÊNCIA VISUAL

A incidência de crianças com deficiência visual associada à intelectual não é significante, porque, de forma geral, a cegueira ou baixa visão não conduzem ao atraso intelectual. Quando ocorre na criança, muitas vezes, ela acaba sofrendo a privação de conviver em ambientes externos. Portanto, a origem da deficiência intelectual não seria a limitação visual, mas a falta de estímulos externos, ocasionados pela restrição das interações com o ambiente (CARVALHO, 2000a).

As crianças que apresentam a deficiência intelectual associada à visual enfrentam certas dificuldades conceituais, principalmente referentes à compreensão e ao entendimento dos fatos e nas interações sociais. Tais dificuldades resultam das limitações cognitivas e da ausência visual.

O atendimento educacional nesses casos necessita ser ofertado desde os primeiros meses de vida, para que a criança receba a estimulação e tenha o desenvolvimento das habilidades sensório-motoras, perceptivas, cognitivas, linguísticas e sociais. Dessa forma, o modelo educacional se baseia em alguns pressupostos para as crianças com deficiência múltipla, segundo Carvalho (2000):

• as limitações, mesmo sendo acentuadas, respondem de forma favorável aos estímulos ofertados para o desenvolvimento da aprendizagem escolar;

• as crianças conseguem compensar e superar suas deficiências, encontrando alternativas de aprendizagem;

Page 74: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

64

• as habilidades perceptivas são organizadas segundo uma reestruturação sensorial dos sentidos, quando privados totalmente ou parcialmente desses órgãos.

Com base nesses pressupostos, o trabalho pedagógico não pode se fundamentar nas limitações dessas crianças, mas sim, em considerar as capacidades, estimulando o desenvolvimento das habilidades e competências reduzidas por conta das deficiências.

3.4 DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E TRANSTORNO MENTAL

A deficiência intelectual difere do transtorno mental, apesar de na prática cotidiana serem confundidas. O transtorno mental consiste numa:

[...] síndrome caracterizada por perturbação clinicamente significativa na cognição, na regulação emocional ou no comportamento de um indivíduo que reflete uma disfunção nos processos psicológicos, biológicos ou de desenvolvimento subjacentes ao funcionamento mental. Transtornos mentais estão frequentemente associados a sofrimento ou incapacidade significativos que afetam atividades sociais, profissionais ou outras atividades importantes. Uma resposta esperada ou aprovada culturalmente a um estressor ou perda comum, como a morte de um ente querido, não constitui transtorno mental. Desvios sociais de comportamento (p. ex., de natureza política, religiosa ou sexual) e conflitos que são basicamente referentes ao indivíduo e à sociedade não são transtornos mentais, a menos que o desvio ou conflito seja o resultado de uma disfunção no indivíduo, conforme descrito (CORDIOLI, 2014, p. 20).

Nesse sentido, o DSM-V foi organizado de acordo com alguns pressupostos referentes ao desenvolvimento e ciclo vital. O diagnóstico retrata processos de desenvolvimento que se manifestam no início da vida, como problemas no neurodesenvolvimento, espectro da esquizofrenia e outros transtornos psicóticos, seguidos por aqueles frequentes no decorrer da adolescência e início da vida adulta, como transtornos bipolar, depressivos e de ansiedade. Concluindo com os diagnósticos referentes à vida adulta e idade avançada, como os transtornos neurocognitivos (CORDIOLI, 2014).

Os entendimentos sobre a normalidade e patologia variam de acordo com as diferentes culturas, em relação aos tipos específicos de comportamentos. Assim, a tolerância para os sintomas ou comportamentos específicos é compreendida de diversas maneiras, conforme a cultura, contexto social e família. Dessa forma, os significados, costumes e tradições culturais contribuem para a disseminação do estigma ou apoio na reação social e familiar, em relação à pessoa que apresenta a doença mental.

A cultura de um determinado grupo social pode incidir na busca de estratégias para o enfrentamento que aumenta a resiliência em resposta à doença,

Page 75: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

65

ou sugerir formas de programas de assistência à saúde. Influencia, ainda, na aceitação ou rejeição de um diagnóstico e na aceitação do tratamento, o que afeta o curso da doença e sua consequente recuperação.

NOTA

Resiliência, segundo Laranjeira (2007), significa a arte da pessoa se adaptar às situações adversas (condições biológicas, psicológicas e sociais), desenvolvendo capacidades relacionadas aos recursos intrapsíquicos e quanto ao ambiente social e afetivo. Assim, conseguem mediar a construção psíquica adequada à sua inserção social. De forma geral, seria a adaptação frente ao perigo, na capacidade de sair fortalecido de uma situação traumática, de maneira renovada.

O Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais – DSM-5 aponta as seguintes situações e suas características principais:

Transtorno do neurodesenvolvimento:Deficiências intelectuais; Transtornos da Comunicação; Transtorno do

Espectro Autista; Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade; Transtorno Específico da Aprendizagem; Transtornos Motores

Espectro da esquizofrenia e outros transtornos psicóticosTranstorno Bipolar e Transtornos Relacionados

Transtornos DepressivosTranstornos de Ansiedade

Transtorno Obsessivo-compulsivo e Transtornos RelacionadosTranstornos Relacionados a Trauma e a Estressores

Transtornos DissociativosTranstorno de Sintomas Somáticos e Transtornos Relacionados

Transtornos AlimentaresTranstornos da Eliminação

Transtornos do Sono-VigíliaDisfunções SexuaisDisforia de Gênero

Transtornos Disruptivos, do Controle de Impulsos e da CondutaTranstornos Relacionados a Substâncias e Transtornos Aditivos

Transtornos NeurocognitivosTranstornos da Personalidade

Transtornos ParafílicosOutros Transtornos Mentais

Importante salientar que a maioria das pessoas com deficiência intelectual não apresenta transtornos mentais associados, assim como as que possuem

Page 76: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

66

transtornos mentais necessariamente não possuem deficiência intelectual, embora ocorra em alguns casos isolados. De forma geral, a aprendizagem das pessoas com deficiência intelectual associada e transtorno mental associado revela algumas limitações cognitivas (decorrentes da deficiência intelectual) e em problemas comportamentais de socialização (por conta do transtorno mental) (CARVALHO, 2000a).

Todavia, em ambas as situações podem ocorrer a falta de motivação e compreensão da realidade, nas atividades que envolvam situações de aprendizagem. Para tanto, há necessidade de atendimento especializado médico, psicopedagógico e educacional.

Para saber mais sobre o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-5, acesse o endereço:<https://aempreendedora.com.br/wp-content/uploads/2017/04/Manual-Diagn%C3%B3stico-e-Estat%C3%ADstico-de-Transtornos-Mentais-DSM-5.pdf>.

A obra foi reformulada segundo o resultado de 10 anos de trabalho de especialistas de todo o mundo, aborda o que há de mais atual em termos de classificação e diagnóstico na área da saúde mental, constituindo-se em recurso indispensável a estudantes, clínicos e pesquisadores.

DICAS

3.5 DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA SENSORIAL

A criança com deficiência múltipla sensorial apresenta deficiência visual e auditiva associada a condições de comportamentos e comprometimentos, que pode incluir a área física, intelectual ou emocional, ou ainda dificuldades de aprendizagem. Assim, os sentidos da visão e audição nessas pessoas são afetados em conjunto com outros sistemas, como o tátil, vestibular (equilíbrio), proprioceptivo (posição do corpo), olfativo ou gustativo (NASCIMENTO, 2000). As pessoas que apresentam deficiência múltipla sensorial se caracterizam com:

Page 77: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

67

• surdez com deficiência intelectual;• surdez com distúrbios neurológicos, de conduta e emocionais;• surdez com deficiência física;• baixa visão com deficiência intelectual;• baixa visão com distúrbios neurológicos, emocionais e de linguagem e

conduta;• baixa visão com deficiência física;• cegueira com deficiência física;• cegueira com deficiência intelectual;• cegueira com distúrbios emocionais, neurológicos, conduta e linguagem.

De acordo com Nascimento (2000), as crianças que apresentam sérios comprometimentos múltiplos com condições médicas expressam maiores dificuldades na compreensão das atividades diárias, gestos e a comunicação de forma geral. Também demonstram acentuadas dificuldades em reconhecer as pessoas do seu meio social, com movimentos corporais aleatórios e nas respostas aos barulhos, movimento, toque, odores e outros estímulos ambientais.

Outra dificuldade encontrada seria na interpretação do estado de alerta, o que dificulta a recepção de estimulações advindas do ambiente, não conseguindo responder socialmente às intervenções do cotidiano. As crianças que apresentam deficiência sensorial possuem uma variedade de necessidades especiais, semelhantes às da criança surdo-cega.

3.6 SURDO-CEGUEIRA

A criança surdo-cega não consiste na pessoa surda que não consegue ver, ou no cego que não pode ouvir, pensar desta forma a surdo-cegueira seria uma maneira totalmente equivocada de compreender a deficiência. Para McInnes (1999), a surdo-cegueira consiste numa deficiência única que necessita de uma abordagem específica que auxilie a pessoa, com um sistema próprio de suporte para o atendimento especializado.

Por esse motivo, não é considerada uma deficiência múltipla, apesar dos recursos utilizados para o atendimento especializado serem semelhantes, decorrentes da similaridade de algumas características que englobam ambas. A deficiência múltipla consiste na associação de duas ou mais deficiências numa pessoa, ao contrário da surdo-cegueira, considerada como uma deficiência única. As pessoas que apresentam surdo-cegueira são divididas em categorias, que são:

• cegueira congênita e surdez adquirida;• cegueira e surdez adquirida;• surdez congênita e cegueira adquirida;• baixa visão com surdez congênita ou adquirida;• cegueira e surdez congênita.

Page 78: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

68

São pessoas que não desenvolveram habilidades de linguagem, comunicativas ou cognitiva, e assim não conseguiram construir uma compreensão de mundo. Outras pessoas ainda adquiriram a surdo-cegueira congênita ou apresentam deficiências associadas, como as físicas ou intelectuais.

Para saber mais sobre a surdo-cegueira assista ao filme A linguagem do coração. A história ocorre na França, final do século XIX. Cega e surda de nascença, a jovem Marie é incapaz de se comunicar com o mundo. Aos 14 anos, e depois de uma existência fechada sobre si mesma, é enviada para o Instituto Larnay, perto de Poitiers (França), onde um grupo de freiras cuida de jovens com deficiência auditiva. Ela conhecerá a jovem irmã Marguerite, que decide dedicar-lhe todo o amor e atenção. Juntas, elas vão encontrar uma forma de comunicação que libertará a pequena Marie da "escuridão" de onde nunca tinha sido capaz de sair. Um filme dramático sobre a força do amor e a capacidade de superação, que se inspira na verdadeira história de Marie Heurtin.

DICAS

Page 79: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

69

LEITURA COMPLEMENTAR

A EDUCAÇÃO DE SURDO-CEGOS: NOVOS OLHARES SOBRE A DIFERENÇA

Wolney Gomes Almeida

A reflexão sobre os aspectos concernentes à comunicação torna-se essencial nesta contextualização do surdo-cego, uma vez que é através deste mecanismo que os seres humanos constituem seu desenvolvimento social e cognitivo, estabelecem as formas de aprendizagem.

A comunicação entre os seres humanos é um processo interpessoal através do qual se estabelecem vínculos com os outros; esta relação é estabelecida de diferentes maneiras e, segundo as possibilidades comunicativas de cada um, pode acontecer com movimentos do corpo, utilizando objetos do ambiente ou desenvolvendo um código linguístico.

O uso de objetos reais é uma possibilidade que consiste em interpretar uma atividade, ação ou situação por meio de um objeto que adquire um valor simbólico. Através do uso dos objetos, a criança pode compreender e expressar suas intenções comunicativas.

Em outras palavras, a comunicação é um ato intersubjetivo que acontece entre duas ou mais pessoas, onde há uma troca entre significados e sentidos (HABERMAS, 1991).

O que foi mencionado anteriormente permite estabelecer a via pela qual se concebe a comunicação e o caráter flexível que possui em relação às possibilidades que cada sujeito demonstra. A comunicação não só acontece no âmbito verbal, mas transcende o não verbal como modalidade discursiva que tem um conteúdo expressivo e compreensivo, apto para ser incluso dentro do fenômeno comunicativo humano.

Nas crianças surdo-cegas e com múltiplas deficiências a comunicação é o aspecto mais importante para o seu adequado desenvolvimento, e, por isto, deve-se focar toda a atenção na implementação do programa educacional/terapêutico, já que é o ponto de partida para chegar a qualquer aprendizagem.

Na compreensão sobre os aspectos de comunicação ligados à surdo-cegueira serão apresentadas, neste espaço, algumas das variadas formas e técnicas comunicacionais utilizadas que os surdo-cegos desenvolvem a fim de manter contato com o meio.

Dorado (2004) elenca essas diferentes formas de comunicação que podem ser empregadas no processo de educação e socialização dos surdo-cegos. Essas

Page 80: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

70

formas podem depender do contexto em que os surdo-cegos estão inseridos e, sobretudo, das oportunidades que lhes são proporcionadas nos contextos familiar, educacional e social, durante o período anterior e posterior à deficiência.

Para aqueles surdo-cegos pós-linguísticos que já possuem experiências linguísticas, seja pela língua oral ou pela Língua de Sinais, e considerando a presença de resíduos sensoriais, a necessidade de desenvolver formas de comunicação ocorrerá a partir da realidade individual de cada um quanto ao meio, ao grau de funcionalidade da deficiência, aos estímulos cognitivos que lhes são proporcionados no seu desenvolvimento.

Da mesma forma que para o surdo-cego congênito ou para o adquirido, o acesso à informação se processa de maneira conflituosa, tanto sob o aspecto receptivo quanto sob o expressivo, e na maioria das vezes se torna o grande entrave para a acessibilidade do indivíduo aos espaços sociais de aprendizagem.

O guia intérprete na mediação com o surdo-cego

Compreender o universo das formas de comunicação que podem ser desenvolvidas pela pessoa com surdo-cegueira é fundamental para que a atuação de profissionais responsáveis pela mediação da comunicação, em vários contextos sociais, seja exercida da melhor maneira, e, sobretudo, para que possa proporcionar, ao surdo-cego, as condições necessárias para o seu acesso às informações.

Ao pensar os contextos escolares, percebe-se que a presença desse profissional, mediador da comunicação, permitirá ao surdo-cego as condições necessárias para o seu desenvolvimento no processo de aprendizagem. É através das variadas formas de comunicação que os profissionais poderão estabelecer suas metodologias, permitindo a acessibilidade do surdo-cego aos espaços escolares, considerando as especificidades da deficiência.

É muito comum que os familiares das pessoas surdo-cegas apresentem dificuldades em estabelecer vínculos comunicacionais em função de não conhecerem as formas específicas de comunicação, que são únicas e diferentes para cada sujeito surdo-cego. A ausência de estímulos visuais e auditivos, na relação da mãe e seu filho com a deficiência, consequentemente, implicará em grandes dificuldades em estabelecer relações de comunicação que seriam naturais para o desenvolvimento de toda e qualquer criança, com ou sem deficiência. Desta forma, se as relações sociais forem frágeis, frágeis também serão as possibilidades que a criança surdo-cega terá para interagir com o mundo, relacionar-se e se desenvolver.

No processo de mediação que se estabelece entre os sujeitos, a interação se apresenta como base para o desenvolvimento da linguagem, da aprendizagem e da aquisição de uma língua que, muitas vezes, acaba por não se estabelecer no ambiente familiar, uma vez que os membros da família do surdo-cego não

Page 81: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | CARACTERIZAÇÃO DA DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

71

encontram ou desenvolvem outras formas de comunicação que não sejam a língua oral.

Sobre este aspecto, Bakhtin (2006) explicita os conceitos referentes à percepção do “eu” e do “outro”, bem como sobre o corpo interior e o corpo exterior. Para a criança com surdo-cegueira, a construção do seu “eu” pode se estabelecer na medida em que seu corpo interior, com suas sensações orgânicas, necessidades, desejos, for constituído a partir do “outro”, em sua interação, a partir do que o outro transmite, e a partir do que a criança surdo-cega é capaz de compreender.

Esse amor da mãe e das outras pessoas, que desde a infância forma o homem ao longo de toda a sua vida, dá consistência ao seu corpo interior. É verdade que não lhe proporciona uma imagem intuitivamente evidente do seu valor externo, mas lhe faculta um valor potencial desse corpo, valor que só pode ser realizado por outra pessoa (BAKHTIN, 2006, p. 47).

O autor percebe a interação a partir do olhar daquele que percebe a si mesmo e percebe o outro, compreendendo que esta percepção de si se dá a partir daquilo que o outro apresenta nesta interação. O sujeito com surdo-cegueira, nesta compreensão, depende do outro e das experiências trazidas pelo outro, para que possa se estabelecer na construção de si mesmo.

Nesta relação interativa cabe ao outro oferecer as alternativas para o desenvolvimento do sujeito surdo-cego, a partir de elementos que contemplem a especificidade sensorial desse indivíduo, compreendendo o funcionamento de um mundo proximal em que aquilo que é apresentado ao surdo-cego seja apresentado de forma concreta, visto que tudo aquilo que inicialmente não puder ser tocado, consequentemente não será conhecido.

Por essas razões é que se identifica como fundamental o papel dos profissionais que atuam no atendimento ao surdo-cego, a fim de constituir um trabalho que proporcione a este indivíduo todas as possibilidades para seu desenvolvimento. Esses profissionais, com formação específica e, principalmente, conhecedores das especificidades da surdo-cegueira, serão os responsáveis pela mediação no processo de interação com o outro e com o mundo. Para o Grupo Brasil (2008, p. 42), o papel do instrutor-mediador é aquele que: “faz a mediação entre a pessoa que é surdo-cega e o seu meio ambiente para capacitá-la a se comunicar com o mesmo e efetivamente receber informações não distorcidas do mundo ao seu redor”.

Segundo Alsop e Mamer (2002), as atribuições de um instrutor-mediador no atendimento ao surdo-cego são:

• Facilitar o acesso à informação do ambiente pelo fato de as informações auditivas e visuais estarem indisponíveis ou restringidas.

• Aumentar e tornar compreensível o acesso à informação.

Page 82: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

72

• Facilitar a comunicação receptiva e expressiva por todas as formas, antecipando eventos futuros.

• Compreender o significado da comunicação expressiva, dos sinais e símbolos utilizados pela pessoa surdo-cega.

• Promover o bem-estar social e emocional da pessoa surdo-cega.• Desenvolver e manter uma relação interativa baseada na confiança,

estabelecendo um vínculo afetivo-emocional. • Entender o impacto da perda auditiva e visual na aprendizagem.• Facilitar o desenvolvimento de conceitos. • Promover a motivação para a participação nas atividades.

Os autores deixam claro que apesar das funções desses profissionais instrutores-mediadores serem muitas, eles antecedem a própria função de um professor, visto que as relações interpessoais acontecem diariamente em todos os ambientes em que o surdo-cego estiver inserido, que, por sua vez, antecedem até o seu ingresso na escola.

Assim, quanto mais forem as possibilidades de formas de comunicação apresentadas ao surdo-cego, maiores serão as suas condições de estabelecer experiências pessoais e coletivas. Por isso, o conhecimento do mediador deve ir além do simples processo de comunicação e passar por um estudo aprofundado dos aspectos linguísticos (signos, símbolos e significados). A criança que apresentar a surdo-cegueira congênita precisará receber uma mediação essencial para que desenvolva linguagem, comunicação e fluidez em uma língua, já que a deficiência veio antes da aquisição desta. Já o grupo de surdo-cegos pós-linguísticos, ou de surdo-cegueira adquirida em alguma fase da vida (depois da aquisição de uma língua), precisa do apoio da mediação para adaptar-se à sua nova condição de surdo-cego e para aprender um novo modelo de comunicação. Está, portanto, nas mãos do mediador a ponte para que o surdo-cego seja capaz de sair de um mundo escuro e silencioso e de desenvolver sua capacidade de autonomia e inclusão social.

FONTE: Disponível em: <http://books.scielo.org/id/m6fcj/pdf/almeida-9788574554457-09.pdf>. Acesso em: 3 jul. 2018.

Page 83: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

73

RESUMO DO TÓPICO 1

Neste tópico, você aprendeu que:

• A deficiência múltipla não pode ser separada para uma análise individual, mesmo quando se pretende entender de que modo as deficiências de forma isolada se combinam para estruturar deficiências associadas.

• O uso do modelo transdisciplinar na avaliação de crianças com deficiência múltipla indica a inclusão dos familiares como parte integrante da equipe para realizar o diagnóstico e as intervenções.

• O modelo consiste numa alternativa dinâmica para crianças que não se adaptaram aos métodos tradicionais, um dos motivos por essa opção condiz com a adaptação às peculiaridades de cada pessoa.

• A deficiência múltipla pode se manifestar de modo a envolver algumas das dimensões, como a física e psíquica, sensorial, sensorial e física, ainda a física, psíquica e sensorial. Sendo que outras associações de deficiências podem ocorrer com crianças e estarem presentes no meio educacional.

• As crianças com deficiência física nem sempre apresentam a deficiência intelectual como se espera, ou seja, mesmo que uma lesão cerebral comprometa a locomoção, linguagem e outras atividades motoras, a capacidade cognitiva pode apresentar-se preservada.

• As crianças com deficiência física e intelectual associadas necessitam de atendimento educacional que considere suas dificuldades na formação de conceitos, raciocínio, desenvolvimento cognitivo e nas relações lógicas.

• Às deficiências associadas que ocasionam os problemas de comunicação e linguagem encontrados na deficiência auditiva são incluídas as dificuldades de compreensão, aprendizagem e adaptação da criança com deficiência intelectual.

• A pessoa com deficiência auditiva associada à intelectual necessita de estimulação multissensorial, bem como dos resíduos auditivos e sentidos – visual-olfativa e tátil-cinestésica.

• As crianças que apresentam a deficiência intelectual associada à visual enfrentam certas dificuldades conceituais, principalmente referentes à compreensão e entendimento dos fatos e nas interações sociais.

• A deficiência intelectual difere do transtorno mental, apesar de na prática cotidiana serem confundidas.

Page 84: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

74

• A criança com deficiência múltipla sensorial apresenta deficiência visual e auditiva associadas a condições de comportamentos e comprometimentos, que pode incluir a área física, intelectual ou emocional, ou ainda dificuldades de aprendizagem.

• A surdo-cegueira consiste numa deficiência única que necessita de uma abordagem específica que auxilie a pessoa, com um sistema próprio de suporte para o atendimento especializado.

Page 85: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

75

AUTOATIVIDADE

1 As metodologias e instrumentos utilizados para realizar o diagnóstico tradicional não se aplicam com eficiência nos casos de pessoas com deficiências múltiplas. Nessas situações há indicação do uso do modelo transdisciplinar, incluindo a participação dos familiares. Analise as características do modelo de avaliação transdisciplinar e assinale a alternativa correta:

a) ( ) Consiste em uma alternativa dinâmica que se adapta às necessidades de cada criança, segundo situações que possibilitam observar suas reações e habilidades na interação com os objetos.

b) ( ) Seria uma forma de avaliar baseada na entrevista com os familiares e professores, com questionamentos sobre o desenvolvimento e as habilidades da criança, preservando sua participação no processo.

c) ( ) Constitui-se em atividades realizadas em grupos de crianças para que cumpram com determinadas ações durante um tempo predeterminado, depois são avaliados os produtos finais.

d) ( ) Revela situações comentadas pelos familiares, psicólogos, pediatras, professores, enfim, consiste na coleta de informações de vários profissionais que interagem com a criança.

2 A deficiência múltipla sensorial e a surdo-cegueira apresentam deficiências em comum, como a visual e a auditiva. Reflita e descreva o conceito de deficiência múltipla sensorial e de surdo-cegueira, apresentando suas diferenças.

Page 86: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

76

Page 87: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

77

TÓPICO 2

DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DE ZERO

AOS TRÊS ANOS DE IDADE

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, estudaremos sobre o desenvolvimento das crianças de zero aos três anos de idade, segundo os pressupostos da inclusão, como seres de direitos aos atendimentos e medidas preventivas desde a fase inicial de sua vida. Desta forma, apontaremos situações que enfatizam o estímulo ao desenvolvimento das potencialidades individuais, em virtude das limitações apresentadas nas deficiências.

As crianças na fase do zero aos três anos de idade se encontram receptivas em descobrirem o meio físico em que vivem, bem como utilizam da brincadeira como forma de interação social. Descobriremos sobre os conceitos dos fatores que influenciam as crianças nessa fase, associados à situação da pessoa, envolvimento da família e o acesso aos programas de atendimento especializado. Por fim, conheceremos as particularidades que envolvem o desenvolvimento de crianças com deficiência auditiva, visual e a física associada a outras deficiências.

2 ASPECTOS GERAIS DO BEBÊ COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

A chegada de um bebê com deficiência múltipla na família ou Educação Infantil, geralmente, causa sérias preocupações. A recepção dessas crianças acompanha uma certa expectativa de baixa aprendizagem, escolarização e com total dependência que seguirá por sua vida. Contudo, a atual concepção de educação realça o sentido de inclusão, enquanto membros participativos da comunidade, com direitos aos atendimentos e medidas preventivas desde a fase inicial de sua vida (CARVALHO, 2000a).

Assim, o desenvolvimento das habilidades dos bebês com deficiência múltipla depende das potencialidades individuais, limitações impostas pelas deficiências e, principalmente, nas oportunidades ofertadas no meio social para seu desenvolvimento. De acordo com Carvalho (2000a), o desenvolvimento das habilidades diz respeito à situação atual da pessoa, envolvimento e às atitudes familiares, possibilidades de acesso e permanência nos programas de atendimento especializado.

Nesse sentido, a forma de vida desses bebês será influenciada na interação ofertada pelas pessoas que fazem parte de seu meio, ou seja, um bebê

Page 88: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

78

que apresente sérias limitações pode se desenvolver de forma a superar outro que apresente menores comprometimentos. Em suma, o desenvolvimento dos bebês dependerá dos estímulos e atendimento ofertado desde o início de sua vida.

FIGURA 3 – FATORES QUE INFLUENCIAM O DESENVOLVIMENTO DO BEBÊ COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

FONTE: Adaptado de Carvalho (2000a)

A situação da pessoa refere-se à capacidade cognitiva da criança, habilidades motoras, comunicação, locomoção e autonomia. Contudo, as capacidades e habilidades variam conforme a etiologia de cada pessoa, idade de início das deficiências, as medidas preventivas adotadas, condições físicas, emocionais, saúde e outros fatores.

O envolvimento da família diz respeito ao atendimento em relação às necessidades básicas do bebê, considerando o movimento, proteção, toque, afeto, higiene e alimentação. Situações que interferem no desenvolvimento físico e emocional da criança, que necessita de um ambiente saudável e equilibrado. O ambiente familiar constituirá no primeiro espaço para aprender a interagir com suas necessidades básicas, destacando os primeiros atendimentos que devem ser ofertados. Nesse contexto, inicia a aceitação do bebê e as providências para que sua vida transcorra para sua inclusão na sociedade.

Page 89: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DE ZERO AOS TRÊS ANOS DE IDADE

79

O acesso aos programas de atendimento especializado seriam as oportunidades educacionais que devem ser oportunizadas o mais cedo possível, com experiências que favoreçam o desenvolvimento integral da criança, motivando a sua interação com o meio social. Para tanto, a educação inclusiva contempla a oferta da oportunidade de relacionamentos sociais, com trocas de experiências que favorecem o aprendizado de habilidades para sua integração. Nesse sentido, as atitudes pessimistas, superproteção, desinteresse e descrença dos responsáveis, educadores e outros que convivam com a criança devem ser evitados, para não influenciar negativamente seu desenvolvimento.

3 DESENVOLIMENTO DA CRIANÇA DE ZERO A TRÊS ANOS COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

No desenvolvimento da criança entre zero e três anos, as crianças com deficiência múltipla, assim como as demais, encontram-se receptivas aos estímulos do meio. Os recursos de percepção e interação com o ambiente favorecem a compreensão da realidade por meio das brincadeiras. O brincar como a primeira forma de interação social, onde a criança vivencia papéis, imitando situações e as ações dos adultos, para conseguir compreender o meio em que vive (VYGOSTKY, 2009).

Assim, segundo Carvalho (2000a), o bebê amplia seu aprendizado nas ações que incide no meio, com o uso de sua capacidade sensorial, habilidades motoras e de locomoção. O aprendizado da linguagem oral e coordenação motora inicia nessa fase do desenvolvimento infantil, e para tanto necessitam de estímulos adequados, incluindo os bebês com deficiência múltipla.

Com o desenvolvimento de suas capacidades e habilidades, as limitações nas crianças com deficiência múltipla são reduzidas, sendo que sua autonomia aumenta conforme sua interação no meio ambiente. Desta forma, a criança inicia o processo de autoconhecimento e interpretação do mundo por meio das imitações e interação com as pessoas com quem convive (CARVALHO, 2000a).

As pessoas que convivem com a criança com deficiência múltipla colaboram para que ela desenvolva um entendimento psicologicamente significativo de emoção e afetividade, que contribui para a formação de sua identidade e relacionamento social. Principalmente porque essas crianças centralizam sua atenção nos movimentos e ações próprias quando interagem no ambiente, quando não há estímulos ambientais que despertem seu interesse, como ocorre nas deficiências sensoriais, físicas e intelectuais.

Quando ocorre a associação dessas deficiências a situação se agrava, podendo desencadear um estado de alienação e desmotivação infantil, incluindo o desenvolvimento de comportamentos autísticos. Nessas situações, as pessoas e objetos passam a ser ignorados pela criança, e as possibilidades de interação são anuladas. Para evitar essa condição, aqueles que convivem com a criança devem

Page 90: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

80

interagir, estimulando a criança a participar do mundo social, nas brincadeiras e situações cotidianas.

Em algumas situações lúdicas as crianças com deficiência múltipla necessitam de auxílio para conseguirem se expressar ou interagir, o que não desmerece o interesse que aparentam nas situações, simplesmente requerem uma atenção maior na estimulação. Dessa forma, os que acompanham a criança podem incentivar a ver, sentir, perceber, tocar, ouvir, mover-se ou outras formas necessárias para a sua participação na brincadeira ou com os brinquedos e jogos.

O Programa de Intervenção Precoce voltado para os bebês de zero a três anos que apresentam necessidades especiais ou condições de risco envolve ações a serem desenvolvidas na escola com as situações de aprendizagem, e na família com o desenvolvimento dos vínculos afetivos. Assim, a família recebe atenção no programa com orientação sistemática e demonstrativa, objetivando a integração de todos na família. O programa educacional, segundo Carvalho (2000a), indica atividades adequadas a qualquer bebê, com ou sem deficiência, para estimular e adaptar ao meio em que vive.

Para conhecer mais sobre a estimulação precoce em crianças de zero a três anos de idade, acesse o material disponibilizado pelo Ministério da Saúde. A estimulação precoce pode ser definida como um programa de acompanhamento e intervenção clínico-terapêutica multiprofissional com bebês de alto risco e com crianças pequenas acometidas por patologias orgânicas, buscando o melhor desenvolvimento possível, podendo contribuir, inclusive, na estruturação do vínculo mãe/bebê e na compreensão e no acolhimento familiar dessas crianças.Acesse: <http://portalarquivos2.saude.gov.br/images/pdf/2016/novembro/34/Diretrizes-de-estimulacao-precoce.pdf>.

DICAS

3.1 CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS

Em bebês que apresentam a deficiência auditiva com surdez ou perda auditiva, algumas medidas específicas precisam ser tomadas no processo de estimulação ambiental. Sobretudo no acesso aos recursos utilizados na ampliação dos resíduos auditivos, com o uso de próteses adequadas e atenção ao atendimento especializado ofertado por programas educacionais (CARVALHO, 2000a).

Carvalho (2000a) aponta algumas atividades que podem ser desenvolvidas, como exercício de estimulação auditiva, fonoarticulatória e de fala. Dessa maneira, o desenvolvimento auditivo consiste no uso dos resíduos auditivos do bebê, a

Page 91: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DE ZERO AOS TRÊS ANOS DE IDADE

81

fim de melhorar as condições de sua comunicação oral. Algumas atividades são indicadas, como: explorar as fontes sonoras do meio ambiente; produzir diversos ruídos; ouvir sons; identificar a origem e presença de sons no ambiente; caminhar em direção a um determinado som; e produzir sons com instrumentos musicais.

Outro exercício seria o fonoarticulatório e de fala, que pretende conscientizar a criança sobre a existência e o uso dos órgãos da fala, "[...] ampliando sua produção fonoarticulatória, de consciência muscular e tônica para a emissão vocal, de uso adequado do sistema visual e tátil-cinestésico para emitir fonemas e adquirir condições de articular os fonemas da língua materna" (CARVALHO, 2000a, p. 114).

Nesse sentido, algumas atividades para desenvolver o fonoarticulatório e de fala podem ser indicadas, de acordo com Carvalho (2000a):

• assoprar velas, penas, barco de papel, bolhas de sabão e outros elementos;• mímicas faciais;• brincar com os lábios, língua e as bochechas, incluindo a imitação de

ruídos e movimentos diversos; • tocar o palato com a língua, estalar, friccionar, deslizar a língua e outros;• encher balões;• inspirar e expirar com movimentos bruscos, lentos, longos, seguindo

um ritmo e outros;• expressar movimentos variados com a mandíbula;• fazer movimentos com os lábios e língua para produzir fonemas como

o T, D, S, R e outros;• sussurrar, emitir sons breves, fracos, longos e outros;• fazer vocalizações repetidas de sílabas como pa - pa - pa - pa, e outras

que podem ser utilizadas, tocando o corpo para sentir as vibrações.

Na execução dos exercícios pode ser utilizado um espelho para que a criança observe sua produção e expressão facial. As sugestões devem ser utilizadas no contexto lúdico, envolvidas por brincadeiras para serem atrativas e interessantes à criança, evitando a impressão de treinamento.

3.2 CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA VISUAL ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS

As crianças que apresentam a deficiência múltipla que envolve a deficiência visual relacionada à cegueira ou baixa visão necessitam de estímulos no desenvolvimento global, como intervenções às necessidades específicas para reduzir os efeitos que afetarão seu desenvolvimento, aprendizagem e vivência social. Para tanto, há necessidade de incluir atividades que desenvolvam as suas habilidades e competências, segundo Carvalho (2000a), que considerem:

Page 92: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

82

• atividades voltadas às crianças que apresentam resíduos visuais;• desenvolver as funções visuais com estímulo da consciência visual, no

desejo de enxergar; • estimular o controle dos mecanismos ópticos, como a fixação, segmento

visual, focalização de objetos e outros;• exercitar a musculatura ocular e a coordenação dos movimentos visuais;• receber a correção óptica enquanto bebê, prescrita por oftalmologista,

submetido à avaliação funcional da visão, para identificar as suas necessidades especiais.

Para auxiliar na estimulação do bebê, ainda há algumas situações indicadas para o desenvolvimento da eficiência visual, em crianças com baixa visão, segundo Carvalho (2000a):

• estimular que o bebê observe o rosto da pessoa enquanto fala, tocando-o no rosto e ouvindo sua voz, enquanto recebe carinho;

• tocar o próprio corpo com ou sem ajuda;• explorar variados objetos em cor, tamanho, forma, peso e outros;• em frente ao espelho, estimular o bebê para que se observe; • brincar de esconder, roda, teatro e outras atividades lúdicas;• realizar movimentos diversificados utilizando o corpo no solo, cama,

poltrona, com objetos e outros;• brincar com objetos sonoros;• brincar com jogos de encaixe, montar, massa de modelar e outros jogos

pedagógicos.

Em alguns casos as crianças não dispõem de resíduos visuais, e por serem cegas, desconhecem o mundo visual que as envolve. Assim, há necessidade de estimular o desejo de brincar e participar do mundo social, possibilitando a oportunidade dessas crianças em conhecerem os objetos, sua função e aprenderem a interagir no cotidiano.

De acordo com Carvalho (2000a), nos momentos de interação com a criança o adulto precisa associar os estímulos com informações verbais que descrevam a situação, para que o bebê se sinta seguro. O adulto precisa incentivar a concentração da criança nos sentidos remanescentes, para se ater a conhecer os aspectos que estruturam o ambiente. Como em alguns exemplos que apontam situações de estimulação para crianças cegas:

• tocar o rosto das pessoas explorando com o tato cada parte, enquanto ouvem sua fala;

• tocar objetos de diferentes materiais, texturas, tamanhos e formas;• brincar com objetos de diferentes sonoridades;• massagear o corpo do bebê para que descubra o contato e receba afeto;• auxiliar para que a criança toque seu corpo e construa a consciência

corporal e de suas funções;• realizar movimentos corporais na cama, solo, poltrona, outros lugares;

Page 93: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DE ZERO AOS TRÊS ANOS DE IDADE

83

• incentivar que a criança engatinhe, caminhe e explore direções e velocidades;

• sentir os objetos com diferentes partes do corpo, como as mãos, pés, braços e outras formas;

• entrar e sair de dentro de caixas, gavetas, sacos e outros materiais;• fazer encaixes com diversos materiais;• rasgar papel, amassar, colocar dentro e fora de recipientes;• brincar sentado, deitado, de pé, ou em outras posições;• colocar e tirar objetos citados pelo adulto de um determinado local;• caminhar em lugares que tenham obstáculos físicos com apoio, como

rampas, escadas, caixas sem fundo e outros; • brincar com rolo, rolar bola, empurrar e puxar carrinhos;• cantar, dançar e ouvir históricas;• estimular a criatividade da criança para que desenvolva ações

espontâneas;• brincar de balanço e com diversos brinquedos no parque, experimentando

relações espaciais e temporais;• levar a criança para desenvolver atividades sociais como: fazer compras,

brincar com outras crianças, molhar as plantas, guardar os brinquedos;• aprender a realizar a higiene pessoal, alimentação e o autocuidado;• brincar com brinquedos móveis que apoiam a locomoção;• andar segurando no corrimão das escadas, nos caminhos sensoriais e

perceber o contexto espacial do lugar.

As crianças que apresentam deficiências sensoriais possuem dificuldades em compreender os aspectos ambientais e sociais que constituem o mundo. Sobretudo, quando a realidade percebida passa a ser interpretada como obstáculos devido à ausência ou alterações das vias sensoriais.

Nesse sentido, segundo Carvalho (2000a), os adultos devem mediar ações que incentivam e encorajam as crianças a agirem, despertando sua curiosidade e o desejo de participarem no mundo físico e social. Um dos sentidos da estimulação seria no desenvolvimento da cognição e nas relações socioafetivas da criança, no estímulo dos resíduos sensoriais, favorecendo a reorganização sensorial dos sentidos remanescentes, para ampliar a capacidade perceptiva da criança.

Page 94: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

84

Uma deliciosa coleção cheia de ilustrações vibrantes e texturas incríveis. As crianças e os bebês adorarão correr os dedinhos pelos diferentes recortes e texturas, explorando cada página e estimulando o desenvolvimento da percepção sensorial. O livro Com meus dedinhos curiosos traz lindas ilustrações que vão encantar sua turma.Utilize como atividade na Educação Infantil, permitindo que as crianças sintam o livro. Coloque uma venda nos olhos das crianças para que vivenciem a atividade!

DICAS

3.3 CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA FÍSICA ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS

As crianças que apresentam deficiência física associada a outras deficiências necessitam de atividades que contemplem o desenvolvimento global, com conteúdos aplicados à sua faixa etária, independentemente de sua deficiência. Contudo, há necessidade de os adultos conhecerem sobre o seu desenvolvimento neuropsicomotor, alterações orgânicas associadas e as características da deficiência física para conseguirem estimular adequadamente. Segundo Carvalho (2000a), algumas situações precisam ser observadas pelos adultos que atuam no desenvolvimento da criança:

• perda de sensibilidade tátil e proprioceptiva;• escaras ou ferimentos na pele;• uso de sonda;• artrodese;• luxação;• haste na coluna;• platina;• movimentos espásticos, atetoides, atáxicos e flácidos.

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/SZXUiV>. Acesso em: 25 jun. 2018.

Page 95: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | DESENVOLVIMENTO DA CRIANÇA DE ZERO AOS TRÊS ANOS DE IDADE

85

As ações desenvolvidas pelos adultos no processo de estimulação das crianças com deficiência física associadas a outras deficiências requerem atenção especial às suas potencialidades, mas também às limitações. Dessa forma, alguns cuidados referentes ao deslocamento, locomoção, postura e movimentos precisam estar de acordo com sua condição física.

Segundo Carvalho (2000a), para evitar acidentes, os adultos devem seguir a orientação e recomendação do médico e fisioterapeuta. Contudo, as limitações e cuidados específicos não podem influenciar as possibilidades de participação e aprendizagem da criança, com atenção às que colocariam a criança em exposição a risco de saúde.

Assim, o uso de mobiliário adequado com mesa ou carteira e cadeiras adaptadas, aquisição de próteses e equipamentos como computador, estabilizador de cabeça, tronco e quadril, andador e outros, são recursos incluídos ao programa educacional. Ainda, todas as atividades realizadas devem conter um sentido lúdico e funcional, para que a criança aprenda brincando, desprovida do caráter de treinamento.

Page 96: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

86

RESUMO DO TÓPICO 2

Neste tópico, você aprendeu que:

• A chegada de um bebê com deficiência múltipla na família ou Educação Infantil, geralmente, causa sérias preocupações. A recepção dessas crianças acompanha uma certa expectativa de baixa aprendizagem, escolarização e com total dependência, que seguirá por sua vida.

• O desenvolvimento das habilidades dos bebês com deficiência múltipla depende das potencialidades individuais, limitações impostas pelas deficiências e, principalmente, nas oportunidades ofertadas no meio social para seu desenvolvimento.

• No desenvolvimento da criança entre zero e três anos, as crianças com deficiência múltipla, assim como as demais, encontram-se receptivas aos estímulos do meio.

• O brincar como a primeira forma de interação social, em que a criança vivencia papéis, imitando situações e as ações dos adultos, para conseguir compreender o meio em que vive.

• As pessoas que convivem com a criança com deficiência múltipla colaboram para que ela desenvolva um entendimento psicologicamente significativo de emoção e afetividade, que contribui para a formação de sua identidade e relacionamento social.

• Em algumas situações lúdicas as crianças com deficiência múltipla necessitam de auxílio para conseguirem se expressar ou interagir, o que não desmerece o interesse que aparentam nas situações, simplesmente requerem uma atenção maior na estimulação.

• Em bebês que apresentam a deficiência auditiva com surdez ou perda auditiva, algumas medidas específicas precisam ser tomadas no processo de estimulação ambiental. Sobretudo, no acesso aos recursos utilizados na ampliação dos resíduos auditivos, com o uso de próteses adequadas e atenção ao atendimento especializado ofertado por programas educacionais.

• As crianças que apresentam a deficiência múltipla que envolve a deficiência visual relacionada à cegueira ou baixa visão necessitam de estímulos no desenvolvimento global, como intervenções às necessidades específicas para reduzir os efeitos que afetarão seu desenvolvimento, aprendizagem e vivência social.

Page 97: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

87

• As crianças que apresentam deficiência física associada a outras deficiências necessitam de atividades que contemplem o desenvolvimento global, com conteúdos aplicados à sua faixa etária, independentemente de sua deficiência.

Page 98: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

88

AUTOATIVIDADE

1 O desenvolvimento das habilidades das crianças com deficiência múltipla depende das potencialidades individuais, limitações impostas por suas deficiências e principalmente na oferta de oportunidades no meio social. Assim, a vida dessas crianças será influenciada pela interação ofertada por pessoas que convivem em seu meio.

Considerando o acesso aos programas de atendimento especializado, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas.

I- Consiste nas oportunidades educacionais que devem ser inseridas o quanto antes na vida da criança, com experiências que favoreçam seu desenvolvimento integral e interação social.

PORQUEII- A educação inclusiva aponta a oferta de oportunidades de interações

sociais, com experiências que favoreçam o aprendizado de habilidades e desenvolvimento de capacidades para sua integração social.

Assinale a alternativa que apresenta a resposta correta:a) ( ) As duas afirmações são verdadeiras e estabelecem relação entre si.b) ( ) As duas afirmações são verdadeiras, porém não estabelecem relação entre

si.c) ( ) A primeira afirmação é verdadeira, e a segunda afirmação é falsa.d) ( ) A primeira afirmação é falsa, e a segunda afirmação é verdadeira.

2 Nas crianças a ocorrência da associação de deficiências em algumas situações pode desencadear um estado de alienação, em que demonstram pouco interesse nas interações físicas e sociais. Nessas situações, os brinquedos e pessoas podem ser ignorados pela criança, anulando sua interação. Reflita sobre essa condição e assinale a alternativa correta que indica como auxiliar a criança.

a) ( ) Aqueles que convivem com a criança devem estimular para que participe do mundo social, brincadeiras e situações cotidianas, auxiliando a se expressarem.

b) ( ) Os que convivem com a criança devem permitir que interaja de forma gradativa e conforme sua vontade, como meio físico e social, evitando exposições exageradas.

c) ( ) Os familiares devem deixar a estimulação para ser desenvolvida na escola, por profissionais especializados que conseguirão trabalhar de forma adequada.

d) ( ) A criança deve, a seu tempo, se relacionar com o meio em que vive, evitando a presença do medo e instabilidade física e social.

Page 99: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

89

TÓPICO 3

DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS

QUATRO AOS SEIS ANOS DE IDADE

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

No terceiro tópico, estudaremos sobre o desenvolvimento de crianças dos quatro aos seis anos de idade, período que compreende os anos da Educação Infantil e a entrada no primeiro ano do Ensino Fundamental. Assim, podemos adiantar que a criança se desenvolve segundo as possibilidades de estimulação de suas habilidades e competências. Contudo, as crianças que apresentam deficiência múltipla possuem certo comprometimento decorrente de suas deficiências, o que ocasiona algumas limitações, requerendo maior atenção dos familiares e comunidade em geral.

Veremos também algumas indicações da LDB/96 referentes à garantia de oferta e frequência na Educação Infantil, com oportunidades educacionais que priorizem as interações sociais e a construção de novas aprendizagens. Incluindo as adaptações curriculares segundo as necessidades das crianças que podem apresentar deficiência auditiva, visual, física e sensorial associadas.

2 ASPECTOS DO DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DE QUATRO A SEIS ANOS

O desenvolvimento das crianças com deficiência múltipla de quatro a seis anos ocorre de forma normal, igualmente relacionado a todas as outras que não apresentam deficiência. Segundo Carvalho (2000b), a forma como a criança se desenvolve depende dos fatores individuais, sociais e ambientais. Contudo, a criança com deficiência múltipla apresenta causas e efeitos diversificados, dependendo do seu estado individual, personalidade e comportamento. Essa variação deve-se, inclusive, ao comprometimento das deficiências e sua abrangência, à limitação de algumas capacidades, e à atenção da família e comunidade de seu meio.

Quando a criança participa ativamente da vida social, com atendimento especializado e uma convivência que sustenta a sua aceitação, favorece as possibilidades de seu desenvolvimento, mesmo que sua deficiência seja limitante. O ambiente favorável ao desenvolvimento inclui algumas características fundamentais, como a estimulação e o encorajamento socialmente receptivo, que acolha com afetividade.

Page 100: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

90

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

As capacidades cognitivas e afetivas das crianças têm sido muito consideradas ao longo dos últimos anos. Suas habilidades podem ser afloradas pelo contato dinâmico com o ambiente físico e social. Ainda manifestam desejo de aprender e interagir com sua realidade. Essa nova forma de pensar considera que a criança se desenvolve por meio de aprendizagem e aprende no seio da cultura que tem significado para ela desde seu nascimento. Dessa forma interage com elementos do ambiente que são culturalmente interpretados e que lhe são oferecidos como estímulo, ou seja, convive com elementos linguísticos, relações, pensamentos e afetos que estão a seu redor e responde a eles de acordo com seu potencial humano. Nessa interação, entram suas habilidades cognitivas, de atenção, percepção, memória, imaginação e outras. Os conhecimentos que adquire nessa ação versus ambiente permitem-lhe desenvolver suas capacidades de pensar e agir no mundo físico e social (CARVALHO, 2000b, p. 17).

Nesse sentido, para as crianças com deficiência múltipla esses pressupostos são fundamentais. Mesmo com certas limitações provenientes da deficiência, devem interagir de forma dinâmica no ambiente. Quanto mais cedo possível as crianças tiverem contato social com outras pessoas, objetos e situações, mais cedo conseguirão estruturar seu pensamento para compreenderem e aprenderem sua realidade, incitando o desejo de fazer parte da comunidade.

A criança aprende convivendo com suas condições individuais de desenvolvimento, disposição atitudinal, cognitiva e física a construir seu conhecimento. Para tanto, é imprescindível essas crianças receberem atendimento adequado para desenvolverem suas potencialidades, minimizando os efeitos das deficiências e prevenindo o surgimento de outras que possam se associar (CARVALHO, 2000b).

No período que compreende dos quatro aos seis anos, as crianças desenvolvem a independência de seus movimentos e conseguem realizar feitos como saltar, correr, subir, pegar objetos e outras ações. O domínio da linguagem permite a interação social com os outros, favorecendo a inclusão de várias atividades que aprimoram o convívio social.

Para Carvalho (2000b), nessa fase inicia a formação do autoconceito baseado nas observações de seus atos, respostas e comportamentos dos outros, e os ensinamentos dos familiares. Com base nessas informações a criança constrói sua identidade e autoimagem, formula conceitos referentes a quem ela é socialmente e emocionalmente. Nesse meio, a fantasia e a realidade dividem espaço nas formas de interpretar o mundo, sendo que a brincadeira e os jogos são formas de imitar e desenvolver a imaginação, aprendendo os aspectos de sua cultura.

Vygotsky (2009) argumenta que a criança consegue imitar apenas o que está próximo das suas potencialidades intelectuais, por meio da interação com o outro, na tentativa de realizar algo que ainda não domina. Assim, no processo de colaboração com o outro, a criança sente confiança em propor tentativas e respostas próximas ao seu nível de desenvolvimento. Essa etapa, em que

Page 101: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS QUATRO AOS SEIS ANOS DE IDADE

91

a criança consegue com maior ou menor êxito realizar algo em colaboração e posteriormente sozinha, determina o seu desenvolvimento.

Na criança com deficiência múltipla algumas situações precisam ser consideradas no processo de seu desenvolvimento, segundo Carvalho (2000b):

• condição física que pode ou não estar seriamente comprometida por causa de sua saúde;

• movimentos corporais e mobilidade que podem ser limitados ou alterados, quando a deficiência física for associada;

• dificuldade na exploração do ambiente e formação de conceitos decorrentes das deficiências sensoriais, como no caso da cegueira ou surdez.

Essas são algumas das situações que permeiam as crianças com deficiência múltipla, com outras associadas, o que enfatiza a atenção e apoio para que consiga superar suas limitações e compensar as dificuldades. O apoio incide em respeitar a fase evolutiva dessas crianças, atuando no desenvolvimento das emoções e afetividade, para encorajar e estimular suas capacidades, favorecendo sua autoestima nas conquistas e avanços. De acordo com Carvalho (2000b, p. 19):

É reduzido o número de crianças com múltipla deficiência que possuem um repertório tão pequeno e deficiências em níveis tão elevados que não lhes possibilitem atuar no ambiente de forma funcional. Infelizmente, a visão corrente que se tem de múltipla deficiência é equivocada, de modo que as pessoas subestimam as potencialidades e capacidades de seus portadores, movidas, muitas vezes, apenas pelas aparências. A experiência, no entanto, tem demonstrado o contrário. Essas crianças, quando atendidas e apoiadas adequadamente e desafiadas a participar, criar, construir e realizar, respondem de maneira promissora e realizadora, apesar das limitações.

Nesse sentido, a ação educativa deve envolver a todas as crianças, independentemente de sua condição, enquanto respeito à sua cidadania que considera a diversidade e o convívio nos valores éticos. As crianças com deficiência possuem o desenvolvimento igual a todos, com características específicas que apontam as diferenças, aspectos que apontam a heterogeneidade na sala de aula, ou seja, cada aluno apresenta características próprias, com níveis de aprendizado, capacidades e habilidades próprias. Assim, as condições educacionais devem ser organizadas a fim de respeitar as necessidades e o ritmo de cada um, contribuindo na construção dos conhecimentos.

3 EDUCAÇÃO INFANTIL E ADAPTAÇÕES CURRICULARES

A Educação Infantil, segundo a LDB/1996, consiste na "[...] primeira etapa da educação básica, tem como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco) anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, complementando a ação da família e da comunidade". Em relação à educação especial, a lei afirma que será ofertada preferencialmente na rede regular de

Page 102: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

92

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

ensino, para os alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação. A legislação ainda inclui a Educação Infantil como uma das etapas da educação básica, seguida do Ensino Fundamental e Médio (BRASIL, 1996). O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil consiste no documento que:

[...] constitui-se em um conjunto de referências e orientações pedagógicas que visam a contribuir com a implantação ou implementação de práticas educativas de qualidade que possam promover e ampliar as condições necessárias para o exercício da cidadania das crianças brasileiras. Sua função é contribuir com as políticas e programas de educação infantil, socializando informações, discussões e pesquisas, subsidiando o trabalho educativo de técnicos, professores e demais profissionais da educação infantil e apoiando os sistemas de ensino estaduais e municipais (BRASIL,1998, p. 13).

Mais precisamente, em relação à educação de crianças com necessidades especiais, o documento aponta sobre ações educativas comprometidas com a cidadania e formação de uma sociedade democrática e não excludente. Para tanto, enfatiza a necessidade de promoção do convívio com a diversidade, considerando as diversas culturas, hábitos, costumes, competências e as particularidades de cada um, ou seja, a criança quando convive com a diversidade nas instituições educativas aprende em meio à interação a observar as diferenças e suas dificuldades ou limitações (BRASIL, 1996).

O principal desafio da Escola Inclusiva é desenvolver uma pedagogia centrada na criança, capaz de educar a todas, sem discriminação, respeitando suas diferenças; uma escola que dê conta da diversidade das crianças e ofereça respostas adequadas às suas características e necessidades, solicitando apoio de instituições e especialistas quando isso se fizer necessário. É uma meta a ser perseguida por todos aqueles comprometidos com o fortalecimento de uma sociedade democrática, justa e solidária (BRASIL, 1996, p. 36).

No período da Educação Infantil a criança terá acesso a oportunidades educacionais que priorizam as interações sociais, desafios e soluções de problemas que requerem o uso da experiência e conhecimento, bem como a construção de novas aprendizagens. Nesse meio, as crianças com deficiência múltipla devem ter acesso às mesmas oportunidades ofertadas às suas turmas, com objetos e fontes socioculturais, apoio no seu desenvolvimento e aprendizagem de igual forma para todos (CARVALHO, 2000b).

Assim, a intervenção educativa como recurso que promove o desenvolvimento infantil requer o uso das estratégias cognitivas da criança no decorrer da construção dos conhecimentos. Essa ação necessita de atividades que instiguem nas crianças soluções criativas e que estimulem seu desenvolvimento integral nos fazeres educativos propostos pelo professor. Os trabalhos propostos na Educação Infantil consistem em atividades planejadas, sistematizadas e intencionais, que objetivam o educar e a socialização das crianças, por meio do desenvolvimento de suas capacidades e sua inserção cultural e social (CARVALHO, 2000b).

Page 103: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS QUATRO AOS SEIS ANOS DE IDADE

93

Segundo o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, os objetivos indicam intenções educativas que apontam para o desenvolvimento das capacidades das crianças, ampliando a possibilidade das intenções educativas. As capacidades como situações que expressam os diversos comportamentos e aprendizagens das crianças, assim o professor organiza o atendimento que considera a diversidade da turma, segundo as diferentes habilidades, interesses e maneiras de aprender (BRASIL, 1998).

As crianças aprendem de forma heterogênea, contudo, as possibilidades educativas ofertadas pelo professor devem considerar o seu desenvolvimento integral, com possibilidades de aprendizagem segundo as diferentes faixas etárias. Nesse sentido, o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil indica que a atuação docente deve considerar o desenvolvimento das capacidades de ordem física, afetiva, cognitiva, ética, estética, relação interpessoal e inserção social.

FIGURA 4 – DIFERENTES CAPACIDADES A SEREM DESENVOLVIDAS NAS CRIANÇAS

FONTE: Adaptado de Brasil (1998)

Page 104: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

94

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

O currículo é um documento norteador do trabalho docente organizado de forma a atender às necessidades de todos os alunos. Portanto, as adaptações curriculares são utilizadas quando as crianças com deficiência múltipla apresentarem necessidades especiais, impossibilitando-as de realizar de forma igual às outras crianças. Caso sejam atividades desenvolvidas com a turma, e essas crianças não sintam dificuldades, não há necessidade na Educação Infantil de profundas adaptações, talvez de algumas flexibilizações no momento do atendimento (CARVALHO, 2000b).

De modo geral, o professor da Educação Infantil deve nortear a organização do trabalho educativo segundo alguns princípios citados no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998, p. 30):

• a interação com crianças da mesma idade e de idades diferentes em situações diversas como fator de promoção da aprendizagem e do desenvolvimento e da capacidade de relacionar-se; • os conhecimentos prévios de qualquer natureza, que as crianças já possuem sobre o assunto, já que elas aprendem por meio de uma construção interna ao relacionar suas ideias com as novas informações de que dispõem e com as interações que estabelecem;• a individualidade e a diversidade; • o grau de desafio que as atividades apresentam e o fato de que devam ser significativas e apresentadas de maneira integrada para as crianças e o mais próximas possível das práticas sociais reais; • a resolução de problemas como forma de aprendizagem.

Os princípios apresentados integram as crianças que apresentam deficiência múltipla, evidenciando que algumas necessitam de mais apoio e flexibilidade, para conseguirem acompanhar a turma. Contudo, o auxílio não impede dessas crianças vivenciarem as experiências ofertadas para sua turma, conseguindo participar segundo suas capacidades e habilidades.

A adaptação curricular ocorre, preferencialmente, em situações em que os objetivos precisam ser alterados, no sentido de considerar a heterogeneidade da turma, principalmente quando crianças com deficiências não conseguirão acompanhar os outros. Por exemplo, no caso de uma criança surda ou ainda com lesão cerebral, necessita de objetivos alternativos que atendam às suas possibilidades de comunicação (CARVALHO, 2000b).

O currículo delineia as habilidades esperadas a serem desenvolvidas nas crianças de uma determinada faixa etária, como domínio da linguagem, uso dos objetos pessoais, orientação temporal e espacial, desenvolvimento da percepção, memória, pensamento e imaginação, habilidades sociais, conhecimento cultural e científico, entre outros (BRASIL, 1998). Com base nessas premissas, a ação educativa deve considerar as capacidades das crianças, priorizando a qualidade das relações sociais e suas condições físicas.

Page 105: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS QUATRO AOS SEIS ANOS DE IDADE

95

Na fase dos quatro aos seis anos a criança desenvolve o domínio da linguagem e a capacidade psicomotora, assegurando a desenvoltura nas interações com o meio físico e social. Assim, o currículo para a Educação Infantil prevê a inserção de novos conhecimentos e desafios pessoais, no intuito de desenvolver as capacidades das crianças para conviverem no contexto social (CARVALHO, 2000b).

As atividades que não são interessantes e adequadas às crianças com deficiência múltipla e as adaptações indicam a forma de como os objetivos, metodologias de ensino, avaliação da criança e a estrutura da sala de aula serão reorganizados. Caso as adaptações não sejam possíveis em sua integridade, devem se aproximar o máximo possível, no intuito de incluir a criança com deficiência múltipla na participação com os demais de sua turma.

3.1 CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS

A criança que apresenta deficiência auditiva necessita de algumas intervenções específicas, decorrente dos problemas de comunicação associados. Nesses casos, anterior à fase dos quatro aos seis anos, a aprendizagem de recursos alternativos para o desenvolvimento da comunicação deveria ter iniciado, sendo que nos primeiros anos de vida a criança apresenta maior facilidade de aprendizagem (CARVALHO, 2000b).

A criança sente curiosidade em explorar o ambiente em que vive, necessitando inclusive da autonomia. Nos casos em que a deficiência compromete a condição auditiva, a criança precisa do acesso aos recursos especializados para a educação dos surdos, como a prótese auditiva, aprendizado da linguagem de sinais, equipamentos adaptados que permitem o acesso a computadores, e outros que permitam o desenvolvimento de sua comunicação.

Segundo Carvalho (2000b), a linguagem de sinais aprendida pela criança permite o uso de sinais e gestos que permitem a sua participação, favorecendo seu desenvolvimento e a capacidade de comunicação. A surdez influencia nas dificuldades de formação dos conceitos e capacidade de abstração nas crianças. Nesse sentido, o professor necessita estimular o desenvolvimento de sua capacidade auditiva, melhorar seu desempenho linguístico para facilitar a construção dos conhecimentos e sua integração social.

O aprendizado da Língua de Sinais para o profissional da educação impera numa medida de constante formação profissional, uma forma de atualização de conhecimentos e habilidades inerentes à sua profissão. Com o avanço da inclusão de crianças com necessidades especiais, a Língua de Sinais passou a ser um componente presente na formação docente, enquanto premissa para conseguir desenvolver uma ação educativa que inclua a todos. Como uma forma de ensinar

Page 106: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

96

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

a turma e disseminar uma língua de sinais brasileira, utilizada no território nacional por um grupo de pessoas que convive socialmente na comunidade.

Algumas atividades são indicadas para atender às necessidades específicas das crianças com deficiência auditiva e outras associadas, incluindo a adaptação de conteúdos e procedimentos metodológicos no desenvolvimento dos exercícios auditivo, fonoarticulatório e de fala, e rítmico. O exercício auditivo considera o desenvolvimento das funções auditivas para a aquisição da linguagem oral, análise e síntese auditiva, discriminação auditiva, memória auditiva e evocação.

As atividades utilizadas para o exercício auditivo são associadas à percepção visual e tátil-cinestésica, propiciando a compreensão do ambiente na criança:

• indicam a percepção sonora do mundo com sons produzidos por objetos ou corpo humano;

• identificação da presença ou ausência de sons ambientais, como ruídos, e sons instrumentais, voz humana e outros;

• localização de fontes sonoras;• reconhecimento de sons ambientais diversos, que podem ser realizados

em sala de aula ou em sessões individuais.

O exercício fonoarticulatório e de fala consiste na produção da fala e na aquisição da linguagem, envolvendo o sistema fonêmico sustentado nas habilidades rítmicas e funções auditivas residuais da criança. As atividades envolvem situações que atuam sobre, de acordo com Carvalho (2000b):

• respiração da criança;• órgãos fonoarticulatórios, como palato, língua, lábios, dentes, bochechas

e outros;• tensão e relaxamento muscular do corpo e dos órgãos fonoarticulatórios;• voz e a produção de fonemas.

Algumas dessas atividades podem ser realizadas na sala de aula, com a turma, como apoio aos exercícios direcionados à criança com deficiência múltipla, enquanto forma de inclusão social.

Os exercícios rítmicos englobam a aquisição do ritmo prosódico, que possibilita a emissão da fala, por meio de controle dos movimentos corporais, percepção das relações espaciais, temporais e proprioceptivas. São atividades que desenvolvem o esquema corporal, equilíbrio, lateralidade, relações espaciais e temporais, relaxamento e respiração, incluindo os movimentos que desenvolvem a produção vocal. As atividades que incluem movimentos corporais ritmados, sensações corporais de relaxamento e tensão de algumas partes específicas do corpo, associadas ao tempo e movimento, vocalizações ritmadas, são de suma importância para o desenvolvimento e aquisição da linguagem (CARVALHO, 2000b).

Page 107: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS QUATRO AOS SEIS ANOS DE IDADE

97

As crianças com deficiência múltipla que apresentam a deficiência auditiva necessitam de adaptações curriculares que contemplem suas dificuldades nas áreas defasadas e que promovam as suas capacidades e habilidades no decorrer de seu desenvolvimento (CARVALHO, 2000b). Assim, o ambiente físico deve incluir situações para o desenvolvimento do trabalho rítmico, estimulação auditiva e treinamento da fala, equipamentos e recursos didáticos adequados, como: objetos sonoros, recursos para estimular a respiração, amplificador, gravador, instrumentos musicais, tablado, brinquedos e outros objetos.

As crianças que apresentam deficiência auditiva possuem como recurso comunicativo o aprendizado da Língua de Sinais. Sugerimos a obra ABC em Libras, que propõe a alfabetização integrada da linguagem falada e da Libras nas salas de aula. Em cada página, um objeto é apresentado no alfabeto romano e no dactilológico, e também no sinal em Libras, com a devida explicação dos movimentos gestuais e faciais.Vale a pena conferir!

DICAS

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/1HVfCm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

3.2 CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA VISUAL ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS

As crianças que apresentam a deficiência múltipla com deficiência visual, cegueira ou baixa visão necessitam de um currículo que contemple o desenvolvimento da visão residual ou de exercícios que estimulem os sentidos remanescentes. Nessa faixa etária a criança já possui as habilidades de linguagem, controle dos movimentos e condições de ampliar os movimentos corporais para explorar o meio físico e social (CARVALHO, 2000b).

Page 108: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

98

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

Assim, o apoio à realização das atividades deve ser parte integrante de sua convivência com os familiares, por meio do encorajamento, estimulação e motivação. Nesse meio, a criança se sente motivada e constrói conceitos sobre a realidade do mundo físico e social. O desenvolvimento das experiências sensório-motoras integradas, organização e controle do corpo são formas de adquirir as habilidades cognitivas e afetivas, a mobilidade estimula o desejo de conhecer o seu meio social.

Segundo Carvalho (2000b), as intervenções educativas que viabilizam as finalidades da educação permeiam a formação do cidadão, melhoria da qualidade de vida, desenvolvimento da independência e da autonomia para conquistar a integração social. O currículo voltado ao atendimento da criança com deficiência múltipla deve ser o mesmo ofertado aos demais da turma. As atividades devem ser desenvolvidas com todos da turma, incluindo as crianças com deficiência, e caso necessitem de algum recurso especializado, devem ser acrescidos de forma a complementar o trabalho educativo.

Para o desenvolvimento sensório-motor das crianças com deficiência visual e outras associadas, algumas atividades podem ser sugeridas, de acordo com Carvalho (2000b), como:

• explorar objetos e experiências do meio físico, utilizando o sentido tátil-cinestésico, o visual, o olfativo e o gustativo;

• explorar objetos com as mãos, pés, corpo, descobrindo sua textura e consistência;

• identificar e localizar características e detalhes nos objetos: orifícios, diferenças, sons, textura, formato, peso etc.;

• usar esquemas motores no manuseio de objetos: bater, puxar, empurrar etc.;

• localizar objetos no espaço, em relação ao próprio corpo: em cima, atrás, do lado etc.;

Para favorecer a construção das noções espaciais, Carvalho (2000b) propõe:

• vivenciar diferentes posições no espaço com o corpo, utilizando objetos: entrar e sair de caixas;

• pneus, tubos etc.;• puxar, arrastar, empurrar objetos diversos, com diferentes características;• subir em mesas, cadeiras, escada (etc.), experimentando diferenças

relativas à largura, altura, profundidade etc.;• realizar diferentes movimentos corporais que promovam noções

diferenciadas de espaço:o abaixar, subir, pular etc.;o orientar-se em relação aos colegas: dentro, fora, ao lado etc.;o orientar-se em relação aos colegas: na frente, no final da fila, ao

lado etc.;o localizar e guardar objetos.

Page 109: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS QUATRO AOS SEIS ANOS DE IDADE

99

Para favorecer a construção da noção de tempo, Carvalho (2000b) indica:

• estabelecer horários e locais para que as crianças percebam uma rotina temporal;

• sequenciar ações, identificando início, meio, fim, durante etc.;• ouvir e perceber ritmos e movimentos corporais;• marchar, seguindo sons;• perceber a velocidade dos objetos;• tocar instrumentos em ritmos diferentes;• observar calendário tátil, para atender uma rotina diária;• observar transformações da natureza: plantio de feijão e milho;• organizar e sequenciar atividades, vivenciando as noções de antes,

agora, depois.

Sobre a orientação e mobilidade, Carvalho (2000b) sugere algumas atividades:

• explorar o ambiente da sala de aula e as dependências da escola, tocando com as mãos as portas, janelas, mobiliários;

• explorar os pisos, paredes, banheiros, cozinha, corredores, áreas externas;

• brincar no parque;• caminhar entre os móveis, de uma porta para outra, da porta para a

janela etc.;• caminhar entre obstáculos;• utilizar pistas: ruídos, odores, corrente de ar, sol etc.;• verbalizar a proximidade ou distanciamento de objetos, pessoas, ruídos

etc.;• explorar a posição das janelas, dos móveis, das portas, a largura dos

espaços, por meio da técnica do rastreamento e do guia vidente;• imitar ações;• realizar atividades de conhecimento, controle e vivência corporal;• perceber semelhanças e diferenças entre os objetos;• classificar e seriar objetos;• comparar qualidades de objetos;• acomodar objetos em espaços limitados;• contar objetos, acrescentar, retirar, dividir;• fazer jogos de construção, de memória, de parear etc.;• estabelecer semelhanças entre os objetos, associações, discriminações,

relações de causa e efeito etc.;• interpretar e expressar sentimentos diversos;• ouvir histórias;• nomear objetos, pessoas, animais, plantas e ações;• descrever cenas, objetos, pessoas, animais etc.;• gravar e ouvir a própria voz;• brincar de adivinhações, dar recados, evocar fatos, conversar etc.;• contar histórias;

Page 110: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

100

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

• planejar uma rotina diária;• planejar atividades;• reviver acontecimentos;• representar objetos, fatos, acontecimentos de modelagens, papéis,

argila, tinta grossa, desenho etc.;• confeccionar livros de história;• jogos em grupo;• brincar com pneus, caixas, cordas, bolas, sacos de areia, brincar de

rodas;• fazer jogos de mesa;• fazer jogos simbólicos: representar personagens da família, casinha,

brincar de faz de conta, médico, escola, história/teatro (fantoches, bonecos);

• realizar atividades de artes e educação física.

O atendimento educacional orientado para o desenvolvimento das competências e habilidades da criança considera suas necessidades especiais, com uma intervenção baseada na análise funcional e qualificada de suas condições. A análise funcional investiga, segundo Carvalho (2000b):

• as dificuldades que o aluno apresenta na execução de movimentos corporais ou a ausência deles;

• a permanência ou a transitoriedade das alterações motoras que apresenta;

• a origem das dificuldades motoras – sistema ósseo, sistema muscular, sistema nervoso – ou a associação dos três sistemas;

• o nível individual da disfunção, que pode provocar maior ou menor limitação motora.

Nas instituições de ensino, as crianças precisam ser respeitadas quanto a suas limitações impostas pelas deficiências que apresentam. Nesse sentido, segundo Carvalho (2000b), os professores precisam considerar:

• o apoio necessário à criança para facilitar a realização das atividades;• adequação do currículo e organização dos materiais, equipamentos e

procedimentos educacionais para atender à criança;• adaptação do espaço físico para facilitar a comunicação e o acesso aos

materiais que a criança necessite utilizar.

A socialização consiste na situação de grande comprometimento nas crianças com deficiência múltipla e motora associadas, dependendo das condições de seu desenvolvimento, aprendizagem e relações que estabelecem com o mundo. Por isso, há fundamental importância no desenvolvimento do autoconceito e autoestima, para que as crianças consigam interagir em meio às suas dificuldades, nas atividades propostas.

Segundo Carvalho (2000b), cabe ao professor, antes de selecionar as

Page 111: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS QUATRO AOS SEIS ANOS DE IDADE

101

atividades, as situações de apoio ou os recursos técnicos e materiais, indagar sobre as melhores possibilidades de comunicação, mobilidade e participação dessas crianças. As respostas encontradas devem privilegiar alternativas que garantam a adaptação do contexto de ensino e aprendizagem, de acordo com as necessidades apresentadas pela criança.

3.3 CRIANÇAS COM MÚLTIPLAS DEFICIÊNCIAS SENSORIAIS

As crianças que apresentam deficiência sensorial são as crianças surdas e cegas com dificuldades específicas multissensoriais, o que resulta da ausência de comunicação e entendimento do mundo social e ambiental. Na fase da Educação Infantil essas crianças apresentam dificuldades nas relações espaço-temporais, justificadas pela falta de identificação pela visão e audição, resultando na impossibilidade de compreender as informações ambientais (CARVALHO, 2000b).

Nessa etapa da vida, as crianças geralmente se envolvem em atividades movimentadas, no intuito de explorar para descobrirem o mundo em que vivem. Contudo, as crianças que são privadas dos sentidos da visão e audição apresentam dificuldades de percepção e integração com o ambiente, decorrente da ausência da proximidade física que origina o conhecimento dos objetos e seres.

Segundo Carvalho (2000b), a motivação de explorar o ambiente precisa ser estimulada nas crianças com deficiência sensorial, por todos aqueles que as envolvem na convivência social, familiares, colegas, professores e outros. A ausência da visão e audição dificulta a construção das relações interpessoais, principalmente com crianças da mesma idade, necessitando da intervenção dos adultos para seu efetivo desenvolvimento.

Os aspectos ambientais podem favorecer ou retardar o comprometimento dessas crianças, sendo que as possibilidades de participação e interação, quando presentes, incidem na funcionalidade da criança no ambiente, com considerável expectativa do desenvolvimento e aprendizagem. Essas crianças, de modo geral, desenvolvem estilos de aprendizagem individual que auxiliam na compensação de suas deficiências (CARVALHO, 2000b).

As crianças com deficiência sensorial podem apresentar considerável nível de aprendizagem e desenvolvimento de habilidades adaptativas, desde que convivam em condições ambientais favoráveis. A educação das crianças com deficiência visual e auditiva deve permear alguns pressupostos, descritos por Carvalho (2000b):

• experiências reduzidas na relação com o ambiente físico e social;• limitações sensoriais que impossibilitam a motivação para as atividades

motoras e cognitivas;

Page 112: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

102

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

• necessidade de tocar e aproximar-se dos objetos e seres para conhecê-los;

• dificuldade de antecipar ações e eventos ambientais;• escassez de estímulos e atrativos que a motivem para explorar, participar,

interagir, no contato em geral, com a realidade;• despreparo dos familiares e comunidade para atuarem adequadamente

com a criança.

O trabalho educativo deve considerar as potencialidades e limitações existentes nas crianças, aprimorando inclusive os resíduos visuais e auditivos, quando presentes, juntamente aos estímulos e demais sentidos preservados, ampliando a utilização das áreas perceptivo-sensorial. Portanto, não se deve focalizar apenas nas áreas de dificuldades da criança, mas destacar suas potencialidades e capacidades como base para desenvolver a ação educativa (CARVALHO, 2000b). O sistema de atendimento especializado no âmbito educacional pode incluir o uso de máquinas braile, leitores ópticos, material ampliado ou em relevo, entre outras possibilidades que permitam o acesso ao processo de ensino e aprendizagem.

A obra Deficiências sensoriais e incapacidades físicas esclarece ao professor as definições de deficiência visual, auditiva e multissensorial. Também discute incapacidades físicas e examina condições médicas que podem exigir um acompanhamento educacional específico. Leitura essencial para todos os profissionais interessados em desenvolver seu conhecimento e entendimento.

Amplie seus conhecimentos sobre o assunto!

DICAS

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/MLA9Fp>. Acesso em: 25 jun. 2018.

Page 113: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

103

RESUMO DO TÓPICO 3

Neste tópico, você aprendeu que:

• O desenvolvimento das crianças de quatro a seis anos com deficiência múltipla ocorre de forma normal, igualmente relacionado a todas as outras que não apresentam deficiência.

• A criança aprende a construir seu conhecimento convivendo com suas condições individuais de desenvolvimento, disposição atitudinal, cognitiva e física. Para tanto, é imprescindível as crianças receberem atendimento adequado para desenvolverem suas potencialidades, minimizando os efeitos das deficiências e prevenindo o surgimento de outras que possam se associar.

• A ação educativa deve envolver a todas as crianças, independentemente de sua condição, enquanto respeito à sua cidadania que considera a diversidade e o convívio nos valores éticos.

• No período da Educação Infantil a criança terá acesso a oportunidades educacionais que priorizam as interações sociais, desafios e soluções de problemas que requerem o uso da experiência e conhecimento, bem como a construção de novas aprendizagens.

• O currículo é um documento norteador do trabalho docente, organizado de forma a atender às necessidades de todos os alunos.

• A criança que apresenta deficiência auditiva necessita de algumas intervenções específicas, decorrente dos problemas de comunicação associados.

• As crianças que apresentam a deficiência múltipla com deficiência visual, cegueira ou baixa visão necessitam de um currículo que contemple o desenvolvimento da visão residual ou de exercícios que estimulem os sentidos remanescentes.

• Algumas das crianças que apresentam deficiência física podem ter de forma associada outras deficiências, como intelectuais ou sensoriais. Contudo, essas dificuldades não estão intrínsecas na deficiência física, ou seja, nem todos os deficientes físicos apresentam outras condições específicas relevantes às necessidades especiais associadas à deficiência múltipla.

• As crianças que apresentam deficiência sensorial são as crianças surdas e cegas com dificuldades específicas multissensoriais, o que resulta da ausência de comunicação e entendimento do mundo social e ambiental.

Page 114: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

104

1 Na fase dos quatro aos seis anos inicia a construção do autoconceito baseado nas observações e vivências de seus atos, as respostas emitidas pelos outros, bem como a forma como se comportam segundo suas ações.

Reflita sobre algumas situações que precisam ser consideradas no desenvolvimento das crianças com deficiência múltipla:

I- O nível de comprometimento da condição física decorrente do seu estado de saúde.

II- A limitação ou alteração dos movimentos corporais e mobilidade.III- A ausência de vontade em participar das atividades, que deve ser

respeitada.IV- A dificuldade de explorar o ambiente e na formação dos conceitos.

Agora, assinale a alternativa CORRETA:a) ( ) I, IIb) ( ) II, IIIc) ( ) I, II, IVd) ( ) I, III, IV

2 O currículo norteia as ações educativas desenvolvidas pelos professores em todos os níveis de ensino, organizado para atender às necessidades de todos os alunos. Na Educação Infantil algumas adaptações são necessárias, mais precisamente para as atividades específicas em que a criança com deficiência múltipla sente dificuldades. Nesse sentido, reflita e descreva como o professor da Educação Infantil deve basear a organização da sua prática educativa, de acordo com os princípios citados no Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil.

AUTOATIVIDADE

Page 115: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

105

TÓPICO 4

DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS SETE

AOS 11 ANOS DE IDADE

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, estudaremos sobre as crianças no período escolar, os anos que constituem o Ensino Fundamental. Nessa etapa do desenvolvimento as crianças sentem necessidade de conhecer o mundo exterior, sobre os fenômenos que compõem o meio em que vivem. Destacaremos o impresso na LDB/96 em relação ao período escolar e os serviços de atendimento especializado, garantidos em lei.

Conheceremos também como são organizadas as adaptações curriculares para essa fase da vida escolar, com algumas ideias para nortear o trabalho pedagógico com alunos que apresentem deficiência múltipla. Os alunos podem apresentar deficiências associadas, como a auditiva, visual, física, intelectual e sensorial, sendo que algumas requerem outras possibilidades de comunicação.

2 DESENVOLVIMENTO E INCLUSÃO EDUCACIONAL

Nessa fase do desenvolvimento as crianças passam por mudanças significativas no desenvolvimento cognitivo, influenciando na vontade de aprender conhecimentos novos. As crianças com deficiência se assemelham a outras crianças, na vontade e avidez de frequentarem a escola, para aprenderem os conhecimentos escolares. Nesse sentido, as crianças com deficiência múltipla apresentam algumas características referentes ao seu desenvolvimento, segundo Carvalho (2000b):

• apresentam desenvolvimento similar às outras crianças, reagindo de maneira aproximada aos estímulos do ambiente físico e social.

• necessidades educacionais e estímulos ambientais para interagir com o meio podem ser elementos facilitadores ou dificultadores comuns, também para outras crianças que apresentam os mesmos tipos e níveis de deficiência;

• condições emocionais satisfatórias, autoconceito e autoestima positiva minimizam as características de suas deficiências e ampliam as expectativas de desenvolvimento e realização das atividades sociais;

• a intensidade das deficiências interfere na funcionalidade das crianças e no seu desempenho social;

• os tipos de deficiências indicam as formas de interação com o ambiente físico e sensorial;

Page 116: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

106

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

• fatores sociais e culturais favorecem ou podem dificultar o seu desenvolvimento e aprendizagem;

• as respostas emocionais de seus familiares em relação à sua deficiência são importantes para a formação de sua autoestima, autoconfiança e autovalorização;

• o acesso ao atendimento educacional, quanto mais cedo ocorrer, amplia significativamente as possibilidades de seu desenvolvimento nas interações com a sociedade.

Nessa fase, as crianças voltam sua atenção para o mundo exterior, buscam conhecer o mundo em que vivem. O interesse está em saber sobre a natureza dos objetos, funcionamento, finalidades, origem e os componentes que os constituem. Segundo Carvalho (2000b, p. 58):

Sua aprendizagem é direcionada para a ação, precisando, ainda, da experiência direta, enquanto evolui para as experiências indiretas e vicárias. Os símbolos ainda têm o sabor de fantasia, mas gradativamente passam a representações da realidade objetiva. A linguagem é muito exercitada na função de comunicação e bastante explorada pela criança como instrumento do seu aprendizado e desenvolvimento.

As crianças com deficiência múltipla, quando recebem atenção diferenciada dos seus colegas, podem manifestar a redução nas interações com o ambiente e as situações interpessoais. A desmotivação se estende para o aprendizado, induzindo a respostas egocêntricas e de autoestimulação, enquanto resultado de suas limitações cognitivas, sensoriais, linguísticas e motoras. Desta forma, as crianças com deficiência múltipla podem apresentar algumas dificuldades, conforme aponta Carvalho (2000b), relacionadas à comunicação, locomoção, percepção e orgânicas.

Page 117: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 4 | DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS SETE AOS 11 ANOS DE IDADE

107

FIGURA 5 – DIFICULDADES RELACIONADAS ÀS CRIANÇAS COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

FONTE: Adaptado de Carvalho (2000b)

De forma geral, essas dificuldades não estão presentes em todas as crianças com deficiência múltipla, mas podem manifestar-se em variados níveis. O surgimento das dificuldades apontadas ocorre, fundamentalmente, em decorrência das limitações impostas no ambiente social. Nesses casos alguns fatores podem ser citados, segundo Carvalho (2000b):

• oportunidade de participação no meio familiar e social;• estimulação ambiental e intervenção educacional desde os primeiros

anos;• acesso a adequadas condições socioculturais;• acesso ao apoio adequado a seu desenvolvimento, aprendizagem,

formação pessoal e participação social.

A diversidade de situações presentes entre as crianças com deficiência múltipla é considerável, e a diferença de desenvolvimento de uma para outra ocorre influenciada pelas condições de atendimento ofertado. Dessa forma, as crianças conseguem evoluir e desenvolver seu comportamento, aprendizagem, funcionalidade no ambiente, personalidade, suas habilidades e capacidades de forma geral.

Page 118: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

108

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

A LDB/1996 prevê, em relação ao atendimento da educação especial aos sistemas de ensino, assegurados aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação:

I- currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, para atender as suas necessidades;II- terminalidade específica para aqueles que não puderem atingir o nível exigido para a conclusão do Ensino Fundamental, em virtude de suas deficiências, e aceleração para concluir em menor tempo o programa escolar para os superdotados;III- professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns;IV- educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora;V- acesso igualitário aos benefícios dos programas sociais suplementares disponíveis para o respectivo nível do ensino regular (BRASIL, 1996, s.p.).

Ainda aponta o Ensino Fundamental com nove anos de duração, com início da faixa etária dos seis anos de idade, incluindo a todas as crianças conforme acrescido no capítulo que discorre em relação à educação especial. Assim, as crianças com deficiência possuem o direito de frequentar a escola regular, salvo algumas situações referentes ao estado de comprometimento pessoal de sua deficiência.

As crianças com deficiência múltipla que estudam nas escolas regulares, em classes comuns, recebem atendimento especializado também ofertado em horário contrário às aulas, em salas de recursos. Os atendimentos servem como complementação dos conteúdos específicos que não são trabalhados em sala de aula, por atenderem exclusivamente ao aluno com deficiência múltipla, não sendo necessária a turma no geral. Outras atividades trabalhadas englobam metodologias apropriadas para conseguirem conviver com suas dificuldades, que não conseguem ser desenvolvidas em sala de aula regular (CARVALHO, 2000b).

Há crianças com deficiência múltipla que não se encontram inseridas nas turmas regulares de ensino, devido às limitações individuais associadas à sua inserção no sistema educacional, excluindo-as de uma educação integradora. A maioria das escolas não se encontra preparada para receber crianças que apresentem necessidades especiais muito diferenciadas dos demais alunos matriculados (CARVALHO, 2000b).

Nesse sentido, a falta de preparo das escolas regulares para receberem alunos com deficiência múltipla implica na frequência de crianças em classes

Page 119: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 4 | DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS SETE AOS 11 ANOS DE IDADE

109

específicas para alunos com necessidades especiais, com professor especializado e currículo adequado. Há críticas em relação a esse modelo de atendimento, quanto ao caráter segregador, mas alguns defendem essa situação, respaldados na questão de que nessas condições a criança teria uma forma parcial de integração com os demais colegas, acesso aos passeios, eventos e comemorações, atividades recreativas e outras (CARVALHO, 2000b). A LDB/1996 aponta sobre a questão de atendimento:

§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.§ 2º O atendimento educacional será feito em classes, escolas ou serviços especializados, sempre que, em função das condições específicas dos alunos, não for possível a sua integração nas classes comuns de ensino regular (BRASIL, 1996, s.p.).

Portanto, o atendimento educacional deve, preferencialmente, ser disponibilizado nas escolas regulares, e em casos da criança que apresentar condições que impossibilitem sua frequência, ser integrada em escolas ou serviços especializados. Reiteramos que não são as limitações que causam certas restrições às crianças com deficiência múltipla o imperativo maior para sua ausência na rede regular de ensino, mas sim as condições de estrutura educacional em que a escola se encontra organizada que inviabilizam o atendimento de uma clientela heterogênea. As condições estruturais físicas, educativas, curriculares e outras associadas às instituições de ensino regular não incluem a diversidade existente das crianças, o que impede a garantia da frequência nos espaços regulares de ensino.

3 ADAPTAÇÕES CURRICULARES NO ENSINO FUNDAMENTAL

As adaptações curriculares para as crianças com deficiência múltipla incluem micro ou macroalterações nos conteúdos, procedimentos didáticos e avaliativos, reestruturando formas de se alcançar os objetivos propostos para cada etapa educativa. As adaptações, segundo Carvalho (2000b), indicam algumas situações, como:

• criação de um ambiente físico, com materiais adequados às necessidades educacionais da criança;

• ampliação da comunicação com os adultos e colegas;• adequação dos métodos, técnicas e procedimentos educativos voltados

para a aprendizagem dos conteúdos;• inserção da criança em grupos que favoreçam a sua aprendizagem e

integração social;• organização da sala de aula e das atividades de modo acessível a todos

os alunos, incluindo os que apresentam necessidades especiais;• oferta de atividades complementares ou adaptadas para que os alunos

com necessidades especiais consigam alcançar os objetivos com a turma.

Page 120: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

110

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

Em relação às adaptações curriculares, Carvalho (2000b) aponta a substituição de objetivos e atividades por outros acessíveis e significativos para o aluno. Bem como, em relação ao tempo e critérios para o cumprimento dos objetivos, desenvolvimento dos conteúdos e avaliações. A adaptação curricular nem sempre atende às necessidades educativas especiais do aluno com deficiência múltipla, alguns necessitam de um currículo individual específico.

Assim, Carvalho (2000b) indica ainda outras recomendações a serem observadas no desenvolvimento da educação dos alunos com deficiência múltipla:

• apoiar no processo de desenvolvimento e aprendizagem da criança, com respeito às suas particularidades;

• estimular e valorizar a criança, interagindo de forma afetiva, favorecendo o desenvolvimento da autoestima, enfatizando suas conquistas e realizações;

• desafiar a criança para que crie, descubra e participe nas situações de aprendizagem;

• adotar o desempenho da criança como referência para as avaliações.

De acordo com Carvalho (2000b), os professores, quando avaliam as crianças com deficiência múltipla pela aparência e funcionamento, acabam se equivocando. Um dos motivos seria considerarem suas observações em relação à criança, referentes ao fato de que não falam, escrevem, locomovem ou ainda apresentam flacidez facial, e acabam imaginando outras deficiências e limitações que a criança não possui. Outro fator ainda a ser considerado seria que a aparência de algumas deficiências oculta as capacidades e habilidades que ainda não se manifestaram, muitas vezes por falta de apoio e motivação no ambiente físico e social.

Nesse sentido, a adequada avaliação da criança considera suas potencialidades e necessidades especiais, favorecendo respostas que indicam realmente seu nível de aprendizagem. Os professores, ao realizarem a adequação curricular, devem organizar as atividades que se aproximam ao proposto para o restante da turma, com ressalvas se não for de interesse para todos. Contudo, as adaptações curriculares nem sempre são necessárias para todos os momentos propostos em sala de aula ou na escola, somente para as situações que envolvem avaliações específicas em que essas crianças tenham a oferta garantida de participação no processo de ensino e aprendizagem.

Page 121: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 4 | DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS SETE AOS 11 ANOS DE IDADE

111

O livro Inclusão na prática: estratégias eficazes para a educação inclusiva, de Rossana Ramos, mostra como a escola pode se transformar no palco da educação inclusiva. Para a autora, crianças e adolescentes com deficiência – seja ela física, intelectual ou múltipla – precisam interagir com crianças e adultos sem deficiência para, assim, adquirir habilidades e algum grau de autonomia. Baseando-se em sua experiência, ela pretende desfazer mitos que rodeiam o assunto. Além disso, relata casos de alunos que superaram dificuldades e, a seu modo, desenvolveram habilidades.Uma excelente oportunidade de leitura!

DICAS

3.1 ALUNOS COM DEFICIÊNCIA AUDITIVA ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS

As crianças iniciam sua vida escolar por volta dos seis anos de idade, nas turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental e adquirem as habilidades da leitura e escrita. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais (1997) há indicações quanto à importância do aprendizado da linguagem escrita nessa fase, indicando a associação entre a aquisição da leitura com a melhora da qualidade da vida, decorrente da possibilidade de ingressarem no mundo letrado de informações.

Contudo, para as crianças que apresentam deficiência auditiva, como a surdez, há limitações na comunicação oral e escrita. Assim, há necessidade de se desenvolver nessas crianças, desde cedo, outras possibilidades de comunicação que oportunizem novos aprendizados de conhecimentos, para que consigam explorar o mundo físico e social, interagindo de forma psicoafetiva com as pessoas (CARVALHO, 2000b).

Para essas crianças é proposto o bilinguismo com o aprendizado da Língua de Sinais como primeira língua, para que consigam se comunicar socialmente. A adequação curricular para as crianças com deficiência auditiva e outras associadas incluem, segundo Carvalho (2000b):

• ações e procedimentos educativos que facilitem a comunicação e a aprendizagem dos conteúdos;

• uso de recursos materiais e tecnológicos para suas necessidades, como próteses auditivas, treinadores de fala, softwares específicos, equipamentos sonoros, recursos didáticos e adaptações de materiais e físicas;

• programas de desenvolvimento auditivo, fonoarticulatório e fala, e de ritmo;

• desenvolvimento multissensorial e outros.

Page 122: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

112

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

O professor precisa considerar as demais deficiências associadas à auditiva na criança, para que o atendimento inclua a comunicação no processo de ensino-aprendizagem. Assim, nem todas as crianças conseguem, ao final do Ensino Fundamental, terem acompanhado o programa curricular, em decorrência de suas deficiências. Porém, os sistemas educacionais devem propiciar condições para que a criança consiga desenvolver o máximo de suas habilidades e competências, incluindo o apoio de professores especializados ou de salas de recursos, quando integrados na rede regular de ensino (CARVALHO, 2000b).

3.2 ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS

As crianças com deficiência múltipla que apresentam a deficiência visual, com cegueira ou baixa visão, necessitam de atenção dos profissionais da educação, nas dificuldades relacionadas à locomoção, percepção e formação de conceitos. A aquisição das habilidades de leitura e escrita, que iniciam na faixa dos seis anos de idade, requer o aprendizado do sistema braile, para aprender as habilidades referentes à linguagem discursiva, produção e interpretação de textos (CARVALHO, 2000b).

As adaptações curriculares devem integrar ações que permitam, segundo Carvalho (2000b):

• uso de recursos materiais, técnicos e tecnológicos para o seu desenvolvimento educacional, como máquina braile, ampliações textuais, lupas, bengala longa, reglete, punção, sorobã, softwares específicos e outros;

• metodologias que facilitem a sua comunicação e aprendizagem;• adaptação de material em relevo, ampliado e transcrito para o braile;• programas que desenvolvam a orientação, mobilidade, atividades da

vida cotidiana, e outros;• desenvolvimento da aquisição do braile, aprimoramento da eficiência

visual para os alunos com baixa visão, uso do sorobã, escrita cursiva e outros;

• desenvolvimento multissensorial, relações espaciais e temporais, esquema corporal e outros.

As crianças com deficiência múltipla que apresentam associada à deficiência visual ou baixa visão nem sempre conseguirão acompanhar as demais no aprendizado dos conteúdos curriculares, organizados para cada etapa dos anos escolares. Contudo, necessitam da oportunidade de desenvolverem suas potencialidades e capacidades de forma global, com apoio especializado de professores e salas de recursos, para que tenham acesso à socialização dos saberes.

Page 123: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 4 | DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS SETE AOS 11 ANOS DE IDADE

113

3.3 ALUNOS COM DEFICIÊNCIA FÍSICA ASSOCIADA A OUTRAS DEFICIÊNCIAS

As crianças com deficiência múltipla que apresentam deficiência física associada necessitam de maior atenção por parte dos profissionais da educação, nas suas dificuldades motoras, de comunicação e locomoção, ainda nas habilidades cognitivas e de socialização. Portanto, há casos em que a criança não consegue oralizar suas impressões, ou apresenta dificuldades na emissão oral, acarretando outras dificuldades relacionadas à aquisição da leitura e escrita, bem como a forma como serão avaliadas (CARVALHO, 2000b).

A produção escrita será afetada para as crianças que não conseguem coordenar seus movimentos ou ainda executar aqueles que incidem na pressão para manusear o lápis. Nesses casos, o estímulo para o desenvolvimento da linguagem discursiva deve respeitar as dificuldades de emissão, priorizando as atividades de escuta e reflexão sobre a língua por parte da criança.

Assim, essas crianças, por não conseguirem expressar-se verbalmente ou com pouca clareza, devem ser estimuladas para utilizar a escuta como forma de desenvolvimento da linguagem, compreensão e aprendizagem. Contudo, há necessidade das adaptações motoras para que iniciem o processo de desenvolvimento das habilidades de leitura e escrita (CARVALHO, 2000b).

A adaptação curricular deverá incluir algumas situações, segundo Carvalho (2000b):

• adaptações motoras incluindo mesa e cadeiras, adaptação de cabeça e queixo, cadeiras de rodas, cintos de segurança para cintura e tórax, apontadores e outros;

• procedimentos didáticos e adaptações de materiais, como letras e palavras recortadas em cartolinas ou em blocos, softwares específicos, computador com adaptador de teclado, e outros;

• adaptações nos métodos de ensino e aprendizagem, considerando as necessidades especiais da criança, seu ritmo, desempenho e aprendizagem;

• facilitadores de comunicação como sistemas alternativos de comunicação.

No geral, nem todas as crianças com deficiência múltipla associada à deficiência física conseguirão seguir com seus estudos de forma igual ao restante da turma, nos anos do Ensino Fundamental. Contudo, os professores devem propor adaptações curriculares que permitam o desenvolvimento de suas habilidades e competências, incluindo o atendimento educacional especializado ofertado nas escolas regulares de ensino.

Page 124: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

114

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

3.4 ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL E OUTRAS DEFICIÊNCIAS ASSOCIADAS

Na criança que apresenta deficiência múltipla com deficiência intelectual associada, as dificuldades apontam para limitações cognitivas, como raciocínio lógico, compreensão e elaboração de conceitos, associações de ideias, analogias, classificações e generalizações e outros. Essas crianças possuem sérias dificuldades em acompanhar as atividades escolares, devido à complexidade do nível de suas deficiências (CARVALHO, 2000b).

Nesse sentido, o processo de escolarização para o atendimento de crianças com deficiência múltipla e deficiência intelectual associada deve apresentar uma proposta curricular que desenvolva as capacidades e habilidades dos alunos. A adaptação curricular para esses alunos deve incluir, segundo Carvalho (2000b):

• desenvolvimento das habilidades cognitivas e adaptativas;• promoção de trabalhos em grupos que favoreçam a socialização e

aprendizagem;• estimulação da comunicação, participação, da iniciativa e desempenho

do aluno;• adaptação das metodologias e materiais de ensino;• adaptação do tempo para atender ao ritmo de aprendizagem do aluno;• complementação ou substituição de objetivos e conteúdos.

O processo avaliativo deve considerar critérios e instrumentos que contemplem as capacidades e limitações individuais dos alunos, com atenção aos alunos com necessidades especiais. Igualmente, as outras situações de deficiências associadas à deficiência múltipla, essas crianças talvez não consigam acompanhar o programa curricular nos anos do ensino regular. Porém, necessitam de adaptações curriculares para que suas habilidades e capacidades sejam de fato desenvolvidas, sobretudo no atendimento educacional especializado proposto na rede de ensino regular (CARVALHO, 2000b).

3.5 ALUNOS COM MÚLTIPLA DEFICIÊNCIA SENSORIAL

Os alunos que apresentam deficiência múltipla associada a deficiências sensoriais necessitam que os profissionais da educação avaliem suas condições motoras, comunicativas, locomoção, habilidades cognitivas, relações espaciais e temporais. A pouca vivência corporal e as limitações referentes aos sentidos da visão e audição favorecem que essas crianças fiquem confinadas nos ambientes familiares, com ausência de estimulação e interação no meio físico e social (CARVALHO, 2000b).

Nesse sentido, caso a criança tenha frequentado e recebido, no decorrer da Educação Infantil, estimulação e adequadas condições para seu desenvolvimento,

Page 125: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 4 | DESENVOLVIMENTO DE CRIANÇAS DOS SETE AOS 11 ANOS DE IDADE

115

muitas das suas limitações serão evitadas quando ingressar na escola. Uma das grandes dificuldades identificadas condiz com a estrutura do esquema corporal, que quando desenvolvido precocemente favorece o desenvolvimento das capacidades psicomotoras, como a coordenação, relações espaciais, temporais, ritmo e habilidades sensoriais.

Outra situação que necessita ser analisada condiz com as dificuldades de comunicação que esses alunos apresentam, necessitando de sistemas alternativos ou ampliados para comunicação. Alternativas que incidem no aprendizado oral e de sinais, gestual, da leitura e escrita, de elementos representativos, como desenhos, gravuras e outros. Para a deficiência visual uma alternativa seria o aprendizado do braile ou ampliação textual, e na deficiência auditiva, o aprendizado da Língua de Sinais (CARVALHO, 2000b).

As pessoas com deficiência múltipla sensorial que apresentam associadas deficiência visual e auditiva têm dificuldades de comunicação. Assim, para que aprendam uma forma de comunicação, são utilizados instrumentos semelhantes à surdo-cegueira, como o guia-intérprete.

O guia-intérprete é o profissional que domina diversas formas de comunicação utilizadas pelas pessoas com surdo-cegueira, podendo fazer interpretação ou transliteração. A primeira situação (interpretação) ocorre quando o guia-intérprete recebe a mensagem em uma língua e deve transmiti-la em outra língua, por exemplo, nos momentos em que recebe (ouve) a mensagem em língua oral – Português, no caso do Brasil – e a transmite em Libras tátil. Já a transliteração ocorre quando o guia-intérprete recebe a mensagem em uma determinada língua e transmite à pessoa surdo-cega na mesma língua, porém usa uma forma de língua(gem) diferente, que lhe é acessível. Um exemplo disso ocorre quando o guia-intérprete recebe a mensagem em Língua Portuguesa e a transmite em braile (ALMEIDA, 2015, p. 179).

Para compreender as necessidades de uma criança que apresenta a deficiência auditiva e visual associada não há como considerar a soma dessas deficiências. Sendo que existem particularidades de cada condição que devem ser analisadas isoladamente, incluindo a condição de que as circunstâncias individuais são diferenciadas e peculiares a cada caso, dependendo da estimulação do contexto familiar e social (CARVALHO, 2000b).

Nesse sentido, as adaptações curriculares para esses alunos devem contemplar, segundo Carvalho (2000b):

• incentivo à comunicação e desenvolvimento das relações interpessoais;• uso de materiais e procedimentos pedagógicos adequados às

necessidades especiais;• desenvolver a motivação e a iniciativa de interação no meio físico e

social;• uso de órteses, próteses e equipamentos especializados;

Page 126: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

116

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

• desenvolvimento de sistemas alternativos e ampliados de comunicação de acordo com as necessidades das crianças;

• estímulo e encorajamento nas realizações dos alunos;• estimulação multissensorial e psicomotora;• desenvolvimento de formas de locomoção, orientação e mobilidade;• aperfeiçoamento da visão e audição residuais; • treinamento auditivo e rítmico;• desenvolvimento de atividades que envolvam a vida cotidiana.

Nos casos de alunos com deficiência sensorial, uma boa parte não consegue concluir as etapas de escolarização. Contudo, todos possuem o direito à frequência e às oportunidades educacionais que desenvolvem suas habilidades e capacidades, incluindo as relacionadas à interação no meio físico e social.

Page 127: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

117

RESUMO DO TÓPICO 4

Neste tópico, você aprendeu que:

• As crianças com deficiência se assemelham às outras crianças na vontade e avidez de frequentarem a escola, para aprenderem os conhecimentos escolares.

• As crianças com deficiência múltipla, quando recebem atenção diferenciada dos seus colegas, podem manifestar a redução nas interações com o ambiente e as situações interpessoais.

• O surgimento das dificuldades apontadas ocorre, fundamentalmente, em decorrência das limitações impostas no ambiente social.

• A diversidade de situações presentes entre as crianças com deficiência múltipla é considerável, e a diferença de desenvolvimento de uma para outra ocorre influenciada pelas condições de atendimento ofertado.

• Assim, as crianças com deficiência possuem o direito de frequentarem a escola regular, salvo algumas situações referentes ao estado de comprometimento pessoal de sua deficiência.

• Há crianças com deficiência múltipla que não se encontram inseridas nas turmas regulares de ensino, devido às limitações individuais associadas à sua inserção no sistema educacional, excluindo-as de uma educação integradora.

• Nesse sentido, a falta de preparo das escolas regulares para receberem alunos com deficiência múltipla implica na frequência dessas crianças em classes específicas para alunos com necessidades especiais, com professor especializado e currículo adequado.

• As adaptações curriculares para as crianças com deficiência múltipla incluem micro ou macroalterações nos conteúdos, procedimentos didáticos e avaliativos, reestruturando formas de se alcançar os objetivos propostos para cada etapa educativa.

• Para as crianças que apresentam deficiência auditiva, como a surdez, há limitações na comunicação oral e escrita. Assim, há necessidade de se desenvolver nessas crianças, desde cedo, outras possibilidades de comunicação que oportunizem novos aprendizados de conhecimentos, para que consigam explorar o mundo físico e social, interagindo de forma psicoafetiva com as pessoas.

Page 128: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

118

• As crianças com deficiência múltipla que apresentam a deficiência visual, com cegueira ou baixa visão, necessitam de atenção dos profissionais da educação, nas dificuldades relacionadas à locomoção, percepção e formação de conceitos.

• As crianças com deficiência múltipla que apresentam deficiência física associada necessitam de maior atenção por parte dos profissionais da educação, nas suas dificuldades motoras, de comunicação e locomoção, ainda nas habilidades cognitivas e de socialização.

• Na criança que apresenta deficiência múltipla com deficiência intelectual associada, as dificuldades apontam para limitações cognitivas, como raciocínio lógico, compreensão e elaboração de conceitos, associações de ideias, analogias, classificações e generalizações e outros.

• Os alunos que apresentam deficiência múltipla associada a deficiências sensoriais necessitam que os profissionais da educação avaliem suas condições motoras, comunicativas, locomoção, habilidades cognitivas, relações espaciais e temporais.

Page 129: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

119

1 As crianças com deficiência múltipla que não recebem atenção diferenciada ou atendimento especializado para desenvolverem suas potencialidades acabam manifestando redução nas interações no ambiente social. Analise as dificuldades que as crianças com deficiência múltipla podem apresentar relacionadas à situação orgânica.

a) ( ) São decorrentes da associação de síndromes ou quadros clínicos mentais, neurológicos, motores, sensoriais, que interferem no funcionamento orgânico e vitalidade da criança.

b) ( ) São associados a situações oriundas do meio que interferem na forma de interpretação dessas crianças, das situações e vivências que não conseguem compreender.

c) ( ) São comuns em crianças que apresentam associadas a deficiência intelectual, visual e auditiva, que impossibilitam a comunicação com o mundo exterior, causando o isolamento.

d) ( ) São frequentes em deficiências auditivas e motoras associadas ou isoladas, que dificultam a comunicação da criança, necessitando de outros recursos, incluindo o aprendizado da Língua de Sinais.

2 As crianças com deficiência múltipla apresentam situações variadas de desenvolvimento conforme as condições de atendimento ofertado. Assim, algumas conseguem evoluir e desenvolver seu comportamento, aprendizagem, funcionalidade, habilidades e competências a mais que outras. Analise e descreva sobre o atendimento da educação especial nos sistemas de ensino segundo o prescrito na LDB/96.

AUTOATIVIDADE

Page 130: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

120

Page 131: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

121

TÓPICO 5

DESENVOLVIMENTO DE ADOLESCENTES

UNIDADE 2

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, estudaremos uma fase do desenvolvimento caracterizado pelas mudanças físicas e psicossociais que ocorrem nos jovens, formando sua identidade pessoal e social. De forma geral, os adolescentes necessitam do apoio dos familiares e educadores para conseguirem compreender seus conflitos.

De igual modo, os adolescentes que apresentam deficiência múltipla

vivenciam as mesmas manifestações físicas e os conflitos psicossociais, assim como os demais de sua idade. Compreenderemos as situações que permeiam as características dessa fase na vida dos adolescentes com as especificidades que permeiam a vida escolar.

Por fim, conheceremos sobre a oferta de Oficinas Pedagógicas para os alunos com deficiência intelectual e múltipla, em escolas especiais governamentais ou privadas; e a possível migração do aluno para os cursos de qualificação profissional, segundo as habilidades básicas, específica e de gestão.

2 O DESENVOLVIMENTO DOS ADOLESCENTES COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

A adolescência se caracteriza por uma fase de mudanças físicas e psicossociais intensas em relação à formação de identidade pessoal e social. Nesse período ocorrem a reestruturação de atitudes e valores, desinteresses e motivações, alterações que influenciarão a construção da sua personalidade. Para superar os desafios, os jovens necessitam, por parte dos familiares e educadores, um certo grau de compreensão, principalmente em meio aos conflitos e particularidades vivenciadas (CARVALHO, 2000b).

Dessa forma, os adolescentes, de forma geral, vivenciam essa fase da vida com suas diferenças individuais e a interferência dos fatores socioculturais, incluindo aqueles que apresentam deficiências, ou seja, todos os jovens vivenciam uma estrutura similar de inteligência, desenvolvimento e padrões de reações do processo de ensino e aprendizagem de acordo com o nível de motivação, capacidades ou limitações existentes em cada ser.

A deficiência múltipla se caracteriza por etiologias orgânicas, que afetam de forma diferenciada a saúde e o funcionamento das pessoas, em níveis e amplitudes

Page 132: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

122

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

variadas que incidem na interação com o meio físico e social. Os adolescentes vivenciam as mesmas manifestações físicas e os conflitos psicossociais que os demais jovens de sua idade, sobretudo com suas particularidades agravadas pelas deficiências que apresentam (CARVALHO, 2000b).

Assim, as capacidades e limitações dos adolescentes com deficiência múltipla são influenciadas por fatores individuais e sociais, que Carvalho (2000b) as destaca:

• condições físicas, intelectuais, afetivo-emocionais e de saúde;• aquisição das habilidades adaptativas;• intensidade das vivências ambientais;• apoio familiar e social;• expectativas pessoais, familiares e socioculturais;• assistência à saúde;• acesso à educação adequada;• qualidade das relações interpessoais na família, escola e comunidade.

No adolescente com deficiência múltipla algumas dificuldades podem surgir referentes à definição de sua imagem corporal, psicologicamente, principalmente em relação ao crescimento físico e das mudanças hormonais. Nessa fase, as questões referentes à estética e funcionamento do corpo expressam importância na formação do autoconceito e autoaceitação. A participação dos outros nesse processo de elaboração influencia a formação dos conceitos, incluindo os considerados mais próximos, como a família, amigos, professores e outros que convivem cotidianamente (CARVALHO, 2000b).

Na fase da adolescência, segundo Carvalho (2000b), os jovens devem ser estimulados a:

• aceitar as suas deficiências sem exagerarem nas características ou negarem sua existência;

• incentivar e encorajar a sua participação na vida familiar e comunitária, auxiliando o adolescente a vivenciar os sentimentos de pertencimento e integração a esses grupos sociais;

• contribuir para a superação de possíveis sentimentos relacionados à inferioridade e autodesvalorização;

• criar situações de participação para que obtenham sucesso nas suas realizações;

• ofertar apoio moral, físico, material, profissional, espiritual e outros que sejam necessários;

• favorecer a aquisição e desenvolvimento de habilidades adaptativas de inclusão da pessoa no ambiente físico e social;

• compreender e respeitar as fases evolutivas da pessoa com deficiência, principalmente em relação ao seu ritmo de desenvolvimento;

• evidenciar as potencialidades, habilidades, criatividade, independência e iniciativa pessoal;

Page 133: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 5 | DESENVOLVIMENTO DE ADOLESCENTES

123

• propiciar o desenvolvimento e as experiências relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem;

• manifestar sentimentos de afeto, amizade e solidariedade;• incentivar as capacidades e potencialidades da pessoa com deficiência,

inclusive a criação de metas e aspirações.

De acordo com Carvalho (2000b), algumas ações devem ser evitadas no convívio com os jovens que apresentam deficiências múltiplas, como:

• sentimentos de rejeição ou piedade;• atitudes de superproteção e excessivos cuidados;• infantilizar o jovem com apoio exagerado e desnecessário para sua fase

de desenvolvimento;• confundir as limitações com incompetência generalizada ao realizar

algo;• superestimar as enfermidades e as indisposições físicas;• revelar atitudes de desespero, desânimo e descrença no desenvolvimento

da pessoa com deficiência;• demonstrar excessiva expectativa, impaciência e intolerância;• medo de que a pessoa com deficiência experimente tarefas ou situações

novas;• dependência para solucionar os problemas;• comparar com o desempenho e as realizações de outras pessoas;• expor a pessoa com deficiência a situações em que irá fracassar,

experiências negativas e frustrações desnecessárias.

As recomendações servem para que alguns aspectos sejam observados no modo de agir com a pessoa que apresenta as deficiências, para facilitar a convivência e melhorar sua qualidade de vida. Alguns itens referentes ao desenvolvimento das emoções e sentimentos se encontram presentes ao longo da vida dos jovens, evidenciando as áreas fragilizadas de percepção física e social. Desse modo, os familiares, profissionais da educação, colegas, no geral, necessitam de atenção na convivência com essas pessoas, principalmente na forma como se relacionam, as expressões orais, faciais de ânimo ou desânimo que imprimem nos diálogos em conjunto com o deficiente.

3 OFICINAS PEDAGÓGICAS E O INGRESSO NO MUNDO DO TRABALHO

As pessoas que apresentam deficiência múltipla ainda possuem acesso restrito à educação e às oportunidades profissionais, decorrente do entendimento equivocado de que as suas deficiências incapacitam para o trabalho. A Lei 8.213, de 24 de julho de 1991, dispõe sobre a finalidade e os princípios básicos da Previdência Social, na seção VI, dos Serviços, na subseção II, da Habilitação e da Reabilitação Profissional, quando aponta a habilitação e a reabilitação profissional

Page 134: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

124

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

e social para os beneficiários incapacitados parcial ou totalmente ao trabalho, incluindo as pessoas com deficiência, aos meios para a (re)educação e de (re)adaptação profissional e social para atuarem no mercado de trabalho.

Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas [...] de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:I- até 200 empregados....................................................................2%;II- de 201 a 500...............................................................................3%;III- de 501 a 1.000...........................................................................4%; IV- de 1.001 em diante. ..................................................................5%.

A Lei 8.213/91 assegura a possibilidade de contratação de pessoas com deficiência, desde que habilitadas ao mercado de trabalho, segundo as cotas representadas em porcentagens, que variam de 2% a 5%, dependendo da quantia de funcionários. No artigo 59 da LDB/96 os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação:

IV- educação especial para o trabalho, visando a sua efetiva integração na vida em sociedade, inclusive condições adequadas para os que não revelarem capacidade de inserção no trabalho competitivo, mediante articulação com os órgãos oficiais afins, bem como para aqueles que apresentam uma habilidade superior nas áreas artística, intelectual ou psicomotora (BRASIL, 1996, s.p.).

Para tanto, há a oferta de oficinas pedagógicas para alunos com deficiência intelectual e múltipla, com início a partir dos 14 anos de idade, em escolas especiais governamentais ou privadas. O tempo de permanência nas oficinas dependerá da avaliação realizada pela equipe interprofissional que atuará nas turmas. Assim, a migração do aluno que frequentou a oficina pedagógica para os cursos de qualificação profissional será com base no seu desenvolvimento, segundo as habilidades básicas, específicas e de gestão (VIEGAS; CARNEIRO, 2003).

Page 135: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 5 | DESENVOLVIMENTO DE ADOLESCENTES

125

FIGURA 6 – COMPONENTES REFERENTES AOS PCNS DO ENSINO FUNDAMENTAL

FONTE: Adaptado de Viegas e Carneiro (2003)

Contudo, as habilidades específicas são construídas de acordo com a realidade de cada aluno, e cabe ao professor avaliar as limitações e potencialidades individualmente. Desta forma, as atividades são propostas com base no desenvolvimento integrado de habilidades básicas, específicas e de gestão, voltadas para o mercado de trabalho (VIEGAS; CARNEIRO, 2003).

FIGURA 7 – ALUNOS NA OFICINA PEDAGÓGICA

FONTE: Disponível em: <http://www.aril.com.br/blog/wp-content/gallery/programa-atividades-da-vida-adulta/oficina-pedagogica.jpg>; <http://www.lmc.org.br/wp-content/uploads/2014/04/oficina-pedagógica-17.jpg>. Acesso em: 4 jul. 2018.

Page 136: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

126

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

A qualificação profissional ficará a cargo de órgãos do respectivo sistema, incluindo as Escolas da Rede Federal de Educação Tecnológica, da Rede Estadual ou do Sistema "S" – SENAI, SESI, SENAC e outros. Os alunos que frequentarem as oficinas pedagógicas deverão cumprir uma carga horária diária de oito horas, constituídas em quatro horas com atividades acadêmicas e as outras quatro horas na preparação para o mundo do trabalho. Nas oficinas pedagógicas as atividades consideram os aspectos positivos dos alunos, trabalhando as noções de autoconceito, autoestima, autoconfiança e experiência de construir soluções (VIEGAS; CARNEIRO, 2003).

FIGURA 8 – NOÇÕES DESENVOLVIDAS NAS OFICINAS PEDAGÓGICAS

FONTE: Adaptado de Viegas e Carneiro (2003)

Para organizar as oficinas pedagógicas, Viegas e Carneiro (2003) enfatizam a necessidade de elaboração de uma proposta pedagógica que desenvolva as competências dos alunos. A competência envolve o domínio de quatro pilares que fundamentam a educação, norteando os fazeres educativos.

FIGURA 9 – PILARES QUE FUNDAMENTAM A EDUCAÇÃO

FONTE: Adaptado de Viegas e Carneiro (2003)

Page 137: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 5 | DESENVOLVIMENTO DE ADOLESCENTES

127

O aprender a conhecer, no exercício do pensamento, atenção, percepção, ações necessárias para contextualizar as informações e conseguir comunicá-las. Aprender a fazer seria em saber, na prática, os conhecimentos significativos na realização dos trabalhos, enfatizando a educação profissional, transformando o conhecimento em novos empreendimentos. O aprender a ser, no preparo do aluno de forma integral, intelectual e moral, para que saiba agir sozinho e corretamente nas diferentes situações. Por fim, aprender a conviver sabendo estar com os outros, respeitando as diferenças, convivendo com a diversidade, aprendendo junto e desenvolvendo projetos cooperativos para alcançar objetivos comuns.

Para Viegas e Carneiro (2003), as situações pedagógicas devem se relacionar com as perspectivas individuais dos alunos, as condições do sistema educacional e com a diversidade da população escolar. Dessa forma, a eficiência da proposta será significativa para o projeto escolar, profissional e pessoal dos alunos com deficiência múltipla. Desde que recebam o estímulo, consigam desenvolver suas capacidades e habilidades, transcendendo as limitações impostas pelas deficiências.

Assista à entrevista realizada no Programa Futura com Joaquim Travassos Leite, auditor fiscal do Trabalho e coordenador do projeto de inserção de pessoas com deficiência no mercado de trabalho da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego do Rio de Janeiro. Saiba como está a inclusão dos portadores de necessidades especiais no mercado de trabalho. Atualmente, toda empresa com mais de 100 empregados tem obrigação legal de contratar uma Pessoa com Deficiência (PcD), porém, os índices de desemprego entre essas pessoas ainda são altos. Como esta regulamentação é fiscalizada? Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=-z7xgJveJOo

DICAS

Page 138: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

128

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

LEITURA COMPLEMENTAR

A EXPERIÊNCIA PERCEPTIVA É O SOLO DO CONHECIMENTO DE PESSOAS COM E SEM DEFICIÊNCIAS SENSORIAIS

Elcie F. Salzano Masini

Merleau-Ponty considera o sujeito no mundo como corpo no mundo. O sujeito da percepção é o corpo e não mais a consciência concebida separadamente da experiência vivida, consciência da qual provém o conhecimento. O corpo é, então, visto como fonte de sentidos, isto é, de significação da relação do sujeito no mundo; sujeito visto na totalidade, na sua estrutura de relações com as coisas ao seu redor. Ao falar da percepção, esse filósofo chama a atenção principalmente para o fato de que o que é percebido por uma pessoa (fenômeno) acontece num campo do qual ela faz parte; a identidade do mundo percebido vai ocorrendo através das suas próprias perspectivas e vai se construindo em movimentos de retomada do passado e abertura para o futuro, sempre sendo possíveis novas perspectivas.

Para compreender a percepção é necessário considerar o sujeito da percepção e saber de sua experiência perceptiva. Neste sentido, diz-se que as coisas "se pensam" em cada pessoa, porque não é um pensar intelectual, no sentido de funcionamento de um sistema, mas sim do saber de si ao saber do objeto, já que, ao entrar em contato com o objeto, o sujeito entra em contato consigo mesmo. “A coisa e o mundo são dados como partes do meu corpo, não por sua 'geometria natural', mas sim numa conexão comparável, ou mais certamente idêntica àquela que existe entre as partes do meu corpo” (MERLEAU-PONTY, 1971, p. 212).

A característica marcante deste enfoque está na ênfase dada ao corpo. O esforço desse autor foi o de mostrar que a relação no mundo é corporal e sempre significativa.

Cada um de nós está cercado de objetos que têm a marca humana e que constituem os objetos culturais. O primeiro objeto cultural é o corpo do outro como portador de uma experiência humana, o lugar de uma certa elaboração, de um certo horizonte. Através de seu corpo vivo, que tem a mesma estrutura do meu, sei que é como o outro se serve de objetos familiares de um mesmo mundo físico e cultural do qual compartilhamos. Ao considerar o Sujeito no mundo como corpo no mundo – corpo que sente, que sabe, que compreende –, Merleau-Ponty assinala a importância da experiência perceptiva e ensina que o conhecimento emerge do saber latente que ocorre no corpo próprio.

A experiência perceptiva (que é corporal) surge da relação dinâmica do corpo como um sistema de forças no mundo e não da associação que vem dos órgãos dos sentidos. Assim, o corpo é visto numa totalidade, na sua estrutura de relação com as coisas ao seu redor – como uma fonte de sentidos.

Page 139: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 5 | DESENVOLVIMENTO DE ADOLESCENTES

129

Merleau-Ponty, ao tomar a percepção como solo originário do conhecimento – percepção que se dá no corpo, nas relações de significação com o que se dá ao seu derredor – aponta um caminho para se saber da pessoa com deficiência. Ele se refere aos conteúdos particulares (a especificidade) e às formas de percepção (a generalidade). Os conteúdos são os dados sensoriais (visão, tato, audição) e a forma, a organização total desses dados, que é fornecida pela função simbólica. Há uma dialética entre conteúdo e forma: não se pode organizar nada se não houver dados, mas estes, quando fragmentados (dissociados da função simbólica), de nada adiantam.

Para compreender a pessoa com deficiência e sua maneira de se relacionar no mundo que a cerca, cumpre considerar sempre suas estruturas perceptual e cognitiva, que exprimem ao mesmo tempo generalidade e especificidade (o conteúdo, a forma e a dialética entre ambas). O ponto de partida é, pois, saber de sua experiência perceptiva.

Uma criança, por exemplo, que nunca enxergou, tem uma experiência perceptiva diferente daquela que ficou cega nos primeiros anos de vida. Da mesma forma, uma criança que desde a gestação nunca recebeu informações sonoras tem uma experiência perceptiva diferente daquela que ficou surda aos dois ou três anos. Cada uma delas foi percebendo e conhecendo o mundo através de suas experiências pelos sentidos de que dispunha. As descrições de Hellen Keller, que perdeu a visão e a audição aos 18 meses, sobre o dia a dia de sua vida, ilustram, nas suas experiências, suas vias perceptivas.

Distraía-me seguindo as cercas de bucho com as mãos, para colher os primeiros lírios e violetas desabrochadas que eu descobria apenas com o olfato [...]. De repente, meus dedos encontravam uma planta que eu reconhecia pelas folhas e flores... percebia quando mamãe e titia iam sair, pegando nos seus vestidos [...] [...] Pela vibração a pancada da porta fechando, e por outras vibrações indeterminadas, percebia que chegara visita (HELLEN KELLER, 1939, p. 14).

Os dados do tato, do olfato e da audição, que compunham a experiência perceptiva de Hellen Keller, eram organizados e iam-na ajudando a ter conhecimento do seu próprio mundo, no qual ia construindo sua identidade.

Questões que dizem respeito à experiência, à percepção e ao conhecimento do mundo, na ausência de um dos sentidos de distância, têm sido retomadas por psicólogos (ORMELEZI, 2000), educadores (SALOMON, 2000), neurologistas (RODRIGUES,1993), oftalmologistas (VEITZMAN, 2002), fonoaudiólogos (MOURA,1993) e foniatras (SPINELLI, 2002), em atendimentos e pesquisas. Têm eles evidenciado que a ausência, a recuperação ou a perda de um dos sentidos envolvem um conjunto de processos complexos. Como ilustração, vale retomar a concepção espacial para a pessoa cega, na qual estão envolvidos muito mais do que fatores perceptivo-cognitivos, enquanto fisiológicos, pois dizem respeito a como a pessoa percebe e constrói seu próprio mundo, como evidenciam os dados a seguir.

Page 140: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

130

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

De acordo com investigações de Ochaita, a concepção de espaço pelo cego é organizada por meio de referencial temporal.

“Assim é possível que os que nasceram cegos cheguem a conhecer o espaço projetivo mediante consideração às relações euclidianas ou métricas e que, desse modo, sua compreensão da perspectiva seja de caráter fundamentalmente temporal, tal como afirmava Drumond em 1975” (OCHAITA, 1984, p. 102).

A recuperação da visão por parte de uma pessoa adulta exigirá mudança desse referencial temporal-sequencial para outro, visual-espacial. Isso envolve uma reorganização ampla de sua forma de estar no mundo, que é registrada, inclusive, neurologicamente, conforme afirma Sacks (1997, p. 153): “É de se suspeitar que as partes táteis e auditivas do córtex são alargadas nos cegos, e podem até se expandir para o que normalmente é o córtex visual, o córtex de um adulto cego já se tornou altamente adaptado a percepções organizadas no tempo e não no espaço”.

Essa afirmação reitera a complexidade envolvida na reorganização de uma pessoa, quando ocorre perda ou reaquisição do sentido da visão, e convida a pensar nas condições requeridas para a sua reabilitação. Retomar as histórias de pessoas deficientes sensoriais – de sua infância, de seu aprendizado, de suas relações, de suas descobertas e de suas dificuldades – é uma forma de tomar contato e refletir sobre as condições para seu desenvolvimento e suas readaptações. Suas histórias poderão apontar outros potenciais a serem explorados, cabendo às áreas de conhecimento investigar como poderão contribuir nesse sentido. Os excertos apresentados a seguir, retirados do depoimento de Elizabeth Sá (2002), ilustram o que ficou dito.

[...] A perda cada vez mais acentuada da visão alterava a rotina da família e repercutia na escola e em outros espaços sociais. Apesar das restrições e de um percurso escolar sinuoso, eu gostava de estudar e não queria abrir mão de minhas aspirações... tomei conhecimento do prenúncio de cegueira [...] decidi aprender o manejo da bengala e a ler e escrever por meio do sistema braile. O meu percurso profissional tal como o acadêmico é um incessante exercício de versatilidade... Troquei a máquina de datilografia pelo computador, utilizo leitores de tela com síntese de voz como meios de acesso à leitura, escrita e à informação em geral, o que possibilita acionar o correio eletrônico e navegar na internet de forma autônoma [...] (SÁ, 2002, passim).

Outro ponto que cabe retomar de Merleau-Ponty (1971) refere-se à importância da linguagem dentre os objetos culturais: na experiência do diálogo, quando se parte da experiência perceptiva, em que se fala da imersão do sujeito no mundo, a ação surge sempre como um movimento significativo e intencional num campo de articulação de sentidos. Cada um libera e amplia os significados do outro, trazendo nova dimensão ao que é percebido do mundo. A ênfase na

Page 141: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 5 | DESENVOLVIMENTO DE ADOLESCENTES

131

importância cultural da linguagem leva a perguntar como ocorre o diálogo com a pessoa surda. Sobre essa questão serão retomados alguns dados do dia a dia daquele que não dispõe do sentido da audição. Como ilustra Fonseca, psicanalista que atende deficientes auditivos, o bebê, desde a gestação está em situação diferente daqueles que ouvem, como se pode ler a seguir:

1. o bebê não teve oportunidade de registrar os sons (principalmente a voz da mãe) em seu ambiente intrauterino [...] 2. o bebê não pode ouvir sua própria voz, apesar de perceber que faz esforços para a emissão [...] 3. o bebê não recebe o banho sonoro da fala dos pais [...] 4. a comunicação entre pais ouvintes e uma criança cuja deficiência auditiva ainda não foi diagnosticada é altamente apoiada em elementos sonoros [...] 5. ouvir a voz da mãe é um meio de estar certo de sua presença, apesar de não estar próxima fisicamente [...] 6. estando mais sujeito a quebras de continuidade da presença materna... consequências podem ocorrer [...] (FONSECA, 2001, p. 43-44).

Essas afirmações reiteram que a experiência perceptiva da criança surda, ou com deficiência auditiva, resulta de uma organização dos dados provenientes do senso tátil, cinestésico, visual e olfativo. Sem a audição, como poderia ocorrer o diálogo com essa criança? Retomando a afirmação de Merleau-Ponty (1971, p. 143) “O sujeito penetra no objeto pela percepção e através de seu corpo o objeto regula diretamente seus sentimentos...”, pode-se afirmar que o ponto de partida para o diálogo com essa criança é a atenção ao que ela manifesta: gestos, expressões e atitudes do seu corpo no mundo onde está imersa. Cada órgão dos sentidos interroga o objeto à sua maneira. A criança surda dirige e passeia o olhar para saber sobre as pessoas e objetos que a rodeiam de modo diferente da criança que dispõe da visão e também da audição. A visão nada seria para a criança surda, se não fosse um certo uso que ela faz do olhar. O seu estilo de fixar, contemplar, perscrutar, comparar vai revelando novos aspectos dos objetos e do seu próprio corpo, ao encontrar diferentes maneiras de explorá-los, compondo sua experiência perceptiva. A atenção a suas manifestações por parte dos pais ou de outro cuidador poderá indicar suas formas de participação, ou de ausências de participação, que revelam suas vias de percepção e suas experiências perceptivas. Essa atitude, propícia à experiência do diálogo, evidencia disposição para a busca dos meios apropriados para que a comunicação com a criança possa ter seu ponto de partida.

O que está sendo enfatizado, sempre, é a importância do contato, no mundo que este ser precisa ter, com pessoas e objetos, por meio dos sentidos de que dispõe, sempre em interação e nunca separado, apenas como um espectador. Essa atitude Merleau-Ponty denomina frequentação ingênua do mundo, que ocorre quando uma percepção guarda todas as relevâncias corporais, pois, como afirma esse filósofo, “meu corpo é a textura comum de todos os objetos e ele é, pelo menos em relação ao mundo percebido, o instrumento geral de minha compreensão” (MERLEAU-PONTY, 1971, p. 224).

Page 142: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

132

UNIDADE 2 | CARACTERÍSTICAS E DESENVOLVIMENTO DA INFÂNCIA À ADOLESCÊNCIA

Em vários momentos de sua obra o filósofo reitera, também, que é a frequentação ingênua do mundo que torna possível a reflexão, pois o mundo está aí antes de qualquer análise: “só me foi dado chamar o mundo e os outros a mim e tomar conhecimento da reflexão, porque desde o início estava fora de mim, junto aos outros, sendo que a todo momento essa experiência vem alimentar minha reflexão” (MERLEAU-PONTY, 1971, p. 56).

É, pois, da reflexão sobre o vivido e da atenção à experiência perceptiva que emergem os significados da pessoa no mundo. Assim, por exemplo, a reflexão da criança com deficiência visual surge da sua experiência de habitar o mundo por meio de sua apalpação tátil, em que interroga o objeto de forma mais próxima do que se o fizesse com o olhar. A velocidade e a direção de suas mãos é que a farão sentir as texturas do liso e do rugoso, a temperatura fria ou quente, o ar mais abafado quando se aproxima de uma parede, acompanhado pela alteração de sua voz ouvida e sua voz articulada, que se altera frente a um obstáculo ou em ambiente aberto. Essas percepções de tatear, que ocorrem com seus movimentos de mãos e dedos, de articular a voz, de ouvir, de sua comunicação e de sua locomoção no espaço estão unidas no seu corpo, no mundo, e compreendidas pela reflexão sobre cada uma dessas experiências.

Merleau-Ponty mostra que essa unidade de reflexão não é soma ou resultado, mas que é preciso sentir de alguma maneira para poder pensar, e que todo o pensamento advém de uma carne. Assim, para poder saber da criança com deficiência sensorial-visual, auditiva, ou surdo-cegueira é necessário aproximar-se de seu corpo e da experiência que ela tem através dos sentidos de que dispõe, de maneira total e não fragmentada. O corpo próprio de cada um está no mundo – o surdo olha todas as coisas e também pode olhar a si mesmo, toca as coisas e toca-se tateante; da mesma forma, o cego ouve o que o cerca e se ouve também, é sensível à temperatura e vibrações do que o cerca e de si mesmo – tem suas experiências sintetizando, o que ficou dito, e retomando o título desta comunicação pode-se afirmar: A Experiência Perceptiva é o Solo do Conhecimento.

FONTE: Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/pe/v8n1/v8n1a06.pdf>. Acesso em: 4 jul. 2018.

Page 143: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

133

RESUMO DO TÓPICO 5

Neste tópico, você aprendeu que:

• A adolescência se caracteriza por uma fase de mudanças físicas e psicossociais intensas em relação à formação de identidade pessoal e social. Nesse período ocorre a reestruturação de atitudes e valores, desinteresses e motivações, alterações que influenciarão a construção da sua personalidade.

• A deficiência múltipla se caracteriza por etiologias orgânicas que afetam de forma diferenciada a saúde e o funcionamento das pessoas, em níveis e amplitudes variadas que incidem na interação com o meio físico e social.

• No adolescente com deficiência múltipla algumas dificuldades podem surgir referentes à definição de sua imagem corporal, psicologicamente, principalmente em relação ao crescimento físico e às mudanças hormonais.

• As pessoas que apresentam deficiência múltipla ainda possuem acesso restrito à educação e às oportunidades profissionais, muitas vezes decorrentes do entendimento equivocado de que as suas deficiências incapacitam para o trabalho.

• A oferta de oficinas pedagógicas para alunos com deficiência intelectual e múltipla, com início a partir dos 14 anos de idade, em escolas especiais governamentais ou privadas. O tempo de permanência nas oficinas dependerá da avaliação realizada pela equipe interprofissional que atuará nas turmas.

• A qualificação profissional ficará a cargo de órgãos do respectivo sistema incluindo as Escolas da Rede Federal de Educação Tecnológica, da Rede Estadual ou do Sistema "S" – SENAI, SESI, SENAC e outros.

• Nas oficinas pedagógicas as atividades consideram os aspectos positivos dos alunos, trabalhando as noções de autoconceito, autoestima, autoconfiança e experiência de construir soluções.

• As situações pedagógicas devem se relacionar com as perspectivas individuais dos alunos, as condições do sistema educacional e com a diversidade da população escolar.

Page 144: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

134

1 A adolescência consiste numa fase do desenvolvimento que se expressa por meio das mudanças físicas e psicossociais intensas, um período de formação de identidade pessoal e social. Nessa fase também ocorre a reestruturação de atitudes e valores, alterações que influenciarão a construção de sua personalidade.

Considerando as dificuldades que o adolescente com deficiência múltipla pode vivenciar, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas.

I- Algumas dúvidas podem surgir em relação à definição de sua imagem corporal, psicologicamente, principalmente a respeito do crescimento físico e das mudanças hormonais.

PORQUEII- Nessa fase, as mudanças que incluem a estética e funcionamento do corpo

influenciam na formação do autoconceito e autoaceitação, que mais ocorre nos jovens com deficiência.

Assinale a alternativa que apresenta a resposta correta:a) ( ) As duas afirmações são verdadeiras e estabelecem relação entre si.b) ( ) As duas afirmações são verdadeiras, porém não estabelecem relação entre

si.c) ( ) A primeira afirmação é verdadeira, e a segunda afirmação é falsa.d) ( ) A primeira afirmação é falsa, e a segunda afirmação é verdadeira.

2 As oficinas pedagógicas destinadas para alunos com deficiência intelectual e múltipla incluem os jovens a partir dos 14 anos de idade, com oferta em escolas especiais públicas e privadas. O tempo de permanência nas oficinas dependerá da avaliação pela equipe interprofissional, que indicará, posteriormente, para os cursos de qualificação. Reflita e descreva as características dos componentes referentes ao PCN do Ensino Fundamental, segundo as habilidades básicas, específica e de gestão.

AUTOATIVIDADE

Page 145: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

135

UNIDADE 3

DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM

PLANO DE ESTUDOS

A partir desta unidade você será capaz de:

• compreender como ocorrem os processos cerebrais com relação ao proces-so de ensino e aprendizagem;

• conhecer os conceitos sobre neuroplasticidade e sua associação com as le-sões cerebrais;

• relacionar a afetividade com o desenvolvimento da cognição;

• refletir sobre a organização de uma escola que contemple a diversidade e preconize a qualidade em educação;

• conhecer a proposta de trabalho educativa baseada nos projetos pedagó-gicos;

• entender como se constituem as tecnologias assistivas e a adaptação de objetos e recursos.

Esta unidade está dividida em três tópicos. No decorrer da unidade você en-contrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado.

TÓPICO 1 – PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM PARA O DE-SENVOLVIMENTO COGNITIVO E AFETIVO

TÓPICO 2 – INTEGRAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA NO PROCESSO EDUCACIONAL

TÓPICO 3 – SUGESTÕES DE ATIVIDADES EDUCATIVAS

Page 146: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

136

Page 147: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

137

TÓPICO 1

PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM

PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E

AFETIVO

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Caro acadêmico, no primeiro tópico da Unidade 3 discutiremos sobre as funções cerebrais e sua relação com os processos de ensino e aprendizagem, mais precisamente nas informações referentes ao desenvolvimento cerebral em relação aos processos cognitivos. Ainda, estudaremos sobre a influência das emoções na aprendizagem, com conceitos referentes às sinapses e ao processo de construção do conhecimento. Incluímos considerações sobre plasticidade cerebral, relacionando o assunto a algumas condições em que se encontram os alunos com deficiências múltiplas, na substituição de funções afetadas por lesões cerebrais.

Por fim, abordaremos a relação que ocorre entre as práticas pedagógicas e o afeto e sua influência nos processos cerebrais, principalmente em crianças com deficiências. E compreenderemos como o desenvolvimento da afetividade se relaciona com as funções cerebrais, interferindo no aprendizado.

2 FUNÇÕES CEREBRAIS E OS PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM

O sistema nervoso divide-se em sistema nervoso central - SNC, periférico - SNP e autônomo - SNA. O sistema nervoso central corresponde a todas as estruturas existentes no encéfalo e medula espinhal. A medula espinhal compreende 31 segmentos funcionais de onde surgem todos os nervos responsáveis pelo controle motor das diversas sensações periféricas. O sistema nervoso periférico consiste nas raízes, plexos e nervos que estimulam o SNC em contato com os órgãos efetores, incluindo os músculos voluntários, assim como trazem as informações periféricas, as sensações e sentidos. O sistema nervoso autônomo se encontra à parte, pois representa estruturas centrais e periféricas incluídas nas estruturas centrais e periféricas, indicando o controle voluntário de funções orgânicas (MAIA; THOMPSON, 2012).

Diversos órgãos compõem a estrutura do encéfalo, como o cérebro, tronco cerebral e cerebelo, envolvidos por três membranas protetoras denominadas meninges: dura-máter, aracnoide e pia-máter. Desta forma, o sistema nervoso

Page 148: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

138

consiste no conjunto de órgãos que são responsáveis pela vida mental e social, assim como o controle do funcionamento de vários outros órgãos. Suas principais funções se encontram associadas à cognição, motricidade, equilíbrio, sensibilidade (tato, dor, temperatura, pressão, vibração), sentido (visão, audição, paladar, olfato) e controle do meio interno (respiração, circulação, liberação hormonal).

Segundo Maia e Thompson (2012), o cérebro apresenta a estrutura mais desenvolvida no SNC, com atribuições complexas que envolvem a projeção sensorial e cognição, planejamento dos movimentos voluntários, processos mentais complexos (pensamento, raciocínio), compreensão e expressão da linguagem, memória e aprendizagem, experiências emocionais e motivacionais.

Nesse sentido, estabelece inclusive vínculos entre a cognição, afetividade, sensibilidade e motricidade, por meio dos neurônios, responsáveis pela produção e condução dos impulsos elétricos no trajeto das informações, criando as redes neurais. "O aprendizado ocorre quando a rede neural atinge uma solução generalizada para uma classe de problemas. Somente no cérebro existem cerca de 86 bilhões de neurônios, arranjados em núcleos, feixes, camadas, interligados por prováveis um quatrilhão de sinapses" (MAIA; THOMPSON, 2012, p. 21). O resultado desse complexo sistema de comunicações consiste no conjunto de funções neuropsicológicas.

A atividade nervosa compreende as situações de ação e reação, onde há transmissão do influxo nervoso de um neurônio para outro nas sinapses, e dos neurônios para os músculos com a liberação de neurotransmissores. As sinapses são dotadas de plasticidade, sendo que o conceito de neuroplasticidade por muito tempo foi considerado como a capacidade de regeneração ou a recuperação funcional das células nervosas, contudo, atualmente se relaciona ao processo de aprendizagem.

De acordo com Almeida (2012, p. 44), "a plasticidade cerebral é a capacidade que o cérebro tem de se remodelar em função das experiências do sujeito, reformulando as suas conexões em função das necessidades e dos fatores do meio ambiente". Por alguns anos, estudiosos admitiam que o tecido cerebral não conseguisse regenerar, e que o cérebro seria definido de forma genética, segundo um padrão fixo. Contudo, vários pacientes com lesões severas, por meio de terapias, conseguiram recuperar sua função, recuperando os movimentos, fala e atividade cognitivo-motora.

As sinapses consistem em conexões que transmitem informações entre os neurônios, estruturas que organizam o fluxo de informações no sistema nervoso. A plasticidade sináptica seria o rearranjo das redes neuronais, onde cada nova experiência é reforçada, incitando a aquisição de novas respostas às situações, muito comum nas lesões onde o nível de transmissão de informação neural passa a ser recuperado por meio da criação de outras redes neuronais, substituindo os danos causados pela lesão, ou seja, nas crianças que sofreram lesões cerebrais, as células nervosas sadias assumem as atividades das que foram destruídas, caracterizando a plasticidade neuronal.

Page 149: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E AFETIVO

139

A plasticidade cerebral indica o fato de certas regiões do cérebro substituírem as funções afetadas por lesões cerebrais. Assim, determinada função perdida devido à lesão cerebral pode ser recuperada em uma área vizinha da zona lesionada. Sua recuperação depende de alguns fatores, como a idade do indivíduo, área da lesão, quantidade de tecidos afetados, formas de reorganização cerebral, fatores ambientais e psicossociais (RELVAS, 2012b).

A pessoa com paralisia cerebral pode ter os recursos neurológicos comprometidos para a aprendizagem, decorrente das lesões cerebrais. No entanto, as estruturas integrantes do sistema emocional são ativadas quando expostas às atividades que proporcionam prazer, conduzindo à motivação e ao aprendizado. As estruturas que são ativadas seriam o córtex cingulado, córtex pré-frontal, núcleo accumbens, hipotálamo, amígdala cerebral e o hipocampo (memória). Assim, essas estruturas serão ativadas, organizadas, reguladas e direcionadas ao objeto que será mediado no processo de ensino e aprendizagem (RELVAS, 2012a).

No planejamento, o professor necessita considerar a heterogeneidade de sua turma, ajustando as atividades para que desenvolva as diferentes competências e habilidades dos alunos. Segundo Relvas (2012a, p. 28):

Um aspecto fundamental para o aprendizado é a atenção, função desempenhada por uma estrutura complexa encontrada no tronco encefálico, denominada Formação Reticular. Essa estrutura mantém o córtex em alerta para receber novos estímulos e buscar interpretá-los o decodificá-los, principalmente os sensoriais, que devem ser selecionados.

Contudo, quando essa situação não ocorre, a criança passa a ser considerada diferente das demais, como incapaz de iniciar uma tarefa e finalizá-la, inquieta, com desenvolvimento motor e intelectual defasado. Cabe ao professor, enquanto mediador do processo de ensino e aprendizagem, acompanhar os diversos estilos de desempenho dos alunos na sala de aula, reconhecendo as áreas específicas que poderão ser estimuladas por meio das atividades.

A sensação e a percepção são funções que influenciam na construção dos

conhecimentos, por onde as pessoas aprendem por meio da visão, audição, tato, paladar e olfato. A experiência vivenciada fundamentaria os conhecimentos, servindo inclusive de base para sua construção (RELVAS, 2012b). Ou seja, as experiências constituem-se em informações encaminhadas ao sistema nervoso central por meio dos estímulos sensoriais. De acordo com Relvas (2012b, p. 45):

O encéfalo processa as informações procurando compará-las com outras que já estejam previamente guardadas, reconhecendo-as ou não. Esse mecanismo não envolve apenas os aspectos físicos dessa informação (cor, forma, tamanho), mas também a relaciona com os aspectos diretamente ligados aos sentimentos e às emoções. Após seu processamento, um conjunto de emoções é memorizado com a informação recebida, que pode ser agradável ou não.

Os órgãos dos sentidos seriam os canais de captação das informações novas,

Page 150: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

140

contudo, como algumas limitações decorrentes do sistema nervoso consideram somente algumas informações de cada estímulo em meio às experiências vividas, o cérebro constrói as criações mentais por meio de ondas eletromagnéticas de diferentes frequências, no formato de cores vermelho, azul e verde. Assim, de fato as cores, sabores, odores e sons são criações mentais construídas segundo as experiências sensoriais (RELVAS, 2012b).

As percepções são registros formados internamente de acordo com as limitações do sistema nervoso e das habilidades funcionais, constituindo registros elaborados de forma indireta do mundo. Contudo, as informações processadas no encéfalo constroem uma realidade própria, conforme o sistema nervoso, baseado nas capacidades cognitivas da pessoa (RELVAS, 2012b).

As impressões que as pessoas possuem da realidade foram mediadas pelos órgãos do sentido, em conjunto com os sistemas que interpretam as informações sensórias. Nesse sentido, os professores, ao desvendarem o funcionamento do cérebro humano, organizam melhor os conceitos sobre aprendizagem. Desenvolvendo situações que estimulem o sistema nervoso central, induzirão a modificações comportamentais, o que permite a adaptação da pessoa ao meio como resposta à solicitação do organismo (RELVAS, 2012b).

O estímulo, quando reconhecido pelo sistema nervoso central, revela uma lembrança, e quando o estímulo é novo, origina uma mudança. Para Adriano (2017b), Vygostky, em sua teoria, explicitou a construção dos conhecimentos com base no nível de desenvolvimento proximal. Assim, o nível de desenvolvimento real consiste no conhecimento adquirido, organizado e estruturado nas crianças, como resultado de ciclos construídos no seu desenvolvimento. Quando uma criança responde a um questionamento, infere o nível de desenvolvimento real de seu pensamento. Contudo, como se constitui de forma fluídica, o pensamento se modifica quando a criança altera sua forma de pensar, após uma atividade ou explicação de um adulto ou alguém mais experiente. O nível de desenvolvimento proximal se revela quando a criança consegue realizar algo imitando alguém, e depois reproduz reorganizando seu pensamento, passando ao nível de desenvolvimento potencial.

Por meio da vivência de experiências as crianças conseguem internalizar e compreender as situações, primeiramente imitam o outro para compreenderem a ação, para depois desenvolverem sozinhas, com seus entendimentos. Nessa etapa, a construção do conhecimento ocorre quando a criança, ao realizar algo sozinha, utiliza das informações observadas e vividas em atividades anteriores, para atuar segundo suas competências e habilidades.

3 A INFLUÊNCIA DAS EMOÇÕES NA APRENDIZAGEM

A emoção se revela enquanto interpretação da relação que se estabelece entre o corpo e o cérebro, mais precisamente na sequência dos processos de se ter

Page 151: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E AFETIVO

141

uma emoção e senti-la. O sentido de se ter uma emoção diz respeito à condição em que o cérebro, induzido por uma lembrança, cena ou situação, incita alterações no corpo, como alteração nos batimentos cardíacos, suor e queda de pressão arterial. Sentir a emoção seria a próxima etapa, em que o cérebro registra as alterações corporais (RELVAS, 2012b).

Assim que a emoção é acionada por um determinado estímulo, inicia a elaboração de um ‘programa de ações’ diferente, que provoca alterações no rosto, corpo e sistema endócrino. Segundo Damásio (1996, p. 175):

[...] um sentimento depende da justaposição de uma imagem do corpo propriamente dito com uma imagem de alguma outra coisa, tal como a imagem visual de um rosto ou a auditiva de uma melodia. O substrato de um sentimento completa-se com as alterações nos processos cognitivos que são induzidos simultaneamente por substâncias neuroquímicas (por exemplo, pelos neurotransmissores numa série de pontos neurais, em resultado da ativação dos núcleos neurotransmissores que faziam parte da resposta emocional inicial).

Em suma, sentimentos como a tristeza ou felicidade seriam a percepção de estados corporais com pensamentos, complementados pela alteração do pensamento. Em estados corporais negativos na pessoa, originam a criação lenta de imagens, com pouca diversidade e raciocínio lento. De acordo com Damásio (1996, p. 177), “quando os estados corporais negativos se repetem com frequência, ou quando se verifica um estado corporal negativo persistente, como sucede numa depressão, aumenta a proporção de pensamentos suscetíveis de serem associados às situações negativas, e o estilo e a eficiência do raciocínio são afetados”. Contudo, os estados corporais positivos incitam a criação rapidamente de imagens, com ampla diversidade e raciocínio ágil.

O sentimento elaborado por meio da relação com as situações ou objetos se organiza com base na subjetividade, segundo a percepção da pessoa associada ao seu estado corporal. A percepção das modificações do pensamento é desencadeada durante o processo da vivência, que pode ser interpretada de forma positiva ou negativa pela pessoa.

Segundo Ferrarezi (2012, p. 63), “a origem de [...] marcas emocionais estará ainda intimamente relacionada com as referências internas, crenças e valores desenvolvidos ao longo da vida, os quais são determinantes na formação da realidade interior do indivíduo”. As pessoas, quando se sentem motivadas a realizar algo, emitem sentimentos de vontade para conquistarem a situação ou objeto pretendido. Contudo, ao serem desestimuladas, reagem de forma desanimada, demonstrando serem incapazes de realizar as ações desejadas. Nesse ponto, ressaltamos a importância do desenvolvimento emocional se encontrar associado a fatos e acontecimentos positivos.

No decorrer da vida, várias interligações neuronais são organizadas, gerando associações entre as informações, o que gera o aumento do conhecimento. Assim, quanto maior forem os estímulos para o aprendizado, fortalecerá as vias

Page 152: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

142

neurais e sinapses, onde os fatos e conhecimentos considerados como menos importantes serão enfraquecidos nas ligações neurais. Entretanto, a formação de vínculos emocionais associados a acontecimentos ou conhecimentos com maior significância resultará em intensas ligações neurais, com lembranças que serão utilizadas no futuro (FERRAREZI, 2012).

As situações que provocam tensão emocional provocam no cérebro a produção do hormônio epinefrina, que incide no surgimento da adrenalina, que impulsiona o corpo para reagir de forma imediata. Outro hormônio produzido pelas glândulas suprarrenais, o cortisol, será ativado lentamente, para restabelecer o organismo após o uso de grande energia requerida por uma situação estressante.

Para concentrar um volume de energia no processo de reação ao estresse, o cortisol inibe algumas funções, necessárias para o estado de alerta provocado no corpo. As funções minimizadas condizem com as reprodutivas, sistema imune, diminuição da produção de insulina pelo fígado, o que aumenta a produção de glicose gerada na reação de estresse do organismo (FERRAREZI, 2012).

No entanto, a produção excessiva de cortisol permanece no organismo por dias, apresentando propriedades tóxicas ao cérebro, causando a destruição de várias células cerebrais. Ferrarezi (2012, p. 18) afirma que “o problema se agrava quando a presença do cortisol por um longo período de tempo começa a afetar as estruturas cerebrais responsáveis em detectar sua diminuição”. O cortisol em excesso no cérebro destrói os neurotransmissores que são responsáveis pelo fluxo de informações, anulando o pensamento e as decisões, causando dificuldades de concentração, raciocínio e a lembrança de fatos.

A capacidade de aprender relaciona-se à construção do conhecimento, principalmente quando parte do aluno. Algumas estruturas centrais do sistema límbico, como a amídala, estão envolvidas com o desenvolvimento das emoções e promovem ligações com várias regiões do cérebro. As estruturas límbicas são responsáveis pela maior parte da aprendizagem e memória no cérebro. De acordo com Relvas (2012b, p. 77), "o fluxo de sentimentos estaria ligado às situações vivenciais que despertam as emoções. O fluxo seria relativo a uma quantidade de informações que chegaria aos centros cerebrais e, conforme o direcionamento dado às informações, teríamos o teor das ações emocionais, instintivas ou racionais". Assim que um dos centros cerebrais não percebe o fluxo de informações, outro centro é acionado. Cada cérebro apresenta capacidade própria de aprender e uma forma específica de trabalhar a aprendizagem, variando conforme a experiência de cada pessoa.

4 PRÁTICAS PEDAGÓGICAS E O AFETO

Uma prática pedagógica fundamentada na teoria de Wallon se baseia em três princípios básicos: ação da escola, ação educativa e saber escolar, de acordo com Almeida (2000).

Page 153: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E AFETIVO

143

FIGURA 1 – PRINCÍPIOS DA TEORIA DE HENRI WALLON PARA PRÁTICA PEDAGÓGICA

FONTE: Adaptado de Almeida (2000)

As discussões sobre o trabalho pedagógico direcionado para as pessoas com deficiência implicam no modo de avaliar a criança para iniciar as intervenções. Cada criança se apresenta de forma particular no decorrer da intervenção pedagógica, necessitando de abordagens específicas e diferenciadas.

Para Wallon (2005), as crianças vivenciam sua infância e cabe aos adultos a função de conhecê-las com propriedade. Assim, a avaliação das crianças perpassa por um relacionamento afetivo favorável que deve ser estabelecido pelo professor, o que permitirá sua comunicação espontânea. A afetividade como um “[...] conjunto de manifestações de fenômenos psíquicos que se apresentam sob a forma de emoções e de sentimentos, acompanhadas sempre da impressão de prazer ou desprazer, satisfação ou insatisfação, agrado ou desagrado, alegria ou tristeza” (BOATO, 2009, p. 68).

A afetividade geralmente é entendida de acordo com situações e aspectos favoráveis, relacionados ao carinho e amor. Contudo, a afetividade também se relaciona às sensações desagradáveis, como medo ou raiva. A emoção se interliga às diversas condições afetivas, que mobilizam as pessoas para as ações cotidianas, podendo levar à perda do equilíbrio afetivo. Os sentimentos diferem das emoções, porque consistem em estados afetivos duráveis, originando vivências menos intensas, inclusive sobre as funções orgânicas, como o carinho, amor, medo. Os sentimentos derivam da emoção quando conseguem ser controlados pelo sistema cortical, assim a emoção se transforma em sentimento (AMARAL; OLIVEIRA, 1998).

Para que a relação afetiva ocorra, o professor necessita interpretar os desejos dos alunos por meio da comunicação, de conversas que permitam a interação com eles. “A relação afetiva e as propostas de vivências e experiências, antes de causar qualquer tipo de submissão ou oposição, devem seguir no sentido

Page 154: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

144

de dar autonomia ao aluno” (BOATO, 2009, p. 69). A relação afetiva não pode causar, de forma nenhuma, a dependência do aluno em relação à atenção do professor, podendo gerar o bloqueio do seu desenvolvimento.

O professor necessita estar disponível ao aluno, de forma presente e atuante no processo pedagógico, compartilhando emoções, frustrações e desejos. Mais precisamente em auxiliar a criança a demonstrar autoconfiança, a gostar de si e a expressar seus sentimentos. Nesse sentido, a disponibilidade de trabalhar a si mesmo é essencial para o trabalho do professor, sendo necessário que viva as condições para uma comunicação acessível, relação com o objeto, espaço, o outro, buscando encontrar sua identidade (BOATO, 2009).

Outro aspecto referente à prática pedagógica com o aluno, além da relação afetiva favorável entre professor e aluno, refere-se ao tônus da postura. A aceitação e vontade de realizar as atividades propostas pelo professor pode provocar no aluno um estado de eutonia, com o objetivo de iniciar alguma atividade. Segundo Dantas (1990), há uma estreita ligação entre as alterações orgânicas e mentais, ou seja, o estado emocional transmite os sentimentos à musculatura e às vísceras, produzindo manifestações emotivas. De modo geral, o professor, na prática educativa, deve observar as reações dos alunos no desenvolvimento das atividades, promovendo um ambiente tranquilo.

Juntamente aos aspectos que envolvem o tônus há outro imperativo fundamental para o processo de ensino e aprendizagem dos alunos, a ludicidade. As atividades lúdicas permitem aos alunos momentos prazerosos e descontraídos, que mantêm o caráter pedagógico, considerando os conteúdos e objetivos a serem alcançados (BOATO, 2009).

A acessibilidade emocional enquanto o acesso que transcende o mero atendimento às leis, que indica formas e alternativas para que todos possam participar das atividades e frequentar os locais, seria a percepção de acolhimento que o espaço informa, estimulando o compartilhamento e empatia espacial. Segundo Duarte e Cohen (2012), não basta o espaço ofertar uma boa acessibilidade física, mas precisa gerar empatia e vivências afetivas. Mais precisamente, a acessibilidade emocional indica a sensorialidade e o sentimento de afeto que os ambientes expressam nas pessoas com deficiência.

De acordo com Moraes (2010, p. 212), "[...] as nossas escolhas afetam não apenas o nosso comportamento atual, as nossas sinapses cerebrais, como também o comportamento dos companheiros que estão ao nosso redor". A capacidade de reflexão influencia o desenvolvimento humano no aprimoramento das habilidades do pensamento. A prática reflexiva como uma forma de intervir no vir a ser de cada pessoa, no desenvolvimento de suas capacidades e habilidades segundo as especificidades de cada um.

Page 155: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 1 | PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM PARA O DESENVOLVIMENTO COGNITIVO E AFETIVO

145

Aliando o rigor do cientista à experiência humana do psicólogo, o autor Daniel Goleman busca nesta obra examinar questões consideradas polêmicas através de uma viagem pelos labirintos da mente humana. Com o intuito de mostrar que o controle das emoções é fator essencial para o desenvolvimento da inteligência do indivíduo, a obra cita exemplos de casos do cotidiano que procuram demonstrar a incapacidade das pessoas em lidar com as próprias emoções. Vale a pena a leitura.

DICAS

Page 156: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

146

Neste tópico, você aprendeu que:

• O sistema nervoso divide-se em sistema nervoso central - SNC, periférico - SNP e autônomo - SNA. O sistema nervoso central corresponde a todas as estruturas existentes no encéfalo e medula espinhal.

• O sistema nervoso consiste no conjunto de órgãos que são responsáveis pela vida mental e social, assim como o controle do funcionamento de vários outros órgãos.

• A atividade nervosa compreende as situações de ação e reação, onde há transmissão do influxo nervoso de um neurônio para outro nas sinapses, e dos neurônios para os músculos com a liberação de neurotransmissores.

• As sinapses são dotadas de plasticidade, sendo que o conceito de neuroplasticidade por muito tempo foi considerado como a capacidade de regeneração ou a recuperação funcional das células nervosas, contudo, atualmente se relaciona ao processo de aprendizagem.

• A plasticidade cerebral indica o fato de certas regiões do cérebro substituírem as funções afetadas por lesões cerebrais.

• No planejamento, o professor necessita considerar a heterogeneidade de sua turma, ajustando as atividades para que desenvolva as diferentes competências e habilidades dos alunos.

• As percepções são registros formados internamente de acordo com as limitações do sistema nervoso e das habilidades funcionais, constituindo registros elaborados de forma indireta do mundo.

• Por meio da vivência de experiências, as crianças conseguem internalizar e compreender as situações, primeiramente imitam o outro para compreenderem a ação, para depois desenvolverem sozinhas, com seus entendimentos.

• A emoção se revela enquanto interpretação da relação que se estabelece entre o corpo e o cérebro, mais precisamente na sequência dos processos de se ter uma emoção e de senti-la.

• O sentimento elaborado por meio da relação com as situações ou objetos se organiza com base na subjetividade, segundo a percepção da pessoa associado ao seu estado corporal.

RESUMO DO TÓPICO 1

Page 157: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

147

• A produção excessiva de cortisol permanece no organismo por dias, apresentando propriedades tóxicas ao cérebro, causando a destruição de várias células cerebrais.

• As estruturas límbicas são responsáveis pela maior parte da aprendizagem e memória no cérebro.

• As discussões sobre o trabalho pedagógico direcionado para as pessoas com deficiência implicam no modo de avaliar a criança para iniciar as intervenções.

• Os sentimentos diferem das emoções, porque consistem em estados afetivos duráveis, originando vivências menos intensas, inclusive sobre as funções orgânicas, como o carinho, amor, medo.

• Há uma estreita ligação entre as alterações orgânicas e mentais, ou seja, o estado emocional transmite os sentimentos à musculatura e as vísceras, produzindo manifestações emotivas.

• A prática reflexiva como uma forma de intervir no vir a ser de cada pessoa, no desenvolvimento de suas capacidades e habilidades segundo as especificidades de cada um.

Page 158: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

148

1 O cérebro apresenta uma estrutura com atribuições complexas que englobam as projeções sensoriais e cognição, movimentos voluntários, pensamento, raciocínio, memória e aprendizagem. As atividades nervosas compreendem as transmissões de um neurônio a outro, e para os músculos por meio da liberação de neurotransmissores. Assim, as sinapses são constituídas de plasticidade, e transmitem informações entre os neurônios. Reflita e descreva o conceito de plasticidade cerebral.

2 (ENADE, PSICOLOGIA - 2015) A emoção é um tema muito estudado pelos neurocientistas. A experiência emocional não é um fenômeno único, varia de indivíduo para indivíduo, sendo o resultado de diferentes eventos. De forma simplista, a emoção se expressa por um ato motor, em decorrência de sensações provocadas por estímulos sensoriais do meio onde está inserida a pessoa.

FONTE: BRANDÃO, L. M. As bases biológicas do comportamento: introdução à Neurociência. São Paulo: E. P. U. 2009 (adaptado).

Considerando a neurociência das emoções, avalie as afirmações a seguir:I- A emoção pode abarcar um conjunto de pensamentos e planos sobre um

evento que aconteceu, está acontecendo ou que vai acontecer, e uma das formas de se manifestar é por expressões faciais específicas.

II- As emoções podem desencadear mudanças endócrinas e autônomas significativas, por exemplo, sudorese, aumento dos batimentos cardíacos e da respiração, rubor facial, incontinência urinária e intestinal e espasmos.

III- A emoção tem base ambiental, uma das razões pelas quais não se cogita a existência de componente genético na manifestação de expressões faciais.

É correto o que se afirma em:a) ( ) I, apenas.b) ( ) III, apenas.c) ( ) I e II apenas.d) ( ) II e III apenas.

AUTOATIVIDADE

Page 159: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

149

TÓPICO 2

INTEGRAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA

MÚLTIPLA NO PROCESSO EDUCACIONAL

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Neste tópico, estudaremos sobre os aspectos que englobam a inclusão escolar do aluno com deficiência múltipla na atuação docente e a organização escolar enquanto promotoras da construção dos saberes, abrangendo a todos os alunos. Como alternativa de trabalho para propor uma educação inclusiva, apresentamos uma prática educativa baseada nos projetos pedagógicos. Uma metodologia inclusiva que inclui o portfólio como instrumento para a construção dos conhecimentos e avaliação dos alunos.

Por fim, apresentamos formas de se constituir a escola para a diferença, um espaço que considere a heterogeneidade dos alunos. Para tanto, há necessidade de se repensar o trabalho docente, a estrutura e objetivo da escola, que transcenderá a nivelação da aprendizagem nos alunos e permitirá que todos se desenvolvam segundo suas capacidades e habilidades, incluindo todas as diferenças presentes nos alunos, compreendendo os alunos com deficiência múltipla.

2 INCLUSÃO ESCOLAR DO ALUNO COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

A inclusão do aluno com deficiência múltipla suscita de grande envolvimento de sua parte, em conjunto com o comprometimento dos responsáveis e professores. Todos os envolvidos precisam ter o conhecimento e a clareza em relação ao que pretendem desenvolver, e o que esses alunos conseguem dentro de suas limitações, incluindo principalmente a estrutura da escola.

Segundo Maia (2011, p. 74), "cabe ao professor construir um clima facilitador para o aluno reconhecer suas motivações e interesses. O professor propõe suas regras, escuta as sugestões por meio da observação e da percepção, expõe aos alunos suas propostas e objetivos". Em suma, necessita, enquanto profissional da educação, promover situações de empatia, ressaltando que na ação pedagógica ele atua como mediador do conhecimento. Como aquele que desenvolverá situações para que o conhecimento tenha um significado real para o aluno, e que possibilite a construção de saberes.

Page 160: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

150

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

O professor consegue colocar em prática a noção de diversidade, quando estabelece uma interação social com a turma, e cria a consciência de respeito. Nesse meio, prepara os alunos para receberem explicando suas limitações e dificuldades, compartilhando uma compreensão interativa (MAIA, 2011). Ou seja, quando o professor explica para a turma sobre a chegada de um aluno que demanda uma atenção maior, decorrente de suas limitações, prepara os alunos para que o respeitem e auxiliem na estimulação de suas capacidades e habilidades. Para compreender a pessoa com deficiência e a forma como se relaciona com o mundo, há necessidade de se considerar suas estruturas perceptuais e cognitivas, por meio da observação. Somente observando e interagindo com a pessoa deficiente, oportunizando formas para que socialize com os outros suas expressões e entendimentos é que a comunidade escolar realmente conhecerá sua inteireza.

A inclusão escolar somente ocorrerá, de fato, quando houver uma mudança na maneira de se entender a organização escolar e o trabalho pedagógico. Assim, as práticas de ensino não podem conter compreensões generalizadas, mas construídas a partir da realidade escolar. Ou seja, na reestruturação do plano de aula para facilitar o entendimento e envolvimento do aluno com deficiência, promovendo situações de ensino e aprendizagem significativas (MAIA, 2011).

Segundo Maia (2011, p. 75), "o plano de aula deverá ser embasado por meio de um esquema já predeterminado para que possa haver uma melhor compreensão, visando uma organização mais efetiva junto aos profissionais". De modo geral, cada aluno possui seu tempo de aprendizagem, com limitações e capacidades, e ao considerarmos os alunos com deficiências múltiplas é preciso considerar também os limites gestuais e de comportamento.

As atividades devem ser organizadas com objetivos direcionados para cada aluno, de acordo com os seus limites motor, fonador, social e outros, para que ocorra o desenvolvimento gradativo de suas aprendizagens. O professor deve ter o entendimento de flexibilizar o currículo, aproveitando as situações inesperadas para incluir na ação educativa planejada. Por isso, o planejamento necessita de flexibilidade e interação com a realidade vivenciada em sala de aula (MAIA, 2011).

Nesse sentido, a inclusão do aluno com deficiência múltipla requer empatia no sentido de se colocar no lugar do outro, nos vários momentos sociais, compreendendo a deficiência a partir de sua própria perspectiva. Uma proposta de projeto pedagógico voltada para atender educacionalmente esses alunos deve conter, segundo Maia (2011):

• organizar e estruturar o currículo, baseado em dois eixos principais, a formação pessoal/social, que diz respeito à identidade, autonomia, movimento e conhecimento de si e do outro; e outro relacionado ao conhecimento do mundo, com diferentes formas de linguagem e expressão, artes, música, linguagem oral, escrita e matemática, conhecimento da natureza e sociedade;

• adaptar as metodologias, formas de interação, comunicação, seleção de

Page 161: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | INTEGRAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA NO PROCESSO EDUCACIONAL

151

objetivos e conteúdos, para que sejam adequados e adaptados para que possam desenvolver ação funcional e autonomia moral e intelectual, conforme as necessidades de cada aluno;

• estratégias pedagógicas que priorizem a formação das habilidades cognitivas e aquisição do conhecimento, incentivando o aluno a fazer escolhas, manifestar suas ideias, expressar pensamentos e dúvidas para serem discutidos com a turma e professor. No planejamento, criar situações para que a criança utilize suas capacidades e habilidades, estabelecendo relações entre os objetos e acontecimentos, buscando construir suas próprias soluções;

• adaptações avaliativas de acordo com as particularidades de cada aluno, necessidades educativas diversificadas e histórico familiar;

• procedimentos metodológicos e avaliativos que devem ser discutidos, construídos e reformulados em equipe ao longo do ano. A cada mês ou bimestre, realizar o registro por meio de ficha de evolução, dos avanços e dificuldades dos alunos na realização das atividades, considerando a mediação proposta para que alcancem os objetivos propostos.

A inserção dos alunos com deficiência no ensino regular promove o desenvolvimento positivo nas relações humanas, quando todos passam a se perceber enquanto seres humanos de direitos e oportunidades iguais, resultando no entendimento de comunidade. Nesse sentido, as atividades propostas na perspectiva da inclusão favorecem a participação de todos em momentos de conflitos, onde todos demonstram suas capacidades e habilidades. As atividades, necessariamente, devem prever o envolvimento dos alunos no planejamento e implementação de experiências de aprendizagem (MAIA, 2011).

3 PROJETOS PEDAGÓGICOS COMO METODOLOGIA INCLUSIVA

A sala de aula consiste no espaço de integração com uma cultura própria elaborada por meio dos diferentes discursos que se desenvolvem nas situações cotidianas das aulas. Contudo, o pensamento não consiste na única forma necessária para formar um conceito, mas nas complexas interações que ocorrem na sala de aula, com os interesses, contextos sociais e culturais, com as experiências dos estudantes.

Segundo Santos (2006), John Dewey foi o precursor em elaborar um novo ideal pedagógico, embasado na ação, baseado na concepção pragmática, valorizando as experiências concretas da vida como problemas a serem resolvidos. Na concepção de Dewey, a escola consiste em uma instituição social que deveria associar os conteúdos de ensino com as situações vivenciadas, de forma integrada, articulando com os fazeres na sociedade. O professor, nessa perspectiva, deve considerar em seu planejamento os interesses dos alunos, dos problemas e situações que envolvem a vida cotidiana.

Page 162: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

152

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

Hernández e Ventura (1998 apud ADRIANO, 2017a) denominam como "Projeto de Trabalho" o elemento integrador na construção do conhecimento que sobressai do formato de educação tradicional, sustentado na transmissão dos saberes selecionados por um professor. A organização do trabalho por projetos não como uma metodologia estática, mas uma forma diferenciada de se perceber e refletir sobre a escola e sua função social. A proposta consiste em reorganizar o currículo no formato de projetos por temas, em que o professor deixa de ser transmissor dos conteúdos e assume uma função de pesquisador. O estudante, ao invés de ocupar o papel de receptor passivo, passa a ser um sujeito ativo no processo de ensino e aprendizagem.

Nesse sentido, a utilização dos projetos pedagógicos como metodologia educativa articula a aprendizagem de conceitos, relacionando-os com os processos coletivos e internos desenvolvidos nos alunos durante a ação educativa. Os estudantes conseguem organizar as informações por meio de uma reorganização nas estruturas internas do pensamento, construindo novos conhecimentos a partir dos já adquiridos.

O professor, na perspectiva de trabalho com projetos pedagógicos, necessita desenvolver uma percepção diferenciada das ações que desenvolverá em sala de aula. Primeiramente sobre a forma metodológica que transcende os exercícios, atividades e tarefas que seguem a sistematização e sequência dos conteúdos programados ou do livro didático. Apresentamos o movimento de trabalhar com os livros didáticos não como organizadores dos espaços e tempos de aprendizagem, mas como fontes de consulta e pesquisa, com atividades que possam incrementar os assuntos pesquisados pela turma (ADRIANO, 2017a).

Nessa forma de trabalho, o professor valoriza os conhecimentos espontâneos da turma para organizar de forma conjunta o planejamento das atividades que servirão de estratégias para que as dúvidas, problemas ou curiosidades sejam esclarecidos. Desta forma, os conceitos espontâneos ou prévios consistem nas aprendizagens por meio das situações vivenciadas no cotidiano, na comunidade local por meio do convívio com os outros. Os conceitos científicos compreendem os conhecimentos, assuntos científicos elaborados e aprovados pela comunidade científica. Assim, o estudante elabora os conceitos espontâneos de acordo com os objetos e situações que interagem no cotidiano com os seus pares (ADRIANO, 2017b).

Para a organização dos conceitos científicos, há necessidade do despertar da consciência no desenvolvimento da abstração e verbalização de um conceito mais sofisticado, o conhecimento científico. Portanto, o estudante, na aprendizagem dos conceitos científicos, precisa de situações concretas, reais, vivências que permitam o desenvolvimento de novos saberes.

Hernández (1998) discorre que o professor deve adaptar os conteúdos das disciplinas, prioritariamente buscando a interdisciplinaridade e globalização dos conhecimentos. Os conteúdos programáticos aparecem com outra formatação,

Page 163: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | INTEGRAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA NO PROCESSO EDUCACIONAL

153

distribuídos ao longo do ano letivo, em temas que apresentam os assuntos que serão estudados. Com propostas de atividades e temas que devem ser discutidos com os alunos, de acordo com os problemas ou dúvidas levantadas pela turma. Nesse sentido, o trabalho educativo engloba a participação do aluno com deficiência múltipla quando a turma, ao contribuir com ideias, incluirá os colegas que apresentam deficiências, dificuldades de aprendizagem nas diversas áreas do conhecimento, e as diversas habilidades e capacidades da turma no geral.

Após concluir o projeto, o professor e a turma dialogam sobre a experiência vivida, avaliando e apontando alternativas que poderiam ser melhoradas. Assim, conseguem destacar os problemas que foram encontrados no decorrer do trabalho com o projeto, evidenciando não somente as ações realizadas, mas os aprendizados no decorrer da trajetória. Também sistematizando de forma conjunta o processo de avaliação, onde o professor perceberá os avanços e fragilidades dos alunos, alguns já identificados na realização das atividades, e outros que surgirão na conversa.

Adriano (2017a) apresenta algumas indicações que norteiam a constituição de um projeto de trabalho:

• existência do tema-problema, como forma de análise, interpretação e o desenvolvimento da crítica;

• desenvolvimento da atitude de cooperação, onde o professor atua como pesquisador, e não um especialista que responderá prontamente a todas as dúvidas;

• os projetos apresentam singularidade, precisando de diferentes fontes de informações;

• os alunos aprendem a ouvir o que os colegas dizem, sobre os conhecimentos que apresentam;

• aproximação entre as disciplinas e os saberes atuais;• todos os alunos com as mesmas possibilidades de aprendizagem, buscando as

informações em conjunto;• a inserção do fazer, da prática como uma forma de aprendizagem no

desenvolvimento dos conhecimentos.

Para tanto, ao se pensar de forma simplificada em como desenvolver um projeto pedagógico, é preciso se ater a três momentos distintos, segundo Kilpatrick (1978): problematização, desenvolvimento e síntese.

Page 164: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

154

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

FIGURA 2 – DESENVOLVIMENTO DO PROJETO PEDAGÓGICO

FONTE: Adaptado de Adriano (2017a)

A construção de um projeto pedagógico parte da concepção construtivista, na participação ativa dos estudantes no processo de ensino e aprendizagem dos saberes escolares. Para sua efetiva aplicação, faz-se necessária a coragem do professor em ousar a libertação do paradigma conceitual da escola tradicional para um ambiente interativo de aprendizagem. Na relação entre professor e estudante enquanto pessoas em construção, abertas para o aprimoramento e desenvolvimento dos conhecimentos, na contemporaneidade, aproveitando as contribuições das tecnologias presentes nas escolas para a prática educativa (ADRIANO, 2017a).

Na perspectiva dos projetos, a avaliação faz parte do processo de aprendizagem não como algo que servirá para medir ou quantificar os

Page 165: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | INTEGRAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA NO PROCESSO EDUCACIONAL

155

conhecimentos como consequência final do trabalho. O professor organizará critério de observação da complexidade, as evidências que refletem o aprendizado dos estudantes serão uma constante construção de conhecimento compartilhado (ADRIANO, 2017a).

O uso do portfólio como um instrumento de avaliação considera os processos evolutivos de aprendizagem dos estudantes. A forma de construção do portfólio permite a constante reflexão sobre os saberes, identificados nas escritas e trabalhos realizados. Desta forma, tanto o professor quanto o estudante conseguem acompanhar e refletir sobre os seus progressos e compreensão da realidade. Essa forma de avaliação possibilita a introdução de mudanças durante o desenvolvimento das atividades e construção dos conhecimentos (ADRIANO, 2017a).

O portfólio de aprendizagem consiste no documento de registro dos estudantes, é a coleção de trabalhos escolares. Uma pasta com anotações, rascunhos, esboços de projetos, amostras de trabalhos e o diário de aprendizagem do estudante seriam os registros escritos durante o decorrer do processo de trabalho sobre um tema ou assunto, em que os estudantes têm a oportunidade de folhear e observar seus trabalhos, inferindo breves escritas sobre o que aprenderam ao final de cada etapa: semana, mês ou unidade de ensino (ADRIANO, 2017a).

Para avaliar um portfólio com o intuito de atribuir uma nota ou conceito, para os registros exigidos nas instituições educativas, há necessidade da análise de critérios específicos. Para iniciar a avaliação de um portfólio o professor precisa de clareza sobre os propósitos educativos e da aprendizagem de cada estudante, incluindo o currículo escolar. A forma de avaliar o portfólio implica na identificação de alguns critérios que servirão como base para interpretação das produções selecionadas dos estudantes (ADRIANO, 2017a).

Em suma, questionarmos sobre as possibilidades de reestruturação da organização escolar implica na abertura de conceber a organização do trabalho educativo, os planos de aula, as dinâmicas desenvolvidas em sala de aula de forma diferente. O modo tradicional, por assim dizer, como o mais usado nas escolas, seriam as aulas onde o professor assume totalmente o controle, com exposições dos conteúdos seguidos de atividades.

Contudo, na percepção inclusiva por meio dos projetos pedagógicos, o professor passa a atuar como mediador do conhecimento. Aquele que detém os saberes oriundos de sua formação e experiência, mas que se encontra aberto para conduzir os alunos no processo de construção dos conhecimentos.

Nesse processo, abre o precedente para negociações sobre os temas e atividades, porque conhece o programa do ano letivo e as atividades que acrescem no processo de ensino e aprendizagem. No diálogo com a turma, descobre suas curiosidades ou problemas que permeiam a comunidade, e a partir desse momento insere os temas propostos ao ano escolar. Os temas saem da ordem prescrita no programa, somente ao final do ano todos serão contemplados,

Page 166: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

156

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

sendo que no decorrer do caminho assumirão significado em meio às atividades desenvolvidas.

A ação educativa por meio de projetos pedagógicos inclui todos no processo de ensino e aprendizagem, desenvolvendo a diversidade que existe em sala de aula. Em outras palavras, o aluno com deficiência; aquele com dificuldade de aprendizagem em alguma área do conhecimento; e o que apresenta dificuldade em se expressar em público, enfim, cada um com sua especificidade em desenvolvimento, todos se encontram e assumem suas fragilidades, mas conseguem revelar suas potencialidades nos trabalhos em grupo, que serão posteriormente avaliados.

O trabalho com projetos pedagógicos não desmerece a seriedade da prática docente ou da qualidade de ensino. Ao contrário, potencializa utilizando vários recursos para expandir o acesso ao conhecimento sobre um determinado tema, que na forma convencional seria abordado somente para atingir os objetivos programados ao ano letivo.

Para saber mais sobre o assunto, confira o curso livre intitulado Projetos Pedagógicos: um desafio para a regência, com carga horária de 40 horas.O curso aborda os conceitos referentes à construção conceitual, elaboração e prática dos projetos pedagógicos. Apresenta inclusive vídeos com atividades desenvolvidas com alunos, que podem servir de inspiração!Confira e aproveite para conhecer outros cursos disponíveis para você, acadêmico da UNIASSELVI.

DICAS

FONTE: Disponível em: <https://goo.gl/i34PHG>. Acesso em jun. 2017.

Page 167: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | INTEGRAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA NO PROCESSO EDUCACIONAL

157

4 UMA ESCOLA PARA A DIFERENÇA

A superação do sistema tradicional de ensinar, ou do convencional institucionalizado nas escolas, deve se dar por um modelo que recrie a concepção pedagógica. Numa perspectiva que propicie práticas educativas preocupadas em como e no que ensinar aos alunos, para contribuir no desenvolvimento de pessoas éticas, justas, humanas e comprometidas com o mundo em que vivem.

Para Mantoan (2011), a qualidade de ensino ainda se encontra associada à supervalorização do conteúdo acadêmico, aprendizado racional, desenvolvimento cognitivo, quantificando os saberes discentes. A proposta é uma escola que aborde um ensino de qualidade para formar pessoas que atuem numa sociedade humanizada. Em outras palavras, pessoas que aproximem os alunos e as disciplinas como forma de conhecer o mundo e as pessoas que fazem parte da comunidade, as pessoas como parceiras na elaboração e efetivação do projeto escolar.

A qualidade de ensino pode ser definida nas condições de trabalho pedagógico que implicam na formação de redes de saberes e relações, nas possibilidades de interação que se entrecruzam no processo de construção do conhecimento. Assim, a qualidade de ensino é representada nas ações educativas que demonstram solidariedade, colaboração, compartilhamento do processo educativo com todos os envolvidos (MANTOAN, 2011).

As escolas de qualidade consistem em espaços educativos que permitem a construção de personalidades humanas autônomas, críticas, onde as crianças aprendem a ser pessoas. O ensino enfatiza aos alunos a valorização da diferença, convivência, no exemplo vivenciado pela ação docente, no clima socioafetivo das relações estabelecidas entre todos. Nessas escolas não há exclusão de alunos em suas turmas, programas, aulas, atividades ou no convívio escolar, porque formam contextos educativos que incluem a todos no processo de ensino-aprendizagem e na convivência social (MANTOAN, 2011).

O professor, para trabalhar na perspectiva inclusiva, necessita do entendimento de que todas as crianças sabem algo, de que todos podem aprender e que apresentam formas e tempos diferenciados. O sucesso da aprendizagem está em identificar os talentos, possibilidades, desenvolver predisposições naturais de cada aluno, para que as dificuldades e limitações sejam reconhecidas como situações a serem desenvolvidas no processo de ensino-aprendizagem.

Segundo Mantoan (2011, p. 62), "para ensinar a turma toda, independentemente das diferenças de cada um dos alunos, temos de passar de um ensino transmissivo para uma pedagogia ativa, dialógica, interativa, que se contrapõe a toda e qualquer visão unidirecional, de transferência unitária, individualizada e hierárquica do saber". Tal proposta pedagógica apresenta uma educação não disciplinar, de acordo com Gallo (1999), com o ensino voltado para:

Page 168: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

158

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

• rompimento dos limites entre as disciplinas curriculares;• formação de redes de conhecimento e significações;• integração dos saberes, originados da transversalidade curricular;• policompreensões da realidade;• descoberta, inventividade e autonomia dos alunos na construção do

conhecimento;• ambientes polissêmicos, com temas de estudo que consideram a

realidade, identidade social e cultural dos alunos.

Nesse sentido, para ensinar a turma considerando todos os alunos, as atividades propostas devem ser abertas, diversificadas, ou seja, que contemplem os diferentes níveis de compreensão e desempenho da turma. As escolas que valorizam as diferenças são capazes de ensinar a turma na sua inteireza, por meio da reorganização completa da estrutura do processo de ensino e aprendizagem, a começar com as práticas desenvolvidas em sala de aula.

Faz-se necessário repensar o projeto pedagógico escolar de forma geral para que se ajuste aos novos parâmetros da ação educativa. As escolas que reconhecem as diferenças apresentam projetos inclusivos de educação que diferem dos convencionais vivenciados na escola. São formas diferenciadas de conceber a educação escolar, com práticas pedagógicas que permitem a atuação de todos na sua construção. Na perspectiva da escola inclusiva e de uma escola de qualidade, o professor deve acreditar nas potencialidades de aprendizagem dos alunos, abandonando a expectativa sobre o quanto podem ou devem aprender (MACHADO, 2011).

A deficiência de um aluno também não é motivo para que o professor deixe de proporcionar-lhe o melhor das práticas de ensino e, ainda, não justifica um ensino à parte, individualizado, com atividades que discriminam e que se dizem 'adaptadas' às possibilidades de entendimento de alguns. Ele deve partir da capacidade de aprender desses e dos demais alunos, levando em consideração a pluralidade das manifestações intelectuais (MACHADO, 2011, p. 72).

Nesse entendimento, a aprendizagem passa a ser algo imprevisível, por isso as rotulações ou categorizações dos alunos não definem sua capacidade de aprender. O professor deve ter a compreensão de que cada aluno é um ser em constante desenvolvimento, que precisa de liberdade e atividades que permitam a construção de seu conhecimento, não a reprodução de respostas padronizadas. O objetivo da escola não consiste em conduzir os alunos para o mesmo nível de conhecimento, mas em instigar o seu desenvolvimento.

Para Ropoli (2010), o projeto político pedagógico consiste no instrumento que proporciona o desenvolvimento do plano de trabalho construído de forma coletiva na escola, refletindo a sua singularidade, escolhas e especificidades. Nas escolas inclusivas a perspectiva de educação que orienta os trabalhos e define a qualidade de ensino não se resume nos padrões normativos convencionais assumidos por comodismo. Ao contrário, são escolas únicas que seguem as

Page 169: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 2 | INTEGRAÇÃO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA NO PROCESSO EDUCACIONAL

159

normativas dos mantenedores educacionais, mas que definem sua visão de escola e educação no projeto político-pedagógico.

A escola precisa de uma mudança emergencial, que não ocorre por meio de decreto ou lei, mas na vontade política do coletivo em buscar soluções para seus problemas. Assim, as ações pedagógicas devem ser incorporadas no projeto político-pedagógico da escola e vivenciadas por uma escola democrática, ou seja, não basta existir ações individuais que definam a inclusão na escola, faz-se necessária uma mudança que abrange o coletivo, que todos modifiquem a organização escolar numa perspectiva inclusiva da diversidade (ROPOLI, 2010).

A organização de uma sala de aula é atravessada por decisões da escola que afetam os processos de ensino e de aprendizagem. Os horários e rotinas escolares não dependem apenas de uma única sala de aula; o uso dos espaços da escola para atividades a serem realizadas fora da classe precisa ser combinado e sistematizado para o bom aproveitamento de todos; as horas de estudo dos professores devem coincidir para que a formação continuada seja uma aprendizagem colaborativa; a organização do Atendimento Educacional Especializado - AEE não pode ser um mero apêndice na vida escolar ou da competência do professor que nele atua (ROPOLI, 2010, p. 10).

Desta forma, as normas, regras, atividades, funções, diretrizes, orientações curriculares e metodológicas influenciam as condições metodológicas e administrativas das escolas nas redes de ensino. Elementos que interferem nos fazeres pedagógicos e são instituídos pelas políticas públicas, regimentos e outras normas do sistema.

Contudo, no meio escolar ainda existe um espaço e tempo construído pelas pessoas que compõem a instituição, de acordo com Ropoli (2010, p. 11):

A escola cria, nas possibilidades abertas pelo INSTITUINTE, um espaço de realização pessoal e profissional que confere à equipe escolar a possibilidade de definir o seu horário escolar, organizar projetos, módulos de estudo e outros, conforme decisão colegiada. Assim, confere autonomia a toda equipe escolar, acreditando no poder criativo e inovador dos que fazem e pensam a educação.

Podemos afirmar que a realidade da escola ocorre de forma dinâmica, por meio da vontade e entendimento sobre os processos de ensinar e aprender, por parte das pessoas que organizam e interagem cotidianamente. Nesse interim, o projeto político-pedagógico enquanto documento construído na coletividade, consiste no registro de significados, que conduzirá às decisões e ações desenvolvidas na escola (ROPOLI, 2010).

O projeto político-pedagógico precisa ser um documento que transversaliza as diversas práticas educativas, alterando a estrutura escolar para que seja de fato uma escola para todos e de todos. O PPP indica uma direção nos caminhos que serão percorridos na escola, responde aos questionamentos levantados pela equipe escolar e define que tipo de cidadão se deseja formar para a sociedade (ROPOLI, 2010).

Page 170: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

160

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

O professor, portanto, ao contribuir para a elaboração do PPP, bem como ao participar de sua execução no cotidiano da escola, tem a oportunidade de exercitar um ensino democrático, necessário para garantir acesso e permanência dos alunos nas escolas e para assegurar a inclusão, o ensino de qualidade e a consideração das diferenças dos alunos nas salas de aula. Exercer esse papel como um dos mentores do PPP não é uma obrigação formal, mas o resultado de um envolvimento pessoal do professor. Nesse sentido, vem antes a sua disposição de participar, porque contribuir é reconhecer a importância de sua colaboração para que o projeto se execute (ROPOLI, 2010, p. 12).

A escola não se constitui de forma independente do sistema de ensino, mas pode articular e interagir de forma autônoma, assumindo decisões em relação às particularidades da organização de ensino, em relação à comunidade a que pertence. Contudo, a democracia é construída paulatinamente com hábitos democráticos, vivenciados por todos, incluindo a gestão que precede a construção da autonomia, emancipação e participação da comunidade escolar nos fazeres da escola (ROPOLI, 2010).

Os professores constroem a democracia no cotidiano escolar, no modo como trabalham os conteúdos com os alunos, na realização das atividades, a disciplina, interação dos alunos, sistematização do AEE no contraturno, organização dos horários, planejamento, avaliação, entre outros. Observamos que o diferencial de uma escola inclusiva para a convencional requer conhecimento, determinação e decisão, que dependem da vontade de um grupo em se unir para discutir, estudar e apontar mudanças (ROPOLI, 2010).

A escola consiste numa instituição de ensino, mas também no espaço onde ocorrem diversas interações sociais, onde os alunos aprendem a conviver com os outros. Ambiente onde se desenvolve inclusive a cooperação, produções em grupo, trocas e partilhas de entendimentos e experiências, de acordo com as capacidades e habilidades de cada um. Uma escola que garante o acesso e permanência de todos os alunos, voltada para a inclusão das diversidades, necessita de um grupo de trabalho que pense de forma inclusiva, democrática e autônoma. Somente assim desenvolverão trabalhos diferenciados voltados para o processo de ensino-aprendizagem, formando cidadãos para atuarem na sociedade, permitindo que os alunos construam seus conhecimentos inseridos na realidade social.

Page 171: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

161

Neste tópico, você aprendeu que:

• A inclusão do aluno com deficiência múltipla suscita de grande envolvimento de sua parte, em conjunto com o comprometimento dos responsáveis e professores.

• Para compreender a pessoa com deficiência e a forma como se relaciona com o mundo há necessidade de se considerar suas estruturas perceptuais e cognitivas, por meio da observação.

• As atividades devem ser organizadas com objetivos direcionados para cada aluno, de acordo com os seus limites motor, fonador, social e outros, para que ocorra o desenvolvimento gradativo de suas aprendizagens.

• A inclusão do aluno com deficiência múltipla requer empatia no sentido de se colocar no lugar do outro, nos vários momentos sociais, compreendendo a deficiência a partir de sua própria perspectiva.

• A inserção dos alunos com deficiência no ensino regular promove o desenvolvimento positivo nas relações humanas, quando todos passam a se perceber enquanto seres humanos de direitos e oportunidades iguais, resultando no entendimento de comunidade.

• A sala de aula consiste no espaço de integração com uma cultura própria elaborada por meio dos diferentes discursos que se desenvolvem nas situações cotidianas das aulas.

• A utilização dos projetos pedagógicos como metodologia educativa articula a aprendizagem de conceitos, relacionando-os com os processos coletivos e internos desenvolvidos nos alunos durante a ação educativa.

• O professor valoriza os conhecimentos espontâneos da turma, para organizar de forma conjunta o planejamento das atividades que servirão de estratégias para que as dúvidas, problemas ou curiosidades sejam esclarecidos.

• A construção de um projeto pedagógico parte da concepção construtivista, na participação ativa dos estudantes no processo de ensino-aprendizagem dos saberes escolares.

• O portfólio de aprendizagem consiste no documento de registro dos estudantes, é a coleção de trabalhos escolares.

RESUMO DO TÓPICO 2

Page 172: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

162

• Para iniciar a avaliação de um portfólio, o professor precisa de clareza sobre os propósitos educativos e da aprendizagem de cada estudante, incluindo o currículo escolar.

• A ação educativa por meio de projetos pedagógicos inclui todos no processo de ensino-aprendizagem, desenvolvendo a diversidade que existe em sala de aula.

• A qualidade de ensino pode ser definida nas condições de trabalho pedagógico que implicam na formação de redes de saberes e relações, nas possibilidades de interação que se entrecruzam no processo de construção do conhecimento.

• As escolas de qualidade consistem em espaços educativos que permitem a construção de personalidades humanas autônomas, críticas, onde as crianças aprendem a ser pessoas.

• As escolas que reconhecem as diferenças apresentam projetos inclusivos de educação que diferem dos convencionais vivenciados na escola.

• A escola consiste numa instituição de ensino, mas também no espaço onde ocorrem diversas interações sociais, onde os alunos aprendem a conviver com os outros.

Page 173: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

163

AUTOATIVIDADE

1 (ENADE, PEDAGOGIA - 2017) A proposta que inspira os Projetos de Trabalho está vinculada à perspectiva do conhecimento globalizado e relacional. Essa modalidade de articulação dos conhecimentos escolares é uma forma de organizar a atividade de ensino e aprendizagem que implica considerar que tais conhecimentos não se ordenam para a compreensão de uma forma rígida, nem em função de algumas referências disciplinares preestabelecidas ou de uma homogeneização dos alunos. A função do projeto é favorecer a criação de estratégias de organização dos conhecimentos escolares em relação ao tratamento da informação e entre os diferentes conteúdos em torno de problemas ou hipóteses que facilitem aos alunos a construção de seus conhecimentos e a transformação da informação procedente dos diferentes saberes disciplinares em conhecimento próprio.

FONTE: HERNANDEZ, F. V. A Organização do Currículo por Projetos de Trabalho. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998 (adaptado).

I- Esta modalidade foi criada com o intuito de organizar práticas pedagógicas.II- No desenvolvimento da pedagogia de projetos, deve-se verificar que

componentes curriculares são adequados para aliar teoria e prática.III- O estudante é o sujeito central do processo de ensino-aprendizagem e suas

hipóteses e experimentos devem ser considerados nesse processo.IV- A etapa mais importante da pedagogia de projetos é a de levantamento de

dúvidas e definição dos objetos da aprendizagem.

É correto apenas o que se afirma em:a) ( ) I e II.b) ( ) II e IV.c) ( ) III e IV.d) ( ) I, II e III.

2 Na perspectiva da educação inclusiva há necessidade da superação do pensamento tradicional ou convencional presente nas escolas. Para tanto, as práticas educacionais devem ser entendidas como formas de aprendizados que englobam a todos os alunos, independentemente de suas diferenças, objetivando a qualidade de ensino.

Considerando a perspectiva da qualidade de ensino, avalie as seguintes asserções e a relação proposta entre elas:

I- A qualidade de ensino é representada nas condições de trabalho pedagógico voltadas à formação de redes de saberes e relações, enfatizando as interações que ocorrem no decorrer do processo de construção do conhecimento.

PORQUEII- Ocorre nas ações educativas representadas pela motivação à competição, nas

notas resultantes do rendimento dos alunos, que incidirão nas estatísticas das avaliações nacionais, categorizando as instituições de ensino.

Page 174: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

164

Assinale a alternativa que apresenta a resposta correta:a) ( ) As duas afirmações são verdadeiras e estabelecem relação entre si.b) ( ) As duas afirmações são verdadeiras, porém não estabelecem relação

entre si.c) ( ) A primeira afirmação é verdadeira, e a segunda afirmação é falsa.d) ( ) A primeira afirmação é falsa, e a segunda afirmação é verdadeira.

Page 175: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

165

TÓPICO 3

SUGESTÕES DE ATIVIDADES EDUCATIVAS

UNIDADE 3

1 INTRODUÇÃO

Prezado acadêmico, chegamos ao final dos estudos sobre os aspectos que envolvem o conceito, características e situações referentes à deficiência múltipla. Assim, pensamos ser necessário discutir as perspectivas e os desafios da escola para que, efetivamente, desenvolva uma educação inclusiva. O projeto político-pedagógico é um instrumento peculiar que impulsiona a reorganização dos espaços, tempos e fazeres na escola, que conta ainda com a participação ativa e democrática de todos.

Apresentamos a Tecnologia Assistiva - TA e a sua relação com o Atendimento Educacional Especializado como espaço para o acompanhamento e sugestões de atividades segundo as especificidades das necessidades educacionais dos alunos. Esse espaço inclui, ainda, a elaboração e sugestão de recursos de acessibilidade que são introduzidos no cotidiano dos alunos com deficiência, que requerem auxílio para interagirem com o meio escolar e social.

Por fim, destacamos algumas sugestões de atividades para alunos com deficiência múltipla, incluindo a adaptação de materiais para que consigam participar do processo de ensino-aprendizagem, quando sua deficiência causa limitações de acesso e interação nas atividades. A deficiência múltipla sensorial utiliza os mesmos recursos educativos apresentados aos surdo-cegos, a semelhança ocorre na deficiência auditiva e visual, que incide em limitações que requerem alternativas educacionais especializadas.

2 AS PERSPECTIVAS E OS DESAFIOS DA ESCOLA PARA A EDUCAÇÃO INCLUSIVA

A escola se encontra em constante transformação, como um processo de reestruturação contínua. Contudo, necessita ser entendida como instituição em processo, voltada à realização de práticas sociais contextualizadas que abordam as diversas dimensões. Nesse meio a inclusão social precisa ser pensada, principalmente quando se avalia como as pessoas que apresentam deficiências são entendidas no contexto social.

Page 176: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

166

Para tanto, há necessidade de se refletir, conforme Santos (2011), sobre alguns aspectos que se revelam nos fazeres, nas ações e pensamentos das pessoas que atuam e convivem na comunidade escolar, na elaboração do projeto político-pedagógico que requer a participação ativa e democrática de todos, na reorganização dos tempos e espaços da escola, na flexibilidade de horários e uso dos diversos espaços no desenvolvimento de atividades diferenciadas. A articulação da teoria com a prática, na formação dos grupos de estudos para o planejamento, partilha de experiências e reflexões do processo de ensino-aprendizagem.

No trabalho com as diferenças em sala de aula, considerando o contexto da diversidade cultural, as diferenças e os variados ritmos de aprendizagem da turma suscitam pela ação transdisciplinar na integração das diferentes áreas, e na escolha de temas culturais. A efetiva transformação das metodologias e dinâmicas utilizadas em sala de aula envolve a organização dos tempos e espaços, incluindo os trabalhos individuais, coletivos, sobretudo nas interações que ocorrem com a turma e o professor, e entre os colegas, assim como na revisão dos processos avaliativos e dos seus resultados de acordo com a flexibilidade e diversidade existente no ambiente escolar (SANTOS, 2011).

A equipe de profissionais da escola que discute sobre a sua situação, que reflete e aponta condições de mudança organizacional voltada à melhoria da qualidade de ensino expressa subjetivamente a preocupação em relação à inclusão, ao contrário da escola que se assinala como regular ou convencional, que procura homogeneizar as diferenças, padronizando as práticas educacionais na sistematização fragmentar dos conteúdos escolares, na organização das salas de aula com as carteiras enfileiradas, na limitação de possibilidades de pesquisa (SANTOS, 2011).

Para promover mudanças na escola há necessidade da compreensão da teoria e prática, sendo necessárias vontade e ação para perceber as diferenças como formas de enriquecimento coletivo não enquanto obstáculos que desestruturam um padrão único existente. Segundo Santos (2011), algumas ações são possíveis em diferentes níveis na escola: em sala de aula, projeto da escola, ações inclusivas a serem vivenciadas. A transformação da escola como uma responsabilidade para atender às diversidades culturais e na atualização dos conhecimentos, de forma a contemplar as diferenças com o processo de inclusão enquanto consequência do desenvolvimento do trabalho educativo.

A discussão das propostas para uma escola inclusiva deve surgir nos espaços regulares de ensino, não sendo entendida como algo peculiar das escolas especiais, mas necessária em todas as instituições de ensino como forma de garantir uma escola de qualidade e inclusiva (SANTOS, 2011). Para tanto, se faz necessária formação continuada em serviço e o estímulo à aprendizagem constante dos professores, para que pensem alternativas que oferecem uma escola para todos, espaços que acolham diferenças e deficiências.

Page 177: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | SUGESTÕES DE ATIVIDADES EDUCATIVAS

167

O envolvimento das políticas públicas no sentido prioritário de garantir a sustentação pedagógica para que os professores desenvolvam um trabalho educativo voltado para a heterogeneidade serve como enriquecimento cultural que contempla as diversas características sociais. As políticas públicas somente são aplicadas quando cada profissional entende que "[...] fazer política é ato individual e coletivo, que não se delega a instâncias representativas desvinculadas do aqui e do agora" (SANTOS, 2011, p. 151). Para a efetivação da escola de qualidade tão almejada por todos há necessidade de se praticar a cidadania, ou seja, de considerar as diferenças por meio da inclusão de todos nos processos de ensino, prioritariamente no ensino regular.

3 TECNOLOGIA ASSISTIVA E O ATENDIMENTO EDUCACIONAL ESPECIALIZADO

A educação especial, desde a Constituição de 1988, deixou de ser algo que substituía o ensino regular para complementar a formação dos alunos com deficiência, que passaram a ter direito de frequentar a escola. Assim, o atendimento educacional especializado passou a ser ofertado a todos os alunos com deficiência, em todos os níveis de escolarização, no turno oposto ao que frequentam a escola (BERSCH, 2011).

O professor que atua no ensino especializado deve desenvolver atividades de acordo com as especificidades e as necessidades educacionais do aluno, auxiliando-o a transpor suas limitações. Dessa forma, sua ação pedagógica assume um caráter complementar e interligado à proposta escolar regular, bem como a todos os desafios que a inclusão escolar propõe aos alunos (BERSCH, 2011).

Na perspectiva da educação inclusiva, o espaço escolar deve organizar e ofertar o serviço de Tecnologia Assistiva – TA, implantada nas salas de recursos multifuncionais. Assim, a TA consiste em recursos e serviços que contribuem para a ampliação das habilidades funcionais das pessoas com deficiência, promovendo sua independência social. Recursos esses que se efetivam nos equipamentos utilizados pelo aluno no desempenho de uma determinada atividade, e o serviço relacionado a resolver as dificuldades funcionais do aluno, na busca de alternativas para que participe e atue nas diversas atividades no contexto escolar (BERSCH, 2011).

Segundo Galvão e Damasceno (2008), a ISO 9999 classifica as ajudas técnicas ou Tecnologia Assistiva – TA em dez áreas diferentes. Há várias possibilidades de recursos simples e de baixo custo que podem ser disponibilizadas para as turmas, em escolas inclusivas, conforme as necessidades específicas dos alunos.

Page 178: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

168

FIGURA 3 – DEZ ÁREAS DA TECNOLOGIA ASSISTIVA

FONTE: Adaptado de Galvão e Damasceno (2008)

A disponibilização dos recursos e adaptações consistem em materiais simples e artesanais, elaborados pelos professores para contribuir com o acesso no processo de ensino-aprendizagem. Desta forma, as pessoas da escola colocam em prática a TA quando buscam de forma criativa alternativas para que o aluno com deficiência realize as atividades propostas, valorizando suas capacidades e habilidades, minimizando as dificuldades. Em suma, ocorre por meio da criação de alternativas para que o aluno possa interagir nas situações que envolvem a comunicação, escrita, mobilidade, leitura, brincadeiras, artes, utilização do material escolar, e outros.

Nesse sentido, Galvão e Damasceno (2008) distinguem três grupos de

classificação dos recursos de acessibilidade, com adaptações físicas ou órteses; de hardware e com softwares especiais de acessibilidade.

Page 179: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | SUGESTÕES DE ATIVIDADES EDUCATIVAS

169

FIGURA 4 – RECURSOS DE ACESSIBILIDADE

FONTE: Adaptado de Galvão e Damasceno (2008)

É no espaço das salas de recursos que o aluno experimentará as opções de equipamentos, até encontrar o que se adapte à sua necessidade. Assim que o professor especializado identificar o sucesso na utilização de um determinado material, deverá providenciar para ser transferido à sala de aula ou que permaneça com o aluno para seu uso pessoal. Os serviços de TA apresentam característica multidisciplinar e devem envolver o aluno usuário, responsáveis, profissionais de várias áreas, como terapeutas ocupacionais, fonoaudiólogos, fisioterapeutas e psicólogos. O envolvimento de todos auxilia o professor especializado a buscar o recurso que melhor atenda às necessidades do aluno com deficiência (BERSCH, 2011).

Bersch (2011) apresenta algumas modalidades importantes para a inclusão educacional dos alunos com deficiência:

• auxílio para a vida diária e prática com materiais pedagógicos e escolares especiais;

• comunicação aumentativa e alternativa;• recursos de acessibilidade ao computador;• adequação postural incluindo o mobiliário e posicionamento, e

mobilidade;• recursos para deficiência visual;• recursos para deficiência auditiva;• projetos arquitetônicos para acessibilidade;• adaptações em veículos escolares para acessibilidade.

Page 180: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

170

A adaptação do material escolar inclui os lápis, canetas e pincéis engrossados; adaptações que facilitam virar páginas; mobiliário adequado e personalizado; pranchas de comunicação alternativa; material pedagógico ampliado ou em relevo; impressões em braile; lupas; máquina braile; teclados especiais com facilidade de acesso ao deficiente físico; mouses alternativos; softwares com acessibilidade e outros. As adaptações arquitetônicas consistem em rampas e elevadores; sinalizadores visuais e em braile; portas largas; e outros (BERSCH, 2011).

FIGURA 5 – MATERIAIS ADAPTADOS

Jardim sensorial Oferece, por meio de atividades dirigidas pelo professor, a possibilidade de os alunos terem contato sensorial com a natureza através do olfato, do paladar, do tato, da visão e da audição, estimulando assim todos os sentidos.

Kit LuvaPainel em tecido, com bolsos em plástico transparente, utilizado para armazenar objetos que serão empregados nas atividades de estimulação sensorial, contendo: • 5 potes para estimulação gustativa (Ex.: doces, salgados e azedo);

• 5 vidros para estimulação olfativa (Ex.: pó de café, temperos etc.);

• 5 objetos para estimulação auditiva (Ex.: chocalho, guizo, apito etc.);

• 5 objetos para estimulação visual (Ex.: lanterna, brinquedos com cores contrastantes e brilho);

• 5 objetos para estimulação tátil (Ex.: esponja, lixa, massa de modelar etc.) .

Tapete sensorialTapete com diferentes texturas, cores e sensação térmica, para estimulação sensorial. Podendo ser confeccionado com: EVA, estopa, feltro, cortiça, tapete, carrapicho, madeira, tecido plush, couro, manta acrílica, etc.

Chocalho adaptadoConfeccionado com duas mini garrafas pet contendo objetos, como: contas, guizos, grãos. As garrafas podem ser unidas com fita adesiva. Detalhe: elástico com velcro nas pontas para fixar junto ao corpo do aluno, estimulando a audição por meio do movimento e do som.

Page 181: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | SUGESTÕES DE ATIVIDADES EDUCATIVAS

171

FONTE: Rodrigues et al. (2008, p. 47-54)

Painel móvelPainel móvel com estrutura em metalon revestido em eucatex com chapa de aço galvanizado para materiais imantados. É importante que o painel seja móvel para ser posicionado próximo ao aluno e transportado para todas as dependências da escola.

Bolsa para comunicaçãoBolsa confeccionada em tecido resistente para ser usada pelo professor no transporte de materiais de comunicação do aluno, visando a utilização em todos os ambientes.

Carteira ImantadaCarteira em madeira e aço galvanizado, com regulagem de altura e inclinação para facilitar o manuseio das fichas de comunicação. Sugestão: poderá ser colocado aço galvanizado na própria

carteira do aluno, tendo-se o cuidade de proteger as bordas para evitar acidentes. Essa mesa também pode ser utilizada nas demais atividades de sala.

Recurso de comunicaçãoPara uso individual e personalizado. Pode ser confeccionado com álbum de fotografia ou cardápio, contendo imagens utilizadas na comunicação

do aluno. Sugestão: pesquisar imagens na internet, revistas, utilizar rótulos, embalagens, fotos, entre outros. Importante considerar a funcionalidade das imagens para cada aluno.

Álbum individual de comunicação

Livro adaptadoLivro de história, adaptado com fichas de comunicação, contendo imagens que substituem o texto, com o objetivo de facilitar a compreensão e a interação do aluno. Além de ser um recurso para o trabalho com pessoas deficientes, este livro também pode ser utilizado por alunos que ainda não estão alfabetizados ou que apresentem dificuldades específicas de leitura.

Prancha de comunicaçãoConfeccionada em prancheta ou papelão, com figuras do PCS ou imagens reais, para facilitar a comunicação e expressão dos alunos durante as atividades.

ManoplasO talher pode ser enfrossado com manopla de bicicleta com peso. E, para ficar o talher na manopla, preencher o interior com mistura de pó de ferro e cola branca.

PoliflexO talher também pode ser engrossado com poliflex encontrado em lojas para produtos de refrigeração.

Contentor de alimentos

Em PVC, com hastes para fixar na borda do prato. O talher poderá ser fixado com velcro na mão do aluno, caso o mesmo tenha dificuldade em mantê-lo.

Adaptação em PVC ou tecidoCom velcro para escova de dentes, que pode ser utilizado em outros objetos de AVD como o pente, escova de cabelo, batom, etc.

ou tecido impermeável, para evitar o acúmulo de resíduos alimentares e salivas no vestuário do aluno.

Avental práticoConfeccionado com tecido atoalhado, forrado com plástico

Page 182: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

172

A Secretaria de Educação Especial do Ministério da Educação, por meio do Programa Nacional de Apoio ao Aluno com Deficiência Física, sugere ações colaborativas junto aos sistemas de ensino com o objetivo de promover a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais. A obra denominada Portal de Ajudas Técnicas objetiva apoiar o desenvolvimento do trabalho educativo dos profissionais da educação para viabilizar e melhorar sua prática inclusiva. Aborda recursos a serem incorporados, recriados e avaliados em situações de ensino e aprendizagem numa linguagem simples, que apresenta questões teóricas relevantes, por meio de fotos que ilustram as possibilidades práticas do uso dos recursos para comunicação alternativa.

DICAS

FONTE: Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/ajudas_tec.pdf>. Acesso em: jun. 2018.

4 SUGESTÕES DE ATIVIDADES PARA ALUNOS COM DEFICIÊNCIA MÚLTIPLA

As sugestões de atividades objetivam orientar os professores para que encontrem soluções de objetos, muitas vezes de adaptações, para que o aluno participe das atividades em sala de aula. Primeiramente, o professor deve observar as necessidades do aluno promovidas pela limitação da deficiência, para depois propor as adaptações de materiais e recursos pedagógicos.

Page 183: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | SUGESTÕES DE ATIVIDADES EDUCATIVAS

173

FIGURA 6 – SISTEMÁTICA PARA ADAPTAÇÃO DOS MATERIAIS

FONTE: Brasil (2002, p. 6)

Nesse sentido, o professor necessita entender a situação, para depois gerar ideias para sua prática educativa, escolher a alternativa que melhor couber à situação, representar a ideia, construir o objeto, avaliar o uso pelo aluno e acompanhar o uso prestando auxílio quando necessário, ou seja, no entendimento da situação que envolve o aluno, o professor deve escutar seus desejos, identificar suas características físicas e psicomotoras, como o aluno interage na escola e compreender o contexto social em que se encontra inserido (BRASIL, 2002).

No segundo sentido, o professor gera ideias a partir das conversas com o usuário dos recursos, busca soluções para suas necessidades, pesquisa materiais e alternativas para confeccionar os objetos adaptados. Depois o professor escolhe a alternativa viável considerando as necessidades que serão atendidas e a disponibilidade de recursos materiais para a construção do objeto. Assim que o professor representar a ideia, por meio de desenhos ou modelos, necessita definir os materiais e as dimensões do objeto, incluindo a sua forma, medidas, peso, textura e outros.

Na construção do objeto para experimentação, assim que a adaptação estiver pronta, deve ser apresentada para que o usuário utilize numa situação real. Desta forma, o professor consegue avaliar o uso do objeto, perceber se atendeu à demanda, e ainda verificar se facilitou a interação do aluno no processo de ensino-aprendizagem. Para tanto, o professor acompanha o uso do objeto adaptado, verificando o desenvolvimento do aluno na utilização do novo recurso, analisando se precisa realizar novas adaptações ou alterações (BRASIL, 2002).

Apresentamos algumas sugestões de materiais adaptados para o uso de alunos com deficiência para serem utilizados em sala de aula. Algumas ideias contemplam jogos que necessitam de um número significativo de

1 Entendera situação

2 Gerar ideias

3 Escolher alternativa

4 Representara ideia

5 Construiro objeto

6 Avaliaro uso

7 Acompanharo uso

Page 184: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

174

alunos, contudo, a inserção da ludicidade nas práticas educativas favorece o desenvolvimento de todos os alunos de forma geral. Assim, sugerimos que os jogos sejam disponibilizados em momentos de aula para os alunos interagirem de forma dinâmica, reconhecendo na atividade a diversidade de saberes e formas de aprender existentes na turma.

FIGURA 7 – DOMINÓ DE QUANTIDADE E NUMERAIS EM RELEVO

FONTE: Brasil (2002, p. 14)

FIGURA 8 – QUEBRA-CABEÇA DE CUBOS

FONTE: Brasil (2002, p. 16)

Page 185: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | SUGESTÕES DE ATIVIDADES EDUCATIVAS

175

FIGURA 9 – CAIXA DE ESTÍMULOS

FONTE: Brasil (2002, p. 17)

FIGURA 10 – JOGO DA MEMÓRIA

FONTE: Brasil (2002, p. 19)

Page 186: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

176

FIGURA 11 – JOGO DOS NUMERAIS

FONTE: Brasil (2002, p. 27)

FIGURA 12 – ÁBACO DE ARGOLAS

FONTE: Brasil (2002, p. 28)

Page 187: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | SUGESTÕES DE ATIVIDADES EDUCATIVAS

177

FIGURA 13 – LIVRO DE TEXTURAS

FONTE: Brasil (2002, p. 36)

FIGURA 14 – ALFABETO LAVÁVEL

FONTE: Brasil (2002, p. 39)

Page 188: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

178

FIGURA 15 – QUADRO COM ALFABETO MÓVEL

FONTE: Brasil (2002, p. 43)

FIGURA 16 – CADERNO COM ELÁSTICO

FONTE: Brasil (2002, p. 38)

Page 189: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | SUGESTÕES DE ATIVIDADES EDUCATIVAS

179

FIGURA 17 – CALENDÁRIO

FONTE: Bosco, Mesquita, Maia (2010, p. 17)

FIGURA 18 – MATERIAIS DE USO ESCOLAR ADAPTADOS

FONTE: Disponível em: <https://lekotekparana.wordpress.com/2011/11/21/adptacao-de-materias-para-criancas-com-deficiencias-lekotek/>. Acesso em: 20 jun. 2018.

Page 190: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

180

LEITURA COMPLEMENTAR

A SINAPSE ENTRE NEUROCIÊNCIA E EDUCAÇÃO

Carollini Silva Thomaz Graciani

À primeira vista, Neurociência e Educação parecem ser dois campos distintos. O primeiro volta-se para a área biomédica, o segundo para a área escolar. No entanto, analisando seus objetos de estudo, eis que surge uma interseção. O objeto de estudo referente à neurociência está no Sistema Nervoso Central, focando especificamente o cérebro. Já o principal objeto de estudo referente à Educação está especificamente na aprendizagem. Cérebro e aprendizagem? Diante desta questão fica claro o quanto um relaciona-se com o outro, logo, Neurociência pode ter algo a contribuir para com a Educação. Além de objeto de estudo, é possível até mesmo identificar termos semelhantes de investigação, seja do campo educacional, seja alvo da neurociência.

Em um exercício de brainstorming é possível levantar vários termos estudados na teoria pedagógica: estrutura cognitiva; maturação; fases do desenvolvimento; fatores externos; aspectos cognitivo, afetivo e motor; motivação; linguagem; memória; atenção; assimilação e acomodação; estímulo e resposta; insights; Inteligências Múltiplas; Altas Habilidades/Superdotação; Dificuldades de aprendizagem… enfim, dentro deste aspecto a lista torna-se extensa.

Piaget, em sua famosa Teoria da Epistemologia Genética é o mais claro exemplo entre Educação e a contribuição que a Neurociência poderia oferecer aos estudos. Marques (2012), estudiosa em Piaget – UFRGS, afirma: "O que hoje a Neurociência defende sobre o processo de aprendizagem se assemelha ao que os teóricos mostravam por diferentes caminhos”. Macedo (2012) conclui: "Até o século passado, apenas se intuía como o cérebro funcionava. Ganhamos precisão". Precisão parece ser a palavra-chave para estabelecer relação entre os termos semelhantes de investigação e, ainda, elucidar uma possível contribuição. Mietto (2009) esclarece: A neurociência vem nos desvendar o que antes desconhecíamos sobre o momento da aprendizagem. O cérebro, esse órgão fantástico e misterioso, é matricial nesse processo do aprender. Suas regiões, lobos, sulcos, reentrâncias têm sua função e real importância num trabalho em conjunto, onde cada um precisa e interage com o outro.

O conceito de aprendizagem mais conhecido dentro da ciência pedagógica reside em mudança de comportamento, fruto tanto da interação entre as estruturas mentais quanto do meio. Relvas (2010, p. 26) traz uma clara definição do que venha a ser aprendizagem próximo ao contexto educacional: “[…] segundo a definição do Dicionário Aurélio: “aprendiz (1) + agem (2), onde (1) = aquele que aprende (tomar conhecimento de) e (2) = “ação” ou resultado de ação”, ou seja, aprendizagem seria o ato de tomar conhecimento, a ação de aprender”.

Page 191: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | SUGESTÕES DE ATIVIDADES EDUCATIVAS

181

O que seria aprendizagem para a neurociência? Em um conceito neurobiológico, aprendizagem é: “Processo complexo que resulta em modificações estruturais e funcionais permanentes do Sistema Nervoso Central. Representa uma das fases da memória: aquisição”. Ohweiler (2006 apud TORRES [200-], grifo do autor). Já Mietto (2009), em uma linguagem mais voltada para o campo educacional, enfatiza que quando falamos em educação e aprendizagem, estamos falando em processos neurais, redes que se estabelecem, neurônios que se ligam e fazem novas sinapses. E o que entendemos por aprendizagem? Aprendizagem nada mais é do que esse maravilhoso e complexo processo pelo qual o cérebro reage aos estímulos do ambiente, ativa essas sinapses (ligações entre os neurônios por onde passam os estímulos), tornando-as mais "intensas".

Saindo da palavra “precisão”, encontra-se agora mais um elemento-chave, a palavra “sinapse”. Como bem esclarecido acima, são “ligações entre os neurônios por onde passam os estímulos”. Lent (2001, s.p.) conceitua de forma fisiológica: “A região de contato entre um terminal de uma fibra nervosa e um dendrito ou o corpo (mais raramente, um outro axônio) de uma segunda célula, chama-se sinapse, e constitui uma região especializada fundamental para o processamento da informação pelo sistema nervoso”.

Existe ainda uma ressalva com relação ao impulso nervoso, descrita por Lent (2001): O impulso nervoso é o principal sinal de comunicação do neurônio, um pulso elétrico gerado pela membrana, rápido e invariável, que se propaga com enorme velocidade ao longo do axônio. Ao chegar à extremidade do axônio o impulso nervoso provoca a emissão de uma mensagem química que leva à informação – intacta ou modificada – para a célula seguinte.

Além das sinapses, a memória também tem grande contribuição neste complexo processo. Memória: “É a reprodução mental das experiências captadas pelo corpo por meio dos movimentos e dos sentidos. É também a capacidade de planejamento, abstração, julgamento crítico e atenção” (RELVAS, 2010, p. 40).

Diante deste conceito, Relvas (2010) esclarece que existem dois tipos de memória: a emocional (que realiza este primeiro momento de “sensibilização”) e a racional (responsável por esta capacidade analítica). Aprendizagem, memória e sinapse? Conclui-se:

A aprendizagem e a memória necessitam de mecanismos neurais mediados pelas sinapses nervosas. Estas sinapses podem ser afetadas por estímulos neuropsicológicos, eletrofisiológicos, farmacológicos e a genética molecular, que determinam alterações nos circuitos cerebrais (RELVAS, 2010, p. 37).

Compreender como ocorrem estas sinapses ainda não satisfaz a preocupação que paira no campo educacional: Como fazer para consolidar de fato as informações que chegam ao cérebro? Coto (2013) diz que antes existia insatisfação com relação aos métodos utilizados para a aprendizagem na escola. E que, atualmente, as ferramentas oferecidas pela neurociência permitem

Page 192: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

182

cobrir todos os estilos de aprendizagem, desenvolvendo diferentes formas para enfrentar os desafios.

Segundo Mietto (2009, s.p.): “[…] através de atividades prazerosas e desafiadoras o ‘disparo’ entre as células neurais acontece mais facilmente: as sinapses se fortalecem e redes neurais se estabelecem com mais facilidade”. Diante destes questionamentos, o termo “Neurociência da aprendizagem” é o estudo de como o cérebro aprende. É o entendimento de como as redes neurais são estabelecidas no momento da aprendizagem, bem como de que maneira os estímulos chegam ao cérebro, da forma como as memórias se consolidam, e de como temos acesso a essas informações armazenadas (MIETTO, 2009).

O Conselho Nacional de Pesquisas dos Estados Unidos (2007) revela que em todos os campos, a nova ciência da aprendizagem está levando a produzir conhecimentos para melhorar significativamente a capacidade das pessoas de se tornarem aprendizes ativos, empenhados em entender assuntos complexos e mais bem preparados para transferir o que aprenderam a novos problemas e cenários. Fazer isso acontecer é um grande desafio, mas não é impossível. A emergente ciência da aprendizagem enfatiza a importância de se repensar o que é ensinado, a maneira de ensinar e o modo de avaliar a aprendizagem.

Hennemann (2012) esclarece que a neuropsicopedagogia possui as mesmas bases de regulamentação da psicopedagogia, mas o neuropsicopedagogo desempenha papel diferente: os neuropsicopedagogos possuem um conhecimento melhor estruturado sobre a função cerebral, entendendo a forma como esse cérebro recebe, seleciona, transforma, memoriza, arquiva, processa e elabora todas as sensações captadas pelos diversos elementos sensores para, a partir desse entendimento, poder adaptar as metodologias e técnicas educacionais a todas as pessoas e, principalmente, àquelas com características cognitivas e emocionais diferenciadas.

Por que um professor (ou neuropsicopedagogo) precisa compreender as funções cerebrais citadas acima? Pesquisadores chegam a afirmar que a aprendizagem, de modo geral (que vai além da escolar), é vital para a sobrevivência da espécie. O professor tem como objetivo a aprendizagem, produto este do cérebro. Partindo do princípio de que a educação visa alcançar o desenvolvimento integral do aluno, compreender as funções cerebrais, em contexto educacional, é mais do que ter noções fisiológicas, é ter consciência do que de fato acontece no cérebro do aluno mediante as intervenções pedagógicas.

Outro conceito-chave para estabelecer relação entre neurociência e educação: “neuroplasticidade” (sendo a base biológica para a aprendizagem e, também, para o esquecimento). Conceitos propostos por Jean Piaget como desequilíbrio, assimilação e acomodação no processo de aprendizagem assemelham-se ao que atualmente é estudado pela neurociência como neuroplasticidade. Segundo Torres [200-], neuroplasticidade é a capacidade de organização/reorganização do Sistema Nervoso frente ao aprendizado e à lesão. Relvas (2010, p. 34) apresenta:

Page 193: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | SUGESTÕES DE ATIVIDADES EDUCATIVAS

183

BASES FUNDAMENTAIS DA NEUROCIÊNCIA sobre NEUROPLASTICIDADE NEURAL: a) O cérebro tem a capacidade ilimitada de aprendizagem e pode renovar a si mesmo. b) O cérebro responde eficazmente à atividade física, ao treino mental e ao estilo de vida, podendo manter-se ágil durante toda a vida.

Anteriormente, concebiam-se as conexões cerebrais como algo acabado, imutável, hoje sabe-se que o cérebro tem incrível capacidade plástica, o que permite intervenções para as modificações das mesmas. Transferindo esta questão para a sala de aula significa apostar em um ambiente estimulador e na mediação pedagógica. Abordar mediação pedagógica requer reflexão na prática de ensino para se alcançar a aprendizagem.

O aprender e o lembrar do estudante ocorrem no seu cérebro. Conhecer como o cérebro funciona não é a mesma coisa que saber qual é a melhor maneira de ajudar os alunos a aprender. A aprendizagem e a educação estão intimamente ligadas ao desenvolvimento do cérebro, o qual é moldável aos estímulos do ambiente (FISCHER; ROSE, 1998 apud BARTOSZECK [200-]).

Bartoszeck [200-] apresenta uma tabela aliando os Princípios da Neurociência com o Ambiente de Sala de Aula. Podem ser destacados alguns destes princípios:

• “Aprendizagem e memória e emoções ficam interligadas quando ativas pelo processo de aprendizagem”. Transferindo para o ambiente de sala de aula isto significa que é preciso dar importância às ideias e aos sentimentos do aluno. Quando há atenção e motivação diante do que é exposto, as informações são armazenadas mais facilmente na memória e duram mais tempo, porque adquiriram significado. Para isso, destaca-se também a necessidade da repetição, segundo Guerra (2011, s.p.), especialista em neuropsicologia: “Se as informações/experiências forem repetidas, a atividade mais frequente dos neurônios relacionados a elas resultará em neuroplasticidade e produzirá sinapses mais consolidadas”. Se há significação, relação com outros conhecimentos, e é possível “trazer” da memória quando necessário sua aplicabilidade é porque houve aprendizagem. Aprendizagem esta significativa (tanto defendida na educação atual).

• “O cérebro se modifica aos poucos fisiológica e estruturalmente como resultado da experiência”. Ou seja, esta questão dentro de sala de aula reflete no fato de se oferecer estímulos, possibilitar os mais diversos tipos de experiências e estabelecimento de associações. É aí o lugar privilegiado que tem o educador, é este o princípio da neurociência que mais deixa evidente o quanto intervenções pedagógicas podem influir no processo de aprendizagem, no momento das conexões neurais.

• “Inúmeras áreas do córtex cerebral são simultaneamente ativadas no transcurso de nova experiência de aprendizagem”. Este princípio alia-se ao anterior, a ativação destas áreas simultaneamente no momento da aprendizagem significa que para que a aprendizagem ocorra é preciso estabelecer relações de forma

Page 194: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

UNIDADE 3 | DEFICIÊNCIAS MÚLTIPLAS E AS PERSPECTIVAS EDUCACIONAIS

184

que a informação nova se “ancore” na compreensão anterior (BARTOSZECK, [200-]).

• “O cérebro foi evolutivamente concebido para perceber e gerar padrões quando testa hipóteses”. O melhor exercício para o cérebro é aquele que o estimule a pensar, pode parecer até mesmo um emprego metalinguístico, mas quanto mais hipóteses forem provocadas, mais novas conexões serão estabelecidas, novas aprendizagens serão produzidas. A melhor forma para testar hipóteses em sala de aula são exercícios de resolução de problemas, que envolvam discussão, argumentação e análise.

• “O cérebro responde, devido à herança primitiva, às gravuras, imagens e símbolos”. Em ambiente escolar, significa proporcionar experiências multissensoriais, buscar nas artes o atrativo para estimular o cérebro.

Estes princípios da neurociência evidenciam o quanto o cérebro necessita de variedade de estímulos, o quanto o mesmo estabelece relações, isso devido sua incrível capacidade plástica. Com isso, a aprendizagem escolar deve passar pela estimulação, experimentação, expressão, por desafios, motivações, emoções, atrativos, de modo que as informações apresentadas por meio do ensino sejam de fato efetivadas, consolidadas, e proporcionem novos conhecimentos interligados, significativos.

As estratégias pedagógicas utilizadas por educadores durante o processo ensino-aprendizagem são estímulos que produzem a reorganização do SN em desenvolvimento, resultando em mudanças comportamentais. Cotidianamente, educadores, pais e professores atuam como agentes nas mudanças neurobiológicas que levam à aprendizagem, embora conheçam muito pouco sobre como o cérebro funciona (SCALDAFERRI; COCH; ANSARI, 2009 apud GUERRA, 2011).

Daí a grande necessidade de o educador buscar por esse campo do conhecimento conhecido como: Neurociência. Guerra (2011, s.p.) faz uma ressalva que se relaciona perfeitamente com a “sinapse” proposta neste presente artigo entre neurociência e educação:

Segundo Stern (2005), a neurociência por si só não pode fornecer o conhecimento específico necessário para elaboração de ambientes de aprendizagem em áreas de conteúdo escolar específicas, particulares. Mas fornecendo “insights” sobre as capacidades e limitações do cérebro durante o processo de aprendizagem, a neurociência pode ajudar a explicar porque alguns ambientes de aprendizagem funcionam e outros não.

A grande preocupação está com a euforia em torno do assunto, a neurociência deve ser vista como uma ciência auxiliar.

E quando não aprendemos, o problema está sempre no cérebro? Nem sempre. Aprendizagem não depende apenas do funcionamento cerebral. A maioria dos casos tem relação com outros fatores, e não com um “problema cerebral”. Além disso, ela é influenciada por aspectos culturais, sociais, econômicos e também pelas políticas públicas de educação, que tornam as neurociências apenas mais

Page 195: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

TÓPICO 3 | SUGESTÕES DE ATIVIDADES EDUCATIVAS

185

uma contribuição para a abordagem da aprendizagem (GUERRA, 2011). Depois de tantas reflexões, qual deve ser a postura do educador, em

meio ao planejamento de sua didática, diante dos princípios apresentados pela neurociência? Ainda segundo o Conselho Nacional de Pesquisas dos Estados Unidos (2007), deve ser esta sua preocupação:

1. Professores devem extrair a compreensão preexistente trazida pelos alunos e trabalhar com ela.

2. Os professores devem ensinar algum assunto em profundidade, fornecendo muitos exemplos em que o mesmo conceito está em ação e proporcionando uma base sólida de conhecimento factual.

3. O ensino de habilidades metacognitivas deve ser integrado no currículo de diversas áreas temáticas.

A Educação lida com a aprendizagem em seu ambiente externo, enquanto resultado de intervenções. A Neurociência lida com a aprendizagem internamente, enquanto “gênese” e consolidação. Ambas merecem conexão a fim de que uma efetive a outra. E nada mais pertinente que seja o professor aquele que venha a estabelecer esta “sinapse” entre neurociência e educação, pois o cérebro produz aquilo que se estimula e se concretiza em sala de aula: a aprendizagem!

FONTE: Disponível em: <https://www.aedb.br/wp-content/uploads/2015/05/10621372.pdf>. Acesso em: 20 jun. 2018.

Page 196: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

186

Neste tópico, você aprendeu que:

• A elaboração do projeto político-pedagógico requer a participação ativa e democrática de todos na reorganização dos tempos e espaços da escola, na flexibilidade de horários e uso dos diversos espaços e no desenvolvimento de atividades diferenciadas.

• No trabalho com as diferenças em sala de aula, considerando o contexto da diversidade cultural, as diferenças e os variados ritmos de aprendizagem da turma suscitam pela ação transdisciplinar na integração das diferentes áreas, e na escolha de temas culturais.

• A educação especial, desde a Constituição de 1988, deixou de ser algo que substituía o ensino regular para complementar a formação dos alunos com deficiência, que passaram a ter direito de frequentar a escola.

• Na perspectiva da educação inclusiva o espaço escolar deve organizar e ofertar o serviço de Tecnologia Assistiva – TA, implantada nas salas de recursos multifuncionais.

• A disponibilização dos recursos e adaptações consiste em materiais simples e artesanais, elaborados pelos professores para contribuir com o acesso no processo de ensino-aprendizagem.

• O professor necessita entender a situação do aluno para depois gerar ideias para sua prática educativa, escolher a alternativa que melhor couber à situação, representar a ideia, construir o objeto, avaliar o uso pelo aluno e acompanhar o uso prestando auxílio quando necessário.

RESUMO DO TÓPICO 3

Page 197: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

187

AUTOATIVIDADE

1 (ENADE, PEDAGOGIA - 2017) Um aluno da rede pública de ensino, com 11 anos de idade, está matriculado no 5º ano do Ensino Fundamental e tem surdez profunda bilateral. Ele é bem-humorado, brincalhão e bastante sociável. É fluente na Língua Brasileira de Sinais (Libras), mas apresenta dificuldades de leitura e escrita da Língua Portuguesa. Tem potencial cognitivo elevado, embora necessite de constante interferência e auxílio da professora para realizar suas atividades.

FONTE: Disponível em: <http://www.cepae.faced.ufu.br>. Acesso em: 7 jul. 2017 (adaptado).

Considerando a situação apresentada e o que estabelece a Política Nacional da Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva, deve-se assegurar a esse aluno:

a) ( ) Escolarização que atenda à proposta educacional bilíngue, considerando-se a Língua de Sinais como primeira língua.

b) ( ) Atendimento educacional especializado, priorizando-se o ensino da Língua Portuguesa, de modo a garantir a educação bilíngue.

c) ( ) Processo avaliativo que priorize o uso da Língua Portuguesa na modalidade escrita, dada a importância da manutenção do registro da aprendizagem.

d) ( ) Ensino da Língua Brasileira de Sinais (Libras) após a aquisição da Língua Portuguesa na modalidade escrita.

2 O serviço de Tecnologia Assistiva – TA implantado nas salas de recursos multifuncionais deve contribuir na ampliação das habilidades funcionais das pessoas com deficiência, favorecendo-as. Analise sobre as características da Tecnologia Assistiva e assinale V para Verdadeiro e F para Falso:

( ) Desenvolve recursos para que os alunos desenvolvam determinada atividade, adaptando os objetos às suas necessidades.

( ) Aparelhos que são adaptados para o aluno conseguir acessar o computador e outros periféricos, facilitando sua interação com os programas.

( ) O professor elabora a adaptação do objeto ou recurso e cabe ao aluno se adaptar ao instrumento, utilizando nas atividades da sala de aula.

( ) Quando o objeto estiver pronto e entregue ao aluno, o professor encerra sua preocupação com a adaptação, o aluno deve se acostumar com o novo instrumento.

Agora, assinale a alternativa correta:a) ( ) V, V, F, V.b) ( ) F, F, V, F.c) ( ) V, V, F, F.d) ( ) F, V, F, V.

Page 198: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

188

Page 199: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

189

REFERÊNCIAS

ABCMED, 2013. Hipotireoidismo congênito: definição, causas, sintomas, diagnóstico, tratamento e evolução. Disponível em: <http://www.abc.med.br/p/saude-da-crianca/513684/hipotireoidismo-congenito-definicao-causas-sintomas-diagnostico-tratamento-e-evolucao.htm>. Acesso em: jun. 2018.

ABENHAIM, E. Deficiência mental, aprendizagem e desenvolvimento. In: DIAZ, F. et al. Educação inclusiva, deficiência e contexto social: questões contemporâneas. Salvador: EDUFBA, 2009.

ADRIANO, G. A. C. Contribuições da concepção histórico-cultural para a educação: teoria e metodologia da pesquisa. Curitiba: Editora Prismas, 2017b.

ADRIANO, G. A. C. Curso sobre Projetos Pedagógicos: um desafio para a regência. Indaial: Uniasselvi, 2017a.

ALMEIDA, G. P. Plasticidade cerebral e aprendizagem. In: RELVAS, M. P. (Org.). Que cérebro é esse que chegou à escola? as bases neurocientíficas da aprendizagem. Rio de Janeiro: Walk Editora, 2012.

ALMEIDA, L. R. Wallon e a educação. In: MAHONEY, A. A. (Org.). Henri Wallon: Psicologia e educação. São Paulo: Loyola, 2000.

ALMEIDA, W. G. A educação de surdo-cegos: novos olhares sobre a diferença. In: ALMEIDA, W. G. (org). Educação de surdos: formação, estratégias e prática docente. Ilhéus, BA: Editus, 2015.

ALVES, N. (Org.). O sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

AMARAL, J.; OLIVEIRA, J. Estados afetivos: mente e cérebro. n. 3. Campinas: Unicamp, 1998.

ANTUNES, C. Vygotsky, quem diria?! Em minha sala de aula. Petrópolis: Vozes, 2002.

BATISTA. E. Quais os exames usados para pesquisa de malformações fetais. 2015. Disponível em: <https://gravidezesaudedamulher.com/2015/08/31/pesquisa-de-malformacoes-fetais/>. Acesso em: jun. 2018.

BERSCH, R. Tecnologia assistiva e atendimento educacional especializado: conceitos que apoiam a inclusão escolar de alunos com deficiência. In: MANTOAN, M. T. E. (Org.). O desafio das diferenças nas escolas. Rio de Janeiro: Vozes, 2011.

Page 200: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

190

BOATO, E. M. Henri Wallon e a deficiência múltipla. São Paulo: Edições Loyola, 2009.

BOSCO, I. C. M. G.; MESQUITA, S. R. S. H.; MAIA, S. R. Inclusão social: surdo-cegueira e deficiência múltipla. v. 5. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, Universidade Federal do Ceará, 2010.

BRASIL. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto da Pessoa com Deficiência). Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13146.htm>. Acesso em: 10 maio 2018.

BRASIL. Portaria nº 793, de 24 de abril de 2012. Institui a Rede de Cuidados à Pessoa com Deficiência no âmbito do Sistema Único de Saúde. Ministério da Saúde. Disponível em: <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/gm/2012/prt0793_24_04_2012.html>. Acesso em: 10 abr. 2018.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Manual de legislação em saúde da pessoa com deficiência/ Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. 2. ed. rev. atual. Brasília: Editora do Ministério da Saúde, 2006.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Guia de vigilância epidemiológica. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde. 6. ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2005.

BRASIL. Saberes e práticas da inclusão: dificuldades acentuadas de aprendizagem: deficiência múltipla. Brasília: Ministério da Educação - Secretaria de Educação Especial, 2004.

BRASIL. Secretaria de Educação Especial. Portal de ajudas técnicas para educação: equipamento e material pedagógico para educação, capacitação e recreação da pessoa com deficiência física: recursos pedagógicos adaptados. Fascículo I. Secretaria de Educação Especial - Brasília: MEC: SEESP, 2002.

BRASIL. Ministério de Educação e do Desporto. Referencial curricular nacional para educação infantil. Brasília, DF: MEC, 1998.

BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros curriculares nacionais: introdução aos parâmetros curriculares nacionais. Secretaria de Educação Fundamental. Brasília: MEC/SEF, 1997.

BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/l9394.htm>. Acesso em: 25 jun. 2018.

Page 201: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

191

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial. Brasília: MEC/SEESP, 1994.

BRASIL. Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991. Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). A inclusão de pessoas com deficiências no mercado de trabalho. Disponível em: <http://portal.mte.gov.br/data/files/FF8080812BCB2790012BCF9D75166284/inclusa o_pessoas_defi12_07.pdf>. Acesso em: 25 jun. 2018.

BUSCAGLIA, L. Os Deficientes e seus Pais. 3. ed. Rio de Janeiro: Record, 1997.

CAMBRUZZI, R. de C. S. Estimulação Essencial ao portador de Surdez. Anais do III Congresso Ibero-Americano de Educação Especial, v. 3. Foz do Iguaçu-PR: Qualidade, 1998.

CARVALHO, E. N. S. Deficiência múltipla. v. 1. Fascículos I - II - III. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2000a.

CARVALHO, E. N. S. Deficiência múltipla. v. 2. Fascículos IV - V - VI - VII. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, 2000b.

CONVENÇÃO SOBRE OS DIREITOS DAS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA. Protocolo Facultativo à Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência: Decreto Legislativo nº 186, de 9 de julho de 2008: decreto nº 6.949, de 25 de agosto de 2009. 4. ed., rev. e atual. Brasília: Secretaria de Direitos Humanos, Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência, 2011.

CORDIOLI, A. V. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais: DSM-5. Porto Alegre: Artmed, 2014.

CUNHA, E. A. Normas e recomendações internacionais sobre deficiência. 2. ed. Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência. Brasília: CORDE, 2001.

DAMACENO, A. R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

DAMASCENO, S. S. et al. Saúde da criança no Brasil: orientação da rede básica à Atenção Primária à Saúde. Ciênc. saúde coletiva v. 21, n. 9, p. 2961-2973, 2016. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015219.25002015>. Acesso em: 10 abr. 2018.

DAMÁSIO, A. R. O erro de Descartes: emoção, razão e o cérebro humano. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.

DANTAS, H. A infância da razão: uma introdução à psicologia da inteligência de Henry Wallon. São Paulo: Manole, 1990.

Page 202: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

192

DAVIS, D. et al. As Escolas e as Famílias em Portugal/Realidade e Perspectivas. Lisboa: Edições Livros Horizonte, 1989.

DELORS, J. Educação: um tesouro a descobrir. 5. ed. São Paulo: UNESCO, 2001.

DUARTE, C.; COHEN, R. Acessibilidade e desenho universal: fundamentação e revisão bibliográfica para pesquisas. Rio de Janeiro: Relatório Técnico do Núcleo Pró-acesso, 2012.

ENUMO, S. R. F.; TRINDADE, Z. A. Ações de prevenção da deficiência. Revista Psicologia – USP. v. 13, n. 1, p. 107-132, 2002.

FÁVERO, M. A. B. Trajetória e sobrecarga emocional da família de crianças autistas: Relatos maternos. São Paulo: Universidade de São Paulo, 2005.

FERRAREZI, E. O insubstituível cérebro: manual do proprietário. 2. ed. Rio de Janeiro: Qualitymark Editora, 2012.

GALLO, S. Transversalidade e educação: pensando uma educação não disciplinar. In: ALVES, N. (Org.). O Sentido da escola. Rio de Janeiro: DP&A, 1999.

GALVÃO, T. A. F.; DAMASCENO, L. L. Tecnologia Assistiva em ambiente computacional: recursos para a autonomia e inclusão sociodigital da pessoa com deficiência. In: MICROSOFT. Tecnologia Assistiva nas escolas: recursos básicos de acessibilidade sociodigital para pessoas com deficiência. São Paulo: Instituto de Tecnologia Social (ITS Brasil), 2008.

GROTBERG, E. H. La resiliencia en el mundo de hoy. Barcelona, Espanha: Gedisa, 2006.

GUIMARAES, A. Constituição de 1988: O Brasil 20 Anos Depois - Os Cidadãos na Carta Cidadã. Brasília: Senado Federal, Instituto Legislativo Brasileiro, 2008.

HERNÁNDEZ, F. Transgressão e mudança na educação: os projetos de trabalho. Porto Alegre: Artmed, 1998.

KASSAR, M. de C. M. Deficiência múltipla e educação no Brasil: discurso e silêncio na história de sujeitos. São Paulo: Autores Associados, 1999.

KILPATRICK, W. H. Educação para uma civilização em mudança. 16. ed. Tradução de Noemy Rudolfer. São Paulo: Melhoramentos, 1978.

LARANJEIRA, C. A. S. de J. Do vulnerável ser ao resiliente envelhecer: revisão da literatura. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 23, n. 3, jul./set., 2007.

MACCOBY, E. Parenting Effects: Issues and Controversies. In: BORKOWSKI, J. G.; RAMEY, S. L.; BRISTOL-POWER, M. (ed.). Parenting and the Child´s World. New Jersey: Lawrence Erlbaum Associates, Publishers, 2002.

Page 203: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

193

MACHADO, R. Educação inclusiva: revisar e refazer a cultura escolar. In: MANTOAN, M. T. E. (Org.). O desafio das diferenças nas escolas. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2011.

MAIA, H.; THOMPSON, R. Cérebro e aprendizagem. In: MAIA, H. (Org.). Neurociências e desenvolvimento cognitivo. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2012.

MAIA, L. H. da C. L. Inclusão escolar do aluno com deficiências múltiplas. In: MAIA, H. (Org.) Neuroeducações e ações pedagógicas. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2011.

MANFREDI, M. S. Educação professional no Brasil. São Paulo: Cortez, 2002.

MANTOAN, M. T. E. Compreendendo a deficiência mental: novos caminhos educacionais. São Paulo: Scipione, 1998.

MANTOAN, M. T. E. Ensinando a turma toda: as diferenças na escola. In: MANTOAN, M. T. E. (Org.). O desafio das diferenças nas escolas. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2011.

MCINNES, J. M. Deaf-blind infants and children: A development guide. Toronto, Ontario, Canada: University of Toronto Press, 1999.

MELDAU, D. C. Síndrome de Alstrom. 2006-2018. Disponível em: <https://www.infoescola.com/doencas/sindrome-de-alstrom/>. Acesso em: 20 jun. 2018.

MINHA VIDA. Sindrome de Rett: sintomas, tratamentos e causas. Disponível em: <https://www.minhavida.com.br/saude/temas/sindrome-de-rett>. Acesso em: 20 jun. 2018.

MINISTÉRIO DA SAÚDE. PRONON e PRONAS/PCD. 2013-2018. Disponível em: http://portalms.saude.gov.br/acoes-e-programas/pronon-pronas. Acesso em: 20 jun. 2018.

MORAES, M. C. O paradigma educacional emergente. 14. ed. São Paulo: Papirus, 2010.

NASCIMENTO, E. S. A educação profissional: interfaces com a educação especial. In: DIAZ, F. et al. Educação inclusiva, deficiência e contexto social: questões contemporâneas. Salvador: EDUFBA, 2009.

NASCIMENTO, F. A. A. A. C. Educação infantil: saberes e práticas da inclusão: dificuldades de comunicação e sinalização: surdo-cegueira/múltipla deficiência sensorial. 4. ed. Brasília: MEC, Secretaria de Educação Especial, 2000.

PAROLIN, I. C. H. Família e Escola: Instituições Parceiras. Temas em Educação I. São Paulo: Futuro Congresso e Eventos Ltda., 2003.

Page 204: Deficiências Múltiplas: funDaMentos e MetoDologias

194

PLETSCH, M. D. Deficiência múltipla: formação de professores e processos de ensino-aprendizagem. In: Revista Cadernos de Pesquisa, v. 45, p. 12-29, 2015. Disponível em: <http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742015000100012&lng=pt&tlng=pt>. Acesso em jun. 2018.

RELVAS, M. R. (Org.). Neurociência na prática pedagógica. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2012b.

RELVAS, M. R. (Org.). Que cérebro é esse que chegou à escola? As bases neurocientíficas da aprendizagem. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2012a.

RODRIGUES, L. M. B. da C. et al. Sugestões para as escolas. In: MICROSOFT. Tecnologia Assistiva nas escolas: recursos básicos de acessibilidade sociodigital para pessoas com deficiência. São Paulo: Instituto de Tecnologia Social (ITS Brasil), 2008.

ROPOLI, E. A. A Educação Especial na Perspectiva da Inclusão Escolar: a escola comum inclusiva. Vol. 1. Brasília: Ministério da Educação, Secretaria de Educação Especial, Universidade Federal do Ceará, 2010.

SANTOS, A. Pedagogia ou Método de Projetos? In: II Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, Vitória, Unisinos, setembro/2006.

SANTOS, M. T. da C. T. Inclusão escolar: desafios e perspectivas. In: MANTOAN, M. T. E. (Org.). O desafio das diferenças nas escolas. Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2011.

SILVA, N. L. P.; DESSEN, M. A. Deficiência Mental e Família: Implicações para o Desenvolvimento da Criança. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 17, n. 2, pp. 133-141, 2001.

SORIANO, V. Intervenção Precoce na Infância - Análise das Situações na Europa: Aspectos-Chave e Recomendações. European Agency for Development in Special Needs Education, 2005.

VIEGAS, C. de M. C.; CARNEIRO, M. A. Educação profissional: indicações para a ação: interface educação profissional/educação especial. Brasília: MEC/SEESP, 2003.

VYGOTSKY, L. S. A construção do pensamento e da linguagem. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psicológicos superiores. 5. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1994.

WALLON, H. A evolução psicológica da criança. 4. ed. Lisboa: Edições 70, 2005.