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Dialogos Agroecologicos Completo eBook

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Ministério doMeio Ambiente

fnmaFundo Nacional do Meio Ambiente

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DIÁLOGOS AGROECOLÓGICOS

Conhecimento Científico e Tradicional na Conservação da

Agrobiodiversidade no Rio Cuieiras (Amazônia Central)

Convênio 076/2006, Projeto etnobotânico e manejo florestal no entorno de Anavilhanas

Manaus, 2009

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IPE - Instituto de Pesquisas EcologicasCopyright © 2009

Todos os direitos reservados.

Organizadores

Thiago Mota Cardoso

Mariana Gama Semeghini

Capa, projeto gráfico, diagramação e produção

Áttema Design Editorial • www.attema.com.br

Ilustrações

Ana Luiza Melgaco

Rua Barroso, 355, 2º andar, salas G/H • CentroCEP 69.010-050 • Manaus • AM • Brasil

Tel.: 55 (92) 3622.1312 • Tel./Fax: 55 (92) 3633.3637 • [email protected]

www.attema.com.br

Ficha catalográfica elaborada pela Biblioteca do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

D536 Diálogos agroecológicos: conhecimentos científico e tradicional na conservação da agrobiodiversidade no rio Cuieiras (Amazô-nia Central) / [Organizadores: Thiago Mota Cardoso, Mariana Gama Semeghini; ilustrações Ana Luiza Melgaco].---Manaus : Instituto de Pesquisas Ecológicas, 2009.160 p. : il.

Este livro apresenta resultados de pesquisas/diálogos entre pesquisadores e educadores do projeto ETNO”

Isbn: 978-85-86838-02-61. Conservação da natureza – Amazônia. 2. Etnobotânica. 3. Agroecologia. 4. Povos tradicionais. 5. Agrobiodiversidade. I. Cardoso, Thiago Mota II. Semeghini, Mariana Gama. III. Melgaco, Ana Luiza.

CDD 19. ed. 581.61098111

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Sumário

Apresentação ................................................................................. 04Agradecimentos ............................................................................ 06Introdução: Um convite ao tema .......................................... 07

O Rio Cuieiras: Os habitantes e seu ambiente ........................18Mariana Gama Semeghini Thiago Mota Cardoso

A Roça ......................................................................................40Thiago Mota Cardoso

Os quintais agroflorestais .......................................................55Caroline de Oliveira Bruno Scarazatti

Plantas cultivadas .................................................................... 71Thiago Mota Cardoso

A floresta: Usos e Significados ...............................................83Marilena Altenfelder de Arruda Campos Leonardo Pereira Kurihara

Educação agroecológica e socioambiental...........................97Mariana Gama Semeghini

Oficina agroflorestal .............................................................108Marcio Menezes Jailton Cavalcanti Mariana Gama Semeghini Leonardo Pereira Kurihara Thiago Mota Cardoso

Meliponicultura: Uma ferramenta de educação socioambiental ............................................... 125

Leonardo Pereira Kurihara

Considerações Finais ..................................................................133Bibliografia Consultada ............................................................139Currículos dos autores ............................................................146

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Diálogos Agroecológicos

Apresentação

O rio Cuieiras é habitado por populações tradicionais e indí-

genas que vivem do extrativismo, da caça, da pesca, da agricultura,

do turismo e artesanato. A área insere-se em um mosaico de uni-

dades de conservação, no baixo rio Negro, de extrema importância

para conservação da biodiversidade. Porém , pouco valor foi dado

por gestores das áreas protegidas e cientistas à população humana

que habita a região e manejam os ecossistemas. Valor no sentido

humano, cultural e também no sentido de considera-los como pro-

tagonistas e sujeitos que possam ter interesses na conservação da

biodiversidade.

No início de 2005, encaminhamos o projeto “Etnobotânica

e Manejo Agroflorestal no Entorno da Estação Ecológica de

Anavilhanas (ETNO)” ao Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA),

projeto aprovado e que teve inicio em dezembro do mesmo ano

(Convênio 076/2005). O projeto teve como objetivos: i) Obter e gerir

informações sobre o conhecimento etnobotânico das comunidades

ribeirinhas, visando a aplicá-las ao manejo sustentável da paisagem;

ii) Desenvolver alternativa agroflorestal, considerando as dimensões

sociais, ecológicas e econômicas das comunidades envolvidas; iii)

Incentivar o envolvimento e organização social, desenvolvendo as

bases sociais para o manejo da paisagem; iv) Viabilizar o acesso da

informação, capacitação e educação ambiental de forma participati-

va e com perspectiva de gênero.

O projeto está em sua fase final, o que não significa térmi-

no, mas sim o fim de uma etapa para novos caminhos se abrirem.

Durante sua execução, o projeto ETNO desdobrou-se dois caminhos

de atuação: um através da assessoria aos grupos de mulheres agri-

cultoras e artesãs de São Sebastião e Nova Canaã (Coana) e outro

na assessoria e apoio a praticas agricolas e artisticas da comunidade

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

indigena Nova Esperança, dentre outras ações que se integram. Estas

duas linhas de atuação fazem parte do projeto Agrobiodiversidade

que abre uma nova etapa de atuação do IPÊ na região. A continui-

dade das atividades já conta com apoio do SEBRAE, do Programa

Demonstrativo para Povos Indigenas (Pdpi), projeto Corredores

Ecológicos e do récem aprovado Ministério do Desenvolvimento

Agrário (Mda), o que em si, já demonstra a importância e a qualidade

dos resutlados do projeto ETNO no contexto local e amazônico.

Este livro apresenta resultados de pesquisas/diálogos entre

pesquisadores e educadores do projeto ETNO, de forma a apresentar

os sistemas agrícolas do rio Cuieiras e como, diante de tais conhe-

cimentos, os técnicos definiram suas metodologias para atuar em

campo. Este trabalho, portanto, caminha no campo da etnoecologia

e da pesquisa-ação agroecológica, sendo uma visão dos técnicos

sobre este processo. A escrita se desenvolve entre a linguagem téc-

nica e a não-formal de modo a possibilitar sua leitura por um público

mais amplo.

Boa leitura!

Organizadores

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Diálogos Agroecológicos

Agradecimentos

Aos moradores do rio Cuieiras, por nos receberem com ta-

manho carinho em suas casas, fazendo-nos compreender que é no

diálogo olho-a-olho, na relação sincera e no saber-fazer cotidiano

que bons caminhos são trilhados. Importante para os que trilham na

esperança da sustentabilidade.

Às organizações parceiras, um agradecimento sincero, por

possibilitarem estas vivências e acreditarem nas potencialidades

dos projetos locais. Em especial, ao nosso financiador o Fundo

Nacional do Meio Ambiente (Fnma) e a Simone Gallego da gerência

de projetos, por nos acompanhar nesta jornada. Às comunidades de

São Sebastião, Três Unidos, Nova Canaã/Coana, Nova Esperança,

Boa Esperança e Barreirinhas. Ao Grupo de Pesquisas em Abelhas,

ao Laboratório de Etnoepidemiologia e Etnoecologia Indígena do

Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA), ao Arboreto/

UFAC e aos pesquisadores do Pacta. À Gislene Carvalho do Grupo de

Pesquisas de Abelhas (GPA/Inpa).

A todos os queridos membros do IPÊ. Ao Rafael Illenseer, Oscar

Sarcinelli, Sarita de Moura, Marco Antonio, Nailza Pereira, Christina

Tofoli, Jefferson Barros, Sherre Nelson, Eduardo Badialli, Hercules

Quelu e Francisco (Chiquinho), membros do IPÊ no Rio Negro.

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

Introdução: um convite ao tema

Thiago Mota Cardoso

Cronistas, viajantes, naturalistas, literários das mais diversas

vertentes e, mais recentemente, cientistas e políticos empreende-

ram descrições da Amazônia e dos amazonidas recheadas de mitos e

de construções “teóricas” preconceituosas. Tais descrições inserem

os nativos no patamar da natureza (dentro da visão ocidental que

separa e hierarquiza as categorias de natureza e cultura), ao lado de

animais e plantas, tidos, nesta perspectiva, como seres primitivos e

selvagens, objetos passíveis de dominação e exploração.

Além de enxergarem esta vasta região com o olhar homogeni-

zador e biologizante, os colonizadores fizeram de sua visão uma for-

ma de ocupação do espaço, apropriação dos recursos e de controle

das mentes e corpos nativos presentes desde épocas pré-colombia-

nas. A estratégia consciente e inconsciente do colonizador era e per-

manece sendo a de desfigurar, desvalorizar e, em última instância,

tornar invisível estes povos, enquanto sujeitos sociais portadores de

territórios, economias, organização social, conhecimentos e direitos

próprios e particulares afim de melhor empreender a dominação e

exploração dos espaços e recursos (naturais e humanos)1. O projeto

consistia em eliminar a diversidade existente em prol de um sistema

social-econômico-político homogêneo em favor do Estado, da Igreja

e da apropriação mercantil da natureza. Percebemos isto na escra-

vização e extermínio impiedoso dos povos indígenas e nos diversos

ciclos econômicos do extrativismo e agricultura colonial.

1 Inúmeros autores realizaram trabalhos críticos sobre este tema, ver Porto-Goncalves (2001), Godim (2007) e Almeida (2008).

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Diálogos Agroecológicos

Atualmente, o projeto colonizador tenta desqualificar e in-

visibilizar os povos tradicionais amazônicos e seus parceiros (am-

bientalistas e indigenistas) de forma a fazer avançar a agricultura

convencional, a pecuária e demais tipos de exploração predatória

dos recursos. Tal empreendimento conta com apoio de parte do

Estado, que, além de financiar o projeto, proporciona infraestrutu-

ra física, jurídica, política e ideológica, justificando-o como a única

forma de desenvolvimento para a região, bem como um modo de

tirar a Amazônia do suposto vazio demográfico, subdesenvolvimen-

to, atraso e primitivismo, assim, eliminando as diversas formas de

ver o mundo (cosmologias) e de caminhar rumo a outros tipos de

desenvolvimento.

Propondo bloquear a expansiva destruição do capital na-

tural da Amazônia, grupos ambientalistas trataram primeira-

mente de indicar como principal agente destruidor o modelo de

vida agrícola e extrativista das populações locais, defendendo

a ideia da incompatibilidade entre as sociedades humanas e as

florestas tropicais. Outros grupos enxergam estes povos como

parceiros na conservação, porém creem que os mesmos, por

não possuírem conhecimentos adequados, devem ser guiados a

adotarem técnicas e conhecimentos supostamente mais viáveis

ao ambiente local. Uma terceira vertente, socioambientalista e

indigenista, enxerga os amazonidas como pessoas que vivem

em harmonia com a natureza, como parte dela. Estas visões de

mundo, apesar de terem um caráter mais positivo, convergem

com as dos antepassados colonizadores, os quais não conce-

biam o outro como sujeito social ativo, construtor de suas rea-

lidades, portadores de contradições, mas, sim, como elementos

inertes, passivos e sem sujeição histórica.

Ainda neste campo, a agroecologia, concebida como al-

ternativa e como uma ciência capaz de se contrapor à agricul-

tura monocultural, propõe uma “transição agroecologica”, que

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

seria a mudança de um estágio mais insustentável para um mais

sustentável no campo, envolvendo transformações tecnológicas

e adoção de práticas mais “racionais”. A agroecologia corres-

ponde a um avanço na forma de se tratar o uso dos solos e

o contexto socioeconômico tendo em vista a sustentabilidade,

porém, ao se aplicar sem o devido diálogo e entendimento do

contexto dos povos tradicionais, os extensionistas podem gerar

uma série de inconvenientes.

De certo modo, muitos agroecólogos invisibilizam e desva-

lorizam o saber e saber-fazer dos agricultores tradicionais. Desta

forma, sem intenções negativas, muitos agroecólogos propõem a

substituição tecnológica no sentido de “modernizar” os sistemas

agrícolas tradicionais, assim, visando à transição agroecológica,

como exemplo, os sistemas agroflorestais, mecanização, criação

“racional” de abelhas e peixes e acesso irrestrito à economia de

mercado. Quando existe a proposta de diálogo entre saberes, a

agroecologia dá primazia ao saber científico, capturando parte/

fragmento do saber tradicional útil, preocupado mais com o con-

teúdo do que com a forma deste saber, e deixa de perceber o

conhecimento tradicional em sua inteireza e profundidade. Esta

crítica não objetiva negar o valor da agroecologia como alternati-

va aos modelos dominantes, pelo contrário, buscamos trabalhar

tendo em vista a construção de uma agroecologia amazônica para

conservação da biodiversidade e valorização da sociodiversidade,

ampliando nossa visão com novos conceitos. Não seriam tam-

bém os sistemas agrícolas dos povos tradicionais componentes

dos tipos de agricultura ecológica-alternativa que precisam ter

investimentos sérios?

A “monocultura da mente”2 em detrimento da diversidade de

formas de ver e acessar o mundo é um empreendimento violento

2 Ver Shiva (2003).

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Diálogos Agroecológicos

que vem sendo implantado, de forma não tão pacífica, mas geran-

do resistências. O desenvolvimento técnico-científico aprofundou e

alargou tal avanço monocultural para além das fronteiras.

Segundo Shiva (2003), os fatores que levam à perda de diver-

sidade e dos saberes tradicionais estariam ligados ao modo como

a ciência ocidental é disseminada: ela desconsidera todo conheci-

mento tradicional local. De todo modo, a ciência é disseminada de

uma forma que não leva em conta os conhecimentos tradicionais e

atua como se eles não tivessem nenhum valor epistêmico. Tornando

os saberes locais invisíveis, as ciências invadem como se fossem o

único conhecimento disponível. Para a autora, os conceitos das ci-

ências são frequentemente tomados de uma civilização que não se

relaciona com a natureza de um modo sustentável, desta forma, a

sociedade ocidental com sua ciência reducionista trabalha a serviço

das indústrias,

[...] produz monoculturas insustentáveis na natureza e na sociedade. Não há lugar para o pequeno, para o insigni-ficante. Diversidade orgânica é substituída por atomismo fragmentado e uniformidade. A diversidade então [...] deve ser manejada de fora, pois ela não pode mais se auto-regular e autogovernar. Aquilo que não couber na uniformidade deve ser declarado inapto (Shiva, 2003).

O desrespeito às culturas tradicionais e os impactos à diver-

sidade biológica parecem estar intimamente ligados. Na medida

em que o sistema econômico dominante não valoriza as diversida-

des socioambientais, uma minoria passa a ditar as regras em um

processo que contribui para concentrar os conhecimentos, os re-

cursos e o poder.

São inúmeras as consequências perversas de tal modelo. Para

este livro ateremo-nos a uma proposta de diálogo intercultural, com

a finalidade de caminharmos para a conservação da diversidade bio-

lógica nos agroecossistemas, tendo como pressupostos a simetria

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

de valor e a diferença de forma entre os saberes científicos e tradi-

cionais no campo da agroecologia.

***

Vários estudos apontam para a ideia da persistência de sis-

temas agrícolas tradicionais ancorados na diversidade ecológica e

genética e integrados, desse modo, formando mosaicos a outros

espaços florestais, cujo processo de diversificação é também fruto

da intencionalidade dos agricultores e agricultoras. Esta construção

intencional da diversidade resulta de uma dinâmica interativa entre

elementos socioculturais e bioecológicos específicos de cada lugar,

como bem colocou Emperaire (2005), as espécies e as variedades

cultivadas são,

[...] objetos biológicos que atendem a critérios culturais de produção, de denominação e de circulação, em constante interação com as sociedades e os indivíduos que os produ-zem e os modelam. São objetos cuja existência se insere em tempos e em espaços definidos por exigências biológicas, mas que são também parte da vida cotidiana e constante-mente readaptados a um contexto ecológico, econômico e sociocultural.

A construção da agrobiodiversidade tem o sentido ativo de

geração, amplificação e manutenção da diversidade e, portanto, o

seu manejo associa as populações indígenas e caboclas ao papel de

mantenedoras e geradoras da diversidade de plantas. Este processo

nativo de conservação da agrobiodiversidade e os saberes associa-

dos se apoiariam nas dinâmicas espaço-temporais dos agroecossis-

temas, em um continuum roça-capoeira-floresta-quintais.

Entende-se, também, que a construção da agrobiodiversida-

de está assentada em processos mais amplos de uma “construção

social da natureza” (DESCOLA; PÁLSSON, 1996), em que os indí-

genas, ao infligirem uma perturbação na paisagem, buscariam dar

condições para o pleno desenvolvimento e crescimento de plantas,

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Diálogos Agroecológicos

com a perpetuação de relações do tipo social/espiritual e não de

sujeito/objeto. Um exemplo destas relações pode ser visto entre as

agricultoras indígenas do rio Cuieiras e as mandiocas e roças, espe-

cificamente com a “mãe” da roça. Uma entidade, ao mesmo tempo,

material e espiritual que determina relações, pensamentos e senti-

mentos na prática agrícola.

As perdas da agrobiodiversidade3 e de conhecimentos reves-

tem-se de importância especial no caso da Amazônia, onde se locali-

zam importantes focos de diversificação de plantas cultivadas, entre

as quais, a mandioca. Justamente, na Amazônia, a erosão genética

vem ocorrendo desde o início da colonização europeia com o geno-

cídio e etnocídio indígena, e sendo acelerada, nas últimas décadas,

devido à integração destes povos ao mercado, à perda territorial e a

políticas públicas inadequadas.

Uma das principais formas tradicionais de conservação da

agrobiodiversidade ou de etnoconservação é a complementarida-

de entre os espaços, a pluriatividade, as redes de circulação de

plantas e objetos biológicos, como sementes, manivas, etc. Alguns

trabalhos mostraram que os processos de diversificação e manu-

tenção das plantas cultivadas estavam ligados aos mecanismos de

troca entre vizinhos, parentes, aliados e amigos e a formas de ma-

nejo seletivo de sementes e materiais. Associados a processos de

etnoconservação, vêm aumentando os interesses teórico e prático

em prevenir uma possível perda de diversidade e em proteger o

patrimônio de conhecimentos, bem como em proteger os direitos

3 A estes recursos podemos denominar “agrobiodiversidade”, que foi definida na Convenção de Diversidade Biológica, como: “Um termo amplo que inclui todos os componentes da biodiversidade que têm relevância para a agricultura e alimentação, e todos os componentes da biodiversidade que constituem os agroecossistemas: as variedades e a variabilidade de animais, plantas e microorganismos, nos níveis genéticos, de espécies e ecossistemas, os quais são necessários para sustentar funções chaves dos agroecossistemas, suas estruturas e processos” - Decisão V/5, da CDB (WOLFF, 2004).

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

intelectuais de povos indígenas e das comunidades tradicionais.

Estratégias de conservação ex situ da agrobiodiversidade estão em

andamento e as estratégias in situ e on farm, estimuladas desde

a conferência de Leipizig, em 1996, começam a ser consideradas

como eficazes na conservação dos recursos genéticos, tendo em

vista o manejo das espécies e variedades no agroecossistema,

permitindo adaptação e evolução contínuas. Entretanto, segundo

Emperaire (2005, 2006), os principais instrumentos de conserva-

ção, sejam in situ ou ex situ, privilegiaram abordagens mais centra-

das nos recursos fitogenéticos do que nas condições de produção

destes, focando mais em objetos biológicos finalizados do que nos

processos globais de produção.

Atualmente, estimula-se o manejo comunitário da agrobio-

diversidade e se ressalta a importância do papel das mulheres

agricultoras na conservação. Diante desta constatação e seguindo

as recomendações da Convenção da Diversidade Biológica, novas

concepções de conservação se afirmam e apoiam formas locais de

manejo dos recursos, tendo como uma das prioridades a garantia

territorial e o delineamento de projetos de etnodesenvolvimento e

educação libertadora.

Entretanto, as populações locais não estão sendo devidamen-

te recompensadas e respeitadas, mesmo diante das inquestionáveis

evidências do papel desempenhado pelas mesmas na conservação

dos recursos fitogenéticos. Assiste-se, portanto, a uma ampliação

da noção de conservação, embora esta ainda permaneça no campo

dos técnicos e cientistas.

***

Valorizar as praticas agricolas tradicionais e assessorar os su-

jeitos sociais que as mantém para que possam inovar contantemente

e manter a resiliência ecológica e cultural constitui o objetivo maior

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Diálogos Agroecológicos

dos trabalhos dos educadores e pesquisadores que escreveram os

textos deste livro.

Em 2004, o Instituto de Pesquisas Ecológicas (IPÊ) iniciou os con-

tatos com as comunidades locais tendo em vista a conservação da bio-

diversidade e a valorização da sociodiversidade. Através de um progra-

ma de intervenção, buscou-se desenvolver ações para entender o uso

dos recursos naturais e atuar nesse contexto. Observamos, então, que

a agricultura é a atividade produtiva que estrutura a organização familiar

e economia local e, também, que pode estar ocorrendo uma erosão

da diversidade agrícola e dos conhecimentos tradicionais, bem como o

parcial ou total abandono dos agroecossistemas na área do projeto.

Aprofundando as reflexões, no âmbito do projeto ETNO,

verificamos os prováveis fatores de ganho e perda de diversidade

nas comunidades locais. Quanto aos fatores de incremento, podería-

mos citar o intercâmbio de espécies e variedades entre as famílias, a

Participantes da oficina de educação agroflorestal

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

esporádica migração de agricultores de outras regiões que trazem no-

vas variedades, a dinâmica ou ciclos dos sistemas agrícolas de pousio,

os saberes locais e práticas de manejo. Alguns fatores que contri-

buem para a perda seriam a redução ou abandono da área de cultivo,

escolha de espécies e variedades comerciais, seleção de variedades

adaptadas, imigração para zona urbana, processo de escolarização

uniformizada com modificações dos valores pelos mais jovens.

Na área do presente estudo, esta situação é complexa, haja vis-

ta estarmos lidando com comunidades pluriétnicas que migraram do

alto-médio Rio Negro para a proximidade de um grande centro urba-

no, Manaus, e que, por isso, estão recriando as suas formas de manejo

do espaço e dos recursos genéticos. Ressalta-se que estas comunida-

des situam-se dentre um mosaico de unidades de conservação, que

pressupõe leis restritivas de uso dos recursos e do espaço, e possuem

forte ligação com o extrativismo madeireiro, o que compete com a

prática da agricultura, levando esta última ao abandono completo.

Ao mesmo tempo, estas famílias mantêm contato intenso com outros

grupos sociais indígenas e caboclos que vivem no rio Cuieiras e no

baixo rio Negro, bem como com o mercado de Manaus.

O conjunto de informações teórico-práticas que as populações

locais apresentam sobre os fenômenos naturais oferece uma rica e

desconhecida fonte de informação a respeito de como manejar, con-

servar e utilizar os recursos vegetais de maneira mais sustentável. Este

conhecimento etnobotânico está baseado na experiência e seu regis-

tro é transmitido geralmente pela tradição oral. Estudos foram reali-

zados com vistas a evidenciar tais saberes e aplicá-los em ações de

extensão e manejo agroflorestal. Os resultados estão descritos neste

livro e são parte do esforço de compreensão do contexto local.

As pesquisas objetivam descrever e analisar aspectos etnobo-

tânicos e ecológicos da agrobiodiversidade: a) levantamento etno-

botânico dos quintais agroflorestais; b) mapeamento participativo

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Diálogos Agroecológicos

das áreas de cultivo e extrativismo; e c) estudo etnoecológico con-

cernente à fauna de caça. O projeto teve apoio do Laboratório de

Etnoepidemiologia e Etnoecologia Indígena do INPA e foi articulado

com o programa “Populações tradicionais, agrobiodiversidade e co-

nhecimentos tradicionais associados na Amazônia brasileira” (PACTA)

do consórcio CNPq/IRD/UNICAMP/ISA.

A educação ambiental e organização social visa à construção de

ações e pensamentos críticos a respeito do uso dos recursos naturais

e do território, procurando envolver os jovens e mulheres no projeto.

A educação socioambiental afirma valores e ações que contribuem

para a transformação humana e social e para a preservação ecológica.

As ações de educação e organização social buscam fazer a “ponte”

entre os estudos etnobotânicos e as alternativas trabalhadas, assim,

fortalecendo a organização social das comunidades e contribuindo

para a segurança alimentar e qualidade dos alimentos tradicionais.

A meta de educação agroecológica considera que as agro-

florestas e o extrativismo florestal são partes da história de

manejo dos ecossistemas pelos povos indígenas e tradicionais,

que, no entorno de suas casas e em seus roçados, consorciam

uma diversidade de plantas que lhes fornecem frutos, madei-

ra, sementes e substâncias medicinais, além de acessarem os

recursos florestais dos quais obtêm essências, frutos, gomas

e madeira. Porém, muitas vezes, todo o potencial ecológico e

produtivo de um sistema agroflorestal (SAF) não é conhecido,

nem aproveitado pelos comunitários. Portanto, construir agro-

ecossistemas sustentáveis, promovendo a ligação destes com

as famílias e o mercado justo, pode ajudar na manutenção da

diversidade e qualidade de vida local.

Neste enfoque, os técnicos exercem o papel de facilitadores do

processo e da organização do conhecimento, identificando os sabe-

res e as práticas que os ribeirinhos possuem, assim, dialogando com

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

os conhecimentos científicos, busca-se levantar soluções conjun-

tas. A proposta metodológica fundamenta-se na participação da

comunidade, caracterizando um processo pedagógico dinâmico e

interativo. O método pedagógico dialógico construtivista busca,

simultaneamente com a capacitação técnica, a valorização dos sa-

beres tradicionais.

Por fim, o diálogo é a principal ferramenta na agroecologia,

devendo ser simétrico e sem preconceitos. Deve-se partir da pre-

missa que o outro é um sujeito interessado e, como nós, possui

suas potencialidade e contradições. Este viés deve passar à mar-

gem das ações utilitárias, onde os técnicos formulam as propos-

tas e aplicam nas comunidades, propostas enviesadas, recheadas

de poder. Como exemplo, colocamos os projetos que buscam

obter o aumento de renda das famílias no mercado, sem o diálo-

go necessário para se compreender o que significa necessidade,

pobreza e desenvolvimento para estas pessoas, bem como o que

preconizam como qualidade de vida. Talvez seja esta a grande

pergunta que nos fizemos durante todo este trajeto: O que é qua-

lidade de vida? Para mim? E para o outro? Como conciliarmos

nossas visões e interesses?

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Diálogos Agroecológicos

O Rio Cuieiras: Os habitantes e seu ambiente

Mariana Gama Semeghini Thiago Mota Cardoso

No rio Cuieiras, existem seis comunidades, sendo quatro indíge-

nas, uma mista (parte indígena e parte não-indígena) e uma ribeirinha

(Figura 1). Todas estão localizadas na beira do rio, algumas na margem

esquerda, outras na margem direita. Algumas mais próximas à foz do rio

e outras mais distantes, sendo umas mais populosas que outras. Porém,

todas mantêm uma intensa relação entre si, assim como com os recur-

sos naturais da região no tocante à alimentação, saúde e moradia.

O presente texto mostra um breve retrato destas comunida-

des, com informações sobre a população, história, origem das famí-

lias e principais atividades econômicas, bem como as características

do ambiente conforme denominam os moradores. Esta pesquisa foi

realizada entre 2006 e 2007, pelo IPÊ, através de um levantamento

socioeconômico em cada comunidade, onde foi utilizada a metodo-

logia do Diagnóstico Rural Participativo (DRP).

As técnicas foram complementadas através de reuniões, pa-

lestras e visitas às residências dos comunitários. Em visitas poste-

riores, foram aplicados questionários em cada casa, nos quais foram

registrados: número de moradores por casa, nome, idade e escolari-

dade, além de outras informações relevantes. Aproveitou-se, então,

para aprofundar alguns temas desenvolvidos pelo DRP, através de

entrevistas semiestruturadas.

Page 21: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

Onde fica?

O rio Cuieiras é um afluente do rio Negro pela margem esquer-

da, corre em seu médio curso, numa direção geral norte-sul. Sua

foz dista cerca de 50 quilômetros de Manaus (Figura 1 e 2). As co-

munidades ribeirinhas situam-se na zona rural deste município, no

estado do Amazonas. O rio Cuieiras se situa no Corredor Ecológico

da Amazônia Central, na Zona Núcleo da Reserva da Biosfera e no

Mosaico de Áreas Protegidas do Baixo Rio Negro, sendo uma área de

grande relevância para conservação da biodiversidade.

Breve histórico

A história de ocupação de toda a região do rio Negro não di-

fere, em termos gerais, da que ocorreu em toda a Amazônia, que

foi baseada na exploração dos recursos naturais e violência física e

cultural contra as populações nativas (Tabela 1). Os colonizadores

e atuais promotores do “desenvolvimento” ignoraram os processos

ecológicos característicos de seus ecossistemas, bem como os mes-

mos se inserem e se integram ao conhecimento, modo de vida e

territorialidade das populações locais.

Figura 1 – Imagem de comunidade ribeirinha do rio Cuieiras. Foto: Thiago M. Cardoso

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Diálogos Agroecológicos

O modelo de desenvolvimento implantado foi centrado nos ciclos

econômicos dos recursos naturais, intimamente ligados à atividade ex-

trativista. Este modelo de desenvolvimento ainda tem provocado muitos

conflitos e grandes transformações sociais, culturais e nas paisagens.

O empreendimento etnocida e genocida praticado pelos coloni-

zadores portugueses e pelas elites luso-brasileiras objetivava, desde o

século XVII, adentrar territórios indígenas tendo em vista o aprisiona-

mento e migração de mão-de-obra escrava e a formação dos núcleos

missionários. A penetração portuguesa foi feita com base no trabalho

indígena e na comercialização de produtos da floresta. Juntamente a

este ciclo e com a extensão do domínio territorial e sobre os recursos

naturais, passa a economia extrativista, inicialmente com as drogas do

sertão, a ser o principal objetivo econômico da metrópole e das elites

nacionais. As disputas territoriais envolvendo outros estados criaram

a necessidade de ocupar a região do rio Negro e controlar as socieda-

des locais por meio de empreendimentos econômicos e regimentos

militares, o que ainda vem ocorrendo na região.

Figura 2 – Localização das sedes das comunidades do rio Cuieiras.

Page 23: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

Séc XVIII- Drogas do sertão- Descimentos e escravização- Missões

- Esvaziamento do BRN- Etnocídio e genocídio Indígena

Séc IXX- Cabanagem - Exploracão de madeira, vegetais e fauna-Barco a vapor

-Esvaziamento do BRN-Resistência de indígenas e caboclos

- Inicio ciclo da borracha- Entrada de Nordestinos- Mao-de-obra indígena

-Re-ocupação do BRN-Crescimento de Manaus

Séc XX

1910-20 - Crise da borracha

1920-30-”Novos” produtos Extrativistas (castanha, Balata, sorva, fibras)-Agricultura tradicional

1930-50-Soldados da borracha-Prisioneiros no Cuieiras

1950-70

-”Novos” produtos extrativistas-Termino do ciclo da seringa-Zona Franca de Manaus-Intensificação da atividade madeireira

-Migração dos seringais e médio/Alto rio Negro (atuais comunidades)-Urbanização e crescimento de Manaus

1950-70

-Extrativismo (areia, pedra)-Exploracão da Acariquara-Criação das Unidades de Conservação-Intensificação do turismo-Propostas de desenvolvimento sustentável

-Migração do Médio e Alto rio Negro -Urbanização e crescimento de Manaus-Conflito entre UC’s e comunidades locais-Solicitacão de Terra Indígena-Criação do PDS Cuieiras-Apuau

Tabela 1 – Diagrama histórico da região

Page 24: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

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Diálogos Agroecológicos

No final do século XIX, a exploração da borracha atingiu o rio Negro, estabelecendo-se até meados do século XX, devido à vasta demanda de-corrente das duas Grandes Guerras Mundiais. Esse período representou um novo ciclo de exploração e maus tratos aos índios, que continuaram a ser levados à força para os seringais. Do encontro entre os nordestinos que vieram explorar a seringa, e que falavam português, com os índios e caboclos amazonenses resultou uma intensa miscigenação e complexa troca de experiências, mudanças culturais e inovações.

No século XIX, introduziu-se a navegação a vapor com o esta-belecimento de uma linha no rio Negro que ia até Santa Isabel, o que possibilitou uma retomada no extrativismo. A demanda da lenha, no baixo rio Negro4, para alimentar as fornalhas dos barcos a vapor ge-rou uma nova atividade econômica, a exploração madeireira, que se intensificou nos anos 70 do século passado graças ao intenso cresci-mento urbano de Manaus. Esta atividade perdura até os dias atuais. É um produto da floresta intensamente demandado pela construção civil, cuja extração gera impacto ambiental considerável e é realizada sob condições sociais precárias5.

Relatos recentes, narrados pelos moradores mais antigos do rio Cuieiras, informam que, durante os anos 40-50 do século passado, o governo enviava e mantinha prisioneiros comuns para o trabalho força-do na extração de madeira na região. Esta madeira era utilizada basica-mente para abastecer os fornos e fornecer energia elétrica para os mo-radores de Manaus. Esta atividade deixou marcas visíveis na paisagem.

Na década de 50, começam a chegar ao rio Cuieiras famílias per-tencentes aos povos Barés e Tukanos, que migraram do alto rio Negro para Manaus e as populações de caboclos oriundos principalmente dos antigos seringais situados no médio e baixo rio Negro, dentre outros rios afluentes do Solimões e das cidades de Manaus e Novo Airão.

4 Ver livro de Victor Leonardi (1999), Os Historiadores e os Rios. Publicado pela Editora da UnB.

5 Relatório do Projeto Etnobotânica (IPÊ, 2007) e em Cardoso et al. (2008).

Page 25: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

23

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Neste período, a atividade econômica predominante, além da

caça, pesca, agricultura e coleta para subsistência, foi o extrativismo

do látex e de gomíferas, a venda da carne e pele de animais silvestres

e de madeira, que merece destaque. Nessa época, a principal espé-

cie explorada era a Acariquara para servir de postes à iluminação

pública, como salienta Cardoso et al. (2008).

A partir de 1990, surgem novas atividades econômicas como

a implantação de hotéis de turismo e chegada de turistas nas comu-

nidades. Também, nessa década, organiza-se o movimento indíge-

na e é reconhecido oficialmente um importante conjunto de Terras

Indígenas no alto rio Negro e em Roraima e criadas várias Unidades de

Conservação de Uso Indireto no baixo rio Negro. No médio e baixo rio

Negro, há processos de ordenamento territorial ainda em curso.

Demografia e configuração territorial

Entre 2006 e 2007, a população total do rio Cuieiras consistia em

274 pessoas, distribuídas em 96 famílias. As comunidades mais populo-

sas são Nova Canaã e São Sebastião, como se verifica na Figura 4.

Figura 4 – Número de famílias das comunidades do rio Cuieiras. Fonte: IPÊ, 2007

Page 26: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

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Diálogos Agroecológicos

As comunidades indígenas foram formadas fundamentalmente

por grupos de famílias provenientes do médio e alto rio Negro, bem

como não-indígenas de outras localidades, com predomínio de pes-

soas da etnia Baré e representantes das etnias Karapano, Tukano,

Tikuna e Satere-Maue. Algumas famílias chegaram entre as décadas

de 50 a 70, no entanto, o principal grupo familiar que compõe a

comunidade de Nova Esperança chegou na década de 80 (Figura 5).

A comunidade indígena Três Unidos foi fundada em 1991, por um

grupo da etnia Kambeba, que vivia no rio Solimões.

Estas comunidades indígenas são formadas por famílias que mi-

graram em busca de melhores condições de vida e consideram a região

do Cuieiras e baixo rio Negro como território tradicional de seu povo.

Os primeiros moradores das comunidades de São Sebastião

e Nova Canaã estabeleceram-se na década de 60 (Figura 6), então,

constituindo-se como comunidades nos anos 80 e 90. O processo

histórico de ocupação do espaço foi fortemente influenciado pelas

políticas estatais, de acordo com Cardoso (2008). Segundo relato

Figura 5 – Moradores da comunidade Nova Esperança. Fonte: Marilena A.A.Campos

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

dos atuais moradores, o estado incentivou os habitantes ribeirinhos,

que antes viviam em colocações relativamente isoladas, a formarem

núcleos ou centros comunitários e a viverem concentrados nestes

espaços para, desta forma, receberem os benefícios das políticas

públicas - como escola e saúde. Atualmente, uma comunidade é for-

mada por unidades familiares que podem optar por ocupar uma área

no centro comunitário ou em área florestal.

Muitos moradores, principalmente os que vivem mais isolados,

chamam de comunidade apenas a área compreendida pelo centro

comunitário. Separam claramente o que seria a unidade doméstica

e o que seria comunidade. O estar em comunidade significa, para

estes, estarem “inscritos“ em determinado centro comunitário no

qual a pessoa, além de ter direito de usufruir dos benefícios estatais,

participaria das atividades lúdicas, recreativas e religiosas.

A Figura 7 mostra a origem da população do rio Cuieiras. Mais

da metade da população de adultos das comunidades indígenas

Barreirinha, Boa Esperança e Nova Esperança é originária de Santa

Figura 6 – Moradores da comunidade São Sebastiao. Fonte: Arquivo IPÊ

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26

Diálogos Agroecológicos

Isabel e parcela significativa de São Gabriel da Cachoeira. Famílias

indígenas da comunidade Nova Canaã também vieram desta região,

enquanto os primeiros moradores da comunidade indígena Três

Unidos vieram do Solimões. No entanto, do total da população do

rio Cuieiras, Santa Isabel corresponde a 12% e São Gabriel menos

de 6% da origem dos moradores, enquanto quase um terço (30%) é

nascido no próprio rio e 18% em Manaus. As localidades de Novo

Airão e do rio Unini também têm destaque:

No rio Negro, os deslocamentos de pessoas, grupos e famílias

são relativamente comuns e frequentes. Porém, há poucos estudos so-

bre os fatores que motivam esta mobilidade (educação, saúde, família,

recursos naturais, criação de unidades de conservação e conflitos fun-

diários), a conexão entre território e migração e outras visões do mundo

que ligam a territorialidade à ideia de região e de fronteira. Estes assun-

tos subsidiam aspectos centrais que deveriam estar contemplados na

agenda de discussão dos diversos agentes das administrações federais

e estatais para levar a sério um ordenamento territorial com base nas

diferenças culturais dos povos que residem nessa região.

Figura 7 – Origem da população do rio Cuieiras. Fonte: IPÊ, 2007

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

Percebe-se que esta dinâmica territorial envolve, ainda, um

contínuo urbano-rural, onde os grupos deixam locais mais isolados

para viver em áreas mais próximas ou nos próprios centros urbanos

como Manaus e Novo Airão. Alguns familiares continuam vivendo

na cidade, os jovens, principalmente, para estudarem e trabalha-

rem. Para retirar a aposentadoria e o salário, no caso de funcionários

públicos, é necessário se deslocar, todos os meses, para a cidade.

Além disso, há uma rede de relações entre as diversas comu-

nidades e grupos familiares no rio Negro, em função do parentesco,

intercâmbios culturais e de recursos naturais (fundamentalmente

agrícolas) que perpassam o conceito de migração, assim como a di-

cotomia entre a cidade e interior, urbano e rural.

Em geral, as famílias se estabeleceram inicialmente em “sítios”

e terrenos isolados entre si. A partir da década de 80, conformaram-

se como comunidades e passaram a reivindicar alguns direitos e be-

nefícios junto ao poder público, no que concerne à posse da terra e

atendimento à educação e saúde.

As comunidades do rio Cuieiras, São Sebastião e Nova Canaã

têm associações registradas; Nova Esperança está em processo de

regularização. De forma geral, estas comunidades têm buscado arti-

culações e apoios com instituições, fator que vem desempenhando

um papel fundamental nas conquistas obtidas, embora muitas soli-

citações ainda não tenham sido atendidas.

No final da década de 90, as quatro comunidades indígenas

do rio Cuieiras junto às famílias indígenas de Nova Canaã e as co-

munidade de Terra Preta e São Tomé, localizadas no rio Negro, co-

meçaram a se mobilizar e se articular com movimentos indígenas

do Amazonas e nacionais. A partir desse momento, foram reconhecidas

como comunidades indígenas pela Fundação Nacional do Indio (FUNAI),

conquistando o direito à assistência à saúde diferenciada, implemen-

tada pela Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), em convênio com a

Page 30: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

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Diálogos Agroecológicos

Confederação das Organizações Indigenas da Amazonia Brasileira (COIAB),

nesse período. A partir de 2000, passam a reivindicar também a demarca-

ção de uma Terra Indígena (TI), solicitando à FUNAI um estudo para identi-

ficação e delimitação. O objetivo deste território é garantir a sobrevivência

física e cultural dos povos indígenas, onde a disponibilidade de recursos

naturais conservados é um fator intrínseco, pois é determinante para a

manutenção das atividades produtivas (agricultura, caça, pesca e coleta,

principalmente) e, em última instância, do conhecimento.

A possibilidade da criação de uma TI incentivou a mobilização das

comunidades não-indígenas da região, encabeçada pela comunidade

de São Sebastião, para a reivindicação de direitos sobre a terra e regu-

larização fundiária da área, junto ao Instituto Nacional de Colonização

e Reforma Agrária (INCRA). Esta articulação resultou na criação do

Programa de Desenvolvimento Sustentável (PDS) Cuieiras-Apuaú.

Em 1995, foi criado o Parque Estadual do Rio Negro - Setor

Sul (PAREST), que se destaca em virtude de seus atributos natu-

rais (vegetação e fauna), bem como em decorrência de seu imenso

potencial turístico. No entanto, no processo de criação e delimi-

tação, prevaleceram fatores políticos sobre os fatores biológicos,

físicos e sociais. As perspectivas da população local não foram

consideradas na época. Após seu estabelecimento, o parque foi

esquecido completamente e sua gestão não foi implementada,

por conseguinte, ações básicas como a arrecadação da terra ao

INCRA não foram realizadas.

O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) mantém

uma reserva biológica no rio Cuieiras, acima de uma base de treina-

mento da Polícia Federal.

A falta de diálogo entre as partes governamentais é flagran-

te na região, cada órgão vem realizando seus próprios programas e

agendas de forma sobreposta. No que se refere ao ordenamento ter-

ritorial, esta lacuna na comunicação entre instituições e entre estas

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29

Rio Cuieiras, Amazônia Central

e as comunidades vem submetendo-as a uma situação de incerteza

e indefinição permanente quanto ao cenário fundiário, gerando con-

flitos socioambientais e impossibilidade de se levar adiante projetos

que visem ao uso sustentável da biodiversidade e melhoria da quali-

dade de vida das mesmas6.

Ressalta-se que em todos os casos descritos, as comunidades

tradicionais não participaram dos processos de planejamento e exe-

cução do ordenamento. E verifica-se, no rio Cuieiras, um “excesso”

de ordenamento estatal, nos níveis estadual e federal.

Educação e saúde

Todas as comunidades possuem uma escola e um posto de saúde,

em parte construídos pelos órgãos municipais responsáveis Secretaria

Municipal de Educação (SEMED) e Secretaria Municipal de Saúde

(SEMSA) e em parte estabelecidos em locais improvisados. Na maioria

das comunidades há também um chapéu de palha, onde acontecem

reuniões comunitárias, uma igreja e ainda um pequeno comércio.

A partir de agosto de 2007, foi implantado o ensino funda-

mental (5ª. a 8ª. série) “itinerante” por módulos concentrados das

disciplinas escolares, nas escolas das comunidades Nova Canaã

e São Sebastião devido ao número de alunos. Antes, atendiam

somente o ensino básico (1ª. a 4ª. série), contando com somente um(a)

professor(a) em cada; sendo, portanto, classes multisseriadas. As esco-

las das comunidades de Boa Esperança, Nova Esperança e Três Unidos

continuaram com o ensino básico e, em Barreirinhas, não há escola.

Atendendo a reivindicações que vinham desde 2000, a educa-

ção indígena e diferenciada foi implementada em junho de 2007, atra-

vés do Núcleo de Educação Indígena da SEMED. A maioria dos pro-

fessores é falante da língua geral (Ñheengatu), porém, com exceção de

6 Ver Cardoso et al. (2008).

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30

Diálogos Agroecológicos

Três Unidos, cuja língua é Kambeba, e dois professores indígenas são

responsáveis tanto pelo ensino indígena como regular. Os professores

de Nova Canaã, Nova Esperança e Boa Esperança dividem o espaço na

escola com professores não indígenas, que estão vinculados ao Distrito

Rural e que ministram aulas em português e matemática.

Os postos de saúde mais equipados estão na comunidade São

Sebastião, implantado pela SEMSA, e em Três Unidos, onde o aten-

dimento à saúde é realizado pela FUNASA. Ambas estão localizadas

próximo à foz do rio Cuieiras.

Em todas as comunidades do rio Cuieiras, há um agente de saú-

de que, em geral, já fazia parte da comunidade e foi escolhido pelos

moradores e, com exceção de São Sebastião, todos são indígenas, vin-

culados, portanto, ao convênio de saúde da FUNASA. A doença mais

comum é a malária, ocorrendo com intensidade em períodos específi-

cos, como a vazante. Alguns moradores sofrem de hipertensão e, além

da malária, são recorrentes surtos de gripe e diarreia, esta última, muitas

vezes, em decorrência do consumo da água do rio. Nas comunidades

Três Unidos, São Sebastião e Nova Esperança, há poços artesianos, o

que pode diminuir o risco de contaminação pela água. Ainda assim, de-

vem ser realizadas análises sobre a qualidade da água regularmente.

A pluriatividade como estratégia de uso dos recursos

Cada família do rio Cuieiras realiza o processo de apropriação do ambiente seguindo uma certa estratégia. Esta estratégia pode ser definida como a forma particular que cada uma reconhece, busca e organiza seus recursos produtivos, seu trabalho e recursos financeiros com o objetivo de manter e reproduzir suas condições materiais e imateriais de existência7. Estas estratégias são elaboradas mediantes

7 O conceito de estratégia e múltiplos usos junto a populações tradicio-nais pode ser visto na recente publicação de Victor Toledo e Narciso Barrera-Bassol (2008).

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

conhecimentos sobre os elementos e dinâmica do ambiente (como épocas de frutificação, dinâmica das águas, clima, períodos reprodu-tivos de peixes etc.), bem como por processos de tomada de decisão baseados no histórico agroextrativista da família e do contexto socio-econômico e fundiário.

Boa parte dos povos tradicionais na Amazônia e no Cuieiras não poderia ser muito diferente, apresentam estratégias produtiva e extrativa baseadas em intercâmbios (ecológicos, econômicos e so-ciais). Intercâmbios realizados de diversas formas e com distintos elementos do ambiente de maneira a garantir um fluxo ininterrupto de bens, matéria e energia. Isso significa uma produção baseada no princípio da diversidade de recursos, paisagens e de práticas produ-tivas, ou seja, os múltiplos-usos do ambiente e a pluriatividade.

Além das atividades de subsistência, agricultura, coleta, caça e pesca, desenvolvem-se atividades econômicas com objetivo de ge-ração de renda, dentre as quais se destacam: extração de madeira, produção de artesanato e outras vinculadas ao turismo, venda de farinha e prestação de serviços (Figura 8). Neste último, incluem-se carpintaria, diárias na agricultura e, no caso das comunidades do rio Negro, serviços temporários em Manaus.

Figura 8 – Principais atividades econômicas realizadas pelos moradores das comunidades do rio Cuieiras (% de famílias em cada atividade). Fonte: IPÊ, 2007

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Diálogos Agroecológicos

Quase a metade das famílias tem roça (46,5%), e uma pe-

quena parcela comercializa o excedente da farinha (15%), a maio-

ria desenvolve esta atividade para consumo próprio. Ressalta-se, a

relação direta entre o extrativismo e a agricultura. Como menos da

metade das famílias tem roça, percebe-se que a extração madei-

reira (35%) e produção de espeto (18,5%) são atividades significa-

tivas, sendo que apresentam maior destaque nas comunidades de

Nova Canaã e São Sebastião. Na região do rio Cuieiras, o esforço

de trabalho familiar na exploração madeireira gera o abandono ou

diminuição dos espaços agrícolas.

O turismo e o artesanato representam uma importante

oportunidade de desenvolvimento sustentável com envolvimen-

to comunitário. O gráfico corrobora este potencial, pois veri-

fica-se que um quarto das famílias (26%) está envolvida nesta

atividade. Destacam-se as comunidades de Nova Esperança e

Três Unidos com a produção de artesanato, que recebem visi-

tas de grupos de turistas regularmente, e algumas famílias de

outras comunidades cujo principal trabalho consiste em guia e

barqueiro. Mas esta prática ainda ocorre de forma desigual, sem

que as comunidades sejam partes ativas nas decisões e nos ga-

nhos econômicos do turismo.

Os benefícios estatais constituem uma renda importante para

muitas famílias através do programa bolsa família e aposentadoria.

Funcionários públicos, vinculados às escolas (professoras, meren-

deiras e condutores da escola), e agentes de saúde (dos postos

de saúde) também têm representação significativa neste quesito.

Algumas famílias mantêm pequenos comércios nas comunidades, o

que representa apenas 2% da fonte de renda nesta região.

O mapeamento participativo, construído pelo IPÊ, em parceria

com as comunidades, mostrou que a área de uso dos recursos por

estas comunidades é abrangente, e alguns locais são procurados por

Page 35: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

33

Rio Cuieiras, Amazônia Central

todas as comunidades. As comunidades identificam limites bem

definidos e usam principalmente a área do rio Cuieiras e igarapés,

concentrando-se nas proximidades das comunidades e no repar-

timento do rio Branquinho e rio Cuieiras, área que foi apontada

como farta em peixes e caça. O rio Negro é utilizado somente pe-

las duas comunidades mais próximas à boca do rio Cuieiras, São

Sebastião e Três Unidos. As áreas de pesca e caça, assim como os

esforços dedicados para cada atividade, variam muito devido à dis-

ponibilidade de recursos em função do regime de água.

A pluriatividade dos agentes econômicos se inter-relaciona a

uma complexa rede de relações socioculturais de trocas de sabe-

res, de saber-fazer, de trabalhos coletivos comunitários e de tro-

cas de produtos, informações e conhecimentos. Os resultados da

inter-relação social entre as formas de produção e a cultura tra-

dicional moldam redes sociais de produção pouco segmentadas,

relativamente curtas e com um alto nível de interdependência entre

si, através das trocas e comercialização intracomunidades e das

comunidades com os intermediários (denominados na região como

“aviadores” ou “regatões”).

Esta região beneficia-se ainda pela relativa proximidade da ci-

dade de Manaus, principal centro consumidor da região e de Novo

Airão. A proximidade dos centros consumidores exerce grande

pressão sobre as atividades produtivas na região, afinal são quase

2 milhões de consumidores. De forma geral, esta proximidade dos

mercados consumidores apresenta vantagens e desvantagens para

o desenvolvimento da região. As vantagens relacionam-se principal-

mente com a certeza de acesso a mercados para os produtos do

baixo rio Negro, mas, por outro lado, também estimula a produção/

extração de produtos ilegais, como é o caso do extrativismo madei-

reiro, da caça e da mineração.

Page 36: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

34

Diálogos Agroecológicos

As relações de troca entre comunitários, comunidades e comer-

ciantes se dão quase que totalmente sem a mediação da moeda, num

sistema de troca e doação em que a moeda serve apenas como refe-

rência de valor e onde a economia se subordina as relações sociais de

reciprocidade determinam o vetor e intensidade das relações econô-

micas. As trocas geralmente são entre gêneros alimentícios (produtos

agrícolas e extrativismo florestal) por bens alimentícios processados

em outras comunidades, por bens básicos provenientes das cidades

(bens/produtos de necessidade básica) e por equipamentos destina-

dos a facilitar o trabalho dos comunitários no interior.

Nota-se uma grande influência deste modo típico de vida so-

bre as atividades econômicas estabelecidas na região. O saber-fazer

e as formas de acesso, manejo e exploração dos recursos naturais

locais obedecem a saberes e técnicas de produção tradicionais, ide-

alizadas com baixo investimento de capital, baixa produtividade e

pequena escala produtiva, mas respeitando os ciclos ecológicos e a

sazonalidade da produção.

O ambiente segundo os moradores8

Os habitantes do rio Cuieiras vivem em ecossistemas de água

preta, conhecidos pela oligotrofia, baixa produtividade e grande di-

versidade de fauna terrestre e aquática.

As atividades econômicas dos povos que habitam a bacia do

Rio Negro estão diretamente ligadas à sazonalidade das precipita-

ções e aos períodos de seca e enchente. O período chuvoso, na

região de estudo, vai de janeiro a abril, sendo março e abril os meses

mais chuvosos com médias de 294.7 e 289mm. O período seco vai

de junho a setembro, sendo o pico da estação seca em agosto, com

média de 63.3mm. O período de cheia do rio Negro vai de maio a

8 Informações extraídas de Cardoso (2008) e Arruda Campos (2008).

Page 37: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

35

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Figura 9 – Horizonte topográfico e unidades de paisagem no rio Cuieiras. Fonte:

Cardoso (2008)

julho, sendo junho o mês que o rio Negro alcança sua cota máxi-

ma. O período seco vai do fim de setembro até o início de janeiro.

O mês com a menor cota foi novembro. O clima dominante é tropi-

cal-chuvoso com temperatura em torno de 26°C.

Os aspectos topográficos estão diretamente associados com

tipos específicos de vegetação, de solo e de manejo humano. A termi-

nologia utilizada no rio Cuieiras inclui palavras como baixo (área alaga-

da), barranco (área intermediária) e terra alta ou terra firme (platô) (Figura

9). No sentido da terra alta para as posições mais baixas do relevo, há

uma diferenciação na morfologia do solo, com aumento gradual na

quantidade de areia e, consequente, modificação da vegetação.

A percepção da variação dos tipos de solo e das unidades de

paisagem no gradiente altitudinal pode ser colocada vis-à-vis ou até com

mais detalhe do que a utilizada na literatura científica sobre a região

norte de Manaus. Assim como em quase toda a calha do rio Negro, a

construção da infraestrutura doméstica e a realização da agricultura no

rio Cuieiras ocorrem na terra alta ou terra firme, isso em virtude da variação

das inundações e impossibilidade de se praticar atividades agrícolas nos

solos extremamente empobrecidos das áreas mais baixas.

Page 38: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

36

Diálogos Agroecológicos

Tipos de vegetação

No baixo, distinguem-se as seguintes unidades de paisagem: a

campina, a restinga, a praia, o igapó e o chavascal. A campina corresponde

aos campos de gramíneas com pequenos e troncudos arbustos de

até dois metros e que são alagados periodicamente. Os solos são

arenosos e afundam. As principais espécies indicadoras da paisagem

são a macacarecuia, rabo de lontra e capins. Dá-se o nome de caranazal e

arumazal as subunidades paisagísticas da campina, respectivamente

em referência à presença dominante da palmeira caranã e ao arumã.

Tirirical e arrozrana são concernentes à campina com predominância

de capins.

O igapó é também chamado localmente de várzea. É a vegeta-

ção que alaga durante a época das cheias dos rios. Algumas espécies

são indicadoras locais desta vegetação, como o macucu, japiranga e

breieiro. O solo é um barro meio enlameado, como dizem os mroadores

A vegetação chamada de queimado refere-se ao igapó que passou por

incêndios antropogênicos devido à folhagem e raízes secas presen-

tes no solo, no tempo em que se fazia carvão na região.

Nas restingas, a vegetação é mais alta do que a campina, com

cerca de dez a vinte metros e o solo é arenoso e mais compacto.

A restinga pode ser subdividida em restinga alta e restinga baixa, esta

alaga em qualquer enchente e a vegetação é mais aberta; enquan-

to na alta a vegetação é mais fechada. O chavascal corresponde aos

charcos, às áreas permanentemente alagadas. São paisagens situ-

adas nas margens dos igarapés, em áreas próximas às cabeceiras.

A vegetação é mais baixa e aberta do que na mata alta, predomi-

nando como espécies indicadoras o tarumã, samambaias, palha bran-

ca, bussú, buriti e patauá. Estas quatro últimas espécies dão nome às

subunidades de paisagem, como o palhau, bussuzal, buritizal e pataua-

zal. O solo arenoso enlameado do chavascal é alagado intermitente-

mente e possui pequenos córregos.

Page 39: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

37

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Na terra alta ou terra firme, distinguem-se as seguintes unidades

de paisagem: a caatinga, campinas alta, a mata alta ou mata virgem, a

capoeira, a roça, o sítio e o quintal. A caatinga é percebida por sua se-

melhança com o chavascal. Os solos são arenosos, não se prestando

para agricultura e a vegetação é de menor porte se comparada com

a mata alta. As árvores são mais finas, tendo o umiri como espécie

indicadora, além das samambaias e bromélias. A campina alta, em

semelhança com a campina do baixo, possui vegetação predomi-

nante de gramíneas com arbustos baixos, porém apresenta árvores

de menor porte com cerca de dez metros.

A mata virgem ou mata alta é o tipo de paisagem que predomi-

na no rio Cuieiras. A estrutura florestal é percebida pela mata mais

fechada com pouco cipó e de grande porte, com árvores chegando

a 40 metros. As principais espécies indicadoras são árvores como o

roxinho, itauba, acaricoara, angelim, cumaru, sucupira, uxi coroa, uxi liso, pi-

quia, bacaba marupá-branco, abiurana, cajuí, arabazeira, cedrinho, bacabinha

e cipós, como o cipó titica, cipó d’água, cipó jabuti-escada.

Tipos de solo

No rio Cuieiras, encontram-se solos dos tipos barro, areia e

terra. Os solos barrentos, ou barro, são facilmente reconhecidos nas

regiões de terra firme, pela sua consistência mais dura e granulação

mais fina, sendo denominados, a depender da coloração, como barro

vermelho, barro amarelo, barro branco e tabatinga, sendo este último um

tipo de barro branco mais endurecido. Os solos arenosos, localmente

denominados de areia, são reconhecidos pela sua textura granulosa.

As terras são reconhecidas pela sua origem da natureza ou relaciona-

das com sítios arqueológicos. São denominadas respectivamente de

terra preta e terra preta legítima.

Os solos também são percebidos enquanto uma mistura en-

tre um tipo e outro. O solo areiusco é percebido pela textura mais

Page 40: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

38

Diálogos Agroecológicos

arenosa no horizonte mais superficial (cerca de 20cm), com barro

mais abaixo. Outros exemplos referem-se à mistura no nível superfi-

cial/horizontal, como o areiusco com terra preta, barro vermelho com areia,

areiusco com barro amarelo. Outro tipo de solo percebido é a piçarra,

fruto da mistura entre barro amarelo e pedras, sendo considerado um

tipo de solo raro na região.

Quanto à consistência, os solos podem ser duros ou

fofos. Os solos duros são os que possuem maior consistência e

não afundam, ao contrário, os fofos afundam quando se anda

sobre a superfície. Em se tratando da umidade, os solos podem

ser enlameados, quando apresentam alta concentração de água

ficando com textura de uma lama; secos, quando possuem baixa

concentração de água; e liguentos, que são solos úmidos e bem

agregados. A história e a intensidade de uso do solo é um atri-

buto relevante na caracterização e escolha do solo para a agri-

cultura, podendo ser classificados em terra velha ou nova. A nova

corresponde a solos oriundos da derrubada da mata virgem ou de

capoeiras altas, enquanto a velha se refere ao uso sucessivo de um

mesmo espaço ao longo dos anos.

Os agricultores locais deduzem a fertilidade do solo pelo

processo sucessional da vegetação, chamam de terra fraca ou

cansada o solo das capoeiras novas; e terra forte ou descansada o de

capoeiras alta. Este critério de classificação não se refere à terra

preta legítima, que é considerado um tipo de solo que “sempre dá”.

A sucessão ecológica ou o pousio é utilizado como uma forma

de restaurar a fertilidade do solo após um ciclo de cultivo. A su-

cessão na perspectiva local funciona da seguinte forma: após a

derrubada da vegetação e plantio de mandioca, o espaço passa

a ser denominado de roça, a roça nova passa então por etapas de

manejo e controle, com o cultivo predominante de mandioca,

tornando-se roça madura e velha após 1 a 3 anos. A roça então

é deixada ao processo de sucessão ecológica. O espaço passa

Page 41: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

39

Rio Cuieiras, Amazônia Central

a se chamar capoeira nova. Este estágio vai até cerca de 7 anos.

A idade não é o critério mais utilizado para identificar as capo-

eiras, mas sim a estrutura da vegetação e a presença de espé-

cies indicadoras. A capoeira nova pode também ser chamada de

capoeira baixa e capoeira fraca. É percebida como uma mata bem

fechada, com muitas ervas, arbustos e cipós. São identificadas

espécies indicadoras como embaúbas, lacre, vassourinha e piriquitei-

ra. Esta paisagem é tida como uma fase do sistema agrícola em

que os solos estão cansados ou sem fertilidade.

O próximo estágio é chamado de capoeira velha, madura, alta ou

capoeirão, que corresponde a um tipo de vegetação de maior porte em

que o solo já está descansado. As árvores já são maiores e grossas

e a mata é mais aberta. São identificadas espécies características

como a goiaba-de-anta, murici, lacre e pepino-do-mato. Observa-se tam-

bém a presença de espécies de mata alta, como a itaúba, cedrinho e

acariquara começando a aparecer.

Page 42: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

40

Diálogos Agroecológicos

A Roça9

Thiago Mota Cardoso

A roça está presente no imaginário do brasileiro, possuin-

do múltiplos significados de acordo com a diversidade cultural

existente. Em geral, nas regiões Sul, Sudeste e Nordeste, onde

persiste uma forte (pelo menos aparente) separação entre a vida

no campo e nas cidades, o termo remete à noção do rural, do

lugar onde se expressa a agricultura familiar, do autossustento,

dos contos e narrativas e da tranquilidade proporcionada pelo

campo e pelas relações nele estabelecidas. As expressões “morar

na roça” ou “eu vim da roça” podem significar tanto que o sujeito

vive no interior como que trabalha com agricultura de mandioca,

milho, feijão, dentre outras plantas. Neste contexto, a roça, para

uns, significa o atraso diante de um progresso industrial-tecnoló-

gico-urbano inevitável; para outros, a possibilidade de ser livre,

de ter segurança alimentar e qualidade de vida de acordo com as

tradições e/ou como reação à modernidade.

A roça constitui-se como o espaço por excelência da agri-

cultura na Amazônia e, no rio Cuieiras, não poderia ser diferente.

9 Inspirado na dissertação de mestrado do autor, intitulada “Etnoecologia, construção da diversidade agrícola e manejo da dinâmica espaço-temporal em roças indígenas do rio Cuieiras, Baixo Rio Negro”, defendida em 2008, pelo Programa Integrado de Pós-Graduação em Ecologia do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia – INPA.

Page 43: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

41

Rio Cuieiras, Amazônia Central

É um espaço que nasce de um distúrbio (o corte e queima da

floresta) e visa à segurança alimentar de uma família, de uma co-

munidade local ou de uma região. Na Amazônia, a roça é simples-

mente o espaço cultivado. A roça pode estar na cidade, como na

floresta. Ao escutarmos “vamos à roça”, isso significa, em poucas

palavras, ir ao lugar onde se planta o alimento, o lugar onde se

aplicam os saberes e técnicas necessárias para a produção e re-

produção de bens ao mesmo tempo materiais (o alimento) e ima-

teriais (os significados).

No rio Cuieiras, assim como em todo rio Negro, a roça é o

principal espaço cultivado e a mandioca brava a sua planta estru-

turadora (Figura 10). Este espaço deve ser visto como parte de um

sistema agrícola mais amplo, integrado à floresta, aos quintais e a

outros locais próprios para o cultivo. A roça é o locus de manutenção

da diversidade agrícola. Deve-se, também, considerar que a implan-

tação de uma roça possui significados culturais profundos produzi-

dos dos estreitos laços entre a agricultura e as plantas.

Figura 10 – Roca recém aberta. Fonte: Thiago Mota Cardoso

Page 44: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

42

Diálogos Agroecológicos

Fazendo a roça

A roça é manejada em um ciclo que imitaria em estrutura as fa-

ses de sucessão ecológica da floresta. Podemos observar as seguin-

tes fases do sistema agrícola: seleção da área de cultivo, derrubada

e queima da vegetação, cultivo, colheita e abandono. A última fase

é considerada, hoje, como uma fase de manejo de capoeira ou agro-

floresta. As duas primeiras fases são de trabalho masculino, enquan-

to que a fase de cultivo e colheita, bem como o processamento dos

produtos obtidos, é de cuidado feminino ou de ambos. As crianças

geralmente ajudam as mulheres nesta fase.

Seleção da área de cultivo

Escolher um lugar para fazer a roça é uma questão que en-volve tempo e muita observação. Os roçados são implantados em terra firme e, geralmente, próximos à residência da família horticultora. Os saberes sobre a interação solo-vegetação-plantas são conside-rados variáveis importantes na decisão de onde se abrir um roçado, pois, como diria um agricultor, “toda planta tem ciência, não pode chegar e forçar plantar no local que não é para ela”. O agricultor pode decidir im-plantar um roçado em mata virgem ou numa capoeira nova ou madura.

De certa forma, há uma preferência em realizar o roçado tanto em capoeira alta como capoeira baixa, sendo a média de idade das capoeiras der-rubadas de 12 anos, mas boa parte está entre 7 e 10 anos. Percebe-se lo-calmente que a capoeira alta possui boa fertilidade e não dá tanto trabalho para derrubar a vegetação quanto a mata alta, que possui árvores de maior diâmetro e dureza. Outro motivo para escolher a capoeira alta em relação à baixa e à mata alta se deve à fertilidade do solo. Uma boa produção de mandioca e com maior velocidade de crescimento das raízes se deve ao aumento da fertilidade ao longo do processo de sucessão. O solo passa de “fraco”, na etapa de capoeira baixa, para “descansado” ou “forte” de uma capoeira alta, e este momento é reconhecido como o ideal para a

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43

Rio Cuieiras, Amazônia Central

implantação do roçado. Uma das preferências pela capoeira baixa se deve à decisão em se intensificar a agricultura em áreas de terra preta legítima. Os únicos motivos que levam os agricultores a preferirem cultivar a mata alta são a maior fertilidade dos solos, que permite o cultivo de espécies e variedades de maior exigência como a banana, cana, cará, dentre ou-tras, além da mandioca e também pelo menor trabalho disponibilizado para capinas.

Um critério fundamental para escolha da área onde se localizará

o roçado é o tipo de solo (Tabela 2), que muitas vezes é escolhido ba-

seado nas plantas disponíveis. O conhecimento local permite selecio-

nar as plantas cultivadas a um tipo de solo específico e a adaptação

das mesmas a um determinando substrato é explicitada através dos

termos “dá bem” e “não dá bem”. A mandioca é considerada uma espécie

generalista, que pode ser cultivada em qualquer tipo de solo, menos

no arenoso, sendo sua produtividade percebida como mais ligada aos

estágios de sucessão, no qual, a vegetação foi derrubada com a pre-

missa de que a “maniva dá bem em terra boa e não em terra fraca”.

Tabela 2 – Tipo de solo e principais plantas cultivadas

Tipo de solo Principais plantas cultivadas*

Dá bem Não dá bem

Terra preta

Mandioca, abacaxi, banana, cará, batata-doce, cana, pimentas, feijão de praia, frutíferas e palmeiras em geral

-

Barro

Mandioca, cará, batata-doce, abacaxi, banana, cubiu, açaí-do-pará, pupunha, pimenta

Melancia, cana, caju, feijão de praia

Areiusco Mandioca, caju, abacaxi, tucumã, pupunha, pimenta

Banana, melancia, gerimum, cana, cubiu, feijão de praia, laranja, limão

Page 46: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

44

Diálogos Agroecológicos

As variações da estrutura e da textura do solo influenciam di-

retamente na adaptação dos cultivos. Segundo as agricultoras, al-

gumas plantas como a banana, a melancia e o gerimum necessitam

de um solo mais úmido e compacto, e “não dão bem” em solos com

superfície arenosa, como o tipo areiusco. E aduzem que este solo,

sob incidência constante dos raios solares, aquecer-se-ia e “queima-

ria” estas plantas.

Derruba e queima

Após escolha da área, o agricultor inicia a fase da broca ou roça-

gem e derruba da área, realizando este trabalho sozinho ou através de

ajuris10. A roçagem é realizada com terçados e tem como meta cortar

todas as ervas, cipós, arbustos e paus mais finos. A derrubada ocor-

re logo em seguida. Como forma de economizar tempo e energia, os

agricultores fazem um corte bastante profundo em árvores de me-

nor porte e, logo depois, derrubam com machados ou moto-serras

as árvores maiores, e passam a derrubar a vegetação circundante,

geralmente no sentido centro à periferia do roçado. A broca ou

roçagem, quando feita numa vegetação secundária, é realizada co-

mumente no início do verão, entre os meses de julho e agosto, e

é deixada para secar antes da queima por 15 a 30 dias, enquanto

que uma vegetação de mata alta exige três meses para secar, sendo

derrubada entre maio e junho.

O último processo, essencialmente masculino, é a queima.

É considerada uma boa queima quando o fogo queima bem toda

a vegetação e é feita na época certa. Uma má queima, geralmen-

te, é feita no início das chuvas, o fogo então não consegue se es-

palhar pela vegetação úmida e o agricultor não poderá obter bons

10 Organização coletiva do trabalho, conhecido também como mutirão.

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45

Rio Cuieiras, Amazônia Central

rendimentos. No caso de uma má queimada, o agricultor pode juntar

os restos de vegetação que não foram queimados num montículo,

chamado coivara, e realizar outra queima. A queimada é realizada para

disponibilizar adubo para as plantas e retirar as ervas adventícias.

Obtenção das plantas e plantio

O primeiro momento desta fase é a obtenção das plantas.

Algumas espécies são protegidas do fogo e mantidas para enrique-

cer o roçado. Faz-se aceiro ao redor de espécies que não resistem

ao fogo, como a bacaba, bacabinha e o pequiá e outras como o tucumã

e pupunha, dessa forma, após a queimada, estas conseguem resistir e

são mantidas no roçado. Outras plantas crescem espontaneamente

no roçado após a queima e são mantidas, como o ingá, goiaba de anta,

cubiu, cará e mandioca. A goiaba de anta é deixada no roçado como futu-

ra atratora de animais de caça.

As principais formas das mulheres obterem as espécies

com reprodução vegetativa, que são as plantas típicas de roça

(mandioca, cará, batata-doce e banana), são através de roçados antigos,

fazendo a muda de parte da planta para o roçado novo. Outra forma é

através de doações realizadas por vizinhos ou parentes ou incorpo-

rando plantas oriundas de bancos de sementes nas capoeiras.

A parte utilizada para propagação da mandioca é denominada

de maniva (Figura 11). As mulheres, após a colheita, em um roçado

antigo, selecionam as mandiocas de maior interesse agronômico e

podem descartar as que não tiveram vigor produtivo após sucessi-

vos replantes. O momento certo de colher a mandioca é quando ela

está madura, depois da floração. Após este momento, a mandioca é

mantida em solo e, na necessidade de se produzir farinha ou outros

itens alimentares, é retirada a sua raiz e as manivas são deixadas em

feixes, com a ponta enterrada na terra sem deixar secar.

Page 48: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

46

Diálogos Agroecológicos

Geralmente, são obtidas sementes e mudas dos quintais e

sítios (cupuaçu, biriba, goiaba, abiu) para posterior plantio. Também,

podem ser obtidas sementes no mercado de Manaus (gerimum, me-

lancia). A transferência de plantas como açaí-da-mata, bacaba e uxi das

capoeiras e da mata alta igualmente contribui para manter o roçado

mais enriquecido. Usualmente, estas frutas são retiradas da floresta,

consumidas e suas sementes são germinadas nos quintais em mu-

das para posterior transferência para os roçados ou, também, para

doação.

O plantio da mandioca deve ser realizado logo após a queima

e no ápice do verão, pois, como relatam as agricultoras, se plantar

maniva nas chuvas encharca a maniva e pode dar bicho, que “tora

tudo”. Muitas agricultoras “plantam de qualquer jeito”, como dizem, en-

quanto que muitos obedecem aos ciclos lunares, devendo plantar a

Figura 11 – Roca recém aberta. Fonte:Thiago Mota Cardoso

Page 49: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

47

Rio Cuieiras, Amazônia Central

mandioca e outras frutas quando a lua estiver na crescente: “para crescer

bem as batatas” ou caruda (cheia) “para dar mandioca grossa”.

O plantio da mandioca é feito pela mulher e filhos, poden-

do ter a ajuda dos homens e dos parentes. Geralmente, planta-se

do centro do roçado para a beira próximo à mata, mas também se

pode realizar o cultivo de um lado diretamente a outro da roça. As

manivas cortadas de 15 a 30 centímetros são colocadas horizontal-

mente em covas, com cerca de 30-50cm de distância uma da outra.

Duas técnicas são utilizadas a mergulho e a cavada, na primeira, as

manivas são inteiramente enterradas; na segunda, as pontas ficam

de fora. Após plantio da mandioca, um pouco antes do período das

chuvas, em novembro e dezembro, ocorre o plantio dos abacaxis de

forma aleatória. Nas coivaras, devido à cinza, ao carvão desfeito e ao

calor, são plantadas as pimentas, cubius, canas, carás, bananas, gerimum

e batata-doce, plantas de maiores exigências agronômicas. A pimenta e

o cubiu são plantados jogando-se as sementes de forma aleatória na

coivara. As bananas são colocadas de preferência nas bordas do roça-

do, pois podem formar uma barreira contra a entrada de predadores

das plantas, como veados (Mazama sp.) e bandos de porcos do mato

(Tayassu tajacu).

A mandioca brava estrutura a organização espacial do roçado.

As agricultoras distribuem as manivas tendo como base a taxonomia

local, ou seja, o reconhecimento dos atributos e tipo distintivo de

cada variedade e suas características agronômicas. O primeiro crité-

rio de distribuição das manivas é a cor do tubérculo, segundo as agri-

cultoras, não se deve misturar as mandiocas brancas com as amarelas.

Após esta distinção, as variedades podem ser distribuídas através de

dois modelos baseados na percepção distintiva das partes aéreas:

em banda (segmentado) e o misturado.

Quando começam a maturar as mandiocas de menor duração

em solo, a agricultora inicia a colheita e imediatamente o replante dos

Page 50: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

48

Diálogos Agroecológicos

clones. Quando o replante é realizado, a agricultora corta as manivas

em tamanhos maiores do que quando ocorre plantio em novas áre-

as. Também é necessário colocar na cova quatro manivas da mesma

qualidade ou de qualidades diferentes ao invés de duas do plan-

tio inicial, que, conforme as agricultoras, aumenta a possibilidade

de “vingar” as manivas de indivíduos mais vigorosos em solos mais

“fracos”. O trabalho de colheita e replante ocorre até o momento em

que a agricultora percebe que o solo já está cansado e com invasão

constante de muitas ervas adventícias, neste momento, as mandio-

cas colhidas terão suas manivas cortadas e arrumadas em feixes.

Após o início das chuvas, a agricultora pode, caso decida

construir um sítio, plantar frutíferas arbóreas. O plantio pode ocor-

rer tanto da roça nova como na roça velha. Algumas plantas como o

açaí-do-pará, o cupuaçu, o abacate, a manga e o umari são plantadas em

áreas sombreadas pelas folhas das primeiras mandiocas. Outras não

são tão exigentes quanto à presença direta do sol, como os ingás e o

tucumã. O cupuaçu e o ingá são semeados de forma aleatória, jogando-

se a semente no espaço, o que pode contribuir para a diversificação

destas plantas. A pupunha deve ser plantada um pouco distante de

outras frutíferas, pois o crescimento de suas raízes é considerado um

dificultador do crescimento das plantas vizinhas. Após o “abando-

no”, ficam as frutíferas que serão manejadas com técnicas adequa-

das para o manejo agroflorestal.

Manejo de espécies espontâneas

A limpeza das ervas espontâneas no terreno, através da capina ou

roça, é reconhecida como uma das mais importantes práticas agrícolas

no rio Cuieiras. É plenamente conhecida que o crescimento constante,

principalmente durante a época das chuvas, de jurubebas, capins navalha,

tiririca, dentre outros, “atrasa a roça”, como relatam, no sentido de dimi-

nuir a produtividade do roçado e atrapalhar o trabalho de cultivo.

Page 51: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

49

Rio Cuieiras, Amazônia Central

As agricultoras relatam que as principais ameaças ambien-

tais às plantas manejadas no roçado são os animais silvestres

e insetos, que constantemente penetram no espaço cultivado,

chegando a eliminar algumas plantas. Insetos como as formigas

saúvas (Atta spp.) e gafanhotos são combatidos constantemen-

te em muitos roçados. Os vertebrados, principalmente os ma-

míferos, são considerados os grandes “vilões” do roçado. Caso

a agricultora abandone temporariamente o espaço para realizar

uma viagem, no seu retorno, pode se deparar com o roçado todo

destruído pelas capivaras (Hydrochoerus hydrochoeris), porcos do mato

(Tayassu tajacu) e cutias (Dasyprocta agouti).

A forma de controle local destes animais é através da caça.

Os espaços agrícolas no rio Cuieiras são os principais espaços de

caça, responsáveis por boa parte da biomassa de mamíferos e aves

consumidos na região. Os caçadores frequentam constantemente a

roça para fazer espera de algum animal de interesse alimentar. A roça

neste caso funcionaria como uma grande ceva para os caçadores.

Manejo da capoeira

Após os ciclos de cultivo na roça, o espaço é “abandonado”

para que o solo recupere a fertilidade tornando-se capoeira. Porém,

como se observa no rio Cuieiras e em outras regiões da Amazônia, as

capoeiras não são consideradas apenas uma fase de descanso, mas

sim como uma fase do sistema agroflorestal indígena que proporcio-

na diversos usos e a manutenção de sementes.

Os principais recursos utilizados da capoeira são os frutos de

palmeiras, medicinais e madeira para lenha e venda. Algumas es-

pécies são tiradas para abastecer as casas de forno e as caeiras de

carvão, outras podem ser vendidas para atravessadores da região ou

trocadas por itens alimentares e utensílios domésticos. Muitas agri-

cultoras conseguem obter manivas de mandioca, parte da cana e banana

Page 52: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

50

Diálogos Agroecológicos

nas capoeiras. A capoeira não é importante apenas pelo uso direto

das espécies, mas também por conter espécies e variedades, confor-

mando um importante banco de sementes. As agricultoras relatam

a germinação de sementes de mandioca e cará em roças cultivadas

em área de antigo cultivo:

“As vezes que nós fazemos a roça na capoeira sempre nas-ce maniva de semente. Ela nasce assim, sem raiz e ela vai pro fundo. Não tem batata não como as manivas planta-das. Só tem batatinha na ponta. Dá na capoeira porque é roça dos antigos. As sementes já ficaram no chão. Aguenta mesmo, você pode fazer uma roça na capoeira, ai com um mês você vai ver, maniva pra lá, prá cá...tudo de semente. Tudo sem nome, ninguém sabe o que é que é. Se ela for boa nós vamos cuidar dela”.

“A maniva fica na capoeira. Deixando na terra ela não aguenta, mas a semente fica. Deixando a roça, com uma ano e meio a mandioca já fica com frutinha, aque-la semente abre e cai, fica na terra. Olha esta capoeira do Dadico, quando derrubamos já tinha semente cres-cendo rapidinho. Quando tem semente que a roça ta bem madura, já da as frutinhas, ai cai e abre igual fruta, igual seringueira que cai em fevereiro, com a maniva é igual. Depois que vamos derrubar embrolha (brota) as sementes”.

Diversidade agrícola na roça

Cultiva-se uma ampla diversidade de espécies e variedades

(qualidades), entre anuais e perenes, em estágios variados de do-

mesticação na região com destaque para as 70 variedades de man-

dioca (5 mansas e 65 bravas) (Tabelas 3 e 4).

Ao contrário dos quintais, onde predominam espécies frutí-

feras, ornamentais, condimentares e medicinais, nos roçados do rio

Cuieiras, as espécies, como a mandioca, presente em 100% dos ro-

çados, o cará, a banana e abacaxi, são as mais frequentes e as que

possuem maior diversidade. A mandioca é a espécie estruturadora

Page 53: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

51

Rio Cuieiras, Amazônia Central

dos roçados e a mais utilizada localmente, podendo ser considera-

da uma “espécie cultural chave”.

Tabela 3 – Lista das plantas cultivadas no rio Cuieiras11

Nome Científico Qualidades Roça Quintal SítioMandioca Manihot esculenta 70 • •

Cará Dioscorea spp. 5 •

Banana Musa sp. 12 • • •

Abacaxi Ananas comosus 2 •

Ingá Inga sp. 4 • •

Cana Saccharum officinarum 5 •

Açaí-do-pará Euterpe oleracea • •

Pimenta Capsicum spp. 7 • •

Umari Poraqueiba paraensis • •

Tucumã Astrocaryum aculeatum • • •

Cubiu Solanum sessiliflorum 4 •

Graviola Annona muricata • •

Batata Doce Ipomoea batatas 3 •

Abacate Persea americana • •

Cupuaçu Theobroma grandiflorum • •

Gerimum Curcubita pepo •

Feijão de praia Phaseolus vulgaris •

11 Excluindo plantas medicinais ornamentais

Page 54: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

52

Diálogos Agroecológicos

Nome Científico Qualidades Roça Quintal Sítio

Planta da roça* - 6 •

Ariã Calathea alluia •

Mangarataia Zingiber officinalis •

Pupunha Bactris gasipaes 3 • •

Bacaba Oenocarpus bacaba • •

Jambo Eugenia jambos • •

Tajá Colocasia antiquorum • •

Caju Anacardium occidentale • •

Cacau Theobroma cacao • •

Manga Mangifera indica •

Biriba Rollinea mucosa • •

Melancia Citrullus vulgaris •

Mamão Cacaria papaya • • •

Baraturi Theobroma bicolor • •

Cucura Pourouma cecropiaefolia • •

Inajá Maximiliana maripa • •

Buriti Mauritia flexuosa •

Abiu Pouteria caimito • •

Laranja Citrus sinensis • •

Goiaba de anta Bellucia grossularoides •

Page 55: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

53

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Nome Científico Qualidades Roça Quintal Sítio

Taioba Xanthosoma sagittifolium •

Açaí-do-mato Euterpe precatoria • •

Urucum Bixa orellana • •

Piquiá Caryocar villosum •

Cebolinha Allium cepa •

Mari-mari Cassi leiandra • •

Jaca Artocarpus heterophyllus •

Uxi Duckesia verrucosa • •

Maracujá Passiflora sp • •

Milho Zea mays •

Cedrinho Erisma uncinatum • •

Bacabinha Oenocarpus mapora • •

Jenipapo Genipa americana • •

Araticum Annona montana • •

Limão Citrus limonia • •

Araçá Psidium guineensis • •

Goiaba Psidium guajava • •

Fonte: Cardoso, 2008

No rio Cuieiras, nenhuma variedade é amplamente cultivada.

As de maior frequência são as variedades tracajá, aladim e nara justa-

mente por terem maior produtividade para a produção de farinha e

comercialização.

As espécies de ciclo mais curto são manejadas nos primei-

ros estágios dos roçados, onde, após dois ou três anos de cultivo e

Page 56: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

54

Diálogos Agroecológicos

posterior “abandono”, pode começar a predominar as espécies arbóreas

cultivadas, que têm suas sementes ou partes transferidas dos quintais,

da floresta, trazidas do mercado e/ou incorporadas durante a sucessão

natural. As espécies frutíferas arbóreas estão presentes nos roçados de

63% das famílias. Observa-se, também, em certa medida, uma preferên-

cia por unidade familiar no uso de cada planta e a escolha por espécies

comercialmente mais valoradas (açaí, graviola, cupuaçu, tucumã, abacate) e

muitas espécies se encontram em poucas unidades familiares.

Tabela 4 – Qualidades de mandioca no rio Cuieiras.

Mandioca BravaManiva tracajá grande Maniva açaí Maniva olho roxo

Maniva aladim Maniva uiwa branca Maniva surubim

Maniva nara Maniva seis meses creme Maniva oro

Maniva seis meses Maniva paca Maniva catatau

Maniva capivara Maniva nara amarela Maniva tartaruga

Maniva roxinha Maniva supiá Maniva maturacá

Maniva jurará Maniva índia Maniva arrozinho

Maniva piriquito Maniva tracajá pequeno Maniva pixuna

Maniva amarelão Maniva olhuda Maniva nanica-pixuna

Maniva pretinha Maniva uia-pixuna Maniva língua-de-pinto

Maniva uiwa amarela Maniva maimaroca Maniva branca

Maniva macielzinho Maniva jacundá Maniva baixinha

Maniva preta Maniva arroz Manivas sem nome

Maniva nanicão Maniva mata porco Manivas de semente

Maniva arauari Maniva antinha

Maniva caroço Maniva índio

Mandioca MansaMacaxeira preta Macaxeira branca Macaxeira manteiga

Macaxeira roxa Macaxeira vermelha

Fonte: Cardoso, 2008

Page 57: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

55

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Os quintais agroflorestais

Caroline de Oliveira Bruno Scarazatti

Na região amazônica, as comunidades locais desenvolve-

ram sistemas integrados de subsistência envolvendo atividades

como a pesca, a caça, os cultivos agrícolas de curto e longo

prazo e a coleta de produtos vegetais. O quintal agroflorestal

faz parte deste sistema cuja interação dos recursos naturais e o

manejo dos mesmos respondem diretamente à necessidade das

populações locais.

Os quintais agroflorestais podem ser definidos por serem,

“uma área de produção, localizada perto da casa, onde é cultivada uma mistura de espécies agrícolas e florestais, en-volvendo, também, a criação de pequenos animais domésti-cos (galinhas, patos, porcos, gatos e cachorros) ou animais domesticados (paca, capivara, porco do mato)”12

É conhecido na Amazônia como “quintal”, “sítio”, “pomar”,

“horta familiar” ou “terreiro”, sendo este último o nome pelo qual

a maioria dos moradores do rio Cuieiras o chama. O quintal é tam-

bém a área de lazer da família e de intercâmbio dos vizinhos. Um

espaço onde as brincadeiras das crianças acontecem, e momentos

12 Ver Manual Agroflorestal da Amazônia, de Dubois (1996).

Page 58: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

56

Diálogos Agroecológicos

de descontração e relaxamento são usufruídos por todos, senta-

dos à sombra das árvores.

A escolha das espécies plantadas num quintal agroflorestal

pode ocorrer em função de diversos objetivos, sendo a produção

de frutos para a alimentação um dos principais. Enquanto a roça

garante os alimentos de base, como mandioca, milho, feijão entre

outros, o quintal é responsável por uma alimentação complementar,

fornecendo frutos ricos em vitaminas e sais minerais.

A grande diversidade de plantas de uso múltiplo, característi-

ca dos quintais, garante a seus proprietários um papel significativo

quanto à segurança alimentar. Isso porque a variedade de espécies

cultivadas assegura um cardápio contínuo de alimentos ao longo do

ano. Além das frutíferas, espécies de valor medicinal, ornamental,

cultural e de uso na confecção de artesanatos, também, fazem parte

deste mosaico de plantas. Portanto, são diversos os produtos gera-

dos e consumidos de um quintal. Em alguns casos, a produção de

excedentes pode até significar um ganho econômico extra, mesmo

que pequeno. O quintal também funciona como um campo de ex-

perimentação de novas espécies e técnicas (propagação vegetativa,

podas, enxertias, entre outras), as quais, por ventura, poderão ser

utilizadas, em maior escala, em outras unidades de produção.

É válido ressaltar a contribuição positiva dos quintais com a

manutenção da fertilidade do solo, na medida em que melhora a efici-

ência do processo de ciclagem de nutrientes, por sua vez, estimulada

pela deposição do lixo orgânico gerado pelo consumo dos moradores

(restos de alimentos, cascas, ossos, cinzas). O quintal agroflorestal

também presta serviços ambientais como proteção e conservação da

estrutura física do solo, incremento e manutenção da biodiversidade

local, entre outras vantagens quanto ao aproveitamento do espaço e

Page 59: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

57

Rio Cuieiras, Amazônia Central

de recursos naturais como água, luz e nutrientes do solo, conforme

observados por alguns autores.13

Nas comunidades indígenas e ribeirinhas do rio Cuieiras, os

quintais agroflorestais se fazem presentes. A maioria de seus mora-

dores cultiva seu quintal e demonstra dar grande importância para

este espaço. Dentro deste contexto, o presente estudo objetivou

realizar um levantamento e descrição dos quintais agroflorestais lo-

calizados no rio Cuieiras, estudando-se as principais espécies com-

ponentes destes sistemas, bem como a relação de uso por suas

comunidades.

Diversidade cultivada

Foram levantadas informações etnobotânicas em nove quin-

tais agroflorestais, contabilizando um total de 43 famílias e 82 espé-

cies. O número de espécies registradas em cada quintal variou entre

11 a 50 representantes. A família com maior número de espécies

foi a Arecaceae (palmeiras), com 12 espécies registradas, seguida

das Rutaceae e Myrtaceae, ambas com 5 representantes. Na sequên-

cia, as Solanaceae e Euphorbiacea aparecem com 4 representantes

cada. O restante das outras famílias foi representado apenas por

uma ou duas espécies.

Do total de famílias registradas, 73% foram classificadas

como alimento (Figura1). Nas Solanaceae, por exemplo, a maio-

ria das espécies são herbáceas condimentares (pimentas). Das

Euphorbiacea, foram registradas a macaxeira (Manihot esculenta) e

mandioca (Manihot esculentum) para alimentação, pinhão-branco

(Jatropha curcas) para uso medicinal e seringueira (Hevea sp) como

espécie arbórea nativa de ocorrência natural (não plantada), clas-

sificada como outros usos.

13 Pinho (2008); Lok e Mendes (1998).

Page 60: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

58

Diálogos Agroecológicos

As plantas utilizadas como temperos e condimentos, ape-

sar de servirem como alimentos, foram classificadas à parte,

como condimentares, totalizando 6% das espécies registradas.

As plantas de uso medicinal somaram 11% do total, com diver-

sos tipos de utilizações para combate às enfermidades. Outros

tipos de usos, como obtenção de madeira, sombreamento, uso

ornamental, ou mesmo àquelas espécies de ocorrência espon-

tânea (não plantada) corresponderam a 11% do total de regis-

tros. Como exemplos de espécies espontâneas foram encontra-

das: Imbaúba (Cecropia sp.), Seringueira (Hevea sp.), Maçaranduba

(Manulkara huberi) e Cumaru (Dipteryx odorata), todas estas apro-

veitadas para obtenção de madeira, mesmo que não tenha sido

esta a intenção. Algumas espécies têm potencial para artesana-

to, como a Cuieira (Crescentia cujete), o Babaçu (Orbignya phalera-

ta), Tucumã (Astrocaryum aculeatum) entre outras. Os moradores

locais denominam também algumas espécies como “árvores do

mato”, pois não relacionam a sua identificação com alguma uti-

lidade ou uso específico.

Dentre os quintais visitados, as espécies mais comumente

cultivadas são: o Cupuaçu (Theobroma grandiflorum), em 100% dos

quintais, o Açaí-do-pará (Euterpe oleracea), Cajuí (Anacardium gigan-

teum), Ingá (Inga sp) e Pupunha (Bactris gasipaes), encontrados em

89% dos quintais. Em seguida, aparecem a goiaba (Psidium gua-

java), Jambo (Eugenia jambos), Manga (Mangífera indica) e Mari-mari

(Cassi leiandra) em 79% dos quintais. O Biribá (Rollinea mucosa), o

Cará (Dioscorea spp), a Castanha-do-Brasil (Bertholletia excelsa), a

Cebolinha (Allium cepa) e a Jaca (Artocarpus heterophyllus), também,

foram encontrados em 67% dos quintais estudados (Tabela1).

Das espécies cultivadas, as frutíferas são predominantes em

56% dos quintais.

Page 61: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

59

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Diversidade de alimento ao longo do ano

Segundo Dubois (1996),

“um bom quintal deve fornecer produtos úteis o ano todo e, portanto, devem reunir um grande número de espécies e va-riedades, escolhidas de tal maneira que, em qualquer época do ano, a família possa colher no quintal alimentos, frutas e plantas medicinais”.

Para um bom planejamento de espécies que ofertem alimen-

tos ao longo do ano, devem-se anotar os períodos de frutificação de

espécies sazonais, criando um calendário que possa ser completado

através do cultivo de espécies que produzam com maior frequên-

cia. A partir disso, foi constatado que as espécies frutíferas, princi-

palmente as arbóreas, apresentaram as produções mais variadas ao

longo do ano (Tabela 1). No entanto, mudanças no comportamento

fenológico das árvores podem ocorrer ocasionalmente em função de

variações climáticas ou no meio ambiente, por exemplo, assim como

a seca ocorrida em algumas regiões amazônicas, em 2005.

Tabela 5 – Principais espécies cultivadas nos quintais agroflorestais (excluindo medicinais e ornamentais) e época de frutificação e alimento.14

Nome Comum Espécie

Épocas de Frutificação

Jan

Fev

Mar

Ab

r

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

AbacaxiAnanas comosus (L.) Merril.

14 Primeiramente, é preciso esclarecer que este levantamento foi feito com base em literatura e trabalhos de outros autores que estu-daram plantas comestíveis na região Amazônica, e que o ideal seria realizar um estudo em diferentes épocas do ano para acompanhar a frutificação das espécies e avaliar a distribuição e oferta de alimentos de maneira mais real ao longo do tempo.

Page 62: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

60

Diálogos Agroecológicos

Nome Comum Espécie

Épocas de Frutificação

Jan

Fev

Mar

Ab

r

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

AbacatePersea americana Mill.

Abiu

Pouteria caimito (Ruiz & Pav.) Roem & Schult.

AbóboraCurcubita pepo L.

Açaí-da-Mata

Euterpe precatoria var. precatoria Martius

Açaí-do-pará

Euterpe oleracea Mart.

AcerolaMalpighia glabra

AndirobaCarapa guianensis Aubl

AraçáPsidium guineensis Swartz

Araçá-BoiEugenia stipitata Mc Vaugh

Page 63: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

61

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Nome Comum Espécie

Épocas de Frutificação

Jan

Fev

Mar

Ab

r

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

AraticumAnnona montana

Azeitona-do-mato

Rapanea ferruginea (Ruiz & Pav.) Mez

BabaçuOrbignya phalerata Martius

BacabaOenocarpus bacaba Martius

Bacaba de Leque

Oenocarpus distichus Matius

BacabinhaOenocarpus mapora Martius

BananaMusa X paradisiaca

Banana-maçã

Musa x sapientum

Batata Doce

Ipomoea batatas (L.) Lam

BiribáRollinea mucosa (Jacq.) Bail

Page 64: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

62

Diálogos Agroecológicos

Nome Comum Espécie

Épocas de Frutificação

Jan

Fev

Mar

Ab

r

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

BuritiMauritia flexuosa Linneus filius

CacauTheobroma cacao L.

Café Coffea spp.

CajuíAnacardium giganteum Hanc.ex Engl.

CanaSaccharum officinarum

CaráDioscorea spp.

Castanha-do-Brasil

Bertholletia excelsa H & B.

Cebolinha Allium cepa

ChicóriaEryngium foetidum L.

CubiuSolanum topiro

CuieiraCrescentia cujete L.

CumaruDipteryx odorata (Aubl.) Willd

Cupuaçu

Theobroma grandiflorum (Willd. Ex. Spreng.) L.

Page 65: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

63

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Nome Comum Espécie

Épocas de Frutificação

Jan

Fev

Mar

Ab

r

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

Imbaúba Cecropia spp.

FeijãoPhaseolus vulgaris L.

Fruta-PãoArtorpus altilis (sol.ex park.) Fosb

GoiabaPsidium guajava L.

GraviolaAnnona muricata L.

Hortelã Menta spp

Inajá

Maximiliana maripa (Aublet) Drude

Ingá Inga sp

InhameDioscorea spp.

JacaArtocarpus heterophyllus Lam.

JamboEugenia jambos L.

JenipapoGenipa americana L.

JerimumCurcubita spp.

Page 66: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

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Diálogos Agroecológicos

Nome Comum Espécie

Épocas de Frutificação

Jan

Fev

Mar

Ab

r

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

LaranjaCitrus sinensis Osbeck

LimãoCitrus limonia Osbeck

Limão-galego

Citrus aurantifolia Swingle, var.

Maçaran-duba

Manulkara huberi (Huber) Standl.

MacaxeiraManihot esculenta Crantz.

MamãoCacaria papaya L.

MandiocaManihot esculentum

Manga Mangífera indica L.

Manguita Mangífera indica L.

Maracujá Passiflora sp

MarimariCassi leiandra Benth.

MaxixeCucumis anguria L.

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65

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Nome Comum Espécie

Épocas de Frutificação

Jan

Fev

Mar

Ab

r

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

Milho Zea mays

Muira-piranga

Eperua schombur-gkiana Benth.

Pataua

Oenocarpus bataua var bataua Martius

Pepino-do-mato

Ambelania acida Aubl.

PimentaCapsicum spp.

Pimenta-de-cheiro

Capsicum sativum

PiquiáCaryocar Villosum (Aubl.) Pers.

PitangaEugenia uniflora L.

PupunhaBactris gasipaes kunth

Seringueira Hevea sp

TangerinaCitrus nobilis Lour, var. deliciosa

Page 68: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

66

Diálogos Agroecológicos

Nome Comum Espécie

Épocas de Frutificação

Jan

Fev

Mar

Ab

r

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

TomateSolanum lycoper-sicum.

TucumãAstrocaryum aculeatum G. F. W. Meyer

Tucumã-iAstrocaryum acaule Martius

UrucumBixa orellana L.

Uxi

Duckesia verrucosa (Ducke) Cuatr.

Com base nas espécies frutíferas mais cultivadas nos quin-

tais, pôde-se perceber uma lacuna de possível escassez na pro-

dução entre os meses de maio a julho. A escolha das espécies

e o manejo empregado pelo produtor são fundamentais para o

suprimento alimentar ao longo do tempo. Plantas como a man-

dioca (Manihot esculentum), macaxeira (Manihot esculenta), abóbora

(Curcubita pepo), cará (Dioscorea spp.), inhame (Dioscorea spp.), aba-

caxi (Ananas comosus), banana (Musa spp.), batata-doce (Ipomoea

Page 69: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

67

Rio Cuieiras, Amazônia Central

batatas), entre outras, são bastante importantes para o supri-

mento alimentar. Isto demonstra que o proprietário do quintal

pode planejar sua oferta de alimentos, consorciando espécies

para obter colheitas o ano todo. Algumas espécies condimen-

tares e medicinais oferecem maior oferta para seu uso duran-

te o ano, como as pimentas (Capsicum spp.), cebolinha (Allium

cepa), urucum (Bixa orellana), hortelã (Menta spp.), capim-cidreira

(Cymbopogon citratus), boldo (Coleus barbatus), entre outras. Maior

abundância entre estas categorias de uso pode ser justificada

pelo método de uso, o qual ocorre muitas vezes pela extração

de folhas, cascas, raízes, entre outras partes da planta.

Manejo dos quintais

As áreas dos quintais estudados foram estimadas pelos seus

proprietários durante as entrevistas, variando de 240 a 3.000m²

(Tabela 6). Não existe uma limitação bem definida quanto ao tama-

nho dos terrenos, muito embora seja comum o fato dos quintais

não excederem um hectare de área na Amazônia. A comunidade

indígena de Três Unidos foi uma exceção quanto ao uso do espaço,

onde o quintal apresentou-se como o maior de todos em relação

aos demais quintais visitados (>10.000m2). Neste caso, o quintal

serve para toda a comunidade (não havendo divisões), a qual deri-

va praticamente de uma única raiz familiar (Figura 12).

As ocupações das terras ocorreram e continuam ocorrendo

através de apropriação de posseiros em praticamente 100% dos

casos. Os processos de legalização em nome dos proprietários,

em geral, não existem ou estão em andamento. Cerca de 90% dos

quintais era floresta quando os moradores se apropriaram das áre-

as, o restante era considerado como “capoeira”. A idade dos quin-

tais variou entre 1 a 25 anos.

Page 70: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

68

Diálogos Agroecológicos

Tabela 6 - Quintais visitados nas comunidades do Rio Cuieiras, área, número de espécies e idade dos quintais

Quintais estudados/Comunidade

Área aproximada (m²)

Nº de espécies/quintal

Idade dos quintais (anos)

Boa Esperança 700 18 4

Nova Canaã 2500 31 12

Nova Canaã 2800 50 6

Nova Esperança 2500 35 1

São Sebastião 750 23 11

São Sebastião 3000 32 26

São Sebastião 240 11 15

São Sebastião 3000 22 25

Três unidos > 10000 50 20

Fonte: Caroline e Cardoso (2006)

Nos quintais, 90% das famílias visitadas têm criação de animais.

As criações mais comuns são galinhas, patos e cachorros. Quando

perguntado sobre o plantio de plantas que não se desenvolveram, as

mais citadas foram cacau e acerola devido à ocorrência de pragas.

As formas de plantio mais comuns foram realizadas em 90%

dos casos, por meio de sementes. Em seguida, 40% dos plantios

foram feitos com estacas (ramos) e 5,5% foram realizados por outros

meios, como pelo recebimento de mudas doadas, transplantadas,

entre outras. Estas informações interagem com aspectos culturais,

uma vez que foi verificada a presença de espécies vindas de outras

regiões do país, revelando, em muitos casos, troca de materiais ge-

néticos trazidos por famílias de imigrantes. Árvores frutíferas como

Mangueiras (Mangífera indica), Jacqueiras (Artocarpus heterophyllus) e

Jambeiros (Eugenia jambos), também, são exemplos de espécies exóti-

cas que se adaptaram muito bem ao local e, hoje, apresentam gran-

de importância na alimentação destas pessoas.

Page 71: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

69

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Quanto às práticas de manutenção do quintal, foi constatado

que 100% dos proprietários realizam a poda; 22%, eventualmente,

fazem aplicação de produtos tóxicos para combater pragas ou doen-

ças; 10% usam adubação química, mas 90% usam adubos orgânicos

para melhorar a produção das espécies. Não existem orientações

técnicas para estas práticas de manejo, as quais ficam a critério do

conhecimento e bom senso dos proprietários para decidirem quan-

do e como realizarem estas atividades.

A prática de manutenção e “limpeza” dos quintais é comum en-

tre os moradores. Todas as famílias entrevistadas fazem capinas anuais e

retiram as folhas dos locais mais próximos à casa. Esta ideia está ligada

principalmente à prevenção de acidentes com animais peçonhentos:

“[...] estamos sempre cortando, podando galho pra fica mais bonito. É que a gente tem que corta mesmo as plantas, se não fica feio,... aquele coqueiro ele cortou, tava perigoso cair na nossa cabeça” (L., Boa Esperança).

Figura 12 – Quintal com presença de Casa de farinha Fonte:Thiago Mota Cardoso

Page 72: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

70

Diálogos Agroecológicos

A prática de usar as folhas como adubo é comum. Em 90% dos

casos, esta prática é realizada com a intenção de melhorar a produ-

ção e os aspectos físicos e biológicos das espécies:

“[...] esses cupuaçus tão estragados por que eles não gostam assim no limpo [...] eu acho né. Porque aqui no quintal a gente varre tudo todo dia, vai [...] limpa. E eles não gostam. É tem que ser assim, folhas delas mesma no chão, porque é um adubo pra eles né” (O., Nova Canaã).

Os problemas mais comuns, observados por 20% dos entre-

vistados, com relação à presença de pragas e doenças, foram: formi-

gas, vassoura-de-bruxa e erva de passarinho. Outros fatores limitan-

tes ao cultivo nos quintais, constatados em 40% dos casos, foram

relacionados à perda da qualidade do solo em razão da diminuição

de fertilidade ocasionada por lixiviação, erosão e alagamentos nos

períodos de chuvas.

Estas informações contribuem para um entendimento geral

sobre como é pensado e realizado o cultivo de plantas em quintais

agroflorestais na Amazônia, desse modo, revelando características

culturais, preferências de usos, sucessos e insucessos destas expe-

riências. Este conhecimento, combinado com orientações técnicas,

poderia trazer benefícios para a melhoria do planejamento da produ-

ção, resultando em benefícios para a subsistência familiar, qualidade

do cultivo, maior oferta de alimentos, ou mesmo para a geração de

excedentes, então, possibilitando a criação de alternativas econômi-

cas e de complemento de renda.

Page 73: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

71

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Plantas cultivadas15

Thiago Mota Cardoso

Ao realizar uma intervenção na paisagem a fim de implantar

uma roça, o agricultor ou agricultora estará construindo um espa-

ço agrícola e, ao mesmo tempo, a riqueza de plantas cultivadas

com as quais se relacionará. Esta prática realizada há séculos, na

Amazônia, significou um processo coevolutivo (gente-paisagem-

planta) com domesticação conjunta da paisagem e de muitas es-

pécies de plantas úteis.

A manutenção das plantas cultivadas nas roças, quintais e ou-

tros espaços tem o sentido ativo de geração, amplificação e manu-

tenção da diversidade e, portanto, o seu manejo associa as popula-

ções indígenas e caboclas ao papel de mantenedoras e geradoras da

diversidade de plantas. As plantas cultivadas possuem importância

ímpar na vida das famílias do rio Cuieiras, são fontes de alimento,

servem para embelezar a casa, espantar maus espíritos, fortalecer

laços de amizade e para curar, além de poderem ser comercializadas

e transformarem-se em fonte de renda.

15 Inspirado na dissertação de mestrado do autor, denominada “Etnoeco-logia, construção da diversidade agrícola e manejo da dinâmica espaço-tempo-ral em roças indígenas do rio Cuieiras, Baixo Rio Negro” e no livro Cultivando Diversidade (no prelo).

Page 74: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

72

Diálogos Agroecológicos

A relação com as plantas pode ser definida como do tipo

social/espiritual e não de sujeito/objeto. Um exemplo destas rela-

ções pode ser visto entre as agricultoras do rio Cuieiras e destas

com as mandiocas e as roças, especificamente com a mãe da roça.

Uma entidade ao mesmo tempo material e espiritual que determina

relações, pensamentos e sentimentos na prática agrícola.

Percepção das plantas cultivadas

As plantas cultivadas são identificadas e classificadas por suas

propriedades morfológicas e atributos agronômicos, utilitários e mági-

cos, que fornecem as bases necessárias para a seleção das espécies e

Figura 13 – Variedades ou qualidades distintas de mandioca. Fonte: Thiago Mota

Cardoso

Page 75: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

73

Rio Cuieiras, Amazônia Central

variedades, bem como para o manejo dos espaços agrícolas. Este sis-

tema vem sendo construído individual e coletivamente de acordo com

as experiências, aprendizados e interações culturais desenvolvidas ao

longo das diversas histórias de vidas encontradas na área.

O critério mais utilizado para a classificação e descrição das

plantas cultivadas no rio Cuieiras integra a dimensão da inversão do

trabalho humano sobre os vegetais e paisagem expresso na forma de

como são cultivados, se plantados, semeados ou de forma espontâ-

nea e na proximidade com o espaço doméstico. Quanto maior a de-

pendência da propagação/manutenção em relação ao ser humano,

mais a planta é vista com proximidade ao meio doméstico. O grau

de interação vai do espaço doméstico ao florestal. Assim, os agricul-

tores distinguem as plantas cultivadas em três grupos: mato ou mato

bruto, planta do mato e plantas.

A categoria mato ou mato bruto envolve alguns vegetais que

podem ser reproduzidos e manejados, porém que não dependem

diretamente da mão humana para sua propagação e manutenção

ao longo do tempo. Podendo, por isso, serem incorporados à roça

espontaneamente, disseminados por aves, mamíferos ou insetos,

transplantados da floresta ou protegidos durante a derrubada e

queima da vegetação. Dentro desta categoria, encontramos os paus,

mato, frutinhas do mato e cipó.

As plantas do mato referem-se aos vegetais que podem ser reti-

rados da floresta ou da capoeira e serem cultivados, entretanto não

estão totalmente sob controle humano. São, por sua vez, ordenadas

em famílias como as palmeiras e as fruteiras da mata. As palmeiras pos-

suem grande importância no dia-a-dia das pessoas, sendo utilizadas,

na alimentação, para fabricação de artesanatos e construção. As pal-

meiras da mata são transplantadas de unidades de paisagem como os

chavascais, no caso do buritizeiro, da floresta, como o açaí-do-mato e a

bacabeira, são mudados nos quintais e, depois, transplantados para o

Page 76: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

74

Diálogos Agroecológicos

roçado. Outras palmeiras nascem sozinhas como o inajá e a bacabinha, e

são protegidas do fogo durante a derrubada da capoeira e utilizadas

como alimentação e artesanato. As frutas da mata correspondem prin-

cipalmente a vegetais arbóreos, que são transplantados da floresta

para serem cultivados, são árvores como o uxi, mari-mari, pequiá e

baraturi, muito apreciados pelas suas frutas.

As plantas, ao contrário das plantas do mato, são todos os ve-

getais domésticos de ciclo anual ou perene cultivados nas roças,

quintais, terreiros, sítios e espaços experimentais. Os agricultores e

agricultoras são sabedores que, em boa medida, estas plantas de-

pendem da mão humana para o cultivo, manutenção e propagação,

estando estritamente vinculadas aos domínios do espaço domésti-

co. Estas plantas possuem grande significado para as famílias, sendo

consideradas como parte da casa, sendo percebidas, nomeadas e

manejadas de forma individual ou em seu conjunto, considerando a

história particular de cada planta, os aspectos agronômicos, a esté-

tica e o sentimento que produzem em quem a cria.

Uma categoria importante de planta, porém pouco cultivada

nas roças e muito cultivada nos quintais, são as plantinhas medicinais,

compostas por um conjunto de ervas e arbustos como capim-santo,

amor-crescido e urucu. O urucu também faz parte do grupo dos temperos,

que inclui a cebolinha, chicória e coentro.

O tucumã, a pupunha e o açaí-do-pará são considerados tipos de

palmeiras que podem ser semeados, mudados e até protegidos na

derrubada e queima da capoeira e são muito utilizados. A categoria

que possui maior número de representantes é a das frutas, sendo

composta pelos tipos fruta de batata e fruta de raiz. As frutas de batata

correspondem aos tubérculos, como a batata-doce, o cará, a taioba,

a mangarataia e o ariã, sendo consideradas parentes. As chamadas

frutas de raiz são todas as plantas de porte arbóreo ou arbustivo por-

tadoras de “raiz de verdade” e que dependem da mão humana para sua

Page 77: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

75

Rio Cuieiras, Amazônia Central

existência. São geralmente selecionadas para formarem os espaços

agroflorestais dentro do processo de sucessão da roça e são muito

apreciadas para alimentação, medicina, atração de caça, adubo e

sombreamento. As principais espécies deste grupo são a mangueira,

abacateiro, cupuzeiro, biribá, jambo e graviola.

Algumas frutas não fazem parte destas duas categorias como

o cubiu e os ingás, muito utilizados para alimentação. As pimentas tam-

bém são consideradas frutas, sendo cultivadas sete variedades tanto

as ardosas quanto as mansas. As canas, as bananas, o mamoeiro e os feijões

correspondem a grupos que não se inserem em nenhumas destas

categorias. São consideradas plantas que se criam e possuem enor-

me importância na alimentação local.

São cultivadas algumas plantas que podem ser consideradas

mágicas, como os tajás, que possuem o poder de se transformarem

em animais, e as plantas-da-roça, que podem cuidar do roçado para

que as plantas cresçam bem. Segundo as mulheres indígenas, existem

diversas qualidades e tipos de planta-da-roça, como o abano-da-roça ou

espelho, que são cultivadas com o objetivo de arejar as plantas para que

cresçam com força, o jabuti, que, cultivado no centro da roça, serve

para dar força e produtividade no roçado. Algumas destas plantas são

associadas a entidades espirituais, como a mãe-da-roça.

Dentre as plantas cultivadas, a mandioca é a que mais se apro-

xima do meio de vida doméstico, tanto por sua preferência na culi-

nária como pelos seus aspectos agronômicos e simbólicos. Existem

dois tipos de mandioca: as mandiocas doces ou macaxeiras e as

mandiocas amargas (Figura 13). A percepção desta diferença pode

ser vista no seguinte relato:

“A macaxeira é igual a mandioca, a diferença é que ela é branca e doce e a mandioca é amarga. Quer matar uma pessoa, cozinha a mandioca e dá, ela morre na horinha. Macaxeira não, o tucupi não é forte, é doce. Como eu sei quando é macaxeira e mandioca? Ela (a mandioca) não amo-

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76

Diálogos Agroecológicos

lece, ela empedra, a mandioca pode ferver o dia todinho que ela não amolece, ela fica dura. Macaxeira pode ferver uma vez que ela espoca”.

A mandioca ocupa quase todo o espaço; enquanto a macaxei-

ra, quando cultivada, fica apenas em um canto da roça. A identifica-

ção local das variedades de mandioca se apoia em critérios como a

cor do tubérculo, tempo de maturação e resistência no solo e carac-

terísticas das partes aéreas, atributos utilizados para identificação,

seleção e organização das mandiocas no espaço cultivado.

O alimento na mesa

A importância da mandioca para as famílias do rio Cuieiras

está expressa na diversidade cultivada e nas formas de classificação

desta espécie. Além disso, como nas demais áreas do rio Negro, o

cultivo e processamento da mandioca brava é realizada de forma

altamente engenhosa, tendo uma diversidade de produtos e subpro-

dutos alimentares que fazem parte do cotidiano das famílias.

O processamento da mandioca envolve a utilização de arte-

fatos confeccionados de forma artesanal, como os paneiros, cumatás,

balaios e tipitis elaborados com tala de arumã (Ischonosiphon spp.), aturás

com cipó-titica (Heteropsis flexuosa) e abanos feitos com folha do tu-

cum (Astrocaryum tucuma). Em algumas fases do trabalho, é utilizado

um ralador movido a motor (caititu) e artefatos de madeira. O forno

de metal é suportado em estrutura de pau-a-pique.

A mandioca, após ser retirada do solo, é carregada em um atu-

rá, que são cestos cargueiros levados às costas. Uma parte é levada

ao rio ou a um tanque (caixa d’água) e deixada a amolecer, outra

parte é levada à casa de forno para ser descascada. Para se produzir

a farinha, primeiramente, descasca-se a mandioca brava. Ralam-se

estas no caititu, que é um ralador com um cilindro de metal, que

gira através de um motor movido a gasolina ou por tração manual.

Page 79: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

77

Rio Cuieiras, Amazônia Central

A polpa ralada é espremida no cumatá, onde a manicuera ou tucupi

escorre. Neste momento, também, é separada a goma ou tapioca

através de decantação. O tucupi pode ser bem cozido, virando um

líquido bem apreciado para cozinhar peixes e elaborar condimentos

com pimenta.

A massa ralada é misturada à massa de mandioca puba. Esta

última é obtida colocando-se, como dito anteriormente, as raízes de

molho na beira do igarapé próxima à residência ou à casa de forno,

ficando de três a quatro dias. São retiradas, descascadas geralmen-

te no local e trazidas à casa de forno. São esmigalhadas no ralo e

misturadas à massa de mandioca ralada. Após este procedimento,

a massa é posta no tipiti ou na prensa para secar. O tipiti é um tubo

elástico trançado com arumã e a prensa é em forma de caixa onde se

coloca a massa ensacada, que é pressionada por uma alavanca.

O tipiti é pressionado pela mulher, quando vai saindo todo

o líquido que estava misturado à mandioca puba. Seca a massa no

tipiti ou na prensa, esta é esmigalhada e peneirada. A mulher vai co-

locando a massa e mexendo de forma circular para torrar a massa e

fazer a farinha. Esta farinha é a preferida localmente e também pelo

mercado local, a farinha é bem amarela.

São produzidos outros tipos de farinha na região. Para fazer

farinha seca a mulher pega a massa ralada e a espreme no cumatá,

sem agregar água, até escorrer o tucupi e formar a goma. A massa é

seca no tipiti e peneirada e, então, posta no forno sem misturar com

a massa puba. É feita uma farinha fina utilizando-se apenas a tapio-

ca. A farinha d’água é feita unicamente de massa puba. A massoca é

uma farinha bem fina, que é feita de massa puba com pouca massa

ralada. Após passar no tipiti, esta massa é colocada para moquear

em cima do fogo. No dia seguinte, é retirada e colocada no forno

para torrar. Esta farinha é utilizada em mistura com água, como uma

bebida, ou no caldo do peixe.

Page 80: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

78

Diálogos Agroecológicos

O beiju da tapioca é feito através da extração do tucupi da mas-

sa ralada. A goma depositada no fundo da vasilha é pego e colocada

no forno aquecido, onde é mexida até encaroçar, juntamente com a

tapioca. Depois, coloca-se a tapioca para torrar até dar a liga e formar

um disco grande. O beiju pode ser servido cortado em pedaços, co-

mido com peixe ou banana. Destacamos que são produzidas outras

variedades de beijus. Tem um beiju que é feito enrolado na folha da

bananeira, chamado de pé-de-moleque. Apesar de muitas mulheres

ainda saber fazer o beiju para caxiri, como no alto curso do rio Negro

(Ribeiro, 1995), esta prática não é mais realizada, pois o caxiri deixou

de ser feito ritualmente. Outro alimento feito com a goma é o arubé.

Um molho feito com a mistura de pimenta e goma da tapioca. Mujeca

é o alimento elaborado com a farinha e tapioca. Neste é feito um en-

sopado de peixe engrossado com tapioca ou farinha, temperado com

sal e um pouco de pimenta e consumido com beiju.

Outro prato muito apreciado é o mingau. As mulheres muitas

vezes fazem mingau de tapioca pela manhã. Há também o mingau de

farinha puba e o mingau de banana.

O tucupi ou manicuera é um líquido muito apreciado. Este

pode ser engarrafado junto com pimenta ardosa ou de cheiro, dando

um molho muito apreciado para comer com peixe assado ou cozido.

Um prato especial, que raramente é feito na região, é a quinhapira.

Um prato típico do alto rio Negro, que consiste em cozinhar peixe

na água, misturando pimenta torrada, formando um molho bem api-

mentado. A quinhapira é servida com beiju.

O chibé é uma bebida feita da mistura da farinha com água. É

considerado o “refresco do rio Negro” ou como bebida para “matar

a fome”, sendo servido durante a lida na roça ou coletivamente du-

rante alguma reunião ou assembleia.

Por fim, essas são algumas poucas receitas elaboradas pe-

las mulheres indígenas do rio Cuieiras, fruto do conhecimento

Page 81: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

79

Rio Cuieiras, Amazônia Central

tradicional sobre as técnicas e preparação do alimento utilizando

as muitas variedades de mandioca brava encontradas na região.

Muitos outros alimentos, não registrados neste trabalho, envolvem

a utilização de outras raízes, frutos, peixes, pimentas, dentre outros

elementos da agrobiodiversidade. Diversas destas receitas podem

estar se perdendo pela influência dos alimentos industrializados e

hábitos de consumo urbano.

Relação entre a agricultora e a mandioca

Algumas plantas cultivadas possuem um status muito particu-

lar, principalmente a mandioca, sendo que o manejo destas requer

um conjunto bem definido de requisitos simbólicos para sua efetiva-

ção. Persiste uma forte interação entre as mulheres agricultoras e es-

tas plantas, onde as primeiras protegem as plantas e proporcionam

sua manutenção e propagação no espaço, além de protegê-las con-

tra as plantas adventícias que crescem espontaneamente na roça;

em troca, recebem uma boa produtividade e longevidade no sistema

produtivo. Esta estreita dependência entre as plantas cultivadas e os

que as mantêm permite estabelecer uma relação que vai além dos

aspectos utilitários da alimentação. A mandioca está presente nos

mitos e seu plantio exige cuidados especiais.

A narrativa dos Baré16 postula que a mandioca nasce de uma adolescente chamada Mani, que, após sua morte, é enter-rada pela sua mãe e de seu corpo brota o “tronco” da mandio-ca, que passa a se chamar de maniva. Este surgimento não é visto como um gesto de tristeza, mas sim de recompensa por um tratamento dado.

16 A narrativa dos Baré sobre a origem da mandioca está registrada em livros e livretos escolares do Amazonas e tido como uma “lenda”. O mito da Mani é tido como de origem tupi (CÂMARA CASCUDO, 1954), sendo, provavelmente, inserido no alto rio Negro por missionários católicos, que aprenderam dos Pareci.

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80

Diálogos Agroecológicos

“As manivas nasceram da terra, de gente. Foi de uma ín-dia esta maniva, ela foi uma índia, ai um dia ela adoeceu e morreu, dai outras pessoas enterraram ela, passaram quase seis meses e foram ver a sepultura, tinha nascido um pé de maniva encima da sepultura da índia, por isto agente chama direto de maniva, porque a índia se chamava mani. Maniva de mani, a índia mani morreu, aí tirava parte dela e espalhava. Isto foi aqui perto de Manaus mesmo. Antigamente não existia mandioca, só milho branco, de-pois que esta índia morreu apareceu a mandioca. Esta é a parte Baré. Para os Karapano eu não sei não. Eu não con-versava com os velhos Karapano”.

“O nome da maniva é mani. Filha do tuxaua. Ela é filha do tuxaua, que morreu e enterraram, aí quando enterraram co-meçou a brotar a maniva dos olhos dela e, como o nome era mani, deram o nome do que brotou dos olho dela. A mani moça bonita, cunhãporanga. Lá para Santa Isabel tinha esta história. Tem gente que contava, mas eu não ligava, dizia que era mentira, mas não, é claro que é verdade né, mas não no nosso tempo”.

Mani se transforma na batata da mandioca e, com o tempo,

cresce dela as manivas, vistas como parte de Mani, que vai ser guar-

dada, protegida e propagada.

Os processos envolvidos na propagação da mandioca en-

contram-se mediados por uma relação concebida entre sujeitos.

A relação estabelecida entre a mulher e a planta, durante o plantio,

os cuidados com a roça e o beneficiamento são pensados em um

tipo de interação consanguínea entre mãe e filha. Falam em “criar”

a mandioca “como se cria uma filha”. Segundo as agricultoras, a mulher

deve cuidar das plantas como se cuida das crianças e dos adolescen-

tes. Dá-se um nome, cuida-se, têm-se carinho. A noção do cuidado

se mostra bem presente na perspectiva feminina. Conforme relatos

obtidos, as adolescentes, desde cedo, aprendem as práticas e co-

nhecimentos relativos às plantas cultivadas e, ao mesmo tempo, são

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81

Rio Cuieiras, Amazônia Central

co-responsáveis no cuidado com os irmãos mais novos, no cuidado

com o alimento e com o espaço doméstico.

Esta noção de cuidados em relação aos filhos mais novos pos-

sui sua correspondência na relação que a mãe-da-roça possui com a

mandioca e com outras plantas. A mãe-da-roça, também conhecida

como dona da roça ou capuã (língua geral), é uma figura, no nível es-

piritual, que está presente nos roçados para criar as plantas e dar

condições para seu crescimento, é a mãe e criadora das plantas.

Para alguns indígenas entrevistados, o dono da roça seria São Tomé,

uma figura masculina oriunda da influência do cristianismo dos colo-

nizadores no pensamento indígena, que substituiu a figura espiritual

indígena pela figura de um santo. Este mito sustenta que, em suas

andanças por estas terras, o apóstolo São Tomé teria ensinado os

índios a cultivarem a mandioca e a prepararem a farinha (HOLANDA,

2000; NOGUEIRA PINTO, 2002).

Uma prática associada à figura da mãe-da-roça e que atualmente

está em desuso é o banho das manivas. A agricultora, neste caso,

pode colocar as manivas num paneiro ou num aturá17 e, após, banhá-

las com água morna. Desta forma, as mandiocas crescerão mais visto-

sas e darão mais batatas. Banha-se “como se faz numa criança”, dizem.

Uma condição necessária para uma prática eficaz na agricultura

e a uma boa produção é estabelecer uma relação direta, harmoniosa

e permanente com a mãe-da-roça através dos cuidados estabelecidos

com as plantas, durante o seu cultivo e propagação, como proteger

e manter indivíduos frágeis, tentar manter variedades raras, evitar

queimar os talos e folhas logo após o arranque ou evitar de deixar as

manivas ao sol. A mulher também não pode entrar menstruada na

roça, pois, ao invés da maniva crescer, vai pra baixo da terra.

17 Artefatos confeccionados com cipó ambé ou titica, muito utilizados para carregar manivas no plantio e as raízes na colheita.

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82

Diálogos Agroecológicos

Uma condição essencial na relação entre a agricultora com

as plantas seria manutenção de condições individuais para um bom

plantio, segundo relatos, “cada um teria uma mão para planta” e que

diante disto algumas plantas dão bem para umas pessoas e, para

outras, não. E, algumas vezes, não dão bem no primeiro plantio e é

guardada para o próximo, pois, a depender da relação que estabele-

ce com a mãe-da-roça, poderá ou não obter boa produtividade futura.

Percebe-se, desta forma, que não se joga maniva fora por qualquer

motivo, isto só deve ocorrer quando a mesma for plantada e replan-

tada no mínimo duas vezes.

São as relações de reciprocidade/troca que conformam a

ecologia simbólica entre as mulheres indígenas do rio Cuieiras e as

plantas cultivadas, principalmente a mandioca, num vínculo estreito

entre pessoa e pessoa, entre sujeitos. Este modo de relação de reci-

procidade pensada sobre as plantas pode ser identificado como do

tipo animista que, como infere Descola (1996a), é um modo de con-

ceber o mundo no qual os seres naturais, de aparências diferentes,

são dotados de um princípio espiritual e atributos sociais próprios.

De acordo com esta concepção, os humanos podem estabelecer re-

lações de sociabilidade com essas plantas.

Page 85: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

83

Rio Cuieiras, Amazônia Central

A floresta: Usos e Significados

Marilena Altenfelder de Arruda Campos Leonardo Pereira Kurihara

A floresta é a paisagem que predomina no rio Cuieiras e é mui-

to importante para garantir a vida de todas as espécies. Os seres que

estão ali vivem em dependência mútua entre si e com o ambiente.

Da floresta vem o sustento e diversos alimentos como as

frutas, as raízes, o mel e a caça que abastecem as famílias locais.

As florestas fornecem também remédios e madeiras para construir

casas, móveis, canoas e barcos. A floresta significa vida e garantia de

vida para todos, por isso é importante para o homem conhecer seus

recursos e possibilitar sua sustentabilidade.

Além desses aspectos utilitários, a floresta tem um significado

simbólico para os moradores dessa região. Nestas paisagens, vivem,

além de animais e plantas, outros seres com os quais os moradores

estabelecem diferentes tipos de relações, figuras ao mesmo tempo

animais-espírito-gente, como os encantes, visagens e a curupira.

O mosaico de paisagens

Quando pensamos na floresta, imaginamos logo uma mata,

mas, na verdade, além da mata, a floresta é formada por um conjun-

to de diversas paisagens que são identificadas e diferenciadas pelos

moradores do rio Cuieiras e são elas:

Page 86: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

84

Diálogos Agroecológicos

As matas: compõem unidades de paisagens definidas pelos ca-

çadores, como floresta de terra firme. A mata alta é percebida pela

mata mais fechada, com pouco cipó e de grande porte, com árvores

chegando a 40 metros. As principais espécies indicadoras são árvo-

res como o roxinho, itauba, acaricoara, angelim, cumaru, sucupira,

uxi coroa, uxi liso, piquia, bacaba marupá-branco, abiurana, cajuí,

arabazeira, cedrinho, bacabinha e cipós, como o cipó titica, cipó

d’água, cipó jabuti-escada. Algumas destas plantas, como o uxi e

a bacaba, são transplantadas para os sítios e roças para cultivo.

É a área propícia para a agricultura devido à estrutura florestal e aos

tipos de solos, com predomínio dos tipos barro e areiusco. É onde

mora ou transita a maioria dos animais.

A mata baixa: é vagamente definida apenas como tendo um

porte arbóreo mais baixo comparativamente ao da mata alta.

Os igapós: (também chamados de várzea) são florestas alagadas

que, durante a seca, permanecem fora d’água, e, no pico da cheia,

estão completamente alagadas, formando um solo que é um barro meio

enlameado. As frutas do igapó, como o macucu e japiranga, servem de

alimento para os animais como paca, tatu, veado etc. A vegetação

chamada queimado refere-se ao igapó que passou por incêndios an-

tropogênicos devido às folhagens e raízes secas presentes no solo,

no tempo em que se fabricavam carvão na região para venda.

A caatinga: os solos são arenosos, não se prestando para agri-

cultura e a vegetação é de menor porte se comparada à mata alta.

As árvores são mais finas. Caracterizada pela presença da árvore

chamada Breu.

A campina: possui vegetação predominante de gramíneas com

arbustos baixos. Dá-se o nome de caranazal e arumazal às subuni-

dades paisagísticas da campina, respectivamente em referência

à presença dominante da palmeira caranã e do arumã, extraídos

para a construção das casas e fabricação de artefatos domésticos e

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85

Rio Cuieiras, Amazônia Central

artesanais. Tirirical e arrozrana referem-se a campina com predomi-

nância de capins. Já a campina alta apresenta árvores de menor por-

te com cerca de dez metros.

As restingas: a vegetação é mais alta do que na campina, com

cerca de dez a vinte metros e o solo é arenoso e mais compacto.

A restinga pode ser subdividida em restinga alta e restinga baixa. Esta

alaga em qualquer enchente e a vegetação é mais aberta, enquanto

na alta a vegetação é mais fechada.

O chavascal: corresponde aos charcos, às áreas permanente-

mente alagadas. São paisagens situadas nas margens dos igarapés

em áreas próximas às cabeceiras. A vegetação é mais baixa e aber-

ta do que na mata alta, predominando como espécies indicadoras

o tarumã, samambaias, palha branca, bussú, buriti e patauá. Estas

quatro últimas dão nome às subunidades palhau, bussuzal, buritizal e

patauazal. O solo arenoso enlameado do chavascal é alagado inter-

mitentemente e possui pequenos córregos. É o ambiente preferido

para se caçar antas e pacas. Em virtude da característica do solo,

esta paisagem não é considerada boa para a agricultura.

Também, existe uma percepção das mudanças na paisagem,

como no caso da sucessão ecológica. Uma área de roçado, hoje,

transforma-se em sítio ou capoeira após o término da colheita e,

com o passar do tempo, a capoeira se transforma em floresta nova-

mente; modificando a classificação da paisagem.

Essa percepção dos moradores sobre a heterogeneidade es-

pacial indica a existência de formas de classificação das áreas ecoló-

gicas, desse modo, revelando um modelo nativo de compreensão da

paisagem estreitamente relacionado aos saberes sobre a floresta.

Cada uma dessas paisagens percebidas se distingue por apre-

sentar um conjunto integrado de atributos localmente percebidos,

tornando, assim, a identificação da paisagem uma construção coleti-

va e individual que depende da construção simbólica e da história de

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86

Diálogos Agroecológicos

socialização das pessoas com o ambiente, ou seja, de experiências e

vivências de cada morador ao longo do tempo.

Usos da floresta

Recursos Vegetais18

A coleta e o extrativismo de espécies vegetais são importantes

componentes do sistema de produção que, associados à agricultura de

corte e queima, à caça, à pesca e à pequena criação, contribuem significa-

tivamente para o sustento e vida cotidiana das famílias locais, fornecen-

do complementos alimentares, essências da farmacopeia e dos materiais

que servem para construção das casas, do mobiliário e utensílios.

Entende-se que o extrativismo e a coleta dependam de duas

lógicas econômicas diferentes, a primeira regulada pelo mercado

externo e a outra pelas necessidades da unidade doméstica. Neste

contexto, designa-se o termo extrativismo aos sistemas de explora-

ção dos produtos florestais destinados ao comércio regional, nacio-

nal e internacional; e as atividades de coleta aos produtos limitados

ao consumo familiar e/ou a troca.

A área do rio Cuieiras apresenta uma história de intensa explo-

ração madeireira, seja por ter afetado as populações de espécies de

alto valor econômico não-madeireiro e, portanto, o uso destas pelas

comunidades locais. A área é caracterizada por uma alta diversidade

específica, porém, aparentemente, apresenta uma baixa densidade de

espécies úteis. O extrativismo na região ocorre principalmente visan-

do a atender a demanda madeireira da cidade de Manaus. Atualmente,

esse extrativismo se resume a três formas: através do beneficiamento

18 Designa-se o termo extrativismo aos sistemas de exploração dos produ-tos florestais destinados ao comércio regional, nacional e internacional; e as atividades de coleta aos produtos limitados ao consumo familiar e/ou a troca.

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

da madeira, atividade conhecida popularmente como “madeira serra-

da” (pranchas, tábuas e compensados); com a venda de varas (árvores

jovens utilizadas como pau-escora na construção civil); e na retirada

de madeira para confecção do espeto, um utensílio muito utilizado na

região como acessório da culinária; cada atividade com grau diferen-

ciado de intensidade de extração. Dentre as atividades extrativistas

desenvolvidas na região, a prática da “madeira serrada” é a mais lucra-

tiva. Segundo relatos de madeireiros locais, a madeira e seus derivados:

pranchas, tábuas e compensados são amplamente comercializados,

gerando fluxos monetários consideráveis. Na maioria das vezes, essas

atividades são coordenadas por empresários de serrarias de Manaus

ou donos de barcos, que enviam suas embarcações e, muitas vezes,

“serradores” para retirada da madeira, utilizado-se mão-de-obra local

barata para o trabalho “pesado”.

A madeira serrada sempre foi uma atividade muito praticada na região, os madeireiros afirmam que, hoje, as árvores de maior porte e de interesse econômico se encontram cada vez mais no centro da flores-ta, estando mais difíceis e raras de serem encontradas. Neste sentido, a exploração da madeira começa a ocupar o espaço das tradicionais for-mas de acesso aos recursos da biodiversidade e da agrobiodiversidade. Gerando uma perda do etnoconhecimento e, por conseguinte, uma dimi-nuição ou abandono completo das práticas agrícolas, que são importan-tes elos para segurança alimentar e autossuficiência das famílias locais.

Apesar de poucos registros de extrativismo não-lenhoso, é co-

mum, na região, a atividade de coleta de produtos destinados ao

consumo familiar e/ou troca local. Comumente praticada nas flores-

tas de terra-firme, capoeiras ou antigos sítios, a coleta é uma ativida-

de bastante realizada pelas comunidades. Suas práticas dependem

de vários fatores, como calendário de trabalhos agrícolas, força de

trabalho disponível, situação financeira e preferências individuais.

A coleta é um importante componente do sistema de produ-

ção que associa a agricultura de corte e queima à caça, à pesca e, às

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88

Diálogos Agroecológicos

vezes, à pequena criação e contribui significativamente para a vida

cotidiana das famílias locais. Esta atividade demonstra causar um

impacto ambiental.

Tabela 7 – Espécies vegetais utilizadas para coleta e extrativismo

Nome Local Nome Científico

Partes Utilizadas Ambiente

Açaí do mato Euterpe precatoria Frutos Mata e Capoeira

Bacaba Oenocarpus bacaba Frutos Mata e Capoeira

Buriti Mauritia flexuosa Frutos Buritizal

Breu Protium heptaphyllum Resina Mata

Castanha Bertholletia excels Sementes Mata e Capoeira

Mari Poraqueiba sp. Frutos Mata e Quintal

Pajurá Couepia bracteosa Frutos Mata

Patauá Oenocarpus bataua Frutos Patauazal

Piquiá Caryocar villosum Fruto/Semente Mata

Uixi Endopleura uchi Fruto Mata

Cipó-titica Heteropsis spp. Raízes aéreas Mata e Igapó

Bussu Manicaria saccifera Folhas Igapó e Restinga

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

Nome Local Nome Científico

Partes Utilizadas Ambiente

Angelim Hymenolobium sp Tronco Mata

Cedro Cedrela sp. Tronco Mata

Cedrinho Erisma uncinatum Tronco Mata

Copaíba Copaifera spp. Oleo Mata

Itaúba Mezilaurus itauba Tronco Mata

Louro Ocotea sp Tronco Mata

Pau -roxinho Peltogyne venosa spp Tronco Mata

Matá Matá Eschweilera apiculata Tronco Mata

Acariquara Minquartia guianensis Tronco Mata

Fonte: Caroline e Cardoso (2006)

Os animais

A maioria das espécies da fauna mora ou transita pela flores-

ta, são inúmeros animais de pelo e de pena que se alimentam e se

abrigam por lá, como o coatá, o tatu canastra, a onça, o tamanduá

bandeira, tucanos, araras, sem esquecer também dos insetos, das

cobras, do jabuti e, claro, do curupira.

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Diálogos Agroecológicos

Quem é o curupira?

“O curupira é a mesma coisa que a mãe da mata, ela que é a chefe da mata, chefe dos animais, porque se ela quiser faz a gente se perder, não deixa a gente matar nada, o cara passa e não encontra. Se o cara não apronta, ela não mexe não, pode até vê, mas não mexe não. Ela é dona da mata, das caças” (frase de um caçador).

Muitos dos animais da floresta são caçados pelo homem para

alimentação e também para o preparo de alguns remédios. Ao longo

de um ano de estudo, foram registradas as espécies e o número de

animais capturados por 19 caçadores do rio Cuieiras, totalizando

681 animais caçados (Tabela 8). Sendo que as principais espécies

foram a queixada, a paca, a cutia e os tatus.

Tabela 8 – Principais animais caçados no rio Cuieiras

Nome popular Nome científico No de capturas

Queixada Tayassu pecari 174

Paca Agouti paca 163

Cutia Dasyprocta aguti 74

Tatu Gêneros Cabasous e Dasyous 51

Jacaré-tinga Caiman crocodylus 28

Guariba Alouatta seniculus 26

Catitu Pecari tajacu 25

Mutum Mitu sp. 23

Jaboti Geochelone carbonaria 19

Jacu Penolope jacquacu 14

Nambu Tinamidae 13

Jacaré-açu Melanosuchus niger 10

Veado Mazama spp. 9

Anta Tapirus terrestris 7

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Rio Cuieiras, Amazônia Central

Nome popular Nome científico No de capturas

Jacamim Psophis leucoptera 6

Macaco-prego Cebus apella 6

Tucano Ramphastos sp. 6

Arara Ara sp. 5

Papagaio Amazona sp. 5

Cuxiu Chiropotes satanás 4

Quati Nasua nasua 3

Maguari Ciconiidae 2

Mergulhão Podicipediformes 2

Aracuã Ortalis sp. 1

Coatá Ateles paniscus 1

Gavião Accipitridae 1

Maracajá Leopardus pardalis 1

Pato-do-mato Cairina moschata 1

Parauacú Phitecia pithecia 1

Total - 681

Fonte: Arruda Campos (2008)

A floresta é um espaço frequentado principalmente por ho-

mens e é visitada regularmente, ao longo de todo o ano, para a caça

e extração de madeira. Neste espaço, é comum realizar esperas em

frutíferas e caçar animais que o caçador já desconfie que estejam no

local. Quando a caçada vai ser realizada nas matas de terra firme, o

caçador percorre normalmente uma trilha pré-existente. Nestas ca-

çadas, o percurso é feito a pé e o caçador já sabe a caça que deseja

matar antecipadamente pelo rastro ou cheiro do animal. Porém, no

Cuieiras, dificilmente, o caçador vai até o “centro da mata”, que fica

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92

Diálogos Agroecológicos

a uma distância de duas a três horas de caminhada, não percorrendo

mais do que 30, 40 minutos dentro da mata.

O extrativismo realizado no rio Cuieiras (seja animal ou vege-

tal) não é uma atividade “irracional”, pelo contrário, o acesso aos

recursos naturais envolve muita disciplina, às vezes, normas e está

submetido a uma economia simbólica de acesso à natureza.

A relação que os moradores estabelecem com os animais

não é apenas de subsistência, e sim uma relação vital, cheia de sig-

nificados, valores e interesses. Os animais e também as plantas são

mais do que recursos da natureza, há uma relação simbólica, onde

se destaca a presença de um “dono dos bichos”, o curupira.

Dessa forma, os pressupostos nativos trabalhados no rio

Cuieiras sustentam que as relações estabelecidas entre e pelos mo-

radores com os animais estão inseridas sobre bases cosmológicas,

que sustentam um processo mais amplo de socialização da natureza

pela cultura, evidenciado na maneira em como os moradores identi-

ficam e se relacionam com os animais.

Os moradores aplicam categorias sociais (características do

convívio entre as pessoas) para pensar e significar a relação entre

humanos e não-humanos. Além disso, também apresentam influên-

cias do naturalismo ocidental, presente na educação escolar e reli-

giosa que muitos tiveram acesso e na vivência que alguns moradores

tiveram em Manaus, depois que saíram de suas terras e no convívio

exclusivo de suas comunidades.

O fato dos animais estarem sob a proteção da “mãe da

mata” torna a relação que os caçadores estabelecem com esses

animais uma espécie de tentativa de acordo de estabelecer la-

ços de afinidade e reciprocidade com o Curupira. O comer não

necessariamente significa um ato predatório no sentido cosmo-

lógico, mas pode ser uma troca que implica a atividade de caça

ao cumprimento de determinados cuidados e regras, como não

Page 95: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

93

Rio Cuieiras, Amazônia Central

comer comida requentada, não caçar muito, não caçar quando

tem sonho ruim etc.

Os moradores atribuem aos animais características humanas.

Assim, o animal também possui alma, espírito e intenção. A impor-

tância que isso assume é percebida no conjunto de regras que são

seguidas com a finalidade de evitar que certas situações desagradá-

veis ocorram, como no caso dos tabus demonstrados a seguir:

Tabela 9 – Principais tabus encontrados entre os caçadores do rio Cuieiras

Espécie Explicação do tabu Condições

Preguiça O comportamento vagaroso pode causar lentidão em quem a come.

Qualquer pessoa.

Tamanduá bandeira O macho pode ser o curupira Qualquer pessoa

Mambira Muito pitiú (cheiro ruim). Qualquer pessoa

Parauacú Provoca assadura no bebê. Pós-parto.

Anta, macacos, queixada, paca. Faz mal para o bebê. “Vinga” na

criançaGravidez, pós-parto.

Paca Carne “reimosa”. Infecção, malária, doenças

Fonte: Arruda Campos (2008)

Os tabus encontrados revelam uma intricada concepção

epistemológica (ontológica e cosmológica) nativa e indicam maior

vínculo com os aspectos simbólicos do que com os conceitos

adaptacionistas (Tabela 9), podendo estar relacionados indireta-

Page 96: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

94

Diálogos Agroecológicos

mente com a conservação, pois acabam limitando a pressão de

caça sobre determinadas espécies.

A floresta humanizada

No plano classificatório, as unidades de paisagens do rio

Cuieiras podem ser organizadas em três esferas, basicamen-

te: o espaço habitado pela família, que compreende a casa e

sua extensão, as roças, quintais, capoeiras, casa de forno e o

espaço habitado coletivamente, como as comunidades; os es-

paços florestais, que são como a mata alta, campinas, cha-

vascal etc., os espaços aquáticos, como o rio, igarapés, lagos

e sua parte mais profunda. Assim como na classificação dos

animais e das plantas cultivadas, observa-se um gradiente de

acordo com o grau e socialização destes espaços. Todos es-

tes devem ser compreendidos como sociais na medida em que

elementos da práxis humana, sejam simbólicos, políticos, de

gênero, históricos e condutas, estejam em operação.

Os habitantes do rio Cuieiras veem a residência e seus prolon-

gamentos como o espaço de socialização por excelência. Na roça,

é cultivada uma alta diversidade de plantas, muitas destas retiradas

da floresta. A roça é o palco de interações entre as mulheres com

a mandioca e a figura mítica da mãe-da-roça. É o espaço da recipro-

cidade, em oposição ao espaço da predação, que é a floresta. Esta

última é vista como um lugar bruto, tomado de perigos e acessado

com temor. Nestas paisagens, vivem, além de animais e plantas,

outros seres, figuras ao mesmo tempo animais-espírito-gente,

como os encantes, visagens e a curupira. Esta, por sua vez, é con-

siderada como mãe-das-caças. As profundezas das águas também

são percebidas como os espaços onde vivem, além dos peixes e

outros animais, os encantados e organismos vorazes, como a co-

bra-grande e peixes medonhos.

Page 97: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

95

Rio Cuieiras, Amazônia Central

No Cuieiras, não se encontram figuras míticas que teriam

criado/cultivado o que chamamos de floresta. Esta, juntamente

com os animais e vegetais, foi criada pelo Deus cristão. Porém,

muito destes seres mantêm elementos que permitem estabe-

lecer laços sociais com os humanos. Em todas as unidades de

paisagem, ocorrem processos intersubjetivos de socialização

de diversos tipos entre humanos e destes com não-humanos.

Uma desta se dá entre o caçador e o curupira, na floresta, e en-

tre a mulher e a mãe-da-roça, que geram condutas e regras, como

visto em Cardoso (2008) e Arruda Campos (2008). Outro tipo de

relação decorre da noção de manso e brabo, em todos os espa-

ços, pode haver seres mansos e brabos. O posicionamento de um

humano ou de um não-humano a uma das duas categorias vai de-

correr da relação do classificador com o “outro”, uma relação de

identidade e alteridade.

Desta maneira, pode-se dizer que, no rio Cuieiras, não per-

siste no pensamento nativo uma imperativa concepção dualista

entre natureza e sociedade, sendo esta um objeto estático a ser-

viço da segunda. Ao contrário, a natureza é vista, pelos grupos

sociais locais, como parte da vida social, e não como externa e

oposta a esta. Pode-se afirmar, como metáfora, que o habitante

do rio Cuieiras caminha pela floresta da mesma forma que um ci-

dadão urbano caminha entre prédios e automóveis, percebendo

os elementos da paisagem como familiares e portadores de algu-

ma sujeição no mundo.

Utilizada neste texto como forma de diálogo com a ecologia,

a noção de paisagem é substantivamente produzida pelos sujeitos

sociais do rio Cuieiras, portanto não é um conceito e nem uma reali-

dade dada a priori. O que está em jogo são epistemologias distintas,

o que nos convida a qualificar o diálogo entre os conhecimentos

tradicionais e aqueles da ciência ecológica sobre outros patamares.

E isto é relevante quando tratamos de realizar tentativas de diálogos

Page 98: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

96

Diálogos Agroecológicos

intercientíficos e interculturais durante projetos de etnodesenvolvi-

mento ou de conservação da biodiversidade, que, muitas vezes, não

têm sucesso justamente porque os saberes tradicionais não são le-

vados a sério em sua completude e complexidade.

O contexto do rio Cuieiras nos leva a concluir, ainda, que per-

siste uma noção de paisagem como sendo produzida pela cultura.

Esta forma de percepção está ligada à forma como estes veem o

mundo, em particular, quanto às relações humanas e dos humanos

com os não-humanos. É importante salientar que, apesar das formas

comuns de conceber a paisagem, as distintas trajetórias históricas

da região resultam em distintas formas de acessá-la, questão que

exige melhores estudos.

Page 99: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

97

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Educação agroecológica e socioambiental

Mariana Gama Semeghini

As mulheres desempenham papel fundamental na agricultura e ma-

nejo dos recursos naturais, estando associados conhecimentos que de-

senvolveram e mantêm sobre diversidade, plantio, colheita, uso e benefi-

ciamento das plantas cultivadas. Em um encontro da Food and Agriculture

Organization (FAO), a agrobiodiversidade foi apontada como um dos recur-

sos mais importantes que as comunidades indígenas e tradicionais têm con-

trolado e acessado, destacando-se o papel crucial que as mulheres desem-

penham, conservando as sementes, os saberes e, na culinária local, sendo

chamadas de “parceiras na conservação da agrobiodiversidade” devido à

importância que assumem no contexto global de segurança alimentar19.

A manutenção do conhecimento e das práticas culturais na agricultura

podem significar efetivamente uma melhoria na segurança alimentar, pois

promovem a produção de agrobiodiversidade por processos agroecológi-

cos intrínsecos, onde prioriza-se o consumo familiar.

Justamente na Amazônia, porém, a erosão genética e dos

conhecimentos tradicionais tem sido acelerada nas últimas déca-

das20. As populações indígenas e tradicionais, detentoras e gerado-

ras da maior parte dos recursos fitogenéticos na Amazônia brasileira,

19 Ver Jianchu e Yongping (2002).

20 Emperaire (2002).

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98

Diálogos Agroecológicos

sofrem cada vez mais sob a influência de dinâmicas como a invasão

de terras, integração no mercado, desenvolvimento de uma agricul-

tura periurbana, mudanças de hábitos alimentares, escolarização

infantil uniformizada e especialização produtiva. Esses fatores cau-

sam erosão em seus sistemas de produção local e nas formas de

seleção e de gestão dos recursos biológicos associados.

No rio Cuieiras, a exploração madeireira contribui para a ero-

são dos conhecimentos etnobotânicos e das práticas tradicionais

de manejo da floresta. A especialização produtiva desvia parte da

mão-de-obra familiar fazendo com que a agricultura seja abandona-

da, com isso contribuindo com a insegurança alimentar.

Uma estratégia viável para manter a agricultura e a agrobiodi-

versidade na região pode ser o fortalecimento de grupos de mulhe-

res e a comercialização em mercados de produtos agroecológicos.

Portanto, vincular a produção da agricultura familiar e todo este con-

junto de práticas e conhecimento à geração de renda, o que incenti-

va as mulheres e agricultores a se voltarem para os espaços agríco-

las, enriquecendo-os com maior diversidade de plantas e variedades.

Este fator pode reverter a situação relatada precedentemente.

Proposta conceitual

Nas últimas décadas, diversas iniciativas vêm sendo criadas e

desenvolvidas com o intuito de construírem-se formas alternativas

de desenvolvimento, que valorizem e incorporem as especificidades

regionais, que incluam os agroecossistemas e a cultura, pautadas em

relações sociais justas, conservação ambiental e na participação da

sociedade civil e das comunidades locais.

Muitas destas iniciativas estão relacionadas a produtos da

sociobiodiversidade, que são gerados a partir da biodiversidade e

vinculados ao conhecimento tradicional e base cultural das comuni-

dades locais. Esse novo momento indica condições oportunas para

Page 101: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

99

Rio Cuieiras, Amazônia Central

a diversificação da base produtiva regional, além de estimular a gera-

ção de trabalho e melhorar a distribuição de renda, bem como qua-

lificar profissionais na região amazônica. Sua importância aparece

como vital para se contrapor aos padrões tradicionais de desenvol-

vimento que se impõem na região.

As organizações de grupos de agricultores, extrativistas, ar-

tesãos e mulheres, em sua maioria, visam ao desenvolvimento dos

sistemas agroecológicos e agroflorestais e ao uso sustentável dos

recursos da sociobiodiversidade, que envolve não causar impactos

na paisagem, aproveitamento das potencialidades locais através da

identificação de cadeias produtivas da economia familiar, valoriza-

ção do conhecimento tradicional e sua integração a novas tecnolo-

gias de sistemas produtivos, fortalecimento da organização social,

das redes de produção, beneficiamento e comercialização.

Os grupos de mulheres com iniciativas de geração de renda vêm

se destacando como uma possibilidade de desempenhar papel marcan-

te em busca do desenvolvimento local ao apropriarem-se de um espaço

de negócio que se denominou “negócio sustentável”, apresentando uma

relação importante com a manutenção da biodiversidade, identidade ter-

ritorial e formas de aproveitamento dos recursos naturais existentes, sem,

Figura 14 – Coletividade. Foto: Arquivo IPÊ

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100

Diálogos Agroecológicos

no entanto causar grandes impactos ambientais. Esta proposta de desen-

volvimento consiste na construção de uma identidade comum entre os

atores sociais que valorize os produtos e serviços da sociobiodiversidade

e busque transformações nas relações produtivas e nas relações sociais

dentro de um espaço rural determinado, visando à melhoria das condi-

ções de vida e autonomia das populações rurais.

Importante frisar que a chave para a construção de um de-

senho territorial que se traduza efetivamente em uma unidade de

desenvolvimento é o protagonismo local, a partir do fomento ao em-

preendedorismo, constituição e fortalecimento de redes de atores

locais capazes de liderar o processo de mudanças.

No processo de organizações, o passo inicial é consolidar a

base da organização comunitária, trabalhar valores de coletividade

(Figura 14), união e cooperação por meio de uma metodologia que

almeje o protagonismo e autonomia das populações locais, dentro

do arcabouço teórico-metodológico da agroecologia.

O próximo passo, cujo processo pode ocorrer de forma conco-

mitante, consiste na formação e capacitação de técnicas de produção,

aquisição de equipamentos, conhecimento em gestão, informática, con-

tabilidade, mercado, economia solidária e desenvolvimento do produto.

Metodologia de trabalho

A linha de ação adotada pelo IPÊ com os diversos grupos sociais

(comunidades, mulheres, agricultores, artesãos), no baixo rio Negro,

busca fortalecer suas organizações produtivas e desenvolver produtos

da agrobiodiversidade, aliados à identidade territorial, conservação

ambiental, segurança alimentar e melhoria da qualidade de vida das

famílias, voltados à comercialização com base na economia solidária.

A metodologia utilizada para alcançar estes objetivos é parti-

cipativa e construtiva, prevalecendo o diálogo entre o conhecimento

Page 103: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

101

Rio Cuieiras, Amazônia Central

tradicional e conhecimento técnico/científico, valorização do conhe-

cimento local e empoderamento destes grupos. São usadas técnicas

de sensibilização, mobilização, integração e organização dos grupos

em conversas informais, reuniões, diagnósticos e planejamentos par-

ticipativos, oficinas, atividades lúdicas, dinâmicas e intercâmbios.

Portanto, a relação com estes grupos está baseada na parceria,

no caminhar coletivo e participativo, em um processo cujos grupos se

apropriam, empoderam e são protagonistas desta construção. Com isso,

quebra-se a forma assistencialista, hierárquica e/ou de imposição de mo-

delos e projetos predominantes nas relações instituição e comunidades.

Percebe-se que este pensamento assistencialista foi também incor-

porado pelas próprias comunidades, quando esperam que as instituições

que se aproximam venham ensinar tudo, trazer tudo pronto, “mastigado”,

os materiais, técnicas, mercado consumidor etc., partindo-se do princípio

de que não tem conhecimento e não são capazes de se organizar.

Inicialmente, esperava-se do IPÊ uma postura assistencialista,

de levar às comunidades materiais, equipamentos e técnicas, estabe-

lecendo a relação assistencialista, o que, em um primeiro momento,

pode ter representado certa resistência e desconfiança. No entanto, o

que se pretende alcançar com a metodologia participativa é a autono-

mia e empoderamento das comunidades e dos grupos, e não criar uma

dependência destas com a instituição. Durante o processo, os grupos

entenderam o papel do IPÊ e a proposta de parceria e diálogo.

Artesãos

A venda de artesanato constitui a principal fonte de renda nas

comunidades indígenas Três Unidos e Nova Esperança. Estas comu-

nidades trabalham com artesanato desde 2003 e o grupo de artesãos

é composto por homens, mulheres e jovens. O artesanato é simples,

constituindo-se basicamente de colares, brincos, pulseiras com se-

mentes e alguns produtos com fibras. Algumas mulheres detinham o

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102

Diálogos Agroecológicos

conhecimento sobre o artesanato e repassaram ao grupo, comerciali-

zando com alguns grupos de turistas que recebem periodicamente.

A comunidade Nova Esperança mostrou interesse em criar

uma associação para receber recursos destinados ao desenvolvi-

mento de projetos para a comunidade e comercializar o artesanato

(Figura 15). No entanto, não tinham conhecimento sobre os proce-

dimentos para formalizar uma associação.

O IPÊ assessorou este processo, que envolveu reuniões

comunitárias, elaboração de projetos em conjunto, oficinas sobre

associativismo e elaboração de estatuto, bem como intercâmbios

com outras associações comunitárias de artesãos em Novo Airão.

Foram, para tanto, elaborados e aprovados dois projetos jun-

to à coordenação de agroextrativismo do MMA com a comunidade.

O primeiro foi executado em conjunto entre a comunidade e o IPÊ,

no segundo semestre de 2008, e teve o objetivo de subsidiar a or-

ganização da comunidade para a criação da associação. O segun-

do projeto visa ao aprimoramento do artesanato e organização, por

meio de oficinas de capacitação; aquisição de equipamentos para

beneficiamento de sementes e intercâmbios.

Figura 15 – Produção de artesanato. Fonte: Marilena A.A.Fampos

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103

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Grupos de mulheres

Desde o início da atuação do IPÊ nas comunidades, verificou-

se a necessidade de se estimular a organização social, e este fator foi

apontado como demanda pelas mesmas.

Em duas comunidades, São Sebastião e Nova Canaã, houve gru-

pos de mulheres, chamados de “clube de mães”, que foram ativos e

possuíram espaços próprios dentro da comunidade com o intuito de

trocar conhecimentos e experiências; produzir alimentos, artesanato e

costura, para suas famílias, eventos na comunidade e comercialização;

fortalecer amizades. No entanto, estes grupos desmobilizaram-se e di-

luíram-se, principalmente pelo desinteresse em trabalhar em conjunto.

A atuação do IPÊ na região focou-se inicialmente em estimular

e incentivar a reativação destes grupos, a partir de uma demanda

apresentada pelas mulheres.

Em um primeiro momento, estas reuniões buscaram identi-

ficar demandas e aspirações, definir o objetivo do grupo, por que

e qual a vantagem em se organizar desta forma, como seria esta

organização e relacionar produtos que poderiam ser confeccionados

pelo grupo. Nesta questão, foram avaliadas: a disponibilidade dos

materiais, afinidade e conhecimento das mulheres vinculados às téc-

nicas de produção, demanda deste produto no mercado local, onde

se destaca o potencial para o turismo.

Os produtos indicados foram relacionados à culinária regional

(pratos típicos, doces, geleias, bombons), artesanato (com sementes

e fibras), costura e bordados em panos/camisetas. Foi apontado que

alguns destes itens necessitariam de capacitação externa, porém,

muitas mulheres têm conhecimento.

Na comunidade Nova Canaã, as mulheres optaram por traba-

lhar com crochê nas bordas de panos de cozinha, pois era um dos

itens produzidos no período em que o clube era ativo. Embora não se

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104

Diálogos Agroecológicos

apresente como um produto direto da agrobiodiversidade, consistiu um

importante passo inicial para a mobilização e organização do grupo.

As mulheres que detinham mais experiência e conhecimento da técnica repassavam às outras e às jovens que se inseriram ao grupo. Passaram a comercializar na própria comunidade e em outras próximas. Assinalamos que havia um recurso inicial proveniente da venda do es-paço do clube quando este foi desativado, e uma parte foi investida na aquisição de linhas e panos. Uma delas ficou responsável por trazer o material de Manaus, para ser distribuído entre as mulheres, e decidiu-se que metade do valor da venda dos panos ficaria para o clube.

Porém, observou-se que havia uma grande lacuna na orga-nização destes grupos, que era preciso focar e sensibilizar para os valores e princípios de cooperação, união, coletividade e liderança, pois entende-se que esta base deve estar sólida para o sucesso do grupo. Planejou-se uma oficina de associativismo/cooperativismo e intercâmbios com outros grupos de mulheres, então, objetivando-se estimular a organização. Na comunidade Julião, localizada na RDS do Tupé, há um grupo de mulheres que produz doces, geleias e balas (doces cobertos com chocolate), com frutas regionais.

No final de 2008, realizou-se um intercâmbio com este grupo,

que foi à comunidade São Sebastião, no rio Cuieiras, e relatou sua

história, mobilização e organização, dificuldades e conquistas. Neste

dia, houve uma oficina de produção de geleias e balas, pelo grupo

do Julião, que ainda mostrou uma forma de aproveitar a casca de

cupuaçu como artesanato. Participaram mulheres das comunidades

São Sebastião, Nova Canaã e Boa Esperança.

As mulheres do Julião reforçaram a importância da coopera-ção, necessidade de perseverança e força de vontade. Destacaram os desafios de se organizar em um grupo comunitário e como os enfrentaram, relatando ainda a repercussão que o grupo ganhou, ao gerar, de forma coletiva, produtos confeccionados a partir de frutos regionais aliados ao conhecimento da população local. Atualmente,

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105

Rio Cuieiras, Amazônia Central

recebem visitas de grupos de turistas e encomendas de seus produ-

tos, inclusive para outros estados. As mulheres do rio Cuieiras conta-

ram um pouco de suas dificuldades e seu processo de organização.

Os valores relacionados ao associativismo foram compartilha-

dos entre mulheres que vivem realidades muito similares, em locais

próximos, o que permite que se vislumbre a possibilidade de su-

cesso e geração de renda por meio da coletividade (associações ou

cooperativas), aliada à comercialização de produtos locais.

Houve troca de receitas de doces e as sementes das frutas

foram levadas por algumas mulheres para serem plantadas em seus

quintais. Algumas mulheres da comunidade São Sebastião passa-

ram a produzir geleia de cubiu, uma fruta antes pouco valorizada.

Enriqueceram seus roçados ao espalharem sementes destas frutas.

Desta forma, percebe-se a relação direta entre o desen-

volvimento dos produtos da agrobiodiversidade com vistas à

comercialização e à diversificação das espécies nos quintais e roça-

do, que constitui um dos princípios da agroecologia.

Em outro momento, houve um novo intercâmbio, onde as

mulheres do rio Cuieiras foram conhecer o espaço do grupo da co-

munidade do Julião, a cozinha onde trabalham, as embalagens que

utilizam, como conservam os doces e como realizam a divisão de

tarefas. Neste encontro, as mulheres do Cuieiras ministraram uma

oficina sobre produção de bolsas com garrafas pet.

Em junho de 2009, aconteceu uma oficina de “Sensibilização

para Produção Cooperada” para as mulheres do rio Cuieiras, que teve o

objetivo de fortalecer a organização dos grupos de mulheres e abordou

valores como cooperação, coletividade, união, criação de produtos,

planejamento e divisão das etapas de produção, de forma lúdica e par-

ticipativa, por meio de dinâmicas e trabalhos em grupo. Foi ministrada

por uma consultora e teve a participação de mulheres indígenas e ribei-

rinhas de três comunidades: Três Unidos, São Sebastião e Nova Canaã.

Page 108: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

106

Diálogos Agroecológicos

Em uma das atividades da oficina, as mulheres juntaram-se em

grupos para discutir e responder duas questões:

1) Em que precisamos melhorar?

Termos diálogos•

Sermos humildes•

Crer e ter fé que vai dar certo•

Termos respeito pelas situações•

Não reclamar muito•

Termos criatividade no trabalho•

Buscar mais apoio•

Mais união•

Mais comunicação•

Participar mais de cursos e oficinas (mais conhecimento)•

Ouvir mais opinião dos colegas•

Ter mais criatividade•

Ter mais ação•

2) Em que somos fortes?

Somos inteligentes e organizadas porque temos coragem•

Somos responsáveis•

Somos fortes porque temos Deus no coração•

Somos fortes porque temos fé em Deus•

Somos fortes porque gostamos de trabalhar•

Somos fortes porque pensamos sempre positivo•

Somos fortes porque estamos sempre dispostas a trabalhar e • porque somos alegres

Somos fortes porque temos paciência para enfrentar o que • vem pela frente

Somos fortes porque somos humildes•

Page 109: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

107

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Somos fortes na saúde•

Somos decididas•

Assumimos os nossos compromissos•

Temos força de vontade•

Temos paciência umas com as outras•

Temos vontade de aprender e ensinar•

Coragem e disposição de vencer•

Responsabilidade•

Manter a inteligência de reverter qualquer situação•

Após a oficina, o grupo de mulheres da comunidade São Sebastião

passou a produzir regularmente biscoitos, balas e geleias com frutas re-

gionais. O passo seguinte consistiu na elaboração de uma logomarca a

partir de ideias e desenhos das mulheres. Inicialmente, os desenhos fo-

ram de frutas e árvores, mas depois perceberam que não era suficiente

para representar o grupo. Seria importante aparecer mulheres na logo-

marca e uma planta nascendo, que representaria tanto a relação com

os produtos da floresta, da agrobiodiversidade, como com a esperança.

Ademais, ainda, idealizou-se que esta planta estaria saindo das mãos

das mulheres, o que remeteria à união e coletividade do grupo.

Figura 16 – Logomarca criada pelo clube de mães

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108

Diálogos Agroecológicos

Oficina Agroflorestal

Marcio Menezes Jailton Cavalcanti

Mariana Gama Semeghini Leonardo Pereira Kurihara

Thiago Mota Cardoso

Este capítulo aborda a experiência e resultados da oficina

sobre sistemas agroflorestais, realizada pelo Arboreto e o IPÊ no

rio Cuieiras. Foram trabalhados conceitos de sustentabilidade, de

sistemas agroflorestais, conceitos ecológicos para nortearem siste-

mas de produção mais sustentáveis. Para tanto foi utilizada a me-

todologia de educação agroflorestal desenvolvida pelo Arboreto/

PZ/UFAC, acompanhada de suas ferramentas didáticas. Também,

foi estimulada a troca de experiências entre os participantes, tendo

sido reservado um espaço para que cada um pudesse expor o seu

trabalho na roça.

A metodologia utilizada buscou ser coerente com a metodo-

logia de educação agroflorestal construtivista, em que os conceitos

são construídos de forma participativa, a partir da trajetória de vida

de cada indivíduo e da coletividade.

Os princípios ecológicos fundamentais que acompanharam a

filosofia de trabalho foram: a) promoção da biodiversidade; b) con-

servação do solo e da água; c) ciclagem de nutrientes e d) plantas

companheiras (sucessão natural). Outros princípios não-ecológicos

igualmente importantes são a valorização do conhecimento tradicio-

nal, abordagem participativa, a promoção da autogestão comunitária,

Page 111: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

109

Rio Cuieiras, Amazônia Central

a abordagem de gênero e a multidisciplinaridade e interatividade das

ações propostas.

O Programa de Formação dos Educadores Agroflorestais,

idealizado e executado pelo Arboreto/Parque Zoobotânico/

Universidade Federal do Acre, tem por objetivo envolver os téc-

nicos, despertá-los para atuarem em prol de uma agricultura mais

sustentável, subsidiando-os de maneira que possam fomentar a

agrofloresta no seu cotidiano profissional, numa abordagem edu-

cativa com os agricultores. Chamamos de educação agroflorestal

porque se trata de um processo de apropriação do conhecimento

pelos produtores, que devem ser considerados parceiros e prota-

gonistas de seu próprio desenvolvimento. Usando os recursos lo-

cais e os fundamentos da própria natureza, buscamos desenvolver

uma agricultura que, ao mesmo tempo, produza, traga benefícios

para a família rural e proteja os recursos naturais. O fundamento é

que o resultado da ação humana seja o aumento da vida no lugar e

não a destruição dos recursos.

A proposta de se trabalhar construindo o conhecimento a par-

tir do que os próprios agricultores já sabem, pela vivência, da mes-

ma maneira como os instrutores procuram fazer com os técnicos,

os futuros educadores agroflorestais, causa tanto impacto quanto a

proposta de se trabalhar com grande diversidade de espécies, com

a terra coberta com muita matéria orgânica, buscando inspiração no

ecossistema original do lugar, ou seja, na floresta exuberante, alta-

mente biodiversa, dinâmica, para orientar nossas ações no ambien-

te, para fazer agricultura.

O impacto do método no rio Cuieiras não foi muito diferente

do que temos experienciado em outros cursos. Assim, certo descon-

forto, por parte dos participantes, foi percebido ao identificarmos,

na avaliação, algumas contradições em seus depoimentos, apesar de

que, no balanço geral, o curso tenha sido considerado muito bom.

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110

Diálogos Agroecológicos

É importante frisar que a metodologia adotada demanda deter-

minada flexibilidade na programação, de modo que os temas vão sendo

trabalhados de acordo com a energia e ritmo do grupo. Assim, a estru-

tura do curso é previamente elaborada, sabendo-se quais os temas que

deverão ser trabalhados e a forma de abordagem, mas são feitos ajustes

na programação com o desenrolar do curso.

Relato dia a dia

No primeiro dia, foi feita uma apresentação dos participan-

tes: riscando um palito de fósforo e o mantendo aceso, o participan-

te tinha que dizer quem era, o que fazia e o que gostava de fazer nas

horas vagas, bem como de qual comunidade fazia parte e suas ex-

pectativas em relação ao curso. Fez-se uma breve apresentação do

curso, contextualizando-o na proposta do Programa de Formação de

Educadores Agroflorestais. Estabeleceu-se um tratado de convi-vência, ou seja, as regras básicas para o bom andamento do curso.

A primeira atividade propriamente dita foi o “Desenho da co-munidade ideal”, que foi realizado individualmente. A cada dese-

nho, foram associadas 3 tarjetas com as principais ideias relativas

ao mesmo, que visavam a inserir o que precisaria ter/ser em uma

comunidade ideal (que se encontram no quadro a seguir). Todos os

desenhos foram pendurados e apresentados, cada um pelo seu res-

pectivo autor (Tabela 10).

Tabela 10 – Desenhos elaborados.

Tema Citado

Floresta, reserva, área de preservação

Comunidade, coletivo, pessoas, família

Page 113: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

111

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Tema Citado

Acesso, ramal, rio/igarapé

Criação de pequenos animais

Cultivo orgânico, hortas

Agricultura, culturas anuais

Sistema agroflorestal

Escola

Posto de saúde

Lazer

Criação de abelhas

Extrativismo

Assistência técnica

Políticas públicas

Animais silvestres, caça

Processamento caseiro de alimentos

Artesanato

Plantas medicinais

Energia alternativa

Igreja, religião, espiritualidade

Supermercado

Sensibilização para o curso “Interdependência da vida, dinâmica da teia, o cego e a árvore”

Ao ar livre, na sombra de uma árvore, os educadores contaram

a história do sábio e o rei, de forma bastante descontraída. A essência

Page 114: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

112

Diálogos Agroecológicos

desta etapa preliminar, representada pela fala de um dos personagens:

“Tudo está ligado!!!”, foi rapidamente incorporada pelos participan-

tes, que a repetiam coletivamente durante a narração da história. Em

seguida, explicamos qual seria a etapa seguinte: a teia gigante. Os

participantes teriam que atravessar os diversos buracos formados por

uma grande teia de barbante amarrado nas árvores, sendo que cada

buraco só poderia ser utilizado uma única vez. A atividade foi bastante

divertida e descontraída. Quando todos atravessaram a teia, foram es-

timulados a fazer uma rápida avaliação dos seus objetivos, tais como

trabalhar a união e organização do grupo, a capacidade de transpor

obstáculos coletivamente e a identificação de lideranças.

Ao atravessarem a teia, os participantes foram estimulados a

se enxergarem em um mundo diferente: o “bosque das árvores sagra-

das”. Neste novo ambiente, todos foram privados da visão (vendados)

e foram conduzidos em grupos pelos facilitadores através do bosque.

Cada participante foi deixado alguns minutos em contato com uma

Figura 17 – Diversidade identificada

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113

Rio Cuieiras, Amazônia Central

árvore, a qual deveria ser encontrada depois que as vendas fossem re-

tiradas. O objetivo foi despertar uma nova visão para a árvore, senti-la

através do tato e do olfato, reconhecer suas partes e suas formas.

Iniciamos a manhã do segundo dia com a apresentação do

tema “Estudando a paisagem”. Essa atividade permite aos partici-

pantes visualizar a evolução da paisagem no tempo e compreender

a dinâmica da floresta e de um roçado. Compreender e gerar reflexão

sobre as consequências da ação humana no ambiente, seja de forma

sustentável ou não. Identificar e compreender os conceitos ecológi-

cos fundamentais que a floresta nos mostra e que podem ser apli-

cados nos sistemas de produção para que sejam mais sustentáveis,

mais produtivos e que conservem os recursos naturais (Figura 16).

Os componentes do ecossistema florestal foram sendo fixa-

dos no flanelógrafo na medida em que os participantes foram falan-

do, estimulados pela pergunta: “Como é o ambiente aqui, quando

se chega em uma área ainda desocupada?”. No painel de feltro, foi

montada a floresta, com seus diferentes tipos de árvores e plantas,

animais, insetos, igarapés, peixes... Debatemos sobre o ciclo da água

e o representamos com setas azuis. Com setas amarelas, represen-

tamos o ciclo de nutrientes e discutimos como ele acontece e que

organismos e fenômenos estão envolvidos no processo.

Representando no flanelógrafo a chegada do agricultor, conversa-

mos sobre manejo dos recursos naturais. Fomos construindo juntos e

fixando as figuras no flanelógrafo: o machado, a foice, a moto-serra, o

fogo, os agrotóxicos... as árvores, os bichos e as setas dos ciclos da água

e de nutrientes foram sendo retiradas. Com isso discutimos porque a ter-

ra, após desmatar para agricultura, só produz bem por dois ou três anos.

Discutimos também sobre a regeneração natural e como ela pode ser

nossa aliada na construção de sistemas de produção mais sustentáveis.

Apresentamos o vídeo intitulado SAF - “Sabendo Aprender com

a Floresta”. O vídeo é uma dramatização que conta a história de um

Page 116: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

114

Diálogos Agroecológicos

seringueiro que vai dar um passeio pela mata com seu filho e lhe mos-

tra como a floresta funciona e como se pode aplicar seus ensinamen-

tos na agricultura, as lições que a natureza nos dá a partir dos quatro

princípios fundamentais da floresta: a biodiversidade, a conservação

do solo e da água, a ciclagem de nutrientes e a sucessão natural.

Alguns depoimentos dos participantes:

“O vídeo foi maravilhoso a dúvida que tinha esclareci ao ver o vídeo. A floresta é muito importante para nós, temos que saber valorizar, pois a floresta apresenta uma riqueza que eu não conhecia”.

“Se a floresta for desmatada e queimada, todos os bichinhos do solo morrem”.

“A vegetação protege o solo da força das águas da chuva e evita que as vitaminas presentes no solo sejam lavadas pela água”.

“A terra precisa de alimento e as folhas e os galhos são o alimento das plantas”.

“Um solo sem cobertura não tem vida”.

“Tudo o que foi passado no vídeo é muito importante, prin-cipalmente a ação dos organismos no solo que transformará as folhas e galhos em vitaminas para as plantas”.

Iniciamos o terceiro dia com uma “prática de campo” para

compreendermos a “sucessão natural”, princípio que rege a dinâ-

mica da floresta, sobre o qual nos baseamos para elaborarmos as

agroflorestas análogas ao ecossistema original do lugar, ou seja, a

florestas biodiversas, estratificadas.

Para realizarmos a prática, refletimos sobre o que é uma flores-

ta, suas características, sendo apontados, com os técnicos, os as-

pectos que seriam estudados em três capoeiras de diferentes idades

e um roçado recém-implantado, por 4 grupos distintos.

A partir das características das florestas, listadas abaixo, pre-

parou-se o roteiro para estudo no campo:

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115

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Diversidade de árvores: maiores, menores, rasteiras; estratifi-

cação: camada de folhas, galhos e frutos; matéria orgânica: restos

vegetais e animais; decomposição; fauna do solo; serapilheira; solo;

mosaico de clareiras de diferentes idades: dinâmica.

Assim, decidiu-se que seriam levantados no estudo das capo-

eiras e do roçado informações referentes a Tabela 11:

Tabela 11 – Topicos estudados na analise dos espaços

Assuntos Tópicos

Animais Ve• stígio de ocorrência

Vegetação

Tipos de espécies •

Número de espécies •

Número de indivíduos por espécie•

Estratificação (altura das espécies)•

Solo

Camadas: textura, cor, estrutura, porosidade. •

Vida do solo •

Temperatura e umidade•

SerapilheiraEspessura• Cobertura do solo•

Raízes Profundida de ocorrência •

MicroclimaSensações (temperatura, umidade e • luminosidade)

Page 118: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

116

Diálogos Agroecológicos

Na tabela que segue, encontram-se os dados levantados e

apresentados pelos 4 grupos acerca do estudo das capoeiras e roça-

do, totalizando 25m2.

Tabela 12 – Caracteristicas ecológicas dos espaços analisados

A1 A2 A3 A4

Roçado Capoeira de 1,5 anos

Capoeira de 6 anos

Capoeira de mais de 20 anos

Vegetação: Plantas e ervas

Baixa, fechada

média, mais aberta

alta, aberta

No. Espécies Reduzido Aumenta Aumenta Aumenta

Altura média: 2m 4m 12m 30m

Presença de insetos:

Figura 18 – Sementes coletadas durante oficina

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117

Rio Cuieiras, Amazônia Central

A1 A2 A3 A4

Roçado Capoeira de 1,5 anos

Capoeira de 6 anos

Capoeira de mais de 20 anos

Serapilheira:

Tiririca, resto de cultura, folhas secasCobertura do solo: 90% solo exposto

Folhas, galhos...Solo 100% coberto

+ matéria orgânica

Microclima quente quente frescor frescor

Lumino-sidade 40% 30% pouca pouca

Solo

Solo: primeira camada Textura: arenosoPorosidade: maisCor: cinzaEstrutura: pouco estruturadoSegunda camada:Cor: amareladaTextura: argilo-arenosoPorosidade: poucaEstrutura: mais agregado

Textura: Areno-argilosaEscuro e claraEstrutura: agregado

Textura: Areno-argilosaEscuro e claraEstrutura: agregado

Textura: areno-arginosa Escuro e clara Estrutura: agregado Mais úmido sob matéria orgânica

Raízes Raízes concentradas na superfície

Grande presença de raízes finas

Em várias camadas

Em várias camadas

Page 120: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

118

Diálogos Agroecológicos

Diferenças entre as quatro áreas:

A1 A2 A3 A4

Solo:Compactado menos compactado (com mais vida)Mais seco mais úmido Mais quente mais fresco

Vegetação: menos espécies mais espécies

Serapilheira: menos matéria orgânica mais matéria orgânica

Raízes: menos raízes entremeadas mais raízes entremeadas

Concluiu-se que não há competição entre plantas. Cada uma

se desenvolve conforme o nicho propício encontrado e acabam pre-

parando o ambiente para as espécies subsequentes. São outras as

espécies que predominam nos diferentes estágios. Compreendeu-se,

a partir do estudo das capoeiras, o processo da Sucessão Natural.

A partir do estudo da capoeira e do roçado, discutiu-se sobre sucessão natural e buscou-se traçar um paralelo entre os

sistemas produtivos e a estratégia da natureza. Então se compre-

endeu a proposta de agrofloresta sucessional. Para tanto, a aula foi

ilustrada com as gravuras agroflorestais que compõem a mochila do

educador agroflorestal (peles de cinco agroflorestas, com idade que

varia de 3 a 4 meses até 40 anos).

Os facilitadores mostraram então a cronosequência das

05 gravuras, mostrando a alta diversidade de espécies, a densidade

Avanço na sucessão

Page 121: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

119

Rio Cuieiras, Amazônia Central

de indivíduos alta no início, diminuindo com o passar do tempo, e a

ocupação do espaço vertical e horizontal.

Como podemos usar a dinâmica sucessional em nosso sistema

produtivo? Nas agroflorestas regidas pela sucessão natural, a alta den-

sidade de plantio e a combinação de espécies de diferentes grupos

sucessionais ocupando os estratos baixo, médio e alto durante suas

fases de desenvolvimento, determinam uma estrutura e fisionomia da

vegetação mais próxima ao ecossistema original do lugar. A classifica-

ção de espécies em grupos sucessionais leva em consideração princi-

palmente o ciclo de vida da espécie e o estrato que ocupa.

O manejo, através da poda e da capina seletiva, dinamiza a

vida e promove a ciclagem de nutrientes, garantindo o vigor das

plantas sem necessidade de insumos externos.

Cada ecossistema foi mostrado de forma sequencial.

O primeiro composto de todas as espécies, inclusive aquelas de fu-

turo como castanha, pupunha e açaí, que foram plantadas juntas

com as de ciclos mais curtos, que vai desde o milho e feijão até

abacaxi e banana. A segunda gravura já mostra uma capoeira nova

com destaque para o mamão já produzindo, a banana, o abacaxi e

preparando a terra para as espécies de futuro que estão, ali, sendo

“criadas” pelas espécies de ciclo menor. Na terceira, uma capoeira já

bem fechada com espécies como açaí, pupunha, cajá, buriti, cacau,

cupuaçu em plena produção. Já a quarta gravura se parece muito

com a última, embora seja nítido que muitas espécies compõem a

agrofloresta, embora com densidade menor e com as espécies ditas

de “futuro”, como a castanheira, já produzindo

A primeira atividade do quarto dia foi trabalhar o “conceito

de sistemas agroflorestais” a partir do conhecimento que cada

um tem a respeito do tema. Para isso foi lançada a seguinte pergun-

ta: o que vocês entendem por sistemas agroflorestais? Separando os

termos, sistema e agrofloresta, os participantes foram estimulados

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120

Diálogos Agroecológicos

a pensar nas palavras separadamente. Após isso, separou-se a pa-

lavra agrofloresta, estimulando todos a pensarem de aonde vinha a

palavra “agro” e “floresta”. As ideias foram apresentadas conforme

pode se ver abaixo:

É a forma de aproveitar o espaço respeitando todas as carac-•

terísticas da planta.

É uma diversidade de culturas em uma mesma área.•

É o cultivo adensado e consorciado em uma mesma espécie.•

Agricultura + floresta.•

É uma forma de reconstruir o que já foi destruído pelo •

homem.

É a forma de se produzir sem devastar o meio ambiente.•

É um sistema consorciado que você cultiva e tira sustento •

para sobreviver sem prejudicar o meio ambiente.

Cultivo de várias culturas em uma mesma área.•

É a junção de várias espécies numa área, onde possa haver um •

equilíbrio no meio ambiente (sistema sustentável).

Uma forma de usar a terra com sabedoria.•

Sistema sustentável. Tudo está ligado.•

São sistemas que buscam a sustentabilidade familiar sem ferir •

o meio ambiente.

É o conjunto de cultivo agrícola.•

Conclusão:• “Agrofloresta” trata-se de um sistema de produção

onde se consorciam espécies agrícolas e florestais, baseado na

sucessão natural, de forma a se alcançar a estrutura e função de

uma floresta e obter produtos a curto, médio e longo prazos.

Para fechamento da atividade fizemos uma discussão com os

agricultores sobre os diferentes conceitos apresentados. Ressaltamos

que os conceitos de agrofloresta estão sempre evoluindo, ou seja, não

Page 123: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

121

Rio Cuieiras, Amazônia Central

existe um conceito definido para agrofloresta, pois os sistemas agroflo-

restais são dinâmicos, onde estão sempre entrando e saindo espécies,

diferente dos monocultivos, que são estáticos e pouco contribuem com

a melhoria da qualidade de vida do pequeno agricultor. Destacamos

para os agricultores a importância das espécies da sucessão dentro da

agricultura que preparam a área para vindas das espécies do futuro.

Proteção da terra

Em seguida, iniciamos outra “prática de estimulação de-

dutiva” denominada “FT - proteção da terra”. A ideia que gira

em torno dessa atividade procura despertar nos alunos, através

de estimulação dedutiva, o que ocorre em diferentes ambientes

quando as gotas da chuva entram em contato com a terra. Assim,

foram preparados três canteiros, de forma participativa, onde todos

colocaram seu esforço (capina, busca de matéria orgânica e água,

delimitação da área, revolvimento do solo), com espaçamento de

1 x 1m2 a fim de começar a prática. Os canteiros seguiam com as

seguintes características: o primeiro era um solo desnudo e limpo

como se estivesse “varrido”. O segundo preenchemos toda a área

com matéria orgânica numa altura de aproximadamente 15cm e,

por fim, ateamos fogo e, no final, tínhamos o solo coberto somente

com cinza. Na última parcela, um solo coberto com muita matéria

orgânica. Em seguida, começamos com as perguntas de estímulo,

como: “O que vocês acham que vai acontecer em cada uma dessas

situações se chover, ou seja, se jogarmos água em cada uma delas?”

Todos pareciam já ter conhecimento sobre o que aconteceria, em-

bora algumas pessoas comentaram que, com a atividade, ficou mais

visível entender o que acontecia quando a chuva batia diretamente

no solo descoberto. No canteiro “queimado”, logo que jogamos o

primeiro regador de água, a cinza migrou para o lado mais baixo, no

canteiro desnudo, a água também teve o mesmo caminho. O último,

Page 124: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

122

Diálogos Agroecológicos

cheio de material orgânico, e, após colocarmos vários litros d’água,

não foi possível visualizar a água escorrendo.

Planejando agroflorestas

Pela tarde, iniciamos sanando as dúvidas suscitadas pelas

atividades da manhã. Fez-se mais um esclarecimento sobre suces-

são natural. Em seguida, foi elaborada uma relação de espécies que

complementaram a lista das espécies citadas no exercício anterior

e, então, foi desvendada a FT - Tabela das árvores, onde informa-

ções sobre as espécies foram organizadas.

Decidimos estudar mais sobre o comportamento das espécies

agroflorestais. Construímos uma grande tabela, na qual foram listadas

as espécies e algumas de suas principais características, tais como am-

biente preferencial, altura quando adulta, tempo de vida aproximado,

largura da copa e usos da espécie. Começamos pelo estudo das espé-

cies de ciclo mais curto, como milho, arroz, feijão, abóbora, mandioca;

em seguida, as semiperenes, como banana, cana e abacaxi; e, por fim,

com as árvores frutíferas e madeireiras. Assim ficou claro para o grupo

que, em uma agrofloresta, as espécies de diferentes ciclos de vida e que

ocupam diferentes estratos são plantadas juntas, em alta densidade; e,

com o passar do tempo, as de ciclo mais curto vão produzindo, morren-

do e saindo do sistema, criando condições para que outras de desen-

volvimento mais lento, de ciclo longo, possam vir a ocupar o espaço

antes ocupado pelas de ciclo mais curto, como foi observado no estudo

das capoeiras e nas gravuras agroflorestais nos dias anteriores.

Finalizando: Implantação de um módulo agroflorestal demonstrativo

Primeiramente, escolhemos e delimitamos a área onde seria im-

plantada a agrofloresta, no último dia. Analisamos em que condições

Page 125: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

123

Rio Cuieiras, Amazônia Central

a área se encontrava e discutimos quais intervenções eram necessá-

rias para dar início à implantação. Parte do grupo começou a fazer uma

capina seletiva e a poda de algumas árvores maiores. Enquanto isso,

outro grupo foi escolher as espécies que seriam plantadas a partir das

sementes e estacas que estavam disponíveis (Figura 18). Mostramos

todo o material, falando sobre as características de cada espécie para

ajudar na decisão de plantá-las ou não. Quando o primeiro grupo ter-

minou o preparo da área, todos se reuniram novamente para decidir

como aquelas sementes e estacas seriam plantadas, ou seja, em que

densidade, espaçamento etc. Em seguida, foi realizado o plantio.

Na área, existia uma capoeira bem jovem. Nessa atividade,

também, foi discutido com o grupo sobre a capina seletiva, onde

ficou claro para os participantes a importância de deixar na área as

espécies que podem melhorar a fertilidade do solo, que estão ali criando

condições para que outras plantas possam recompor aquela paisagem.

Ou seja, essas plantas estão “criando” as outras espécies de ciclo mais

curto. E esse manejo foi conduzido por metade dos participantes, onde

todos arrancaram o mato e podaram as espécies maiores, picando tudo

e distribuindo sobre o solo, de forma a cobri-lo por inteiro.

Alguns participantes em depoimento, durante a atividade,

ficaram bem entusiasmados com aquela nova forma de trabalhar a

terra e sua roça. Comentavam que aquilo parecia brincadeira, mas

que fazia sentido, pois na floresta acontece daquela mesma forma

e ela cresce e se multiplica, e o que estávamos tentando fazer era

exatamente isso, imitar a floresta.

Recapitulação e dicas para “pensar na hora de planejar e im-

plantar uma agrofloresta”:

cada planta depende da outra para o seu desenvolvimento;•

uma fase cria a outra;•

quando cumpre seu papel, é transformada;•

plantar em alta diversidade e alta densidade;•

Page 126: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

124

Diálogos Agroecológicos

introduzir todos os grupos sucessionais, completos (todos os •

estratos);

nossa ação deve ser sempre no sentido de aumentar a vida •

no lugar;

ocupar todo o espaço do solo e todos os estratos;•

não se orientar pelo mercado (a renda vem como consequên-•

cia do aumento de vida do lugar);

solo sempre coberto;•

conhecer bem a área para planejar;•

manejo: observar as interações;•

os animais, insetos e micro-organismos são os dinamizadores •

do sistema;

fazer experimentos e trocar experiências;•

conservar as espécies nativas no sistema;•

A capina seletiva e a poda são duas ferramentas importantes •

de manejo. Arranca-se o capim e os matos herbáceos velhos,

sacodem-se bem as raízes e as deposita sobre o solo, de pre-

ferência com as raízes para cima. A poda deve ser feita de

acordo com a estratificação e necessidade ao observar o vigor

da planta. Plantas atacadas por insetos ou fungos mostram

necessidade de manejo;

Quanto mais matéria orgânica sobre o solo melhor. Espalhar •

bem por toda a área, considerando que as partes mais lenho-

sas devem ficar preferencialmente em contato com o solo.

Page 127: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

125

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Meliponicultura: Uma ferramenta de educação socioambiental

Leonardo Pereira Kurihara

As florestas tropicais e sua rica biodiversidade estão ameaça-

das, em maior grau, pelo estabelecimento de políticas econômicas

de desenvolvimento que não levam em conta as características dos

sistemas ecológicos. Visando contrapor esse cenário, torna-se ne-

cessário o incentivo a manejo de produção integrado com os ecos-

sistemas florestais. A criação de abelhas sem ferrão (atividade de-

nominada Meliponicultura) vem demonstrando ser uma alternativa

interessante neste processo.

São muitos os atributos oferecidos pelas abelhas nativas sem

ferrao, que além de fornecerem produtos apreciados e utilizados

pelas pessoas nos remédios caseiros, no complemento alimentar

(como mel, pólen), e na confecção dos artefatos (cera e resinas) e

que também ocasionalmente são vendidos, sendo fonte comple-

mentar da renda, essas abelhas ainda desempenham um importante

papel dentro da cadeia trófica, sendo uma das principais responsá-

veis pela polinização, que determina a formação de frutos e semen-

tes e dispersão de sementes.

Poucos estudos se têm sobre as abelhas sem ferrão no baixo

rio Negro, o manejo ainda é uma prática pouco conhecida na região.

Porém, os produtos que as abelhas oferecem (principalmente mel e

cera) são muito apreciados pelos moradores locais. Os “melgueiros/

Page 128: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

126

Diálogos Agroecológicos

meleiros” (pessoas que retiram o mel para consumo familiar ou co-

mércio), geralmente quando encontram algum enxame na mata, pro-

movem a retirada do mel destruindo os ninhos. Apesar de pouco co-

nhecimento sobre a criação das abelhas sem ferrão, muitas famílias

do baixo rio Negro demonstram interesse em aprender as técnicas

para poder manejar essas abelhas.

Neste contexto, o IPÊ, apoiado pelo projeto Corredores

Ecológicos e pelo Fundo Nacional do Meio Ambiente, realizou em

parceria com alguns levantamentos sobre os meliponinios da região

e trabalhou na formação e capacitação de comunitários na tentativa

de utilizar dessa intervenção como uma ferramenta educacional em

prol da conservação e manejo da agrobiodiversidade.

As abelhas sociais

As abelhas sociais são organismos importantes para as comu-

nidades vegetais, elas são agentes polinizadores de diferentes es-

pécies, contribuindo para o equilíbrio não só de muitas populações

de plantas, como também de animais que vivem em ecossistemas

naturais. Dentre estes agentes polinizadores, destacam-se espécies

de abelhas da subfamília Meliponinae, também, conhecidas como

abelhas sem ferrão, por ser um grupo que apresenta o ferrão atrofia-

do. Atualmente, são conhecidas 391 espécies dessas abelhas, dis-

tribuídas em aproximadamente 54 gêneros (Camargo e Pedro, 2007)

. Essas abelhas se encontram distribuídas nas regiões tropicais e

subtropicais, cerca de 70% das espécies conhecidas ocorrem nas

Américas (CARVALHO et al., 2003; ROBIK, 1989).

As abelhas sem ferrão possuem tamanhos, formas, coloração

e hábitos os mais diversos. Dependendo de cada espécie, os ninhos

contêm de 500 a 8.000 indivíduos (Nogueira Neto, 1997). Esses ninhos

são encontrados, na grande maioria, em ocos de árvores, mas também

são achados em cupinzeiros, cavidades na terra, buracos de formigas

Page 129: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

127

Rio Cuieiras, Amazônia Central

e nos mais diferentes lugares onde as abelhas possam encontrar espa-

ços e segurança suficientes para o crescimento da colônia.

Cada espécie possui uma característica específica para a en-

trada do ninho. Essas características variam de um simples orifício

a um tubo de cera liso ou poroso. A finalidade é proteger o ninho e

orientar as abelhas. Os principais materiais utilizados pelas abelhas

para construção das entradas dos ninhos são própolis, cera e barro

(Nogueira Neto, 1997?).

As abelhas sem ferrão coletam pólen, néctar e água para alimen-

to dos indivíduos da colmeia. O néctar dá origem ao mel e é o princi-

pal responsável pela fonte de energia das abelhas, enquanto o pólen

é responsável pelo suprimento de proteínas da colmeia. O alimento

(mel e pólen) é armazenado em potes de cera, muitas vezes, ovalados.

Existem potes que guardam somente mel, outros que guardam apenas

pólen e potes que guardam a mistura dos dois alimentos.

As abelhas são as principais polinizadoras de nossa flora (Kerr

et al., 2001). Segundo Robik (1989), as abelhas sociais Meliponinae

(Apidae) são dominantes nas flores do dossel das florestas tropicais

úmidas, influenciando diretamente a produção de frutos e sementes

e, portanto, na regeneração natural. Ressalta-se que as abelhas sem

ferrão, conforme os ecossistemas, são responsáveis por 40% a 90%

da polinização da flora nativa (Kerr et al., 2001).

A dinâmica sociocultural e as abelhas sem ferrão do baixo rio Negro

Os moradores do rio Cuieiras são grandes admiradores das

abelhas e do seu mel, principalmente produzido pelas abelhas nativas

que não utilizam o ferrão atrofiado como forma de defesa. Na região,

quando os enxames são identificados, geralmente, são destruídos para

coleta do mel, própolis e cera. Esses produtos são utilizados no com-

bate às doenças pulmonares, infecção dos olhos e fortificantes. Além

Page 130: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

128

Diálogos Agroecológicos

de ser adoçante natural e fonte de energia, o mel apresenta efeitos

imunológicos, antibacteriano, anti-inflamatório, analgésico, sedativo

e expectorante. A cera também é bastante utilizada, principalmente

para calafetagem e confecção de cartuchos dos caçadores.

A localização de enxames de abelhas sem ferrão na região do

rio Cuieiras, na maioria das vezes, acontece em paralelo à realização

de alguma atividade como a caça, pesca, roça ou extração madeirei-

ra. A época da cheia é o período de maior descobrimento de enxa-

mes, principalmente por ser a fase de maior intensidade de pesca e

caça nos igapós. Na terra-firme o período de maior descobrimento

de enxames ocorre entre os meses de agosto a outubro, período

de derrubada dos roçados. Mas, segundo os moradores da região,

está cada vez mais difícil encontrar novos enxames. Certamente em

conseqüência do extrativismo constante dos ninhos pelos próprios

moradores e ainda pela alteração do ambiente indisponibilizando

ocos para nidificação e floradas para alimentação das colméias.

Figura 19 – Meliponario familiar. Fonte: Leonardo Kurihara

Page 131: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

129

Rio Cuieiras, Amazônia Central

As principais espécies de abelhas sem ferrão identificadas

com potencial para o manejo são a Melipona seminigra merrillae,

Melipona lateralis e a Melipona fulva. A primeira é conhecida local-

mente como abelha “uruçu boca de renda”. Apesar de ser uma espé-

cie muito conhecida e manejada na região Amazônica, não é muito

comum na região do rio Cuieiras. A segunda, a Melipona lateralis,

é conhecida como “pinto de velho”, ou “nariz de anta”, devido ao

formato da entrada de seu ninho. Essa espécie, apesar de ser di-

fícil de ser manejada, apresenta um grande número de abelhas em

seu enxame e muita produção de mel. A Melipona fulva, terceira es-

pécie mencionada, conhecida também como “jandaíra”, é bastante

comum na região, mas apresenta um enxame reduzido e uma baixa

produção de mel quando comparada com as outras espécies.

A Meliponicultura no contexto do rio Cuieiras

A Meliponicultura é a atividade de se manejar as abelhas sem

ferrão em caixas padronizadas e técnicas adequadas a sua reprodu-

ção e produtividade. Na região do rio Cuieiras a atividade se iniciou

basicamente pelo resgate dos enxames da natureza e transferência

para caixas de madeira padronizadas na tentativa de “imitar um ni-

nho natural” (Figura 19) e facilitar o seu manejo. Historicamente, as

abelhas sem ferrão foram estudadas e, muitas vezes, manejadas por

diversas populações indígenas. Hoje, o conhecimento, tradicional-

mente adquirido, aliado às pesquisas científicas, vem promovendo

um manejo cada vez mais eficiente.

As espécies a serem criadas devem ser aquelas nativas do lo-

cal. Assim, evita-se a possibilidade de introdução de animais exóticos

e diminui a possibilidade de morte das colônias por dificuldade de

climatização a nova localização. Investindo nas espécies da região,

evita-se também a dependência de compra dos enxames. Além dis-

so, a criação de abelhas nativas da região contribui para uma maior

Page 132: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

130

Diálogos Agroecológicos

variabilidade genética das espécies, uma vez que a Meliponicultura

possibilita o cruzamento entre as rainhas das colméias manejadas e

machos de colméias da “natureza”. Assim, o grupo priorizou a cria-

ção das abelhas nativas da região, promovendo uma reflexão da im-

portância dos animais nativos, principalmente para manutenção da

paisagem.

Os meliponários21 devem preferencialmente ser instalados

em locais com abundância de plantas, de preferência de água lim-

pa perto, protegido de ventos fortes e levemente sombreado. O rio

Cuieiras, por se tratar de uma região onde a paisagem ainda apre-

senta um bom estado de conservação, a escolha dos locais para ins-

talação dos meliponários foi fácil. Porém, os enxames implantados

nas regiões de floresta densa apresentaram problemas de umidade.

Observou-se também que os meliponários implantados próximos à

casa de farinha, não apresentaram um bom desenvolvimento, princi-

palmente por se tratar de uma área com bastante fumaça, carregada

de cianureto (que e tóxico para abelhas).

No rio Cuieiras, as técnicas referentes à Meliponicultura fo-

ram compartilhadas por meio de oficinas e intercâmbios. Ocorreram

três oficinas participativas com um grupo de 25 pessoas, totalizan-

do 40 horas/aulas. As oficinas foram realizadas em parceria com o

GPA – Grupo de Pesquisas em Abelhas do INPA – Instituto Nacional

de Pesquisas da Amazônia e tiveram como objetivo compartilhar os

aspectos ecológicos das abelhas sem ferrão e as técnicas de mane-

jo dessas abelhas. As caixas padronizadas para criação foram doa-

das num primeiro momento, sendo posteriormente confeccionadas

em mutirões pelos próprios comunitarios. O grupo também teve a

possibilidade de fazer um intercâmbio junto ao GPA no INPA e co-

nhecer os espaços e as experiências do grupo e receber instruções

técnicas.

21 Locais destinados para criação das abelhas sem ferrão.

Page 133: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

131

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Aprendendo e compartilhando com as abelhas nativas

A região do baixo rio Negro é composta na sua maioria por in-

dígenas e os caboclos ribeirinhos. Os critérios que cada família utiliza

na tomada de decisão do uso dos recursos está intimamente ligada

a trajetórias históricas de cada família, a mão-de-obra disponível,

acesso a territórios e objetivos econômicos. Essas famílias possuem

sistemas complexos de acesso aos recursos naturais, estabelecidos

historicamente por fatores culturais, ecológicos e socioeconômicos.

Uma intervenção sem levar em conta esses fatores, certamente, terá

uma linguagem diferente, distante da realidade local.

Assim, buscou-se desenvolver uma intervenção baseada na

troca dos saberes e, a partir disso, entendendo e dialogando com as

diferentes visões, fomentar uma reflexão sobre conservação e ma-

nejo da agrobiodiversidade, utilizando-se da Meliponicultura como

instrumento de educação e, ao mesmo tempo, como potencial eco-

nômico (seja monetário ou não-monetário), inserido nos sistemas

agrícolas locais. As abelhas sem ferrão e a Meliponicultura demons-

traram ser uma “ponte” interessante nesse processo de ensino/

aprendizagem.

Do ponto de vista ecológico, as abelhas são exemplo de sus-

tentabilidade, elas desempenham um importante papel dentro da

cadeia trófica, sendo uma das principais responsáveis pela polini-

zação, que determina a formação de frutos e sementes alem da dis-

persão de sementes (Bacelar-Lima et al., 2006). Os enxames também

são sociedades complexas, dedicadas, servindo de modelo para a

vida em comunidade.

A intervenção proveu uma reflexão sobre a importância dos

animais nativos, principalmente para manutenção da paisagem. O

grupo também pode refletir sobre a sustentabilidade do manejo, não

Page 134: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

132

Diálogos Agroecológicos

só do ponto de vista ecológico como também econômico, evitando

dependências, principalmente do mercado. A intervenção também

possibilitou ao grupo perceber não só a importância de manter as

plantas para o bem-estar das abelhas e o manejo, como também

a necessidade de se fomentar os pastos apícolas22, inserindo essas

espécies importantes para as abelhas nos sistemas de cultivo.

A intervenção, no primeiro momento, não teve como objetivo

formar profissionais na área de Meliponicultura, com protocolos de

manejos e meliponários padronizados, e sim aprender sobres as abe-

lhas e seus benefícios, compartilhando técnicas e conhecimentos.

Neste processo, “entramos” várias vezes na floresta, andamos pelos

igapós, abraçamos árvores, medimos ninhos de abelhas, colhemos

mel, espantamos insetos, às vezes crianças, todas “loucas” pelo mel.

Muitas vezes, tivemos que lidar com a paciência, respeitar a sazona-

lidade do rio e esperar até quatro meses para transferir um enxame

descoberto. Salvamos algumas abelhas, principalmente de formigas

e “abelhas limão”. Matamos também alguns enxames, quando não,

fomos cúmplices, não proporcionando o manejo ideal para eles.

Nesta caminhada, investimos na troca de experiência, apren-

dendo com os erros e acertos, sem forçar, muitas famílias ficaram

desestimuladas, às vezes indiferentes, outras empolgadas. Mas

aprendemos com os erros e acertos. De tudo ficou a lição das abe-

lhas e a possibilidade de criá-las, contribuindo ainda mais para a

agrobiodiversidade da região.

22 Floradas disponíveis na área onde as abelhas visitam para se alimentar.

Page 135: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

133

Rio Cuieiras, Amazônia Central

Considerações Finais

As famílias indígenas do rio Cuieiras vieram migradas nos últi-

mos sessenta anos da região do médio e alto rio Negro. Deslocaram-

se para Manaus em busca de melhores condições de vida diante das

incertezas e violências do sistema extrativista, da falta de assistência

médica e em busca de educação para os filhos e de acesso a bens de

consumo. A realidade do sistema social-econômico-político tratou

de marginalizar estas famílias no meio urbano, pressionando-as a

ocuparem áreas florestais no entorno de Manaus, onde articularam

formas tradicionais de produção num novo contexto.

Os moradores do rio Cuieiras, ao ocuparem os espaços, ati-

varam as formas tradicionais de construção da paisagem e da diver-

sidade agrícola, mantendo, até certo ponto, a resiliência cultural e

ecológica frente às mudanças.

As múltiplas estratégias de diversificação produtiva constituem-

se como uma importante forma de acessar a natureza. Envolvem a

associação e integração espaço temporal de atividades como a caça,

a pesca, as práticas agrícolas, as atividades extrativistas, entre ou-

tras, e cada uma dessas atividades produtivas é realizada de diversas

formas baseadas nos saberes, práticas e visões de mundo. Com isso,

suas atividades apresentam-se complexas, pois constituem formas

múltiplas de relacionamento com os recursos, assim, diminuindo o

impacto sobre um único recurso. Dessa maneira, o múltiplo uso é

uma forma de manejo que gera diversas alternativas apresentando

três características que indicam sua sustentabilidade, que são a ma-

nutenção de um alto nível de diversidade, alta resiliência e capacida-

de de se manter por um longo período de tempo.

A mandioca é paradigmática no contexto agrícola do rio Negro, e

no rio Cuieiras, não podia ser diferente, sendo considerada como “espé-

cies cultural chave” pela sua importância alimentar e simbólica, sendo

Page 136: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

134

Diálogos Agroecológicos

a planta estruturadora dos roçados. A manutenção da diversidade de

plantas cultivadas em sistemas agrícolas centrados na mandioca, como

praticado na bacia rio Negro, depende inteiramente da manutenção das

roças ano após ano e da integração destes espaços com as florestas e

outros espaços cultivados como os quintais. A manutenção de mais

de um roçado e da dinâmica espaço-temporal dos mesmos significa

a garantia da conservação das espécies de ciclos mais curtos, como

mandioca, cará, batata-doce e banana, bem como uma maior autonomia e

segurança do agricultor em relação à perda de material genético ou a

uma má produção. Uma série de saberes e práticas (seleção dos espa-

ços, derrubada e queima, obtenção dos recursos fitogenéticos, arranjo

espaço-temporal, manejo da capoeira e de espontâneas) são necessá-

rios para a manutenção e propagação dos recursos fitogenéticos nos e

entre os espaços. Os roçados são integrados a outros espaços produ-

tivos como os quintais, capoeiras e florestas, formando um mosaico de

vegetação com estruturas e composição heterogêneas, ademais, cada

agricultora se integra através das redes sociais a outras agricultoras e ao

mercado na obtenção de recursos fitogenéticos.

A construção da agrobiodiversidade se apoia a elementos do

conhecimento tradicional, como as formas de identificação e classi-

ficação das plantas, nas relações que as agricultoras possuem com

as mesmas. Alguns elementos etnobiológicos, ligados a uma percep-

ção “positiva” da diversidade, contribuem para que as agricultoras

indígenas resistam à perda de plantas cultivadas e persistam na ati-

vidade agrícola. Evidencia-se que as agricultoras locais, possuidoras

de um estoque elevado de espécies e variedades e de um saber ín-

timo sobre as plantas cultivadas, contribuem de forma fundamental

neste processo de construção local da agrobiodiversidade.

É importante salientar que os saberes descritos neste trabalho

não são uniformemente distribuídos. Alguns homens possuem sabe-

res mais acurados sobre a paisagem e sobre os primeiros momentos

do roçado (derrubada, queima), enquanto as mulheres dominam os

Page 137: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

135

Rio Cuieiras, Amazônia Central

conhecimentos sobre o roçado e plantas cultivadas. Dentre estas

mulheres, distinguem-se as maiores detentoras de diversidade e de

saberes, sendo elas as detentoras de informações necessárias para

a manutenção dos sistemas produtivos. São consideradas experts na

agricultura pelo papel ativo que desempenham no manejo dos espa-

ços e na manutenção e incorporação de novas espécies e variedades.

Estas ampliam a diversidade regional e possibilitam a re-colonização

dos espaços através da doação de recursos fitogenéticos a outras

famílias, contribuindo para a resiliência do sistema.

Entendido como um todo bioecológico e cultural, onde sabe-

res e práticas definem o sistema produtivo, o sistema agrícola, como

praticado pelos povos tradicionais no rio Negro, deve ser conside-

rado patrimônio cultural das comunidades e os serviços ambientais

e econômicos gerados localmente e para a humanidade serem reco-

nhecidos nas políticas públicas de gestão territorial e ambiental, de

desenvolvimento local e na conservação da agrobiodiversidade.

Assim como exposto na Convenção da Diversidade Biológica e

em outros tratados, legislações e publicações, as populações locais

são responsáveis por manter e gerar a diversidade biológica e este

repertório de saberes deve ser devidamente respeitado, protegido

e até recompensado financeiramente para que se perpetue (como

proposto pela FAO, em documento recente sobre pagamentos con-

cernentes aos serviços ambientais da agricultura). Estratégias que

visam à conservação dos recursos fitogenéticos devem passar pelo

entendimento das perspectivas dos povos tradicionais e por uma

discussão que envolva as suas representações.

Dessa forma, a conservação passaria de uma problemática de

conservação aplicada aos recursos biológicos à problemática ligada

à conservação e à valorização de um patrimônio, em que o mais

importante seria a manutenção das “condições para a sua produção e sua

atualização”, e não o objeto biológico em si.

Page 138: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

136

Diálogos Agroecológicos

É importante frisar que as comunidades pesquisadas locali-

zam-se nas proximidades de Manaus, capital do estado e um grande

centro urbano, e Novo Airão. Este é um dado importante, pois essas

cidades exercem uma atração sobre os jovens e também sobre o

direcionamento das atividades econômicas nas comunidades, com

possíveis prejuízos para a continuidade dos agroecossistemas e para

a conservação da agrobiodioversidade.

Além disto, a menor disponibilidade de força de trabalho fa-

miliar pode limitar a manutenção de roçados agrobiodiversos. Esta

escassez de mão-de-obra tem na migração dos jovens, para estudar,

um de seus motivos. Este desinteresse dos jovens tem sido con-

trabalançado por uma maior participação dos homens no processo

agrícola e pela promoção de mutirões.

Ações de conservação e valorização das plantas cultivadas e

dos saberes locais, na região do presente estudo, têm em vista que

a persistência das agrobiodiversidade está estritamente relacionada

à persistência dos roçados e dos saberes e práticas dos agricultores

e agricultoras do rio Cuieiras.

Está em início o projeto agrobiodiversidade do IPÊ, com apoio

do Sebrae e do projeto Corredores Ecológicos, construído em par-

ceria com as comunidades localizadas no rio Cuieiras. A base teórica

em que o projeto se apoia foi sendo aprimorada ao longo do pro-

cesso, a partir da aquisição de um conhecimento da região e rea-

lidade local, bem como do diálogo de saberes, ambos aportados

pelos trabalhos de pesquisa, educação e extensionismo, que estão

em desenvolvimento e apresentados neste livro.

Esta construção levou tempo, pois foi trilhada por um cami-

nho onde se priorizou a coletividade, participação e a apropriação

pelos diferentes grupos comunitários envolvidos. Desta forma, as

distintas percepções de tempo e espaço são compartilhadas e é res-

peitado o ritmo dos protagonistas. Este processo é regado por erros,

Page 139: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

137

Rio Cuieiras, Amazônia Central

aprendizado, paciência, perseverança, aprimoramento, frustrações

e satisfações, que fazem parte da metodologia educativa. Além da

relação entre instituição e grupos comunitários, foram estabelecidos

vínculos pessoais de amizade e confiança, e compartilhados valores

e sentimentos, os quais serão carregados por cada um.

Este projeto terá continuidade, onde estão previstas pesqui-

sas sobre o sistema agrícola e de artesanato local, com vistas à co-

mercialização e implantação de sistemas agroflorestais; intercâm-

bios de experiências e conhecimentos entre grupos e associações

de mulheres, agricultores e artesãos na Amazônia e participação em

feiras regionais e nacionais; consolidação das organizações e redes

locais, assim como uma linha de produtos da agrobiodiversidade.

A continuidade desta proposta está embasada nos seguintes pontos:

Realizar estudos interdisciplinares com efetiva participação •

local visando a compreender os sistemas agrícolas tradicio-

nais em toda sua complexidade. Estudos focados no en-

tendimento do “ponto de vista” ou na compreensão dos

indígenas e caboclos sobre os elementos da biodiversidade

e sobre a paisagem;

Promover discussão com as comunidades locais sobre os sis-•

temas de proteção dos saberes e da biodiversidade;

Ver a possibilidade de fortalecer os sistemas agrícolas locais, •

seus produtos e saberes, associados com a biodiversidade,

difundindo o pedido através de uma associação do alto rio

Negro, de reconhecimento como patrimônio imaterial no

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)

(Ministério da Cultura), seguindo o decreto 3551/2000 deri-

vado da conferência da UNESCO de 1989. Este mecanismo

pretende assegurar a proteção destes bens imateriais, reco-

nhecendo seu caráter dinâmico e sua dimensão identitária;

Page 140: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

138

Diálogos Agroecológicos

Discutir a viabilidade de se utilizar de instrumentos de desen-•

volvimento territorial como as indicações geográficas (IG),

selos e certificações, visando a integrar a dimensão coletiva

e local com a valorização econômica da biodiversidade. Seria

interessante avançar e dar continuidade à noção de valoriza-

ção econômica da agrobiodiversidade associada a mercados

agroecológicos e de orgânicos;

Expandir localmente e regionalmente os espaços de atuação •

da sociedade civil, com a premissa de que o crescimento da

participação democrática no manejo da diversidade agrícola

depende da expansão dos espaços de ação autônoma da so-

ciedade civil;

Fomentar, apoiar e fortalecer as iniciativas e espaços locais •

que visem à promoção e valorização da agrobiodiversidade,

como as “feiras de troca” ou mercados locais da agricultura

familiar. Para isto deve-se continuar o fortalecimento das orga-

nizações locais tendo em vista a crescente oferta de produtos

da agrobiodiversidade no comércio justo;

Atuar na resolução da questão fundiária, entendendo e car-•

tografando as territorialidades locais, geralmente baseadas

num regime comunitário de propriedade e de uso dos recur-

sos, como forma de garantir uma negociação clara sobre os

direitos territoriais das populações do rio Cuieiras e do baixo

rio Negro. Entende-se que a garantia do território é uma maior

garantia de perpetuação da diversidade agrícola;

Compreender e fortalecer intercâmbios e as redes sociais de •

circulação de objetos biológicos e de conhecimentos;

Garantir investimento em programas de educação e tecnolo-•

gia, adaptados localmente e que possam incentivar os jovens

ao trabalho na agricultura, dando condições atrativas à per-

manência dos mesmos nas comunidades.

Page 141: Dialogos Agroecologicos Completo eBook

139

Rio Cuieiras, Amazônia Central

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Diálogos Agroecológicos

Currículos dos autores

BrUNO SCArAzATTI • - Graduado em Engenharia Florestal

pela Universidade de São Paulo (2004) e mestrado pelo

Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia, INPA (2009). Tem

experiência com manejo florestal madeireiro e não-madei-

reiro, extensão rural (principalmente agroecologia), sistemas

agroflorestais, silvicultura e reflorestamento em projetos de

adequação ambiental. Link para o currículo no CNPQ: <http://

lattes.cnpq.br>/8643706943501455.

CArOLINE DE OLIVEIrA SILVA• - Graduada em Engenharia

Florestal pela Universidade de São Paulo (2006). Mestre em

Engenharia Florestal do Instituto Nacional de Pesquisas

da Amazônia. Tem experiência na área de Etnobotânica,

Agrofloresta, Recursos Florestais e Engenharia Florestal.

Link para o currículo no CNPQ: <http://lattes.cnpq.

br>/5767385408044379.

LEONArDO PErEIrA KUrIHArA• - Graduado em Ciências

Biológicas e mestrando em Agricultura nos Trópicos Úmidos

pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia. Trabalhou

com permacultura em comunidades do entorno do Parque

Nacional da Chapada Diamantina - BA. Atualmente, é pes-

quisador do Instituto de Pesquisas Ecológicas, onde desen-

volve um trabalho de extensão/comunicação em parceria

com as comunidades da região do baixo rio Negro. Tem ex-

periência na área de extensão rural, atuando principalmente

nos seguintes temas: fortalecimento comunitário, perma-

cultura, meliponicultura e agroecologia. Link para o currícu-

lo no CNPQ:<http://lattes.cnpq.br>/5701398778026993.

E-mail: [email protected]

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147

Rio Cuieiras, Amazônia Central

MArCIO MENEzES• - Graduado em Engenharia Agronômica

na UFAC, atuou pelo Arboreto, por 4 anos, desenvol-

vendo pesquisa participante e extensão agroflores-

tal junto a grupos de agricultores ecológicos. Foi mem-

bro da AVINA e, atualmente, é consultor do Ministério do

Desenvolvimento Agrário em Manaus. Link para o currícu-

lo no CNPQ: <http://lattes.cnpq.br>/8688871636351402.

E-mail: [email protected]

MArIANA GAMA SEMEGHINI• - Graduação em Ciências

Biológicas pela Universidade Federal de Santa Catarina (2002).

Atualmente, é educadora ambiental do Instituto de Pesquisas

Ecológicas (IPÊ), na região do baixo rio Negro, Amazonas. Tem

experiência em projetos de pesquisa-ação em educação e uso

sustentável dos recursos naturais junto a povos indígenas e ri-

beirinhos. Link para o currículo no CNPQ: <http://lattes.cnpq.

br>/9255763440319262 E-mail: [email protected]

MArILENA ALTENFELDEr DE ArrUDA CAMPOS• -

Graduada pela Universidade Federal de Santa Catarina (2005)

e mestrado em Biologia (Ecologia) pelo Instituto Nacional de

Pesquisas da Amazônia (2008). Tem experiência na área etnoe-

cologia, manejo de fauna e agricultura indígena. Ganhadora do

Prêmio BECA de melhor dissertação de mestrado. Link para o cur-

rículo no CNPQ: <http://lattes.cnpq.br>/7798290986967702.

E-mail: [email protected]

THIAGO MOTA CArDOSO • - Graduação em ciências bioló-

gicas pela Universidade Católica do Salvador (BA) e é mestre

em ecologia pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia

– INPA, com dissertação sobre etnoecologia e agrobiodiver-

sidade. Atua em projetos socioambientais pelo IPÊ- Instituto

de Pesquisas Ecológicas, sendo coordenador do programa

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Diálogos Agroecológicos

Conservação e Uso Sustentável da Biodiversidade e gestor

dos projetos Etnobotânica e Manejo Agroflorestal e Mosaicos

de Áreas Protegidas. Foi consultor do PNUD em realização de

Etnomapeamento Agroextrativista, na TI Pataxó. Tem experi-

ência na área de ecologia, atuando principalmente nos seguin-

tes temas: etnoecologia e etnobiologia, áreas protegidas, po-

pulação tradicional e indígena, agrobiodiversidade, economia

solidária e participação comunitária. Adquiriu experiências em

gestão de projetos de conservação da biodiversidade e ma-

nejo dos recursos naturais. Ganhador do Prêmio FENEAD de

Projetos Sociais. Link para o currículo no CNPQ: <http://lat-

tes.cnpq.br>/4160103099571815. E-mail: [email protected]

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Ministério doMeio Ambiente

fnmaFundo Nacional do Meio Ambiente