Economia Politica Do Capitalismo 2

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Humberto

Prez

Gonzlez

e c o n o m i a d oVolume II

poltica

capitalismobreve exposio da doutrina econmica de Marx

Prefcio Traduo de Lus Mesquita Dias Reviso Literria Mrcio Moreira Alves Capa de Henrique Ruivo Editions Sociales e Empresa de Publicidade Seara Nova, S. A. R. L. Rua Bernardo Lima, 23, 1., esq.Lisboa-1

de

Mrcio

Moreira

Alves

SEARA

NOVA

1977

N D I C ECaptulo V I U O PROCESSO DE A C U M U L A O DO C A P I T A L 1. A reproduo simples 2. A converso da mais-valia em capital o) A acumulao de capital. Transformao da lei de propriedade da produo mercantil em lei de apropriao capitalista b) A diviso da mais-valia em capital e renda. Factores que influem na grandeza da acumulao 3. Lei geral da acumulao capitalista ) Composio orgnica do capital e a sua influncia na procura de fora de trabalho b) A concentrao e a centralizao do capital c) A superpopulao relativa e suas formas de se manifestar 4. A chamada acumulao originria Captulo IX A M E T A M O R F O S E DO CAPITAL E S E U CICLO 1. O ciclo do capital-dinheiro: D-M...P...M'-D' a) Primeira fase: D-M b) Segunda fase: M ...P...M' 9 9 15 15 16 18 18 22 24 28 37 39 39 42 42 45 46 48 49 50 53 54 56 59 59 60 60 63 65 66 68 73 76 81 86 88 95

2. 3. 4. 5. 6.

c) Terceira fase: M'-D' d) O ciclo visto no seu conjunto O ciclo do capital produtivo: P...M'-D'-M...P O ciclo do capital-mercadorias: M'-D'-M ...P...M' Os trs ciclos vistos no seu conjunto Tempo de produo e tempo de circulao Os gastos de circulao ) Os gastos puros de circulao b) Os gastos complementaresf

.

Captulo X A R O T A O DO C A P I T A L 1. Tempo de rotao e nmero de rotaes 2. Capital fixo e capital circulante a) Seu conceito b) Desgaste, conservao, reparao e reposio do capital fixo 3. A rotao global do capital desembolsado 4. O tempo de rotao e sua influncia na grandeza do capital necessrio a desembolsar 5. A velocidade de rotao do capital e sua influncia na massa anual de mais-valia. Quota anual de mais-valia Captulo XI A R E P R O D U O E A C I R C U L A O DO CAPITAL SOCIAL NO SEU CONJUNTO 1. A reproduo simples 2. A reproduo ampliada 3. A reproduo ampliada e o aumento da composio orgnica do capital ... 4. A lei do desenvolvimento preferencial da produo de meios de produo ... 5. A reproduo e a circulao do capital social e produo blica

Captulo X i r L U C R O E T A X A DE L U C R O 1. Custo de produo e lucro 2. Taxa de lucro Captulo X n i O L U C R O M D I O 1. Lucro mdio e preo de produo 2. Lei tendencial baixa da taxa de lucro ) A lei c o m o tal ) Factores que contrariam a lei Captulo XIV O C A P I T A L C O M E R C I A L E O L U C R O C O M E R C I A L 1. Caractersticas do capital comercial 2. Lucro comercial 3. Antecedentes histricos do capital comercial e do lucro comercial 4. Formas do comrcio capitalista a) Comrcio interno b) Comrcio externo Captulo XV C A P I T A L DE E M P R S T I M O E J U R O S 1. Capital a juros 2. Taxas de juros 3. O juros e o lucro do empresrio 4. Capital bancrio e crdito a) Funes do capital bancrio b) Formas de crdito c) Tipos de operaes bancrias d) Principais tipos de bancos e) Os lucros do capital bancrio 5. Papel do crdito no capitalismo 6. Antecedentes histricos do capital de emprstimo e dos juros 7. Sociedades annimas ou sociedades por aces Captulo X V I A C O N V E R S O D O L U C R O E X T R A O R D I N R I O R E N D A D O SOLO 1. Introduo a) Renda do s o l o e pagamento por arrendamento 6) Preo da terra c) Fonte da renda do solo 2. Renda diferencial ) Renda diferencial 1 b) Renda diferencial II 3. Renda absoluta 4. Renda de monoplio 5. Renda absoluta e renda diferencial nas condies do capitalismo actual 6. Antecedentes histricos da renda do solo Captulo XVII AS CRISES E C O N M I C A S DE S U P E R P R O D U O 1. As crises e o ciclo capitalista de reproduo 2. Possibilidade e realidade das crises 3. Causas das crises 4. Tipos de crises econmicas de superproduo 5. Crises dc dinheiro *. 6. Crises agrrias 7. Breve histria das crises a) Crise de 1825 b) Crise de 1936 c) Crise de 1847 cl) Crise de 1857 e) Crise de 1866 / ) Crise d e 1873 g) Crise de 1882 h) Crise de 1890 i) Crise de 1900 J) Crise de 1907 -) Crise de 1920 0 Crise de 1929 m) Crise de 1937 ) As crises e o ciclo capitalista aps a Segunda Guerra Mundial 8. As crises e a destruio do capitalismo EM ...

105 105 112 117 117 125 125 127 137 137 145 150 152 152 154 163 163 166 168 170 170 170 172 174 174 176 177 179

Captulo O PROCESSO

VIII DO CAPITAL

DE A C U M U L A O

185 185 186 188 189 190 190 192 195 201 203 206 21 { 2H 2H 21 21 22* 22* 22^ 22 22 22 22 22 22 22 22 22 22 22 23 23 23^ 2369 4 4 5 5 6 7 8 8 9 9 9 2

At aqui, examinmos o processo de produo capitalista como um acto isolado, para descobrir, aps a forma mercantil de que se reveste, a explorao burguesa e averiguar como os capitalistas, donos dos meios de produo e subsistncia dos operrios, se apropriam gratuitamente de uma parte do que criado pelo trabalho destes sob a forma de mais-valia. No entanto, em nenhuma formao econmico-social o processo de produo se desenrola como um acto isolado, mas como um processo que tem de se repetir continuamente. N o se pode viver sem consumir e, por consequncia, sem produzir constante e periodicamente. Portanto,^ todo o processo de produo um processo de reproduo. E considerado assim, de forma dinmica, que estudaremos no presente captulo o processo de produo capitalista, o que nos permitir descobrir alguma coisa que resultava impossvel enquanto o concebamos como um acto isolado.

1REPRODUO

SIMPLES

A repetio peridica do processo de produo torna necessrio que uma parte do produzido se converta em meios de produo, isto , em elementos de um novo processo. A simples conservao da riqueza de uma sociedade exige que os meios de produo consumidos n u m perodo dado, diga9

mos n u m ano, sejam substitudos por igual quantidade dos produtos elaborados nesse lapso de tempo, os quais passam a funcionar como os meios de produo renovados. No capitalismo, a reproduo significa a reproduo peridica como capital do valor inicialmente desembolsado e incrementao repetida do mesmo, ou seja, a produo constantemente renovada de mais-valia. Se o capitalista utiliza toda a mais-valia que obtm no seu consumo pessoal, consagrando-a unicamente satisfao das suas necessidades e da respectiva famlia, o processo de produo repete-se na mesma escala anterior. Se do valor total do produto elaborado composto p o r c + v + p extrairmos o p para o consumo individual do capitalista, s sobrar para investir de novo, como capital, c + v, isto , um equivalente do valor-capital adiantado p a r a o processo anterior. Nesse caso, estamos em presena de u m a reproduo simples. Mas j nela se destacam, por se tratar de u m a repetio contnua do processo de reproduo, algumas das caractersticas a que anteriormente nos referimos e nos ajudam a descobrir a realidade oculta por detrs das aparncias exteriores. As relaes entre os operrios e os capitalistas principiam no mbito da circulao em que os segundos c o m p r a m a fora de trabalho aos primeiros por um tempo determinado: um dia, uma semana, um ms, etc. Essa compra tem de ser renovada constantemente medida em que se vencem os prazos. O capitalista paga ao operrio depois deste j ter trabalhado, ou seja, depois de ter consumido o valor de uso da fora de trabalho, mas f-lo, em geral, antes de vender as mercadorias elaboradas pelo operrio, o que produz a aparncia de que lhe adianta dinheiro de um fundo prprio, sobretudo se examinarmos um processo de produo isolado. Mas, por um lado, o operrio recebe o seu salrio depois de ter trabalhado e criado produtos que pertencem integralmente ao capitalista, os quais encerram o valor reproduzido da sua fora de trabalho (o valor do salrio) e a mais-valia. Em outras palavras: o burgus desembolsa o seu capital varivel depois de j ter em mos um equivalente do mesmo, contido nos produtos elaborados pelo operrio. Por outro lado, se concebermos a produo capitalista como um processo que se renova constantemente, isto , como um processo de reproduo, verificaremos que o capitalista paga aos operrios com parte do produto antecipadamente criado por eles mesmos: os ope10

rarios produzem a mais-valia e o fundo com que lhes pagam ou, em outras palavras, o capital varivel, antes de chegar-lhes s mos sob a forma de dinheiro. E n q u a n t o os operrios, n u m dado processo de produo, transformam os meios de produo em novas mercadorias, os produtos por eles criados em processos de produo anteriores so vendidos pelo capitalista e convertem-se em dinheiro. Com esse dinheiro, forma transformada do produto criado pelos operrios, como vemos, os capitalistas pagam-lhes os salrios actuais: o trabalho de hoje -lhes pago com o resultado do seu trabalho efectuado em processos anteriores. Em todas as sociedades em que existiu explorao, os trabalhadores explorados tiveram de criar com o seu prprio trabalho um fundo de meios de subsistncia p a r a o seu sustento e reproduo. O servo, por exemplo, trabalhava u m a parte da semana na sua parcela de terreno, e com os seus prprios meios, para criar esse fundo. O resto da semana trabalhava na herdade do senhor feudal, gratuitamente, caso se tratasse do sistema de renda em trabalho, ou trabalhava o tempo todo na sua parcela, entregando u m a parte do que produzia ao senhor feudal e conservando a outra parte para integrar o seu fundo de consumo, caso vigorasse o sistema de renda em espcie. Em ambos os casos o trabalhador explorado (o servo) criava os seus prprios meios de vida, o seu fundo de subsistncia, sem que ele jamais se revestisse da forma de u m a determinada quantia em dinheiro que algum lhe pagasse pelo seu trabalho. O explorador (senhor feudal) no se apropriava do fundo de consumo do servo para vend-lo posteriormente em troca de um dinheiro que ele prprio lhe pagava pelo seu trabalho limitava-se a apropriar-se directamente do trabalho adicional no-remunerado, o qual, neste caso, se manifestava directamente como tal. No capitalismo, o explorador (o burgus) apropria-se imediatamente de todo o produto criado pelo operrio explorado, no qual se acha includa, como natural, a parte que .constitui o seu fundo de consumo. O capitalista vende esse produto todo no mercado, converte-o em dinheiro e depois, com uma parte desse dinheiro, a que representa o valor do fundo de subsistncia do operrio, paga-lhe o seu salrio. O capital varivel , portanto, a forma histrica concreta de que se reveste o fundo de meios de vida do operrio nas condies do capitalismo devido ao carcter mercantil da produ11

&

o em geral e da fora de trabalho em particular. Mas o capital varivel s surge como tal, desprovido do seu aspecto de valor adiantado dos fundos prprios do capitalista, quando concebemos o processo de produo como processo de reproduo. No entanto, esse processo deve ter tido um comeo que foi o seu ponto de partida e no qual o capital investido no pagamento de salrios no representava o produto do mecanismo da produo capitalista atravs de u m a determinada acumulao originria, tema que estudaremos no final do presente captulo. Outro facto que se destaca, ao analisar o processo de produo, na sua repetio contnua, que todo o capital, qualquer que seja a sua origem, se converte, depois de certo tempo, em mais-valia capitalizada, n u m valor apropriado gratuitamente, e os seus elementos fsicos que o compe passam a ser a materializao de trabalho alheio no-remunerado. Supnhamos, por exemplo, que um trabalhador bem remunerado (mdico, professor, etc.) economiza parte dos seus rendimentos custa de sacrifcios quanto satisfao das suas necessidades e s da famlia e, passados alguns anos, consegue acumular u m a quantia em dinheiro de, digamos, $10 000,00, quantia que, como supusemos, o produto do seu trabalho honrado. Chegado a esse ponto, o nosso trabalhador resolve tornar-se capitalista e investe as economias na instalao de u m a pequena indstria que lhe produz anualmente $2000,00 de mais-valia, a qual gasta integralmente no seu consumo pessoal. Passados cinco anos de funcionamento da sua indstria, o nosso honrado trabalhador convertido em capitalista, ter-se- apropriado de u m a mais-valia equivalente ao capital inicialmente desembolsado e o valor gasto nesse perodo para o seu prprio consumo tambm ser igual ao referido capital. Continua a ter em mos o mesmo capital que no princpio e at mesmo alguns dos elementos materiais que o constituem sero idnticos aos do comeo, como, por exemplo, os edifcios, as mquinas, etc. Mas o valor de $10 000,00 agora em suas mos no o mesmo que possua no momento em que iniciou a carreira de capitalista. Se se dedicasse simplesmente a viver dos $10 000,00 economizados, consumindo $2000,00 anuais, ao fim dos cinco anos teria gasto todo o dinheiro. O facto de os investir como capital permitiu-lhe consumir $2000,00 anualmente, ou seja, os $10 000,00 em cinco anos e, apesar disso, conservar nas suas mos um valor12

-capital igual ao primitivamente desembolsado. Este valor-capital que possui no final dos cinco anos j no representa o fruto do seu trabalho honrado, mas a materializao do trabalho no-remunerado dos seus operrios e de que se apropriou durante esse perodo. O valor do antigo capital foi despendido totalmente no seu consumo. primeira vista, o capitalista consumiu a mais-valia produzida nesses cinco anos, todavia verifica-se neste caso algo de similar ao que sucede a uma pessoa possuidora de um patrimnio integrado por muitos bens que, no seu conjunto, valem, digamos, $20 000,00, bens que esbanja no jogo, em estroinices, etc., e contrai dvidas de um valor igual ao do seu patrimnio. Nessa altura, o patrimnio representa na realidade apenas o total das suas dvidas, a materializao n o do que possui, mas do que deve. Alm disso, o valor de $10 000,00 em poder do capitalista do nosso exemplo, aps cinco anos de lucro de $2000,00 no seu consumo e apropriao de $2000,00 anuais de mais-valia, representa a expresso, no no seu trabalho economizado que j despendeu, mas do trabalho alheio apropriado gratuitamente, ou seja, converteu-se em mais-valia capitalizada, em capital acumulado. Nesse sentido, na reproduo simples, h acumulao de mais-valia, acumulao interna que tem como finalidade conservar o capital inicialmente adiantado, em vez de o aumentar. Este facto, evidencia que, ao conceber o processo de produo no seu reatamento constante, todo capital, qualquer que seja a sua origem, transcorrido um certo tempo representa apenas trabalho extrado gratuitamente aos operrios pelos capitalistas. Revela-nos, portanto, a justia da expropriao que a classe operria impe burguesia, quando toma o poder e realiza a revoluo proletria. Os operrios limitam-se a recuperar o que foi por eles criado com o seu trabalho e apropriado gratuitamente pelos capitalistas atravs dos mecanismos econmico-mercantis de explorao prprios do regime capitalista de produo. Outra coisa que tambm se evidencia ao estudarmos a produo capitalista na sua repetio contnua que a premissa histrica indispensvel que serve de ponto de partida a este tipo de produo c u j a presena iniludvel para a sua sustentao se converte n u m resultado do prprio processo de produo burgus, constantemente reproduzido por ele. J vimos que, para que o dinheiro se converta em capital, 13

necessrio que se produza a confrontao de homens possuidores dos meios de produo, meios de vida e dinheiro, por um lado, com outros privados de tudo excepto da sua prpria fora de trabalho e que se vem obrigados a vender aos primeiros para poderem subsistir. Este divrcio entre os meios de produo e de vida e os produtores directos, que passam a ser livres n u m duplo sentido, no de no possurem recursos para produzir e juridicamente, para que possam dispor livremente da sua pessoa, o resultado de um processo histrico que analisaremos no final deste captulo. De momento, s nos interessa o facto, j conhecido, de que constitui a condio histrico-social indispensvel que serve de ponto de partida para a produo capitalista. Ora bem, essa premissa ou condio, quando o regime burgus de produo j est em movimento, converte-se n u m resultado reproduzido continuamente pelo prprio processo de produo capitalista. No final de cada um desses processos, os capitalistas e os operrios saem nas mesmas condies econmico-sociais respectivas com que e n t r a r a m : os primeiros como donos absolutos do produzido e dos recursos materiais existentes em geral e os segundos totalmente privados de meios para produzir por sua conta e possuidores d u m msero salrio, que lhes permite adquirir o indispensvel para viver um ou dois dias, o que os obriga a vender de novo a sua fora de trabalho aos capitalistas para poderem continuar a viver. Com o salrio que recebem, os operrios compram os meios de vida destinados a satisfazer, em maior ou menor grau, as suas necessidades e as das respectivas famlias n u m acto de consumo individual, que se realiza margem do processo de produo e n u m momento em que os operrios pertencem a si prprios e no aos capitalistas. Mas, com esse acto, reproduz-se a fora de trabalho, factor subjectivo da produo capitalista, factor criador de valor, precisamente o que torna possvel o aumento do capital. Devido a isso, at o consumo individual dos operrios se converte n u m factor da produo e reproduo do capital e torna-se, portanto, embora indirectamente, um consumo produtivo para o capitalista, tal como era produtivo para os esclavagistas o consumo pessoal dos seus escravos e como produtivo o consumo individual dos animais de trabalho. Por conseguinte, e para empregar as palavras de Marx, o processo capitalista de produo, concebido no seu con14

junto ou como processo de reproduo, no produz apenas mercadorias, no produz apenas mais-valia, mas produz e reproduz tambm o prprio regime do capital: por um lado, o capitalista e, por outro, o operrio assalariado (*).

2 CONVERSO

DA

MAIS-VALIA

EM

CAPITAL

a) Acumulao de capital. Transformao da lei de propriedade da produo mercantil em lei de apropriao capitalista Quando u m a parte da mais-valia obtida no se destina ao consumo pessoal do capitalista e investida na compra de meios de produo e de fora de trabalho adicionais, ou seja, investida como um capital adicional, verifica-se aquilo que se denomina acumulao de capital e a reproduo produz-se, nesse caso, n u m a escala ampliada. Para que a reproduo ampliada se verifique, isto , para que uma parte da mais-valia produzida n u m determinado espao de tempo, digamos um ano, se possa investir como capital adicional, torna-se indispensvel que na composio fsica da produo social total desse ano existam meios de produo excedentes, ou seja, uma quantidade superior necessria para repor os meios de produo consumidos no a n o em causa. Se no fosse assim, seria impossvel a acumulao de capital e, portanto, a ampliao da produo, a qual teria de se repetir na mesma escala anterior. Alm disso, necessrio que haja u m a fora de trabalho adicional, criada pelo prprio processo de produo capitalista, como veremos mais adiante. Por ltimo, necessrio que haja meios de subsistncia em excesso ao exigido para satisfazer a demanda solvente dos capitalistas e operrios que participaram na produo de um dado a n o ; excesso esse destinado a satisfazer a demanda complementar dos operrios adicionais incorporados produo. Ao examinar a repetio do processo de produo capitalista em escala ampliada, destacam-se algumas caractersticas que se no evidenciavam ao estudar a reproduo simples. Na anlise desta ltima, vimos que o capital inicialmente desembolsado ao cabo de um certo tempo se convertia em mais-valia capitalizada, porm, nas suas origens, esse capital podia(!) O Capital, volume I, captulo XXI. 15

n o ser um produto da explorao do trabalho alheio. Na reproduo ampliada, o capital adicional, desde a sua prpria origem, representa j trabalho alheio expropriado e no-remunerado, constitui, desde o seu incio, mais-valia que se investe como capital. O capitalista compra os meios de produo e a fora de trabalho dos operrios com o que deles extraiu. Como Marx afirma, o capitalista actua como o conquistador que compra mercadorias ao povo conquistado e as paga com o dinheiro que antes lhe roubara (*). Com o desenvolvimento da reproduo ampliada capitalista, a lei da propriedade da produo mercantil transforma-se em lei de apropriao capitalista. O processo de produo capitalista de criao de sobrevalor, de execuo de um sobretrabalho de que o capitalista se apropria sem nada entregar em troca, utilizando depois esse sobretrabalho, j convertido em dinheiro, para comprar mais fora de trabalho que, posta em aco, lhe devolve um equivalente desse sobretrabalho transformado em capital varivel alm de um novo sobretrabalho. E a utilizao do trabalho alheio apropriado gratuitamente para obter mais trabalho alheio grtis, o que significa u m a absoluta negao da lei de propriedade da produo mercantil baseada no trabalho prprio e a sua substituio pela lei da apropriao capitalista, que permite ao explorador burgus apropriar-se de parte do trabalho alheio sem n a d a entregar em troca e impede que o operrio se aproprie do seu prprio trabalho. Segundo as leis da produo mercantil, cada produtor dono do que produz com o seu trabalho pessoal e, para obter o produto de um trabalho alheio, deve entregar produtos seus que encerrem uma quantidade de trabalho prprio equivalente ao contido nos produtos alheios. A produo mercantil capitalista nega a propriedade sobre o trabalho prprio e confirma a propriedade sobre o trabalho alheio. b) Diviso da mais-valia em capital e rendimento (2). Factores que influem na grandeza da acumulao Se partirmos de u m a dada grandeza da mais-valia, a grandeza da acumulao depender da proporo em que o total de(!) O Capital, volume I, captulo XXII, epgrafe 1. ( ) Entendemos aqui por rendimento a parte da mais-valia destinada ao consumo pessoal do capitalista, para a distinguir da parte da mais-valia acumulada como capital.2

mais-valia se dividir em rendimento e mais-valia capitalizada, proporo essa que ser determinada pelas leis econmicas do regime burgus de produo impostas ao capitalista como foras coactivas externas. Essas leis obrigam-no ampliao constante do seu capital, se que pretende manter-se em condies de concorrncia adequadas para a sua sobrevivncia na qualidade de capitalista, e, para o ampliar, s lhe resta a acumulao progressiva da sua mais-valia. Se partirmos de uma d a d a diviso proporcional da mais-valia em renda e capital, a grandeza da acumulao ser determinada fundamentalmente por todos os factores que influem no volume da massa de mais-valia a obter: 1) O prolongamento da j o r n a d a de trabalho e a sua intensificao que, alm de aumentarem a quota e, portanto, a massa de mais-valia, permitem que no se torne necessrio para os novos investimentos de capital efectuados fazer despesas em mais edifcios, maquinarias, e t c , ou seja, permitem economizar capital constante e, por conseguinte, obter um mesmo resultado com um menor investimento de capital. 2) A diminuio do salrio abaixo do valor da fora de trabalho, o que no corresponde suposio que formulmos de que todas as mercadorias, inclusive a fora de trabalho, se vendem pelo seu valor, mas que desempenha um tal papel na prtica capitalista concreta que impossvel no mencion-la. Essa diminuio do salrio abaixo do valor da fora de trabalho converte uma parte do trabalho necessrio em trabalho excedente, isto , u m a parte do fundo de consumo do operrio em fundo de consumo do capitalista ou em fundo de acumulao. 3) O aumento na produtividade do trabalho que conduz a um aumento da mais-valia, mas que, alm disso, barateia os elementos do capital constante quando se verifica nos ramos que produzem meios de produo. Por outro lado, o crescimento da produtividade nos ramos em que se produzem os artigos que satisfazem a exigncia pessoal dos capitalistas permite reduzir a parte da mais-valia que estes consomem como rendimento e aumenta, por consequncia, a parte destinada acumulao.

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4) A diferena entre o capital empregado e o consumido. Sabendo-se que o capital consumido n u m processo de produo menor que o capital empregado no mesmo, os meios de trabalho que funcionam integralmente como valores de uso s participam parcialmente na formao do valor do novo produto, ou seja, s transferem u m a parte do seu valor. Esta parte do capital empregado em meios de trabalho que se transfere vai-se acumulando sob a forma de dinheiro e cria um fundo que permite, chegado o momento do desgaste total desses meios de trabalho, rep-los em espcie. Mas enquanto esse m o m e n t o no surge, o fundo de dinheiro que se vai criando pode ser utilizado para investir como um capital adicional, isto , para o acumular. Supnhamos que existem numa fbrica 100 mquinas com um valor total de $100 000,00 e uma durao de 10 anos. Isto significa que cada mquina vale $1000,00 e o valor transferido em cada ano ser de $10 000,00. Transcorridos 5 anos, o fundo acumulado em dinheiro para reposio dessas mquinas ascender a $50 000,00 e o momento da reposio efectiva tardar ainda mais 5 anos. O capitalista pode ento utilizar os referidos $50 000,00 para os acumular como capital. 5) Finalmente, quanto maior for o volume de capital empregado, maior ser o nmero de operrios utilizados e, p o r conseguinte, a massa da mais-valia obtida.

3 LEI

GERAL

DA

ACUMULAO

CAPITALISTA

a) Composio orgnica do trabalho e a sua influncia na procura da fora de trabalho Como sabemos, o capital compe-se de uma parte constante investida em meios de produo e uma parte varivel investida em fora de trabalho, mas a relao proporcional existente entre ambas no a mesma em todos os casos nem em todos os momentos. proporo existente n u m d a d o momento entre os factores objectivos e subjectivos da produo, do p o n t o de vista da sua materialidade fsica, ou seja, relao que existe entre a massa de meios de produo empregados e a quantidade de

fora de trabalho que se requer para pr essa massa em movimento, d-se o nome de composio tcnica. proporo existente entre estes factores objectivos e subjectivos da produo, do ponto de vista do seu valor, ou seja, considerados como quantidades dadas de capital constante e capital varivel, chama-se composio de valor. A composio tcnica manifesta a relao proporcional entre as diferentes partes do contedo material do capital. A composio de valor manifesta essa mesma relao entre as diferentes partes do capital, mas consideradas na sua forma de valor. H entre ambas u m a inter-relao ntima, e Marx, para a exprimir, denomina a composio de valor vista como forma da composio tcnica que reflecte as modificaes nela operadas composio orgnica do capital. Se essa composio orgnica do capital se mantm invarivel, as acumulaes sucessivas de u m a parte da mais-valia e a acelerao no ritmo dessas acumulaes originam, como consequncia necessria, um crescimento na demanda da fora de trabalho at ao momento em que a referida demanda supera a oferta. Em semelhante situao, os salrios dos operrios manifestam tendncia para subir e, se as restantes condies n o variam, isso significa u m a reduo do trabalho excedente, ou seja, da mais-valia que se pode obter por cada operrio. Essa elevao dos salrios pode verificar-se at ao ponto em que comea a constituir uma ameaa para a mais-valia mnima que os capitalistas esto dispostos a aceitar como recompensa pelo investimento dos seus capitais. Atingido este ponto, os capitalistas comeam a deixar de investir, isto , a deixar de acumular, o que faz com que a procura de fora de trabalho diminua at ficar abaixo da oferta, provocando u m a tendncia baixa dos salrios. Essa descida dos salrios representa um novo aumento da mais-valia p o r operrio de que os capitalistas se podem apropriar e estimula-os a investir uma vez mais, reiniciando-se novamente um processo de acumulao crescente. Vemos assim que, mantendo-se constante a composio orgnica do capital, a procura da fora de trabalho varia directamente na mesma proporo e com a mesma rapidez com que variar a acumulao. Se um capital de $100 000,00 tiver uma / c \ composio orgnica ( j de 3 : 2, ou seja, se decompuser

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em $60 000,00 c + $40 000,00 v e der emprego a 2000 operrios, isto significa que, por cada $100,00 investidos, h 2 operrios a trabalhar. Se esse capital produzir u m a mais-valia de $40 000,00, $10 000,00 dos quais se investem como capital adicional com u m a mesma composio orgnica de 3 : 2 , esta acumulao representar emprego para mais 200 operrios. M a s , se em vez de $10 000,00, se acumular o dobro, $20 000,00, a procura de operrios adicionais t a m b m aumentar para o dobro, isto , para 400. Se, pelo contrrio, s se acumular metade, $5000,00, a procura de nova fora de trabalho reduzir-se- igualmente para metade, ou seja, 100. Mas j estudmos que, com o desenvolvimento do capitalismo, se verifica o crescimento constante da produtividade do trabalho, crescimento esse que se reflecte no volume dos meios de produo com que o operrio trabalha n u m d a d o espao de tempo e transforma em novos produtos. Esse volume cresce por operrio medida que a produtividade do trabalho aumenta. Esta exprime-se na quantidade de produtos que um operrio elabora n u m determinado tempo e o seu crescimento implica o aumento da referida quantidade de produtos elaborados n u m mesmo tempo, o que significa que, nesse t e m p o , o operrio manipula u m a maior quantidade de matria-prima e de materiais auxiliares, e, na quase totalidade dos casos, significa igualmente a manipulao de mais meios de trabalho ou meios de trabalho mais caros, pois o incremento da produtividade est quase sempre relacionado com a utilizao de instrumentos de trabalho mais modernos e complicados, etc. medida que o desenvolvimento da produtividade do trabalho diminui, a massa de trabalho colocada em relao com a massa de meios de produo que esse trabalho mobiliza, o factor subjectivo da produo reduz-se quantitativamente em comparao com o factor positivo. E essa modificao que se opera na composio tcnica do capital reflecte-se, por sua vez, na sua composio de valor, no a u m e n t o da parte constante do capital em relao sua parte varivel. Se a composio tcnica n u m dado momento exige que, de cada $100,00 de capital investidos, $50,00 sejam em capital constante e $50,00 em capital varivel, isto , uma composio orgnica de 1:1, se se aumentar essa composio tcnica p a r a o dobro e as restantes condies no variarem, isso far c o m que, por cada $1,00 investido em fora de trabalho, haver que investir $2,00 em meios de produo, a composio orgnica pas20

sar a ser de 2 : 1 e cada $100,00 de capital decompor-se-o em $66,66 c + $33,33 v. N o obstante, devido precisamente ao aumento na produtividade do trabalho e o consequente barateamento dos elementos materiais do capital constante, a composio tcnica cresce mais rapidamente que a composio de valor do capital e o crescimento da massa de meios de produo em relao quantidade de fora de trabalho necessria para a sua manipulao e transformao em novos produtos mais rpido que o crescimento da parte constante do capital em relao sua parte varivel. Mas, de qualquer m o d o , o crescimento constante da composio tcnica reflecte-se no crescimento tambm constante, embora em menor grau, da composio de valor, ou seja, no aumento da composio orgnica do capital. C o m o a procura da fora de trabalho determinada apenas pela grandeza da parte varivel do capital, do facto de aumentar mais rapidamente o capital constante que o varivel deduz-se que a procura de operrios adicionais provocada pela acumulao progressiva no se mantm proporcional ao ritmo de crescimento do capital. Se, no exemplo convencional que apresentmos atrs, $100 000,00 de capital total, compostos por $60 000,00 c e $40 000,00 v, proporcionam emprego a 2000 operrios, quando o volume do capital for de $200 000,00, deveria haver trabalho para o d o b r o da fora de trabalho, isto , para 4000 operrios. M a s isso ocorreria caso a composio orgnica se conservasse inaltervel. Se se eleva de 3 :2 para 3 : 1 , digamos, os $200 000,00 decompor-se-o em $150 000,00 c + + $500 000,00 v e apenas daro emprego a 2500 operrios, porque a procura da fora de trabalho s provocada, como sabemos, pela parte varivel do capital, e se $40 000,00 v empregavam 2000 operrios, $50 000,00 v empregaro 2500. Como vemos, o capital total cresceu em 1 0 0 % , enquanto a procura da fora de trabalho cresceu apenas em 25 %, porque a composio orgnica elevou-se tambm para o dobro, de 3 :2 (ou, o que o mesmo, 1,5 : 1) para 3 : 1 . O capital constante aumentou de $60 000,00 c p a r a $150 000,00 c, ou seja, em 1 5 0 % , ao passo que o capital varivel cresceu mais lentamente, de $40 000,00 v para $50 000, isto , em 25 % . O crescimento da grandeza do capital global social atravs das acumulaes sucessivas d origem a duas tendncias contraditrias entre si: por um lado, o capital adicional, produto21

da mais-valia capitalizada, apesar de investido com uma composio superior do capital anterior de que constitui u m a resultante, representa um aumento na procura da fora de trabal h o ; por outro, o capital anterior, ao reinvestir-se com uma composio orgnica superior, repele uma determinada quantidade de operrios aos quais anteriormente dava emprego. Voltemos ao nosso exemplo para ilustrar o facto: do capital social de $200 000,00, metade, ou seja, $100 000,00, no passa do reinvestimento do capital que j existia quando a composio era de 3 : 2. Nesse m o m e n t o , o referido capital empregava 2000 operrios. Agora, ao reinvestir-se com uma composio orgnica de 3 : 1 , decompe-se em $75 000,00 c + + $25 000,00 v e, se as restantes condies no variarem, s poder dar emprego a 1250 operrios (se $40 000,00 v empregam 2000, $25 000,00 v empregaro 1250), sendo repelidos 750 dos que empregava anteriormente. Mas, por outro lado, o novo capital de $100 000,00 que existe agora d emprego a mais 1250 operrios, e o resultado final o crescimento absoluto do nmero total de operrios empregados de 2000 para 2500, embora o nmero relativo de operrios quanto grandeza do capital total investido tenha baixado. b) Concentrao e centralizao do capital O crescimento do capital desenrola-se atravs da concentrao e centralizao, processos que se diferenciam entre si ao mesmo tempo que se inter-relacionam intimamente. Concentrao o processo primrio, o crescimento do capital por meio de sucessivas acumulaes de mais-valias. Centralizao um processo secundrio, visto que no pode existir sem concentrao: a reunio de diversos capitais n u m nico. A concentrao exprime as relaes entre opernos e capitalistas, produto da capitalizao da mais-valia extrada pelos segundos aos primeiros. A centralizao exprime as relaes dos capitalistas entre si, produto da runa de uns pelos outros ou do acordo de uns com outros. A concentrao implica no crescimento da riqueza social representada pelo capital social. Este ltimo a soma dos capitais individuais, e o crescimento de qualquer destes atravs da acumulao traduz-se n u m crescimento do capital total da sociedade.22

A centralizao significa o crescimento de determinados capitais isolados sem que o capital social cresa, pois trata-se de u m a redistribuio dos capitais j existentes, e se um deles aumenta porque outros se reduzem ou desaparecem. Os caminhos para a centralizao podem ser vrios: 1) A encarniada luta de concorrncia que se estabelece entre os capitalistas e conduz runa de muitos, cujo lugar no mercado passa a ser ocupado por outros que lhes compram as empresas a preos baixos ou, simplesmente, ampliam as suas, centralizando no seu seio a produo anteriormente realizada por vrios. 2) Os crditos hipotecrios para cuja obteno se torna necessrio oferecer as empresas e m parte ou na totalidade como garantia, nos casos em que no podem ser reembolsados a tempo, satisfazendo, alm disso, os elevados juros correspondentes, fazem transitar para as mos dos credores as empresas dos devedores arruinadas e, portanto, a sua produo. 3) Quando a luta de concorrncia se torna ruinosa para os concorrentes mais fortes, estes estabelecem entre si acordos e associam-se, centralizando os seus capitais e a produo das suas empresas sob u m a nica firma, etc. Um exemplo de concentrao e centralizao da produo e capital pode observar-se no caso da indstria aucareira de Cuba. Se, em 1877, existiam, aproximadamente, 1190 fbricas com uma produo global de 520 000 toneladas, em 1901 funcionaram apenas 168 com u m a produo total de 635 856 toneladas. Durante o primeiro quartel do presente sculo, registou-se um processo de centralizao da produo aucareira cubana nas mos de capitalistas norte-americanos e, j em meados da dcada dos anos 20, trinta e duas companhais dos E. U. A. controlavam 84 complexos fabris, dos quais os quatro maiores possuam 54 fbricas (*). Outro ndice(i) A Czarnikaw, Rionda e C. , de Nova Iorque, controlava a Cuban Trading Co. e Cuban Carre y Cspedes, com um total de 17 fbricas. O National City Bank, Rockefeller controlava a General Sugar Co., com um total de 19 fbricas ; a B. Howell and Son a National Sugar Refining Co., New Niquero e Guntnamo, com um total de 10 fbricas; Frank C. Lowey, Fhuyer e Horacio Haweleyer a Punta Alegre and Lokey Co. com um total de 8 fbricas.a

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que nos permite apreciar o crescimento dos capitais investidos na indstria aucareira de Cuba e a concentrao e centralizao atravs das quais se efectua nos revelado pelo aumento da produo de acar por fbrica ao longo de vrios a n o s :Ano Nmero Produo mdia de fbricas no pais de acar por fbrica

1910 1915 1920 1925 ,,, 1930 1952

175 175 192 183 157 161

10 835 ton. 14 968 20 895 28 358 29 114 43 551

c) Superpopulao relativa e suas formas de se manifestar Vimos que, com o desenvolvimento do capitalismo, cresce a produtividade do trabalho, crescimento esse acompanhado do aumento da composio orgnica do capital, o que faz com que a demanda de operrios provocada pelo capital no se eleve na mesma proporo do seu crescimento. Ora bem, medida que progride a acumulao e se desenvolve a riqueza social, esse aumento da composio orgnica e diminuio relativa da demanda da fora de trabalho avanam a um ritmo mais rpido. Se a composio orgnica n u m dado momento de 1 : 1, passa depois a ser de 2 : 1, 3 : 1, 4 : 1, 5 : 1 , 7 : 1 , e t c , e , por conseguinte, s e num d a d o momento 1/2 do capital investido se emprega na aquisio de fora de trabalho, medida que a composio orgnica crescer passar a investir-se nesta aquisio uma parte cada vez menor: \k , U > i/s > U'6 , V'7 > Ht > - Como vemos, a procura de operrios diminui relativa mas progressivamente, medida que o capital aumenta. O capital varivel e o nmero de operrios por ele empregado crescem em valor absoluto ao aumentar o capital total, mas numa proporo decrescente em relao ao volume deste ltimo. De um m o d o geral, o facto traduz-se n u m crescimento absoluto da populao operria mais rpido que o crescimento absoluto do capital varivel e da sua demanda de fora de trabalho, criando-se, portanto, uma superpopulao operria que no encontra trabalho. O processo de acumulao capi1 e t c

talista produz assim, no seu desenvolvimento, u m a populao operria em excesso em relao s necessidades do capital, pelo que M a r x lhe chama superpopulao relativa. O trabalho dos operrios a fonte da acumulao capitalista e converte-se simultaneamente em fonte do seu prprio excesso relativo, o que M a r x denomina lei da populao peculiar do regime burgus. A superpopulao operria relativa , ao mesmo tempo, resultado e condio da acumulao capitalista. Resultado porque deriva do aumento na composio orgnica que acompanha as sucessivas acumulaes de capital, e condio em virtude de formar um exrcito industrial de reserva, do qual se serve o capital quando os ritmos da sua acumulao aumentam bruscamente, quando se lana de improviso no investimento em velhos ramos de produo, cujo mercado por qualquer motivo se ampliara, ou em novos ramos onde boa a perspectiva de lucros. Para agir em todos estes casos, o capital carece de massas de operrios de reserva, disponveis, que possam ser contratadas sem afectar a produo em outros ramos, nem neles provocar u m a carncia de mo-de-obra. A existncia desse exrcito industrial de reserva exerce u m a presso constante sobre o exrcito operrio no activo, ameaando afast-lo a todo o momento, e obriga os operrios que trabalham a esforarem-se ao mximo e a sujeitarem-se ainda mais s imposies do capitalista. Alm disso, essa superpopulao relativa faz com que exista sempre no mercado da fora de trabalho um excesso da oferta dessa mercadoria em relao sua procura, obrigando os vendedores os operrios a ced-la abaixo do seu valor. Assim, o nvel dos salrios regula-se em larga medida pelas expanses e contraes do exrcito industrial de reserva: quanto maior for este em relao ao exrcito operrio activo, menores os salrios, e vice-versa. Na quase totalidade dos pases subdesenvolvidos, coloniais e dependentes, em que a maioria absoluta da populao vive da agricultura, a superpopulao relativa fundamentalmente constituda por uma superpopulao agrria que, pela sua natureza social, o equivalente do exrcito industrial de reserva existente nos pases capitalistas desenvolvidos. A cada momento dado, a superpopulao relativa constituda por todos os operrios que se encontram completa25

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mente desocupados e pelos que apenas trabalham a tempo parcial. O nmero dos operrios totalmente desocupados ascendia, em 1964, nos pases capitalistas economicamente desenvolvidos, a cerca de 7 milhes, mas o nmero dos que trabalham apenas u m a parte do dia ou da semana muito mais elevada. N o s E. U. A., por exemplo, o nmero de desocupados totais, segundo as estatsticas oficiais norte-americanas, era, em 1963, de 4 166 000 operrios, enquanto o nmero dos que nesse ano trabalharam apenas uma parte do tempo, com a consequente perda de salrios, e que naturalmente se incluem na superpopulao relativa do pas, ascendeu a cerca de 13 400 000 parte a forma aguda de que se reveste nos momentos de crise ou de guerras, a superpopulao relativa apresenta trs formas principais e constantes de existncia: ) A constituda pelos desempregados que so um prod u t o normal do processo de acumulao do capital e do consequente aumento na composio orgnica. So, por exemplo, os afastados de uma empresa em virtude da introduo de mquinas, etc. Esses operrios esto destinados a ser reabsorvidos pela produo a qualquer momento que se produzam novas acumulaes de capital. Marx chama a este tipo superpopulao flutuante. b) A constituda pelos trabalhadores que ainda no esto desempregados e que realizam determinados trabalhos p o r conta prpria ou assalariados, trabalhos que, no entanto, no oferecem a mnima segurana e so muito mal remunerados, fazendo com que esta massa de trabalhores se ache constantemente na iminncia de perder o emprego e, face a isso, na primeira oportunidade que se lhe apresenta, aceita as exigncias da acumulao capitalista. Este tipo denominado por Marx superpopulao latente, e diz respeito, por exemplo, aos semiproletrios do campo e a muitos pequenos artesos e vendedores de miudezas da cidade.(!) Dados extrados de El Mundo dei Capitalismo, material elaborado pelo sector de conjuntura do Instituto de Economia Mundial e Relaes Internacionais da Academia de Cincias da U. R. S. S., editado em Moscovo em 1965 (em russo).

c) A integridade por aqueles que, fazendo parte do exrcito operrio activo, tm um trabalho muito irregular e instvel. Compem-na os subempregados, empregados de indstrias sazonais que s funcionam uma parte do ano, os trabalhadores no domiclio, etc. A este tipo, M a r x d o nome de superpopulao intermitente ou limitada. Abaixo destas trs formas principais da superpopulao relativa encontram-se os depauperados, os que esto capacitados p a r a o trabalho, mas que h muito perderam qualquer espcie de emprego fixo, e pelos incapacitados p a r a trabalhar, como os invlidos, doentes, anormais, etc. Por ltimo, temos o lumpenproletariado, composto por vagabundos, ladres, prostitutas, proxenetas, jogadores, e t c , ou seja, a escria da sociedade capitalista. Como pudemos observar atravs do que estudmos, no capitalismo, quanto maior a riqueza social, maior o capital em funes, a produtividade do trabalho e a grandeza total do proletariado, isto , da populao operria, e maior tambm o exrcito industrial de reserva, ou seja, a superpopulao relativa, e quanto maior for esta mais aguda a situao de misria e de subordinao ao capital da classe operria no seu conjunto. Enquanto n u m plo da sociedade, nas mos dos capitalistas, a riqueza, luxos e comodidades se acumulam, no outro plo, do lado dos operrios criadores dessa riqueza, acumulam-se a misria, tormentos do trabalho, despotismo, ignorncia, etc. esta a lei geral absoluta da acumulao capitalista. E esta a lei que agudiza, cada vez mais, a luta de classes entre operrios e capitalistas, fazendo com que nem sequer o facto do salrio aumentar e alguns operrios viverem individualmente melhor atenue o agravamento relativo e por vezes absoluto da situao da classe operria, significando tais melhorias apenas que o volume e peso das correntes de ouro que o operrio assalariado j forjou para si prprio o podem manter subjugado sem se conservarem to tensas (*). Esta a lei que cria as condies objectivas para que, atingido um certo grau na polarizao econmico-social por ela determinada, as massas exploradas, criadoras da riqueza e(!) KARL MARX, O Capital, volume I, captulo X X I I I .

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usufruturias da misria, j no possam suportar mais essa situao e se ergam em violento clamor revolucionrio, fazendo ribombar o furaco das suas vinganas historicamente justificadas, para varrer a burguesia exploradora e terminar de u m a vez para sempre com a base fundamental de t o d o o regime de explorao: a propriedade privada sobre os meios de produo.

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CHAMADA ACUMULAO

ORIGINRIA

At aqui, vimos como o dinheiro se converte em capital, como este produz mais-valia e como, no seu processo de reproduo, reproduz as relaes capitalistas de produo, que so premissas histricas indispensveis ao aparecimento e existncia do capitalismo; vimos como a mais-valia se converte em novo capital e este se reproduz em escala alargada. Mas no examinmos como se criaram originalmente as premissas histricas que tornaram possvel a converso do dinheiro em capital, isto , como se produziu a concentrao dos meios de produo, de vida e do dinheiro n u m plo da sociedade, enquanto no outro se concentrava u m a massa de homens e de mulheres desapossados de tudo menos da sua fora de trabalho, fora da qual eram livres possuidores e, por conseguinte, que podiam vender no mercado. At aqui, estudmos a acumulao de capital resultante do prprio processo de produo capitalista, mas no a acumulao originria que constituiu o ponto de partida do referido processo e conduziu separao entre o produtor directo e os meios de produo, convertendo-o em operrio assalariado. A primeira produto da expropriao do trabalho alheio no-remunerado e verifica-se em conformidade com as leis da produo mercantil, e a segunda produto da expropriao violenta dos meios de produo aos produtores directos, do roubo, do saque, etc., da utilizao de mtodos extraeconmicos. A primeira limita-se a reproduzir os produtores directos como operrios assalariados e os capitalistas como tais, conserva as relaes capitalistas de produo, enquanto a segunda converte os produtores directos em operrios assalariados, d origem s relaes capitalistas de produo, , em resumo, o processo histrico de dissociao entre o produtor directo e os meios de produo. 28

Os economistas burgueses e outros apologistas do capitalismo tentam apresentar essa etapa como um perodo em que gente trabalhadora, empreendedora e econmica conseguiu acumular u m a determinada quantidade de riquezas, ao passo que u m a maioria de ociosos e esbanjadores dilapidava tudo, acabando por ter apenas para subsistir a capacidade de trabalho existente em suas prprias pessoas. A realidade histrica que as coisas desenrolaram-se de um m o d o muito diferente, n o to idlico e pacfico. A estrutura econmica burguesa, nas suas origens histrico-gerais, nasceu da estrutura econmica feudal e em luta contra ela. Os produtores directos puderam dispor livremente da sua pessoa e acharam-se na obrigao e com capacidade para vender a sua fora de trabalho s quando deixaram de ser escravos ou servos ou foram privados dos seus meios de produo, no caso dos pequenos produtores mercantis. Assim, a converso do produtor directo em operrio assalariado significou, p o r um lado, a sua libertao da escravido ou servido feudal, mas, por outro, representou a sua dissociao e desvinculao total dos meios de produo e de vida e das garantias de subsistncia que, embora de forma precria, as instituies feudais e a pequena propriedade mercantil ofereciam. Para os trabalhadores, no foi seno a passagem a uma nova forma de escravido: a assalariada. A histria deste processo difere nos diversos pases segundo as caractersticas de cada um, do seu desenvolvimento histrico e do momento em que se produziu, mas o resultado ser sempre necessariamente o m e s m o : a criao da classe dos operrios assalariados, da classe dos capitalistas industriais e agrcolas e a criao ou ampliao do mercado. A formao destes elementos so as leis que regem o perodo de transio da formao econmica anterior para o socialismo. Em O Capital, Marx descreve como esse processo ocorreu em Inglaterra, pas onde a acumulao originria se produziu de forma clssica. A, a classe operria foi criada principalmente pela expropriao violenta da terra aos pequenos camponeses e pelo licenciamento dos exrcitos feudais, o que lanou no mercado da fora de trabalho u m a grande massa de proletrios livres e privados de meios de produo e de vida. Apesar disso, a oferta de mo-de-obra crescia mais lentamente que a procura provocada pelas sucessivas acumulaes de capital que, naquela poca, eram fundamentalmente de capital varivel, 29

pois o reduzido desenvolvimento da tcnica fazia com que o elemento fundamental da produo fosse a fora de trabalho, razo pela qual redigiram-se leis que obrigavam os vagabundos a trabalhar ao servio dos capitalistas, sob a ameaa de torturas fsicas e de morte. A expropriao violenta dos pequenos camponeses verificada em Inglaterra alargou o mercado interno consideravelmente, pois converteu-os em vendedores da sua fora de trabalho e, por conseguinte, em compradores de meios de vida, alm do que os meios de produo, anteriormente em larga medida produzidos pelos pequenos produtores, passaram a constituir elementos do capital e, portanto, mercadorias. A acumulao de dinheiro, necessria como ponto de partida do regime capitalista de produo surgiu dos lucros obtidos pelos capitalistas comerciais e usurrios da Idade Mdia, da explorao e do saque das colnias, do comrcio de escravos, da dvida pblica, etc. No caso de Cuba, a estrutura econmica capitalista no surge da feudal e sim de uma estrutura esclavagista de tipo especial, que, at certo ponto, como vimos, j era capitalista, e no se desenvolveu apenas nem principalmente baseada na pequena produo mercantil simples, mas na produo mercantil esclavagista. A produo do pas destinou-se sempre, fundamentalmente, ao mercado externo e s u m a parte, muito pequena em proporo, era utilizada para o consumo dos prprios produtores. O comrcio externo, o principal, encontrava-se totalmente monopolizado pela Espanha durante os primeiros sculos da colnia, embora em numerosos casos fosse burlado pelo contrabando, chamado comrcio de resgate. A tomada de Havana pelos ingleses, em 1762, assinala o incio da ruptura desse monoplio e, a partir de 1793-95, o comrcio com os E. U. A. e Inglaterra comeou a desenvolver-se sem obstculos. Alm do comrcio externo, havia o comrcio interno entre as diferentes localidades do pas e, dentro de u m a mesma localidade, entre os diversos produtores. Quanto ao tipo de produo, determinados ramos da economia cubana (quase todos os fundamentais) baseavam-se quase exclusivamente no trabalho escravo, como por exemplo, o aucareiro, a criao de gado e indstria mineira. Na produo de tabaco, horti-granjeira e artesanal, predominavam os pequenos produtores livres, que, por vezes, utilizavam a mo-de-obra assalariada.30

C o m o vemos, em Cuba, a transio para o capitalismo no exigiu a formao de um mercado, u m a vez que j fora ele formado e desenvolvido anteriormente. Por outro lado, as acumulaes de dinheiro necessrias ao desenvolvimento das relaes capitalistas tambm j existiam nas mos dos grandes comerciantes e dos prprios esclavagistas, que produziam para o mercado, obtinham o sobreproduto sob a forma de mais-valia e adquiriam os meios de produo sob a forma de capital, e t c , sendo, nesse aspecto, mais capitalistas que esclavagistas. Assim, a nica coisa que era realmente necessria para passar da estrutura esclavagista cubana capitalista era a substituio do trabalho escravo pelo trabalho assalariado, isto , a criao da classe operria, o que converteria automaticamente a classe exploradora esclavagista em burguesa (!) Vejamos o processo concreto do estabelecimento das relaes propriamente capitalistas de produo em Cuba atravs da anlise de como ocorreu nas duas principais indstrias cubanas do sculo passado d o tabaco e do acar. Na primeira, as relaes capitalistas desenvolveram-se principalmente com base na pequena produo mercantil simples e, na segunda, com base na produo mercantil esclavagista. A produo de charutos assumiu um auge extraordinrio a partir de 1817, data em que se aboliu o estanco do tabaco (2)A

(!) N. do T. A descrio do que ocorreu em Cuba aplica-se a todas as colnias que se desenvolveram base do trabalho escravo e, especialmente, ao Brasil e ao sul dos Estados Unidos. ( ) Estanco do Tabaco: O estanco do tabaco, com o seu organismo central, a Real Factoria, foi um monoplio estatal criado pelo Governo colonial espanhol em Cuba em princpios do sculo xvni, no intuito de controlar todos os aspectos da cultura do mais importante produto cubano da poca o tabaco e, fundamentalmente, a sua compra e exportao para a Espanha. A sua criao data de 11 de Abril de 1717, e entre as principais faculdades concedidas pelo Decreto que o estabeleceu, contavam-se:2

a) Determinar as zonas de cultivo. b) Controlar a compra da colheita aos cultivadores em carcter exclusivo. c) Fixar os volumes anuais de exportao. d) Fixar os preos para as diferentes qualidades. O Estanco organizou-se com uma Feitoria Central, com sede em Havana e dependncias em Santiago de Cuba, Trinidad, Bayamo e San Juan 31

e se limitaram as atribuies da Real Factoria ( ), embora j desde os fins do sculo xvin e primeiros anos do xix se fabricassem em pequenas oficinas privadas de tipo artesanal. A partir de 1817, quando foi suprimido definitivamente o Estanco, comearam a surgir as grandes fbricas de charutos que empregavam o trabalho assalariado em escala considervel, dando origem ao desenvolvimento das relaes capitalistas nesse sector. Na indstria aucareira, o trabalho assalariado utilizava-se desde fins do sculo xvii, mas em escala insignificante e apenas para a execuo de determinadas operaes, havendo predominncia absoluta do emprego de escravos. No sculo xvm, q u a n d o ocorreu a mecanizao da indstria, tornou-se necessrio aumentar a utilizao de operrios assalariados que no tivessem as limitaes do escravo, sobretudo no tocante preparao tcnica. Esses tcnicos e operrios qualificados chegaram a Cuba procedentes da Inglaterra, Frana, Espanha, E. U. A., e t c , e ingressaram nas fbricas como maquinistas, qumicos, mestres de acar, etc. N o obstante, o fundamental na produo aucareira continuou a ser o trabalho escravo at dcada de 1880, quando o trabalho assalariado passou ao primeiro plano, sendo a colheita de 1887 a primeira totalmente realizada com mo-de-obra assalariada.

3

A origem dos capitais com que a recm-nascida burguesia aucareira de 1887 operava era a seguinte: 1. Para os proprietrios anteriormente esclavagistas, que conseguiram manter-se, o capital provinha da mais-valia obtida com a explorao dos escravos ao longo de decnios. 2. Para os antigos comerciantes, convertidos em industriais aucareiros o capital provinha das hipotecas sobre o capital dos antigos proprietrios (em 1880, achavam-se gravados com hipotecas 200 dos 300 milhes de pesos que constituam o capital investido na indstria aucareira do pas (i) ) e dos confiscos dos proprietrios cubanos, suposta ou realmente envolvidos na revoluo, da especulao comercial, usura, trfico de negros, etc. 3. Outra parte era operada p o r capitais norte-americanos que penetraram na nossa economia em virtude da runa dos proprietrios cubanos, como foi o caso, em 1883, da firma Atkins and Co., que adquiriu a fbrica Soledad, p o r n o poder a famlia Sarra pagar as dvidas. A fora de trabalho assalariada utilizada na produo de acar durante a colheita j totalmente capitalista de 1887, procedia fundamentalmente da grande massa de escravos convertidos em operrios assalariados pela abolio da escravatura decretada em 1886. Este processo de converso dos escravos em operrios verificava-se desde 1880, data em que se estabeleceu o patronato ( ), podendo afirmar-se que, de um m o d o geral, as relaes capitalistas de produo j predominavam na maior parte da economia cubana desde antes de 1886.2

de los Remdios, alm de representantes em Cdis e algumas cidades de Espanha. Os fundos com que a feitoria funcionaria para realizar as compras provinham do Mxico em somas que recebiam a designao de situados. Este tipo de monoplio estatal surgiu da poltica colbertista que predominava em Espanha, nesses anos. De 1717 at 1725, registaram-se vrias revoltas de cultivadores de tabaco contra o Estanco, sufocadas em sangue. De 1725 a 1733, verificou-se um perodo de relativa liberdade, em que o contrabando se expandiu largamente. A partir de 1733, o controlo do Estanco deteriorou-se e o predomnio passou para as mos de homens de negcios que actuavam por conta prpria, de acordo com a esfera governamental. Em 1739, criou-se a Real Companhia de Comrcio de Havana, que teve o privilgio de monopolizar todo o comrcio externo da ilha e, por conseguinte, do tabaco. Esta firma era formada por aces, e os seus principais accionistas foram: financeiros e comerciantes espanhis, financeiros de Cuba e os reis de Espanha. Por ltimo, em 1761, reatou-se o estanco estatal do tabaco e criou-se a nova feitoria, que durou at 1817, ano em que foi abolida. (3) Real Factoria: ver nota anterior.

(!) JOS SUZARTE: Estdios sobre la cuestin econmica, El Triunfo, ano I I I , n. 225, de 25 de Novembro de 1 8 8 0 . ( ) Patronato de 1880: O sistema do patronato foi estabelecido oficialmente em Cuba atravs de uma lei espanhola chamada de supresso da escravatura , promulgada em Madrid, a 13 de Fevereiro de 1 8 8 0 . Essa lei, como todo o processo de supresso da escravatura, foi uma medida poltica resultante da Guerra dos Dez Anos, a revoluo pela independncia inciada por Carlos Manuel de Cspedes, a 10 de Outubro de 1 8 6 8 na sua herdade La Demjagua. A guerra de 1 8 6 8 , contra o Governo colonial espanhol e pela independncia de Cuba, teve de enfrentar o problema da escravatura, questo social dominante no pas naquele momento histrico. Os negros incor2

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poravam-se ao Exrcito Mamb em busca de liberdade para a ptria e para si prprios. O seu apoio em massa podia decidir a sorte da independncia. Os patriotas, que se levantaram em armas contra a Espanha, concordaram, na Assembleia Constituinte de Guimaro, a 10 de Abril de 1869, com a abolio da escravatura. A partir desse momento, a escravatura estava condenada a desaparecer em Cuba a curto prazo. O Governo colonial espanhol viu-se imediatamente obrigado a fazer concesses e a prometer a liberdade aos escravos, e, a 4 de Julho de 1870, a Espanha promulgou uma lei nesse sentido. Terminada a guerra de 1868 com a Paz de Zanjn, contestada por Maceo nos Mangos de Baragu, ainda sem que os cubanos conseguissem a vitria, o Governo espanhol, temendo nova rebelio armada, promulgou a lei de 1880, que estabelecia o sistema de patronato como frmula de transio para a supresso da escravatura. A lei de 13 de Fevereiro de 1880 declara, no seu artigo 1., a cessao da escravatura na Ilha de Cuba, mas, em seguida, determina que os escravos ficaro sob o patronato dos seus possuidores. O patro conservava o direito de utilizar o trabalho dos seus patrocinados, ou seja, dos seus escravos, e de represent-los em todos os actos civis e judiciais legais; o patrocinado continuava a carecer dos mais elementares direitos civis. A lei fixava aos patres as mesmas obrigaes, ou similares, para com os patrocinados que as que tinham quando se designavam por escravos: sustent-los, vesti-los, assisti-los na doena, a eles e aos seus filhos, cujos servios poderiam aproveitar sem remunerao. Estabelecia, para os patrocinados, um salrio mensal, pelo seu trabalho, de um a dois pesos para os que tivessem mais de 18 anos e no houvessem atingido a maioridade. Para os que a tiverem atingido, o salrio ser de trs pesos mensais, especificava a lei. Reiterava a proibio, estabelecida em 1870, de aplicar castigos corporais aos escravos, mas autorizava o recurso a todas as medidas coersivas e disciplinares para obrigar os patrocinados a trabalhar. Os que sassem do patronato e no pudessem justificar a posse de um contrato de trabalho seriam considerados vadios e destinados a prestar servio nas obras pblicas. Finalmente, aquele que abandonava a escravatura ficava, por essa lei sujeito a uma espcie de servido, mas no no gnero dos servos da Europa, que recebiam uma parcela de terreno com direito a cultiv-la em troca da prestao de trabalho gratuito nas terras do amo, e sim como um trabalhador servil, forado, ao qual se fixava um salrio de um ou dois pesos mensais e alimentao. Atribua-se uma durao de 8 anos ao patronato, aps os quais se considerariam os escravos livres. A explorao nesses 8 anos, intensificada aos limites extremos, recompensaria os proprietrios da perda dos escravos. Transcorrido esse perodo, continuariam a dispor de mo-de-obra barata, de homens dispostos a trabalhar em troca de alimentao miservel e salrio ainda mais nfimo. Foi este sistema de patronato estabelecido pelo poder colonial espanhol como via para liquidao gradual da escravatura, que a revoluo de 1868, apesar da sua derrota, obrigou a eliminar. (Elementos extrados de Aclaraciones, volume I.) 34

BIBLIOGRAIFA FUNDAMENTAL UTILIZADA K. MARX, O Capital, volume I, seco 7. RTVERO MUNIZ, O Tabaco, sua Histria em Cuba. JLIO LE RIVEREND, Histria Econmica de Cuba. FRIENDLANDER, Histria Econmica de Cuba.CEPERO BONILLA, Acar e Abolio.

PINO SANTOS, Aspectos Fundamentais da Histria de Cuba. LELAND H. JENKS, A Nossa Colnia de Cuba.

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Captulo

IX

M E T A M O R F O S E DO C A P I T A L E S E U C I C L O

At aqui, o objectivo central do nosso estudo consistiu no processo de produo capitalista: comemos por tom-lo estaticamente, vimos quais eram os seus componentes, como se verificava o consumo da mercadoria fora de trabalho, a criao da mais-valia, etc.; depois, analismo-lo no seu dinamismo, como processo que se repete constantemente, isto , como processo de reproduo. Conhecemos a essncia do capital. M a s o capital existe t a m b m como um processo em movimento, n u m a modificao constante das formas materiais de que se reveste. Todo o capital individual aparece inicialmente, como j vimos, sob a forma de u m a determinada quantidade de dinheiro, mas n o sob esse aspecto que se verifica o seu autocrescimento, ou seja, o seu baptismo como capital. Para tal, tem de abandonar essa forma e assumir a dos elementos do processo de produo (meios de produo e fora de trabalho), para, em seguida, adquirir a forma de mercadorias, que, vendidas no mercado, se convertem de novo na forma inicial em que se adiantou o capital, isto , sob a forma de dinheiro, se bem que agora n u m a quantidade maior que ao princpio, por conter a mais-valia criada no processo de produo. Portanto, o capital experimenta, de modo contnuo e sucessivo, u m a srie de modificaes de forma at, no final, regressar forma primitiva, o que d ao seu movimento um carcter cclico, que se desenrola em trs fases consecutivas. Na pri-

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meira fase, o capitalista, provido de u m a soma conveniente de dinheiro, apresenta-se no mercado como comprador e adquire determinadas mercadorias: os meios de produo e a fora de trabalho. O dinheiro do burgus percorre assim o acto da circulao D-M. Na segunda fase, regista-se o consumo das mercadorias compradas pelo capitalista. O seu capital percorre o acto da produo, do qual sai convertido em mercadorias c o m um valor superior ao dos elementos que as produzem. Na terceira e ltima fase, o capitalista volta ao mercado, mas agora como vendedor, e o seu capital percorre o acto da circulao M'-D', para tornar a assumir a forma de dinheiro. Por outras palavras, se representarmos por P o processo de produo desenrolado na segunda fase, a frmula geral que exprime esse movimento cclico do capital ser D-M...P...M'-D'. Em cada u m a das fases mencionadas, o capital assume u m a forma material determinada e passa a assumir outra, para dar origem fase seguinte. Na primeira fase, D-M, assume a forma de capital-dinheiro e converte-se nos elementos do processo de produo, ou seja, em capital produtivo. Na segunda, P... assume a forma de capital produtivo e converte-se em capital-mercadorias. E na terceira, adquire a forma mercantil e converte-se de novo em dinheiro. O capital abandona constantemente u m a forma para assumir outra, que o segue e regressa, finalmente, inicial. No presente captulo, o objecto central de estudo so essas diferentes formas que o capital assume no seu movimento e as fases em que se produz a transformao de u m a em outra. C o m o se trata de um processo cclico, qualquer das trs formas pode ser t o m a d a como p o n t o de partida, centro ou final do mesmo. Se optarmos pela forma dinheiro, teremos D-M...P...M'-D', se preferirmos a forma produtiva, obteremos P...M'-D'-M...P e se escolhermos a forma mercantil, ser M'-D'-M...P...M'. C o m o vemos, em todos os casos se percorrem as trs fases, assumem-se as trs formas sucessivamente e produz-se o regresso ao ponto inicial. Mas como, histrica e logicamente, todo o capital d os seus primeiros passos sob a forma de uma determinada quantidade de dinheiro, principiaremos o nosso estudo das metamorfoses do capital e do seu ciclo pelo ciclo do capital-dinheiro, isto , p o r aquele cujo ponto de partida est na forma dinheiro 38

e no qual veremos, alm do especfico que o caracteriza como um ciclo particular determinado, aquilo que comum a todos os outros ciclos.

1 CICLO

DO

CAPITAL-DINHEIRO:

D-M...P...M'-D'

a) Primeira fase: D-M D-M significa o investimento de u m a determinada quantidade de dinheiro na compra de mercadorias: para o comprador, trata-se da converso do seu dinheiro em produtos e, para o vendedor, da converso das suas mercadorias em dinheiro. Como vemos, u m a fase da circulao mercantil em geral, uma forma geral de intercmbio, porque nela se verifica uma modificao da forma assumida pelo valor: a forma dinheiro substituda pela de produtos, e vice-versa. Nesse caso, qual o motivo que torna esta operao u m a fase funcional determinada do processo de movimento do capital? N o , sem dvida, a forma da operao, porquanto esta pertence, como j vimos, circulao geral de mercadorias. E o seu contedo material, o carcter especfico das mercadorias que participam da operao, o facto de se tratar de meios de produo e de fora de trabalho, ou seja, dos factores objectivo e subjectivo do processo de produo e, mais concretamente, o facto de uma das mercadorias participantes ser a fora de trabalho, pois o pequeno produtor mercantil tambm compra meios de produo e, no entanto, a fase D-M que o seu dinheiro percorre no se converte n u m a fase determinada de movimento do capital, visto no investir o seu dinheiro investe como capital, ou seja, como dinheiro que se adianta para extrair mais-valia. Por conseguinte, D-M u m a fase dada do ciclo de movimento do capital, p o r q u a n t o se compe de D-Mp (meios de produo) e D-Ft (fora de trabalho), sendo esta ltima a especfica e caracterstica do modo capitalista de produo. claro que D-Ft no pode ter um lugar isolado de D-Mp, pois no possvel produzir dispondo apenas da fora de trabalho, u m a vez que indispensvel ter igualmente u m a determinada quantidade proporcional de meios de produo, pelo que D-M se deve apresentar como D-M~^~~ ~~~^Mp.39

Ao investir o seu dinheiro, o capitalista passa a dispor no s dos meios de produo e da fora de trabalho necessrios para produzir determinados artigos teis, mas tambm de u m a fora de trabalho capaz de realizar um trabalho superior ao indispensvel para repor o seu valor e o dos meios de produo exigidos para tal. O valor desembolsado sob a forma de dinheiro transforma-se e assume assim u m a forma material que lhe permite funcionar e produzir valores de uso e mais-valia. O capital-dinheiro converteu-se, pois, em capital produtivo. Nesse p o n t o , pode levantar-se u m a dvida: se o capital-dinheiro se investe no mercado na compra de determinadas mercadorias, como se explica que se converta em capital produtivo e n o em capital-mercadorias ? N o passa a assumir a forma material de mercadorias ? A questo est em ser a fora de trabalho u m a mercadoria somente enquanto pertence ao operrio que a vende e em serem os meios de produo mercadorias enquanto se encontram nas mos do seu vendedor; a partir do momento em que passam a constituir propriedade do capitalista que os compra, transferem-se p a r a a esfera do consumo; o capitalista n o os compra para os vender, mas para os consumir, e como se trata de um consumo produtivo e no pessoal, as mercadorias compradas passam simplesmente a ser os elementos de um processo de produo e, portanto, o capital nelas investido converte-se em capital produtivo e no em capital-mercadorias. Neste caso, D-M, alm de exprimir u m a simples compra e venda de mercadorias, a transformao simultnea do dinheiro em capital-dinheiro real e deste em capital produtivo. O dinheiro s capital-dinheiro se se investe em meios de produo e fora de t r a b a l h o ; se se investe em meios de consumo pessoal para o capitalista e sua famlia, deixa de actuar como capital-dinheiro e apenas actua como dinheiro. Toda a quantia mais ou menos elevada de dinheiro e, sobretudo, se se encontra em mos de um capitalista, capital em potncia, capital latente, ou seja, tem em si a possibilidade de se converter em fora de trabalho e em meios de produo, porm essa possibilidade s se torna realidade no momento em que de facto se investe nos elementos do processo de p r o d u o ; nesse instante que o dinheiro se converte de capital-dinheiro em potncia em capital-dinheiro real, ao mesmo tempo que este se transforma em capital produtivo. 40

O capital produtivo encerra um valor igual ao que se achava

JjFtencerrado no capital-dinheiro, pelo que D-M constitui ^Mp uma metamorfose formal, isto , significa apenas u m a modificao na forma material assumida pelo capital. Na sua forma dinheiro, o capital cumpre, como natural, funes prprias do dinheiro: meio geral de compra e meio geral de pagamento (neste ltimo caso ao pagar a fora de trabalho que, como sabemos, se vende sempre a crdito). Estas funes no se devem ao facto do capital-dinheiro ser capital, mas circunstncia de ser dinheiro. O que converte estas funes prprias do dinheiro em funes do capital , como vimos, o papel desempenhado no processo de movimento deste ltimo, a concatenao que tm c o m as outras fases do ciclo e o facto de, ao cumprir essas funes, converte-se o dinheiro em mercadorias, cuja combinao constitui a forma material do capital produtivo. Aqui, o resultado visado pelo processo de produo capitalista, ou seja, a produo de mais-valia, que no capital-dinheiro era apenas uma possibilidade formal, converte-se numa possibilidade real. Nesta primeira fase D-M, o operrio e o capitalista enfrentam-se apenas como vendedor e comprador, respectivamente, num acto em que, na aparncia, so juridicamente iguais. Mas esse acto implica que o operrio e o capitalista se encontrem em diferentes relaes de propriedade em relao aos meios de produo. Se o primeiro vende a sua fora de trabalho ao segundo, porque est privado de meios de produo e, se o segundo compra a fora de trabalho ao primeiro, porque possui os meios de produo sem os quais ela resultaria intil. Por conseguinte, para que o acto D-Ft se possa realizar e, portanto, o acto D-M, como uma fase de movimento do capital, j devem existir as relaes capitalistas de produo e uma tal distribuio dos factores de produo que concentre, p o r um lado, numas mos, os factores objectivos do processo produtivo e, por outro, rena homens que s dispon h a m do factor subjectivo do mesmo, ou seja, a fora de trabalho. C o m o vimos, a fase D-M pressupe que os meios de produo e a fora de trabalho esto separados e, para se unirem, indispensvel que o possuidor da fora de trabalho, o operrio, venda a sua nica mercadoria ao capitalista dono dos 41

meios de produo. E esta a funo especfica da metamorfose do capital-dinheiro em capital produtivo no seio do processo de movimento do capital: a de unir os meios de produo c o m a fora de trabalho. ^Ft b) Segunda fase: M ^Mp

...P...M'

Depois de se ter convertido da forma dinheiro na forma produtiva na fase D-M, que se realiza na esfera da circulao, o capital a b a n d o n a essa esfera e transfere-se p a r a a do consumo produtivo, ou seja, para a da produo em que se desenrola a segunda fase do processo de movimento do capital e na qual se produz u m a nova metamorfose. Nesta segunda fase produtiva, estudada em todos os seus pormenores nos captulos anteriores, leva-se a efeito a transformao dos elementos materiais do capital produtivo em novos valores de uso mercantis e realiza-se a criao de um novo valor que inclui a mais-valia, isto , produz-se a transformao do capital da sua forma produtiva na sua forma mercadorias, o capital produtivo converte-se em capital mercantil. Esta metamorfose j no se reduz apenas a u m a modificao na forma material que o capital assume, mas deve-se-lhe tambm o aumento que experimenta; no final da fase temos, como resultado, um produto com um valor mais elevado que o desembolsado primitivamente, porque inclui a mais-valia. Trata-se, portanto, no de u m a metamorfose exclusivamente formal, mas, acima de t u d o , de u m a metamorfose real, de contedo. A sua funo, no seio do processo de movimento do capital, a mais importante de t o d a s : a de criar a mais-valia, reproduzindo o capital adiantado acrescentado, e a de reproduzir as relaes capitalistas de produo, como vimos no captulo anterior. c) Terceira fase: M'-D' O resultado do processo de produo capitalista , como sabemos, u m a massa de produtos destinados ao mercado, ou seja, de mercadorias, que encerram um valor equivalente ao dos elementos que a produziram (meios de produo e fora de trabalho) e a mais-valia criada, isto , um valor maior 42

que o desembolsado pelo capitalista para a sua produo. Estas mercadorias, que constituem a forma material imediata que o capital assume depois de se haver incrementado com a mais-valia, esto destinadas, como natural, a cumprir as funes prprias de todas as mercadorias: venderem-se no mercado, trocarem-se por dinheiro, ou seja, percorrer a fase M-D. Esta fase M-D, tal como a primeira D-M, pertence circulao geral de mercadorias, e o facto de constituir ou no u m a fase determinada do processo de movimento depende de terem as mercadorias que nela participam sido ou no produzidas em bases capitalistas. As mercadorias actuam como capital sempre que o processo de produo as tenha carimbado como tal. U m a parte da massa de mercadorias que compem o capital mercantil encerra um valor equivalente ao dos meios de produo consumidos na sua elaborao, mais o valor reproduzido da fora de trabalho investida, ou seja, um valor equivalente ao do capital produzido e, por conseguinte, ao do capital-dinheiro inicialmente desembolsado. A esta parte podemos chamar M, que igual a e a D. Mas outra parte ~^Mp dessa massa de mercadorias que saem do processo de produo capitalista, e a que podemos chamar m, encerra um valor equivalente mais-valia criada. Portanto, o valor da massa total de mercadorias, ou seja, do capital mercantil, ser igual soma dos valores de M e de m, o que quei dizer que ser maior que M e, por conseguinte, maior que o valor primitivamente adiantado pelo capitalista. Em consequncia, ao capital mercantil, como capital acrescentado que , podemos chamar M'. Ilustremos o caso com um exemplo convencional: supnhamos que um capitalista desembolsa, digamos, $45 000,00 para a fabricao de sapatos, investindo $30 000,00 em meios de produo e $15 000,00 em fora de trabalho, a qual produz, sujeita a um grau de explorao de 100% , u m a mais-valia de $15 000,00. O valor total da massa de sapatos produzidos ser ento de $60 000,00, e se essa massa ascender a 10 000 pares, cada um ter um valor de $6,00. U m a parte do volume total de sapatos elaborados, composta por 7500 pares, contm um valor equivalente ao do capital desembolsado pelo fabricante de calado (7500 pares a $6,00 cada um proporcionam 43

um total de $45 000,00). a este parta que chamamos M, ^Ft sendo igual a M ($30 000,00 em meios de produo e Mp $15 000,00 em fora de trabalho equivalem a $45 000,00) e, por conseguinte, a D. A parte restante do volume total de sapatos, composta p o r 2500 pares, encerra um valor equivalente ao da mais-valia criada (2500 pares a $6,00 cada um proporcionam $15 000,00) e a chamamos m. A massa total de sapatos tem um valor igual soma de M + m, ou seja, $60 000,00, que maior que M ou, o que d no mesmo, maior que o capital adiantado D. A este capital mercantil composto p o r 10 000 pares de sapatos com um valor acrescentado de $60 000,00, chamamos M'. O que converte M em M', isto , a razo pela qual denominamos M' e no M ao capital mercantil n o est na grandeza absoluta do seu valor, mas na sua grandeza relativa comparada com o valor do capital produtivo consumido para a sua produo, pelo facto de ser maior que este. Esta relao existe unicamente dentro do ciclo, em ligao com as outras formas de capital; fora dele, o capital-mercadoria u m a massa vulgar de mercadorias. C o m o j dissemos, a funo de M' consiste em vender-se, a de percorrer a fase M'-D'. Nessa fase, ltima do processo de movimento do capital no percurso de um ciclo completo, verifica-se u m a nova metamorfose ou modificao de forma do capital: da sua forma mercantil passa a assumir a forma dinheiro. C o m o vemos, produz-se um regresso forma inicial em que o capital foi desembolsado. Para u m a parte do valor adiantado pelo capitalista (o investido nos meios de produo que se limita a transferir-se), esta a sua segunda actuao na esfera da circulao, pois a primeira efectuou-a em D-M, q u a n d o o capital-dinheiro se converteu em capital produtivo. Para o novo valor criado, que inclui o valor reproduzido da fora de trabalho equivalente parte do capital desembolsado investido em salrios, o qual tambm inclui a mais-valia, esta a sua primeira sada cena da circulao. O novo valor criado desponta sempre no m u n d o e d os seus primeiros passos sob a forma de mercadorias, produto directo de um processo de produo. Em M'-D', este novo valor m u d a de roupagem pela primeira vez. Por conseguinte, D' , em parte, a forma primitiva recuperada de parte do capital desembol44

sado e, em parte, a primeira forma transformada de um novo valor que se inicia na concorrncia do mercado sob a forma de mercadorias e de intercmbio por dinheiro. C o m o a troca se efectua com base em equivalentes, D' dever ser igual pelo seu valor a M' e, portanto, a metamorfose que o capital experimenta nesta terceira fase puramente formal. semelhana de M', D' j capital acrescentado, capital que engendrou mais-valia, dinheiro que originou mais dinheiro. Assim, D' exprime a finalidade e o resultado de todo o processo de movimento do capital: capital que se desembolsa sob a forma de dinheiro no intuito de obter no final mais dinheiro que o adiantado. D' demonstra que isto j se verificou, da que o capital desembolsado nunca poder ser representado p o r D', mas por D. D' sempre capital acrescentado, ponto de regresso e no de partida. d) O ciclo visto no seu conjunto O ciclo do capital-dinheiro visto no seu conjunto pode exprimir-se na seguinte frmula:

D-M ~^Mp

...P...M' (M + M)-D' (D + d)

C o m o vemos, o capital, examinado no seu processo de movimento cclico, aparece como um valor que percorre u m a srie sucessiva de trs fases, em cada u m a das quais assume uma forma material determinada destinada a desempenhar u m a funo especfica e sofre u m a metamorfose ou mudana de forma que o leva a assumir a forma seguinte. D u a s das fases mencionadas (D-M e M'-D') ocorrem na esfera da circulao, em que o capital assume as formas de capital-dinheiro e capital-mercadorias. Na outra fase ^Ft (M ...P...M') que se verifica na esfera da produo, o - Mp capital actua sob a forma de capital produtivo. Assim, o ciclo no seu conjunto, em cujo percurso o valor-capital n o s se conserva como se acrescenta, representa a unidade da circulao e da produo. 45

Este ciclo do capital-dinheiro que estudmos, assim designado porque a forma dinheiro constitui o ponto de partida e de regresso do mesmo, demonstra que o dinheiro desembolsado pelo capitalista no se gasta como dinheiro, mas apenas se adianta e exprime claramente o motivo propulsor da produo capitalista que o de fazer dinheiro.

2 O C I C L O DO C A P I T A L P R O D U T I V O : P...M'-D'-M...P Se tomarmos a forma produtiva do capital como ponto de partida e de regresso do ciclo, o processo de movimento do capital ser expresso pela frmula P...M'-D'-M...P. No ciclo encarado desse m o d o , as duas fases da circulao surgem seguidas u m a outra como um elo intermdio entre o processo de produo que abre o ciclo e o que o encerra, diferente do que acontecia no ciclo do capital-dinheiro, quando as duas fases da circulao apareciam separadas, ocupando os extremos do ciclo e intermediadas pela produo. Alm disso, a ordem das fases da circulao aqui contrria quela em que aparecem no ciclo anterior. Se nesse D-M era a primeira fase do ciclo e da circulao, M'-D' constitua a terceira e ltima fase do ciclo e a segunda da circulao, e a circulao no seu conjunto apresentava a forma D-M-D, prpria da frmula geral do capital: neste ciclo, M'-D' a terceira forma do ciclo e a segunda da circulao a qual apresenta, no seu conjunto, a forma M-D-M, prpria da circulao geral de mercadorias. Esta ordem diferente em que as fases nos aparecem, porque atravessa o capital no seu movimento, faz com que se ponha em evidncia neste ciclo algo que no se via analisando o ciclo do capital-dinheiro: a sua repetio. Se o ponto final D\ isso no quer dizer que um novo ciclo deva necessariamente principiar, pois o dinheiro pode-se entesourar ou investir no consumo pessoal do capitalista e deixar de funcionar como capital. Mas se o ponto final de regresso a forma produtiva do capital, ou seja, o processo de produo, isso implica necessariamente na repetio do ciclo e indica que j comeou um novo ciclo, porque se o capital se estratifica na sua forma produtiva no ter utilidade para o capitalista. Assim, o ciclo do capital produtivo mostra-nos o processo de produo capi46

talista como um processo que se repete, isto , como aquilo que na realidade um processo de reproduo , o que se deve ao facto do processo de produo capitalista, encarado como um fenmeno que se repete periodicamente, ou seja, como reproduo, apresentar a forma de um ciclo do capital produtivo. Se se trata de u m a reproduo simples, u m a parte de D', a equivalente ao valor inicialmente desembolsado e, portanto, ao capital produtivo consumido a que chamaremos D, investir-se- de novo para renovar a produo mesma escala anterior e continuar a circular, enquanto a outra parte de D', equivalente mais-valia criada e j realizada no mercado atravs da fase M'-D', que designaremos por d, sair do ciclo do capital e investir-se- como simples dinheiro na compra dos meios de consumo do capitalista. Neste caso, d circula junto de D, como forma do capital em movimento, apenas na fase M'-D'; a partir da separam-se e a fase D-M s percorrida por D. Mas o facto de D, ou seja, o capital desembolsado sob a forma de dinheiro para comprar meios de produo e fora de trabalho ser o mesmo que circulou em M'-D', permite-nos ver algo que nos passava despercebido no ciclo do capital-dinheiro: a origem do dinheiro. No ciclo anterior, o capital-dinheiro inicial podia considerar-se resultante do esforo e poupana pessoais, etc. Agora, vemo-lo surgir de um processo de produo capitalista anterior, como fruto do trabalho anterior dos operrios. O facto torna-se ainda mais evidente se examinarmos a reproduo ampliada. Na reproduo ampliada, toda a mais-valia, ou parte dela, investida como novo capital adicional. Por isso, d, neste caso, circula, totalmente ou em parte, junto de D no s na fase M'-D', mas tambm na D-M. A origem desta parte do capital-dinheiro produto do investimento de d reside, como sabemos, na apropriao gratuita pelo capitalista de um valor criado pelos operrios a mais-valia , p o r outras palavras, um produto da explorao dos trabalhadores. A frmula do ciclo do capital produtivo no caso da reproduo ampliada fica modificada, porque tem como ponto final de regresso um capital produtivo mais elevado que o que inicia o ciclo e ser, por conseguinte P...M'-D'...P'. Este P' revela que a mais-valia, ou, pelo menos, parte dela, se converteu em capital. 47

3 O

CICLO DO CAPITAL-MERCADORIAS: M'-D'-M...P...M'

Se examinarmos o processo de movimento do capital t o m a n d o como ponto de partida e de regresso a sua forma mercantil, a frmula que exprime o ciclo ser o seguinte: M'-D'-M...P.,.M'. Neste ciclo, as duas fases da circulao nem esto intermediadas pela produo, como no ciclo do capital-dinheiro, nem se acham intermediadas entre dois processos de produo, como no ciclo do capital produtivo, encontrando-se ambas situadas consecutivamente como fases iniciais do mesmo, e a produo constitui a sua terceira e ltima fase, embora j como fase concluda, depois de o capital produtivo se haver transformado em capital-mercadorias. Nos dois ciclos analisados anteriormente, o p o n t o de partida sempre o valor-capital adiantado: no primeiro caso, sob a forma de capital-dinheiro e, no segundo, sob a forma de capital produtivo. No entanto, o ciclo do capital-mercadorias comea pelo capital incrementado que j contm a mais-valia. O facto deve-se a que o capital, no seu movimento, s assume a forma mercantil como produto directo do processo de produo, ou seja, depois de o valor inicial desembolsado ter sido acrescentado pela mais-valia. O capital-dinheiro no capital pelo facto de conter mais-valia, por constituir o resultado de um processo de produo capitalista, mas porque se investe em meios de produo e em fora de trabalho. O dinheiro de um capitalista, mesmo quando for resultado de um processo de produo capitalista, se se investir em artigos de consumo pessoal, no ser capital. Isto significa que o capital-dinheiro no capital pela sua origem, pelo seu passado, mas pelo seu destino, pelo seu futuro. O capital produtivo tambm no capital pela sua origem, mas pelo seu presente, p o r se achar integrado por meios de produo e na fora de trabalho, que se combinam como propriedade de um capitalista. N o obstante, o capital-mercadorias capital, no pelo seu futuro ou presente, mas pelo seu passado, pela sua origem. Somente as mercadorias que foram elaboradas em bases capitalistas so capital-mercadorias e, portanto, este constitui sempre capital incrementado. O ciclo do capital-mercadorias, tal como o do capital produtivo, implica na repetio necessria do ciclo, porque o capi48

tal, estancado na forma mercantil, to-pouco resulta til ao capitalista. Para ser til, tem de se converter em dinheiro, o que significa o reatamento do ciclo. No caso da reproduo ampliada, o capital-mercadorias que aparece no final tem um valor mais elevado que o que surge no princpio, o que tambm modifica a frmula em que o ciclo se exprime, apresentando-se como: M'-D'-M'...P'...M'.

4 OS

TRS

CICLOS

VISTOS

NO

SEU

CONJUNTO

Na realidade concreta, o capital no se move apenas como ciclo do capital-dinheiro ou do capital produtivo ou ainda do capital-mercadorias, mas como uma unidade dialctica dos trs ciclos. O seu movimento repetido sob u m a das formas do ciclo contm implcito o seu movimento sob as outras formas. Supnhamos a repetio contnua do ciclo do capital-dinheiro:D-M...P...W-D' D-M...P...M'D' D-M...P...M'-D' D-M...P, etc.

C o m o vemos, o movimento ininterrupto e contnuo do capital desenvolve-se sob a forma dos trs ciclos, que se entrelaam mutuamente. Nesse movimento contnuo, o capital existe simultaneamente sob as suas trs formas, ao mesmo tempo que passa sucessivamente de uma para outra. Ou seja, se um capitalista investiu $