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  ABEL CHAGAS DE SOUZA  A D IGNIDADE DA PESSOA HUMA NA E SUA EFICÁ CIA NAS RELAÇÕES DE TRAB ALHO Londrina 2012 

DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

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DIGNIDADE DA PESSOA HUMA NAS RELAÇÕES DE TRABALHO

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  • ABEL CHAGAS DE SOUZA

    A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA EFICCIA NAS RELAES DE TRABALHO

    Londrina

    2012

  • ABEL CHAGAS DE SOUZA

    A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA EFICCIA NAS RELAES DE TRABALHO

    Monografia apresentada ao curso de Ps-Graduao em Filosofia Poltica e Jurdica da Universidade Estadual de Londrina, como requisito parcial a obteno do ttulo de Especialista em Filosofia Poltica e Jurdica. Orientador: Prof. Bianco Zamora Garcia

    Londrina 2012

  • ABEL CHAGAS DE SOUZA

    A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA EFICCIA NAS RELAES DE TRABALHO

    Monografia apresentada ao Departamento de Filosofia (Ps-Graduao em Especializao em Filosofia Poltica e Jurdica) da Universidade Estadual de Londrina. COMISSO EXAMINADORA

    _____________________________________ Prof. Orientador: BIANCO ZAMORA GARCIA. Universidade Estadual de Londrina. _____________________________________ Prof. Componente da Banca: Universidade Estadual de Londrina. _____________________________________ Prof. Componente da Banca: Universidade Estadual de Londrina.

    Londrina, de de 2012.

  • A minha famlia e aos meus amigos

    companheiros de todas as horas.

  • AGRADECIMENTOS

    Ao professor Orientador Bianco Zamora Garcia, brao amigo de todas as etapas

    deste trabalho.

    Ao professor e amigo Luiz Henrique Vieira, pelo incentivo para que eu iniciasse esse

    curso.

    A minha famlia, pela confiana e motivao.

    Aos amigos e colegas, pela fora e pela vibrao em relao a esta jornada.

    Aos professores e colegas de Curso, onde trilhamos juntos uma importante etapa de

    nossas vidas.

    A todos que, com boa inteno, colaboraram para a realizao e finalizao deste

    trabalho.

    Aos que no impediram a finalizao deste estudo.

  • H homens que lutam um dia e so bons, h outros que lutam um ano e so melhores, h os que lutam muitos anos e so muito bons. Mas h os que lutam toda a vida e estes so imprescindveis"

    Bertold Brecht

  • SOUZA, Abel Chagas. A Dignidade da Pessoa Humana e sua Eficcia nas Relaes de Trabalho. 2012. 38 f. Monografia apresentada ao curso de Ps- Graduao em Especializao em Filosofia Poltica e Jurdica - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012.

    RESUMO

    A presente pesquisa um estudo sobre a dignidade da pessoa humana cujo objetivo foi abordar os aspectos filosficos para a sua compreenso, efetivao e eficcia nas relaes sociais humanas. Para tanto, discorreu-se sobre o seu conceito atravs do pensamento filosfico, partindo do valor imensurvel do ser humano, por ser ele imagem e semelhana de Deus, resgatando o desenvolvimento do conceito at os dias de hoje, e sua aplicao no direito, em especial no direito do trabalho. Buscou-se assim, discutir sobre uma possvel relativizao da dignidade da pessoa humana e da sua efetividade dentro do Estado democrtico de direito e a proteo do individuo atravs de seus direitos sociais. Sobretudo enfatizou-se a valorizao do trabalho humano, uma vez que a dignidade humana tem relao direta com a economia, procurando demonstrar que o Estado tem a obrigao de garantir condies mnimas de subsistncia ao trabalhador. Enfim, demos nfase ao trabalho humano, como o mais importante instrumento de insero e afirmao do ser humano na sociedade, sendo dever do Estado e dos particulares cumprir com os direitos trabalhistas dos trabalhadores, por ser o trabalho fonte da realizao material, moral e espiritual do ser humano. Palavras-Chave: Dignidade da pessoa humana. Proteo. Trabalho.

  • SOUZA, Abel Chagas. La dignit della persona umana e la sua efficacia nei rapporti lavorativi. 2012. 38 f. Relazione presentata al corso di Specializzazione di Laurea in Filosofia giuridica e politica - Universidade Estadual de Londrina, Londrina, 2012.

    ABSTRACT

    Questa ricerca uno studio sulla dignit della persona umana cui scopo stato quello di affrontare gli aspetti filosofici per la comprensione, efficacia ed efficienza di tali dignit nelle relazioni umane sociali. Pertanto, abbiamo discorso sul suo concetto per mezzo del pensiero filosofico partendo del valore incommensurabile della persona umana in se trattando di essa come immagine e somiglianza di Dio. Abbiamo riscatado lo sviluppo del concetto della dignit dellapersona umana fino ad oggi e la sua applicazione nel diritto, soprattutto nel diritto del lavoro. Abbiamo cercato di discutere una possibile relativizzazione della dignit umana e la sua efficacia nell'ambito dello Stato di diritto democratico e la tutela dei diritti individuali attraverso dei suoi diritti sociale. In particolare fu sottolineato il valore del lavoro umano, dal momento che la dignit umana direttamente connesse con l'economia, cercando di dimostrare che lo Stato ha l'obbligo di garantire la sussistenza minima per i lavoratori. Infine, abbiamo voluto sottolineare il lavoro umano come il pi importante strumento di inclusione e laffermazione dellessere umano nella societ, essendo dovere dello Stato e degli individui compiere con i diritti del lavoratore, per essere Il lavoro la sorgente di realizzazione materiale, morale e spirituale l'essere umano. Paroles-chiave

    : La dignit umana. Protezione. Lavoro.

  • SUMRIO

    1 INTRODUO ......................................................................................................... 9

    2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, UMA VISO JURDICA E FILOSFICA .. 10

    3 A PROTEO A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA EFETIVIDADE ... 19

    3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA APLICAO PRTICA .................................... 22

    4 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NAS RELAES DE TRABALHO ENTRE ESTADO E PARTICULARES ...................................................................... 25

    CONCLUSO ........................................................................................................... 35

    REFERNCIAS ......................................................................................................... 37

  • 9

    1 INTRODUO

    Atualmente, muitos so os estudos sobre a proteo dignidade da

    pessoa humana e sua eficcia no ramo da direito, buscando na filosofia um conceito

    amplo e aberto que se transforma atravs do tempo, acompanhando as

    necessidades da sociedade.

    Atravs do pensamento filosfico, pretende-se neste trabalho discutir

    a eficcia da dignidade da pessoa humana atravs dos tempos, partindo de qual era

    o entendimento de dignidade para os gregos, o valor imensurvel do homem uma

    vez ser este imagem e semelhana de Deus, resgatando o desenvolvimento do

    conceito at os dias de hoje, e sua aplicao no direito, em especial no direito do

    trabalho.

    No primeiro captulo busca-se um conceito filosfico do que seja a

    dignidade da pessoa humana, atravs da histria do pensamento humano,

    principalmente no pensamento filosfico de Immanuel Kant.

    O segundo captulo trata da efetividade e proteo da dignidade da

    pessoa humana, tanto pelo estado quanto pelos particulares, e se essa proteo

    pode de alguma maneira ser relativizada em prol de outros interesses.

    Por fim, busca-se mostrar o valor e o respeito que o trabalhador

    deve ter atravs de seu trabalho, uma vez ser este o maior instrumento do ser

    humano para ver garantida a sua dignidade.

  • 10

    2 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, UMA VISO JURDICA E FILOSFICA

    Sobre dignidade da pessoa humana, um dos maiores problemas que

    a filosofia, a poltica e o direito encontram, reside em conceituar o tema, uma vez

    que amplo e aberto e uma qualidade intrnseca do ser humano, sendo

    irrenuncivel e inalienvel, que todos temos uma compreenso implcita e

    espontnea do que seja a dignidade da pessoa humana, e que seu contedo nem

    sempre foi o mesmo, uma vez que sua aplicao se d com o desenvolvimento

    cientifico e social, evoluindo principalmente com o pensamento filosfico ocidental.

    Esse valor intrnseco de qualidade ao ser humano remonta do

    pensamento clssico e da ideologia crist, onde pode se encontrar tanto no antigo

    como no novo testamento referncias para uma concepo de dignidade da pessoa

    humana, partindo de que o ser humano foi criado a imagem e semelhana de Deus,

    conforme livro Genesis do Antigo testamento da Bblia sagrada:

    Deus disse: faamos o homem nossa imagem, como nossa semelhana, e que eles dominem sobre os peixes do mar, as aves do cu, os animais domsticos, todas as feras e todos os rpteis que rastejam sobre a terra1

    a natureza quem prescreve que o homem deve levar em conta os interesses de seus semelhantes, pelo simples fato de tambm serem homens, razo pela qual todos esto sujeitos s mesmas leis

    .

    Partindo desta idia, se tem que o ser humano possui um valor

    imensurvel.

    Para os gregos, dentro de uma perspectiva cosmolgica da

    dignidade da pessoa humana, dizia respeito posio social que o individuo

    ocupava, sendo, na viso de Aristteles, mais evidente naqueles em que tinham a

    atividade intelectual mais desenvolvida, como os filsofos.

    Nesta viso platnica e Aristotlica, admitia-se a existncia de

    pessoas mais ou menos dignas.

    J o filsofo estico Marco Tlio Ccero trata a dignidade na

    natureza humana e na sua posio superior do homem no cosmos, tendo que:

    _____________ 1 BBLIA. Portugus. Bblia Sagrada. So Paulo: Paulus, 1980, p. 32.

  • 11

    naturais, de acordo com as quais proibido que uns prejudiquem aos outros2

    Os esticos eram completamente convencidos de que os homens

    so iguais, independentes de sexo, raa, nacionalidade, crenas. Essas idias foram

    enraizar os pensamentos jurdicos polticos filosficos do Imprio Romano, brotando

    um sentimento de humanizao do homem, interferindo nas concepes que se

    referiam a escravido. Neste ponto, tambm o filosofo Sneca, exigira uma posio

    mais humana do estado romano, afirmando que preciso tratar os escravos com

    bondade

    .

    a partir do pensamento de Ccero, que Roma comea a

    desenvolver um conceito de dignidade baseada no respeito que cada ser humano

    deve ter uns com os outros, desvinculando-a do cargo e da posio social que a

    pessoa ocupa. Para ele, a justia natural traz o bem coletivo, onde os homens

    nasceram para a justia, e que atravs desta justia naturalista, e no do arbtrio

    que se encontra o direito.

    3

    [...] existe como um fim em si mesmo, no simplesmente como meio para o uso arbitrrio desta ou daquela vontade. Pelo contrrio, em todas as suas aes, tanto nas que se dirigem a ele mesmo como nas que se dirigem a outros seres racionais, ele tem sempre de ser considerado simultaneamente como um fim... Portanto, o valor de todos os objetos que possamos adquirir pelas nossas aes sempre condicional. Os seres cuja existncia depende, no em verdade da nossa vontade, mas da natureza, tm contudo, se so seres racionais, apenas um valor relativo como meios e por isso se chamam coisas, ao passo que os seres racionais se chamam pessoas, porque a sua natureza os distingue j como fins em si mesmos, quer dizer, como algo que no pode ser empregado como simples meio e que, por conseguinte, limita nessa medida todo o

    .

    A dignidade da pessoa humana conforme hoje entendemos, tem

    como base o pensamento de Emmanuel Kant, sendo este o filsofo mais expressivo,

    que influencia e prevalece no pensamento da atualidade, onde para ele, o homem, e

    sua racionalidade:

    _____________ 2 CICERO, M.T. Dos deveres. So Paulo: Martins Fontes, 1999. p.137. 3 SNECA, Lcio Aneu. Carta XLVII: preciso tratar os escravos com bondade. In: As relaes

    humanas: a amizade, os livros, a filosofia, o sbio e a atitude perante a morte. So Paulo: Landy, 2002. p. 53.

  • 12

    bitrio (e um objeto de respeito)4

    [...] no reino dos fins tudo tem um preo ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preo, pode pr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa est acima de todo o preo, e portanto no permite equivalente, ento ela tem dignidade... Esta apreciao d pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposio de esprito e pe-na infinitamente acima de todo o preo. Nunca ela poderia ser posta em clculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preo, sem de qualquer modo ferir sua santidade

    .

    Kant acredita que o homem como ser racional, deve ser entendido

    como um fim em si. Continuando o seu pensamento a respeito da qualidade

    intrnseca e insubstituvel de cada pessoa:

    5

    O homem precisa do dever para tornar-se um ser moral, pois obedec-lo consiste em obedecer a si mesmo, na medida em que foi o prprio ser humano que consciente e racionalmente estabeleceu o dever

    .

    Constata-se a partir da, que o ser humano tem um valor

    imensurvel, pelo simples motivo dele existir, e justamente nas idias de Kant que

    o pensamento jurdico busca uma fundamentao e conceituao para a dignidade

    da pessoa humana, tendo como base que o ser humano ocupa um lugar privilegiado

    em relao aos outros seres vivos, estando ele acima de qualquer preo, no se

    admitindo equivalncia, uma vez que tem dignidade, sendo tambm ele o meio e o

    fim do significado de dignidade.

    Sendo o ser humano dotado de dignidade, ele se faz livre e nico

    para elaborar sua prpria lei, que o guiar inclusive com a imposio de deveres que

    devero ser cumpridos.

    Conforme palavras de Flademir Jernimo Belinati Martins:

    6

    _____________ 4 KANT, Immanuel. Fundamentos da Metafsica dos Costumes, in: Os Pensadores, p.134-135. 5 Ibidem. p. 40. 6 MARTINS, Flademir Jernimo Belinati. Dignidade da pessoa humana: Princpio Constitucional

    fundamental. 1. Ed. 4. Reimpr. Curitiba: Juru, 2009. p. 26.

    .

    Sobre esta questo moral, Kant ensina que:

  • 13

    Ora, a moralidade a nica condio capaz de fazer que um ser racional seja um fim em si, pois s mediante ela possvel ser um membro legislador no reino dos fins. Pelo que, a moralidade, bem como a humanidade, enquanto capaz de moralidade, so as nicas coisas que possuem dignidade7

    De fato, nenhuma coisa possui valor, a no ser o que lhe assinado pela lei. Mas a prpria legislao, que determina todos os valores, deve ter, justamente por isso, uma dignidade, isto , um valor incondicionado, incomparvel, para o qual s o termo respeito fornece a expresso conveniente da estima que todo ser racional lhe deve tributar. A autonomia , pois, o princpio da dignidade da natureza humana, bem como de toda natureza racional

    .

    Atravs das reflexes de Kant, tem-se que somente atravs da

    racionalidade humana justifica o homem como fim em si mesmo, tendo um valor

    superior a qualquer preo, no existindo nada equivalente, tendo o ser humano

    autonomia para seguir o que foi disciplinado pela lei universal do reino dos fins. Kant

    diz:

    8

    Construindo sua concepo a partir da natureza racional do ser humano, Kant assinala que a autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representao de certas leis, um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da natureza humana

    .

    A dignidade da pessoa humana atingiu um grau de importncia de

    destaque na atual sociedade, como interpreta Ingo Wolfgang Sarlet:

    9

    Para Elida Sguim a vida humana e o estado deve se relacionar de

    .

    Quem legisla sobre dignidade o prprio homem, detentor nico

    deste direito, que passando este ao seu semelhante, o recebe novamente de

    maneira automtica. Assim, ele se reconhece como portador de direitos, sendo esta

    uma prerrogativa concedida ao homem, por ele mesmo.

    _____________ 7 KANT, Immanuel. Fundamentaco da Metafsica dos Costumes. Traduo de Antnio Pinto de

    Carvalho. Companhia Editora Nacional. E-book disponvel em: http://www.consciencia.org/kant fundamentacao.shtml. Acesso em 24 jul. 2012, p. 30.

    8 Ibidem. p. 36-37. 9 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na

    Constituio Federal de 1988. 8. Ed. Verso Atualizada e ampliada Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010. p. 37.

  • 14

    forma harmoniosa tendo o direito como base o princpio da dignidade da pessoa

    humana, onde:

    O homem deve ser respeitado em sua dignidade, em seu valor de fim e no de meio, pois a dignidade da pessoa humana, que, como consectrio, impe a elevao do ser humano ao centro de todo o sistema jurdico, no sentido de que as normas so feitas para a pessoa e sua realizao existencial. Nossa Carta Magna elevou a tutela e promoo da pessoa humana a um valor mximo do ordenamento, estatuindo que a dignidade do homem inviolvel, sendo mola propulsora da intangibilidade da vida humana [...]10

    _____________ 10 SGUIN, Elida. Biodireito. 4. Ed. Rev. e atual. Rio de Janeiro, RJ: Lumen Juris, 2005. p. 50.

    .

    Diante dos pensamentos expostos, em especial os de Kant, tem-se

    que o conceito de dignidade da pessoa humana est ligado ao fato de que o ser

    humano deve ser tratado como fim, e nunca como meio, devendo ser reconhecido

    como sujeito, trazendo no s uma dimenso individual da pessoa humana, mas

    tambm uma dimenso social e comunitria.

    Cumpre ressaltar, que entre os sculos XVII E XVIII, a dignidade

    humana passou por um processo de racionalizao do individuo, com a noo de

    igualdade entre todos que desaguou na Revoluo francesa, que tomada pelos

    pensamentos jus naturalistas, a populao exigia mudanas naquele governo

    autoritrio, que era sustentado pelo trabalho servil da populao, onde apenas os

    burgueses eram dotados de privilgios. Porm, quando os objetivos da Revoluo

    francesa (liberdade, igualdade e fraternidade) no foram alcanados devido

    enorme desigualdade social, v-se o retorno de idias conservadoras que iam na

    contra-mo do racionalismo e do direito natural, coisificando o homem.

    No sculo XVIII, com o advento da Revoluo industrial, movimento

    burgus que visava transformar a idia de produo, principalmente com o advento

    da mquina a vapor que substituiria a manufatura, a mo de obra foi reduzida

    drasticamente, trazendo como conseqncia baixos salrios para os que ainda

    mantinham seus postos de trabalho, e condies subumanas de vida, com a maioria

    da populao vivendo na misria absoluta. Os trabalhadores eram obrigados a

    enfrentar jornadas de trabalho superiores a 14 horas de trabalho, bem como se

    sujeitar a condies de trabalho insalubres e perigosas, sem nenhuma proteo.

  • 15

    As ms condies de trabalho, as pssimas condies sociais que a

    populao enfrentava, fizeram com que o conceito de dignidade tivesse uma espcie

    de inverso, onde o capital dita a dignidade do sujeito, e o Obreiro tido como uma

    simples mercadoria dentro deste sistema de produo.

    Karl Marx assim interpreta o momento:

    A procura de homens regula necessariamente a produo de homens, como de qualquer outra mercadoria. Se a oferta muito maior que a procura, ento parte dos trabalhadores caem na misria ou na fome. Assim, a existncia do trabalhador torna-se reduzida s mesmas condies que a existncia de qualquer outra mercadoria. O trabalhador transformou-se numa mercadoria e ter muita sorte se puder encontrar um comprador. E a procura, a qual est sujeita a vida do trabalhador, determinada pelos caprichos dos riscos e dos capitalistas. Se a oferta excede a procura, um dos elementos que compem o preo-lucro, renda da terra, salrios, ser pago abaixo de seu valor11

    foi a Lei Fundamental da Repblica Federal da Alemanha que, por primeiro, erigiu a dignidade da pessoa humana em direito fundamental, tal como estabelecido em seu art. 1, verbis:

    .

    Esses acontecimentos foram na contra mo das idias de Kant para

    quem a dignidade humana no tem um valor relativo, e sim, um valor ntimo, que

    significa a dignidade.

    A idia kantiana de Dignidade da pessoa humana ganha fora a

    partir das atrocidades da Segunda grande guerra, em especial com o nazismo, onde

    foi evidente a coisificao do homem, imperando a negao de valor pessoa

    humana, trazendo um processo de destruio e extermnio, alertando o mundo a

    refletir sobre o real valor da pessoa humana. Neste momento histrico, conforme o

    magistrio de Jos Afonso da Silva:

    12

    _____________ 11 MARX, Karl. Manuscritos econmico filosficos. So Paulo: Ed. Martin Claret, 2006. p. 66. 12 SILVA, Jos Afonso da. A dignidade da pessoa humana como valor supremo da democracia.

    In: Revista de Direito Administrativo, vol. 212, 1998. p. 89.

    1) A dignidade da pessoa humana inviolvel. Todas as autoridade pblicas tm o dever de a respeitar e proteger. 2) O Povo Alemo reconhece, por isso, os direitos iniviolveis da pessoa humana como fundamentos de qualquer comunidade humana, da paz e da justia no mundo.

  • 16

    3) Os direitos fundamentais, a seguir enunciados, vinculam, como directamente aplicvel, os poderes legislativo, executivo e judicial13

    Pricles, um pensador e um administrador grego de nomeada, chegou a dizer, a propsito desse experimento grego de cidadania em tempo integral, que aquele que no se interessa pelos assuntos da polis no apenas uma pessoa que no se interessa pelos assuntos da polis, um intil. De maneira que as mulheres, o adolescentes, as criana, os escravos, os estrangeiros, os povos conquistados no tinham maior dignidade jurdica. Os gregos no diziam, como dizemos hoje: Participo porque sou livre. Os gregos diziam: Sou livre porque participo. Ento, no havia essa distino, essa dignidade do trabalhador, do inativo, do religioso, se no estivesse tudo acoplado dimenso cidad. O que interessava era o cidado. Uma espcie de totalitarismo que a Rssia tentou revitalizar ou ressuscitar, atualizadamente, com a sua Revoluo de 1918. Mas esse conceito acanhado de dignidade da pessoa humana, j na prpria Grcia, encontrava algumas reaes episdicas, porm sem sucesso. Por exemplo: Protgoras dizia numa frase definitiva e, portanto, de marcante atualidade, que o homem era a medida de todas as coisas; Buda, fora da Grcia Buda antecipou Cristo 500 anos -, tambm enxergava no homem um ser potencialmente iluminado, de sorte a pressentir na ontologia humana a prpria chamada da divindade. Buda tambm cunhou uma frase, que est nos albores da dignidade da pessoa humana no plano terico: No acredite em certas coisas s porque as sagradas escrituras dizem que assim, no acredite em certas coisas s porque o povo todo diz que assim; no acredite em certas coisas s porque eu estou dizendo que assim; a menos que voc experimente, siga duvidando at o fim. Ento, Buda prestigiava a experincia humana, valorizada a individualidade; cada ser humano que tratasse do seu prprio caminho e encontrasse sua prpria verdade. Buda antecipou So Tom, que s acreditava no que via. E, de certa forma, antecipou Niestzche, que tambm proferiu este pensamento fecundo: Quem quiser me seguir, no me siga; ou seja, siga voc mesmo. Alias Gilberto Gil, niestzchianamente, numa msica antiga chamada Aquele Abrao, dizia: Meu caminho pelo mundo eu mesmo trao, a

    .

    Vale dizer, que a partir do ps-guerra, com a promulgao da

    Constituio alem em 1949, os estados democrticos de direito comearam a

    reconstruir seus ideais com base na dignidade da pessoa humana.

    Carlos Augusto Ayres de Freitas Brito, faz uma sntese do

    pensamento humano sobre o reconhecimento da dignidade inerente a todo o ser

    humano:

    _____________ 13 ROGERIO, Nuno. A Lei Fundamental da Repblica Federal da Alemanha, Coimbra: Coimbra

    editora, 1996.

  • 17

    Bahia j me deu rgua e compasso. Isso o reconhecimento dessa dignidade inerente a todo ser humano14

    Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrnseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e considerao por parte do estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condies existenciais mnimas para uma vida saudvel, alm de propiciar e promover sua participao ativa e co-responsvel nos destinos da prpria existncia e da vida em comunho com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida

    .

    Ingo Sarlet, um dos mais renomados pesquisadores sobre o tema no

    Brasil, prope um conceito flexvel, aberto, e sempre em um processo de

    reconstruo, onde leciona que:

    15

    A fria no de modo nenhum uma reao automtica diante da misria e do sofrimento em si mesmos; ningum se enfurece com uma doena incurvel ou um tremor de terra, ou com condies sociais que paream impossveis de modificar. A fria irrompe somente quando h boas razes para crer que tais condies poderiam ser mudadas e no o so. S manifestamos uma reao de fria quando nosso senso de justia injuriado; tal reao em absoluto no se produz por nos sentirmos vtimas da injustia, como prova toda a histria das revolues, nas quais o movimento comeou por iniciativa de membros das classes superiores, conduzindo revolta dos oprimidos e miserveis

    .

    O certo, que extremamente difcil formular um conceito sobre

    dignidade da pessoa humana, se tornando mais fcil, identificar situaes onde o

    homem tem a sua dignidade abalada, provocando um sentimento de injustia e fria.

    Hannah Arendt assim analisa tal comportamento:

    16

    O principal bem jurdico tutelado pelo estado democrtico de direito

    o respeito ao homem, e esse reconhecimento feito atravs da dignidade da

    .

    _____________ 14 BRITO, Carlos Augusto Ayres de F. Brito, Constitucionalismo Fraterno e o Direito do Trabalho,

    in Frum Internacional sobre Direitos Humanos e Direitos Sociais, So Paulo, LTR, 2004, p. 46. 15 SARLET, Ingo Wolfgang, op. cit., 2010, p. 70. 16 ARENDT, Hannah, A Condio Humana. Traduo de Roberto Raposo. Rio de Janeiro, Forense

    Universitria, 1995, p. 229.

  • 18

    pessoa humana, uma vez que um bem intrnseco a cada ser humano, sendo este

    sujeito de direitos, em igualdade com qualquer outro de sua espcie.

    O estado democrtico de direito deve ser visto como o maior

    responsvel por esse processo de transformao, expandindo os valores de

    igualdade e liberdade, calcado no princpio da dignidade da pessoa humana, onde a

    prpria Constituio reconhea o homem e sua dignidade como o grande valor do

    seu ordenamento jurdico.

  • 19

    3 A PROTEO A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA EFETIVIDADE

    A repblica federativa do Brasil tem na dignidade da pessoa humana

    um de seus fundamentos para a efetivao da democracia.

    Para Bianco Zamora Garcia

    A dignidade da pessoa humana, para alm de uma mera idia valorativa dentre um conjunto de princpios da Carta constitucional, expressa um dos fundamentos da ordem estabelecida. Como tal, representa uma condio moral, reconhecida juridicamente, que marca as relaes entre sujeitos portadores de direitos e deveres, mutuamente imputveis e circunscritos a um mesmo contexto normativo. A defesa da dignidade da pessoa humana tem por alvo a salvaguarda de sua humanidade17

    Atribuindo dignidade da pessoa humana a dimenso de princpio absoluto (no se contrape Alexy) destaca-lhe a dupla perspectiva, assinalada por Ernst Bloch: uma, negativa, pelo que a pessoa no pode ser objeto de ofensas e humilhaes, preservando-lhe a dignidade que, ensina Jorge Miranda, pressupe a autonomia vital da pessoa, a sua autodeterminao relativamente ao Estado, s demais entidade pblica e s outras pessoas; a dimenso positiva presume o pleno desenvolvimento de cada pessoa, que supe de um lado, o reconhecimento da total autodisponibilidade, sem interferncias ou impedimentos externos, das possibilidades de atuao prprias de cada homem; de outro, a autodeterminao que surge da livre projeo histrica da razo humana, antes que uma predeterminao dada pela natureza (Prez Luo). No sem razo, o legislador constituinte colocou como objetivos fundamentais da Repblica Federativa do Brasil erradicar a pobreza, a marginalizao

    .

    Discute-se doutrinariamente se o principio da proteo dignidade

    da pessoa humana pode ser relativizado.

    Parte da doutrina entende no haver qualquer possibilidade de

    reduo, uma vez ser a dignidade da pessoa humana o ncleo de todos os direitos

    fundamentais do individuo se sobrepondo a todos os direitos, e encontrando-se

    imune a qualquer restrio, operando como o limite dos limites na garantia dos

    direitos fundamentais.

    Nesse sentido, Maria Garcia se pronuncia:

    _____________ 17 GARCIA, Bianco Zamora. 30 questes de humanidades respondidas e comentadas de acordo

    com a Resoluo n 75/2009 do CNJ. / Clodomiro Jos Bannwart Jnior, (organizador); Alberto Jnior Veloso...[et al.] Niteri, RJ: Impetus, 2012, p.185.

  • 20

    e reduzir as desigualdades sociais e regionais e promover o bem de todos (art. 3, III e IV)18

    Esse princpio, tambm designado por princpio da eficincia ou princpio da interpretao efetiva, pode ser formulado da seguinte maneira: a uma norma constitucional deve ser atribudo o sentido que maior eficcia lhe d. um principio operativo em relao a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada tese da actualidade das normas programticas (Thoma), hoje sobretudo invocado no mbito dos direitos fundamentais (no caso de dvidas deve preferir-se a interpretao que reconhea maior eficcia aos direitos fundamentais)

    .

    J.J. Gomes Canotilho sustenta uma interpretao do principio da

    dignidade da pessoa humana levada a sua mxima eficincia, conforme suas

    palavras:

    19

    [...] o princpio fundamental consagrado pela Constituio Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se como uma dupla concepo. Primeiramente, prev um direito individual protetivo, seja em relao ao prprio Estado, seja em relao aos demais

    .

    Dentro desta funo protetiva da dignidade, nota-se que a dignidade

    da pessoa humana tem o papel de proibir o retrocesso de direitos adquiridos durante

    a histria, em especial os direitos fundamentais sociais, dentre eles a proteo ao

    trabalhador de ver efetivado seus direitos laborais.

    J, uma outra parte da doutrina acredita na sua relativizao em prol

    da coletividade, da dignidade de outro individuo, ou do direito a vida, estabelecendo

    restries quanto a sua aplicabilidade, uma vez que a dignidade pessoa humana

    possui carter dplice, atuando como principio limitador e integrante de proteo dos

    direitos fundamentais.

    Para isso, se faz necessrio saber at que ponto a dignidade do

    individuo pode ser tida com absoluta, protegida de qualquer tipo de relativizao ou

    restrio, no se podendo descartar a possibilidade de que ao assegurar a

    dignidade de uma pessoa ou grupo, pode-se afetar a dignidade de outra.

    Nesse entendimento, sustenta Alexandre de Moraes:

    _____________ 18 GARCIA, Maria. Limites da Cincia, So Paulo, RT, 2004. p. 203-204. 19 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituio, 7 ed, Coimbra,

    Almedina, 2003, p. 1224.

  • 21

    indivduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitrio dos prprios semelhantes. Esse dever configura-se pela existncia do indivduo respeitar a dignidade de seus semelhantes tal qual a Constituio Federal exige que lhe respeitem a prpria20

    [...] a Lei Fundamental da Alemanha, quando no seu artigo 1, inciso I, anunciou que a dignidade do homem intangvel, justamente tomou por referncia a experincia de que esta dignidade , de fato, violvel e que por esta razo necessita ser respeitada e protegida, especialmente pelo poder que, apesar de muitas vezes ser o agente ofensor, ainda acaba sendo a maior e mais efetiva instncia de proteo da dignidade da pessoa humana

    .

    H de ser respeitado a dignidade do semelhante, uma vez que a

    mesma dignidade de uma pessoa deve ser respeitada na outra, dando verdadeiro

    tratamento igualitrio entre as pessoas, nunca desrespeitando a dignidade do

    semelhante em defesa da prpria dignidade.

    Existe tambm a possibilidade de acordo onde a dignidade pessoal

    poderia sofrer restries em prol dos valores sociais mais relevantes,

    salvaguardando a vida e a dignidade pessoal dos demais integrantes de

    determinada comunidade.

    Ingo Wolfgang Sarlet, lembrando dos ensinamentos de Brugger,

    publicista gerrmnico, esclarece que:

    21

    [...] no podemos deixar de relembrar nas esteira de Alexy que at mesmo o princpio da dignidade da pessoa humana (por fora de sua prpria condio principiolgica) acaba por sujeitar-se, em sendo contraposto igual dignidade de terceiros, a uma necessria

    .

    No direito constitucional ptrio no h qualquer meno expressa

    quanto a inviolabilidade do princpio da dignidade da pessoa humana, sendo que tal

    princpio violado e desrespeitado a todo momento, na violncia contra a pessoa

    atravs de sua carncia social, econmica e cultural, no considerando as condies

    existenciais mnimas para que se alcance uma vida com dignidade.

    Nesse mesmo sentido, Ingo Sarlet menciona que:

    _____________ 20 MORAES, Alexandre. Direitos Humanos Fundamentais, So Paulo, Atlas, 2002, p. 60-611. 21 SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais na

    Constituio Federal de 1988. 8. Ed. Ver. Atualizada e ampliada Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 144.

  • 22

    relativizao, e isto no obstante se deva admitir no mbito de uma hierarquizao axiolgica sua prevalncia no confronto com outros princpios e regras constitucionais, mesmo em matria de direitos fundamentais. Com efeito, no h como deixar de reconhecer acompanhando Kloepfer que mesmo em se tendo a dignidade como o valor supremo do ordenamento jurdico, da no segue, por si s e necessariamente, o postulado de sua absoluta intangibilidade. Assim, tambm nas tenses verificadas no relacionamento entre pessoas igualmente dignas, no se poder dispensar at mesmo em face da necessidade de solucionar o caso concreto um juzo de ponderao ou (o que parece mais correto) uma hierarquizao, que, evidncia, jamais poder resultar e esta a dimenso efetivamente absoluta da dignidade no sacrifcio da dignidade, na condio de valor intrnseco e insubstituvel de cada ser humano que, como tal, sempre dever ser reconhecido e protegido, sendo, portanto e especificamente neste sentido impondervel. [...] Mesmo assim, consoante j destacado, no haver como evitar a formulao de um juzo de valor (e, portanto, num certo sentido, uma ponderao) a respeito da existncia, ou no, de uma violao da dignidade, por mais que se venham a fixar diretrizes para tal tarefa, visto que tambm critrios abstrata e previamente estabelecidos sempre sero o resultado de uma avaliao subjetiva e, neste sentido, de uma opo axiolgica (hierarquizao)22

    3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA APLICAO PRTICA

    .

    Temos na prtica, quando uma pessoa comete algum ato de ofensa

    a dignidade de uma outra, a situao de se colocar em desigualdade na relao

    com seu semelhante, uma vez que so dignos no mesmo patamar como pessoa, e

    tambm em suas aes.

    Tendo o principio da igualdade ligado a dignidade da pessoa

    humana, a dignidade do individuo acaba por ser relativizada quando se justificada

    pela proteo da dignidade de outros integrantes de uma comunidade.

    Para a aplicao do principio da dignidade da pessoa humana

    importante compreender a sua normatividade frente as lacunas jurdicas e os direitos

    assegurados pela lei e a constituio federal, buscando coerncia na interpretao

    _____________ 22 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. p.151-152.

  • 23

    do direito, preservando a segurana jurdica do estado democrtico de direito,

    conforme expe Menelick de Carvalho Netto:

    no paradigma do Estado Democrtico de Direito, preciso requerer do judicirio que tome decises que, ao trabalharem construtivamente os princpios e as regras constitutivas do direito vigente, satisfaam a um s tempo, a exigncia de dar curso e reforar a crena tanto na legalidade, entendida como segurana jurdica, como certeza do direito, quanto no sentimento de justia realizada, que deflui da adequalidade da deciso s particularidades do caso concreto23

    Para preencher a funo socialmente integradora da ordem jurdica e da pretenso de legitimidade do direito, os juzos emitidos tm que satisfazer simultaneamente s condies da aceitabilidade racional e da deciso consistente

    .

    Para Juergen Habermas:

    24

    somente os argumentos de principio, orientados pelo sistema dos direitos, so capazes de conservar o nexo interno que liga a deciso no caso particular com a substncia normativa da ordem jurdica do seu todo

    .

    Para que isso acontea, Habermas prope dois parmetros para a

    atuao da jurisdio: a aplicao do principio da segurana jurdica e a pretenso

    legitimidade da ordem jurdica, dando relevncia aos argumentos dos princpios,

    conforme ele esclarece:

    25

    No se deve confundir a necessidade de harmonizar, no caso concreto, a dignidade na sua condio de norma-princpio (que, por

    .

    Nesse contexto, a dignidade da pessoa humana vista como uma

    construo histrica, e no como um super princpio, entendido como mais valoroso

    que os demais.

    Ingo Wolfgand Sarlet esclarece que:

    _____________ 23 CARVALHO NETO, Menelick de. A hermenutica constitucional sob o paradigma do Estado

    Democrtico de Direito. In: Notcia do direito brasileiro. Nova Srie, n 6. Braslia: Ed. UnB, 2 semestre 1998, Ver. TST, Braslia, vol. 75, n 1, Jan/mar 2009, p. 245

    24 HABERMAS Jurgen. Direito e democracia entre faticidade e validade. Traduo Flvio Beno Siebeneichler. Vols. I e II. 2.ed. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 2003, p. 246.

    25 Ibidem, p. 258.

  • 24

    definio, admite vrios nveis de realizao) como outros princpios e direitos fundamentais, de tal sorte que se poder tolerar alguma relativizao, com a necessidade de respeitar, proteger e promover a igual dignidade de todas as pessoas, no olvidando que, antes mesmo de ser norma jurdica, a dignidade , acima de tudo, a qualidade intrnseca do ser humano e que o torna merecedor ou pelo menos, titular de uma pretenso de respeito e proteo26

    _____________ 26 SARLET, Ingo Wolfgang. op. cit. p.151-152.

    .

    Cada ser humano em virtude de sua dignidade merecedor de igual

    respeito quanto sua condio de pessoa, sendo que tal dignidade no poder ser

    violada nem mesmo para preservar a dignidade de outrem, contudo, no afastando

    certa relativizao ao nvel das normas jurdicas.

    Tal necessidade decorre da anlise do caso concreto, observando a

    ofensa ou no da dignidade, e definindo qual o mbito da proteo da norma

    jurdica, que ser analisada pelo julgador competente, o que no afasta decises

    diferentes, devido liberdade do juiz na sua interpretao do fato, valor e da norma

    aplicada, devido ao conceito aberto de dignidade, no podendo ser imposto qualquer

    valor absoluto ao tema.

  • 25

    4 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NAS RELAES DE TRABALHO ENTRE ESTADO E PARTICULARES

    As necessidades sociais e novos valores vo dando causas ao

    surgimento de novos direitos, tanto interno quanto externo ao estado, valendo para

    tanto que o direito no deve ser visto dentro de um sistema fechado, tornando-se

    completo e perfeito.

    Entre os sculos XVIII e XIX, as mudanas das formas de trabalho

    originaram novas relaes subjetivas, onde acabou por surgir novos movimentos em

    defesa do estado, visando garantir o equilbrio social, garantindo os direitos no

    apenas do individuo, mas tambm de toda a sociedade em que ele faz parte,

    surgindo os direitos sociais de todos os cidados regidos pelo ordenamento jurdico

    do estado.

    A normatividade do principio da dignidade da pessoa humana em

    grande parte dos estados democrticos de direito efetivou tal principio como norma

    basilar do sistema jurdico, prevalecendo a sua eficcia constitucionalmente

    garantida.

    No Brasil, a Constituio federal de 1988 a dignidade da pessoa

    humana o fundamento do estado democrtico de direito, conforme art. 1, III onde:

    A Repblica Federativa do Brasil, formada pela unio indissolvel dos Estados e Municpios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrtico de direito e tem como fundamentos: III a dignidade da pessoa humana; 27

    Art. 170 - A ordem econmica, fundada na valorizao do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existncia digna, conforme os ditames da justia social,

    Tambm no art. 170, caput, da carta magna faz meno ao referido

    principio:

    28

    Tem-se clara a valorizao do trabalho humano, uma vez que a

    _____________ 27 In Constituio da Repblica Federativa do Brasil.1988. 28 Idem.

  • 26

    dignidade humana tem implicaes econmicas, garantindo condies mnimas de

    subsistncia.

    Diante dos preceitos constitucionais, evidente que o principio da

    dignidade da pessoa humana alcanou fora normativa, com plena efetividade no

    campo social, tanto nas relaes pblicas quanta privadas.

    A proteo do ser humano est garantida na Carta Magna, dentro de

    seus vrios artigos, sempre com base no principio da dignidade da pessoa humana,

    uma vez que protege a vida, igualdade, liberdade, segurana (art. 5, caput), a sade,

    proteo a maternidade e infncia, integrao ao mercado de trabalho (art. 203),

    ambiente ecologicamente seguro, e garantia de uma qualidade de vida sadia para

    esta e futuras geraes (art. 225).

    A efetividade do principio da dignidade da pessoa humana somente

    se dar quando forem cumpridos os direitos fundamentais estabelecidos na

    Constituio federal, sendo ento, necessrio um piso vital mnimo de direitos.

    Rizatto Nunes informa que:

    [...] jus-ambientalista brasileiro Professor Celso Antonio Pacheco Fiorillo que usou a expresso mnimo vital, cujo contedo concordamos. Diz o professor que, para comear a respeitar a dignidade da pessoa humana, tem-se de assegurar concretamente os direitos sociais previstos no art. 6, da Carta Magna, que por sua vez est atrelado ao caput do art. 22529

    _____________ 29 NUNES, Rizatto, Curso de Direito do Consumidor, So Paulo, Saraiva, 2004, p. 25.

    .

    O piso vital mnimo necessrio para a garantia da dignidade da

    pessoa humana deve, pelo menos, abranger os direitos fundamentais previstos nos

    artigos 1 e 3 da Constituio federal; os direitos individuais previstos no art. 5 da

    CF, entre eles o direito vida, liberdade, igualdade, privacidade, imagem e

    intimidade, liberdade do exerccio da profisso, de associao e acesso justia; os

    direitos sociais previstos no art. 6, como a sade, lazer, proteo maternidade, e

    previdncia social; direitos trabalhistas previstos no art. 7 da Carta magna; direito

    livre filiao e participao sindical conforme art. 8 da Constituio federal; direito

    de greve conforme art. 9; e direito a um meio ambiente de trabalho equilibrado,

    conforme artigos 200 e 225, e seus incisos da Constituio federal.

  • 27

    A dignidade da pessoa humana s ser plena, quando efetivados os

    direitos fundamentais e sociais inseridos na Constituio federal, com aplicao

    imediata, independentemente de norma regulamentar, conforme preceitua o art. 5,

    1 do diploma legal, ou seja, a sua eficcia se d desde a entrada em vigor da

    Constituio, produzindo todos os seus efeitos no ordenamento jurdico do pas.

    A eficcia do principio da dignidade da pessoa humana se da tanto

    no enfoque da ordem pblica, como da ordem privada, onde na sua eficcia vertical

    se mostra a relao entre cidado e o Estado, mostrando a vinculao dos rgos

    estatais na proteo dos direitos fundamentais dos cidados, limitando sua

    interveno na vida privada dos cidados, e respeitando e dando garantias aos

    direitos constitucionalmente adquiridos.

    O princpio da dignidade da pessoa humana obriga o Estado a

    promover condies que impea qualquer tipo de violao que venha a impedir o ser

    humano de viver com dignidade, tendo tambm o dever de implementar medidas

    para evitar ou fazer cessar uma violao contra a sua dignidade ou direitos

    fundamentais, tendo como meta a proteo, promoo e a realizao de condies

    de uma vida digna para toda a populao.

    Segundo Prez Luo:

    [...] a dignidade da pessoa humana constitui no apenas a garantia negativa de que a pessoa no ser objeto de ofensas ou humilhaes mas implica tambm, num sentido positivo, o pleno desenvolvimento da personalidade de cada individuo30

    Se , evidncia, verdade que so os rgos estatais que se encontram diretamente vinculados pelos deveres de proteo expressa e implicitamente contidos nos direitos fundamentais,

    .

    J na sua eficcia horizontal, os direitos fundamentais dos cidados,

    entre eles a dignidade da pessoa humana, se d nas relaes entre os particulares,

    destacando ai as desigualdades sociais, bem como a limitao da autonomia

    privada, onde deve haver um respeito e considerao a dignidade e outros direitos

    fundamentais das pessoas, conforme informa Ingo Wolfgang Sarlet:

    _____________ 30 Cf. A.E. Prez Luo. Derechos Humanos. p. 318. Apud SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da

    pessoa humana e direitos fundamentais na Constituio Federal de 1988. 8. Ed. Ver. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2010, p. 126.

  • 28

    tambm correto afirmar que entre os particulares existe um dever de respeito e considerao (portanto de no violao em relao dignidade e direitos fundamentais de outras pessoas. Assim, a eficcia vertical ser sempre complementada por uma espcie de eficcia horizontal, que mais apropriadamente tem sido designada de eficcia dos direitos fundamentais no mbito das relaes privadas...31

    Essas garantias, elevadas ao patamar constitucional, irradiam-se na ordem jurdica privada, de modo que se tratam de direitos de defesa no s contra o Estado, como tambm se transmutam em direitos de defesa de particulares contra particulares, o que quer dizer que nas relaes de trabalho so direitos fundamentais que vinculam os partcipes desta relao

    Nas relaes de emprego, se faz claro que o empregador deve

    observar os direitos fundamentais do empregado, mesmo que esses no estejam

    expressos na legislao trabalhista, uma vez que a carta magna, que a lei maior

    do estado democrtico de direito traz esses deveres de proteo expressos ou

    implcitos, e qualquer violao a tais deveres devem ser tomados como ilcitos.

    Dalva Amlia de Oliveira faz o seguinte comentrio:

    32

    Em tempos de globalizao econmica, e privatizaes, nota-se o

    aumento da excluso social, e tambm o aumento de poder das grandes

    corporaes que em muitas vezes se v com maiores poderes econmicos que o

    .

    Nessa perspectiva, tanto o estado como todas as entidades privadas

    e os particulares esto vinculados ao principio da dignidade da pessoa humana,

    implicando deveres e respeito dos particulares a pessoa humana, tornando sua

    eficcia inquestionvel.

    A muito se percebe que no s o estado, como tambm os poderes

    sociais deixam de cumprir o seu papel de proteo e respeito a pessoa humana,

    tornando-se inimigos das liberdades e direitos fundamentais, entre eles o do

    trabalhador.

    _____________ 31 SARLET, Ingo Wolfgang. Direitos fundamentais sociais, mnimo existencial e direito privado:

    breves notas sobre alguns aspectos da possvel eficcia dos direitos sociais nas relaes entre particulares. In Direitos fundamentais: estudos em homenagem ao Professor Ricardo Lobo Torres. So Paulo: Renovar, 2006, p. 551.

    32 OLIVEIRA, Dalva Amlia de. Reformas: a atualizao da legislao trabalhista e os direitos fundamentais do trabalho, segundo a Declarao de Princpios da OIT. So Paulo:LTr. 2004. p.108.

  • 29

    prprio estado, precarizando ainda mais a vida do trabalhador, e ditando as regras

    do mercado.

    Nas ltimas dcadas, o Brasil vem vivenciando atravs de aes

    polticas, tanto do legislativo como do executivo, um ataque das foras neoliberais na

    estrutura normativa do direito individual do trabalho, desvirtuando o direito

    constitucional vigente, desconsiderando princpios da carta magna, e tambm

    princpios do direito trabalhista fixados durante o sculo XX.

    Essas dissonncias e precarizao do direito do trabalho podem ser

    notadas atravs de diversas leis que vem em contra a proteo estatal do trabalho:

    A lei 8949/1994 estabeleceu a inexistncia do vnculo empregatcio

    entre as cooperativas de trabalho e seus associados, bem como entre os seus

    tomadores de servios.

    A lei 8949/1994 altera o art. 62 da CLT, trouxe presuno legal de

    inaplicabilidade referente durao do trabalho daqueles que ocupam cargos de

    chefia, supervisores, gerentes e diretores.

    A lei 9300/1996 retirou a natureza jurdica remuneratria do salrio

    utilidade consistente a moradia.

    A lei 9472/1997 possibilita a terceirizao de atividades essenciais

    em telecomunicaes.

    A lei 9601/1998 trouxe a flexibilizao para a contratao a termo,

    instituindo a compensao anual de jornadas, atravs do ento j conhecido banco

    de horas.

    A lei 9958/2000 estabelece limitaes do trabalhador ao acesso a

    justia, instituindo as comisses de conciliao prvia.

    A lei 10208/2001 tambm conhecida como a lei das domsticas,

    onde faculta ao Empregador o recolhimento do FGTS, bem como no limites de

    horas trabalhadas, ou seja, trabalham e no recebem as devidas horas extras.

    A lei 11603/2007 reafirma a possibilidade dos comercirios

    trabalharem aos domingos e feriados.

    Nota-se, atravs das leis citadas acima, uma precarizao dos

    direitos trabalhistas, onde o Estado autoriza os Empregadores a possibilidade de

    gerir mais lucros custa da fora produtiva, aumentando a desigualdade social.

    Qualquer tentativa de flexibilizao de direitos trabalhistas deve ser

    feita dentro dos preceitos constitucionais, a fim de se evitar que se macule o

  • 30

    equilbrio das relaes trabalhistas entre capital-trabalho.

    Nas atuais reformas polticas, verifica-se uma precarizao dos

    direitos sociais, em especial os trabalhistas, devido ineficincia econmica do

    estado, criando um clima de medo e instabilidade nas pessoas, reduzindo suas

    expectativas futuras e uma desmotivao na qualificao para o trabalho.

    A constituio federal deve conter em seus limites de razoabilidade,

    o regramento que cuida, nunca comprometendo seu carter de lei dentro da

    realidade social.

    As normas constitucionais se legitimam atravs dos anseios e das

    necessidades de seu povo que a ela se submete, devendo ser adotadas medidas

    coercitivas visando garantir sua imperatividade, trazendo em seu contedo, direitos e

    deveres, fixando os instrumentos necessrios para a sua tutela. Luiz Henrique Vieira

    leciona que:

    No admitir transgresso implica afirmar que a dignidade da pessoa humana, sempre, dever se sobrepor as demais regras de direito, no se tratando de mero postulado terico e retrico embutido no ordenamento apenas como uma simples recomendao ao Estado e coletividade33

    [...] o respeito dignidade humana, estampado entre os fundamentos da Repblica no art. 1, III patrimnio de suprema valia e faz parte, tanto ou mais que algum outro, do acervo histrico, moral, jurdico e cultural de um povo

    .

    Celso Antonio Bandeira de Mello observa que:

    34

    A proteo da dignidade da pessoa humana envolve o aspecto

    exterior da pessoa dentro do papel que representa na sociedade, dentre eles os

    profissionais, o direito a imagem, como tambm dentro da sua individualidade,

    envolvendo a sua privacidade e sua intimidade. Nesse sentido Alexandre de Moraes

    .

    _____________ 33 VIEIRA, Luiz Henrique. O Direito integridade psicofsico social do Portador do Virus

    HIV/AIDS no Ambiente de Trabalho: Anlise Jurisprudencial, 2012. Dissertao (Mestrado em direito) CESUMAR, Maring, 2012. p. 47.

    34 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Eficcia das Normas Constitucionais e Direitos Sociais.Malheiros Editores. p. 36.

  • 31

    informa que:

    [...] o direito vida privada, intimidade, honra, imagem, dentre outros, aparecem como conseqncia imediata da consagrao da dignidade da pessoa humana como fundamento da Repblica Federativa do Brasil35

    [...] a idia de dignidade no se reduz, hoje, a uma dimenso estritamente particular, atada a valores imanentes personalidade e que no se projetam socialmente. Ao contrrio, o que se concebe inerente dignidade da pessoa humana tambm, ao lado dessa dimenso estritamente privada de valores, a afirmao social do ser humano. A dignidade da pessoa fica, pois, lesada caso ela se encontre em uma situao de completa privao de instrumentos de mnima afirmao social. Enquanto ser necessariamente integrante de uma comunidade, o indivduo tem assegurado por esse princpio no apenas a intangibilidade de valores individuais bsicos, como tambm um mnimo de possibilidade de afirmao no plano social circundante

    .

    necessrio lutar pela implementao plena da dignidade humana

    na vida dos cidados, sendo dever de todos implement-la de forma eficaz no

    permitindo qualquer tipo de violao,.dando a todos a oportunidade de exercer esse

    direito, promovendo a melhoria das condies de vida do trabalhador, e a

    conseqente reduo da marginalidade social hoje enfrentada.

    Nesse pensamento, segue as lies de Mauricio Godinho Delgado:

    36

    O texto constitucional proclama a valorizao do trabalho como

    fundamento da ordem econmica, sendo fonte de direito subjetivo do trabalhador, e

    a violao de quaisquer de seus direitos, ser inconstitucional, no podendo ser

    .

    Nota-se que o trabalho o mais importante instrumento de insero

    e afirmao do ser humano dentro da sociedade, cabendo a todos, principalmente

    ao estado atravs do principio da proteo ao trabalhador, e aos empresrios

    empresas a manuteno dos direitos trabalhistas, contribuindo para a melhoria da

    condio de vida do trabalhador, uma vez ser o trabalho fonte da realizao

    material, moral e espiritual do trabalhador.

    _____________ 35 MORAES, Alexandre de. Direitos Humanos Fundamentais, So Paulo. Ed Atlas, 2002, p. 60. 36 DELGADO, Mauricio Godinho. Capitalismo, trabalho e emprego: entre o paradigma da

    desconstruo e os caminhos de reconstruo, So Paulo. LTr, 2006, p. 43-44.

  • 32

    suportado e, assim na lio de Celso Antonio Bandeira de Melo:

    [...] qualquer ato, normativo ou concreto, que traduza desrespeito valorizao do trabalho ser inconstitucional e estar, desde logo, transgredindo um direito de todos e de cada um dos indivduos atingidos37

    No h duvida que, atravs dos plenos trabalho e emprego, acompanhados de uma poltica que eduque um povo, no h pobreza que perdure, da se insistir, que observando-se a dignidade da pessoa humana do trabalhador, estar-se-, por via direita e oblqua, corroborando para o eficaz desenvolvimento de qualquer nao

    .

    Garantindo os valores sociais dos trabalhadores, est tambm a

    garantir a dignidade da pessoa humana, bem como promovendo ao ser humano

    uma sociedade mais justa, solidria e igualitria, em prol de seu desenvolvimento

    fsico e intelectual.

    Emanuel Tefilo Furtado pondera que:

    38

    O principio protetor dos direitos trabalhistas, da ao trabalhador

    autonomia e suporte aos seus direitos trabalhistas. Amrico Pl Rodriguez explica

    .

    A dignidade da pessoa humana tem implicaes econmicas, onde

    deve o trabalhador ser privado de ofensas e humilhaes, impondo todos que

    sejam garantidas condies mnimas de subsistncia, impossibilitando que seja o

    homem reduzido a mero objeto do estado e dos particulares detentores de maior

    poderio econmico, uma vez que sem dignidade, e aviltado na sua essncia

    humana, o trabalhador perde a sua cidadania, coisificando a sua existncia como se

    fosse uma mercadoria.

    A proteo do trabalhador essencial para garantir uma melhor

    condio social de vida, fazendo com que haja uma igualdade entre capital e

    trabalho, fazendo valer a sua dignidade, e fundamentos para uma sociedade justa e

    solidria.

    _____________ 37 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Eficcia das Normas Constitucionais e Direitos Sociais.

    Malheiros Editores. p. 37. 38 FURTADO, Emmanuel Tefilo. Sentido Ontolgico do Princpio da Dignidade da Pessoa

    Humana do Trabalhador. Revista LTr. 69-12/1450.

  • 33

    que o principio protetor:

    [...] est ligado prpria razo de ser do Direito do Trabalho. Historicamente, o Direito do Trabalho surgiu como conseqncia de que a liberdade de contrato entre pessoas com poder e capacidade econmica desiguais conduzia a diferentes formas de explorao. Inclusive as mais abusivas e inquas. O legislador no pode mais manter a fico de igualdade existente entre as partes do contrato de trabalho e inclinou-se para uma compensao dessa desigualdade econmica desfavorvel ao trabalhador com uma proteo jurdica a ele favorvel. O Direito do Trabalho responde fundamentalmente ao propsito de nivelar desigualdades. Como dizia Couture: o procedimento lgico de corrigir desigualdades o de criar outras desigualdades39

    Quando se fala em desregulamentao dos direitos trabalhistas,

    .

    Ao longo de lutas e conquistas, o principio da proteo ao

    trabalhador, hipossuficiente nas relaes trabalhistas, foi institudo nos

    ordenamentos jurdicos, a fim de conferir superioridade jurdica em face do poder do

    capital, em TRE aspectos: 1) in dbio pr operrio, que devido a hipossufincia

    econmica do trabalhador, goza de uma presuno relativa quanto veracidade dos

    fatos que deduz em juzo; 2) aplicao da norma mais favorvel ao empregado, e da

    3) observncia da condio mais benfica, no sentido de uma nova norma

    trabalhista nunca diminuir ou excluir direitos adquiridos do empregado.

    Em tempos de globalizao, do avano da tecnologia e das

    transformaes sociais, propugna-se hoje, pela flexibilizao ou at mesmo a

    desregulamentao das leis trabalhistas, discutindo quais os direitos e garantias do

    trabalhador devem ser preservados a fim de se manter a dignidade da pessoa

    humana do trabalhador.

    A flexibilizao dos direitos trabalhistas est prevista na Carta

    magna, art. 7, incisos VI, XIII e XIV, sendo permitida apenas para os direitos dos

    trabalhadores que no sejam bsicos e nem irrenunciveis, mediante uma

    compensao futura, ou em situaes especiais, sempre com o acompanhamento

    do sindicato, cuja representatividade fraca, sem poder de barganha, entregando o

    trabalhador a prpria sorte.

    _____________ 39 RODRIGUEZ, Amrico Pl. Princpios de Direito do Trabalho, 3 Ed., So Paulo, LTr, 2000. p. 85.

  • 34

    trata-se da reduo dos direitos do trabalhador, aniquilando com suas conquistas,

    levando o trabalhador a runa.

    Essas imposies advindas do neoliberalismo e da globalizao,

    trazem consigo o retorno a pr-modernidade, evidenciando a volta da barbrie, ou

    regulamentando um regime feudal, ignorando por completo a longa trajetria das

    conquistas do trabalhador.

    A funo social e poltica dos direitos trabalhistas nos interesses de

    classes, no podem ser subestimadas, uma vez que o Brasil um pas pautado pela

    desigualdade, tendo o Estado o dever de zelar pelos direitos do trabalhador, a fim de

    se manter o piso mnimo necessrio para a sua subsistncia e de sua famlia,

    mantendo a dignidade da pessoa humana, e propiciando uma sociedade mais justa,

    para o seu pleno desenvolvimento fsico e intelectual, com igualdade de

    oportunidades.

  • 35

    CONCLUSO

    A dignidade um valor intrnseco do ser humano, sendo que todo

    ser humano tem dignidade pelo fato de ser pessoa. Assim, torna-se difcil uma

    conceituao sobre o que seja dignidade da pessoa humana, sendo que todos

    temos uma compreenso implcita e espontnea do que seja dignidade, sendo um

    conceito amplo e aberto, e desenvolvido atravs dos tempos.

    A dignidade da pessoa humana conforme hoje entendemos, tem por

    fundamento o pensamento de Immanuel Kant, para quem o homem como ser

    racional, deve ser entendido como um fim em si mesmo, tendo um valor imensurvel

    pelo simples motivo dele existir, ocupando um lugar de destaque em relao aos

    outros seres vivos, estando ele acima de qualquer preo, no admitindo

    equivalncia.

    Quem legisla sobre a dignidade o prprio homem, nico detentor

    deste direito, que passando este ao seu semelhante, o recebe novamente de

    maneira automtica, devendo a vida humana e o Estado se relacionar de maneira

    harmoniosa, tendo o direito como base o princpio da dignidade da pessoa humana.

    No sculo XVIII, com o advento da revoluo industrial, e a reduo

    da mo de obra em virtude do surgimento da mquina a vapor, a mo de obra foi

    reduzida drasticamente, onde as pssimas condies de trabalho fizeram com que o

    conceito de dignidade fosse ditado pelo capital, tornando o trabalhador uma

    mercadoria dentro do sistema de produo.

    A idia de racionalizao do individuo, e o resgate do pensamento

    Kantiano ressurge a partir das atrocidades da segunda grande guerra, sobretudo

    com o nazismo, que negava o valor da pessoa humana, alertando o mundo a refletir

    sobre o seu real valor, e assim, aps a promulgao da constituio alem os

    estados democrticos de direito comearam a reconstruir seus ideais com base na

    dignidade da pessoa humana.

    O principal bem jurdico tutelado pelo Estado Democrtico de Direito

    o respeito ao homem atravs da dignidade da pessoa humana, expandindo os

    valores de igualdade e liberdade, onde a prpria Constituio reconhea o homem e

    sua dignidade como o grande valor do seu ordenamento jurdico.

    Dentro desta funo protetiva do estado, a dignidade da pessoa

    humana exerce o papel de proibir o retrocesso de direitos adquiridos durante a

  • 36

    histria, em especial os direitos fundamentais sociais, dentre eles a proteo ao

    trabalhador de ver seus direitos trabalhistas efetivados.

    Quando uma pessoa comete um ato de ofensa outra, esta se

    coloca em desigualdade na relao com seus semelhantes, acabando por relativizar

    sua dignidade em favor da dignidade de outras pessoas atingidas por ela.

    Essa relativizao decorre da anlise do caso concreto, observando

    a ofensa ou no da dignidade, e definindo o mbito da proteo da norma jurdica

    que ser analisada pelo julgador competente, no afastando julgados diferentes,

    devido a livre interpretao do magistrado.

    No Brasil, a Constituio federal de 1988 elevou a dignidade da

    pessoa humana como fundamento do Estado Democrtico de Direito, tendo-se clara

    a valorizao do trabalho humano, garantindo condies mnimas de subsistncia.

    A efetividade do principio da dignidade da pessoa humana se dar

    quando forem cumpridos os direitos fundamentais estabelecidos na carta magna,

    sendo necessrios um piso vital mnimo de direitos.

    A eficcia da dignidade da pessoa humana se da tanto entre o

    cidado e Estado, como entre os particulares, devendo sempre haver um respeito e

    considerao dignidade e outros direitos fundamentais inerentes ao ser humano.

    Em tempos de globalizao, nota-se uma precarizao da dignidade

    da pessoa humana, que v o Estado e os particulares, desrespeitando direitos

    fundamentais do trabalhador, ditando as regras do mercado, e desconsiderando

    princpios e direitos trabalhistas fixados durante o sculo XX.

    As normas constitucionais se legitimam atravs dos anseios e das

    necessidades do povo, devendo ser adotadas medidas coercitivas garantindo sua

    imperatividade, sendo dever de todos implement-las de forma eficaz.

    O trabalho o mais importante instrumento de insero do ser

    humano na sociedade, cabendo ao estado e ao capital a manuteno dos direitos

    trabalhistas, contribuindo para a melhoria da condio de vida do trabalhador.

    O Brasil um pas pautado pela desigualdade, cabe ao Estado o

    dever de zelar pelos direitos do trabalhador, a fim de se manter o piso mnimo

    necessrio para a sua subsistncia e de sua famlia. A proteo do trabalhador

    essencial para garantir uma melhor condio social de vida, fazendo com que haja

    uma igualdade entre capital e trabalho, prevalecendo a dignidade da pessoa

    humana como um dos fundamentos bsicos para uma sociedade justa e solidria.

  • 37

    REFERNCIAS

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    INTRODUODIGNIDADE DA PESSOA HUMANA, UMA VISO JuRDICA E FILOSFICAA PROTEO A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E SUA EFETIVIDADEDignidade da Pessoa Humana e sua Aplicao Prtica

    DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA NAS RELAES DE TRABALHO ENTRE ESTADO E PARTICULARESCONCLUSOREFERNCIAs