18

Diagnostico Imagem Trauma Abd

Embed Size (px)

Citation preview

Medicina, Ribeiro Preto, 32: 401-418, out./dez. 1999

Simpsio: TRAUMA II Captulo III

DIAGNSTICO POR IMAGEM NO TRAUMA ABDOMINALIMAGING IN ABDOMINAL TRAUMA

Fabiano R. Lucchesi1; Claudio B. Laguna1; Carlos R. Monteiro2; Ceclia H. M. A. Prado2 & Jorge Elias Jr3

1 Mdicos Residentes do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo. 2Mdicos Assistentes do Servio de Radiologia do Hospital das Clnicas de Ribeiro Preto. 3Docente do Centro de Cincias das Imagens e Fsica Mdica do Hospital das Clnicas da Faculdade de Medicina de Ribeiro Preto da Universidade de So Paulo. CORRESPONDNCIA: Prof. Dr Jorge Elias Jnior Av. Bandeirantes, 3900 HCFMRP-USP Campus Universitrio, CEP: 14048-900 Ribeiro Preto So Paulo. E-mail: [email protected]

LUCCHESI FR; LAGUNA CB; MONTEIRO CR; PRADO CHMA & ELIAS Jr J. Diagnstico por imagem no trauma abdominal. Medicina, Ribeiro Preto, 32: 401-418, out./dez. 1999.

RESUMO: A presente reviso objetiva descrever os recentes avanos tecnolgicos dos mtodos de diagnstico por imagem e sua atual aplicabilidade no manuseio dos pacientes com trauma abdominal, bem como as principais apresentaes pelos mtodos de imagem dos diversos rgos envolvidos. UNITERMOS: Traumatismos Abdominais. Diagnstico por Imagem. Radiologia.

1. INTRODUO Verifica-se, nos ltimos anos, um aumento na incidncia dos casos de trauma, nos servios de emergncias hospitalares, o que motiva a racionalizao e hierarquizao do atendimento ao politraumatizado, com formao de equipes especificamente treinadas para a assistncia no local do trauma (atendimento pr-hospitalar) bem como nos hospitais de referncia, que apresentam ambientes fsicos adequadamente projetados e equipados para a otimizao do atendimento, numa tentativa de promover significativa reduo da morbidade e mortalidade ligadas ao trauma. Nas ltimas dcadas, os mtodos de diagnstico por imagem tornaram-se um recurso indispensvel no atendimento inicial, complementando o exame clnico, e, tambm, no seguimento evolutivo dos pacientes politraumatizados. Abordaremos, resumidamente, as principais indicaes e as contra-indicaes dos exames de imagem nos traumas abdominais e suas apresentaes radiolgicas mais comuns.

2. PRINCPIOS GERAIS Os ferimentos por arma de fogo resultam em leso intraperitonial em cerca de 96%, e atingem, principalmente, o fgado, o intestino delgado e o estmago, enquanto o trauma fechado acomete, predominantemente, o bao, o fgado e o retroperitnio(1). Tradicionalmente, a avaliao do abdome, no politraumatizado, tem sido feita atravs do exame fsico que, quando indicado, complementado pelo lavado peritonial. A tcnica do lavado peritonial simples, com baixa taxa de complicaes, custo reduzido, podendo ser realizada em qualquer hospital. Apesar de serem descritas sensibilidade e especificidade acima de 96% para o lavado peritonial, as desvantagens da tcnica incluem a baixa especificidade para o stio do sangramento e a impossibilidade de deteco de leses diafragmticas ou retroperitoniais(1/4). A radiografia simples tem uma indicao limitada nos casos de trauma abdominal, podendo, porm, ser til na localizao de corpos estranhos, como 401

FR Lucchesi; CB Laguna; CR Monteiro; CHMA Prado & J Elias Jr

projtil de arma de fogo, e na determinao de fraturas. Eventualmente, na dependncia de indicao clnica, pode-se realizar urografia excretora simplificada, tambm conhecida como "one shot", no intuito de determinar leses renais antes do encaminhamento do paciente ao centro cirrgico(5). A ultra-sonografia vem, de maneira crescente, fazendo parte do algoritmo de atendimento dos pacientes politraumatizados devido a sua rapidez, ao seu carter porttil e no invasivo, podendo ser repetido sempre que necessrio. Pode, tambm, ser utilizado para monitorar a evoluo dos pacientes hemodinamicamente estveis. Porm, trata-se de uma tcnica dependente de operador, limitada pelo tecido subcutneo excessivo, gs no tubo digestivo e enfisema subcutneo, aspectos que dificultam a transmisso do feixe sonoro(4). A sensibilidade do ultra-som varia, na literatura, entre 69 a 99%, enquanto a especificidade, entre 86 e 100 %(6). A sensibilidade isolada para o diagnstico de hemoperitnio descrita to alta quanto 91 e 94%(4,7). Yoshii et al.(8), em trabalho compreendendo 1.239 pacientes avaliados num perodo de 15 anos, relatam sensibilidade de 94,6%, especificidade de 95,1%, com sensibilidade para o fgado de 92,4%, bao de 90%, rins de 92,2%, pncreas de 71,4% e intestino de 34,7%. A tomografia computadorizada possui a vantagem de poder avaliar as leses de rgos parenquimatosos, tanto intra quanto retroperitoniais, bem como a presena e quantificao de lquido livre na cavidade abdominal, de leses sseas e de partes moles, porm envolve a remoo do paciente at o departamento de radiologia, uso de contraste iodado, custo mais elevado, necessidade de estabilidade hemodinmica e cooperao do paciente para o adequado posicionamento durante a realizao do exame, apresentando dificuldade relativa em detectar leses do trato gastrintestinal. A sensibilidade e especificidade descritas na literatura, para tomografia computadorizada, situam-se acima dos 97%(1,2,4). O protocolo da tomografia computadorizada convencional compreende cortes axiais com espessura de 10 mm e incremento de 10 mm, abrangendo-se abdome e pelve, para que no seja subestimada a presena de possvel hemoperitnio, e exige a utilizao de contraste iodado endovenoso, oral e, eventualmente, por via retal. O uso do contraste endovenoso obrigatrio nos casos de trauma, exceto se houver contraindicaes, como alergia ou insuficincia renal e, para tanto, infundem-se, inicialmente, 50ml de contraste 402

iodado a 60% com velocidade de infuso de 2-3ml/s e o restante a 1ml/s. Em crianas, a dose utilizada de contraste de 2ml/kg de peso. O contraste oral iodado 1 a 2%, num volume de 500 ml, deve ser iniciado 30 minutos antes do exame e 250ml imediatamente do incio do exame, preferencialmente gelado. Quando em funo da gravidade clnica do paciente no se puder administrar previamente o contraste, deve-se oferecer 120 a 180 ml imediatamente antes de se iniciar o exame para contrastao do estmago e duodeno. O contraste iodado, numa concentrao de 2 a 3 %, por via retal, infundido imediatamente antes do incio do exame, num volume de 150 ml, no intuito de melhor delineamento do intestino grosso(1,9,10,11). Kelly et al. recomendam a realizao da fase no contrastada para a identificao de hematomas hepticos hiperdensos, que se tornam isodensos na fase contrastada(12). imprescindvel a utilizao de janelas para partes moles (largura de janela estreita) e pulmonar (largura de janela ampla), para que seja possvel a deteco de leses parenquimatosas, de lquido livre e de pneumoperitnio. A arteriografia teve a sua indicao reduzida em funo do surgimento dos demais mtodos diagnsticos menos invasivos(2). 3. HEMOPERITNIO Em funo dos recessos anatmicos e da ao da gravidade, o lquido livre intraperitonial acumulase, preferencialmente, na pelve, no espao de Morison (espao compreendido entre o fgado e o rim direito, que se comunica, cranialmente, com o espao perieptico e, caudalmente, com a goteira parietclica direita) (Figura 1), topografia perieptica e periesplnica (Figura 2) e ao longo das goteiras parietclicas, mais direita. Assim, obrigatrio que os cortes tomogrficos alcancem a pelve nos casos de trauma, e que o espao de Morison seja atentamente avaliado, pois, em 97% dos casos de lacerao heptica ou esplnica, ocorrer acmulo de lquido nesta regio(13). O tipo de lquido coletado poder ser composto, isoladamente, por sangue, bile, urina, contedo da ala intestinal lesada, lquido de lavado peritonial ou, ainda, associao dos mesmos. O ultra-som claramente demonstra o acmulo de lquido com uma coleo anecica, localizada, preferencialmente, nos recessos peritoniais supracitados(14).

Diagnstico por imagem no trauma abdominal

Figura 1 - Ultra-som, mostrando lquido (sangue) coletado no espao de Morison (seta) em paciente com trauma esplnico, visto como coleo anecica.

Figura 2 Tomografia computadorizada, apresentando lquido periesplnico (1) e perieptico (2) em paciente com trauma heptico (no mostrado no corte tomogrfico).

403

FR Lucchesi; CB Laguna; CR Monteiro; CHMA Prado & J Elias Jr

O aspecto do hemoperitnio, na tomografia com(hematoma), sendo til na identificao do local do putadorizada, depender do momento em que o exasangramento. O efeito hematcrito decorre da sepame realizado, pois o coeficiente de atenuao do rao do plasma pela retrao do cogulo, posiciosangue sofre alteraes conforme os estgios de denando-se superiormente ao mesmo. gradao da hemoglobina. O sangue fresco extravasado apresenta coeficiente de atenuao entre 35 e 4. TRAUMA HEPTICO 45 unidades Hounsfield (UH), prximo ao sangue O trauma heptico pode resultar em hematocirculante, porm menor que os tecidos abdominais mas intraparenquimatosos, subcapsulares, lacerao, realados, aps utilizao de contraste endovenoso contuso, leso vascular ou das vias biliares. O local iodado, aparecendo, portanto, hipodenso.O sangue mais freqente de leso o lobo direito, principalmencoagulado em funo da retrao do cogulo e da sete nos segmentos posteriores. parao do plasma, apresenta um coeficiente de ateO hematoma subcapsular, caracteristicamente, nuao mais elevado em torno de 60 a 80 UH, evenassume um formato semilunar, cncavo-convexo, tualmente chegando at 100 UH, tornando-se portanexercendo efeito de massa sobre o parnquima subto mais denso. Com a lise do cogulo, acelerada pelos jacente, localizado, geralmente, anterolateralmente ao movimentos respiratrios e pelo peristaltismo intestilobo direito (Figura 3). A lacerao apresenta-se como nal, ocorre uma reduo no contedo protico, com imagem hipodensa, linear ou ramificada, acompanhanresultante diminuio do coeficiente de atenuao, tordo os vasos portais e na periferia do rgo(1,9,10,11) nando-se o lquido cada vez mais hipodenso, at apro(1) (Figura 4 a 6). Mirvis et al.(15) graduaram a leso heximar-se do valor da gua . De acordo com Federle ptica em cinco graus atravs dos achados tomogr& Jeffrey Jr, o hemoperitnio com menos de 48 horas ficos (Tabela I). Segue, em adendo anexo, a classifisempre apresenta coeficiente de atenuao acima de cao da "Organ Injury Scale" (OIS), que a mais 30 UH(9,13). O coeficiente de atenuao afetado por seguida atualmente , por representar o Colgio Ameuma srie de outros fatores alm dos descritos anteriormente e um exemplo o nvel do hematcrito no ricano de Cirurgies(16,17). paciente anmico, onde o coeficiente ser, conseqentemente, menor, e outro exemplo a largura da janela utilizada para visibilizao da imagem, uma vez que as janelas utilizadas para partes moles abdominais (entre 250 e 500 UH) no so to estreitas como as de crnio, promovendo, assim, uma diminuio do contraste entre tecidos de densidades similares. So descritos dois outros sinais tomogrficos no hemoperitnio: sinal do cogulo sentinela ("sentinel clot sign")(11) e o efeito hematcrito(1). O primeiro refere-se presena de uma rea mais densa em um local especfico intra-abdomiFigura 3 - Tomografia computadorizada, apresentando coleo perieptica (seta) devido a nal, podendo corresponder ao lacerao por trauma.. stio de hemorragia inicial 404

Diagnstico por imagem no trauma abdominal

Figura 4 - Tomografia computadorizada, apresentando lacerao heptica, vista comohipodensidade.

Figura 5 - Laceraes hepticas superficiais, vistas na tomografia computadorizada.

405

FR Lucchesi; CB Laguna; CR Monteiro; CHMA Prado & J Elias Jr

Figura 6 - Extensa leso heptica com destruio lobar do parnquima, vista na tomografia computadorizada.

Tabela I - Classificao tomogrfica do trauma heptico Grau 1 avulso capsular, laceraes superficiais < 1cm de profundidade, hematoma subcapsular com espessura mxima < 1cm. Grau 2 Lacerao com profundidade entre 1 a 3cm, hematoma central ou subcapsular com dimetro entre 1 a 3cm. Grau 3 Lacerao com profundidade > 3cm, hematoma central ou subcapsular com dimetro > 3cm. Grau 4 Hematoma central ou subcapsular com dimetro > 10cm, destruio lobar do parnquima (macerao) ou desvascularizao. Grau 5 Destruio bilobar do parnquima ou desvascularizao.

A tomografia tambm pode ser til no seguimento da resoluo das leses decorrentes do trauma heptico. Deve ser ressaltado que, durante a resoluo do hematoma, a rea lesada pode parecer mais hipodensa, com maiores dimenses em funo de efeito osmtico e de limites mais regulares. As principais causas de erros diagnsticos na tomografia computadorizada esto listados na Tabela II.Tabela II - Causas de erros diagnsticos no trauma heptico, na tomografia computadorizada Falso Negativo Trauma em fgado com esteatose Falso Positivo Nvel areo dentro do estmago ou presena de sonda nasogstrica, promovendo artefato. Artefato de endurecimento do feixe.

406

Diagnstico por imagem no trauma abdominal

Figura 7 - Lacerao heptica, apresentando-se como faixa hipoecica pelo ultra-som (seta).

Na avaliao ultra-sonogrfica, o sangramento agudo aparece ecognico, tornando-se hipoecico na primeira semana e resolvendo-se, geralmente, em cerca de duas a trs semanas(14,18,19) (Figura 7). 5. TRAUMA ESPLNICO Atualmente, as equipes cirrgicas vem, progressivamente, adotando uma conduta mais conservadora, na tentativa de preservao do parnquima esplnico, uma vez que h uma maior chance de infeco naqueles pacientes esplenectomizados. Entretanto , no h uma boa correlao entre os achados dos mtodos de imagem e prognstico do manuseio conservador do paciente, necessitando a teraputica ser estabelecida com base em critrios clnicos, hemodinmicos, em associao com os achados dos mtodos de imagem. As principais causas de diagnstico errneos so listadas na Tabela III. No exame de ultra-som realizado na sala de urgncia, o sangue apresenta-se hiper ou hipoecico, identificando-se o parnquima esplnico com ecotextura heterognea (Figuras 8 e 9 b). possvel que o sangue se apresente isoecognico em relao ao parnquima adjacente, dificultando o diagnstico, dando a impresso de uma esplenomegalia. O sangue, quando coletado em topografia subcapsular, tem uma forma cncava convexa, (Figura 9a) enquanto o de

localizao pericapsular apresenta um contorno irregular (Figura 10); eventualmente, a individualizao da cpsula esplnica ajuda na localizao do sangramento(14,20). Mirvis et al.(21) tambm graduaram a injria esplnica em quatro graus atravs dos achados tomogrficos (Tabela IV). Na fase no contrastada da tomografia computadorizada, o hematoma intraesplnico visibilizado como rea isodensa ou discretamente hiperdensa em relao ao parnquima esplnico e hipodensa na fase contrastada (Figuras 11 e 12). Na contuso, a rea hipodensa tem limites mal definidos, enquanto, na lacerao, a rea focal hipodensa linear ou ramificada(1,9,10,11).Tabela III - Causas de erro na anlise tomogrfica do trauma esplnico 1. 2. 3. 4. 5. 6. Artefato de movimento, simulando hematoma subcapsular. Efeito de volume parcial. Lobulao esplnica, principalmente no lobo superior. Infarto esplnico prvio. Lquido periesplnico devido a ascite ou lavado peritonial. Gordura entre o bao e alas intestinais no contrastadas.

407

FR Lucchesi; CB Laguna; CR Monteiro; CHMA Prado & J Elias Jr

Figura 8 - Rotura esplnica com imagem anecica central, vista na ultra-sonografia.

Figura 9a - Leso esplnica com hematoma subcapsular (setas), vista no ultra-som.

408

Diagnstico por imagem no trauma abdominal

Figura 9b - Leso esplnica heterognea, vista no ultra-som, indicando hematoma na fase aguda do trauma.

Figura 10 - Leso esplnica com hematoma periesplnico no restrito pela cpsula (seta), vista no ultra-som.

409

FR Lucchesi; CB Laguna; CR Monteiro; CHMA Prado & J Elias Jr

Tabela IV - Classificao tomogrfica do trauma esplnico Grau 1 - avulso capsular, lacerao superficial e hematoma subcapsular com espessura < 1cm. Grau 2 - lacerao mais profunda (1 a 3 cm de profundidade) ou central e hematoma capsular < 3cm. Grau 3 - lacerao mais profunda que 3 cm e central ; hematoma capsular > 3cm. Grau 4 - fragmentao ou desvascularizao esplnica.

6. TRAUMA RENAL A avaliao pelo ultra-som menos vantajosa que pela tomografia devido localizao retroperitonial do rgo, limitando a visibilizao dos achados. Os hematomas podem apresentar-se com textura hipo, hiperecica ou heterognea, sendo que as colees perirrenais tambm devem ser pesquisadas(22). Na tomografia computadorizada, a contuso

visibilizada como uma rea focal e irregular do parnquima, sem realce na fase contrastada, associada a aumento localizado ou difuso do rim, enquanto, nas fases tardias, podem existir imagens focais hiperdensas dentro do parnquima, representando urina extravasada com contraste concentrado. J a lacerao aparece como rea linear, irregular, hipodensa dentro do parnquima renal, havendo extravasamento de urina na presena de comprometimento do sistema coletor. O hematoma subcapsular apresenta aspecto lentiforme, hipodenso, comprimindo o parnquima subjacente. As imagens de falha de enchimento dentro do sistema coletor podem representar cogulos. O comprometimento dos vasos renais, seja por ruptura ou por trombose, manifesta-se atravs de rins com dimenses reduzidas e sem efeito nefrogrfico (Figuras 13 a 16). Nos casos de avulso da pelve renal ou ureter, nota-se rim com funo conservada associado a grande extravasamento de urina e ausncia de contraste no ureter distal(1,9,10,11). Mirvis, atravs dos achados tomogrficos, classificou o trauma renal em quatro graus (23) (Tabela V).

Figura 11 - Leso esplnica grau III com rea central hipodensa extensa (seta), vista na tomografia computadorizada.

410

Diagnstico por imagem no trauma abdominal

Figura 12- Leso esplnica difusa com fragmentao, vista na tomografia computadorizada, com contraste endovenoso,

Figura 13 - Captao assimtrica de contraste renal, mostrada pela tomografia computadorizada, com hipodensidade, estendendose at a pelve renal. Leso renal grau II.

411

FR Lucchesi; CB Laguna; CR Monteiro; CHMA Prado & J Elias Jr

Figura 14 - Lacerao renal extensa (setas), com hematoma perirrenal, visualizada atravs da tomografia computadorizada.

Figura 15 - Extensa coleo perirrenal, no sendo visualizado o rim esquerdo.

412

Diagnstico por imagem no trauma abdominal

Figura 16 - A arteriografia da leso apresentada na figura 15, demonstra ausncia de contrastao do hilo renal esquerdo.

adequadamente a bexiga, verificando-se qualquer extravasamento de contraste. A ultra-sonografia demonstra a presena de material ecognico no interior da bexiga (cogulos), bem como lquido livre intraperitonial ou coletado no espao extraperitonial (Figura 17). O extravasamento de contraste intraperitonial coleta-se nos recessos plvicos, goteiras parietoclicas, espao entre alas intestinais, e, quando em topografia extraperitonial, o contraste extravazado localiza-se ao redor da base vesical, parede abdominal anterior (espao de Retzius), escroto, perneo e rea perirretal, no sofrendo alterao com a mudana de decbito do paciente (Figura 18). Eventualmente, pode-se associar tomografia computadorizada a qual poder auxiliar na avaliao de pequenos extravasamentos(1,10,11).

Tabela V - Classificao tomogrfica do trauma renal Grau 1 Discreta contuso renal, lacerao superficial, pequenos hematomas subcapsulares ou perinefrticos. Grau 2 Lacerao mais profunda, estendendose para o sistema coletor com extravasamento limitado de urina extra-renal ou hematoma perinefrtico, de moderada a grande dimenso. Grau 3 Fragmentao renal, comprometimento da vasculatura, grande extravasamento de urina e grande hematoma rapidamente progressivo. Grau 4 Avulso ou ruptura da pelve renal ou ureter com o rim intacto.

8. TRAUMA PANCRETICO raro como leso isolada, sendo, geralmente, diagnosticado na laparotomia ou em exames de controle. A taxa de falsos negativos elevada. Os achados tomogrficos compreendem lacerao, edema focal ou difuso, hemorragia intra ou peripancretica, lquido retroperitonial, espessamento da fascia renal, edema peripancretico e edema envolvendo o mesoclon transverso(9,10,11). A Tabela VI descreve a classificao tomogrfica do trauma pancretico(1). 9. TRAUMA DE VSCERA OCA Comparativamente s leses de outros rgos, nos traumas abdominais fechados, as leses das vsceras ocas apresentam uma menor incidncia relativa, sendo mais freqentes no intestino delgado, seguindo-se no intestino grosso e estmago. As laceraes do intestino delgado apresentamse como peritonite, nas horas subseqentes ao trauma, sendo os locais mais comuns o ngulo de Treitz e a vlvula leo-cecal, enquanto, no duodeno, comprometem-se a segunda e terceira pores. A falta de 413

7. TRAUMA VESICAL A maioria das leses de bexiga so de localizao extraperitonial, freqentemente relacionadas a fratura da pelve. O exame radiolgico de escolha a uretrocistografia injetora, devendo-se distender-se

FR Lucchesi; CB Laguna; CR Monteiro; CHMA Prado & J Elias Jr

especificidade e a demora no surgimento dos sinais, ao exame fsico, dificultam o diagnstico da leso intestinal. A demora no diagnstico e na correo da leso intestinal aumenta a mortalidade de 05 para 65%(9). O clon transverso o segmento mais atingido no intestino grosso, podendo as leses serem do tipo contuso, lacerao ou transeco. A radiologia convencional mostra pneumo ou retropneumoperitnio (Figuras 19 e 20), lquido abdominal, escoliose ou apagamento do contorno do msculo psoas, presentes em menos de 50% dos casos (24). Os hematomas intramurais so detectados como espessamento difuso da prega ou como massas hiperdensas (60 a 80 UH) que provocam reduo do calibre ou obstruo do lmen(1).

Figura 17 - Rotura vesical com extravasamento de contraste, mostrada pela uretrocistografia.

Figura 18 - Ultra-som apresentando rotura vesical com demonstrao de hematoma perivesical.

414

Diagnstico por imagem no trauma abdominal

Tabela VI - Classificao tomogrfica do trauma pancretico Grau 1 - contuso, lacerao com ducto intacto. Grau 2 - lacerao severa ou transeco do corpo e cauda com provvel leso do ducto pancretico. Grau 3 - transeco, hematoma , leso da cabea pancretica e do ducto. Grau 4 - grau 3 associado a ruptura duodenal.

rim psoas

O trauma fechado raramente causa leso gstrica em funo da sua mobilidade, podendo ocorrer lacerao da mucosa ou perfurao transmural, apresentando-se como hematoma intramural , extra-serosa ou extravasamento de contraste oral ou ar(1). Os principais achados diagnsticos do trauma de vscera oca, na tomografia computadorizada, esto sumarizados na Tabela VII. 10. TRAUMA DIAFRAGMTICO Ocorre mais freqentemente em traumas fechados, variando entre 3 e 5% dos traumas abdomiFigura 19 - Retropneumoperitnio ps trauma, visto em radiografia simples do abdome.Observe as linhas hipertransparentes, delineando as estruturas retroperitoniais (setas).

Figura 20 - Retropneumoperitnio evidenciado pela tomografia computadorizada (setas), delineando regio pararrenal anterior.

415

FR Lucchesi; CB Laguna; CR Monteiro; CHMA Prado & J Elias Jr

Tabela VII. Sinais tomogrficos de leso intestinal traumtica Hematoma mesentrico ou intestinal . Lquido livre intraperitonial sem causa visceral # conhecida . Pneumoperitnio e/ou retroperitnio* . Lquido retroperitonial no hemorrgico de origem desconhecida* . Espessamento da parede intestinal > 3mm. Padro obstrutivo agudo. Interrupo do lmen com ou sem extravasamento de contraste.#

# indicadores sensveis, porm inespecficos. indicadores pouco sensveis, mas especficos.

nais que necessitam de laparotomia e 0,8 a 1,6% dos traumas torcicos importantes, com predomnio do lado esquerdo. Os achados radiolgicos podem estar ausentes em at 50% dos casos na fase inicial e incluem elevao ou irregularidade focal do contorno do diafragma, ar ou massa acima do diafragma aparente (Figuras 21 e 22), desvio do mediastino contra-lateralmente, derrame pleural ou atelectasia. Deve-se prestar ateno s patologias que interferem no diagnstico da ruptura diafragmtica, como atelectasia, derrame pleural, contuso pulmonar, paralisia do nervo frnico, derrame subpulmonar, hrnia paraesofgica. A tomografia computadorizada pode visualizar gordura ou vscera abdominal pstero-lateralmente ao diafragma e confirmar defeito do seu contorno, sendo teis as imagens em reconstruo coronal e sagital(1,25).

Figura 21 - Rx do trax em AP. Grande opacidade com nvel lquido ocupando o hemitrax esquerdo.

Figura 22 - Rx do trax em AP. A injeo de contraste por sonda nasogstrica demonstra que, na opacidade, trata-se do estmago herniado atravs de lacerao do diafragma.

LUCCHESI FR; LAGUNA CB; MONTEIRO CR; PRADO CHMA & ELIAS Jr J. Imaging in abdominal trauma. Medicina, Ribeiro Preto, 32: 401-418, oct./dec. 1999.

ABSTRACT: In this update review, we describe recents improvements of diagnostic imaging and their role in practical assistance of abdominal trauma. We also analyze abdominal injury as well as its main radiological features . UNITERMS: Abdominal Injuries. Diagnostic Imaging. Radiology.

416

Diagnstico por imagem no trauma abdominal

REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS1 - ROBERTS JL. CT of Abdominal and pelvic trauma. Semin Ultrasound CT MR 17: 142169, 1996. 2 - FELICIANO DV. Diagnostic modalities in abdominal trauma. Surg Clin North Am 71: 241-256, 1991. 3 - GRESSNER R; MENTGES B; DBER Ch; RCKERT K & ROTHMUND M. Sonography versus peritoneal lavage in blunt abdominal trauma. J Trauma 29: 242-244, 1989. 4 - NORDENHALZ KE; RUBIN MA; GULARTE GG & LIANG HK. Ultrasound in the evaluation and managment of blunt abdominal trauma . Ann Emerg Med 29: 357-366, 1997. 5 - NOVELLINE RA: Abdomen: Traumatic emergencies. In: HARRIS JR JH.; HARRIS WH & NOVELLINE RA, eds. The radiology of emergency medicine, 3th ed. Williams and Wilkins, Baltimore, Chapter 9, p. 623-692 ,1993. 6 - HEALEY MA; SIMONS RK; WINCHELL RJ; GOSINK BB; CASOLA G; STEELE JT; POTENZA BM & HOYT DB. A prospective evaluation of abdominal ultrasound in blunt trauma: Is it useful? J trauma 40: 875-882, 1996. 7 - BOULANGER BR; McLELLAN BA; BRENNEMAN FD; WHERRETT L; RIZOLI SB; CULHANE J & HAMILTON P. Emergent abdominal sonography as a screening test in a new diagnostic algorithm for blunt trauma. J Trauma 40: 867-874, 1996. 8 - YOSHI H; SATO M; YAMAMOTO S; MOTEGI M; OKUSAWA S; KITANO M; NAGASHIMA A; DOI M; TAKUMA K; KATO K & AIKAWA N. Usefulness and limitations of ultrasonography in the initial evaluation of blunt trauma. J Trauma 45: 45-51, 1998. 9 - WOLFMAN NT; BECHTOLD RE; SCHARLING ES & MEREDITH JW. Blunt upper abdominal trauma: evaluation by CT. AJR Am J Roentgenol 158: 493-501, 1992. 10 - RAPTOPOULOS V. Abdominal trauma: Emphasis on computed tomography. Radiol Clin North Am 32: 969-987, 1994. 11 - MIRVIS SE & SHANMUGANATHAN K. Abdominal computed tomography in blunt trauma. Semin Roentgenol 27: 150183, 1992. 12 - KELLY J; RAPTOPOULOS V; DAVIDOFF A; WAITE R & NORTON P. The value of non-contrast-enhanced CT in blunt abdominal trauma. AJR Am J Roentgenol 152: 41-46, 1989.

13 - FEDERLE MP & JEFFREY JR RB. Hemoperitoneum studied by computed tomography. Radiology 148: 187-192, 1983. 14 - MCKENNEY KL. Role of ultrasound in the diagnosis of intraabdominal catastrophes. RadioGraphics 19: 13321339; 1999. 15 - MIRVIS SE; WHITLEY NO; VAINWRIGHT JR. Blunt hepatic trauma in adults: CT-based classification and correlation with prognosis and treatment. Radiology 171: 27-32, 1989 16 - MOORE EE; SHACKFORD SR & PACHTER HL. Organ injury scaling spleen, liver and kidney. J Trauma 29: 1664-1666, 1989 17 - MOORE EE; COGBILL TH & JURKOVICH MD. Organ injury scaling: spleen and liver (1994 revision). J Trauma 38: 323-324, 1995 18 - MCGAHAN JP & GOLDBERG BB. Diagnostic ultrasound: A logical approach. Lippincott-Raven, Japan, 1998. 19 - WITHERS CE & WILSON SR. The liver. In: RUMACK CM; WILSON SR & CHARBONEAU JW, eds. Diagnostic ultrasound, 2 nd ed, Mosby, St. Louis, p. 137-139,1998. 20 - MATHIESON JR & COOPERBERG PL. The spleen . In: RUMACK CM; WILSON SR & CHARBONEAU JW, eds. Diagnostic ultrasound , 2 nd ed, Mosby, St. Louis, p.167-170, 1998. 21 - MIRVIS SE; WHITLEY NO & GENS DR. Blunt splenic trauma in adults: CT-based classification and correlation with prognosis and treatment. Radiology 171: 33-39, 1989 22 - THURSTON W & WILSON SR. The urinary tract. In: RUMACK CM; WILSON SR & CHARBONEAU JW, eds. Diagnostic ultrasound , 2 nd ed, Mosby, St. Louis, p. 378379, 1998. 23 - MIRVIS SE. Diagnostic imaging of the urinary system following blunt trauma. Clin Imaging 13: 269-280, 1989. 24 - RIZZO MJ; FEDERLE MP & GRIFFITHS BG. Bowel and mesenteric injury following blunt abdominal trauma: Evaluation with CT. Radiology 173: 143-148, 1989. 25 - MIRVIS SE & TEMPLETON P. Imaging in acute thoracic trauma. Semin Roentgenol 27: 184-210, 1992. Recebido para publicao em 08/12/1999 Aprovado para publicao em 19/01/2000

417

FR Lucchesi; CB Laguna; CR Monteiro; CHMA Prado & J Elias Jr

ANEXO I Escala de Leso de rgos da Associao Americana de Cirurgia do TraumaESPLNICA Grau 1 Hematoma: subcapsular, rea de superfcie < 10%Lacerao: ruptura capsular com profundidade no parnquima < 1cm

Grau 4 Lacerao: estendendo se pela crtex renal, medula e sistema coletor. Leso da artria ou veia renal com hemorragia contida Grau 5 lacerao: fratura renal, avulso do hilo renal com desvascularizao do rgo HEPTICA Grau 1 Hematoma : subcapsular, rea de superfcie < 10 %Lacerao: ruptura capsular, profundidade no parnquima < 1 cm

Grau 2 Hematoma : subcapsular, rea de superfcie entre 10 e 50%, dimetro < 5cmLacerao : profundidade do parnquima entre 1 3cm, sem envolvimento de vasos parenquimatosos

Grau 3 Hematoma : subcapsular, rea de superfcie > 50% ou progressivo. Hematoma intraparenquimatoso > 5cm.Lacerao: Profundidade > 3cm ou envolvendo vasos

Grau 4 Lacerao de vasos hilares ou segmentares com desvascularizao > 25% do bao Grau 5 fratura esplnica, leso vascular hilar RENAL Grau 1 Contuso : hematria com exames urolgicos normaisHematoma: subcapsular, no expansivo sem lacerao do parnquima

Grau 2 Hematoma : subcapsular, rea de superfcie parenquimatosa entre 10 e 50%, dimetro < 10 cmLacerao: profundidade no parnquima de 1 a 3 cm, comprimento < 10 cm

Grau 3 Hematoma : subcapsular, rea de superfcie > 50% ou expansivo.Hematoma parenquimatoso ou subcapsular roto. Hematoma intra parenquimatoso > 10 cm ou expansivo Lacerao : profundidade > 3 cm

Grau 2 Hematoma : perirrenal no expansivo, limitado ao retroperitnioLacerao: profundidade no parnquima < 1cm, sem extravasamento de urina

Grau 4 Lacerao : ruptura do parnquima envolvendo 25 a 75 % do lobo heptico ou um a trs segmentos de Coinaud no mesmo lobo Grau 5 Lacerao: ruptura do parnquima envolvendo > 75 % ou > 3 segmentos de Coinaud no mesmo lobo. Leso das veias hepticas ou da veia cava inferior Grau 6 Avulso heptica

Grau 3 - Lacerao : profundidade no parnquima > 1cm, sem extravasamento de urina

418