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    EntrevistaDialogia, So Paulo, v. 6, p. 21-29, 2007.

    Doutora em Lingstica Unicamp; Mestre em Lingstica Aplicada e Estudos da

    Linguagem PUC-SP; Docente da USP.

    So Paulo SP [Brasil][email protected]

    Dialogia: Como e quando a senhora comeou a se interessar

    por Anlise de Discurso e pelas relaes entre lingua-

    gem e identidade?

    Marisa Grigoletto: Comecei a me interessar por

    Anlise do Discurso ao final do meu mestrado, realizado no

    Programa de Lingstica Aplicada e Estudos da Linguagem

    (LAEL), da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-

    SP). Na verdade, na minha dissertao de mestrado, em que

    desenvolvi pesquisa sobre processos de compreenso em leitura,

    no trabalhei com Anlise do Discurso. Essa perspectiva de

    estudos da linguagem no era ensinada nos cursos nem de-

    senvolvida nas pesquisas do LAEL, at 1987, quando conclu

    o mestrado. Minha pesquisa abordou a leitura pela via da

    lingstica textual e da psicolingstica. Mas, ao concluir o

    mestrado, e continuando a me interessar por leitura, comecei a

    ler trabalhos que propunham uma viso discursiva de leitura.

    A partir desse interesse inicial, fui ler textos de Eni Orlandi e

    comecei a freqentar seus cursos no Programa de Lingstica

    da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde optei

    por fazer meu doutorado. J o interesse pelas relaes entre

    linguagem e identidade surgiu bem mais tarde, no interior

    Entrevista com Marisa

    Grigoletto

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    do grupo de pesquisa do qual participo at hoje,

    Da torre de marfim torre de Babel, coordena-

    do pela Prof Maria Jos Coracini, da Unicamp.

    O grupo comeou a investigar relaes entre dis-

    curso, lngua e identidade, a partir de 1998, nas

    pesquisas realizadas no ento Projeto Integrado do

    Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico

    e Tecnolgico (CNPq) Interdiscursividade e iden-

    tidade no discurso didtico-pedaggico (lngua

    materna e lngua estrangeira). Esse foco de in-

    vestigao tornou-se ainda mais slido, para o

    grupo, com o nosso ingresso no Grupo de Trabalho

    Prticas identitrias em lingstica aplicada, da

    Associao Nacional de Ps-Graduao em Letras

    e Lingstica (ANPOLL).

    D: Em sua tese de doutoramento, a senhora

    investiga o discurso poltico britnico sobre

    a ndia, por ocasio da concesso de inde-

    pendncia colnia. De um modo geral, a

    que concluses chegou?

    M.G.: Naquela pesquisa, cheguei conclu-

    so de que o discurso poltico britnico sobre a

    ndia na fase final da colonizao, no perodo em

    que o governo ingls preparou o que se denominou

    a transferncia do poder, um discurso es-

    garado, digamos, porque, de um lado, mantm

    uma relao interdiscursiva forte com o discurso

    colonialista construdo desde meados do sculo

    XVIII, no interior do qual as posies-sujeito de

    colonizador e de colonizado esto bem definidas e

    separadas. De outro lado, o discurso pr-indepen-

    dncia atravessado e clivado por outros sentidos,

    sobretudo, de soberania e igualdade polticas, em

    que a legitimidade de formas institucionais de

    representao poltica reconhecida. Entre esses

    sentidos conflitantes, o discurso se esgara e

    mostra, nas fissuras, as contradies do discurso

    colonial, ou, pelo menos, de um poder colonial

    agonizante. Sugeri, tambm, na concluso do tra-

    balho, que formas de cultura colonial continuam

    a se reproduzir nos discursos que nos constituem

    como sujeitos polticos, e que necessrio procurar

    compreender os efeitos das matrizes colonialistas

    na formao de identidades culturais e polticas

    ainda hoje.

    Cincia, objeto e mtodo

    D: Correntes contemporneas de teorizao

    da linguagem podem ser classificadas, em

    termos gerais, em dois grandes ramos: por

    um lado, trabalha-se com a semiologia e

    a lingstica; por outro, com perspecti-

    vas que preferem considerar os produtos

    culturais em contextos mais amplos. Nos

    ltimos anos, estudos do primeiro tipo

    constituram uma disciplina da rea lin-

    gstica chamada Anlise de Discurso,

    com matrizes, sobretudo, francesas e

    anglo-saxnicas. Na outra vertente,

    deu-se importncia linha dos Estudos

    Culturais, nascida na Inglaterra e com

    fortes ramificaes tambm nos Estados

    Unidos. O que caracteriza a Anlise de

    Discurso e os Estudos Culturais, res-

    pectivamente? possvel apontar suas

    principais caractersticas?

    M.G.: Voc se refere Anlise de Discurso,

    denominao especfica, segundo Eni Orlandi, da

    corrente de Anlise do Discurso desenvolvida por

    Michel Pcheux, na Frana; eu prefiro utilizar a de-

    signao Anlise do Discurso, que, a meu ver, nos

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    permite referir tanto essa anlise do discurso de base

    pcheutiana quanto outras vertentes, embora eu me

    alinhe com as vertentes que, tal como a de Pcheux,

    propem ver o discurso na sua relao constitutiva

    com a histria, o social e a ideologia. Como voc

    sabe, so vrias as correntes de estudos lingsticos

    que recebem a denomina-

    o Anlise do Discurso,

    de modo que, talvez, devs-

    semos falar em estudos do

    discurso, para sermos preci-

    sos. Respondendo questo,

    eu no diria que a Anlise

    do Discurso se distancia,

    necessariamente, de contex-

    tos culturais mais amplos;

    como acabei de dizer, h

    muitas vertentes de Anlise

    do Discurso, e a considera-

    o de contextos amplos,

    sociais e histricos, nas an-

    lises, depende da perspectiva

    epistemolgica e terica de cada vertente. Mas, em

    linhas gerais, eu diria que a Anlise do Discurso se

    caracteriza por tomar como objeto o discurso; da a

    centralidade da lngua e, mesmo, de outras formas

    de linguagem no-verbal. J os Estudos Culturais

    tm como foco a anlise da cultura em sua relao

    com a sociedade. Claro que, nessa perspectiva, no

    se trata mais de conceber a cultura somente como

    letrada (as obras consagradas) ou de imprimir

    uma reflexo centrada no vnculo cultura-nao,

    mas de ver a cultura no seu sentido antropolgico,

    como formas de viver de um determinado grupo

    social e suas manifestaes, conforme nos expli-

    cam Mattelart e Neveu (Introduo aos estudos

    culturais, 2004). Procura-se pensar o cultural

    para produzir formas de crtica. O objeto, ento,

    a cultura, nas suas muitas manifestaes, e no es-

    pecificamente a linguagem.

    D: Em relao Anlise de Discurso, pode-se

    dizer que se trata de uma rea de conhe-

    cimento especfica de pesquisadores das

    letras, ou historiadores, ge-

    grafos e cientistas sociais

    tambm podem atuar

    dentro de seus limites meto-

    dolgicos e prticos? O que

    exatamente, em sua opinio,

    permite-nos identificar um

    estudo como pertencente

    Anlise de Discurso?

    M.G.: Ela especfica

    das letras porque se centra,

    como eu j disse, nas produ-

    es linguageiras, e porque

    lana mo de categorias lin-

    gsticas para suas anlises.

    Isso significa que o analista de discurso precisa

    ter conhecimento de estudos lingsticos; precisa

    ter desenvolvido certa sensibilidade lingstica,

    adquirida por meio de estudos, para compreender

    o funcionamento de um discurso, apesar de s os

    estudos lingsticos no serem suficientes, uma

    vez que preciso compreender tambm o contexto

    social, histrico e ideolgico em que um deter-

    minado discurso se constitui. No entanto, essa

    especificidade no significa que pesquisadores de

    outras reas das cincias humanas que, de uma

    forma ou de outra, tambm trabalham com lin-

    guagem no possam incorporar o olhar terico

    e a metodologia da Anlise do Discurso. H vrios

    exemplos de pesquisadores em reas como a

    histria, a psicologia e as cincias sociais que uti-

    [] h muitas vertentes de Anlise

    do Discurso, e a considerao de

    contextos amplos, sociais e histricos,

    nas anlises, depende da perspectiva

    epistemolgica e terica de cada vertente.

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    lizam conceitos e mtodos da Anlise do Discurso

    em suas investigaes. Vrios historiadores, na

    Frana por exemplo, Rgine Robin e Jacques

    Guilhaumou , lanaram propostas de intersec-

    o entre a Anlise do Discurso desenvolvida por

    Michel Pcheux e a Histria. Norman Fairclough,

    um dos expoentes da corrente chamada Anlise

    Crtica do Discurso, no mundo anglo-saxo,

    prope a sua teoria social do discurso, mostrando

    a pesquisadores das cincias sociais os ganhos a

    ser obtidos com a incorporao de uma perspecti-

    va discursiva em suas anlises.

    D: Em virtude dos desdobramentos nos estudos

    na rea e respectivo desenvolvimento

    de seu aparato terico-metodolgico

    podemos considerar a Anlise de Discurso

    um campo de investigao desvinculado

    da cincia Lingstica, ou seja, estaria a

    AD constituindo-se numa disciplina in-

    dependente da Lingstica justamente

    por levar em considerao tanto quanto a

    materialidade lingstica, os aspectos so-

    ciolgicos, contextuais, ideolgicos etc?

    M.G.: No, no acho que possamos conside-

    rar a Anlise do Discurso um campo de investigao

    desvinculado da Lingstica. Primeiro, se tomar-

    mos a Lingstica como uma cincia que estuda

    fenmenos de lngua de vrias naturezas, vemos

    que ela se segmenta em vrias reas, das quais

    algumas tendem a centrar-se no sistema lings-

    tico, como a sintaxe e a morfologia, por exemplo,

    enquanto outras abordam a lngua na relao com

    seu uso em sociedade, de alguma forma. Nesse

    segundo grupo, temos, por exemplo, a sociolings-

    tica, a pragmtica e tambm a anlise do discurso,

    ou estudos do discurso. Mas claro que, se pensar-

    mos a Lingstica de forma estrita, como a cincia

    que estuda a lngua como sistema abstrato, isto ,

    a lngua fechada nela mesma enquanto sistema

    de signos ou de regras formais, concluiremos que

    est assentada em bases epistemolgicas distintas

    da Anlise do Discurso. Por outro lado, a Anlise

    do Discurso iniciada por Pcheux, no fim dos anos

    1960, na Frana, deixa bem explcito seu vnculo

    com a lingstica, no no modo de essa cincia tra-

    balhar a lngua como sistema abstrato, mas, sim

    pelo fato de a Lingstica ter constitudo a lngua

    como objeto prprio, um objeto que tem uma

    ordem prpria. Essa concepo de ordem prpria,

    de no-transparncia, o que permite Anlise do

    Discurso tomar a linguagem como elemento cons-

    titutivo e intransponvel da relao entre homem e

    mundo. Entretanto, preciso levar em conta que,

    enquanto a lingstica tem como objeto a lngua,

    a Anlise do Discurso tem como objeto o discurso;

    esse, na definio de Eni Orlandi, [...] palavra em

    movimento, prtica de linguagem [...] um objeto

    scio-histrico em que o lingstico intervm como

    pressuposto. (2005, p. 15-16).

    D: Em seu artigo Lngua e identidade: re-

    presentaes da lngua estrangeira no

    discurso de futuros professores de lngua

    inglesa (publicado em Ingls como

    lngua estrangeira: identidades, prticas

    e textualidade, 2001), a senhora parece

    no se identificar com o discurso de soci-

    logos e estudiosos da cultura acerca do

    sujeito ps-moderno. H distino entre

    essas concepes de sujeito? Em que con-

    siste essa distino?

    M.G.: Essa sua interpretao me surpreen-

    de um pouco. Eu no diria que no me identifico

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    com o discurso de socilogos e estudiosos da

    cultura acerca do sujeito ps-moderno. fato

    que o termo ps-moderno bastante controverso,

    por motivos que no cabe mencionar aqui, mas

    que me levam a preferir adotar a perspectiva de

    tericos que se alinham

    com o ps-estruturalismo

    e, dessa perspectiva, fazem

    a crtica chamada teoria

    do sujeito. Esse movimen-

    to terico ps em xeque

    o sujeito centrado, sujeito

    da razo, da modernida-

    de. A categoria de sujeito

    emerge na idade moderna,

    quando passa a ocupar o

    centro do mundo; indivduo

    soberano, pensante e cons-

    ciente, conforme postulado

    pela mxima de Descartes,

    Penso, logo existo. Por

    isso chamado sujeito

    cartesiano. O ps-estrutu-

    ralismo faz a crtica desse sujeito autnomo, livre

    e autoconsciente, mostrando que o sujeito tem

    suas determinaes histricas e culturais, cons-

    titudo por discursos e possui um inconsciente

    que faz com que desconhea a si mesmo, como

    nos revelou Freud. Trata-se, ento, de um sujeito

    descentrado, que perdeu a posio soberana de

    ser tomado como origem de todo conhecimento e

    dele separado, e que se constitui como sujeito di-

    vidido, clivado pelo inconsciente. Alguns tericos

    utilizam o termo ps-moderno para designar esse

    sujeito, como, Stuart Hall, por exemplo (identi-

    dades culturais na ps-modernidade), que, ao

    refletir sobre identidades culturais, postula um

    sujeito que perdeu sua identidade fixa e essencial,

    prpria do sujeito da modernidade, passando a

    exibir identidades provisrias, fragmentadas, ina-

    cabadas e contraditrias. A Anlise do Discurso

    de base pcheutiana trabalha com essa concep-

    o de sujeito descentrado e, portanto, ajuda a

    fazer a crtica do sujeito das

    filosofias subjetivistas.

    Discurso e ensino

    D: Em recente Simpsio

    Internacional sobre Anlise

    Crtica do Discurso, rea-

    lizado na Universidade de

    So Paulo (USP), uma das

    organizadoras, ao apre-

    sentar o palestrante Luiz

    Paulo da Moita Lopes, or-

    ganizador do livro Por

    uma lingstica aplicada

    indisciplinar, equivocou-

    se e enunciou Por uma

    lingstica aplicada interdisciplinar.

    Esse lapso indicia uma dificuldade para

    desenvolver a indisciplinaridade?

    M.G.: Certamente, Luiz Paulo da Moita

    Lopes seria a pessoa mais indicada para res-

    ponder a essa questo. Mas acredito que sim,

    concordando com a sua crtica, no livro, a certa

    viso de lingstica aplicada que tem dificulda-

    de em se assumir como disciplina transgressiva,

    mestia ou nmade, nas palavras do autor. A

    pesquisa tradicional em lingstica aplicada

    ainda est presa a paradigmas que a tornam

    muito comportada, seja por meio da aplicao

    de modelos tericos (da lingstica, mas tambm

    Trata-se, ento, de um sujeito

    descentrado, que perdeu a posio

    soberana de ser tomado como origem de todo conhecimento e dele separado, e que se

    constitui como sujeito dividido, clivado pelo

    inconsciente.

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    de outras cincias, embora a lingstica ainda

    seja considerada a disciplina-me, nessa tica)

    que lhe impem vises preestabelecidas e, con-

    seqentemente, desdobramentos previsveis, seja

    porque se recusa a fazer da investigao cient-

    fica uma questo de poltica. Parece-me que

    contra esse segundo enfoque da lingstica apli-

    cada normal que Moita Lopes se posiciona com

    seu livro. bvio que essa lingstica aplicada

    indisciplinar de natureza interdisciplinar ou

    transdisciplinar, uma vez que dialoga com dis-

    ciplinas das cincias sociais e humanidades, na

    sua tarefa de pensar as prticas de linguagem na

    vida social. Entretanto, ela quer ir alm da in-

    terdisciplinaridade pura e simples; quer dialogar

    com outras reas para propor, mais do que solu-

    es, reflexes que problematizem os fenmenos

    investigados. Ela quer, nas palavras de Moita

    Lopes, distanciar-se da lingstica aplicada aut-

    noma, para poder se constituir como lingstica

    aplicada ideolgica, de modo que no passe ao

    largo das questes sociopolticas imbricadas com

    as situaes de uso da linguagem em sociedade.

    Com isso, o prprio ato de pesquisar politiza-

    do, com o auxlio de teorias que questionam os

    ideais da modernidade e as formas de produzir

    conhecimento que descorporificam o sujeito,

    tanto pesquisado quanto pesquisador.

    D: H vrios mecanismos de homogeneizao

    das prticas discursivas. Os Parmetros

    Curriculares Nacionais (PCNs) constituem

    um desses mecanismos?

    M.G.: Acredito que sim. Essa homogenei-

    zao inevitvel, uma vez que os PCNs, como

    qualquer outro documento de orientao curricu-

    lar, levam ao professor uma viso sobre o ensino

    daquela determinada disciplina. E outros procedi-

    mentos idealizados com a finalidade de garantir

    o conhecimento e a utilizao dos PCNs pelos

    professores (por exemplo, na forma de encontros

    com professores ou de textos explicativos sobre os

    PCNs, medidas j adotadas em algum momento

    pelo Ministrio da Educao [MEC]) contri-

    buem como mecanismos de homogeneizao.

    Entretanto , sobretudo, a possibilidade de que se

    venha a conceber os PCNs como a verdade que

    deve ser implementada na prtica pedaggica que

    aumenta o risco de homogeneizao.

    D: Luiz Percival Leme Brito (1997: 251), em A

    sombra do caos: ensino de lngua x tra-

    dio gramatical, afirma que [...] muitos

    tm chamado a ateno para o carter

    ideolgico e autoritrio do livro didtico

    que alm de simplificar absurdamente

    o conhecimento, tende a falsear a reali-

    dade e escamotear as disputas e conflitos

    sociais. Qual sua opinio sobre o livro di-

    dtico no Brasil?

    M.G.: O livro didtico tem estado muito

    presente em nossa histria escolar; e tem tal

    fora que pode ajudar a conformar, ou distorcer,

    o modo como se l, se pensa e se escreve sobre

    determinado contedo. Essa distoro pode ser

    vista refletida na competncia de leitura de alunos

    que so capazes de entender um texto de livro

    didtico, entendimento verificado por meio de res-

    postas a questes de compreenso, mas que so

    incapazes de compreender um texto real que no

    tem o tratamento didtico. Tambm a forma de

    exposio do conhecimento no livro didtico pode

    influenciar de tal modo o professor que, mesmo

    em situaes em que opte por no recorrer ao livro

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    didtico, o tipo de tarefas criadas por ele e propos-

    tas aos alunos reflete o modelo do livro didtico.

    Outra questo que envolve

    o livro didtico que,

    para alm das simplifica-

    es e diluio de conflitos

    sociais que possa conter, e

    que podem ocorrer mesmo

    quando se tenta fazer dife-

    rente, o livro didtico tende

    a se constituir, no espao

    discursivo da escola, num

    texto fechado, no qual os

    sentidos j esto estabeleci-

    dos (pelo autor), para serem

    apenas reconhecidos e con-

    sumidos por seus usurios

    (professor e alunos). Essa

    uma questo sria cuja

    tendncia atribuir ao livro

    didtico autoridade plena

    de veculo divulgador de um

    conhecimento meramente

    repetido por professores e

    alunos. No estou, com isso,

    defendendo a total abolio

    de livros didticos na escola,

    mas que sua funo e seu

    peso no ensino sejam redi-

    mensionados, de modo que

    possa ser um componente auxiliar (no central) e

    possa tambm ser abordado, de forma crtica, por

    professores e alunos.

    D: Como as universidades podem efetivar

    melhor o processo de formao de pro-

    fessores diante dos novos desafios que a

    sociedade do espetculo nos apresenta?

    M.G.: crucial que as universidades pro-

    piciem a seus alunos, futuros professores, mas

    tambm a futuros profis-

    sionais de qualquer outro

    campo, condies de perma-

    nente reflexo crtica sobre

    produo e transmisso de

    conhecimento, atuao pro-

    fissional (professor etc.) e

    vivncia social nas sociedades

    mercantilizadas e globaliza-

    das da modernidade tardia.

    Essa postura crtica essen-

    cial, se quisermos ter alguma

    chance de escapar um pouco

    da ideologia de mercantili-

    zao de tudo e de todos, de

    todas as relaes sociais, que

    essa sociedade do espetcu-

    lo nos impe e por meio das

    quais tenta nos engolir. Mas

    preciso tambm, especifi-

    camente no que diz respeito

    formao de professores,

    tomar cuidado para no con-

    ceber a universidade como o

    nico celeiro de produo de

    conhecimento em relao

    escola. Quero dizer que a uni-

    versidade no deve ser vista,

    nem pelos prprios docentes e alunos, nem pelos

    professores em servio, como o lugar do qual todas

    as respostas aos desafios do ensino devem vir, para

    serem aplicadas na escola, e esta no deve ser vista

    como espao em que apenas se efetiva a prtica. Essa

    uma distoro que, por um lado, coloca a universi-

    dade num falso pedestal, de onde se esperam todas as

    respostas, concebidas como receitas de sucesso para

    crucial que as universidades

    propiciem a seus alunos, futuros professores,

    mas tambm a futuros profissionais

    de qualquer outro campo, condies

    de permanente reflexo crtica sobre produo

    e transmisso de conhecimento,

    atuao profissional (professor etc.)

    e vivncia social nas sociedades

    mercantilizadas e globalizadas da

    modernidade tardia.

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    o ensino, e, por outro, coloca a escola na condio

    de incapacitada para a produo de conhecimento

    terico e de respostas aos seus desafios.

    Discurso e mdia

    D: Na obra A sociedade enfrenta sua mdia

    Dispositivos sociais de crtica midi-

    tica, Jos Luiz Braga (2006) prope uma

    viso para compreender o fenmeno da co-

    municao que no se resume ao modelo

    unidirecional, responsvel pela crena no

    dualismo entre mdia e sociedade, dualismo

    que to mais danoso na medida em que

    enfatiza a polaridade entre emissor (ativo)

    e receptor (passivo). Ele prope a atividade

    de resposta como um novo dispositivo que

    completa o conjunto de processos de mi-

    diatizao social. Segundo Braga, o novo

    sistema corresponde a atividades de respos-

    ta produtiva e direcionadora da sociedade

    em interao com os produtos miditicos.

    Ns, professores, sabemos que importante

    para o aluno educar o olhar e identificar,

    nos gneros da mdia, marcas de manipu-

    lao, de disseminao de ideologias, de

    discriminao e de preconceito. A senhora

    acredita que a escola tenha como se con-

    trapor a esse poder da mdia? Qual deve

    ser o papel da instituio escolar diante do

    avano, cada vez mais evidente, dos meios

    de comunicao miditicos?

    M.G.: No creio que seja o caso de falar em

    contraposio da escola ante o poder da mdia. De

    todo modo, a mdia j entrou no universo escolar,

    seja nas maneiras de o discurso da mdia atravessar

    os da escola, seja porque os sujeitos da escola, pro-

    fessores, alunos, coordenadores etc., interagem com

    as diversas formas de mdia na vida social em geral,

    fora da escola. O que quero dizer que no adianta

    tentar deixar a mdia do lado de fora da escola,

    fazendo de conta que os agentes do universo escolar

    no so afetados por ela. Por isso, julgo mais pro-

    dutivo pensar em outras bases. A mdia tem grande

    poder nas sociedades contemporneas ocidentais;

    esse um fato. Esse poder pode ser usado para dis-

    seminar determinadas ideologias, a servio do poder

    econmico e poltico, o que tambm acontece. Mas

    tambm inegvel que a mdia contempornea

    permite a circulao de informaes, em dimenses

    inimaginveis h um sculo, e esse um aspecto po-

    sitivo. Para nos inserirmos, de forma ativa, na vida

    social, importante, ento, nos capacitarmos para a

    leitura dos diversos veculos miditicos (leitura en-

    tendida de modo amplo, incluindo-se a leitura de

    imagens, por exemplo) e, ao mesmo tempo, desen-

    volvermos nossa competncia crtica para realizar

    essa leitura. Acredito que a escola deva exercer seu

    papel na formao de leitores tambm para lerem

    a mdia; leitores capacitados para extrair, de forma

    eficiente, as informaes e outros contedos que a

    mdia nos traz, assim como para se posicionar com

    criticidade diante dela.

    D: Implicaes e aplicaes para os professo-

    res e / ou professores em formao?

    M.G.: Creio que essa mesma postura pode e

    deve ser desenvolvida com professores e professores

    em formao. evidente que os professores somente

    podero ajudar seus alunos a se tornarem leitores

    competentes e crticos da mdia se eles tambm o

    forem. Portanto, essa uma tarefa dos cursos de for-

    mao de professores.

  • 29

    EntrevistaDialogia, So Paulo, v. 6, p. 21-29, 2007.

    Referncias

    BRAGA, Jos Luiz Braga. A sociedade enfrenta sua mdia Dispositivos sociais de crtica miditica. So Paulo: Paulus, 2006.

    BRITO, Luiz Percival Leme. A sombra do caos: ensino de lngua x tradio gramatical. Campinas, SP: Mercado de Letras; Associao de Leitura do Brasil, 1997. (Leituras no Brasil).

    GRIGOLETTO, Marisa. Lngua e identidade: representaes da lngua estrangeira no discurso de futuros professores de lngua inglesa. In: GRIGOLETTO, Marisa; CARMAGNANI, G. Ana Maria (Org.). Ingls como lngua estrangeira: identidade, prticas e textualidade. So Paulo: Humanitas, 2001.

    LOPES, Luiz Paulo da Moita (Org.). Por uma

    lingstica aplicada indisciplinar. So Paulo:

    Parbola editorial, 2006.

    MATTELART, Armand; NEVEU, rik. Introduo aos

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    ORLANDI, Eni Puccinelli. Anlise de discurso:

    princpios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes,

    2005.

    Entrevista concedida

    ao prof. Murilo Jardelino da Costa