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ARTIGO
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EntrevistaDialogia, So Paulo, v. 6, p. 21-29, 2007.
Doutora em Lingstica Unicamp; Mestre em Lingstica Aplicada e Estudos da
Linguagem PUC-SP; Docente da USP.
So Paulo SP [Brasil][email protected]
Dialogia: Como e quando a senhora comeou a se interessar
por Anlise de Discurso e pelas relaes entre lingua-
gem e identidade?
Marisa Grigoletto: Comecei a me interessar por
Anlise do Discurso ao final do meu mestrado, realizado no
Programa de Lingstica Aplicada e Estudos da Linguagem
(LAEL), da Pontifcia Universidade Catlica de So Paulo (PUC-
SP). Na verdade, na minha dissertao de mestrado, em que
desenvolvi pesquisa sobre processos de compreenso em leitura,
no trabalhei com Anlise do Discurso. Essa perspectiva de
estudos da linguagem no era ensinada nos cursos nem de-
senvolvida nas pesquisas do LAEL, at 1987, quando conclu
o mestrado. Minha pesquisa abordou a leitura pela via da
lingstica textual e da psicolingstica. Mas, ao concluir o
mestrado, e continuando a me interessar por leitura, comecei a
ler trabalhos que propunham uma viso discursiva de leitura.
A partir desse interesse inicial, fui ler textos de Eni Orlandi e
comecei a freqentar seus cursos no Programa de Lingstica
da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), onde optei
por fazer meu doutorado. J o interesse pelas relaes entre
linguagem e identidade surgiu bem mais tarde, no interior
Entrevista com Marisa
Grigoletto
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Dialogia, So Paulo, v. 6, p. 21-29, 2007.
do grupo de pesquisa do qual participo at hoje,
Da torre de marfim torre de Babel, coordena-
do pela Prof Maria Jos Coracini, da Unicamp.
O grupo comeou a investigar relaes entre dis-
curso, lngua e identidade, a partir de 1998, nas
pesquisas realizadas no ento Projeto Integrado do
Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico
e Tecnolgico (CNPq) Interdiscursividade e iden-
tidade no discurso didtico-pedaggico (lngua
materna e lngua estrangeira). Esse foco de in-
vestigao tornou-se ainda mais slido, para o
grupo, com o nosso ingresso no Grupo de Trabalho
Prticas identitrias em lingstica aplicada, da
Associao Nacional de Ps-Graduao em Letras
e Lingstica (ANPOLL).
D: Em sua tese de doutoramento, a senhora
investiga o discurso poltico britnico sobre
a ndia, por ocasio da concesso de inde-
pendncia colnia. De um modo geral, a
que concluses chegou?
M.G.: Naquela pesquisa, cheguei conclu-
so de que o discurso poltico britnico sobre a
ndia na fase final da colonizao, no perodo em
que o governo ingls preparou o que se denominou
a transferncia do poder, um discurso es-
garado, digamos, porque, de um lado, mantm
uma relao interdiscursiva forte com o discurso
colonialista construdo desde meados do sculo
XVIII, no interior do qual as posies-sujeito de
colonizador e de colonizado esto bem definidas e
separadas. De outro lado, o discurso pr-indepen-
dncia atravessado e clivado por outros sentidos,
sobretudo, de soberania e igualdade polticas, em
que a legitimidade de formas institucionais de
representao poltica reconhecida. Entre esses
sentidos conflitantes, o discurso se esgara e
mostra, nas fissuras, as contradies do discurso
colonial, ou, pelo menos, de um poder colonial
agonizante. Sugeri, tambm, na concluso do tra-
balho, que formas de cultura colonial continuam
a se reproduzir nos discursos que nos constituem
como sujeitos polticos, e que necessrio procurar
compreender os efeitos das matrizes colonialistas
na formao de identidades culturais e polticas
ainda hoje.
Cincia, objeto e mtodo
D: Correntes contemporneas de teorizao
da linguagem podem ser classificadas, em
termos gerais, em dois grandes ramos: por
um lado, trabalha-se com a semiologia e
a lingstica; por outro, com perspecti-
vas que preferem considerar os produtos
culturais em contextos mais amplos. Nos
ltimos anos, estudos do primeiro tipo
constituram uma disciplina da rea lin-
gstica chamada Anlise de Discurso,
com matrizes, sobretudo, francesas e
anglo-saxnicas. Na outra vertente,
deu-se importncia linha dos Estudos
Culturais, nascida na Inglaterra e com
fortes ramificaes tambm nos Estados
Unidos. O que caracteriza a Anlise de
Discurso e os Estudos Culturais, res-
pectivamente? possvel apontar suas
principais caractersticas?
M.G.: Voc se refere Anlise de Discurso,
denominao especfica, segundo Eni Orlandi, da
corrente de Anlise do Discurso desenvolvida por
Michel Pcheux, na Frana; eu prefiro utilizar a de-
signao Anlise do Discurso, que, a meu ver, nos
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EntrevistaDialogia, So Paulo, v. 6, p. 21-29, 2007.
permite referir tanto essa anlise do discurso de base
pcheutiana quanto outras vertentes, embora eu me
alinhe com as vertentes que, tal como a de Pcheux,
propem ver o discurso na sua relao constitutiva
com a histria, o social e a ideologia. Como voc
sabe, so vrias as correntes de estudos lingsticos
que recebem a denomina-
o Anlise do Discurso,
de modo que, talvez, devs-
semos falar em estudos do
discurso, para sermos preci-
sos. Respondendo questo,
eu no diria que a Anlise
do Discurso se distancia,
necessariamente, de contex-
tos culturais mais amplos;
como acabei de dizer, h
muitas vertentes de Anlise
do Discurso, e a considera-
o de contextos amplos,
sociais e histricos, nas an-
lises, depende da perspectiva
epistemolgica e terica de cada vertente. Mas, em
linhas gerais, eu diria que a Anlise do Discurso se
caracteriza por tomar como objeto o discurso; da a
centralidade da lngua e, mesmo, de outras formas
de linguagem no-verbal. J os Estudos Culturais
tm como foco a anlise da cultura em sua relao
com a sociedade. Claro que, nessa perspectiva, no
se trata mais de conceber a cultura somente como
letrada (as obras consagradas) ou de imprimir
uma reflexo centrada no vnculo cultura-nao,
mas de ver a cultura no seu sentido antropolgico,
como formas de viver de um determinado grupo
social e suas manifestaes, conforme nos expli-
cam Mattelart e Neveu (Introduo aos estudos
culturais, 2004). Procura-se pensar o cultural
para produzir formas de crtica. O objeto, ento,
a cultura, nas suas muitas manifestaes, e no es-
pecificamente a linguagem.
D: Em relao Anlise de Discurso, pode-se
dizer que se trata de uma rea de conhe-
cimento especfica de pesquisadores das
letras, ou historiadores, ge-
grafos e cientistas sociais
tambm podem atuar
dentro de seus limites meto-
dolgicos e prticos? O que
exatamente, em sua opinio,
permite-nos identificar um
estudo como pertencente
Anlise de Discurso?
M.G.: Ela especfica
das letras porque se centra,
como eu j disse, nas produ-
es linguageiras, e porque
lana mo de categorias lin-
gsticas para suas anlises.
Isso significa que o analista de discurso precisa
ter conhecimento de estudos lingsticos; precisa
ter desenvolvido certa sensibilidade lingstica,
adquirida por meio de estudos, para compreender
o funcionamento de um discurso, apesar de s os
estudos lingsticos no serem suficientes, uma
vez que preciso compreender tambm o contexto
social, histrico e ideolgico em que um deter-
minado discurso se constitui. No entanto, essa
especificidade no significa que pesquisadores de
outras reas das cincias humanas que, de uma
forma ou de outra, tambm trabalham com lin-
guagem no possam incorporar o olhar terico
e a metodologia da Anlise do Discurso. H vrios
exemplos de pesquisadores em reas como a
histria, a psicologia e as cincias sociais que uti-
[] h muitas vertentes de Anlise
do Discurso, e a considerao de
contextos amplos, sociais e histricos,
nas anlises, depende da perspectiva
epistemolgica e terica de cada vertente.
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Dialogia, So Paulo, v. 6, p. 21-29, 2007.
lizam conceitos e mtodos da Anlise do Discurso
em suas investigaes. Vrios historiadores, na
Frana por exemplo, Rgine Robin e Jacques
Guilhaumou , lanaram propostas de intersec-
o entre a Anlise do Discurso desenvolvida por
Michel Pcheux e a Histria. Norman Fairclough,
um dos expoentes da corrente chamada Anlise
Crtica do Discurso, no mundo anglo-saxo,
prope a sua teoria social do discurso, mostrando
a pesquisadores das cincias sociais os ganhos a
ser obtidos com a incorporao de uma perspecti-
va discursiva em suas anlises.
D: Em virtude dos desdobramentos nos estudos
na rea e respectivo desenvolvimento
de seu aparato terico-metodolgico
podemos considerar a Anlise de Discurso
um campo de investigao desvinculado
da cincia Lingstica, ou seja, estaria a
AD constituindo-se numa disciplina in-
dependente da Lingstica justamente
por levar em considerao tanto quanto a
materialidade lingstica, os aspectos so-
ciolgicos, contextuais, ideolgicos etc?
M.G.: No, no acho que possamos conside-
rar a Anlise do Discurso um campo de investigao
desvinculado da Lingstica. Primeiro, se tomar-
mos a Lingstica como uma cincia que estuda
fenmenos de lngua de vrias naturezas, vemos
que ela se segmenta em vrias reas, das quais
algumas tendem a centrar-se no sistema lings-
tico, como a sintaxe e a morfologia, por exemplo,
enquanto outras abordam a lngua na relao com
seu uso em sociedade, de alguma forma. Nesse
segundo grupo, temos, por exemplo, a sociolings-
tica, a pragmtica e tambm a anlise do discurso,
ou estudos do discurso. Mas claro que, se pensar-
mos a Lingstica de forma estrita, como a cincia
que estuda a lngua como sistema abstrato, isto ,
a lngua fechada nela mesma enquanto sistema
de signos ou de regras formais, concluiremos que
est assentada em bases epistemolgicas distintas
da Anlise do Discurso. Por outro lado, a Anlise
do Discurso iniciada por Pcheux, no fim dos anos
1960, na Frana, deixa bem explcito seu vnculo
com a lingstica, no no modo de essa cincia tra-
balhar a lngua como sistema abstrato, mas, sim
pelo fato de a Lingstica ter constitudo a lngua
como objeto prprio, um objeto que tem uma
ordem prpria. Essa concepo de ordem prpria,
de no-transparncia, o que permite Anlise do
Discurso tomar a linguagem como elemento cons-
titutivo e intransponvel da relao entre homem e
mundo. Entretanto, preciso levar em conta que,
enquanto a lingstica tem como objeto a lngua,
a Anlise do Discurso tem como objeto o discurso;
esse, na definio de Eni Orlandi, [...] palavra em
movimento, prtica de linguagem [...] um objeto
scio-histrico em que o lingstico intervm como
pressuposto. (2005, p. 15-16).
D: Em seu artigo Lngua e identidade: re-
presentaes da lngua estrangeira no
discurso de futuros professores de lngua
inglesa (publicado em Ingls como
lngua estrangeira: identidades, prticas
e textualidade, 2001), a senhora parece
no se identificar com o discurso de soci-
logos e estudiosos da cultura acerca do
sujeito ps-moderno. H distino entre
essas concepes de sujeito? Em que con-
siste essa distino?
M.G.: Essa sua interpretao me surpreen-
de um pouco. Eu no diria que no me identifico
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EntrevistaDialogia, So Paulo, v. 6, p. 21-29, 2007.
com o discurso de socilogos e estudiosos da
cultura acerca do sujeito ps-moderno. fato
que o termo ps-moderno bastante controverso,
por motivos que no cabe mencionar aqui, mas
que me levam a preferir adotar a perspectiva de
tericos que se alinham
com o ps-estruturalismo
e, dessa perspectiva, fazem
a crtica chamada teoria
do sujeito. Esse movimen-
to terico ps em xeque
o sujeito centrado, sujeito
da razo, da modernida-
de. A categoria de sujeito
emerge na idade moderna,
quando passa a ocupar o
centro do mundo; indivduo
soberano, pensante e cons-
ciente, conforme postulado
pela mxima de Descartes,
Penso, logo existo. Por
isso chamado sujeito
cartesiano. O ps-estrutu-
ralismo faz a crtica desse sujeito autnomo, livre
e autoconsciente, mostrando que o sujeito tem
suas determinaes histricas e culturais, cons-
titudo por discursos e possui um inconsciente
que faz com que desconhea a si mesmo, como
nos revelou Freud. Trata-se, ento, de um sujeito
descentrado, que perdeu a posio soberana de
ser tomado como origem de todo conhecimento e
dele separado, e que se constitui como sujeito di-
vidido, clivado pelo inconsciente. Alguns tericos
utilizam o termo ps-moderno para designar esse
sujeito, como, Stuart Hall, por exemplo (identi-
dades culturais na ps-modernidade), que, ao
refletir sobre identidades culturais, postula um
sujeito que perdeu sua identidade fixa e essencial,
prpria do sujeito da modernidade, passando a
exibir identidades provisrias, fragmentadas, ina-
cabadas e contraditrias. A Anlise do Discurso
de base pcheutiana trabalha com essa concep-
o de sujeito descentrado e, portanto, ajuda a
fazer a crtica do sujeito das
filosofias subjetivistas.
Discurso e ensino
D: Em recente Simpsio
Internacional sobre Anlise
Crtica do Discurso, rea-
lizado na Universidade de
So Paulo (USP), uma das
organizadoras, ao apre-
sentar o palestrante Luiz
Paulo da Moita Lopes, or-
ganizador do livro Por
uma lingstica aplicada
indisciplinar, equivocou-
se e enunciou Por uma
lingstica aplicada interdisciplinar.
Esse lapso indicia uma dificuldade para
desenvolver a indisciplinaridade?
M.G.: Certamente, Luiz Paulo da Moita
Lopes seria a pessoa mais indicada para res-
ponder a essa questo. Mas acredito que sim,
concordando com a sua crtica, no livro, a certa
viso de lingstica aplicada que tem dificulda-
de em se assumir como disciplina transgressiva,
mestia ou nmade, nas palavras do autor. A
pesquisa tradicional em lingstica aplicada
ainda est presa a paradigmas que a tornam
muito comportada, seja por meio da aplicao
de modelos tericos (da lingstica, mas tambm
Trata-se, ento, de um sujeito
descentrado, que perdeu a posio
soberana de ser tomado como origem de todo conhecimento e dele separado, e que se
constitui como sujeito dividido, clivado pelo
inconsciente.
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Dialogia, So Paulo, v. 6, p. 21-29, 2007.
de outras cincias, embora a lingstica ainda
seja considerada a disciplina-me, nessa tica)
que lhe impem vises preestabelecidas e, con-
seqentemente, desdobramentos previsveis, seja
porque se recusa a fazer da investigao cient-
fica uma questo de poltica. Parece-me que
contra esse segundo enfoque da lingstica apli-
cada normal que Moita Lopes se posiciona com
seu livro. bvio que essa lingstica aplicada
indisciplinar de natureza interdisciplinar ou
transdisciplinar, uma vez que dialoga com dis-
ciplinas das cincias sociais e humanidades, na
sua tarefa de pensar as prticas de linguagem na
vida social. Entretanto, ela quer ir alm da in-
terdisciplinaridade pura e simples; quer dialogar
com outras reas para propor, mais do que solu-
es, reflexes que problematizem os fenmenos
investigados. Ela quer, nas palavras de Moita
Lopes, distanciar-se da lingstica aplicada aut-
noma, para poder se constituir como lingstica
aplicada ideolgica, de modo que no passe ao
largo das questes sociopolticas imbricadas com
as situaes de uso da linguagem em sociedade.
Com isso, o prprio ato de pesquisar politiza-
do, com o auxlio de teorias que questionam os
ideais da modernidade e as formas de produzir
conhecimento que descorporificam o sujeito,
tanto pesquisado quanto pesquisador.
D: H vrios mecanismos de homogeneizao
das prticas discursivas. Os Parmetros
Curriculares Nacionais (PCNs) constituem
um desses mecanismos?
M.G.: Acredito que sim. Essa homogenei-
zao inevitvel, uma vez que os PCNs, como
qualquer outro documento de orientao curricu-
lar, levam ao professor uma viso sobre o ensino
daquela determinada disciplina. E outros procedi-
mentos idealizados com a finalidade de garantir
o conhecimento e a utilizao dos PCNs pelos
professores (por exemplo, na forma de encontros
com professores ou de textos explicativos sobre os
PCNs, medidas j adotadas em algum momento
pelo Ministrio da Educao [MEC]) contri-
buem como mecanismos de homogeneizao.
Entretanto , sobretudo, a possibilidade de que se
venha a conceber os PCNs como a verdade que
deve ser implementada na prtica pedaggica que
aumenta o risco de homogeneizao.
D: Luiz Percival Leme Brito (1997: 251), em A
sombra do caos: ensino de lngua x tra-
dio gramatical, afirma que [...] muitos
tm chamado a ateno para o carter
ideolgico e autoritrio do livro didtico
que alm de simplificar absurdamente
o conhecimento, tende a falsear a reali-
dade e escamotear as disputas e conflitos
sociais. Qual sua opinio sobre o livro di-
dtico no Brasil?
M.G.: O livro didtico tem estado muito
presente em nossa histria escolar; e tem tal
fora que pode ajudar a conformar, ou distorcer,
o modo como se l, se pensa e se escreve sobre
determinado contedo. Essa distoro pode ser
vista refletida na competncia de leitura de alunos
que so capazes de entender um texto de livro
didtico, entendimento verificado por meio de res-
postas a questes de compreenso, mas que so
incapazes de compreender um texto real que no
tem o tratamento didtico. Tambm a forma de
exposio do conhecimento no livro didtico pode
influenciar de tal modo o professor que, mesmo
em situaes em que opte por no recorrer ao livro
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EntrevistaDialogia, So Paulo, v. 6, p. 21-29, 2007.
didtico, o tipo de tarefas criadas por ele e propos-
tas aos alunos reflete o modelo do livro didtico.
Outra questo que envolve
o livro didtico que,
para alm das simplifica-
es e diluio de conflitos
sociais que possa conter, e
que podem ocorrer mesmo
quando se tenta fazer dife-
rente, o livro didtico tende
a se constituir, no espao
discursivo da escola, num
texto fechado, no qual os
sentidos j esto estabeleci-
dos (pelo autor), para serem
apenas reconhecidos e con-
sumidos por seus usurios
(professor e alunos). Essa
uma questo sria cuja
tendncia atribuir ao livro
didtico autoridade plena
de veculo divulgador de um
conhecimento meramente
repetido por professores e
alunos. No estou, com isso,
defendendo a total abolio
de livros didticos na escola,
mas que sua funo e seu
peso no ensino sejam redi-
mensionados, de modo que
possa ser um componente auxiliar (no central) e
possa tambm ser abordado, de forma crtica, por
professores e alunos.
D: Como as universidades podem efetivar
melhor o processo de formao de pro-
fessores diante dos novos desafios que a
sociedade do espetculo nos apresenta?
M.G.: crucial que as universidades pro-
piciem a seus alunos, futuros professores, mas
tambm a futuros profis-
sionais de qualquer outro
campo, condies de perma-
nente reflexo crtica sobre
produo e transmisso de
conhecimento, atuao pro-
fissional (professor etc.) e
vivncia social nas sociedades
mercantilizadas e globaliza-
das da modernidade tardia.
Essa postura crtica essen-
cial, se quisermos ter alguma
chance de escapar um pouco
da ideologia de mercantili-
zao de tudo e de todos, de
todas as relaes sociais, que
essa sociedade do espetcu-
lo nos impe e por meio das
quais tenta nos engolir. Mas
preciso tambm, especifi-
camente no que diz respeito
formao de professores,
tomar cuidado para no con-
ceber a universidade como o
nico celeiro de produo de
conhecimento em relao
escola. Quero dizer que a uni-
versidade no deve ser vista,
nem pelos prprios docentes e alunos, nem pelos
professores em servio, como o lugar do qual todas
as respostas aos desafios do ensino devem vir, para
serem aplicadas na escola, e esta no deve ser vista
como espao em que apenas se efetiva a prtica. Essa
uma distoro que, por um lado, coloca a universi-
dade num falso pedestal, de onde se esperam todas as
respostas, concebidas como receitas de sucesso para
crucial que as universidades
propiciem a seus alunos, futuros professores,
mas tambm a futuros profissionais
de qualquer outro campo, condies
de permanente reflexo crtica sobre produo
e transmisso de conhecimento,
atuao profissional (professor etc.)
e vivncia social nas sociedades
mercantilizadas e globalizadas da
modernidade tardia.
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Dialogia, So Paulo, v. 6, p. 21-29, 2007.
o ensino, e, por outro, coloca a escola na condio
de incapacitada para a produo de conhecimento
terico e de respostas aos seus desafios.
Discurso e mdia
D: Na obra A sociedade enfrenta sua mdia
Dispositivos sociais de crtica midi-
tica, Jos Luiz Braga (2006) prope uma
viso para compreender o fenmeno da co-
municao que no se resume ao modelo
unidirecional, responsvel pela crena no
dualismo entre mdia e sociedade, dualismo
que to mais danoso na medida em que
enfatiza a polaridade entre emissor (ativo)
e receptor (passivo). Ele prope a atividade
de resposta como um novo dispositivo que
completa o conjunto de processos de mi-
diatizao social. Segundo Braga, o novo
sistema corresponde a atividades de respos-
ta produtiva e direcionadora da sociedade
em interao com os produtos miditicos.
Ns, professores, sabemos que importante
para o aluno educar o olhar e identificar,
nos gneros da mdia, marcas de manipu-
lao, de disseminao de ideologias, de
discriminao e de preconceito. A senhora
acredita que a escola tenha como se con-
trapor a esse poder da mdia? Qual deve
ser o papel da instituio escolar diante do
avano, cada vez mais evidente, dos meios
de comunicao miditicos?
M.G.: No creio que seja o caso de falar em
contraposio da escola ante o poder da mdia. De
todo modo, a mdia j entrou no universo escolar,
seja nas maneiras de o discurso da mdia atravessar
os da escola, seja porque os sujeitos da escola, pro-
fessores, alunos, coordenadores etc., interagem com
as diversas formas de mdia na vida social em geral,
fora da escola. O que quero dizer que no adianta
tentar deixar a mdia do lado de fora da escola,
fazendo de conta que os agentes do universo escolar
no so afetados por ela. Por isso, julgo mais pro-
dutivo pensar em outras bases. A mdia tem grande
poder nas sociedades contemporneas ocidentais;
esse um fato. Esse poder pode ser usado para dis-
seminar determinadas ideologias, a servio do poder
econmico e poltico, o que tambm acontece. Mas
tambm inegvel que a mdia contempornea
permite a circulao de informaes, em dimenses
inimaginveis h um sculo, e esse um aspecto po-
sitivo. Para nos inserirmos, de forma ativa, na vida
social, importante, ento, nos capacitarmos para a
leitura dos diversos veculos miditicos (leitura en-
tendida de modo amplo, incluindo-se a leitura de
imagens, por exemplo) e, ao mesmo tempo, desen-
volvermos nossa competncia crtica para realizar
essa leitura. Acredito que a escola deva exercer seu
papel na formao de leitores tambm para lerem
a mdia; leitores capacitados para extrair, de forma
eficiente, as informaes e outros contedos que a
mdia nos traz, assim como para se posicionar com
criticidade diante dela.
D: Implicaes e aplicaes para os professo-
res e / ou professores em formao?
M.G.: Creio que essa mesma postura pode e
deve ser desenvolvida com professores e professores
em formao. evidente que os professores somente
podero ajudar seus alunos a se tornarem leitores
competentes e crticos da mdia se eles tambm o
forem. Portanto, essa uma tarefa dos cursos de for-
mao de professores.
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EntrevistaDialogia, So Paulo, v. 6, p. 21-29, 2007.
Referncias
BRAGA, Jos Luiz Braga. A sociedade enfrenta sua mdia Dispositivos sociais de crtica miditica. So Paulo: Paulus, 2006.
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GRIGOLETTO, Marisa. Lngua e identidade: representaes da lngua estrangeira no discurso de futuros professores de lngua inglesa. In: GRIGOLETTO, Marisa; CARMAGNANI, G. Ana Maria (Org.). Ingls como lngua estrangeira: identidade, prticas e textualidade. So Paulo: Humanitas, 2001.
LOPES, Luiz Paulo da Moita (Org.). Por uma
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Parbola editorial, 2006.
MATTELART, Armand; NEVEU, rik. Introduo aos
estudos culturais. So Paulo: Parbola Editorial, 2004.
ORLANDI, Eni Puccinelli. Anlise de discurso:
princpios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes,
2005.
Entrevista concedida
ao prof. Murilo Jardelino da Costa