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Leitura de Síntese Inteligência Política, Estratégia, Mobilização Social e Realização de Compromissos Sociais Joaquim Azevedo

ESE Coimbra - Formação orientada para a profissão - Leitura de … · 2012-06-25 · Neste texto procede-se a uma breve revisão dos contributos de vários autores do estudo

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Leitura de Síntese

Inteligência Política, Estratégia, Mobilização Sociale Realização de Compromissos Sociais

Joaquim Azevedo

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As Dinâmicas Institucionais - Inteligência Política, Estratégia, Mobilização Social e Realização de Compromissos Sociais

NOTA BIOGRÁFICA

JOAQUIM AZEVEDO (n.1955). É Licenciado em História e Doutorado em Ciências daEducação pela Universidade de Lisboa. Actualmente é membro da Comissão Executiva daAssociação Empresarial de Portugal (AEP), no Porto, e investigador. Foi Director-Geral doMinistério da Educação (no GETAP), Secretário de Estado do Ensino Básico e Secundárioe é membro do Conselho Nacional de Educação.

Representou Portugal em vários encontros internacionais junto da OCDE (CERI),da UNESCO e da União Europeia e é autor de vários livros e artigos sobre educação eformação.

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1. Introdução

Neste texto procede-se a uma breve revisão dos contributos de vários autores do estudoprospectivo relacionados com o que se convencionou chamar “dinâmicas internas e papeldos actores” e procede-se a uma reflexão mais geral sobre a mudança social em educação esobre o papel dos mesmos actores sociais na construção de um sistema educativo com maisqualidade e com melhor desempenho social.

Fica bem evidenciado que o caminho para uma melhoria qualitativa e gradual do desem-penho das instituições educativas passa necessariamente pela articulação entre dinâmicasinternas e externas às escolas e ao sistema escolar. A insularização escolar, entendida aquicomo o fechamento da escola sobre si própria e dos professores e alunos sobre si mesmos,tem sido, é e será um entrave fortíssimo a essa melhoria socialmente tão desejada.

Convocam-se, primeiramente algumas das contribuições dos vários autores que colabo-raram neste estudo e que alinham com o propósito deste texto: recolher contributos sobre opapel dos actores, sobre as dinâmicas internas ao sistema educativo português (SEP) e suge-rir um quadro de mudança das instituições educativas.

Seguidamente, propõe-se um referencial de ruptura para a mudança do sistema educativoportuguês, sublinhando o papel dos diferentes actores, com destaque para o papel do Estadoe da inteligência política nacional. Neste referencial destacam-se: uma nova institucionalidadeescolar, com um novo quadro de vida e de trabalho dentro de cada escola e nas relações dosvários actores sociais com ela; a necessidade de estabelecermos compromissos sociais con-cretos entre vários actores sociais, tendo em vista construir as respostas necessárias e capa-zes para conduzir o país, com ambição, a uma sociedade educativa; a proposta do paradigmada sociedade educadora como um quadro de inteligibilidade porventura muito fecundo, nofuturo.

Este é claramente um texto aberto, arriscado, para debate. Mas cremos que o nossoatraso estrutural em matéria de educação e formação e a ausência persistente de um com-promisso da inteligência política portuguesa com a educação e a formação, requerem que secorra este risco. De outro modo não estaremos a construir um futuro diferente, mas tão-só adeixar que o futuro venha ao nosso encontro carregado do nosso passado. E esse é umcenário dramático que importa evitar.

2. Os Alunos e os Sujeitos

Entre os vários intervenientes nos processos educativos que se desenrolam nas organiza-ções escolares, é aos alunos que se tem vindo a atribuir um lugar central: eles são os sujeitosque desabrocham e crescem, que apreendem o thesaurus cultural herdado, que se conhecema si próprios e que procuram um modo de ser e estar na vida, que esboçam e constroem

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projectos para o futuro. Tudo o que se estrutura em seu redor, do mais simples ao maiscomplexo, deve servir este objectivo central. As crianças, os jovens e os adolescentes nãosão apenas o alvo da actividade escolar, mas os seus sujeitos principais, o eixo em torno doqual rodam as diferentes actividades, os diversos actores e os mais variados recursos. Odesempenho das organizações escolares deveria medir-se cada vez mais pela sua capacida-de de fomentar este desenvolvimento pessoal de cada uma e de cada um dos educandos.

Se esta perspectiva pode ser tomada como um referencial geral de reordenamento dosistema educativo, ela representa ainda uma visão utópica, dada a relevância e a quantidadede funcionalidades que são comummente atribuídas às escolas, tais como as técnico-econó-micas, produtivas, instrutivas e socializadoras.

Falar de alunos é falar de crianças, adolescentes e jovens em situações e condições devida muito diferenciadas. Esta desigual distribuição da população escolar, para além daspróprias diferenças etárias, radica no quadro social familiar de referência de cada uma e decada um, nos diferentes estatutos culturais e económicos, no género, na etnia e no local deresidência. Enquanto que para uns a frequência escolar e os investimentos associados a essacondição constituem factores de ascensão social, para outros representam apenas a manu-tenção de estatutos já alcançados, o que se traduz em diferentes modos de ser aluno e estarna escola. A estes diferentes estatutos e condições de acesso e de frequência escolar estãotambém associados diferentes percursos escolares e formativos e muito diversas expectati-vas face à escola, à inserção socio-profissional e ao trabalho. A heterogeneidade social e amulticulturalidade, com a progressiva universalização do acesso à educação básica e secun-dária, afirmaram-se como uma realidade intransponível e omnipresente dentro de cada salade aula e de cada escola.

Foram também referidas várias dimensões que marcam diferentemente o quotidiano dosjovens de hoje: a velocidade, em particular a velocidade de processamento da informação;os ciclos curtos de vida das coisas, da atenção, das actividades profissionais, das roupas,dos locais de férias, configurando a era do descartável e um tipo de comportamentos descri-tos como típicos do “homo zappens”; o endeusamento da novidade, da inovação e das in-dústrias da criatividade; a gestão de uma quantidade crescente de escolhas, diante de umquadro de abundância de oferta, de desigualdade de acesso a essa oferta e, ao mesmo tempo,de instabilidade de referenciais; tende a imperar uma cultura de prazer, de reivindicação dedireitos, de fraca adesão à observância de deveres; a interactividade e o enorme poder deintervenção dos consumidores na regulação social; a desmaterialização de uma parte daactividade social e sobretudo da economia e a sua progressiva digitalização; a mobilidade,aliada a novas formas de comunicação e de “deslocação”, que não implicam que se saia dosítio onde se está; o ascendente social dos jovens que emergem na sociedade como oparadigma a imitar; uma maior igualdade entre mulheres e homens e a ascensão crescentede valores ditos femininos (confrontar texto de Rui Marques).

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Por outro lado, a participação dos alunos na vida escolar é escassa, fomentando-se maiso consumo escolar do que um efectivo investimento numa organização social com tantarelevância social. Os resultados da “sondagem à opinião pública”, realizada no âmbito des-te estudo prospectivo, apontam para uma clara insatisfação dos alunos quanto à capacidadedas escolas desenvolverem um “papel activo na formação social do indivíduo”. A aprendi-zagem da participação social, crítica, criativa, construtiva parece não fazer parte das mis-sões das instituições educativas, embora delas faça parte a transmissão da ideia de que aparticipação comunitária e o exercício pleno da cidadania fazem parte do núcleo duro dosdireitos e deveres individuais.

Existe e tenderá a acentuar-se uma perda de eficácia social da escola, num contexto dedesemprego estrutural, de não-correspondência crónica entre formações iniciais e empre-gos e de crise das credenciais escolares, mesmo as correspondentes aos mais altos graus. Asnovas subjectividades forjam-se num ambiente de crise de sentido das instituições escola-res, na raiz da qual está não só a própria crise dos seus mecanismos de promoção da ascen-são social, sobretudo para aqueles que dela mais beneficiariam, como a manifestação da suairrelevância para os que possuem estatutos sociais médios e elevados, para quem a frequên-cia escolar representa cada vez mais um tem-de-ser aliado à manutenção de estatutos departida e um patamar compulsivo de acesso aos diplomas mais credenciados. É muito pro-vável que a carga simbólica da escola se continue a debilitar generalizadamente se perdurara valorização social do hedonismo, do consumismo e da escola enquanto mero serviço decustódia dos mais novos e se as instituições educativas não alterarem profundamente a suamissão, o seu modelo institucional e as suas práticas educativas quotidianas. Pouco ou nadade novo há a esperar da escola enquanto instituição social isolada e fomentadora da adapta-bilidade aos novos tempos e às novas técnicas e da escola da individualização, que fomentaa competição individual para o acesso aos mais altos diplomas e às mais altas posiçõessociais.

Não será de uma escola assim que estão à espera as crianças, os adolescentes, os jovense os seus pais, os professores, os empregadores e os políticos que procuram reconstruir, acada passo, comunidades de vida em paz e em justiça. Os resultados da já comentada sonda-gem de opinião são muito claros: todos os actores sociais inquiridos referem que a funçãomais relevante a desempenhar pelas escolas, no futuro, será a da “formação social de cadaindivíduo”, a par da tradicional capacidade de ministrar os conhecimentos prescritos.

Ir à escola sob pressão e coacção, será esse o futuro do ir de quase todos à escola? Umaponte de passagem obrigatória, apenas enquanto a lei não permite a actividade profissional?Parece que vai saber a pouco uma escola que simbolicamente já não é atractiva pelos váriosbenefícios que consigo transportava e que ainda não é uma instituição onde se vá sobretudopelo gosto em aprender, pelo esforço e pela alegria que rodeiam a descoberta e a compreen-são de uma herança cultural e pela aquisição de novos saberes e de novas competências.

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3. O Mercado de Emprego

As sondagens realizadas ao mercado de emprego nacional, com base na análise da ofertade lugares por parte de empresas de maior dimensão e competitividade (texto de SérgioGrácio e de Emília Nadal), revelaram que estes empregadores estão a requerer pessoal quetenha conhecimentos técnicos básicos na área da informática e das línguas estrangeiras eque valorizam cada vez mais as ditas “novas competências” ou competências pessoais e nãoformais. Entre estas, as mais requeridas são a autonomia e a capacidade relacional. Noentanto, a procura destas “novas competências” é ainda escassa e surge atrás da procura decompetências tradicionais.

A mais insistente procura das “novas competências” está habitualmente relacionada coma evolução das empresas para uma maior flexibilização da gestão da força de trabalho.Entre nós, contudo, tem sido bastante lento o processo de redução da importância dos mo-delos tayloristas-fordistas de organização do trabalho. Assiste-se, todavia, a uma tendênciajá bastante nítida para uma individualização tanto das relações laborais como da gestão dascarreiras profissionais. Esta dinâmica social, que empurra para o foro individual problemá-ticas que estavam até agora maioritariamente reguladas e protegidas por convenções e acor-dos colectivos, pode ser responsável pelo incremento da competição inter-pessoal, em de-trimento da conflitualidade laboral tradicional, que se desenrolou ao longo do Séc.XX. Estaacrescida individualização reflecte-se no plano escolar, mormente na flexibilidade curriculare numa maior individualização dos percursos de formação, podendo também vir a geraruma maior competitividade dentro das escolas e das turmas, com destaque para os ensinossecundário e superior.

Mas é bem provável que a procura de competências pessoais e não-formais cresça rapi-damente nos próximos anos, para todos os tipos de empregos, a par das competências técni-cas específicas, competências estas também adquiríveis nos contextos de trabalho. A edu-cação escolar tenderá, assim, a ser fortemente confrontada, por um lado, com a necessidadede promover o desenvolvimento de competências também chamadas meta-cognitivas, asaber, capacidades de iniciativa, de comunicação, de auto-confiança, de resolução de pro-blemas, de cooperação com os outros em torno de objectivos e tarefas precisos, para alémda capacidade de “ler” o contexto local e alcançar uma visão mundial em muitas dimensõesda actividade humana.

Por outro lado, a educação escolar é desafiada a promover a integração de saberes, ainter-penetração entre ciências, artes e tecnologias, entre disciplina e projecto, entre sabe-res, saberes-fazer e saber-ser, entre especialização e generalização, entre teoria e prática,entre documentos escritos, sons, imagens e sentidos, entre o de dentro e o de fora da escola,entre linguagens verbais e não-verbais, entre as várias formas de expressão da humanidadede cada aluno.

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Finalmente, a formação ao longo da vida impõe-se como uma nova dimensão da vidahumana e das experiências profissionais, a requerer alterações profundas dos conceitos edos modelos organizacionais da educação. Qualquer local e em qualquer momento, são, nolimite, susceptíveis de se transformarem em novas oportunidades educacionais. As novastecnologias da informação e da comunicação-NTIC disponibilizarão instrumentos que re-volucionarão a relação de cada um com a informação e com o conhecimento, bem comocom as linguagens simbólicas e imagéticas.

Partimos, no entanto, de um patamar de grande insatisfação da população portuguesaquanto à capacidade do seu sistema educativo preparar as novas gerações para o mercado detrabalho. Para a construção de uma nova relação escola-mercado de trabalho parece sernecessário equacionar de novo o lugar da educação para o trabalho no terceiro ciclo doensino básico e no ensino secundário. No ensino superior, a ligação entre as universidades einstitutos politécnicos e as empresas e os empregadores carece ainda de uma revoluçãomental e de compromissos concretos de cooperação entre as partes.

4. Os Professores

Quanto aos professores (confronte-se o texto de Bártolo Paiva Campos), eles têm sidoconsiderados, de modo pendular e extremado, ora como os grandes esquecidos ora como osgrandes salvadores, nos múltiplos processos de reforma educativa. Entendemos aqui que osprofessores não devem ser tomados nem como actores postergados nem como os motorescentrais dos processos de mudança, complexos, multipolares, incertos. Esta centralidadeforçada tem conduzido, aliás, a situações de insularização e de impasse, que importariaultrapassar no futuro.

De facto e como já ficou expresso, a evolução e a mudança do SEP passa por um conjun-to vasto de dinâmicas sociais e poderá vir a traduzir-se em melhorias significativas da qua-lidade do SEP, na medida em que estas dinâmicas forem devidamente articuladas e acompa-nhadas por um novo esforço de inteligência política acerca das missões da educação e acer-ca das condições de mudança na educação, não só no contexto nacional como a nível mun-dial.

Por outro lado, o futuro e a melhoria do desempenho profissional dos professores – o seupapel social, a sua formação e as condições do exercício da sua actividade – há-de depender,em boa medida, da evolução dos modos de apropriação social relativos às escolas e ao SE,da evolução do tipo de políticas sociais públicas (saúde, habitação, cultura, educação) e dastransformações do próprio modelo institucional escolar. Aí se desenhará, ainda que implici-tamente, ou uma redefinição mais clara e mais integrada da missão social e profissional dosprofessores ou uma nebulosa na qual continuará a vaguear um estatuto profissional queoscila entre o instrutor e profissional de ensino e o trabalhador social, super-profissional,capaz de em tudo intervir e tudo fazer.

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O recrutamento de docentes tenderá a ser cada vez mais personalizado, contextualizadoe diferenciado, realizado por escolas cada vez mais autónomas e a formação inicial e contí-nua de professores deverá desenvolver-se no quadro da referida redefinição da missãoeducativa das instituições escolares. Outros contextos laborais deveriam promover outrosmodos de conceber, organizar e realizar a capacitação permanente de profissionais adultos,no exercício da sua actividade, em organizações que muito precisam de continuar a capita-lizar a sua capacidade aprendente. Tanto os modos de recrutamento como os da formaçãoinicial e contínua dos docentes influenciarão decisivamente a evolução e a melhoria pro-gressiva do sucesso educativo das crianças, dos adolescentes e dos jovens.

5. Os Pais e Encarregados de Educação

Os pais, primeiros e principais educadores dos seus filhos, têm mantido com as escolasuma distância assinalável, sustentada em dois elementos principais. De um lado, está a suageneralizada fraca escolarização. Vivemos tempos de acelerada transição entre uma gera-ção mais velha, muito pouco escolarizada, e uma geração mais nova, a primeira a ser ampla-mente submetida a um processo de escolarização de massas, que progride até níveis e grausaté há pouco inimagináveis para muitas famílias de grupos sociais de baixo e médio rendi-mento. A relação com a escola foi e ainda é difícil para uma boa parte da população. Não épor acaso que em muitas reuniões escolares de pais e encarregados de educação encontra-mos ainda e sobretudo professores e outros profissionais com formação média e superior.Do outro, está um modelo de gestão escolar e um tipo de práticas quotidianas de relação dasescolas e dos professores com os pais que incentivam o afastamento dos pais das escolas,ambientes que os próprios profissionais do ensino consideram demasiado complexos e téc-nicos para serem acompanhados por pessoas tão pouco letradas na arte (que se traduz, porexemplo, na marcação de horas de atendimento dos pais e de realização de reuniões a que sópode aceder uma minoria de quadros de profissões liberais, etc).

Acrescem ainda outros factores: (a) a já referida falta de informação sobre a educação,sobre as medidas de política educativa, sobre a evolução do desempenho do sistema escolar,ausência de informação que se estende a cada escola; (b) os intensos e sufocantes ritmos devida urbana, que dificultam uma relação corrente e saudável entre professores e pais, e oconsumismo que se estende sobre várias facetas da vida, incluindo até o “envio” dos filhosà escola, para custódia.

Uma maior presença dos pais na vida escolar poderá passar pela instalação de práticasde cooperação entre os professores e os pais na educação dos filhos e, sobretudo, um outropor um quadro institucional escolar onde os pais tenham um papel activo e específico, emambiente de cooperação estreita com os professores, pois a escola da socialização está cadavez mais a esgotar-se e a pedir, em complemento, uma escola capaz de ajudar cada uma ecada um a orientar-se e a construir projectos pessoais de vida.

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6. Os Autarcas e Outros Parceiros Sociais

Os eleitos locais e as instituições de finalidade social que existem numa comunidadeconstituem outros tipos de actores cuja acção social se cruza em muitos aspectos com a dasinstituições educativas escolares. Estão neste caso os museus, os jornais locais, as institui-ções de solidariedade social, as fundações, todas as instituições de voluntariado social aoserviço da promoção do bem de uma comunidade local.

Estas instituições podem celebrar – e serem incentivadas pelas escolas a celebrar - com-promissos sociais muito precisos com cada escola. Este caminho da realização de compro-misso poderia tornar-se o mais fecundo dos caminhos para uma co-responsabilização co-munitária em torno da educação, ideia que mais adiante desenvolveremos no quadro doparadigma das cidades educadoras. Em todo o caso, o que deveria evitar-se seria a rotina deuma participação que a ninguém envolve, que não é motivadora e que não responsabilizanenhum dos actores por nada de concreto.

7. Os Processos

As NTIC, que inundam todas as esferas da vida, chegaram às escolas, estão a influenciaros processos de ensino e de aprendizagem e muito provavelmente vão mudar de modoprofundo estes processos no futuro (retomando de novo o texto de Sérgio Grácio e de EmíliaNadal). As NTIC constituem um mar de oportunidades, mas são vistas também como gran-des ameaças. Muito mais do que uma questão de preparação para o exercício profissionalou de formação para aplicações informáticas, interessa-nos considerar aqui as NTIC namedida em que se intrometem nos recursos e métodos de estudo, nos processos de ensino enas próprias relações sociais educativas, mudando os quadros institucionais, as orientaçõese as práticas educacionais.

A formação dos docentes para uma boa aplicação de uma panóplia de “softwareconstrutivista”, incorporando-o, sem medo e rentavelmente, nas práticas pedagógicas quo-tidianas, constitui um dos maiores desafios do próximo futuro, a par da acção do Estado noequipamento técnico das escolas, na implementação e disponibilização a todas as escolasdo software educativo e na regulação da sua qualidade. Os riscos de progressão das desi-gualdades sociais, com base nos diferentes tipos de acesso aos benefícios das “info-oportu-nidades”, são cada vez mais evidentes, pelo que se esperam da sociedade e do Estado ac-ções enérgicas, vigilância e correcção de assimetrias.

8. A Escola, o Sistema Escolar e a Mudança

Quando pensamos a evolução e a mudança no sistema educativo português(SEP), per-corremos habitualmente dois caminhos: por um lado, tendemos a restringir a intervençãodos actores ao papel do Ministério da Educação(ME) e, por outro, elegemos a unidadeescola a uma centralidade profundamente insularizante, no seio das dinâmicas sociais.

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De facto, em Portugal, as questões educativas são tradicionalmente confundidas comquestões políticas que dizem respeito ao Ministério da Educação e às suas estruturas admi-nistrativas centrais e descentralizadas. Talvez esta não seja uma prática tão comum entreinvestigadores, técnicos e responsáveis de escolas, mas a generalidade dos professores, dospais, dos alunos, dos autarcas e dos empregadores age como se o ME concentrasse em sitodas as responsabilidades determinantes da evolução e da mudança do SEP. Assim comotudo se concentra no ME, pouco ou nada se espera de outras instâncias da sociedade, desdeas autarquias, às fábricas, aos meios de comunicação social, às associações culturais e re-creativas e outras.

Mesmo as prioridades políticas que, nos últimos anos, têm sido atribuídas à educação,são eleições feitas pelos governos que, na prática, se têm traduzido por muito poucamobilização do conjunto dos actores sociais. O poder político tem dificuldade em posicionar--se estrategicamente na sociedade reconfigurando expectativas e o jogo dos actores.

Por outro lado, há uma retórica educacional que tem vindo a conquistar progressivamen-te terreno e que sustenta que é sobre cada escola e em cada escola que radicam os processosde evolução e mudança do SEP. “Cada escola é o centro da mudança e da melhoria dosistema educativo”. Se é verdade que esta tendência visa de certo modo contrariar a ante-rior, chamando a atenção para a relevância das escolas e dos seus actores internos, tambémnão será menos verdade que ela induz a adopção de uma lógica de cerceamento e de isola-mento das dinâmicas de mudança social em torno de uma organização específica.

Ora, a análise sociológica e as ciências da educação e do desenvolvimento têm vindo aalertar para dois fenómenos da maior importância, no momento em que pensamos a evolu-ção e a mudança futura do SEP e o papel dos actores. De um lado, pensamos a mudançanuma perspectiva nominalista e retórica, hipervalorizando o papel do discurso político. Dooutro, tendemos a transformar problemas sociais em problemas educacionais e, logo, emreformas educativas.

Já Soysal e Strang tinham analisado os processos de construção social da educação emdiferentes contextos nacionais e proposto uma tipologia de três categorias, a saber, a cons-trução social, a construção política e a construção retórica da educação. Portugal é um dosexemplos de referência do último tipo, assim como a França é do segundo e o Reino Unidodo primeiro. De facto, a nossa história educacional está marcada por muitas iniciativaspolíticas que nunca passaram de construções em papel ou de muito tardias construçõespolíticas, nós que somos um país - uma identidade nacional - que, como diz José Mattoso,começou por ser uma criação e sustentação do Estado.

Por outro lado, existe outra tendência, bem presente na Europa, para transformar proble-mas sociais em problemas educacionais e a sua resolução social em reformas educativas.Esta tendência tem vindo a ser estudada por vários autores e traduz-se numa transferênciapermanente dos problemas sociais, com destaque para o desemprego, para o terreno da

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responsabilidade das escolas. Assim, o desajustamento entre os empregos disponíveis e aqualificação de diplomados pelo sistema educativo é devido, nesta óptica, às debilidades daformação inicial e não a qualquer problema do mercado de emprego, como a redução deempregos, a não criação de empresas, os novos tipos de produção, os novos processos eprodutos, o sistema de vinculação laboral e a relação salarial. Ainda nesta linha, aquilo queacaba por ser politicamente equacionado, no quadro da mudança social e da melhoria doquadro de vida de cada cidadão, é a necessidade de alterar o “modo de produção” dasqualificações, a própria escola (os planos de estudo, as mais das vezes, ou o modelo degestão ou a formação dos docentes ou…) e nunca o sistema produtivo, o modelo de produ-ção, as qualificações dos empresários, a gestão das empresas. Esta transfiguração e estaredução dos problemas de toda uma sociedade a problemas educativos tem um reverso nasua medalha: os problemas sociais de que se parte lá continuam por resolver e os problemaseducativos são cada vez mais reduzidos a problemas escolares, que passam a dizer respeitoapenas a técnicos muito especializados no assunto. A manter-se este rumo, a insularizaçãoescolar crescerá e de pouco ou nada valerão, no médio e longo prazo, esforços gigantescosmobilizados em torno de retóricas políticas envoltas em reformas educativas.

Como indutores da mudança, também se assinalam quatro: a pressão cultural estético--científico-técnica; a pressão das famílias e a exigência de empregos; a pressão da econo-mia e dos seus segmentos mais avançados; a pressão política para o sucesso educativo epara a coesão social.

As resistências também são múltiplas e actuam tanto ao nível social geral (ex. pobrezaou analfabetismo), como ao nível do sistema educativo (ex. metodologias de ensino, con-cepção tecnicista do ensino, reformas desarticuladas) e ainda ao nível mais específico dosprofessores (ex. motivação profissional).

Luís Valadares Tavares, no seu texto, chamou a atenção para a existência de um quadropropício à mudança do SEP. Este é composto, entre outros aspectos, por um clima de escolapropício à construção de novas soluções, por um muito maior investimento coordenadoentre conteúdos curriculares e actividades ditas “extra-curriculares”, por uma grande dispo-nibilidade dos actores locais-professores, pais, alunos – para participarem nos processos demudança, por práticas de avaliação e de benchmarking e pelo desenvolvimento de umacultura de autonomia das instituições escolares. Este autor aponta cinco cenários de mudan-ça e atribui a sua preferência àquele a que intitulou “rede coordenada e avaliada de institui-ções”, chamando a atenção, no entanto, para o défice que existe quer em termos de estabe-lecimento de objectivos claros para as transformações pretendidas, quer na escassez demetas evolutivas assumidas com determinação e ainda a insufuciente mobilização de vonta-des, essenciais a qualquer dinâmica de progresso.

A questão que se levanta é esta: faltará ambição e discernimento à inteligência políticado país para liderar um processo de mudança que coloque Portugal no rumo da nova socie-dade educativa?

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9. Pactos Gerais ou Compromissos Sociais?

Vejamos, para já, uma questão mais geral e que tem que ver com o envolvimento dosactores na mudança do sistema educativo. Como e em que quadro de referência equacionar,nos próximos anos, um novo compromisso social dos actores – pais, alunos, professores,autarcas, empresários, dirigentes das várias instituições sociais locais e nacionais – com a“res publica” que é a educação?

Primeiramente e tendo em consideração quer os quatro elementos que foram apontadospor Sérgio Grácio e Emília Nadal, como fazendo parte de um núcleo duro de factores detransição do modelo clássico de educação escolar para outro modelo, de cariz mais humanista,mais descentralizado, mais responsabilizante e valorizador da actividade profissional dosdocentes quer os cenários de evolução aqui estabelecidos por Luís Valadares Tavares e oselementos de resistência e de facilitação da mudança, esta mobilização social deveria serequacionada no seguinte quadro de condicionantes:

- deve optar-se por perspectivas que possam fazer evoluir o sistema educativo parauma avaliação permanente e para a articulação em rede, de forma coordenada;

- continua a ser frágil a inter-penetração entre a evolução do SEP e de outros subsistemassociais portugueses (economia, empresas, administração pública,…), o que requerenormes investimentos políticos na produção de outro tipo de pensamento sobre olugar da educação na sociedade e nas dinâmicas da sua mudança e em novos modelosde concertação social;

- são escassos os objectivos claros e as metas pretendidas para uma mudança inequívo-ca e partilhada do SEP;

- é escassa a concertação social entre os vários parceiros em ordem ao estabelecimentode compromissos sociais concretos, em torno desses novos objectivos e metas;

- a elite política parece tão prisioneira da inércia como o próprio SEP (e este estáprisioneiro da incapacidade daquela);

- há um certo cansaço por parte de escolas, professores e pais decorrente da aplicaçãode orientações políticas descoincidentes (quando não contrárias) e sucessivas e dereformas educativas tecnicistas e fechadas sobre si mesmas;

- tem havido falta de recursos económicos para provocar um acesso em larga escala àsNTIC;

Em segundo lugar, importa equacionar o futuro da educação num quadro de inteligibilidadeque destrua a insularização constante da educação na “res publica” e num jogo de actoresem circuito fechado e que integre a educação no conjunto dos esforços contínuos do país

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em ordem à melhoria progressiva da qualidade de vida de cada uma e de cada um dosportugueses, em que o poder político desempenha um novo papel estratégico e o jogo dosactores é reordenado em ordem a potenciar a mudança. O paradigma da sociedade educativaparece encaminhar-se neste sentido, pois é a evolução de toda a sociedade que está em jogo,desempenhando a educação um papel central na mudança desejada.

As escolas ( a sua maioria) não podem continuar a pensar-se sozinhas e a actuar isoladas,como heroínas de uma causa - a igualdade e o sucesso - pela qual tanto lutam e com a qualtanto desesperam (ou seja, deixam de esperar, quais Sísifos que retornam todos os diasmontanha acima). Ou actuam em rede, em comunidade de objectivos , de recursos e depossibilidades, ou estarão permanentemente a dar o dito por não-dito (e o não-dito porfeito). A educação e a formação, como reais necessidades que se manifestam cada vez maisao longo de toda a vida, constituem fortes elos de inclusão-exclusão social, mas não repre-sentam mais do que elos dessa corrente mais longa da cidadania e da dignidade humana.

Como diz R. Carneiro, “a reconstrução de uma cidadania forte passa necessariamentepela reabilitação daqueles estaleiros primários de socialização e por uma estratégia educativaconcertada que coloque os valores da convivência acima de valores fugazes do sucessoeconómico” (Carneiro, 2000). Quando se aponta para a equidade social, são dinâmicassociais locais concretas que estão em jogo, nas suas conexões com dinâmicas socio-históri-cas mais globais. Basta lembrarmos as desigualdades existentes entre os cidadãos de umaescola-comunidade local, seja em capital cultural familiar, seja em gestão do tempo, seja naocupação do “tempo livre”, no estudo, nas redes de ligação interfamiliares. O esforço deinclusão social e de construção de projectos pessoais de vida com dignidade tem de ser vistocomo um compromisso social local e concreto e não como um mero projecto escolar.

Toda a reflexão (e os projectos sociais concretos que já se estão a desenvolver) em tornodas “cidades educadoras”, que mobiliza actualmente muitos cidadãos europeus, como os doPorto ou de Barcelona, representa, a meu ver, um novo ponto de partida de civilização e decidadania, em ambiente de coesão social, um nova plataforma social de reconstrução decapital cultural para todos, em que as redes de escolas podem tornar-se instrumentos funda-mentais de requalificação de vida, integradas em projectos educativos de cidade (Carneiro,2000), que são necessariamente projecções culturais das cidades / comunidades.

Em terceiro lugar, importa informar a população portuguesa acerca das suas escolas e daevolução do seu sistema educativo. A população continua muito insatisfeita com a fraca ereduzida informação a que tem acesso (vejam-se os resultados da sondagem apresentadosneste estudo). A população portuguesa adulta paga o funcionamento do sistema, usufruidele colocando os filhos nas escolas, mas não dispõe de canais de comunicação de massas,contínuos e inteligentes, que informem e formem. Não há prestação de contas, ninguémsabe ao certo como é que o gigantesco sistema escolar está a rodar, em cada momento, docidadão anónimo aos mais altos dirigentes do país. As autoridades educativas e o poderpolítico em geral (com destaque para os governos e para a Assembleia da República) têm

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uma enorme responsabilidade social na informação e na prestação regular de contas. Elasconstituem pedras angulares não só para a transparência na gestão da “cidade” (polis), comopara a mobilização generalizada dos actores sociais em torno das “questões educativas”. Ospróximos vinte anos deveriam trazer melhorias significativas a este nível, potenciadas pelospoderosos meios de informação e de comunicação de que hoje dispomos.

Não se pense, contudo, que para se dar saltos qualitativos neste mesmo domínio bastaráproduzir uns quantos documentos e brochuras informativas. É uma atitude que está emjogo, são os comportamentos e as práticas quotidianas da administração educacional na suarelação com os cidadãos que têm de ser alterados, desde os serviços centrais, aos regionaise a cada escola. É, por outro lado, a própria inteligência política de que o país dispõe, que édesafiada a dar outro relevo à educação no contexto do desenvolvimento social de Portugal.

Em quarto lugar, precisamos de compromissos sociais concretos, em torno das questõeseducativas e não de consensos, de diálogos inconsequentes e de pactos elaborados quaissumários técnicos de finalidades que a ninguém e nada comprometem.

Poderá haver escolas promotoras da equidade social, inseridas em redes de promoçãohumana e social, se houver disponibilidade de vários actores e parceiros sociais para arealização de compromissos sociais concretos, projectos em que se determinem as finalida-des e os objectivos, se mobilizem os recursos concretos a elas adequados, se estabeleçammetas e responsáveis pelas diferentes actividades, em que se estabeleçam critérios e méto-dos de avaliação.

De que valem “projectos educativos de escola” lindíssimos, rosários das mais pias pro-messas, entre elas o destaque para a igualdade e para o sucesso educativo, se eles nãopassam de documentos escritos em gabinetes escolares, por professores carregados dasmelhores intenções, sem qualquer ligação às dinâmicas sociais envolventes, que não sejam(tantas vezes) as de aprovação formal de documentos (que nunca deixaram de ser formais,para passarem a ser construções sociais locais).

Não bastam as relações de vizinhança, os protocolos de intenções entre as partes, asexpressões criativas de uns e de outros, os conhecimentos inter-pessoais. Deveríamosestabelecer compromissos concretos, assiná-los, criar as condições da sua boa execução,executá-los em rede e em parceria local e avaliá-los. A solidariedade e o voluntariado asso-ciados a estas redes de vida em comum são um dos poucos recursos sociais ilimitados,qualquer que seja a comunidade em que cada escola se insere. A elas haverá que associar asmalhas interinstitucionais e a mobilização dos recursos da comunidade e do Estado.

A este respeito, importa sublinhar que a esta visão não se atrela qualquer perspectiva de“retirada triunfante do Estado” na promoção do bem público educacional. Continuando aser essencial o seu apoio e o prosseguimento do seu investimento numa educação pública dequalidade, importa que os recursos públicos que ele mobiliza se encontrem e cruzem com

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os pactos locais concretos e com as redes locais de actores, para se tornarem aí, em cadacontexto social concreto, efectivos motores de construção de novas plataformas sociais deigualdade de oportunidades. São múltiplos e estão bem estudados os casos em que, maisinvestimento público em educação teve escasso impacto no esbatimento das desigualdadessociais ou no sucesso escolar. Quantas vezes, a despesa pública em educação aumenta ape-nas por indexação salarial, sem qualquer outra dinâmica profissional e social acoplada. AoEstado caberá também um importante papel de valorização e de fomento destes compro-missos locais (nomeadamente, por exemplo, através da acção de agências especializadaspor si cofinanciadas) e de apoio concreto à sua execução e à sua avaliação.

10. Continuidades ou Rupturas?

Como diz Joaquim Aguiar, na sociedade educativa o objectivo tem de se elevar e alterar:ninguém deve sair da formação inicial ou exercer uma actividade sem uma qualificaçãoprofissional e cada um deve estar na posse de um bilhete e de um crédito que faculte oingresso permanente no sistema educativo.

A mobilização social de milhares de instituições da sociedade portuguesa e dos cidadãospara estes compromissos poderia ainda vir a contar quer com um outro desempenho doConselho Nacional de Educação, órgão que reúne o mais amplo leque de representantesdestes actores sociais, na dependência da Assembleia da República, quer com outra atitudedo poder político e dos parceiros sociais mais significativos (sindicatos, associações empre-sariais, autarquias, associações culturais e recreativas, etc.). Para tal, o jogo dos actores queé realizado em circuito fechado, em torno do Ministério da Educação, deve ser completadoe, em boa parte, substituído por dinâmicas sociais que sejam indutoras e aceleradoras demudança.

A “sociedade do conhecimento” para que estamos a caminhar e a superação do atrasoestrutural em que ainda nos encontramos, em termos de desempenho do sistema educativonacional, como ficou evidenciado neste estudo (comparação internacional do SEP), condu-zem a um cenário de evolução que apela mais a uma ruptura nos procedimentos e naspolíticas do que a uma evolução linear em relação aos anos transactos.

Só conseguimos vislumbrar esta ruptura no âmbito da construção de uma sociedadeeducativa, em que todas as instituições e pessoas sejam valorizadas e mobilizados para umesforço colectivo e continuado de investimento na educação e na formação. Em qualquerlocal do país, desde as escolas às oficinas, desde os centros paroquiais, associativos e recre-ativos até aos centros de formação profissional instalados, desde os museus aos meios decomunicação social, desde as faculdades e institutos politécnicos aos centros tecnológicos eaos centros de formação de empresas, todas as organizações sociais e todos os cidadãos,têm um papel activo a desempenhar na construção de uma sociedade educativa /cidadeeducadora.

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Correm-se sérios riscos, na actualidade e ainda mais fortemente num futuro próximo, decristalizar uma dualização social perversa entre os que têm acesso aos benefícios educacio-nais e à formação ao longo da vida (a nova retórica política anda agora por aqui) e os queficam arredados destas oportunidades, certamente cada vez mais facilmente excluídos numasociedade crescentemente valorizadora do conhecimento. Esta dualização social pode tor-nar-se a face mais visível de sociedades inseguras, de cidades violentas, de guerras perma-nentes. E todos já sabemos, que é melhor e mais barato prevenir do que remediar, comba-tendo a posteriori a degradação social que se permitiu que se instalasse (por isso é que osinvestimentos em melhor educação podem ser socialmente tão rentáveis).

Entre as novas dinâmicas que podem actuar como indutores e aceleradores da mudançaestão os vários mecanismos de credenciação e de avaliação. Por um lado, importará refor-çar o papel das entidades certificadoras, missão que o Estado deve coordenar com eficáciae em parceria, de modo a garantir que se alargue o leque dos promotores de qualificações enão se perca a qualidade dos processos educativos.

Por outro, a avaliação tem de ser introduzida em todas as vertentes do funcionamento dosistema educativo: nas escolas, centros de formação e junto de todos os promotores deensino e formação, instituindo dinâmicas de avaliação interna e externa, de preferênciaconjugadas, nos próprios serviços da administração educacional e junto dos parceiros so-ciais que intervêm no campo educativo. A avaliação deve ser realizada de modo rigoroso,sistemático e deve ter sempre carácter público, havendo sempre lugar à publicitação dosresultados. O “benchmarking” das melhores práticas e dos melhores resultados deve igual-mente ser incentivado pelo Estado.

A avaliação do desempenho das instituições escolares talvez seja, no futuro, um dosinvestimentos políticos mais importantes para a salvaguarda e a melhoria permanente deum sector público de educação e formação de qualidade. Quando nos referimos a avaliaçãofalamos de auto-avaliação, de avaliação promovida pelo próprio Estado e de hetero-avalia-ção, sobretudo a avaliação promovida por instituições especializadas e independentes. Se a“certificação de qualidade” é um conjunto de normas que cada vez mais se impõe no uni-verso das organizações produtivas, num contexto em que a oferta de ensino e de formaçãose alarga (aparentemente sem limites, pelo recurso às NTIC), fácil é perspectivar que umanova política de avaliação poderá resgatar o sector público da educação e da formação deuma derrocada progressiva, por evidente falta de qualidade.

As práticas regulares de avaliação (interna e externa) nas instituições educativas pode-rão desempenhar um papel decisivo na renovação e na melhoria constante (por ajustamen-tos contínuos e progressivos) da oferta pública e privada de educação e formação. Elaspermitem medir os desvios em relação às metas estabelecidas (que têm, por isso, de estarpreviamente formuladas), detectar as áreas problemáticas e os agentes que as podem vir amelhorar, mobilizar os recursos adequados em relação a cada meta a alcançar, definir novosrumos e lançar as bases para novos projectos exequíveis.

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É para nós ponto assente que as práticas de avaliação devem envolver, em cada escola,os seus agentes educativos, com destaque para o colectivo dos professores e para os respon-sáveis de departamentos curriculares e de todas as instâncias intermédias de regulação pe-dagógica, sejam elas auto ou hetero determinadas. A avaliação combinada, interna e exter-na das escolas, pode comportar estratégias muito fortalecidas de envolvimento dos agentesescolares, aos vários níveis de gestão.

Por outro lado, podemos e devemos considerar com urgência a área dos incentivos fis-cais. O problema é simples, a solução também o pode ser. Acontece que se um cidadãoportuguês quiser comprar um colchão ortopédico, a comunidade nacional valoriza tantoesse investimento individual que o cidadão o deduz 100% nos seus impostos. Mas, se omesmo cidadão quiser investir em formação e qualificação profissional, em conhecimento,seja para si seja para o seu núcleo familiar, ou se adquirir equipamento informático paraaceder à informação e à formação (e-training, por exemplo) ou ligar-se à Internet, isso já éuma questão com muito pouca relevância social. O incentivo público é escasso, tanto paraos indivíduos como para as empresas.

Como sabemos, as sociedades, para evoluirem precisam de sinais. Para já, vivemos numpaís ortopédico; enquanto a sociedade do conhecimento passa por nós, a grande velocidade,nós dormimos regalados, brindando os nossos ossos com o necessário conforto. Entre asáreas em que o Estado deveria surgir como um agente estratégico da educabilidade e daempregabilidade, continua distante e pretensamente protector.

A mobilização dos actores sociais para a sociedade educativa deveria contar tambémcom novos e elevados investimentos públicos no domínio da educação e da formação adistância (e do e-learning). Trata-se de induzir o acesso a mais elevadas qualificações e aaquisição de novas competências, sempre, em qualquer momento, nas melhores condiçõespara cada uma e para cada um e a preços muito acessíveis. Inclusive muita da formação naárea da informática, da Internet ou do comércio electrónico podem socorrer-se desta viapara facilitar o acesso e o usufruto das novas competências a muito mais portugueses, comqualidade.

Para democratizar o acesso de toda a população a estes benefícios, sobretudo para asfamílias de capital escolar mais baixo e de rendimentos económicos mais reduzidos, seriamuito importante envolver vários actores sociais, internos e externos às escolas, no lança-mento e na dinamização (muitos já existem) de redes de centros locais de formação perma-nente, de e-learning e de aquisição de novas competências. As autarquias podem desempe-nhar aqui um papel importante, mas a par delas muitas outras instituições e actores podeme devem ser incentivados a intervir.

Nestes centros e em todas as instâncias de formação deveriam ser sempre creditados ossaberes e as competências de que cada um é portador, mormente aquelas que se adquiriramao longo da vida, nomeadamente na actividade profissional. Cada cidadão teria acesso a

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balanços de competências e ao apoio à realização de novos programas de qualificação. Asescolas existentes, que já reúnem vastas competências, seriam incentivadas a participarnestes processos, em parceria com outros actores locais.

Os empresários e todos os empregadores podem tornar-se um dos agentes mais dinâmi-cos na promoção da sociedade educativa. A formação na própria empresa e em associaçãode empresas, quando de pequena dimensão, pode contribuir decisivamente para fomentar aaquisição e a actualização de competências. A par das empresas estão todas as instituiçõesde finalidade social existentes em cada território. A realização de compromissos sociaisconcretos passa por aqui, sobretudo por aqui.

11. Uma Nova Institucionalidade Educativa

Como já ficou dito, urge que os professores e as suas organizações representativas criemum referencial de orientação profissional mais rigoroso e que se fomente a existência de umquadro institucional escolar que contribua para a emergência de uma nova profissionalidadedocente. Trabalhar árdua e continuadamente na busca deste novo quadro institucional cons-titui uma tarefa central dos próximos vinte anos.

Cada instituição educativa é chamada, antes de mais e sem abandonar as suas funciona-lidades tradicionais, a enriquecer a sua missão, em cooperação com outras instituições eactores locais, reordenando-a em torno do eixo central do desenvolvimento humano e soli-dário de cada um dos adolescentes e jovens que acolhe.

Não se trata, por isso, de reduzir ou encerrar a missão das instituições de ensino e deformação, mas de a alargar e recentrar, aceitando responder a uma pluralidade de manda-tos sociais (de instrução, de socialização, de subjectivação, de profissionalização, de parti-cipação cívica,...), subordinando-os não já ao referente económico (formar “recursos hu-

manos”, factores de produção), mas ao primado do desenvolvimento das pessoas que mo-ram nos alunos, qualquer que seja a sua idade, qualquer que seja o momento em que procu-ram o ensino e a formação e da re-criação de comunidade social. A educação escolar nãodeverá definir-se sobretudo em função da preparação dos indivíduos para o exercício dasfunções sociais, da adaptação dos indivíduos às oportunidades sociais existentes (p.ex.,desemprego, precaridade do emprego, ziguezagues e descontinuidades profissionais suces-sivas) e da mera aprendizagem das relações e das normas que nos governam, mas antespautar-se pelo reforço das oportunidades que dá a todas e a cada uma das pessoas paraserem os sujeitos da sua existência.

É evidente (embora seja uma evidência pouco tomada a sério) que, ao ampliar e recentrara sua missão, as instituições educativas não podem manter o seu actual quadro institucional.As escolas da instrução ou as escolas da socialização secundária (considerando que a famí-lia se encarregou da primária), não são nem podem alguma vez ser, por golpe de magia, asescolas da subjectivação, dedicadas à construção de projectos pessoais de vida, a favorecere a potenciar a emergência das diferentes identidades pessoais, dos vários campos de possi-bilidades de cada pessoa, ao longo da sua vida.

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Impõe-se a sua re-institucionalização como instituições mobilizadas para apoiar, portodos os meios ao seu alcance (e muitos novos meios há que mobilizar), e em cooperaçãocom outras instituições sociais, o desenvolvimento das potencialidades de cada uma e decada um dos cidadãos, para favorecer a comunicação intercultural e para sustentar uma vidacomum e solidária sobre a Terra.

Não precisaremos de preparar muito bem as pessoas para se adaptarem à sociedade queas envolve e que muda aceleradamente, reagindo às pressões imediatas do mercado ou deuns quantos (poucos) que as conseguem formular e fazer chegar a todo o lado. Todos preci-samos de aprender a viver activamente como pessoas, no turbilhão de mudanças que nosrodeiam. Mas nada está fechado, nada é inelutável, não há sentidos únicos na organizaçãodas nossas sociedades mutantes, nem nas nossas vidas. Por isso, não é tanto a adaptabilida-de que é preciso fomentar nas instituições educativas, mas a personalidade, ou seja, é ne-cessário dotar as escolas dos instrumentos necessários para tornar cada uma e cada um dosalunos/formandos sujeitos construtores de biografias pessoais dignas e de ambientes sociaisde convivialidade, expressões de civilização.

Um novo quadro institucional impõe-se igualmente para nele combinar tanto um novotipo de condições de trabalho para os professores e demais profissionais, como para estan-car o processo de degradação da imagem social dos professores. O tremendo equívocosocial que consiste em ampliar indefinidamente as exigências sociais em relação à educa-ção escolar, sem que se cuide com o mesmo afinco em criar as reais possibilidades dasinstituições educativas enfrentarem com eficiência e eficácia essas exigências, é largamenteresponsável por aquela contínua degradação, uma vez que é sobre os “professores” que secontinuam a centrar todas as atenções, na hora da verificação dos enormes desajustamentosque existem entre as expectativas proclamadas e as práticas quotidianas.

Os processos de re-institucionalização hão-de contar com os professores como os pri-meiros e os mais interessados actores sociais, dentro de um quadro em que maiores exigên-cias profissionais e maiores compromissos sociais da parte dos professores sejam acompa-nhados por um novo tipo de condições de exercício profissional, uma nova textura relacionale institucional.

12. Escolas, Locais de Trabalho e de Vida Activa

Não vamos, aqui e agora, poder reflectir muito sobre os processos que podem conduzirà nova institucionalidade educacional que acabamos de propor. No entanto, não queríamosperder a oportunidade para registar alguns veios que podem nortear este caminho (que comomuitos outros, se faz caminhando) e que há muito se iniciou, aqui e ali.

Um dos desafios nucleares consiste em recriar uma textura organizacional e relacionalmotivadora e reais condições de aprendizagem para cada uma e cada um.

Determinante, por isso, será a transformação das escolas e dos centros de formação emlocais de trabalho, de reflexão e de acção, de disciplina e de projecto, de trabalho individual

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e em equipa, de escuta, de pesquisa e de descoberta. Enquanto se mantiver o paradigma deque o ensino e a formação constituem um tempo de passagem, um tem-de-ser, prévio à “vidaactiva”, enquanto o quotidiano escolar não corresponder senão a esta vida activa, dificilmentese contrariará a tendência para que as escolas e os centros de formação sejam enormeshipermercados de consumo escolar, aptos a exercer a função de parqueamento juvenil, fun-cionalidade tão cara à configuração actual do modelo económico dominante (e único).

Por outro lado, a formação para uma cidadania responsável, local, nacional e mundial,dificilmente terá lugar enquanto as instituições educativas continuarem, por um lado, a“ensinar” regras de vivência democrática e, por outro, a organizarem o quotidiano escolar àrevelia dos princípios e normas que ensinam. São também atitudes e comportamentos o queimporta adquirir, para a própria sobrevivência e recriação da democracia: aprender a ouvire saber dialogar e argumentar na diversidade de opiniões, reconhecer o direito à diferença,saber actuar livremente, solidariamente e em comunidade.

Impõe-se, por isso, um clima escolar de maior exigência. Os jovens reclamam-no, umpouco por todo o mundo (veja-se, por exemplo, o Outono de 1998, em França), rejeitam amediocridade e estão disponíveis para esforços acrescidos, muito para além da passividadee do abandono, estimulados por formadores competentes e pró-activos. A mais triste ex-pressão do que é uma instituição educativa técnico-burocrática é verificar que a “missão”da escola acaba no dia em que se afixam as pautas na parede, no termo de um consumoescolar de larga escala, feito de aulas, testes e exames. E também os professores o pedem,ainda em grande número: tempos escolares para o trabalho em equipas interdisciplinares,tempos escolares para o trabalho pedagógico das equipas de docentes sobre cada conjuntoespecífico de alunos, uma nova organização do tempo escolar, ao serviço da acção educativados professores.

Para que estes ambientes de trabalho existam urge dar passos bem decididos em ordemà institucionalização, a par das equipas de docentes, de equipas multiprofissionais de apoioà actividade educativa dos professores, equipas estas que podem contar com professores-peritos, especializados em certos domínios da acção educativa, com documentalistas, gestoresde informação, animadores culturais, técnicos de orientação escolar e profissional, técnicosde laboratório, e que podem apoiar, em alguns casos, pequenas redes locais de escolas.Estas equipas poderão e deverão integrar cidadãos muito experientes e competentes que,em regime de voluntariado, contribuam para o reforço técnico e científico das instituiçõeseducativas.

De facto, urge reforçar a densidade institucional das escolas e evitar a via mais fácil depromover incessantes ajustamentos curriculares, entendidos geralmente como mero remen-dos nos planos de estudo e nos programas.

As escolas e os centros de formação deveriam, assim, ser locais de intensa aprendizageme de interessantíssima vida juvenil, apta a acolher diferentes culturas juvenis em presença,estaleiros de vida e de construção de projectos de vida, na diversidade e em liberdade.

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13. Combater a Insularização Escolar

Por outro lado, as escolas secundárias não podem correr o risco de ousar sozinhas umanova institucionalidade educacional, como se ainda fossem “catedrais do saber”, encerra-das em torres de marfim. De facto, tanto a multipolaridade do acesso à informação e aoconhecimento, como o facto de que as mutações profundas da e na escola não acontecemsem que ocorram dinâmicas sociais mais vastas que as influenciam, incentivam,complementam, reforcem e consolidam, são dimensões que nos levam a afastar a busca deconsensos políticos retóricos como sendo o caminho mais adequado a percorrer.

Em geral, as escolas estão isoladas, vivem para dentro de si. Se é verdade que deve haverfronteiras vincadas, pois às escolas competem funções sociais específicas e muito relevan-tes, também é certo que este posicionamento não implica fechamento à cooperaçãointerinstitucional e à participação social, a começar pelos próprios pais e educadores. Nestaconcepção podem sustentar-se, aliás, dinâmicas de melhoria do desempenho social das ins-tituições educativas.

Mas este isolamento não é apenas local, nem pode ser considerado caso a caso, escola aescola. Existe um efectivo isolamento político da educação nas nossas sociedades,insularização esta que vai desde a consideração das escolas como coisas de professores,passando pela perspectiva de que “isto da educação é coisa muito complicada e que requermuita tecnicidade especializada”, até à ideia de que o sistema educativo é um monstroingovernável (basta recordar o tão badalado “mamute”, em França). Este processo atinge ocoração dos governos, das suas leis orgânicas e as suas práticas executivas, onde é o lugarorçamental da educação que confere alguma relevância política ao sector 1 .

Temos defendido que é pela construção social de compromissos sociais concretos, entreactores sociais, que importaria caminhar. O caso das escolas profissionais, em Portugal, édisto mesmo exemplo: uma inovação educacional que vinga e tem sucesso porque se sus-tenta em dinâmicas sociais locais e compromissos precisos entre actores locais.

Avançando um pouco mais, estes compromissos cidadãos deveriam situar-se no contex-to de projectos comunitários mais abrangentes, como são os das “cidades educadoras”. Ouseja, redes de solidariedade interinstitucional, cabazes de voluntariado social, dinâmicas dedivulgação de “casos de sucesso”, acções de incentivos à qualidade e de apoio à populaçãomais carenciada e em risco de exclusão. É à “polis” que cabe a grande tarefa da construçãode comunidade e de civilização e não às escolas, entendidas como organizações sociaisisoladas e actuando isoladamente, viradas sobre si mesmas.

O quadro de transição cultural em que nos encontramos reclama, já o dissemos e pareceser cada vez mais evidente, uma nova inteligência política sobre a educação. A ela (e nelacabe uma multiplicidade de actores sociais e, no limite, todos os cidadãos) caberia retirar aeducação de debaixo do jugo económico e técnico-científico, recentrando a sua missãocultural, pois cremos que a educação só poderá vir a ocupar o centro da vida política, numa

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sociedade que se paute pela coesão social, pela busca do bem estar e da paz e que valorizeo conhecimento, a criatividade e a solidariedade como recursos fundamentais inesgotáveis.

O papel decisivo que a educação desempenhará na inclusão-exclusão social, em socie-dades marcadas pela informação e pelo conhecimento, com poderosos meios técnicos dedifusão da informação, passa inevitavelmente pelo desenvolvimento de novos mecanismose de novas atitudes de atenção à diversidade cultural e de promoção pessoal de todos e decada uma e de cada um, cenário pouco compatível com a manutenção de um ensino unifor-me, fabril, expositivo e transmissivo. A edificação contínua da escola da socialização e dasubjectivação, vai requerer o rompimento com o quadro institucional herdado do Séc.XVIIIe XIX e com o modelo de contínuas adaptações curriculares e disciplinares, como sendo anova versão (a versão possível, num quadro de impossibilidades) das reformas educativas.O que estará em causa são as equipas de trabalho, o contexto organizacional, as condiçõesde exercício profissional, onde se deve pensar seriamente na diferenciação de papéis entreprofessores (funções de instrução, de orientação educativa, de coordenação pedagógica,etc.) e na consagração das equipas multi-profissionais (de professores, mas também dedocumentalistas e gestores de informação, de psicólogos e de conselheiros de orientaçãoescolar e profissional, de assistentes sociais e de profissionais de saúde,etc.) para prestar osnovos serviços educativos de apoio ao desenvolvimento de cada aluno. Neste sentido, seráindispensável garantir a autonomia e a responsabilidade pedagógica de cada instituiçãoeducativa.

Por outro lado, é provável que a intensificação das práticas de avaliação interna e exter-na das escolas (e da avaliação combinada entre ambas as dimensões) conduza ao reforçodas práticas de avaliação do desempenho profissional dos docentes. Esta avaliação deveriavir a impôr-se como vector estratégico, devidamente concertado, pois se não se premiar omérito, dificilmente se subtrai uma profissão à eleição da mediocridade como norma.

14. A Concluir

Para que a educação tenha o futuro aqui desenhado e os actores sociais se mobilizempara a dinamização de sociedades educativas, impõe-se o regresso à política, ao abandonode uma mera lógica de adaptação da educação à procura e às necessidades sempre cambian-tes da economia, um novo papel da inteligência política, de onde há-de sair a liderançanecessária de novos jogos de actores e de novos agentes de mudança e a força para imporpráticas permanentes e rigorosas de avaliação das iniciativas em curso.

15. Algumas Notas Sobre Autores Citados

Para facilitar a algum leitor o contacto com uma ou outra obra aqui referenciada

ou apenas utilizada como referência geral, anoto alguma bibliografia que pode

vir a ser útil.

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