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XII ENCONTRO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA EM PLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL 21 a 25 de maio de 2007 Belém - Pará - Brasil CONDOMINIOS RESIDENCIAIS NO BRASIL- MORFOLOGIAS DE TRANSGRESSAO SOCIAL Andira Lopes (MDU-UFPE) Circe Maria Gama Monteiro (MDU-UFPE)

EQ01 LOPES&MONTEIRO Condominios Brasil Transgressao[1]

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  • XII ENCONTRO DA ASSOCIAO NACIONAL DE PS-GRADUAO E PESQUISA EMPLANEJAMENTO URBANO E REGIONAL21 a 25 de maio de 2007Belm - Par - Brasil

    CONDOMINIOS RESIDENCIAIS NO BRASIL- MORFOLOGIAS DE TRANSGRESSAO SOCIAL

    Andira Lopes (MDU-UFPE) Circe Maria Gama Monteiro (MDU-UFPE)

  • CONDOMNIOS RESIDENCIAIS NO BRASIL - MORFOLOGIAS DE TRANSGRESSO SOCIAL

    Resumo

    Condomnios Residenciais so sistematicamente vistos como lugares seguros para viver, especialmente pela classe mdia urbanas. Todos os elementos espaciais de controle como muros altos, guaritas e portes so tidos como uma barreira para o crime e capazes de proporcionar uma vida segura. Existe um senso comum no qual se acredita que regras sociais e leis aplicadas cidade de forma geral no seriam aplicadas dentro de espaos fechados. Dessa forma, pessoas cercadas por muros e portes estariam isentas das leis da sociedade. Como resultado disso, moradores de condomnios estacionam seus carros em reas comuns, jovens e at mesmo crianas dirigem veculos. Diante desses acontecimentos, os moradores de condomnios so tolerantes e lenientes. Esse artigo trabalha os condomnios brasileiros em comparao com as gated communities americanas, mostrando as similaridades, diferenas e peculiaridades de ambas as estruturas urbanas. Esse artigo tambm questiona o impacto desse tipo de configurao urbana na experincia das pessoas com espaos comuns e pblicos e seu senso de urbanidade. Exemplos prticos de transgresses so apresentados, construindo indcios a respeito das conseqncias sociais da segregao espacial, desrespeito s regras e ausncia de senso de comunidade.

  • Introduo

    As cidades brasileiras assistiram na dcada de setenta o crescimento de uma nova morfologia urbana: os condomnios residenciais Os condomnios horizontais fechados surgem geralmente na periferia das cidades devido disponibilidade de grandes reas e originaram-se da procura de moradores urbanos de compartilhar servios e infra-estrutura dos espaos de lazer semanal e de frias. Diferentemente os condomnios verticais urbanos originam-se pela busca de maximizao de acesso s amenidades escassas e o melhor aproveitamento da infra-estrutura consolidada nas cidades.

    O Rio de Janeiro foi a primeira cidade a testemunhar a construo de um novo bairro constitudo por condomnios verticais que prometiam um novo modo de morar - a Barra da Tijuca surge com edifcios oferecendo amplas estruturas de servios e lazer reservadas somente para os moradores. Nas dcadas a seguir os condomnios fechados passaram a se constituir na mais procurada forma de moradia em todas as cidades brasileiras, passando a constituir smbolo de status e meio de manuteno de estilo de vida para as classes mais abastadas.

    Recentemente, um motivo maior se incorporou para o sucesso de tal morfologia: a procura por segurana. Os condomnios fechados constituem-se na soluo para os problemas de uma sociedade desigual, com nveis de criminalidade crescente e onde a segurana passa a ser o maior requerimento da classe mdia. Hoje, no Brasil, os condomnios residenciais oferecem opo de moradia no apenas as classes altas, mas tambm para grande parte da classe mdia chegando mesmo s camadas mais populares da populao.

    Com um nmero elevado de pessoas morando em condomnio fechados - a cidade de So Paulo possui cerca de 40.000 condomnios (RACHKORSKY e FRES, 2005) se faz necessrio estudar os efeitos desta morfologia na dinmica das cidades como tambm do novo modo de morar na vida da populao. Ainda so poucos os trabalhos que abordam o efeito da multiplicao dos condomnios residenciais em cidades brasileiras considerando no somente as questes espaciais, mas questes legais e econmicas e principalmente os efeitos

    sociais e comportamentais resultante da vivncia segregada. Este artigo apresenta consideraes sobre a vida em condomnios residenciais

    fechados e desenvolve um argumento de alerta em face da observao de atitudes transgressoras das leis da cidade, legitimadas ma vivencia segregada de seus moradores. Esta hiptese surge de pesquisa em condomnios na cidade do Recife, mas est em consonncia

  • com um conjunto mais amplo de estudos sobre condomnios (CALDEIRA, 2000; LOW, 2003; BLAKLEY, 1997). A inteno do trabalho apresentar e discutir aspectos at ento vistos tangencialmente na literatura. Portanto, o argumento central desse texto prope que delitos e infraes cometidas no dia-a-dia no interior dos condomnios fechados adquirem maior relevncia ao proporcionar as bases experinciais para a consolidao de uma cultura transgressora e leniente s leis e regras sociais.

    Origem e Conceituao de Condomnios Residenciais

    A definio do termo condomnio vem de co-propriedade, designa um espao fsico indivisvel que tem duas ou mais pessoas como proprietrias, isto , domnio exercido conjuntamente com outrem; co-propriedade (Holanda, 2004). Na sua origem designa a igualdade entre os pares na propriedade privada, todos so donos, todos tem os mesmos direitos tanto das unidades de uso privado como nas de uso coletivo.

    No Brasil os condomnios residenciais podem ser divididos em dois grandes grupos: os condomnios verticais e os horizontais. Os condomnios verticais so mais comuns e numerosos, tanto porque so mais facilmente adaptveis ao tecido urbano das grandes cidades, como porque podem atender a diferentes classes sociais, variando no tamanho de lmina das unidades e na oferta de lazer a servios. Os condomnios horizontais, como necessitam de uma rea maior para serem instalados ficam, na maioria das vezes, mais afastados dos centros das cidades, mas sem que haja detrimento de acesso para quem reside nesse tipo de espao, uma vez que estes j nascem dentro da nova lgica de acessibilidade cidade.

    Para Velho (1982) que desenvolveu estudos na dcada de setenta sobre a vida em um edifcio de apartamentos no bairro de Copacabana, o edifcio de apartamentos, neste perodo, abrigava as camadas mdias brasileiras nos grandes centros urbanos e era palco para o estabelecimento de novos tipos de relaes sociais. O condomnio vertical tem origem nesse tipo de edifcio de apartamentos. No entanto, h uma grande diferena entre os arranha cus apresentados no estudo e os novos condomnios verticais urbanos. Estes ltimos passam a oferecer uma enorme variedade de equipamentos sociais e servios alem de reas especficas para lazer e divertimento dentro de seus limites. Estes condomnios propem-se constituir no somente em lugar de moradia, mas local de socializao ampliada medida que oferecem atividades antes disponveis somente em espaos pblicos na cidade. Um exemplo

  • dessa diferenciao o caso dos condomnios surgidos na Barra da Tijuca na segunda metade da dcada de setenta. Nesse caso, os empreendedores imobilirios praticamente criaram uma nova mercadoria imobiliria, e uma nova necessidade de bem viver. Os edifcios condomnios da Barra passaram a oferecer, quadra de tnis, piscina, reas social, salo de festas, salo de beleza, academia de esportes, boate, sauna, espaos de lazer. Tudo isso dentro de uma estrutura que contava muitas vezes com ruas e praas privativas, comrcio e transporte coletivo prprio.

    A auto-suficincia dos chamados condomnios exclusivos expresso por um complexo programa arquitetnico onde nas palavras de Santos (1984) tudo o que considerado necessrio para a uma vida perfeita esta fechada dentro dos muros onde se imita a cidade, com casas, edifcios, infra-estrutura sofisticada, equipamento de lazer e servios teria gerado guetos verdes, estimulando a diferenciao entre os moradores e gente de fora, o que determinaria a ampliao de mecanismos de controle e segurana realimentando desta forma, os elementos que promovem esta morfologia da separao. (LEITO, 2006)

    devido a esta condio que o condomnio vertical se diferencia do edifcio de apartamentos, ou seja, quando ao conceito de edifcio de apartamentos se adere oferta de servios e lazer e tornando o condomnio urbano vertical no somente como espaos residenciais mas, espaos para viver, socializar, ter lazer e at mesmo dispor de comrcio especial. Outro trao diferenciador se refere a complexidade da estrutura organizacional destes condomnios que em muitos casos exigem profissionais e empresas para gesto dos mesmos.

    Os condomnios residenciais horizontais, ou condomnios fechados, surgiram a princpio em reas afastadas dos centros urbanos, nas praias ou no campo, basicamente com a funo de lazer, mas que pouco a pouco se tornaram opes residenciais cotidianas. A cidade de So Paulo um grande exemplo disso. CALDEIRA (2000) classifica estes condomnios como enclaves fortificados, que so espaos privatizados, fechados e monitorados, destinados a residncia, lazer, trabalho e consumo. Caldeira considera o termo enclave fortificado de forma abrangente aos espaos como shopping centers, clubes e condomnios residenciais e comerciais. Os enclaves pretendem principalmente criar espaos de proteo contra a violncia e a criminalidade, especialmente nas reas urbanas. O medo urbano associado ao aumento da violncia tanto real como virtual um fator que impulsiona a procura de moradia nesses enclaves, que funcionam como elemento segregado entre as classes mais altas, que esto dentro dos enclaves, e as classes pobres, que esto fora desses espaos. O resultado disso um nmero cada vez maior de pessoas

  • procurando morar e enfim, viver dentro desses enclaves, negando e discriminando o espao pblico da cidade e privilegiando os espaos privados (CALDEIRA, 2000).

    Condomnios Fechados no so Gated Communities

    Um aspecto importante na compreenso deste tema a distino entre condomnios fechados brasileiros e as gated communities americanas. As duas realidades fornecem contextos diversos na origem desses espaos, sua distribuio e localizao no espao urbano e nos conceitos diversos para o entendimento desta morfologia. A semelhana morfolgica pode levar a uma falsa percepo de semelhana entre as gated communities e os condomnios residenciais, j que ambas as estruturas se caracterizam pela oferta de reas verdes, ocupao horizontal de residncias uni familiares e pela oferta de amenidades no tocante a comrcio, lazer e servios.

    O surgimento de estruturas muradas e altamente vigiadas tanto das gated communities americanas como dos condomnios residenciais brasileiros se originam da necessidade de proteo contra a criminalidade, e trazem como conseqncia a exacerbao da segregao social. As gated communities surgem com a promessa de resolver problemas como a preveno ao crime, o controle do trfego e a restaurao do senso de comunidade e vizinhana. No caso dos condomnios fechados brasileiros a questo do prestgio social e segregao social so fatores principais para justificar a expanso desta tipologia habitacional, uma vez que a parcela mais rica da populao que pode pagar para morar nesses condomnios o faz mesmo em cidades interioranas, onde a criminalidade mais baixa. No que diz respeito a restaurao do senso de comunidade e vizinhana isso no se constitui numa preocupao para moradores de condomnios residenciais fechados no Brasil (CALDEIRA, 2000). Para Blakely e Snyder (1997), o termo gated communities se refere a reas residenciais com acesso restrito nas quais os espaos normalmente pblicos so na verdade privatizados. Por espaos normalmente pblicos entenda-se ruas, caladas, parques, estacionamentos, praias, rios, etc. Esses espaos pblicos seriam normalmente de acesso ao pblico em geral, mas quando esto cercados pelos muros das gated communities tornam-se categoricamente de acesso privado e restritivo. interessante ressaltar que estes autores consideram que lobbies, hallways e estacionamentos de estruturas residenciais multifamiliares no so espaos normalmente pblicos.

  • A maioria das gated communities americanas se desenvolveu a partir da preexistncia de uma comunidade residencial onde no existiam muros ou portes no permetro da mesma que so transformadas em gated communites, ou seja, so instalados muros, portes entre outros dispositivos supostamente para segurana dos moradores. Em outras palavras, uma rea ou bairro residencial com avenidas, ruas, caladas, parques e jardins cercada em seu permetro por muros, grades e portes. A partir desse momento essa rea, que antes possua ruas e parques de acesso ao pblico como em qualquer cidade passa agora, aps tornar-se uma gated community, a controlar e restringir o acesso a esses lugares antes pblicos, apenas aos seus moradores. No Brasil, os condomnios residenciais, diversamente do caso anterior, so construdos em reas privadas, isto , no h no processo de construo e instalao, nenhum tipo de apropriao de rea pblica. Mesmo no caso dos condomnios residenciais horizontais que possuem reas coletivas como ruas, praas e parques, estes j so construdos em reas privadas.

    No Brasil o desenvolvimento da maioria das cidades de grande porte, at a dcada de 80, se deu do centro para a periferia de forma que o centro recebe infra-estrutura e melhoramentos que encarecem o preo das moradias centrais expulsando a populao de baixa renda para as periferias, sem infra-estrutura para receber essa populao (CALDEIRA, 2000). De forma diversa, nas cidades americanas a periferias ou subrbios so reas onde residem as classes alta e mdia-alta anglo-americana (BLAKELY e SNYDER, 1997). Enquanto nos Estados Unidos as gated communities se localizam nos subrbios ricos, no Brasil os subrbios so pobres. Apesar disso, muitos condomnios residenciais fechados no Brasil esto nos subrbios, porque so nesses locais onde ainda existem reas suficientemente grandes para a instalao de condomnios horizontais de grande porte. Dessa forma, os condomnios fechados esto muitas vezes localizados nas periferias pobres lado a lado com favelas. Nesses casos a separao reside nos muros, portes e equipamentos de segurana. J nos Estados Unidos apenas muros e portes no so o bastante, a distncia fsica um requisito necessrio para a segurana. Muito embora j existam muitos casos de proximidade entre bairros de subrbios ricos americanos e bairros pobres de comunidade latina. Alis, essa situao de proximidade um dos fatores que tambm promovem o aparecimento de novas gated communities. Quando essa proximidade ocorre, o que os estudos mostram que esses bairros ricos optam por cercar o seu permetro com muros, portes e segurana para se proteger da ameaa da proximidade com essa populao pobre indesejada (MAHER, 2003).

  • Fragmentao Espacial e a procura da Segregao Social

    O Brasil um pas marcado por grandes desequilbrios sociais. Apesar de diversas polticas sociais e programas econmicos implementados nas ltimas dcadas, continuamos a testemunhar o enriquecimento cada vez maior de poucos e o empobrecimento da maioria da populao. Como resultado disso uma grande parcela da populao continua com pssimas condies de vida porque no tem acesso servios, emprego e meios para suplantar a pobreza. Como conseqncia direta e indireta disso vemos o aumento dos ndices de violncia e criminalidade urbana. As classes mdias por sua vez, tambm no acreditam no poder da polcia na promoo da ordem social e procuram refgio em cidadelas protegidas (muitas vezes com seu prprio contingente de vigilantes). A construo de cidadelas, ou seja, espaos que restringem ao mnimo o contacto com a sociedade exterior, implica na procura por dotar esses espaos de todas as necessidades. Tanto as gated communities como os condomnios residncias se estruturam a partir de uma lgica de desagregao social e espacial. Ambos limitam o contato social entre os diferentes grupos da sociedade. As classes menos privilegiadas so excludas de viver nessas reas pelo valor elevado dos imveis e taxas de manuteno so excludos at mesmo de transitarem por essas reas, pela existncia de muros e portes e quando so admitidas esto sujeitas as regras de subservincia, como empregados e servidores da classe moradora.

    Setha Low (2003) reafirma o carter das gated communities como enclaves separatistas onde seus residentes se isolam socialmente e economicamente do resto da sociedade. Para isso, as gated communities garantem uma homogeneidade social e econmica entre os seus residentes, ou seja, uma comunidade de pessoas aparentemente similares. Essa homogeneidade aparente desencadeia um outro problema, que a fomentao ao medo do que diferente do padro homogeneizado, isto , medo dos outros, os que esto fora desses enclaves.

    interessante salientar que o Brasil no uma sociedade estratificada e que permite, processos de mobilidade social, assim sendo pessoas com mesmo padro de renda podem possuir perfis culturais bastante diversos. No existe, aparentemente, restries ou distines tnica ou racial, a distino acontece sobretudo em termos econmicos. Muitas vezes a classe social no to relevante quanto o poder aquisitivo para residir em determinado local. Desde que se tenha recursos econmicos a pessoa pode escolher onde morar.

  • Nos condomnios residenciais no h uma homogeneidade no sentido socioeconmico, mas primordialmente de status social. Nesse sentido, muitas pessoas acreditam que o condomnio residencial constitudo por uma comunidade homognea em termos socioeconmicos, na qual elas procuram partilhar de um mesmo status social ou ainda se inserir em um crculo social almejado. Em suma, elas procuram uma homogeneizao social ao mesmo tempo em que se diferenciam de uma sociedade circundante menos privilegiada em termos econmicos. (VELHO, 1980) Um outro fator, apontado por McKenzie (1994), que leva segregao est no fato de que as gated communities so administradas por uma associao de moradores, que atuam como uma forma de governo privado. Isso porque, os espaos pblicos (ruas, caladas, parques, etc.) localizados dentro dos limites dos muros fica sob a administrao dessas associaes. Todos esses servios de cuidado e manuteno dessas reas so cobrados dos moradores na forma de taxas, que podem ser aumentadas ilimitadamente pelas associaes. Atualmente, muitos moradores de gated communities esto questionando se deveriam continuar pagando pelas taxas governamentais normais, pagas por todos os cidados mais as taxas privadas do condomnio. Como conseqncia, estes residentes esto propondo se isentar dos interesses e responsabilidades do bem pblico e coletivo da sociedade. De acordo com o autor isso um veneno para um pas calcado em uma democracia. No Brasil embora no haja essa disputa sobre a questo dos impostos h ao contrario um descaso com o bem pblico. A populao em geral no demonstra senso de coletividade ou preocupao com as questes de interesse pblico. Sendo assim, a medida que cresce a disparidade social e econmica da populao ficam mais forte o individualismo a separao entres as mesmas e a responsabilidade com o espao publico.

    Condomnios: segregao em busca de segurana

    As manchetes de jornais apresentam cada vez com mais freqncia relatos de os assaltos, roubos e seqestros dentro de condomnios residenciais inclusive nos condomnios fechados mais abastados e protegidos e as pessoas j no tm mais tanta certeza de estarem em segurana dentre muros. J existem quadrilhas de assaltantes especializadas, se que se pode dizer isto, em roubar condomnios, utilizando recursos profissionais os assaltantes desenvolvem meios de enganar os porteiros, conhecer horrios dos moradores, usar

  • equipamentos de alpinismo para escalar varandas e janelas, entre outras inmeras formas desenvolvidas para burlar a segurana externa e aproveitar da insegurana interna. Nos Estados Unidos a maioria dos residentes se mostra satisfeita com a opo por viver em gated communities. Estes moradores ainda se mostram bastantes temerosas em relao criminalidade e violncia apesar de no necessariamente, terem sofrido algum tipo de experincia com crime. O que realmente importa para eles que as gated communities mantenham do lado de fora pessoas indesejveis, sejam elas criminosos ou simplesmente pessoas de outras classes e raas. Contudo, as gated communities falham em dois pontos aos quais se propem a sanar. O primeiro que elas no necessariamente mantm pessoas indesejveis do lado de fora. O segundo que, diferentemente do que as pessoas acreditam ao se mudarem para esses locais, os laos de comunidade e vizinhana no so restabelecidos nem so melhores do que em outras vizinhanas que no possuem muros e portes. Em suma, os muros e portes provocam mais ansiedade e senso de isolamento nos moradores dessas comunidades do que os fazem sentir-se seguros. Autores como Blakely e Low afirmam que os ndices de crimes em gated communities no so, necessariamente menores do que em bairros nos mesmos arredores. Alm disso apesar de os ndices de criminalidade estarem, inacreditavelmente, em queda em muitas cidades americanas, o medo do crime na populao em geral, tem especialmente crescido na ltima dcada. Ao contrrio dos Estados Unidos, onde autores afirmam que ndices de crime esto em queda, no Brasil o que vemos o aumento da violncia e da criminalidade urbana. Fatos recentes demonstram o poder do crime organizado em grandes cidades como Rio de Janeiro e So Paulo quando ordenam a paralisao de meios de transporte, o fechamento de reas comerciais, o ataque a forcas policiam conseguindo em algumas situaes at paralisar grandes cidades. Em toda parte, as pessoas sofrem com a violncia, assaltos, seqestros, roubos, arrastes, so registrados em qualquer espaco urbano ou privados. Muros, portes, grades, cercas eltricas, segurana privada, todos esses recursos esto sendo usados pela populao para se proteger. Nesse contexto, a proteo individual, o fechamento rua e cidade, representa tambm uma crescente insegurana nos espaos urbanos

    O mito do condomnio como lugar seguro

  • O medo da violncia urbana que vem de fora para dentro dos condomnios, leva a desconsiderao de um outro problema em condomnios residncias que a criminalidade interna, praticada por funcionrios e moradores. Nesta categoria so relacionados crimes como roubo, vandalismo, estupro, atropelamento, entre outros (CALDEIRA, 2000 e GALVO 2004). Alm desses crimes considerados violentos, a desobedincia a leis (Cdigo Civil Brasileiro, 2003; Lei de Condomnio, 1964), normas sociais e regras internas do condomnio so atitudes freqentes que trazem prejuzo para o estabelecimento de boas relaes de vizinhana e alteram o comportamento dos moradores dentro e fora dos condomnios (LOPES, 2000).

    Durante pesquisa realizada no ano de 2000, em um condomnio de apartamentos na cidade do Recife, (LOPES, 2000) foram detectados diversos casos de conflitos entre vizinhos Ao investigar o motivo para a ocorrncia de tantos conflitos chegou-se a concluso de que estes eram gerados por trs agentes principais: a proximidade fsica, a heterogeneidade dos habitantes e o desrespeito as leis e normas que regem o condomnio.

    A proximidade fsica um fator fundamental, principalmente em condomnios verticais, onde a proximidade entre as unidades de apartamento um aspecto relevante que concorre para relativa perda de privacidade e choque de rotinas e horrios entre moradores. Como exemplo disso temos a falta de acstica isolando rudos entre os apartamentos, que ocasiona incmodos inevitveis advindos de atividades cotidianas como caminhar ou mover uma cadeira.

    A heterogeneidade entre os moradores fator bastante relevante no Brasil onde comum a diversidade de classes sociais coexistindo dentro dos condomnios pode levar a um choque de hbitos e de outras idiossincrasias. Acreditamos que a heterogeneidade sociocultural dos moradores incluindo a diversidade de interesses, valores e aes um fator de fundamental importncia para o estabelecimento de uma situao de anomia social que abre espao para a ocorrncia de transgresses.

    Por ltimo, a transgresso s leis e regras que regulam os condomnios consiste num dos principais motivos que levam conflitos internos. O comportamento transgressor aquele que infringe regras normativas (COHEN, 1968). No caso desse estudo os comportamentos transgressores foram caracterizados pela desobedincia a pelo menos uma das trs leis que regulam os condomnios no Brasil: o Novo Cdigo Civil, a Lei de Condomnio e o Regimento Interno de cada condomnio.

    Gilberto Velho denomina esses conflitos de conflitos verticais. Para ele os conflitos verticais so como uma vlvula de escape, onde o indivduo descontente com o mundo em

  • que vive principalmente quanto a questo poltica, que costuma, geralmente, considerar como algo distante de sua vida aceita as regras do jogo reservando seu descontentamento para os conflitos cotidianos com os vizinhos. Quanto mais os anos passam, mais os indivduos ficam intolerantes quanto a esse tipo de problema entre vizinhos e o processo de socializao faz com que as pessoas se tornem mais vigilantes no seu relacionamento com os

    vizinhos aprendendo a se defender (VELHO, 1987).

    A guisa de concluso

    Na cidade, do lado de fora dos enclaves, as pessoas so reguladas pelas leis e normas da sociedade em que vivem. Na cidade o limite entre o que privado e o que publico claro, bem como o comportamento considerado apropriado nas respectivas esferas, intima e pblica. Os condomnios por natureza um espao privado e regido por convenes consensuais entre os moradores introduzem uma nova esfera, os chamados espaos comunais ou coletivos.

    Para entender o processo de legitimao das transgresses dentro dos condomnios precisamos discutir dois fatores fundamentais: a natureza do espao coletivo e a atitude dos moradores com a utilizao e efetividade das leis.

    Em primeiro lugar, o novo espao privado coletivo, de propriedade de todos os condminos ambivalente, pois nele as pessoas apresentam comportamentos semelhantes aos observados tanto em espaos privados como em espaos pblicos. Dentro dos condomnios, os conceitos entre o que privado e o que coletivo se confundem. Por um lado, ao tratar o espao coletivo como pblico, verifica-se um encolhimento de responsabilidades, onde comum cada morador limitar-se a zelar apenas por aquilo de domnio imediato ou seja, apenas sua unidade de apartamento. Por outro lado, ao tratar o espao coletivo como se fosse privado ocorre uma expanso de diretos, onde o morador se sente proprietrio destes espaos coletivos considerando-se com direitos de mandos exclusivos, fazendo o que quer (LOPES, 2005). Esta ambivalncia de arenas propicia a emergncia de comportamentos transgressores.

    Em segundo lugar, a conformao social e a legislaes vigentes na sociedade brasileira exerce forte influncia sobre a forma como as transgresses so combatidas ou toleradas. A vivncia cotidiana em condomnios residenciais fechados, reforam uma cultura de comportamentos permissivos que se refletem na aceitao de transgresso das normas da

  • sociedade. Esta hiptese parte da constatao de um trao cultural da sociedade brasileira que a presena de uma atitude flexvel no que diz respeito s leis, normas e regras. Essa flexibilidade favorece o comportamento transgressor de forma geral, adquirindo uma forma peculiar no caso dos espaos dos condomnios residenciais.

    Em suma, as transgresses que ocorrem dentro dos condomnios so tratadas com tolerncia e algumas vezes lenincia e permanecem sem punio. Essa tolerncia existe

    exatamente porque tais atos transgressores so considerados pequenos, irrelevantes e sem maiores conseqncias. Dessa forma, sem punio ou reprimenda, as pequenas transgresses passam a ser assimiladas como normais e consequentemente todos os moradores se sentem no direito de violar as regras. Surge ento uma questo: at que ponto esse comportamento transgressor que ocorre dentro do condomnio e que assimilado como normal influncia no comportamento transgressor nos espaos fora dos condomnios?

    A lei e o regimento interno dos condomnios residenciais so comumente desconhecidos, negligenciados e em grande extenso desobedecidos. A observncia dessas leis e regras citadas seria um meio racional e rpido para resolver a questo das transgresses dentro dos condomnios, inclusive os conflitos causados pela proximidade fsica e pela heterogeneidade de pessoas, uma vez que o respeito s regras de certa forma regularia grande parte dessas questes. No entanto, o papel de fiscalizao da obedincia das leis confiado a funcionrios tais como porteiros e vigilantes que carecem de legitimao social para tal funo. Qualquer residente no admite ser chamado ateno por um funcionrio do condomnio, afinal eles so empregados de todos os moradores. Os empregados esto sujeitos a perder seus empregos em caso de conflito com moradores, assim regras passam a ser relativas e existe um acordo tcito para evitar confrontos. Assim por exemplo, observa-se dentro dos condminos crianas menores de idade dirigindo carros e motos, pois esto fora das leis da cidade, moradores estacionando em locais no permitidos, roubos e casos de violncia entre vizinhos, e outros delitos e transgresses. Mas o que mais chama a ateno toda uma gerao de cidados pertencentes a elite do pas que crescem a margem das leis da sociedade e tendo introjetado na sua experincia cotidiana a atitude de complacncia a atos transgressores.

    A procura de segurana e de uma vida mais livre em comunidade que vem norteando a procura de moradia nos condomnios, contestada por pesquisas que mostram que confrontos sociais entre moradores tem levado os mesmos a recolhimento social. Assim ao invs de uma vida em coletividade, observamos a emergncia de uma vida individualizada dentro de uma suposta comunidade de moradores, que o condomnio. Neste sentido, em

  • face da crescente consolidao da preferncia desta morfologia nas cidades, so necessrios maiores estudos que permita avaliar os efeitos sociais desta auto segregao considerando tanto os efeitos dos muros para fora, como dos muros para dentro, principalmente o da experincia segregada moldando valores e atitudes de uma nova gerao de cidados.

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