Dissertacao Viviane Beineke o Conhecimento Pratico Do Prof de Musica

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  • 8/22/2019 Dissertacao Viviane Beineke o Conhecimento Pratico Do Prof de Musica

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    INSTITUTO DE ARTES

    DEPARTAMENTO DE MSICAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA - MESTRADO E DOUTORADO

    Dissertao de Mestrado

    O CONHECIMENTO PRTICO DOPROFESSOR DE MSICA:

    Trs estudos de casopor

    VIVIANE BEINEKE

    Porto Alegre

    2000

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    UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    INSTITUTO DE ARTES

    DEPARTAMENTO DE MSICAPROGRAMA DE PS-GRADUAO EM MSICA - MESTRADO E DOUTORADO

    Dissertao de Mestrado

    O CONHECIMENTO PRTICO DO PROFESSOR DE MSICA:Trs estudos de caso

    por

    VIVIANE BEINEKE

    Dissertao submetida como

    requisito parcial para obteno do

    grau de Mestre em Msica,

    rea de concentrao: Educao Musical

    Orientadora: Prof. Dr. Liane Hentschke

    Co-Orientadora: Prof. Dr. Jusamara Souza

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    Cada pessoa brilha com luz prpria entre as demais.

    No h dois fogos iguais. H fogos grandes, fogos

    pequenos e fogos de todas as cores. H pessoas de fogos

    serenos, que nem percebem o vento, e pessoas de fogo

    louco, que enchem o ar de fascas. Alguns fogos, fogos

    bobos, no iluminam e nem queimam, mas outros

    ardem na vida com tanta vontade que no se pode v-

    los sem pestanejar, e quem se aproxima se acende.

    (Eduardo Galeano, El libro de los abrazos, 1989)

    s professoras Marlia, Madalena e Rose que, refletindoo colorido da sua luz e do seu brilho, me iluminaram,

    possibilitando a realizao deste trabalho.

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    AGRADECIMENTOS

    Aos professores e funcionrios do Programa de Ps-Graduao

    em Msica Mestrado e Doutorado, pela ateno e disponibilidade.

    s professoras Dra. Liane Hentschke e Dra. Jusamara Souza,

    pela orientao cuidadosa e segura, pela confiana que depositaram

    em mim, pelo respeito, carinho e dedicao.

    professora Leda Maffioletti, que despertou em mim o desejo

    de aprender com as minhas prticas, iniciando-me nos caminhos dapesquisa.

    s colegas Luciana Del Ben e Cludia Bellochio, por me

    ouvirem nos momentos difceis, pelas leituras minuciosas do

    trabalho, pelo incentivo e preciosas sugestes.

    s minhas colegas do curso de mestrado, Vnia Mller, Helena

    Lopes e Cludia Leal, com quem pude dividir minhas dvidas,ansiedades e alegrias.

    professora Dra. Margarete Arroyo, pela anlise do projeto de

    pesquisa e comentrios valiosos.

    s alunas Daniela Dotto Machado, Fabiane Rovedder, Andria

    Boscaini e Ana Ldia Prates, por me auxiliarem, com tanta dedicao

    e carinho, nas transcries.

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    Aos professores do Departamento de Msica e, em especial, aos

    colegas Ana Lcia Louro, Amaro Borges, Yara Quercia Vieira e ngela

    Maria Ferrari.

    s minhas amigas Maria Ceclia Torres e Simone Rasslan, pelos

    dilogos e reflexes sobre as nossas prticas.

    Aos meus pais Nelson e Ilora e s minhas irms Simone e

    Helena, pela compreenso, carinho e palavras de incentivo.

    Ao Angelo, meu companheiro em todos os momentos, por meouvir, pelas crticas e sugestes carinhosas; pela sua energia e brilho

    no olhar; pela compreenso, incentivo, dedicao e amor.

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    SUMRIO

    RESUMO IXABSTRACT XIINTRODUO 11 O PARADIGMA DO PENSAMENTO DO PROFESSOR 61.1 As pesquisas sobre o pensamento do professor 9

    1.2 O pensamento do professor de msica 16

    2 PERSPECTIVAS TERICAS 242.1 Definindo prtica profissional a partir de Donald Schn 26

    2.2 O professor como um prtico reflexivo 30

    2.3 Os conhecimentos prticos do professor 35

    3 METODOLOGIA DA PESQUISA 423.1 O enfoque qualitativo: estudos de caso 42

    3.2 Seleo dos professores de msica 45

    3.3 Negociaes com as escolas e professores 46

    3.4 A reflexo sobre a prtica como forma de conhecer o pensamento do

    professor: tcnicas de pesquisa 49

    3.4.1 Observao 51

    3.4.2 Entrevista semi-estruturada 56

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    3.4.3 Entrevista de estimulao de recordao 58

    3.5 Sntese dos procedimentos da pesquisa 63

    3.6 Procedimentos de anlise dos dados 64

    4 A PRTICA EDUCATIVA DE MARLIA: ESTUDO DE CASO NO. 1 704.1 Trajetrias da professora: com a criana que a gente aprende 70

    4.2 A aula de msica para Marlia: quem tem que fazer so as crianas 72

    4.3 Os conhecimentos prticos da professora 75

    4.3.1 A orientao pessoal: a msica uma arte muito abstrata 75

    4.3.2 A orientao social: muitas vezes as crianas me do dicas do que

    trabalhar 78

    4.3.3 A orientao situacional: a gente precisa ter jogo de cintura 85

    4.4 Articulando as principais idias: uma sntese dos conhecimentos prticos

    de Marlia 89

    5 A PRTICA EDUCATIVA DE MADALENA: ESTUDO DE CASO NO.2 915.1 Trajetrias da professora: eu aprendi no mundo, fazendo 91

    5.2 A aula de msica para Madalena: a sala de aula no um ambiente

    artificial, fazer msica juntos 95

    5.3 Os conhecimentos prticos da professora 99

    5.3.1 A orientao pessoal: fazer msica - a que t a felicidade! 99

    5.3.2 A orientao social: a gente precisa fazer a leitura das crianas 105

    5.3.3 A orientao situacional: na realidade que a gente descobre como fazer 110

    5.4 Articulando as principais idias: uma sntese dos conhecimentos prticos

    de Madalena 113

    6 A PRTICA EDUCATIVA DE ROSE: ESTUDO DE CASO NO.3 1166.1 Trajetrias da professora: eu tentava buscar o mximo de informaes

    por fora 116

    6.2 A aula de msica para Rose: eu quero que eles saibam desmontar a

    msica e depois mont-la de novo 120

    6.3 Os conhecimentos prticos da professora 123

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    6.3.1 A orientao pessoal: eu tento fazer de tudo para que o momento da

    aula de msica seja muito especial 123

    6.3.2 A orientao social: eu tenho que respeitar o tempo dos alunos 128

    6.3.3 A orientao situacional: nesse ponto, a experincia crucial! 132

    6.4 Articulando as principais idias: uma sntese dos conhecimentos prticos

    de Rose 135

    7 DIALOGANDO COM AS PRTICAS EDUCATIVO-MUSICAIS DAS PROFESSORAS 1387.1 A conversao reflexiva com a prtica: aprendendo com a experincia 138

    7.2 Discutindo os conhecimentos prticos das professoras 142

    7.2.1. A orientao pessoal 146

    7.2.2. A orientao social 149

    7.2.3. A orientao situacional 153

    7.3 A conversao reflexiva com a cincia: superando o senso comum 157

    7.4 A reflexo sobre a prtica nesta pesquisa: significados para as professoras 160

    CONCLUSO 165REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS 172ANEXOS 179Anexo 1: Roteiro da entrevista semi-estruturada 180

    Anexo 2: Roteiro da entrevista de estimulao de recordao 183

    Anexo 3: Relao das observaes e entrevistas 185

    Anexo 4: Exemplo da listagem de palavras-chave 188Anexo 5: Exemplo do esquema de anlise dos dados 189

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    RESUMO

    A presente pesquisa teve como objetivo investigar os

    conhecimentos prticos que orientam a prtica educativa de trs

    professoras de msica atuantes na escola fundamental, com a

    finalidade de desvelar algumas das lgicas que guiam e sustentam as

    suas aes pedaggicas.

    Este trabalho situa-se no campo das pesquisas sobre o

    pensamento do professor, as quais esto voltadas para o estudo dos

    pensamentos dos professores em relao s suas prticas

    profissionais. Os referenciais que orientam esses trabalhos, bem

    como as temticas que j foram abordadas pelas pesquisas realizadas

    sob esse paradigma, so examinadas no primeiro captulo.

    No segundo captulo so discutidas as perspectivas tericas

    que fundamentaram a pesquisa. Para tanto, so apresentadas as

    idias desenvolvidas por SCHN (1983; 2000) sobre prtica

    profissional e prtica reflexiva. Ainda nesse captulo, definida a

    utilizao da expresso conhecimento prtico no contexto desta

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    pesquisa, a partir dos trabalhos de CLANDININ (1985) e ELBAZ

    (1981).

    O terceiro captulo descreve a metodologia utilizada para

    desenvolver esta investigao, sendo tambm discutidos e justificados

    os procedimentos de coleta e anlise dos dados. Assumindo uma

    abordagem qualitativa, optou-se pela realizao de trs estudos de

    caso. Em cada um deles, foi observada e gravada em vdeo uma

    seqncia de seis aulas de msica ministradas pelas professoras e,

    posteriormente, foram realizadas entrevistas semi-estruturadas e de

    estimulao de recordao, nas quais elas foram incentivadas a

    refletir sobre as suas prticas educativo-musicais enquanto assistiam

    s suas prprias aulas no vdeo.

    Os trs estudos de caso so apresentados individualmente nos

    captulos quatro, cinco e seis, sendo analisadas as orientaes dos

    conhecimentos prticos de cada professora. No captulo sete, os trs

    estudos so revistos e interpretados luz das perspectivas tericas

    que fundamentaram a pesquisa.

    Na Concluso so discutidas algumas contribuies deste

    trabalho para a rea de Educao Musical. Tambm so

    consideradas algumas implicaes desse estudo para as discusses

    sobre a formao de professores de msica e so sugeridos alguns

    temas para pesquisas futuras.

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    ABSTRACT

    The aim of this research was to investigate the practical

    knowledge of three primary school music teachers, searching for

    some ways that can guide and sustain their pedagogical practice.

    This work lies within the body of research on teachers

    thinking, that studies teachers thinking in relation to their own

    professional practice. The first chapter presents a review of this field

    of research, focusing on its theoretical background and some of the

    issues investigated.

    In the second chapter, the theoretical framework of this

    research is presented. The concepts of professional practice and

    reflective practice developed by SCHN (1983, 2000) and the notion

    of practical knowledge based on the work of CLANDININ (1985) and

    ELBAZ (1981) provide an interpretative framework for the analysis

    and interpretation of the data.

    The third chapter describes the research methodology,

    including the procedures for analysing the data. Adopting a

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    qualitative research, three case studies with three primary school

    music teachers were carried out. In each case study, data collection

    involved the observation and videotaping of a sequence of six music

    lessons. After that, the music teachers were interviewed on an

    individual basis. Two interview techniques were used: semi-

    structured and stimulation recall sessions. In the stimulation recall

    sessions, the music teacher watched and reflected on her teaching on

    videotape.

    The three case studies are individually reported in chapters

    four, five and six, where the orientations of each teachers practical

    knowledge are analysed. In chapter seven, the case studies are

    reviewed and interpreted in the light of the theoretical framework

    presented in chapter two.

    Finally, the Conclusion brings the contributions of the present

    research to the field of Music Education. The research implications

    regard a search for new directions in conceptualising music teachers

    education and further research is suggested.

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    INTRODUO

    Na condio de leitora da minha prtica, muitas vezesesbarro na emoo de ver, em documento escrito, aquiloque foi vivenciado entre quatro paredes como num pactofamiliar. Esta experincia de afastamento versusaproximao que acontece concomitantemente duranteessa leitura me traz a sensao direta de que o fazer,uma vez registrado, toma uma proporo muito maior, aproporo da palavra, do seu peso e da teoria.

    A imagem que me vem a de uma simples cadeira que noambiente natural perde seu valor, mas, se colocada nopalco com luzes, cresce aos olhos, mostrando uma silhuetanunca dantes reparada. Uma nova cadeira.

    assim que vejo agora a minha prtica: uma novacadeira.

    (Depoimento da professora Madalena aps a leitura doestudo de caso sobre os seus conhecimentos prticos

    30/05/2000).

    Atuando como professora de msica no ensino fundamental,

    em uma escola particular de Porto Alegre, seguidamente ouvia

    colegas da rea afirmarem que aprenderam a dar aula na prtica,

    que atravs da experincia foram melhorando sua ao pedaggica,

    ou ainda, que na prtica, a teoria no serve. Como professora do

    Departamento de Msica da Universidade Federal de Santa Maria

    (UFSM), atuando como formadora de professores de msica, ouvia

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    dos acadmicos questionamentos quanto relevncia dos

    conhecimentos difundidos no decorrer do curso, principalmente

    aqueles que so guiados por pressupostos tcnicos e cientficos.

    No perodo de tempo em que realizei a graduao, curso de

    Licenciatura em Msica da Universidade Federal do Rio Grande do

    Sul (UFRGS), atuei como professora de msica na rede escolar1. No

    mesmo perodo, tambm participei, como bolsista de iniciao

    cientfica, de um projeto de pesquisa em que era discutida uma

    proposta curricular de msica para a escola fundamental2. Nesse

    processo, eu percebia, intuitivamente, que na prtica em sala de aula

    que os meus conhecimentos acadmicos eram dotados maior de

    sentido, servindo como base para as minhas reflexes. O que me

    intrigava era a forma como esses conhecimentos se articulavam na

    prtica pedaggica.

    No curso de mestrado, fui aprofundando meus estudos sobre o

    pensamento do professor, a sua ao pedaggica, as suas reflexes,

    experincias e concepes de ensino (GIMENO SACRISTN, 1995;

    PACHECO, 1995b; PREZ GMEZ, 1997; ZABALZA, 1994;

    ZEICHNER, 1997). Nas pesquisas sobre esse tema, as dificuldades

    dos professores so analisadas a partir das suas prprias

    1 Escola de 1 e 2 Graus Santa Rosa de Lima, Porto Alegre RS.

    2 Projeto de pesquisa coordenado pela professora Dra. Liane Hentschke, intitulado:

    Um estudo longitudinal aplicando a teoria espiral de desenvolvimento musical de Swanwickcom crianas brasileiras da faixa etria de 6 a 10 anos de idade Plo Porto Alegre.

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    perspectivas, considerando a complexidade da funo docente e os

    problemas de natureza essencialmente prtica que os professores

    enfrentam (GIMENO SACRISTN e PREZ GMEZ, 1998). Esses

    autores procuram compreender a natureza multifacetada do

    fenmeno educativo a partir dos pensamentos do professor sobre a

    prpria prtica.

    A partir dessas pesquisas, identifiquei-me com aquelas em que

    so discutidos os conhecimentos prticos dos professores. Nesses

    trabalhos, o conhecimento prtico definido como um tipo particular

    de conhecimento produzido pelos professores na prtica e para a

    prtica, incluindo as suas experincias pessoais e sua viso de

    mundo (CLANDININ, 1985; ELBAZ, 1981; SCHN, 1983).

    Os conceitos de prtica profissional discutidos por SCHN

    (1983, 1997, 2000) tambm contribuem com os estudos sobre os

    conhecimentos prticos dos professores. Segundo esse autor, a

    prtica profissional caracteriza-se pelas situaes de incerteza,

    singularidade e conflito envolvidas na resoluo de problemas

    prticos. Na epistemologia da prtica profissional proposta por

    SCHN (1983), a atividade profissional definida como uma prtica

    reflexiva, conceito que tem fundamentado trabalhos sobre os

    pensamentos e aes dos professores.

    Nas pesquisas sobre os conhecimentos prticos, os professores

    so reconhecidos como profissionais que refletem criticamente sobre

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    as suas aes pedaggicas (ZABALZA, 1994). A reflexo sobre a

    prtica passa a ser vista como central para o desenvolvimento

    profissional, permitindo a construo de conhecimentos que

    habilitem o professor a enfrentar as situaes nicas, incertas e

    conflituosas com as quais ele se depara no contexto prtico. Sob esse

    ponto de vista, reconhecida a necessidade de compreender os

    conhecimentos prticos que orientam as aes dos professores,

    partindo das suas reflexes sobre a experincia educativa.

    A partir desses trabalhos, o presente estudo teve o objetivo de

    investigar os conhecimentos prticos (ELBAZ, 1981) que orientam a

    prtica educativa de professores de msica atuantes na escola

    regular, procurando desvelar as lgicas que guiam e sustentam as

    suas aes pedaggicas. A partir desse objetivo, esta pesquisa

    procurou responder s seguintes questes: Quais so os

    conhecimentos prticos que orientam o trabalho do professor de

    msica em sala de aula? Como ele articula esses conhecimentos na

    sua prtica educativa? Como ele explica e justifica a sua prtica

    pedaggica?

    Para responder a essas questes, foram realizados trs estudos

    de caso com trs professoras de msica. Em cada um deles, foi

    observada e gravada em vdeo uma seqncia de aulas ministradas

    pelas professoras. Posteriormente, foram realizadas entrevistas em

    que elas, individualmente, assistiram s prprias aulas, sendo

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    incentivadas a refletir sobre a sua prtica de ensino, justificando e

    explicando suas decises pedaggicas.

    Neste trabalho, dei voz para essas trs professoras de msica,

    com a finalidade de compreender e desvelar algumas das lgicas que

    guiaram as suas aes em sala de aula e os quadros interpretativos

    que elas utilizaram para analisar as prprias prticas de ensino.

    Ressalto que o propsito do trabalho no comparar ou generalizar

    os resultados encontrados.

    A pesquisa justifica-se pela necessidade de ampliar os

    conhecimentos produzidos a partir das prprias prticas dos

    professores de msica que atuam no ensino fundamental,

    compreendendo as suas aes e reconhecendo a legitimidade dos

    conhecimentos produzidos a partir das suas reflexes sobre o

    processo educativo.

    Atravs de estudos dessa natureza, acredito na possibilidade de

    ser desenvolvida uma conscincia progressiva sobre a prtica

    (GIMENO SACRISTN, 1995) dos professores de msica. No mbito

    da formao de professores de msica, julgo que as pesquisas sobre

    os conhecimentos prticos dos professores possam trazer novas

    referncias para a discusso de modelos curriculares que

    possibilitem a formao de profissionais reflexivos, aproximando

    escolas e universidades, professores e pesquisadores.

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    1 O PARADIGMA DO PENSAMENTO DO PROFESSOR

    Na rea de educao vm sendo discutidas as relaes entre

    teoria e prtica de ensino, sendo apontadas lacunas entre os modelos

    de formao de professores e as necessidades que eles encontram na

    realidade escolar. questionada a relevncia dos conhecimentos

    difundidos nos cursos de formao, pela dificuldade de aplicao dos

    mesmos na prtica de ensino.

    GIMENO SACRISTN (1995) reconhece que a possibilidade de a

    teoria fundamentar a prtica precria, visto que cada tarefa do

    docente exige conhecimentos especficos, sendo diferente o grau de

    apoio e a influncia da componente pessoal face do fundamento

    cientfico3

    (ibid., p. 78). Segundo o autor, essa uma das causas quelevam os professores a desconsiderarem o saber pedaggico

    3 As citaes em portugus de Portugal foram mantidas nos originais, no sendodestacadas as diferenas em relao ao portugus do Brasil. Para garantir maior fluncia da

    leitura, no utilizo a expresso sic, conforme sugerido por BOZZETTO (1999). As traduesdo ingls foram feitas por mim.

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    sistematizado4 e agirem de acordo com suas convices ou

    mecanismos adquiridos atravs da socializao no seu contexto de

    atuao.

    A pesquisa de CUNHA (1993) revela que um grande nmero de

    professores considera a experincia de ensino como a maior fonte de

    aprendizagem, afirmando que fazendo a docncia e refletindo sobre

    este fazer que realmente aprenderam a ser professor (ibid., p. 358). A

    opinio desses professores sobre a influncia da formao pedaggica

    para a sua prtica diversificada, havendo aqueles que valorizam

    essas influncias e outros que acreditam que o saber pedaggico no

    resolve as dificuldades concretas da sala de aula.

    Os conhecimentos pedaggicos5 ensinados nos cursos de

    formao tambm so questionados pelos professores em servio,

    porque muitos no conseguem ver uma aplicao prtica desses

    conhecimentos em sala de aula. Eles enfrentam necessidades e

    dilemas que no podem ser resolvidos atravs da aplicao dos

    conhecimentos tericos adquiridos e se vem desamparados quando

    entram em sala de aula, um fenmeno j conhecido como choque

    com a realidade (SILVA, 1997).

    4 Entende-se como saber pedaggico sistematizado os conhecimentosfundamentados cientificamente (GIMENO SACRISTN, 1995).

    5 Neste trabalho no fao diferenciao no uso dos termos conhecimento esaberes. Entretanto, mantive a terminologia utilizada pelos autores citados.

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    Para que se modifique esse quadro, no basta alterar currculos

    ou programas, pois trata-se de uma questo epistemolgica: qual a

    natureza do conhecimento que os professores utilizam quando

    ensinam? a partir da resposta a essa pergunta que se poder

    compreender a atividade dos professores, a sua prtica profissional.

    Nessa perspectiva, necessrio analisar as dificuldades da

    funo docente, considerando que os professores atuam em situaes

    complexas e que enfrentam problemas de natureza essencialmente

    prtica. Procura-se compreender a natureza multifacetada do

    fenmeno educativo a partir das necessidades e dilemas reais dos

    professores em sala de aula e das influncias do contexto social na

    sua ao pedaggica.

    O enfoque na atuao dos professores em sala de aula

    direciona as pesquisas para a busca de conhecimentos sobre as

    atividades desenvolvidas por eles, procurando conhecer o contexto de

    atuao e os fatores que determinam a sua prtica educativa. So

    valorizados os pensamentos dos professores sobre a prpria prtica,

    os saberes advindos da experincia e a forma como as suas crenas e

    concepes influenciam a ao pedaggica. A partir de questes

    desse tipo, as pesquisas voltam-se para a conceitualizao de como

    pensam e o que conhecem os professores (ANGULO, 1988, p. 150).

    O enfoque no pensamento dos professores sobre sua ao

    pedaggica, suas reflexes, experincias e concepes, configura o

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    campo de pesquisa intitulado como paradigma do pensamento do

    professor. Apesar das controvrsias quanto adequao do conceito

    de paradigma para enquadrar pesquisas, o mesmo ser adotado,

    visto ser corrente o seu uso em investigaes sobre o pensamento do

    professor, como, por exemplo, nos trabalhos desenvolvidos por

    ZABALZA (1994) e PACHECO (1995a e 1995b).

    1.1 As pesquisas sobre o pensamento do professor

    As pesquisas sobre o pensamento do professor tm o objetivo

    de compreender a forma como ele concebe e justifica suas aes

    pedaggicas, seus problemas, seu fazer e o contexto que delimita a

    sua atuao.

    Nesse grande campo de pesquisa, inmeros so os temas

    desenvolvidos, como, por exemplo, os processos pelos quais os

    professores transformam o conhecimento a ser ensinado em

    contedos de ensino; as justificativas que eles do s suas aes

    pedaggicas; a identificao dos processos de raciocnio utilizados

    pelos professores durante a sua atuao; a compreenso das

    influncias dos valores e crenas dos professores no desenvolvimento

    das suas aulas; as formas como os recursos pedaggicos so

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    utilizados e os dilemas pessoais e profissionais dos professores.

    Esse paradigma de pesquisa parte de alguns princpios

    norteadores. O primeiro pressuposto o de que os professores

    constroem a sua aco, e constroem-na de forma reflexiva

    (ZABALZA, 1994, p. 30). Essa concepo encerra a idia de que o

    professor pensa sobre a sua prtica de forma profissional,

    entendendo-se como profissional aquele que sabe o que faz e por que

    o faz e, alm disso, est empenhado em faz-lo da melhor maneira

    possvel (ibid., p. 31).

    O segundo pressuposto do paradigma de pesquisa sobre o

    pensamento do professor refere-se necessidade de reconhecer que

    a actuao dos professores dirigida pelos seus pensamentos

    (juzos, crenas, teorias implcitas, etc.) (ibid., p. 31). Segundo

    PACHECO (1995b) aquilo que o professor faz e pensa o resultado

    de um processo pessoal de raciocnio e aco pedaggica,

    determinado por um acto de ensino e por um quadro de valores,

    crenas, projectos, etc. (ibid., p. 34).

    Na prtica de ensino, os pensamentos dos professores

    funcionam como filtros atravs dos quais a realidade decodificada,

    dando-lhe sentido (ZABALZA, 1994, p. 31). ZABALZA (ibid.) ressalta a

    necessidade de investigar como o pensamento e a ao se interligam,

    reconhecendo a actuao dos professores como uma realidade

    dialctica, na qual pensamento e conduta constituem estruturas

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    independentes, mas interligadas, que se vo modificando

    mutuamente (ibid., p. 33).

    Os primeiros estudos sob esse paradigma caracterizavam-se

    por uma orientao marcadamente psicolgica, considerando a

    cognio do professor como a principal varivel que influencia e

    determina o processo de ensino-aprendizagem (PACHECO, 1995b, p.

    47). No nvel das aes dos professores, surgiram estudos que

    procuram relacionar o pensamento e a ao dos mesmos, a fim de

    conhecer o pensamento do professor num contexto de aco, ou

    seja, conhecer o conjunto de enunciados que se estruturam e

    organizam para compreender e explicar a realidade (ibid., p. 48).

    Aps o pressuposto cognitivo das primeiras pesquisas

    realizadas sob esse paradigma, passam a ser questionadas as

    contribuies desses trabalhos para os professores e para a melhoria

    da qualidade de ensino (ibid.). Esse redirecionamento das pesquisas

    baseia-se na idia de que as relaes entre o pensamento do

    professor e a sua ao pedaggica ocorrem em um contexto

    complexo, rompendo com a noo de linearidade na conexo entre

    pensamento e ao.

    Os temas pesquisados abrangem a formao inicial e

    continuada de professores, os seus conhecimentos profissionais, os

    dilemas que enfrentam nas situaes de ensino, as crenas que

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    influenciam sua prtica, as suas necessidades e os conhecimentos

    pedaggicos de professores experientes.

    Na linha de pesquisa que focaliza os dilemas prticos dos

    professores, procura-se compreender os conflitos interiores,

    cognitivos e prticos com os quais eles se defrontam nos contextos

    profissionais (CAETANO, 1997, 1998). Parte-se da idia de que

    somente a partir da anlise das situaes reais e complexas em que

    ocorrem os verdadeiros conflitos que se poder promover a reflexo

    e a mudana qualitativa das prticas (id., 1998, p. 75). ZABALZA

    (1994) tambm focaliza os dilemas prticos dos professores atravs

    da anlise dos seus dirios de aula.

    Essas pesquisas mostram que os modelos cognitivos de

    processamento de informao so insuficientes para explicar o

    pensamento do professor, visto que as vivncias dos professores

    mostram, com freqncia, o uso de processos intuitivos e no-

    sistemticos na resoluo de dilemas prticos (CAETANO, 1997,

    1998).

    Outro enfoque das pesquisas sobre o pensamento do professor

    analisa como as suas crenas, valores e teorias implcitas

    influenciam a prtica pedaggica. Nessa linha, BRAZO (1996)

    estuda a influncia das crenas e concepes dos professores na

    forma como eles compreendem e aplicam uma proposta curricular.

    Esse estudo mostra que as concepes pessoais sobre o currculo

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    esto imbudas dos seus valores e relacionam-se com o conhecimento

    prtico e pessoal dos mesmos.

    As necessidades de formao expressas pelos professores

    outro tema explorado nas pesquisas sobre o pensamento dos

    professores. RODRIGUES e ESTEVES (1993) entendem o conceito de

    necessidade como resultante do confronto entre as expectativas,

    desejos e aspiraes, por um lado, e, por outro, as dificuldades e

    problemas sentidos no quotidiano profissional (ibid., p. 99). As

    autoras apontam trabalhos desse tipo como uma estratgia para o

    desenvolvimento da formao profissional dos professores.

    A avaliao dos cursos de formao de professores outro tema

    explorado nas pesquisas sobre o pensamento de professores. Com

    esse objetivo, HOLLIGAN (1997) analisou como os alunos viam a

    utilidade dos estudos tericos na sua formao, e as maneiras como

    suas competncias profissionais e pessoais eram melhoradas. J

    GREEN et al. (1998) procuraram desvelar como os futuros

    professores percebem sua formao para ensinar.

    Outras investigaes focalizam o pensamento do professor

    sobre a sua ao pedaggica e a forma como os contedos so

    abordados na aula, em um processo que inclui o planejamento, a

    ao e a reflexo sobre a ao. Nesses trabalhos, procura-se

    compreender como se d a transposio didtica dos contedos

    ensinados, a forma como esses contedos so abordados e

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    transformados na prtica educativa. Esse enfoque, que relaciona o

    conhecimento do professor ao contedo da matria, utilizado nas

    pesquisas desenvolvidas por SANCHES e SILVA (1998) e TOMS

    (1998).

    Referindo-se rea de Educao Matemtica, THOMPSON

    (1997) declara que as pesquisas tm ignorado as questes sobre

    como os professores integram seus conhecimentos da disciplina na

    prtica pedaggica e que papel suas concepes de matemtica

    podem ter no ensino. A autora ressalta que tem sido dada pouca

    ateno para os processos que orientam a construo dos

    conhecimentos pedaggicos pelos professores.

    Em trabalhos com estagirios, MAHLIOS e MAXSON (1995)

    investigaram as crenas de futuros professores sobre a escolarizao,

    a vida e a infncia, com a finalidade de identificar os esquemas

    conceituais que eles usam para dar sentido ao seu trabalho.

    Especificamente em relao ao ensino da matemtica, CARVALHO e

    CSAR (1996) procuraram identificar as concepes de futuros

    professores quanto matemtica, ao papel do professor e dos alunos.

    Sobre isso, os autores destacam que as concepes so

    influenciadas pelas histrias de vida pessoais e pelas interaces

    sociais que estabelecemos (ibid., 1996, p. 69) e que, por isso, no

    podem ser ignoradas na formao de professores.

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    Outras investigaes procuram compreender os conhecimentos

    que orientam a prtica pedaggica dos professores e as relaes que

    se estabelecem entre conhecimentos tericos e prticos. Com essa

    preocupao, MCDERMOTT et al. (1995, p. 191) analisaram as

    influncias das experincias prticas de sala de aula nos

    pensamentos de professores em formao, concluindo que essas

    experincias aceleram pensamentos maduros sobre o prprio ensino

    e a aprendizagem das crianas.

    WEAVER e STANULIS (1996) estudaram o perodo de transio

    entre a formao e a prtica de ensino. Nesse estudo, os autores

    analisaram os resultados de um trabalho feito em colaborao entre

    um estagirio, um mentor experiente da escola e um mentor da

    universidade, propondo uma ao conjunta para acomodar e negociar

    as diferenas entre a preparao e a prtica. Segundo os autores, a

    pesquisa feita em colaborao auxilia no exame da prpria prtica e

    oportuniza que as crenas sobre o ensino sejam articuladas

    individualmente e no grupo (ibid., p. 34)

    Nesse campo de investigao sobre as crenas e concepes dos

    professores e suas relaes com a prtica de ensino, FANG (1996, p.

    59) recomenda que sejam realizadas mais pesquisas narrativas sobre

    a construo e reconstruo pessoal dos conhecimentos prticos dos

    professores.

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    GARCA (1999) aponta a carncia de estudos sobre as teorias e

    crenas em domnios de disciplinas especficas, dizendo que um

    grande nmero de investigaes tem pesquisado sobre crenas,

    teorias implcitas dos professores em formao, relativamente ao

    ensino, aprendizagem, aos alunos, aos professores em geral, sem se

    circunscreverem a nenhuma disciplina em concreto (ibid., p. 85).

    Segundo FANG (1996), a maioria dos trabalhos realizados focalizam

    as grandes reas do conhecimento, mas ainda so raras as pesquisas

    sobre as crenas que subjazem componentes especficos e

    particulares das disciplinas estudadas (ibid., p. 59).

    1.2 O pensamento do professor de msica

    Na rea de educao musical, encontrei alguns trabalhos na

    linha de pesquisa sobre o pensamento do professor. No campo do

    planejamento curricular, RICHARDS e KILLEN (1996) procuram

    compreender como as habilidades de ensino dos professores de

    msica em formao se desenvolvem e como as percepes pessoais

    de ensino desses estudantes influenciam o desenvolvimento de

    conhecimentos e habilidades pedaggicas. Os autores focalizam a

    habilidade dos estudantes para planejar aulas, examinando as

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    influncias das suas percepes e do programa de formao na

    tomada de decises sobre o planejamento. Nesse trabalho, os autores

    concluem que o planejamento escrito dos professores em formao

    so mais influenciados pela sua formao acadmica, enquanto o

    planejamento no escrito influenciado por suas crenas sobre o

    ensino.

    Em uma perspectiva cognitivista, o trabalho de SCHLEUTER

    (1991) focaliza o pensamento curricular pr-ativo e ps-ativo de

    professores de msica em formao. Entre as concluses, o autor

    afirma que a categoria curricular mais significativamente enriquecida

    pela prtica de ensino o pensamento do professor sobre a natureza

    do aluno. Alm disso, em consonncia com trabalhos na rea da

    educao geral, o autor percebe que os professores em formao

    utilizam uma abordagem no-linear no processo de tomada de

    decises curriculares (ibid., p. 59).

    Outro tema pesquisado na rea de educao musical sobre o

    pensamento do professor focaliza a questo dos conhecimentos,

    habilidades e comportamentos que os professores consideram teis

    para o desenvolvimento de uma prtica profissional eficiente. A partir

    dessa questo de pesquisa, TEACHOUT (1997, p. 43) compara as

    respostas de estagirios e professores de msica experientes quando

    perguntados sobre as habilidades e comportamentos que eles

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    consideram importantes para o sucesso do ensino musical nos trs

    primeiros anos de experincia.

    SAUNDERS e BAKER (1991) investigaram o ensino de msica

    por professores no-especialistas. Nesse trabalho, os autores

    analisam quais os conhecimentos musicais que os professores

    aprendem no decorrer da sua formao e quais utilizam no ensino de

    msica. Os autores concluem que a compreenso e habilidades

    musicais so consideradas teis por esses profissionais, mas que eles

    tambm percebem as suas funes como diferentes daquelas dos

    professores especialistas. Por isso, os professores no-especialistas

    consideram como mais importantes as habilidades relacionadas ao

    uso da msica como um suplemento para outras reas de estudo e

    em perodos de recreao ou transio (ibid., p. 259).

    As pesquisas relatadas acima baseiam-se em dados mais

    quantitativos do que qualitativos e, apesar de focalizarem o

    pensamento dos professores em relao sua ao pedaggica,

    privilegiada a perspectiva dos pesquisadores sobre as temticas

    abordadas. Esse enfoque cria um distanciamento entre

    pesquisadores e professores, alm de dificultar relaes entre os

    conhecimentos produzidos e a sua aplicabilidade nas situaes de

    ensino. Sobre isso, BRESLER (1993) escreve:

    Essa dicotomia entre as funes dos pesquisadores e dosprofessores perpetua a situao na qual os professoresso objetos das investigaes dos pesquisadores e so

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    relegados a tcnicos dos quais se espera que consumam eimplementem seus achados. Essas diferentes exignciasaumentam a lacuna entre teoria e prtica, entre

    produtores e consumidores de conhecimento. (BRESLER,1993, p. 5).

    Segundo BRESLER (ibid.), a literatura tem dado pouca ateno

    aos papis que os professores desempenham na gerao de

    conhecimentos da rea, sendo discretas as vozes dos professores de

    sala de aula, seus questionamentos, preocupaes e os quadros

    interpretativos que eles utilizam para compreender e implementar as

    suas prticas de ensino.

    Os educadores musicais esto engajados na reflexo nosltimos cem anos. Eles levantam hipteses, ouvem,observam e questionam, tudo para melhorar a qualidadedo ensino e aprendizagem nos seus prprios contextos.Entretanto, muito disso privado, freqentemente

    implcito e foi guiado mais pela necessidade da aopedaggica do que pela necessidade de questionar,articular e comunicar. (BRESLER, 1993, p. 16).

    Procurando preencher essa lacuna, vem sendo discutida a

    necessidade de se conhecerem as perspectivas dos prprios

    professores em relao sua atuao e prtica profissional. Nessa

    linha de pesquisa, BRESLER (ibid.) comenta alguns trabalhos queinvestigam o pensamento e a ao de professores de msica. A autora

    cita o trabalho de Paynter sobre as preocupaes de professores de

    msica de escolas secundrias do Reino Unido; uma srie de estudos

    de caso desenvolvidos por Stake, Bresler e Mabry, nos Estados

    Unidos, sobre as idias e preocupaes de professores de msica e

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    artes; o trabalho desenvolvido por Wiggins, em Nova Iorque, sobre o

    seu prprio trabalho em sala de aula como professor de msica na

    escola elementar e, por fim, uma pesquisa-ao conduzida por uma

    equipe de professores de artes e msica no Reino Unido.

    A pesquisa de BRESLER (1993) focaliza as experincias de

    professores especialistas e no-especialistas em msica com relao

    s suas crenas e experincias de ensino. O trabalho revela que

    existem grandes lacunas entre as crenas dos professores e a prtica

    de sala de aula. Aquelas enfatizam o amor msica e o prazer que

    dela advm, a expressividade e auto-expresso, enquanto a prtica

    centrada em atividades mecnicas, disciplina e manejo da sala de

    aula (ibid., p. 8).

    Os trabalhos mais recentes desenvolvidos na rea de educao

    musical por LEMONS (1997) e LENNON (1997) tambm esto em

    consonncia com as pesquisas sobre o pensamento do professor.

    LENNON (ibid.) focaliza o pensamento e o conhecimento de

    professores de piano, enfatizando as interpretaes dos professores

    sobre sua prpria prtica e explorando as teorias e crenas que

    subjazem as transaes musicais e pedaggicas envolvidas (ibid., p.

    35). A autora discute as reflexes dos professores no campo de

    pesquisa sobre o conhecimento profissional do ofcio6, caracterizado

    por conhecimentos tcitos derivados da experincia prtica e

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    relacionados a aspectos rotineiros, intuitivos e espontneos do ensino

    refletidos atravs de teorias em uso.

    Na mesma direo, LEMONS (1997) procurou dar voz a dois

    professores de msica da escola elementar (ibid., p.34), investigando

    a natureza e o contedo dos conhecimentos que possuem. Os

    resultados do estudo incluem as formas como os professores

    compreendem seu trabalho, como seu conhecimento e prtica se

    conectam e a condio em que esse conhecimento situado.

    No Brasil, BOZZETTO (1999) ouviu um grupo de professores

    particulares de piano, investigando os processos identitrios na sua

    atuao profissional. Segundo a autora, ao demarcar sua maneira de

    ver, de sentir, de perceber, de compreender, de interpretar a

    profisso, o professor particular de piano define um certo modo de

    ser e agir, uma forma de vida, construindo a sua identidade

    profissional. (ibid., p. 146).

    De modo semelhante, a pesquisa desenvolvida por JOLY (1997)

    focaliza a histria de vida de uma professora de msica brasileira.

    Nesse trabalho, a autora analisa o processo de construo da carreira

    docente da professora, procurando descrever e compreender o seu

    percurso profissional em relao ao desenvolvimento pessoal,

    profissional e de socializao.

    6 No original: Professional craft knowledge.

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    As pesquisas sobre o pensamento dos professores precisam

    considerar a natureza da prtica pedaggica, com a finalidade de

    compreender o conhecimento voltado para a prpria ao que os

    professores utilizam para resolver as situaes concretas com as

    quais se defrontam no contexto prtico. Para isso, necessrio

    refletir sobre essas questes junto com os prprios professores,

    construindo conhecimentos baseados na prpria prtica profissional

    e na reflexo sobre a experincia educativa.

    Segundo WOODS (1999), necessrio dar voz aos professores,

    o que, em termos de pesquisa significa ver os professores menos

    como objectos e sujeitos da investigao, e mais como pessoas que

    tm algo de valor a dizer por direito prprio (ibid., p. 146). Como

    defende DIAS-DA-SILVA,

    H que se reconhecer o professor como sujeito de umfazer e um saber. O professor como sujeito da prticapedaggica, que centraliza a elaborao crtica (ou a-crtica) do saber na escola, que mediatiza a relao doaluno com o sistema social, que executa um trabalhoprtico permeado por significaes ainda queconcretizados numa rotina fragmentada. Sujeito de umfazer docente que precisa ser respeitado em sua

    experincia e inteligncia, em suas angstias e em seusquestionamentos, e compreendido em seus esteretipos epreconceitos. Sujeito que deve ser reconhecido comodesempenhando papel central em qualquer tentativavivel de revitalizar a escola (pblica), pois se sujeito, capaz de transformar a realidade em que vive. (DIAS-DA-SILVA, 1998, p. 38).

    Os estudos citados mostram a necessidade e relevncia de

    pesquisas que focalizem o pensamento dos professores sobre a ao

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    pedaggica, suas reflexes e seus questionamentos. Faz-se necessrio

    dar voz ao professor, procurando compreender e desvelar as lgicas

    que permeiam as suas aes e os quadros interpretativos que os

    professores utilizam para analisar a prpria prtica de ensino.

    Sob esse enfoque, esto sendo realizadas pesquisas com o

    objetivo de analisar os tipos de conhecimento que os professores

    elaboram e utilizam no seu trabalho quotidiano (PACHECO, 1995b,

    p. 55), isto , aqueles conhecimentos que os professores constroem a

    partir do contexto prtico em que atuam. So feitas indagaes sobre

    a prtica docente, procurando identificar "os diferentes tipos ou

    modalidades de conhecimento que os professores tm e que

    configuram a sua estrutura epistemolgica (GARCA, 1997, p. 56).

    Esse o tema do presente estudo, que teve o objetivo de

    investigar os conhecimentos prticos que orientam a prtica do

    professor, cujas perspectivas tericas sero discutidas a seguir.

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    2 PERSPECTIVAS TERICAS

    Na expresso conhecimento prtico, entendo como

    conhecimento o corpo de convices, conscientes ou inconscientes,

    que deriva da experincia ntima, social e tradicional expressa nas

    aes das pessoas (CLANDININ, 1985, p. 362). Segundo a definio

    dessa autora, essas aes envolvem todos os atos que formam a

    prtica de ensinar, incluindo o planejamento e a avaliao ( ibid., p.

    362). J o termo conhecimento prtico entendido como:

    ... um saber-fazer slido, terico e prtico, inteligente ecriativo que permite ao profissional agir em contextosinstveis, indeterminados e complexos, caracterizadospor zonas de indefinio que de cada situao fazem umanovidade a exigir uma reflexo e uma ateno dialogantecom a prpria realidade que lhe fala. (ALARCO, 1996, p.13).

    Discutindo o conceito de conhecimento prtico, CLANDININ

    (1985) salienta que os conhecimentos prticos dos professores so

    construes individuais. Para reforar essa idia, a autora utiliza a

    expresso conhecimento prtico pessoal, entendendo que o uso da

    palavra pessoal na definio de conhecimento implica o

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    entendimento de que o conhecimento participa e imbudo com

    tudo que ajuda a formar a pessoa. um conhecimento que se origina

    das circunstncias, aes e coisas que a pessoa passa, que tem

    contedo afetivo para a pessoa em questo (ibid., p. 362). Segundo a

    autora,

    O conhecimento prtico pessoal o conhecimento queest imbudo com todas as experincias que formam apessoa. Seu significado derivado e entendido em termos

    da histria experiencial da pessoa, tanto profissionalcomo pessoal. (CLANDININ, 1985, p. 362).

    Entendido dessa forma, o conhecimento prtico pessoal no se

    refere a um corpo de conhecimentos estruturados, como os

    encontrados em livros-textos de professores. O conhecimento prtico

    pessoal a matriz pessoal e existencial que forma o que um

    professor conhece sobre ensinar (ibid., p. 362-363), o

    conhecimento encontrado nas aes do professor e nos significados

    dessas aes para aqueles que as realizam.

    De acordo com as definies de CLANDININ (ibid.), reconheo

    que o conhecimento prtico do professor pessoal, mas ressalto que

    a individualidade radical dos significados pessoais no

    incompatvel com o fato de que os sujeitos que os elaboram estejam

    condicionados por determinaes sociais, pelos sedimentos culturais

    j dados (GIMENO SACRISTN, 1999, p. 116).

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    Neste trabalho, utilizo a expresso conhecimento prtico,

    entendendo esse conhecimento como pessoal e social. Pessoal porque

    se refere aos processos individuais de construo dos conhecimentos

    prticos pelos professores, e social porque eles pensam dentro de

    esquemas sociais de pensamento, sejam estes os do senso comum de

    grupos de professores, os da coletividade profissional geral, os da

    cultura em geral e at os da cincia (ibid., p. 116).

    2.1 Definindo prtica profissional a partir de Donald Schn

    No estudo sobre o conhecimento prtico dos professores,

    necessrio que se discuta o que se entende como prtica profissional.

    A obra The Reflective Practitioner: how professionals think in action, de

    Donald SCHN (1983), considerada pela literatura uma referncia

    fundamental para a compreenso da epistemologia da prtica

    profissional. Segundo ALARCO,

    A anlise da actividade profissional, feita por Schn,salienta o valor epistemolgico da prtica e revaloriza oconhecimento que brota da prtica inteligente e reflectidaque desafia os profissionais no apenas a seguirem asaplicaes rotineiras de regras e processos j conhecidos,ainda que atravs de processos mentais heursticoscorrectos, mas tambm a dar resposta a questes novas,problemticas, atravs da inveno de novos saberes enovas tcnicas produzidos no aqui e no agora que

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    caracteriza um determinado problema. (ALARCO, 1996,p. 17).

    A prtica profissional, para SCHN (1983), caracteriza-se por

    envolver situaes de incerteza, singularidade e conflito,

    apresentando problemas que no esto bem definidos e organizados.

    Isso exige que o profissional encontre solues nicas para

    problemas especficos. Seguindo esse raciocnio, SCHN (ibid.)

    relativiza as funes de teorias pr-estabelecidas para resolver os

    problemas prticos.

    Na perspectiva da racionalidade tcnica, criticada por SCHN

    (2000), os profissionais da prtica solucionam problemas

    instrumentais mediante a seleo dos meios tcnicos mais idneos

    para determinados propsitos. Dessa forma, esses profissionais

    resolvem problemas instrumentais bem estruturados mediante a

    aplicao da teoria e da tcnica que se deriva do conhecimento

    sistemtico, preferivelmente cientfico (ibid.).

    Os problemas que se apresentam na prtica no so sempre

    bem definidos ou organizados, no configurando uma tarefa tcnica.

    Alm disso, em situaes de conflitos de valores, tambm no h

    metas claras que possam guiar uma mera seleo tcnica para a

    soluo do problema. Como explica ALARCO,

    Cada situao surge ao princpio como um caso nico,problemtico. E perante estas situaes problemticas

    no h nada a fazer seno comear por tomar

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    conscincia da natureza do problema e compreend-lo.Mas, para o compreender, por vezes necessriodesconstruir o problema manifestado para construir o

    problema existente. S a partir da podero ento serencontradas respostas nas teorias que foram aprendidas.Este processo implica uma ginstica mental e umaflexibilidade cognitiva capaz de arquitectar cenriosinterpretativos possveis. (ALARCO, 1996, p. 14).

    Todo esse processo orientado pelo problema concreto que se

    apresenta ao profissional e, para resolv-lo, ele precisa identificar,

    elaborar e relacionar as questes que se apresentam, analis-las sob

    diferentes perspectivas, considerar quais so os aspectos mais e

    menos relevantes. Esse processo, segundo ALARCO (1996), fruto

    de uma reorganizao de conceitos interpretativos (ibid., p. 14) com

    origem na situao problemtica concreta, apontando para caminhos

    de ao a seguir.

    Discutindo a teoria de Schn, ALARCO (1996) afirma que a

    atividade profissional prtica envolve uma actuao inteligente e

    flexvel, situada e reactiva, produto de uma mistura integrada de

    cincia, tcnica e arte, caracterizada por uma sensibilidade de artista

    aos ndices manifestos ou implcitos. (ibid., p. 13). Essas

    competncias mostradas pelos prticos em situaes singulares,

    incertas e conflituosas so chamadas por SCHN (1983) de arte

    profissional7. Para o autor, exatamente essas zonas indeterminadas

    7 No original: artistry.

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    da prtica que so centrais para o bom desempenho profissional.

    Como lembra PREZ GMEZ:

    O que no podemos considerar a actividade profissional(prtica) do professor, como uma actividade exclusiva eprioritariamente tcnica. mais correcto encar-la comouma actividade reflexiva e artstica, na qual cabemalgumas aplicaes concretas de carcter tcnico.Geralmente, os problemas que se apresentam bemdefinidos e com metas consensuais so os menosrelevantes da prtica educativa. (PREZ GMEZ, 1997,p. 100).

    A partir dos seus estudos, SCHN (1997, p. 80) prope uma

    nova epistemologia da prtica profissional que permite a

    compreenso dos processos implicados na prtica pedaggica. Nesse

    sentido, o autor defende que somente atravs da reflexo sobre a

    prpria prtica que os profissionais podem aprender a ser

    inteligentes (SCHN, 2000).

    Essa questo fundamental para este trabalho, elaborado a

    partir dessas definies de prtica profissional. Compreender a

    prtica profissional dessa forma conduz ao conceito de professor

    como um prtico reflexivo.

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    2.2 O professor como um prtico reflexivo

    Na epistemologia da prtica profissional proposta por SCHN

    (1983), a atividade profissional definida como uma prtica reflexiva,

    explicada atravs de trs conceitos fundamentais desenvolvidos pelo

    autor: conhecimento-na-ao (knowing-in-action), reflexo-na-ao

    (reflection-in-action) e reflexo-sobre-a-ao (reflection-on-action)8.

    Esses conceitos sobre o pensamento prtico so fundamentais

    para o estudo dos conhecimentos prticos de professores de msica,

    foco desta pesquisa.

    Baseando-se no conceito de conhecimento tcito, descrito por

    Polanyi, SCHN (ibid.) afirma que as pessoas so capazes de muitas

    coisas que no sabem descrever. Refere-se quelas habilidades, por

    exemplo, de reconhecimento de um rosto, da apreciao ttil de uma

    superfcie, isto , queles juzos que se capaz de fazer sem que se

    possa descrev-los. Para referir-se aos tipos de conhecimento que as

    pessoas revelam nas suas aes inteligentes observveis do exterior

    ou interiores, SCHN (2000) utiliza a expresso conhecimento-na-

    8 PREZ GMEZ (1997) utiliza a terminologia reflexo sobre a aco e sobre a

    reflexo-na-aco, mas no original, SCHN (1983) utiliza apenas a expresso reflection-on-action. J ALARCO (1996) considera a reflexo sobre a ao e a reflexo sobre a reflexona ao como duas categorias diferentes, definindo a ltima como um processo reflexivo

    posterior. Neste trabalho utilizo a terminologia proposta por Schn, isto , reflexo-sobre-a-ao.

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    ao9, isto , aquilo que revelado atravs de uma execuo

    espontnea e hbil, e paradoxalmente, difcil de ser explicitado

    verbalmente (ibid., p. 31).

    Algumas vezes possvel, atravs da observao e da reflexo

    sobre as nossas aes, realizar uma descrio do conhecimento tcito

    implcito a elas. Segundo SCHN (ibid., p. 31), pode-se fazer

    referncia, por exemplo, s seqncias das operaes e

    procedimentos executados, aos indcios observados e s regras

    seguidas, aos valores, estratgias e suposies que constituem as

    teorias de ao.

    Qualquer que seja a linguagem que venhamos aempregar, nossas descries do ato de conhecer-na-aoso sempre construes. Elas so sempre tentativas de

    colocar de forma explcita e simblica um tipo deinteligncia que comea por ser tcita e espontnea.Nossas descries so conjecturas que precisam sertestadas contra observaes de seus originais, dos quais,pelo menos em um certo aspecto, elas provavelmentedistorcero. Porque o processo de conhecer-na-ao dinmico, e os fatos, os procedimentos e as teoriasso estticos. (SCHN, 2000, p. 31).

    ALARCO (1996, p. 16) tambm explica que, se for necessrio,

    o profissional pode falar sobre esse conhecimento tcito, revisando os

    seus prprios processos na execuo da ao. Entretanto, a autora

    ressalta que essas descries so construes pessoais, de carter

    9 Na traduo para o portugus da obra Educando o profissional reflexivo (SCHN,2000) utilizada a expresso conhecer-na-ao, mas neste estudo utilizo a expressoconhecimento-na-ao, tendo em vista que muitos trabalhos realizados no Brasil j vem

    utilizando-a para se referir ao conceito de Schn. Portanto, o termo conhecer-na-ao utilizado somente nas citaes diretas.

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    esttico, porque a ao j est concluda, enquanto o conhecimento-

    na-ao dinmico.

    Em algumas ocasies, um fator de surpresa pode interferir em

    uma atividade feita rotineiramente de forma mecnica, descobrindo-

    se algo estranho ou algum erro. Nesses momentos em que um fator

    de surpresa interfere, o profissional poder abandonar essa questo

    ou ento responder situao mediante a reflexo (SCHN, 2000, p.

    32).

    Esta reflexo pode acontecer de duas maneiras: refletindo sobre

    a ao ou refletindo naao. A reflexo sobrea ao acontece depois

    da ao, sem uma conexo direta com a ao presente, e a reflexo

    na ao serve para reorganizar o que est sendo feito enquanto a

    ao est sendo executada (ibid., p. 32).

    Os passos dados na reflexo-na-ao podem praticamente

    fundir-se com a prpria ao em um nico processo. Contudo,

    independentemente da distino de seus momentos ou da constncia

    de sua seqncia, o que distingue a reflexo-na-ao de outras

    formas de reflexo sua imediata significao para a ao. (SCHN,

    2000, p. 34).

    As diferenas entre a reflexo-na-ao e o conhecimento-na-

    ao podem ser sutis, porque um bom prtico ajusta seus nveis de

    resposta s variaes que se produzem nos fenmenos. Apreciando o

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    processo passo a passo, o prtico se utiliza de um repertrio de

    imagens de contextos e aes. Nesse sentido, muitas vezes o prtico

    responde mais variao do que surpresa, j que as mudanas no

    contexto e o nvel de resposta no ultrapassam os limites do familiar

    (ibid., p. 34).

    Da mesma forma que o conhecimento-na-ao, a reflexo-na-

    ao um processo que pode ser realizado sem ser verbalizado. As

    competncias exigidas para refletir na ao so bem diferentes

    daquelas exigidas para refletir sobre a reflexo-na-ao, de forma que

    se produza uma boa descrio verbal da mesma, e outra coisa ser

    capaz de refletir sobre a descrio resultante (ibid.). Como destaca

    PREZ GMEZ (1997), na reflexo-sobre-a-ao que o profissional

    prtico, liberto dos condicionamentos da situao prtica, pode

    aplicar os instrumentos conceptuais e as estratgias de anlise no

    sentido da compreenso e da reconstruo da sua prtica. (ibid., p.

    105).

    Esses trs processos configuram o pensamento prtico do

    profissional e atravs deles que o professor enfrenta as situaes

    divergentes da prtica. Esses processos so complementares e no

    podem estar dissociados. Se o conhecimento-na-ao, por exemplo,

    for tornando-se mecnico, sem reflexo, o profissional pode comear

    a reproduzir esses procedimentos de forma automtica.

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    Desta forma, o seu conhecimento prtico vai-sefossilizando e repetindo, aplicando indiferentemente osmesmos esquemas a situaes cada vez menos

    semelhantes. Fica incapacitado de entabular dilogocriativo com a complexa situao real. Empobrece-se oseu pensamento e a sua interveno torna-se rgida.(PREZ GMEZ, 1997, p. 105-106).

    SCHN (2000, p. 36) demostra que o conhecimento-na-ao e a

    reflexo-na-ao fazem parte das experincias cotidianas e que,

    quando se aprende uma prtica profissional, aprendem-se novas

    formas de utilizar competncias que j se possui. Apesar desses

    conhecimentos prticos poderem se referir a qualquer tipo de

    atividade prtica, o autor ressalta que necessrio reconhecer que o

    contexto de uma prtica profissional significativamente distinto de

    outros contextos. Por isso, as funes do conhecer e do refletir na

    ao variam em prticas profissionais diferentes.

    No prprio conceito de profisso est a idia de uma

    comunidade de prticos que compartilham competncias e

    convenes de ao, incluindo meios, linguagens e instrumentos

    distintos (ibid., p. 36). Apesar de os membros de uma profisso se

    diferenciarem por suas experincias e perspectivas particulares, eles

    tambm compartilham um tronco comum de conhecimentos

    profissionais explcitos que inclui o conjunto de valores, preferncias

    e normas, servindo para interpretar situaes prticas, formular

    objetivos e diretrizes para a ao e determinar o que constitui uma

    conduta profissional aceitvel (ibid., p. 37).

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    Nessa perspectiva, o professor considerado um profissional

    que reflete criticamente sobre a prtica (PREZ GMEZ, 1998a, p.

    373) e, a partir dela, desenvolve conhecimentos prprios relacionados

    ao contexto em que atua, s suas experincias e s suas concepes

    sobre educao.

    2.3 Os conhecimentos prticos do professor

    Compreender o conhecimento prtico do professor implica

    reconhecer que a prtica educativa est circunscrita a um contexto

    de atuao e que o professor precisa resolver situaes complexas em

    sala de aula, ou seja, problemas que no podem ser resolvidos

    atravs da aplicao de regras ou princpios gerais.

    Uma pesquisa de referncia no estudo do conhecimento prtico

    do professor foi desenvolvida por ELBAZ (1981), a qual realizou um

    estudo de caso com uma professora de ingls. A autora parte do

    princpio de terem os professores uma ampla gama de conhecimentos

    que guiam o seu trabalho: o conhecimento da matria; a organizao

    da sala de aula e tcnicas de instruo; a estruturao de

    experincias de ensino e contedo curricular; necessidades,

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    habilidades e interesses dos alunos; as suas prprias metas e

    objetivos como professores.

    Essas categorias referem-se a contedos do conhecimento

    prtico do professor, isto , coisas que o professor sabe sobre, e

    coisas que ele sabe fazer (ibid., p. 47). Estudando esse tema com

    esta abordagem, a autora percebeu que a discusso dos contedos do

    conhecimento do professor d uma idia esttica desses

    conhecimentos, e ela desejava fazer mais do que catalog-los. Ao

    contrrio, ela gostaria de demonstrar o conhecimento do professor

    como algo dinmico, apoiado em relao ativa com a prtica e

    utilizado para dar forma para esta prtica. (ibid., p. 48).

    No incio da sua pesquisa, ELBAZ (ibid.) partiu da questo

    quais so os conhecimentos prticos do professor, mas percebeu

    que a resposta a essa pergunta era inadequada para as suas

    intenes. Refletindo sobre isso, ela escreve:

    Isso surpreendente: ns estamos habituados a falar docontedo do conhecimento do professor, sobreinformaes e habilidades, mas estamos relativamente

    pouco acostumados a falar do conhecimento como algoativo, de forma to evidente que as categorias que vem mente so mais apropriadas para classificar contedo.(ELBAZ, 1981, p. 48).

    A partir desses questionamentos, ELBAZ (ibid.) formulou novas

    questes: como o conhecimento do professor elaborado?, como

    ele utilizado?. A partir das respostas a essas questes, a autora

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    construiu trs categorias de anlise do conhecimento prtico seu

    contedo, sua orientao e sua estrutura.

    As reas de contedo identificadas por ELBAZ (ibid.) referem-se

    ao conhecimento de si mesmo, conhecimento do prprio meio,

    conhecimento da matria, conhecimento do currculo e conhecimento

    da instruo. As orientaes do conhecimento prtico referem-se

    forma como os conhecimentos prticos so sustentados pelos

    professores e, nesse aspecto, ELBAZ (ibid.) identificou cinco

    orientaes: situacional, pessoal, social, experiencial e terica.

    Na orientao situacional, o professor utiliza seu conhecimento

    prtico para fazer sentido e responder s situaes imediatas do

    ensino. Segundo a autora, o conhecimento prtico um corpo de

    conhecimentos orientados para um contexto prtico especfico (ibid.,

    p. 53).

    A orientao pessoal refere-se utilizao que o professor faz

    do seu conhecimento para capacit-lo a trabalhar de formas

    pessoalmente significativas. Isso engloba a maneira como o professor

    seleciona e interpreta uma situao. Esses pontos de vista e as

    interpretaes que eles produzem refletem uma necessidade pessoal

    para integrar, ordenar e traduzir uma experincia significativa. (ibid.,

    p. 57).

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    A orientao social diz respeito s interferncias e

    determinaes sociais que influem no trabalho do professor. Segundo

    a autora, a orientao social engloba tanto as adequaes que o

    professor precisa fazer dos seus conhecimentos em razo das

    condies e limitaes sociais do seu trabalho, como tambm o papel

    ativo do professor na estruturao do cenrio social de ensino (ibid.,

    p. 49). Essa orientao pode ser vista, por exemplo, na forma como o

    professor estrutura seus contedos para dar conta de interesses e

    preferncias dos alunos.

    A orientao experiencial, que se refere estruturao do

    conhecimento prtico de acordo com as experincias do prprio

    professor, est implcita nas trs categorias anteriores. Apesar disso,

    ELBAZ (ibid.) decidiu coloc-la como uma quarta categoria para

    reforar a idia de como os conhecimentos dos professores esto

    relacionados s suas experincias. A orientao terica, segundo a

    autora, surgiu a partir da anlise dos dados e refere-se utilizao

    pelo professor, de forma explcita, do conhecimento prtico para

    analisar conhecimentos tericos.

    As orientaes do conhecimento prtico permitem que seja

    analisada a complexidade do conhecimento do professor. J a sua

    estrutura procura mostrar a forma como o professor organiza seus

    conhecimentos prticos. A autora identificou trs nveis relativos

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    estrutura do conhecimento prtico: as regras prticas, os princpios

    prticos e as imagens.

    As regras prticas referem-se a um enunciado breve e

    claramente formulado do professor sobre o que fazer em uma

    situao particular encontrada na prtica com freqncia e como

    faz-lo (ibid., p. 61). Os princpios prticos so mais amplos do que as

    regras, transcendendo a sua aplicao a momentos ou situaes

    especficas. Os princpios prticos guiam e justificam as aes dos

    professores de forma reflexiva.

    O terceiro nvel, das imagens, o mais inclusivo dos trs. As

    imagens servem para guiar e organizar o pensamento do professor.

    Nesse nvel costumam ser utilizadas metforas ou analogias que

    representem sentimentos, valores, necessidades ou crenas dos

    professores (ibid., p. 61).

    Trabalhos mais recentes sobre os conhecimentos prticos dos

    professores consideram a pesquisa de ELBAZ (ibid.) como referncia

    central da rea. Segundo ZABALZA (1994), Elbaz foi a investigadora

    que ofereceu uma imagem mais completa e elaborada do

    conhecimento prtico dos professores. (ibid., p. 53).

    Os estudos sobre esse conhecimento confirmam a insuficincia

    dos modelos da racionalidade tcnica para explicar a atuao dos

    professores. Sobre isso, ZABALZA afirma que:

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    Os professores no actuam a partir de princpios tericosgerais derivados de um saber geralmente acadmico, nemto pouco actuam a partir de destrezas tcnicas

    adquiridas a um nvel geral (como competnciasgenricas ou como regras e/ou receitas estandardizadas)e descontextualizado. (ZABALZA, 1994, p. 57).

    Em trabalhos dessa natureza, necessrio que os

    conhecimentos prticos sejam vistos a partir da perspectiva dos

    prprios professores, valorizando e legitimando esses conhecimentos.

    Segundo ELBAZ (1981, p. 60-61), muito fcil definir negativamente

    os conhecimentos prticos, mas, apesar de ser mais difcil, mais

    importante definir os conhecimentos dos professores de forma

    positiva, em termos das caractersticas que do condies para os

    professores atuarem na prtica. Para isso,

    ... ns devemos considerar o conhecimento prtico emuso, incluindo todas as tentativas vagas e desorganizadasde formulaes, generalizaes grosseiras e segmentos deuma teoria formal trazidas luz no curso da deliberaosobre um problema. (ELBAZ, 1981, p. 61).

    Dar voz ao professor, com a finalidade de investigar como um

    educador musical orienta a sua prtica em sala de aula, implica

    estudar a prtica atravs do olhar daquele que a realiza: o prprio

    professor.

    Segundo esse referencial terico, reconhecida a necessidade

    de abordar a profisso docente a partir das perspectivas dos prprios

    professores, dos conhecimentos que so produzidos a comear da

    prtica educativa e para ela.

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    necessrio que se compreendam os conhecimentos voltados

    para a prpria ao de que os professores se utilizam para resolver as

    situaes singulares, incertas e conflituosas com as quais se

    defrontam no contexto prtico, a fim de construir conhecimentos

    baseados na reflexo sobre as experincias educativas dos

    professores.

    Para tanto, preciso dar voz ao professor, incentivando-o a

    refletir sobre a prpria prtica, visando tambm a que ele se

    reconhea como um profissional, cujo conhecimento influenciado

    por suas experincias e reflexes (SADALLA, 1998, p. 36).

    Nesse sentido, o presente estudo tem o objetivo de investigar os

    conhecimentos prticos que orientam a prtica educativo-musical de

    professores de msica atuantes na rede escolar, procurando desvelar

    algumas das lgicas que guiam e sustentam as suas aes

    pedaggicas. Para tanto, partiu-se das reflexes desses professores

    sobre a prpria prtica, procurando responder s seguintes questes:

    Quais so os conhecimentos prticos que orientam o trabalho do

    professor em sala de aula? Como ele articula esses conhecimentos?

    Como ele explica e justifica a sua prtica pedaggica?

    Para responder a essas perguntas, necessrio ouvir os

    professores, acreditando na possibilidade de aprender com as suas

    reflexes sobre a prtica. Esse foi o referencial que norteou a

    construo do mtodo desta pesquisa.

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    3 METODOLOGIA DA PESQUISA

    3.1 O enfoque qualitativo: estudos de caso

    Investigar os conhecimentos prticos do professor de msica, a

    partir da perspectiva do prprio professor, implica a construo de

    um mtodo coerente com a natureza deste tipo de trabalho. Dadas as

    caractersticas desta pesquisa, optei pela abordagem qualitativa.

    Esse modelo de pesquisa surge, fundamentalmente, com a

    preocupao de indagar o significado dos fenmenos educativos na

    complexidade da realidade natural na qual se produzem. (PREZ

    GOMEZ, 1998b, p. 102). Outra vantagem do uso do enfoque

    qualitativo para esta pesquisa que

    .... a investigao qualitativa proporciona aosinvestigadores em educao um conhecimento intrnsecoaos prprios acontecimentos, possibilitando-lhes umamelhor compreenso do real, com a subjectividade queestar sempre presente; pela conjugao do rigor e daobjectividade na recolha, anlise e interpretao dosdados. (PACHECO, 1995b, p. 17-18).

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    Segundo BOGDAN e BIKLEN (1994), a pesquisa qualitativa

    caracteriza-se pela obteno de dados atravs da insero direta do

    investigador no meio pesquisado; pelo uso de descries, que

    permitem a anlise dos dados em profundidade, em toda a sua

    riqueza, preservando-se o seu carter situacional; pelo interesse

    maior pelo processo do que simplesmente pelos resultados ou

    produtos; pela tendncia de analisar os dados de forma indutiva, sem

    partir de hipteses pr-estabelecidas, sendo as abstraes

    construdas medida que os dados vo sendo analisados; pela

    importncia vital ao significado, buscando-se a compreenso das

    perspectivas dos participantes da pesquisa.

    Esse enfoque foi considerado adequado para este estudo tendo

    em vista que meu objetivo investigar as orientaes do

    conhecimento prtico de professores de msica. Valorizo, assim, a

    perspectiva dos prprios participantes, procurando desvelar as

    lgicas que guiam e sustentam as suas aes pedaggicas. Isso exige

    a colaborao entre mim e os professores, que trabalhamos juntos na

    pesquisa.

    Segundo o paradigma da investigao interpretativa, noexiste uma realidade exterior a ser investigada por uminvestigador supostamente objectivo. As realidades somltiplas e socialmente construdas. Como tal, no hqualquer possibilidade de a investigadora se colocar forada investigao (VASCONCELOS, 1997, p. 41).

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    Considerando que o conhecimento prtico do professor

    pessoal, e que pretendo investigar um grupo de professores, optei

    pela realizao de estudos multicasos (TRIVIOS, 1987, p. 136). Pela

    quantidade de dados gerados nesse tipo de pesquisa, decidi realizar

    trs estudos de caso, nmero que tem sido considerado de porte para

    pesquisas dessa natureza, como no trabalho de THOMPSON (1997).

    Cada estudo de caso corresponde investigao sobre o

    conhecimento prtico de um professor de msica.

    Atravs dos estudos de caso, preserva-se o que cada caso tem

    de nico, de particular (LDKE e ANDR, 1986, p. 17), sem visar

    generalizao ou comparao dos resultados. Com isso, no se quer

    produzir leis ou generalizaes, pois existe a convico de que os

    fenmenos estudados so sempre, em parte, subjetivos, singulares e

    mediados pelo contexto (PREZ GOMEZ, 1998b, p. 105).

    Ainda que nos fenmenos educativos possamos encontrarpontos comuns, elementos convergentes, aspectos que serepetem, as generalizaes que forem extradas de suacompreenso no podem ser aplicadas mecanicamentenem ao conhecimento nem previso e controle deoutras realidades educativas, outras aulas ou outras

    experincias. (PREZ GMEZ, 1998b, p. 104).

    Sob esse paradigma de pesquisa, termos como replicabilidade,

    credibilidade e validade adquirem significados diferentes daqueles da

    pesquisa experimental, sendo abordados a partir de outras

    concepes, pressupostos e objetivos (PREZ GOMEZ, 1998b, p.

    112). PREZ GOMEZ (ibid.) declara que parte-se do convencimento

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    de que a replicabilidade de uma investigao no marco natural e

    especfico de cada realidade educativa no um objetivo possvel,

    nem sequer desejvel (ibid., p. 112-113), visto que as situaes no

    se repetem de forma idntica.

    Quanto credibilidade, a consistncia dos dados no obtida

    atravs da replicabilidade, e sim, na comparao permanente das

    indagaes, das inferncias provisrias e das hipteses de trabalho

    que vo aparecendo como fruto da reflexo, do debate e da

    comparao (ibid., p. 113).

    A validade interna da pesquisa qualitativa no tem como

    objetivo principal estabelecer a correspondncia entre os dados e as

    inferncias tericas, entre a realidade e uma teoria privilegiada que a

    explica (ibid., p. 113). Dessa forma, a teoria construda a partir do

    dilogo com os dados, surgindo a partir da anlise e interpretao

    dos mesmos.

    3.2 Seleo dos professores de msica

    A seleo dos professores foi realizada com base em trs

    critrios: (1) o interesse e disponibilidade em participar da pesquisa;

    (2) estar atuando no ensino fundamental como professor especfico de

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    msica; (3) ter no mnimo trs anos de experincia no ensino de

    msica. Como esta pesquisa investiga o conhecimento prtico do

    professor, ressalto a necessidade de que os professores participantes

    tenham experincia profissional. Isso porque, segundo LOUREIRO

    (1997), os trs primeiros anos de docncia costumam ser marcados

    por intensas adaptaes, fase caracterizada como perodo de entrada

    na carreira. Assim como na pesquisa de LOUREIRO (ibid.), esse

    critrio refere-se a trs anos de exerccio profissional,

    independentemente da aquisio prvia de habilitao profissional.

    (ibid., p. 139).

    Por questes de tempo para a realizao da coleta de dados e

    custos financeiros, o critrio de proximidade tambm foi utilizado

    para a seleo dos professores de msica participantes, devendo

    estes estarem atuando em escolas da zona urbana da cidade de Porto

    Alegre-RS, na qual resido.

    3.3 Negociaes com as escolas e professores

    Inicialmente, procurei localizar professores de msica atuando

    no ensino fundamental. Para esse mapeamento inicial, utilizei

    contatos pessoais, contando tambm com a ajuda de colegas da rea

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    para a indicao de professores que pudessem participar da

    pesquisa. Alguns no foram enquadrados nos critrios de seleo por

    no terem o tempo de experincia previsto. Tambm houve o caso de

    uma professora que no foi convidada a participar do trabalho

    porque a instituio na qual ela trabalhava no era permitida a

    observao das aulas por pessoas que no tivessem vnculo com a

    escola.

    Atravs desses contatos localizei trs professoras, as quais

    foram consultadas quanto ao interesse e disponibilidade em

    participar da pesquisa. Expus a cada uma das professoras os

    objetivos da pesquisa, a necessidade de compromisso e colaborao

    entre as partes, os procedimentos ticos inerentes ao trabalho, tanto

    por parte da professora como da minha. Tambm esclareci s

    professoras sobre os procedimentos de coleta de dados, ressaltando a

    necessidade de que elas dispusessem de tempo para as entrevistas,

    tambm de as aulas serem gravadas em fita de vdeo, como ainda a

    necessidade de as entrevistas serem gravadas em fita cassete.

    Aps o contato prvio com as trs professoras, individualmente,

    entrei em contato com a direo e a coordenao pedaggica das

    escolas em que atuam. Marquei uma reunio com a equipe

    pedaggica de cada uma das escolas, na qual expliquei o objetivo e os

    procedimentos metodolgicos do trabalho, alm de ter sido entregue

    uma cpia com o resumo do projeto de pesquisa. Nessa reunio

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    informei que a professora de msica j havia sido previamente

    consultada sobre o interesse de participar do trabalho, necessitando

    da autorizao da escola para a realizao da pesquisa, tendo em

    vista a necessidade de serem realizadas observaes das aulas da

    professora nas dependncias da escola.

    Aps as trs instituies terem concordado com a realizao do

    trabalho, retomei o contato com as professoras, entrando em maiores

    detalhes sobre a pesquisa, discutindo questes relativas s

    observaes em si, estabelecendo qual seria a srie/turma a ser

    observada e a data do incio do trabalho. O principal critrio para a

    escolha das turmas foi o horrio das aulas de msica, visto que a

    coleta de dados foi realizada simultaneamente com as trs

    professoras, no podendo, portanto, haver coliso de horrios.

    Quando havia possibilidade de escolha entre uma ou outra turma, a

    professora era consultada quanto preferncia de turma a ser

    observada.

    Cabe salientar tambm que foi garantido, tanto para as

    professoras como para as instituies em que trabalham, o

    anonimato, sendo utilizados pseudnimos para citar as professoras

    participantes, os quais foram escolhidos por elas mesmas.

    Aps esses procedimentos foi iniciada a coleta de dados. Todos

    esses passos foram seguidos de forma independente em cada um dos

    trs estudos de caso.

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    3.4 A reflexo sobre a prtica como forma de conhecer opensamento do professor: tcnicas de pesquisa

    Nos estudos sobre o pensamento do professor, os recursos

    metodolgicos devem ser capazes de captar tanto a sua ao como o

    seu pensamento.

    Segundo ZABALZA (1994, p. 31), nesse paradigma de pesquisa

    deve ser considerado que a atuao do professor dirigida pelos seus

    pensamentos. Metodologicamente, isso requer que se tenha acesso

    aos pensamentos do professor sobre as suas aes pedaggicas. O

    autor argumenta que, se entendemos o professor como um

    profissional que sabe o que faz, isso pressupe que ele, melhor do

    que ningum, pode nos esclarecer o porqu das suas aes. Em

    poucas palavras, pressupe aceitar que perguntar-lhe por que que

    faz as coisas pode ser um bom mtodo para saber realmente por que

    que as faz. (ibid., p. 34).

    Esta pesquisa foi estruturada metodologicamente a partir

    desses pressupostos, sendo utilizados os procedimentos de

    observao de aulas e de entrevistas. Como salienta ZABALZA (ibid.,

    p. 34), no plano metodolgico, a pesquisa sobre o pensamento do

    professor vai alm do uso de novas tcnicas de coleta e anlise de

    dados, sendo o paradigma caracterizado por um novo estilo

    pragmtico de desenvolvimento da investigao:

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    ... a investigao adquire um sentido iluminativo e noavaliativo; adquire um sentido de negociao e no deimposio de modelos de recolha, anlise e

    interpretao dos dados; adquire mais um sentido dedesenvolvimento pessoal daqueles que esto implicadosno processo do que um sentido de generalizao dosdados ou estabelecimento de princpios gerais.(ZABALZA, 1994, p. 34).

    Como forma de conhecer o pensamento das professoras

    participantes, utilizei trs tcnicas de coleta de dados: observao,

    entrevista semi-estruturada e entrevista de estimulao de

    recordao, detalhadas a seguir.

    Figura 1: Estrutura da coleta de dados

    Inicialmente, observei uma seqncia de seis aulas de msica

    em uma mesma turma, ministradas por cada professora participante,

    sendo essas aulas gravadas integralmente em vdeo.

    Aps a observao da quarta aula comecei a fazer as

    entrevistas semi-estruturadas com cada professora. Concludas as

    Entrevistas deEstimulao deRecordao (3 aulas)

    Observao e gravaoem vdeo (6 aulas)

    Entrevistas Semi-Estruturadas (a partir daquarta observao)

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    observaes, realizei trs entrevistas de estimulao de recordao

    com cada uma das professoras participantes.

    3.4.1 Observao

    Os conhecimentos prticos do professor fazem sentido na

    prpria prtica, porque so dirigidos pelas suas aes em sala de

    aula e para elas. Por isso, um estudo sobre esse tema precisa partir

    da prpria aula, isto , do contexto em que esses conhecimentos

    emergem e so utilizados pelo professor.

    Para investigar as orientaes do conhecimento prtico do

    professor, necessrio o uso de tcnicas de observao que permitam

    a anlise da prtica na situao concreta na qual ela acontece. Como

    menciona ESTRELA (1992), as aces dos alunos e professores em

    situao de aula so apreendidas pela observao directa da aula

    (ibid., p. 33). A observao tambm tem como objetivo fixar-se na

    situao na qual se produzem os comportamentos, a fim de se obter

    dados que possam garantir uma interpretao situada desses

    comportamentos (ibid., p. 33).

    Considero a observao das aulas como necessria na

    construo do mtodo desta pesquisa porque atravs dela que se

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    poder conhecer a prtica do professor. Como afirma CUNHA (1993),

    na sala de aula que se concretiza o ato pedaggico. ( ibid., p. 356).

    Alm disso, a observao da prtica possibilita saber como o

    professor manifesta as suas idias e valores na prtica pedaggica

    (ibid., p. 355).

    Nesse sentido, optei pela observao de uma seqncia

    ininterrupta de aulas, critrio de coleta de dados chamado por

    ESTRELA (1992) de critrio de continuidade. Dessa forma evita-se o

    aparecimento de hiatos e descontinuidades, visto que o processo

    educativo ininterrupto por natureza. registrando o continuum

    que se obt