Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distinção-1 Copy

Embed Size (px)

Citation preview

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    1/24

    38 ENCONTRO ANUAL DA ANPOCS

    GT 03 As classes sociais no Brasil contemporneo

    Reconstruo do estilo de vida das classes populares emA

    Distinode Pierre Bourdieu: reflexes tericas para pensar o

    Brasil contemporneo

    Ana Rodrigues Cavalcanti Alves

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    2/24

    1

    Introduo

    As mudanas nos padres da pobreza no Brasil e nos contedos associados a ela,

    bem como a reduo da desigualdade de renda e maior insero das classes populares na

    cultura de consumo, suscitaram um debate sobre a emergncia de uma nova classe

    mdia em diversos domnios da sociedade brasileira. No entanto, Jess Souza (2013, pp.

    55-56) destaca que, embora o tema da produo e reproduo das classes sociais seja a

    questo mais importante para a estrutura e legitimao de toda a ordem social, tal questo

    tem sido dominada por uma interpretao economicista e redutora da realidade social no

    debate pblico brasileiro1. essa interpretao economicista que leva os governistas,

    economistas e imprensa a falar de uma nova classe mdia brasileira 2. Segundo Souza

    (2010, p. 20), essa interpretao esconde contradies e ambivalncias importantes na

    vida destas pessoas e se fundamenta numa reduo da noo de classe social renda,

    deixando de lado a gnese sociocultural das classes sociais, ou seja, o fato de que os

    indivduos so produzidos por uma cultura de classe especfica. Do mesmo modo, ela

    negligencia o fato de que a reproduo das classes sociais e de seus privilgios no tempo

    se d pela transferncia de valores imateriais.

    A teoria das classes sociais de Pierre Bourdieu tem se mostrado uma importante

    contribuio para pensar as mudanas recentes da sociedade brasileira, na qual Souza

    (2010) se ancora para combater essa leitura economicista. Partindo de um dilogo crtico

    com as perspectivas tericas de Marx e de Weber, Bourdieu concebe o pertencimento de

    classe no apenas pela propriedade ou ausncia de propriedade, mas pela apropriao

    diferenciada dos diferentes tipos de capital (capital econmico, capital cultural, capital

    social etc.). Desse modo, sua definio implica no apenas as propriedades econmicas

    das classes sociais, mas tambm seus recursos culturais, em termos de ttulos escolares e

    de meios no-escolares de se apropriar da cultura legtima, como atravs da socializao

    familiar, que pode incutir disposies para a leitura, a escrita ou uma disposio esttica,

    1O autor afirma que no existe questo mais importante para a compreenso de uma dada ordem social namedida em que, em primeiro lugar, o pertencimento de classe que esclarece sobre o acesso positiva ounegativamente privilegiado a qualquer tipo de recurso social escasso. Alm disso, como toda sociedademoderna deve parecer justa e igualitria, apesar de ser injusta e desigual, so as justificativas que

    encobrem a desigualdade efetiva que possibilitam sua legitimao (SOUZA, 2013, p. 55).2 Souza (2013) inclui entre os representantes desta posio as obras recentes dos economistas MrcioPochmann (2012) e Marcelo Nri (2008).

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    3/24

    2

    que colocam alguns grupos sociais em vantagem na competio social com outros

    grupos, desprovidos dos mesmos recursos3.

    Assim como Weber, Bourdieu percebe o mundo social como uma esfera

    multidimensional em que os diferentes grupos de atores refletem, de um lado, a esfera da

    posio social e, de outro lado, a esfera dos estilos de vida. Desse modo, a distribuio

    material no sentido de posies sociais diferentes retratada em um domnio, enquanto

    no outro a proviso de recursos culturais demarcada e manifestada na forma de

    diferentes estilos de vida. Na medida em que Bourdieu conecta sua anlise sociocultural

    com a dimenso scio-estrutural, ele possibilita uma melhor compreenso do fenmeno

    da desigualdade social. Se as desigualdades na luta por uma distribuio diferenciada no

    so diretamente expressas por essa luta, elas so expressas e simbolizadas por prticas

    distintivas. Tais desigualdades aparecem radicalmente refinadas, podendo ser percebidas,

    muitas vezes, apenas atravs dos diferentes estilos de prtica (Bogenhold, 2001, p. 836).

    Portanto, a perspectiva terica de Bourdieu fornece um caminho frutfero na

    tentativa de compreenso das mudanas ocorridas na sociedade brasileira, uma vez que a

    ascenso social de mais de 30 milhes de brasileiros, que formariam agora uma nova

    classe mdia, no pode ser analisada apenas com base na renda e na maior capacidade

    de consumo. Esta anlise deveria buscar apreender de que maneira esta insero na

    cultura de consumo e maior poder aquisitivo vm acompanhados de mudanas na ordem

    do estilo de vida das classes populares, onde as desigualdades sociais e a luta entre as

    classes se manifestam.

    Embora o discurso da nova classe mdia venha sendo criticado no campo

    acadmico, muitos destes trabalhos seguem a tendncia de avaliar a reconfigurao da

    estrutura de classes da sociedade brasileira a partir da anlise de dados estatsticos, que

    informam sobre as mudanas da estrutura ocupacional, as condies de moradia e

    escolaridade desta classe e sobre os tipos de produtos consumidos. Contudo, Jess Souza

    (2013, p. 60) destaca que o conhecimento estatstico um meio e no um fim em si,

    na medida em que ele est a servio da necessidade interpretativa, ou seja, daquilo

    que vai reconstruir uma realidade que no visvel a olho nu de modo novo e indito. O

    autor defende a necessidade do desenvolvimento de pesquisas empricas, tal como

    aquelas empreendidas por ele e sua equipe, em que os dados estatsticos so confrontados

    3 Souza (2013, p. 61) ressalta que o capital cultural constitudo tanto pelas pr-condies afetivas epsquicas para o aprendizado quanto pelo aprendizado em si do conhecimento julgado til.

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    4/24

    3

    com as histrias de vida dos membros dessa classe e a prpria definio da classe

    nova classe trabalhadora ou batalhadores aparece como resultado e no como

    ponto de partida da pesquisa.

    Segundo o autor, a nova classe trabalhadora desenvolveu disposies

    comportamentais que possibilitaram a articulao da trade disciplina, autocontrole e

    pensamento prospectivo, o que permitiu sua insero como classe suporte no novo

    regime de trabalho do capitalismo financeiro. No entanto, o autor destaca as condies

    precrias que caracterizam muitos destes novos trabalhos, como no caso do

    telemarketing, e o enorme esforo do trabalhador, que muitas vezes mantm mais de um

    emprego ou uma dupla jornada de escola e trabalho para garantir sua ascenso social.

    Para Souza (2010, p. 364) chamar essa classe de nova classe mdia constitui uma

    estratgia para eufemizar a dominao e silenciar o sofrimento, reproduzindo a

    dominao social dessas classes.

    Neste sentido, torna-se urgente o desenvolvimento de discusses tericas e

    pesquisas empricas para pensar, de maneira crtica, o impacto das transformaes na

    estrutura das classes sociais sobre o estilo de vida das classes populares, questionando em

    que medida possvel observar mudanas no seu ethosde classe; destacando a influncia

    do consumo sobre o estilo de vida dessas classes, que sentem tais transformaes em suas

    vidas cotidianas, sobretudo, a partir de suas prticas de consumo.

    A reconstruo do estilo de vida das classes populares em A distino, de Pierre

    Bourdieu, constitui um importante ponto de partida na tentativa de apreender o

    desenvolvimento deste processo na sociedade brasileira. Para tanto, faz-se necessrio,

    inicialmente, discutir os pressupostos tericos de Bourdieu que permitem compreender a

    relao estabelecida entre as diferentes classes sociais e seus estilos de vida, e que esto

    na base da pesquisa desenvolvida pelo autor, cujos resultados so apresentados na

    Distino.Em seguida, apresentaremos os principais traos caractersticos do estilo de

    vida das classes populares nos diferentes domnios da prtica. Por fim, questionamos a

    pertinncia de se falar em estilo de vida e em estilizao da vida no caso das classes

    populares, segundo Bourdieu, e confrontamos sua teoria com fenmenos observados na

    realidade brasileira.

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    5/24

    4

    Classe social e estilo de vida

    importante destacar, em primeiro lugar, que Bourdieu rejeita as concepes

    substancialistas de classe social, ancorado num modo de pensamento relacional, que

    constitui o ponto de partida da construo apresentada na Distino. Nesta perspectiva, a

    realidade social concebida como um conjunto de relaes invisveis, que constituem

    um espao de posies exteriores umas s outras, definidas umas em relao s outras,

    no apenas pela proximidade ou pela distncia, mas tambm pela posio relativa

    acima, abaixo ou no meio (Bourdieu, 1990, p. 152).

    Bourdieu (1990, p. 156) afirma que as classes sociais no esto dadas na realidade

    social, mas esto por fazer mediante uma construo terica e/ou poltica. Para o autor, o

    erro teoricista de Marx foi o de tratar as classes no papel como classes reais, concluir

    da homogeneidade objetiva das condies, dos condicionamentos e portanto das

    disposies, que decorre da identidade de posio no espao social, a existncia enquanto

    grupo unificado, enquanto classe. Para apreender as relaes objetivas e evitar as

    alternativas do nominalismo e do realismo, o autor prope a construo terica do espao

    social, em que a classe social de um indivduo ou grupo definida pela posio ocupada

    neste espao, ou seja, na distribuio de recursos que so ou podem se tornar operantes.

    Segundo Bourdieu (2013, p. 107), possvel construir um espao cujas trs

    dimenses fundamentais sejam definidas pelo volume e estrutura do capital, assim como

    pela evoluo dessas duas propriedades, manifestada por sua trajetria passada e seu

    potencial no espao social. Desse modo, os agentes esto distribudos no espao social

    global de acordo com o volume global de capital (capital econmico, capital cultural e,

    tambm, capital social) como conjunto de recursos e poderes efetivamente utilizveis; e,

    numa segunda dimenso, de acordo com a estrutura de seu capital, ou seja, de acordo

    com o peso relativo das diferentes espcies de capital no volume total de seu capital. A

    primeira dimenso estabelece a distino entre as grandes classes de condies de

    existncia, enquanto a segunda estabelece a distino segundo as fraes de classe.

    A noo de espao social tambm fundamental para romper com a tendncia

    objetivista de deduzir as aes sociais e interaes da estrutura e reintroduzir as vises de

    mundo dos indivduos como parte constitutiva da construo desse mundo. No entanto,

    Bourdieu (1990, p. 157) destaca que a construo das vises de mundo no se d num

    vazio social, mas est submetida a coaes estruturais. Desse modo, as representaesdos agentes variam segundo sua posio e segundo seu habitus, definido como sistema

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    6/24

    5

    de esquemas de percepo e apreciao atravs dos quais os indivduos apreendem o

    mundo social a partir da experincia durvel de uma posio ocupada nesse mundo.

    De acordo com Loic Wacquant (2007, pp. 65-66), o habitus uma noo

    mediadora que ajuda a romper com a oposio entre objetivismo e subjetivismo, ao

    captar a interiorizao da exterioridade e a exteriorizao da interioridade, ou seja,

    o modo como a sociedade se torna depositada nas pessoas sob a forma de disposies durveis,

    ou capacidades treinadas e propenses estruturadas para pensar, sentir e agir de modos

    determinados, que ento as guiam nas suas respostas criativas aos constrangimentos e solicitaes

    do seu meio social existente.

    Bourdieu (2013, p. 162) define o habitus como princpio gerador de prticas

    objetivamente classificveis e, ao mesmo tempo, como sistema de classificao de tais

    prticas, ou seja, como capacidade de diferenciar e apreciar essas prticas e produtos.

    na relao entre essas duas capacidades que definem o habitusque se constitui o mundo

    social representado, ou seja, o espao dos estilos de vida. Portanto, somente pela

    construo do habituscomo frmula geradora de prticas e de julgamentos que a relao

    entre as caractersticas pertinentes da condio econmica e social e os traos distintivos

    associados posio correspondente no espao dos estilos de vida se torna inteligvel.

    Enquanto produto das condies materiais da existncia, o habitusse constitui em

    necessidade incorporada, em um sistema de disposies durveis e transponveis que

    realiza uma aplicao sistemtica e universal e se estende para alm do que foi

    diretamente adquirido, para alm da necessidade inerente s condies de aprendizagem.

    Deste modo, a unidade e sistematicidade observada no conjunto das prticas e

    propriedades de um agente ou mesmo do conjunto de agentes que so o produto de

    condies semelhantes derivam da aplicao de esquemas idnticos ou mutuamente

    convertveis (Bourdieu, 2013, p. 163). Nas suas palavras,

    as prticas do mesmo agente e, mais amplamente, as prticas de todos os agentes da mesma

    classe, devem a afinidade de estilo que transforma cada uma delas em uma metfora de qualquer

    uma das outras ao fato de serem o produto de transferncias de um campo para outro dos mesmos

    esquemas de ao(Bourdieu, 2013, p. 165).

    Bourdieu (2013, p. 164) destaca ainda que as prticas de um agente soobjetivamente harmonizadas entre si fora de qualquer busca intencional de coerncia e

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    7/24

    6

    so, por outro lado, objetivamente orquestradas com as de todos os outros os membros da

    mesma classe sem qualquer orquestrao consciente. No entanto, importante ressaltar

    que o habitusno apenas estrutura estruturante, que organiza as prticas e a percepo

    das mesmas, mas tambm estrutura estruturada, uma vez que a percepo do mundo

    social, organizada pelo princpio de diviso em classes lgicas, o produto da

    incorporao da diviso em classes sociais. Deste modo, cada condio definida tanto

    por suas propriedades intrnsecas como pelas propriedades relacionais inerentes sua

    posio no sistema de condies, que tambm um sistema de diferenas, de posies

    diferenciais, que permite definir e afirmar a identidade social.

    O espao social descrito por Bourdieu (1990, p. 159) se apresenta, objetivamente,

    como um espao simblico, organizado segundo a lgica da diferena, na medida em que

    as diferentes propriedades de que os agentes so dotados so percebidas em suas relaes

    mtuas segundo os esquemas do habituse tendem a funcionar como signos de distino

    positiva ou negativa. Nesse sentido, enquanto produtos sistemticos do habitus, os estilos

    de vida se tornam sistemas de sinais socialmente qualificados como distintos,

    vulgares, etc.

    Em O poder simblico, Bourdieu (2002, p. 11) destaca que as diferentes classes e

    fraes de classe se envolvem numa luta propriamente simblica para impor a definio

    do mundo social mais conforme aos seus interesses e o campo das tomadas de posio

    ideolgicas reproduzindo em forma transfigurada o campo das posies sociais. Desse

    modo, o conceito de estilo de vida de Bourdieu importante para pensar de que maneira

    as diferenas no campo das posies sociais se expressam no interior de um espao

    simblico. Para Bourdieu (1983, p. 82), os estilos de vida constituem a retraduo

    simblica de diferenas objetivamente inscritas nas condies de existncia. Eles

    constituem expresso sistemtica das condies de existncia porque so o produto do

    mesmo operador prtico o habitus.

    Segundo Bourdieu (2013, p. 165), o gosto, enquanto sistema de esquemas de

    classificao, propenso ou aptido para a apropriao material ou simblica de

    determinada classe de objetos e de prticas classificadas e classificantes, a frmula

    geradora que se encontra na origem do estilo de vida, definido como conjunto unitrio

    de preferncias distintivas que exprimem, na lgica especfica de cada um dos

    subespaos simblicos mobilirio, vesturio, linguagem ou hxis corporal a mesmainteno expressiva. H, portanto, uma unidade de estilo, que implica que cada

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    8/24

    7

    dimenso do estilo de vida simboliza todas as outras. Assim, as oposies entre as classe

    se exprimem tanto nas preferncias em matria de msica ou pintura quanto na

    quantidade e qualidade das bebidas consumidas.

    O autor ressalta que este sistema de propriedades bem combinadas que tem por

    princpio o gosto no costuma ser o produto de uma ao consciente, embora o estilo de

    vida reserve um espao cada vez mais importante estilizao da vida, medida que

    se sobe na hierarquia social (Bourdieu, 2013, p. 165). Deste modo, pode-se exprimir a

    inteno de submeter as pulses fceis e as necessidades primrias depurao, ao

    requinte e sublimao, em todas as reas da prtica (Bourdieu, 2013, p. 168). Segundo

    ele, em todos os domnios, a estilizao da vida, entendida como o primado conferido

    forma sobre a funo, que conduz denegao da funo, pode produzir os mesmos

    efeitos. Nesta perspectiva, Bourdieu (2013, p. 166) destaca que o gosto

    transforma prticas objetivamente classificadas em que uma condio significa-se a si mesma

    por seu intermdio em prticas classificadoras, ou seja, em expresso simblica da posio de

    classe, pelo fato de perceb-la em suas relaes mtuas e em funo dos esquemas sociais de

    classificao.

    Outra caracterstica importante deste sistema de classificao que, enquanto

    produto da incorporao da estrutura do espao social tal como ela se impe por meio da

    experincia de uma determinada posio, ele o princpio das prticas ajustadas s

    regularidades inerentes a uma condio. Ou seja, ele opera continuamente a

    transfigurao das necessidades em estratgias, das obrigaes em preferncias, e

    engendra, fora de qualquer determinao mecnica, o conjunto das escolhas

    constitutivas de estilos de vida classificados e classificantes (Bourdieu, 2013, p. 166).

    Bourdieu (2013, p. 166) destaca, portanto, que as escolhas dos indivduos devem

    ser compreendidas a partir do seu gosto, enquanto necessidade tornada virtude que

    tende a transformar continuamente a necessidade em virtude e ajustar as escolhas

    condio de que ele o produto e no a partir de sua renda, como defendem os

    economistas.

    A partir da exposio acima, possvel visualizar o modelo terico proposto por

    Bourdieu, constitudo a partir da sobreposio de trs esquemas. O primeiro apresenta o

    espao das condies sociais tal como organizado pela distribuio sincrnica ediacrnica do volume e estrutura do capital sob suas diferentes espcies, que determina a

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    9/24

    8

    posio de cada um dos grupos. O segundo mostra o espao dos estilos de vida, ou seja,

    a distribuio das prticas e propriedades que so constitutivas do estilo de vida em que

    se manifesta cada uma das condies (Bourdieu, 2013, p. 116). Por fim, entre os dois

    esquemas precedentes, o autor introduz um terceiro que apresenta o espao terico do

    habitus, das frmulas geradoras que se encontram na origem de cada uma das classes de

    prticas e propriedades, da transformao das necessidades e facilidades caractersticas

    de uma condio e de uma posio em um estilo de vida distinto e distintivo.

    Somente aps a elucidao dos princpios tericos que embasam a sua pesquisa,

    possvel partir para a discusso do estilo de vida popular apresentado por Bourdieu na

    Distino, considerando que, nesta perspectiva, cada um dos estilos de vida s pode ser

    pensado em relao ao outro que sua negao objetiva e subjetiva, ou seja, no apenas

    por suas propriedades intrnsecas, mas pelas propriedades relacionais inerentes sua

    posio no sistema de condies. Ademais, importante ter em mente que o espao das

    preferncias, seja em matria de alimentao, vesturio ou cosmtica, organiza-se

    segundo a mesma estrutura fundamental, ou seja, a do espao social, determinada pelo

    volume e estrutura do capital e pela trajetria social. So estes os princpios de

    organizao do espao social que comandam a estrutura e a mudana do espao dos

    estilos de vida (Bourdieu, 2013, p. 184).

    Bourdieu (2013, pp. 196-197) afirma, portanto, que para construir completamente

    o espao dos estilos de vida necessrio estabelecer para cada frao de classe, ou seja,

    para cada configurao do capital, a frmula geradora do habitus, que retraduz as

    necessidades caractersticas dessa classe de condies de existncia relativamente

    homogneas em um estilo de vida particular. Isso permite determinar, em seguida, a

    maneira como as disposies do habitus se especificam em cada um dos domnios da

    prtica, realizando uma ou outra das possveis estilsticas oferecidas por cada campo. A

    partir da sobreposio desses espaos homlogos, o autor constri uma representao

    rigorosa do espao dos estilos de vida das diferentes classes e fraes de classe. Na

    prxima seo, ser discutido o estilo de vida popular apresentado por Bourdieu na

    Distino.

    A escolha do necessrio

    De acordo com Bourdieu (2013, p. 352), o princpio das diferenas mais

    importantes na ordem do estilo de vida e, mais ainda, da estilizao da vida, reside nas

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    10/24

    9

    variaes da distncia objetiva e subjetiva ao mundo, a suas restries materiais e a suas

    urgncias temporais. Deste modo, o autor afirma que a proposio fundamental que

    define o habitus como necessidade tornada virtude nunca experimentada com tanta

    evidncia quanto no caso das classes populares, em que a necessidade implica at mesmo

    a privao dos bens necessrios. A necessidade impe um gosto de necessidade que

    implica uma forma de adaptao necessidade, de aceitao do necessrio e de

    resignao ao inevitvel4(Bourdieu, 2013, p. 350).

    Em contraposio aos gostos de necessidade, constituem-se os gostos de

    liberdade ou de luxo, caracterizados por um maior distanciamento com relao ao mundo

    da necessidade e que s podem se afirmar como tal em relao aos primeiros. Segundo

    Bourdieu (2013, p. 55), a disposio esttica, que constitui a condio de apropriao

    legtima da obra de arte, a disposio que distingue mais rigorosamente as diferentes

    classes, colocando em relevo os distanciamentos desiguais necessidade. Essa

    disposio pressupe uma capacidade generalizada de neutralizar as urgncias habituais e

    suspender as finalidades prticas, que s possvel a partir de uma experincia do mundo

    desembaraada da urgncia e pela prtica de atividades que tm sua finalidade em si

    mesma como, por exemplo, a contemplao de obras de arte.

    A disposio esttica, definida como aptido para perceber e decifrar o modo de

    representao e as caractersticas propriamente estilsticas da obra, constitui a dimenso

    de uma relao global com o mundo e com os outros, de um estilo de vida, em que se

    exprimem os efeitos de condies particulares de existncia, caracterizadas pela

    suspenso da necessidade econmica, bem como pelo distanciamento objetivo e

    subjetivo com relao aos grupos submetidos a tais determinismos. Ela a dimenso de

    uma relao distante e segura com o mundo que pressupe a segurana e a distncia

    objetivas. Mas ela tambm a expresso distintiva de uma posio privilegiada no

    espao social, cujo valor distintivo determinado objetivamente na relao com as

    expresses engendradas a partir de condies diferentes (Bourdieu, 2013, p. 56).

    Bourdieu (2013, p. 45) afirma que os mais desprovidos da competncia

    especfica, ao serem confrontados com as obras de arte legtimas lhes aplicam os

    esquemas do ethos, ou seja, aqueles que estruturam sua percepo comum da existncia

    4

    Bourdieu (2013, p. 351) destaca que embora o gosto de necessidade se confunda, muitas vezes, com aprpria necessidade, seu efeito prprio nunca to visvel quanto no caso em que, agindo de alguma formaa contratempo, ele sobrevive ao desaparecimento das condies de que o produto.

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    11/24

    10

    comum e que, ao engendrarem produtos de uma sistematicidade no indesejada e

    inconsciente a si mesma, opem-se aos princpios, quase completamente explicitados, de

    uma esttica. Da resulta uma reduo sistemtica das coisas da arte s coisas da vida,

    como se a esttica popular estivesse baseada na afirmao da continuidade da arte e da

    vida, que implica a subordinao da forma funo, em contraposio esttica erudita,

    que se define pelo corte entre as disposies comuns, aplicada a outros domnios da

    prtica, e a disposio propriamente esttica.

    Desse modo, os indivduos das classes populares consideram que toda imagem

    deve exercer explicitamente uma funo, nem que seja a de signo, e manifestam em seus

    julgamentos a referncia s normas da moral ou do decoro; sua apropriao refere-se a

    um sistema de normas, cujo princpio sempre tico. Nesta perspectiva, a obra s pode

    ser justificada se a coisa representada merece tal representao e se a funo de

    representao estiver subordinada a uma funo mais elevada, como a de exaltar uma

    realidade digna de ser eternizada (Bourdieu, 2013, p. 43).

    A esttica pura, por sua vez, enraza-se em uma tica ou ethos do distanciamento

    eletivo s necessidades do mundo natural e social que pode assumir a forma de um

    estetismo, constituindo a disposio esttica como princpio de aplicao universal, que

    leva ao limite a denegao do mundo social. Segundo Bourdieu (2013, p. 13), nada

    determina mais a classe e mais distintivo que a capacidade de constituir esteticamente

    objetos quaisquer ou, at mesmo, vulgares, ou a aptido para aplicar os princpios de uma

    esttica pura aos princpios mais comuns da existncia comum, como em matria de

    cardpio ou vesturio, invertendo completamente a disposio popular que anexa a

    esttica tica.

    Bourdieu (2013, p. 57) afirma ainda que medida que aumenta a distncia

    objetiva necessidade, o estilo de vida se torna cada vez mais o produto de uma

    estilizao da vida, enquanto expediente sistemtico que orienta e organiza as mais

    diversas prticas. Enquanto afirmao de um poder sobre a necessidade dominada, esse

    expediente traz sempre em seu bojo a reivindicao de uma superioridade legtima sobre

    aqueles que permanecem dominados pelos interesses e urgncias comuns. Deste modo, a

    nica funo das classes populares no sistema das tomadas de posio estticas a de

    contraste e referncia negativa em relao a qual se definem todas as estticas.

    Bourdieu (2013, p. 75) destaca, em seguida, que no estilo de mobilirio e devesturio que possvel perceber o verdadeiro estilo de vida de um grupo, uma vez que

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    12/24

    11

    tais propriedades constituem a objetivao das necessidades econmicas e culturais que

    determinaram tal escolha; as relaes sociais objetivadas nos objetos familiares.

    Enquanto o modo de apropriao legtima da obra de arte est correlacionado mais

    estreitamente ao capital escolar embora a origem social tambm aponte diferenas

    relevantes , as escolhas mais comuns da existncia comum, em matria de mobilirio,

    vesturio ou cardpio, esto associadas mais fortemente posio social e so

    reveladoras das disposies profundas e antigas, mais dependentes das aprendizagens

    precoces, situadas fora do campo da interveno escolar e de qualquer prescrio

    expressa. Tambm nestes domnios, os indivduos das classes populares so percebidos

    como aqueles que no sabem viver, que mais se conformam com os alimentos mais

    pesados e grosseiros, aqueles que menos se importam com o vesturio e com os cuidados

    corporais. Isso porque, segundo Bourdieu (2013, p. 170), o gosto de necessidade s pode

    engendrar um estilo de vida em si definido como tal apenas de forma negativa, pela

    relao de privao que mantm com os outros estilos de vida.

    Segundo o autor, a arte de beber e de comer constitui um dos nicos terrenos em

    que as classes populares se opem, explicitamente, arte legtima de viver. Os

    camponeses e operrios opem nova tica da sobriedade para a magreza, uma moral da

    boa vida, simbolizada pelo comer e beber bem, pela suspenso da moderao, das

    reservas e da recusa do convvio e da partilha espontnea com os outros. Do mesmo

    modo, pela sua prpria raridade, a ida ao restaurante implica a suspenso das restries

    comuns e a abundncia (Bourdieu, 2013, p. 170).

    De acordo com Bourdieu (2013, p. 173), o materialismo prtico, manifestado

    sobretudo na relao com os alimentos, constitui um dos componentes mais

    fundamentais do ethos e at mesmo da tica popular, caracterizados pela presena ao

    presente, pelo cuidado em aproveitar dos bons momentos e de aceitar o tempo tal como

    ele se apresenta, pela afirmao da solidariedade com os outros, que constitui a nica

    garantia contra as ameaas do futuro. Ademais, o autor destaca que a relao com os

    alimentos tem por princpio uma disposio em relao ao futuro, em que a propenso a

    subordinar os desejos presentes aos desejos futuros depende das possibilidades de se

    obter satisfaes futuras superiores s satisfaes sacrificadas.

    Como os consumos alimentares esto fortemente relacionados ao conjunto do

    estilo de vida, Bourdieu (2013, p. 176) aponta uma associao entre o gosto em matriade especialidade culinria, que implica um modo de preparao especfico, e toda a

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    13/24

    12

    representao da diviso do trabalho entre os sexos. Assim, o gosto pelos pratos

    cozinhados na panela, predominante nas classes populares, exige um forte investimento

    de tempo e de interesse e est em afinidade com uma concepo tradicional do papel

    feminino. J as fraes dominadas da classe dominante, em que as mulheres possuem um

    valor mais elevado no mercado de trabalho, preferem produtos leves e com poucas

    calorias, que permitam a economia de tempo e de trabalho. As mulheres oriundas de tais

    fraes tambm costumam questionar a diviso tradicional do trabalho entre os sexos.

    Alm disso, o gosto em matria alimentar depende tambm da ideia que cada

    classe faz do corpo e dos efeitos dos alimentos sobre o corpo, sobre sua fora, sade e

    beleza, bem como das categorias utilizadas por cada classe para avaliar tais efeitos. Desse

    modo, as classes populares, mais atentas fora do corpo do que sua forma, preferem

    alimentos baratos e nutritivos, enquanto os membros da classe dominante preferem

    alimentos saborosos, leves e saudveis. Nas palavras de Bourdieu (2013, p.179), cultura

    tornada natureza, ou seja, incorporada, classe feita corpo, o gosto contribui para fazer o

    corpo de classe. assim que se delineia um espao dos corpos de classe que tende a

    reproduzir, em sua lgica especfica, a estrutura do espao social.

    Bourdieu (2013, p. 185) destaca ainda que, embora existam diferenas bastante

    marcadas entre os estatutos sociais associados ao sexo ou a idade, no interior das classes

    populares, em que cabe s mulheres servir e lavar a loua, aos homens comer e beber

    bem e ao jovem repetir o prato o que simboliza o seu acesso ao estatuto de homem -,

    tais diferenas no so acompanhadas por qualquer diferenciao prtica. Desse modo,

    diferentemente da diviso burguesa entre a sala de jantar e a copa, onde comem os

    domsticos e at mesmo as crianas, entre os membros das classes populares no h uma

    preocupao em seguir a ordem estrita da refeio. possvel que tudo seja colocado na

    mesa ao mesmo tempo, de modo que as mulheres podem estar j na sobremesa com as

    crianas, enquanto os homens terminam o prato principal. O autor ressalta que esta

    liberdade no deve ser confundida com desordem ou displicncia, uma vez que garante a

    economia de esforos e propositadamente procurada, j que os homens no participam

    das tarefas domsticas nem devem participar, pois isso seria uma desonra para as

    prprias mulheres. Ademais, tais economias de esforos permitem que as pessoas se

    sintam em casa, entre amigos ou em famlia.

    De acordo com Bourdieu (2013, p. 186), a raiz de todas essas permissesassumidas pelos indivduos das classes populares o sentimento de que eles no querem

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    14/24

    13

    impor a si mesmos controles e restries, menos ainda em matria alimentar que uma

    necessidade primria e uma desforra e que constitui, no prprio mago da vida

    domstica, o nico refgio de liberdade, j que nos outros domnios e no tempo restante

    continuam submetidos necessidade. Portanto, h uma prioridade conferida substncia

    em relao forma, a alimentao reivindicada em sua verdade de substncia nutritiva

    por sustentar o corpo e fornecer energia, de modo que se houver ocasio de simplificar,

    tal operao s pode ocorrer na ordem da forma, das maneiras consideradas como no

    essenciais e puramente simblicas. Nesse sentido, o servio de mesa pode ser ordinrio,

    desde que a refeio seja extraordinria (Bourdieu, 2013, p. 189).

    Os membros da burguesia, por sua vez, apresentam os pratos numa determinada

    sequncia, seguindo a ordem estrita da refeio, introduzindo o rigor da regra at mesmo

    no cotidiano, excluindo o corte entre o dentro e o fora de casa. Estas maneiras

    constituem a expresso de um habitus de ordem, conduta e reserva e manifestam uma

    verdadeira relao com as necessidades primrias e com as prticas consideradas

    vulgares. Elas negam o consumo em sua significao e funo primrias, convertendo

    a refeio em uma cerimnia social, em uma afirmao de conduta tica e de requinte

    esttico. Nas suas palavras, todo este expediente de estilizao tende a deslocar a nfase

    da substncia e a funo em direo forma e maneira; por conseguinte, negada, ou

    melhor ainda, denegada a realidade, grosseiramente material, do ato do consumo e das

    coisas consumidas (Bourdieu, 2013, p. 187).

    A inverso da importncia atribuda alimentao e ao vesturio nas classes

    populares, em comparao com as classes mdias, constitui um indcio de uma

    reviravolta de toda a viso de mundo, que coloca em relevo o realismo popular, ou seja, a

    tendncia a reduzir as prticas verdade de sua funo, a fazer o que se faz e a ser o que

    se . As classes populares transformam o vesturio em um uso realista e funcionalista.

    Elas privilegiam a substncia e a funo em detrimento da forma, escolhendo roupas que

    podem durar muito tempo, para compensar seu gasto (Bourdieu, 2013, p. 190).

    Bourdieu (2013, p. 194) que o interesse que as diferentes classes atribuem

    apresentao de si e o investimento de tempo, esforos e cuidados que lhe dedicam so

    proporcionais s oportunidades de lucros materiais ou simblicos que podem esperar

    como retorno. Eles dependem da existncia de um mercado de trabalho em que as

    propriedades cosmticas possam receber valor no prprio exerccio da profisso ou nasrelaes profissionais e, tambm, das oportunidades diferenciais de acesso a este

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    15/24

    14

    mercado, em que a valorizao profissional depende da beleza e de uma conduta digna.

    Portanto, a garantia que d a certeza de seu prprio valor est fortemente associada

    posio ocupada no espao social e trajetria.

    Ao traar os principais aspectos do estilo de vida popular, Bourdieu tambm

    desenvolve uma discusso sobre o campo poltico, buscando desconstruir a viso liberal

    que percebe o terreno da poltica como um espao democrtico e igualitrio, que atribui a

    todos o direito e dever de opinio poltica, sem distino de sexo ou de classe. O autor

    explica que a propenso para responder a um questionrio sobre a poltica, para votar ou

    mesmo aderir a um partido o produto do encontro entre uma oferta e uma demanda, ou

    seja, entre o campo de produo ideolgica, onde se define a problemtica legtima e, os

    agentes sociais, que ocupam posies diferentes no campo das relaes de classe e so

    definidos por uma competncia poltica especfica, em maior ou em menor grau

    (Bourdieu, 2013, p. 372).

    Essa competncia se constitui pela capacidade maior ou menor para reconhecer a

    questo poltica e trat-la a partir de princpios propriamente polticos. Mas ela

    inseparvel de um sentimento de ser socialmente reconhecido como habilitado a ocupar-

    se das questes polticas. Bourdieu (2013, p. 373) afirma, portanto, que a competncia no

    sentido de capacidade tcnica varia com a competncia no sentido de capacidade

    socialmente reconhecida, de atributo e de atribuio estatutrios, cujo avesso a

    incapacidade e a excluso objetiva e subjetiva. Deste modo, os homens se sentem mais

    fortemente intimados a expressar uma opinio, enquanto as mulheres sentem-se

    dispensadas de express-la e mais livres para delegar essa tarefa. O efeito do diploma

    escolar semelhante, de modo que os mais instrudos tem maior propenso para

    responder s questes polticas do que os menos instrudos. Bourdieu (2013, p. 383)

    argumenta que, nos dois casos, o que est em jogo um direito estatutrio sobre a

    poltica e, ao mesmo tempo, uma cultura poltica, como condio de exerccio desse

    direito do qual se dotam aqueles que se sentem com direito de exerc-lo, com o

    sentimento de serem estatutariamente autorizados e convocados para falar de poltica.

    Contra a f ingnua na igualdade formal diante da poltica, Bourdieu (2013, p.

    391) afirma que a viso popular realista ao descortinar como nica escolha a prpria

    excluso ou a delegao total aos seus porta-vozes, devido ao reconhecimento resignado

    de sua incompetncia estatutria. Destitudos da competncia especfica e afastados dalgica da produo da problemtica legtima, os membros das classes populares

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    16/24

    15

    formulam suas respostas e opinies polticas principalmente a partir de seu ethos de

    classe, definido como frmula geradora no constituda como tal que permite engendrar

    sobre todos os problemas da existncia corrente, respostas objetivamente coerentes entre

    si e compatveis com os postulados prticos de uma relao prtica com o mundo

    (Bourdieu, 2013, p. 393).

    Nesse sentido, os membros das classes populares tendem a reduzir as questes

    polticas ao plano da experincia comum, aplicando os esquemas inconscientes do ethos,

    apelando para uma resposta prtica, ou seja, tica5. por isso que, segundo Bourdieu

    (2013, p. 404), os mais desprovidos de competncia poltica especfica tem mais

    possibilidades de se situar como defensores da ordem moral e da ordem social e at

    mesmo de se mostrar mais conservadores, neste domnio, que os conservadores

    conscientes da ordem social, sempre que so levados a apreender determinados

    problemas j constitudos como polticos no campo da produo ideolgica segundo as

    categorias de seu ethosde classe. O autor destaca, por outro lado, que se os membros da

    classe dominante so mais inovadores no domnio da moral domstica, eles so mais

    conservadores no domnio mais amplamente reconhecido como poltico, no que tange

    transformao da ordem econmica e poltica e, na medida em que esta transformao

    possa atingir o princpio de seu privilgio.

    Bourdieu (2013, p. 410) afirma que neste domnio, como nos demais, o princpio

    explicativo das respostas s questes polticas deve ser procurado na unidade

    originariamente sinttica de um princpio gerador, o habitus, enquanto classe

    incorporada, que integra o conjunto dos efeitos das determinaes impostas pelas

    condies materiais de existncia. O habitus define a relao entre a posio

    sincronicamente ocupada no espao social e as tomadas de posio prticas ou explcitas

    sobre o mundo social, o que permite compreender a distribuio das opinies polticas

    entre a direita e a esquerda, segundo as diferentes classes e fraes de classe. Neste

    sentido, o autor afirma que a propenso para votar direita maior medida que

    5Bourdieu (2013, p. 392) destaca dois outros modos de produo da opinio poltica alm do ethos declasse, que so mais comuns medida que se sobe na hierarquia social. O princpio de produo dasrespostas pode ser um partido poltico sistemtico, entendido como um sistema de princpios explcitos eespecificamente polticos, passveis de apreenso reflexiva, que permite engendrar uma infinidade de

    julgamentos e atos polticos. Ele tambm pode ser o produto de uma linha definida por um partido poltico,no sentido de organizao que fornece uma posio para um conjunto de problemas que ele ajuda a

    constituir como polticos. No entanto, o autor adverte que, para os problemas que no so constitudoscomo partido ou pelo partido, os agentes so remetidos ao ethos, atravs do qual exprimem as condiessociais de produo particulares das quais este ethos o produto.

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    17/24

    16

    aumenta o volume global do capital possudo, bem como o peso relativo do capital

    econmico na estrutura do capital. J a propenso para votar esquerda aumenta, nos

    dois casos, em sentido inverso.

    No entanto, Bourdieu (2013, p. 428) destaca que a posio ocupada pontualmente

    no espao social no est ligada s tomadas de posio polticas por relaes to simples

    e diretas quanto aquelas observadas nos outros domnios. Isso porque a trajetria

    individual e coletiva exerce forte influncia sobre a percepo do mundo social e do

    futuro desse mundo, atravs das experincias associadas ascenso ou ao declnio.

    Assim, h maiores possibilidades de que a escolha poltica seja limitada a uma resposta

    politicamente cega do ethosde classe, sobretudo quando se avana em direo s faixas

    etrias mais elevadas ou medida que se desce na hierarquia dos nveis de instruo ou

    das posies sociais, sendo mais forte entre as mulheres que entre os homens.

    A partir dos traos caractersticos do estilo de vida popular apresentados por

    Bourdieu, o autor conclui que as prticas populares, apesar de darem a impresso de que

    possam ser deduzidas diretamente das condies objetivas, tm como princpio a

    escolha do necessrio, no sentido do que tecnicamente necessrio, prtico e

    funcional, do que necessrio para se apresentar como deve ser, e ao mesmo tempo, do

    que imposto por uma necessidade econmica e social que condena as pessoas simples

    e modestas a gostos simples e modestos (Bourdieu, 2013, p. 355).

    O ajuste s oportunidades objetivas, possibilitado pelo habitus, se encontra na

    origem de todas as escolhas realistas, que se baseiam na renncia a lucros simblicos, de

    todo modo inacessveis s classes populares, e reduzem as prticas ou os objetos sua

    funo tcnica. por isso que nada mais estranho s mulheres das classes populares do

    que a ideia tipicamente burguesa de transformar cada objeto de seu interior na ocasio de

    uma escolha esttica, de buscar harmonia ou beleza nos lugares estreitamente definidos

    por sua funo, como o banheiro ou a cozinha (Bourdieu, 2013, 355).

    Bourdieu (2013, p. 357) afirma que o princpio de conformidade, expresso nas

    chamadas ordem em que os indivduos so advertidos para ficar no seu devido lugar

    , constitui a nica norma explcita do gosto popular e tem por objetivo incentivar as

    escolhas razoveis, que so impostas de todo modo pelas condies objetivas. Esse

    princpio tambm contm uma advertncia contra a ambio de se distinguir mediante a

    identificao com outros grupos, constituindo uma chamada solidariedade de condio.O autor ressalta ainda que a chamada ordem mais implacvel, que ajuda a compreender

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    18/24

    17

    o extraordinrio realismo das classes populares, aquela constituda pelo efeito de

    clausura exercido pela homogeneidade do universo social diretamente experimentado.

    Neste universo, as possibilidades esto fechadas, no h outro estilo de vida possvel,

    nem outra linguagem. As expectativas dos outros tambm contribuem para reforar as

    disposies impostas pelas condies objetivas.

    Os efeitos da dominao cultural

    De acordo com Bourdieu (2013, p. 233), as lutas pela apropriao de bens

    econmicos ou culturais so, inseparavelmente, lutas simblicas pela apropriao dos

    sinais distintivos, pela conservao ou subverso dos princpios de classificao das

    propriedades distintivas. Nessa perspectiva, o espao dos estilos de vida, como universodas propriedades pelas quais os ocupantes de diferentes posies no espao social se

    diferenciam, aparece como

    um balano, em determinado momento, das lutas simblicas cujo pretexto a imposio do estilo

    de vida legtimo e que encontra umarealizao exemplar nas lutas pelo monoplio dos emblemas

    da classe, ou seja, bens de luxo, bens de cultura legtima ou modo de apropriao legtimo

    desses bens (Bourdieu, 2013, p. 233).

    No entanto, o autor ressalta que as classes dominadas no intervm nas lutas

    simblicas nem pela apropriao das propriedades distintivas que caracterizam os

    diferentes estilos de vida, nem na luta pela definio das propriedades que merecem ser

    apropriadas e do modo de apropriao legtimo. Desse modo, o estilo de vida popular se

    constitui apenas a ttulo de contraste e de referncia passiva, contra o qual se constituem

    os outros estilos de vida. Para Bourdieu (2013, p. 237), o lugar por excelncia das lutas

    simblicas a prpria classe dominante, definida como um campo relativamente

    autnomo, em que suas diferentes fraes disputam o princpio de dominao legtima,

    ou seja, o pretexto e as armas legtimas das lutas sociais, defendendo a predominncia da

    espcie de capital que est na base de seu privilgio (capital econmico, capital cultural

    ou capital social).

    Bourdieu (2013, p. 360) afirma que, como a adaptao a uma posio dominada

    implica sempre uma forma de aceitao da dominao, possvel enumerar diversos

    traos do estilo de vida das classes dominadas que contm uma forma de reconhecimento

    dos valores dominantes, nem que seja atravs do sentido de incompetncia cultural ou

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    19/24

    18

    fracasso. Um dos indcios da imposio da definio dos bens dignos de serem possudos

    a presena de substitutos em saldo, uma vez que, na ausncia de qualquer consumo

    de luxo, o estilo de vida das classes populares se caracteriza pela presena de um grande

    nmero de substitutos desses bens raros, como espumantes em vez de champanha,

    courino no lugar do couro.

    Ademais, o autor aponta uma dependncia inevitvel da auto-estima dos

    indivduos das classes populares com relao aos sinais do valor social, tais como o

    estatuto profissional e o salrio, legitimados pelas sanes do mercado escolar e que a

    prpria mobilizao poltica tem dificuldade em contrabalanar. Desse modo, Bourdieu

    (2013, p. 363) afirma que os princpios mais visveis das diferenas oficiais observadas

    no mago da classe operria, em termos de estatutos e salrios, parecem ser valorizados

    mais como atestados de moralidade, ou seja, de conformidade e at mesmo de

    docilidade, do que enquanto garantias de competncia. Observa-se esta tendncia,

    sobretudo, entre os contramestres, que ocupam o topo da hierarquia da classe operria.

    Bourdieu (2013, p. 365) conclui, portanto, que no no terreno da cultura que se

    deve procurar um distanciamento ou uma tomada de distncia, em relao classe

    dominante e a seus valores, a no ser de modo negativo. Apesar disso, ele reconhece

    certa arte de viver nas classes populares,

    uma sabedoria adquirida pela provao da necessidade, do sofrimento e da humilhao, e

    depositada em uma linguagem herdada, no senso da fruio e da festa, da expresso de si e da

    solidariedade prtica com os outros (evocado pelo adjetivo boa-vida em que as classes populares

    se reconhecem), em suma, tudo o que se engendra no hedonismo realista (e no resignado) e no

    materialismo ctico (sem ser cnico) que constituem uma forma de adaptao s condies de

    existncia e, ao mesmo tempo, uma defesa contra tais condies (Bourdieu, 2013, p. 365).

    O autor faz referncia tambm tradio das lutas sindicais, onde poderia residir

    o nico princpio verdadeiro de uma contracultura, mas em que continuam a se exercer os

    efeitos da dominao cultural. Bourdieu (2013, p. 369) destaca que a lgica especfica da

    dominao cultural faz com que o mais completo reconhecimento da legitimidade

    cultural possa coexistir e, muitas vezes, coexista, com a contestao mais radical da

    legitimidade poltica. At mesmo a tomada de conscincia poltica quase sempre

    solidria de um empreendimento de reabilitao da auto-estima e da dignidade cultural

    que implica uma forma de submisso aos valores dominantes e a alguns princpios que

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    20/24

    19

    fundamentam a dominao da classe dominante, tais como o reconhecimento das

    hierarquias associadas aos diplomas escolares. Portanto, Bourdieu (2013, p. 370) no

    vislumbra elementos de uma contracultura entre os membros das classes dominadas, uma

    vez que mesmo a frao mais consciente da classe operria permanece profundamente

    submissa, em matria de cultura e de linguagem, s normas e aos valores dominantes6.

    Algumas consideraes finais

    A rica discusso desenvolvida por Bourdieu acerca do estilo de vida popular

    contribui para uma melhor compreenso sobre seus traos caractersticos, alm de

    constituir um avano com relao ao discurso economicista que deduz as prticas dos

    membros das classes populares das condies objetivas. O autor questiona a relao

    simples e direta entre a renda e o consumo, mostrando que tal relao sempre mediada

    pelo habitus, por um gosto de necessidade, que possibilita um ajuste s condies

    objetivas, mas que no pode ser deduzido diretamente delas.

    importante ressaltar tambm a discusso travada por Bourdieu contra os

    defensores da ideia de uma ordem democrtica e igualitria, onde todos podem participar

    em igualdade de condies. O autor argumenta que os membros das classes populares

    no possuem a competncia socialmente reconhecida para falar sobre poltica, o direito

    estatutrio sobre a poltica, o que faz com que eles sejam destitudos tambm de uma

    competncia tcnica; de uma cultura poltica. Por isso, eles so excludos tambm do

    campo da produo ideolgica, onde se produzem as questes polticas legtimas. No

    que os indivduos das classes populares no tenham questes e interesses polticos, mas

    estes no so legitimados pelo campo da produo ideolgica. Destitudos, portanto, da

    competncia especfica, os membros das classes populares tendem a reduzir as questes

    polticas s da experincia comum, aplicando os esquemas inconscientes do ethos,

    apelando para uma resposta tica. Essa discusso tambm constitui um caminho frutfero

    para pensar as mudanas no campo poltico no Brasil e, mais especificamente, os

    posicionamentos assumidos pelos membros das classes populares.

    6Bourdieu (2013, p. 369) critica a ideia de uma cultura popular percebida por ele como uma aliana depalavras atravs da qual se impe a definio dominante da cultura e que no passa de fragmentos

    dispersos de uma cultura erudita, que so selecionados e reinterpretados em funo dos princpiosfundamentais do habitusde classe. Ela no se constitui como cultura realmente erguida contra a culturadominante, cientemente reivindicada como estatuto de existncia separada.

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    21/24

    20

    No entanto, importante destacar que, num certo sentido, Bourdieu nega a

    prpria existncia de um estilo de vida popular, na medida em que, para ele, o gosto de

    necessidade s pode engendrar um estilo de vida em si definido como tal apenas de

    forma negativa, como contraste, a partir do qual se definem os outros estilos de vida.

    certo que numa acepo mais abrangente do estilo de vida como conjunto unitrio de

    preferncias distintivas que exprimem, na lgica especfica de cada um dos domnios, a

    mesma inteno expressiva, possvel pensar num estilo de vida popular. Esse estilo de

    vida se manifesta atravs de um materialismo prtico e das escolhas realistas,

    caracterizadas pela presena ao presente, por uma aceitao do tempo tal como ele se

    apresenta e pela solidariedade para com os outros. Mas, por outro lado, numa acepo

    que define o estilo de vida como produto de uma estilizao da vida, que se constitui por

    uma mediatizao das necessidades j dominadas, submetendo-as ao requinte e

    sublimao, que desloca a nfase da substncia e da funo em direo forma e

    maneira, no possvel falar em um estilo de vida popular.

    Muito embora os estilos de vida se constituam de uma dimenso distintiva e de

    outra expressiva, Bourdieu enfatiza muito mais a primeira dimenso e no explora toda a

    riqueza apresentada em seu trabalho que poderia conceber o estilo de vida popular para

    alm de sua funo de contraste e contraponto negativo. Apesar de destacar a

    necessidade de apreender a significao atribuda pelas diferentes classes sociais s suas

    propriedades e prticas, Bourdieu tende a reduzir a dimenso simblica quando se trata

    das classes populares, afirmando que suas escolhas se baseiam na renncia a qualquer

    lucro simblico, de todo modo inacessvel, e na reduo das prticas e dos objetos a sua

    funo tcnica.

    certo que Bourdieu estava interessado em revelar a dominao cultural e

    simblica que as classes dominantes exercem sobre as classes dominadas e de que

    impossvel pensar qualquer mobilizao poltica sem reconhecer os efeitos dessa

    dominao. Contudo, importante ressaltar que as prticas e as escolhas das classes

    populares tm uma dimenso simblica importante, que no pode ser reduzida sua

    funo meramente tcnica e nem mesmo pode se afirmar a renncia a qualquer lucro

    simblico. Embora os lucros simblicos no sejam acessveis s classes populares como

    so para a pequena burguesia e para a burguesia em suas relaes profissionais no

    mercado de trabalho, as primeiras no renunciam completamente a esses lucros em suasescolhas. Elas participam da luta simblica travada no espao dos estilos de vida,

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    22/24

    21

    tentando romper com a sua posio de contraste negativo, buscando uma significao

    positiva, atravs da apropriao de signos distintivos.

    Como mostra Rocha (2002, p. 35), em sua pesquisa sobre o impacto da maior

    insero das classes populares na cultura de consumo em So Miguel dos Milagres (AL,)

    aps o Plano Real, os indivduos oriundos dessas classes buscam, atravs de suas prticas

    de consumo, uma representao mais positiva, como tentativa de combater o estigma da

    pobreza e garantir uma insero, ao menos simbolicamente, na sociedade brasileira.

    A teoria das classes sociais de Bourdieu constitui, portanto, um importante ponto

    de partida para pensar as mudanas na estrutura das classes sociais no Brasil

    contemporneo, uma vez que o autor mostra a necessidade de se sobrepor anlise do

    espao social, construdo atravs da distribuio diferenciada dos diferentes tipos de

    capital, uma anlise do espao dos estilos de vida, onde tais diferenas so legitimadas e

    aparecem como signos distintivos. Ademais, ao enfatizar a importncia dos recursos

    culturais na gnese e reproduo das classes sociais, sobretudo da classe mdia, o autor

    possibilita a apreenso dos aspectos no econmicos do fenmeno da desigualdade

    social.

    Dada a sua centralidade, essa perspectiva terica tem fundamentado trabalhos que

    buscam analisar as mudanas ocorridas na estrutura das classes sociais no Brasil a partir

    de uma perspectiva mais crtica, que se contrape ao discurso da nova classe mdia

    brasileira. Souza (2010) argumenta que as classes mdias se reproduzem no tempo,

    sobretudo, por meio do seu capital cultural, enquanto as chamadas classes emergentes

    no Brasil continuam desprovidas de tais recursos e das pr-condies emocionais e

    culturais para adquiri-los. O autor tambm destaca a importncia da luta de classes

    travada no cotidiano das pessoas, que opera de modo velado, naturalizado em prticas

    sociais sem discurso nem articulao consciente que, por isso mesmo, so mais eficazes

    socialmente. Em suas pesquisas, Souza (2013, p. 64) mostra como a dimenso simblica

    da luta de classes fundamental para a legitimao da ordem social. Segundo ele, as

    classes populares no so desprovidas apenas dos capitais que pr-decidem a hierarquia

    social, mas tambm da incapacidade de ser gente e do estigma de ser indigno. E esta

    dominao social exige que os dominados estejam convencidos da sua inferioridade.

    Estas anlises podem ser enriquecidas ainda mais com pesquisas empricas,

    orientadas pelo trabalho desenvolvido por Bourdieu na Distino, que explorem de quemaneira as transformaes ocorridas no Brasil contemporneo so acompanhadas por

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    23/24

    22

    mudanas no estilo de vida das classes populares, que tentem dar conta do espao onde

    se desenvolvem as lutas entre as classes, do significado atribudo pelas classes populares

    sua maior insero na cultura de consumo. Por outro lado, o confronto da teoria

    bourdieusiana com pesquisas empricas acerca da realidade brasileira tambm pode

    contribuir para repensar alguns aspectos de sua teoria, explorando a dimenso expressiva

    do estilo de vida popular, negligenciada na anlise de Bourdieu.

    Referncias bibliogrficas

    BARTELT, D. (org). A nova classe mdia no Brasil como Conceito e Projeto

    Poltico. Rio de Janeiro, Fundao Heinrich Boll, 2013.

    BOGENHOLD, D. Social Inequaliy and the Sociology of Life Style: material and

    cultural aspects of social stratification. American Journal of Economics and Sociology.

    V. 60, N. 4, October, 2001.

    BOURDIEU, P. Gosto de classe e Estilo de Vida. In: ORTIZ, R. Pierre Bourdieu. So

    Paulo, tica, Coleo Grandes Cientistas Sociais, 1983. v. 39.

    ___________. O Mercado de Bens Simblicos. In: MICELI, S. (Org). A economia

    das trocas simblicas. Traduo de Srgio Miceli. 2 ed. So Paulo, Perspectiva, 1987.

    ___________. A distino crtica social do julgamento. So Paulo, Editora

    Zouk/Edusp, 2013.

    _________. Espao social e poder simblico. In: Coisas Ditas. So Paulo, Editora

    Brasiliense, 1990.

    MICELI, S. A fora do sentido. In: In: BOURDIEU, P. A economia das trocas

    simblicas. Traduo de Srgio Miceli. 2 ed. So Paulo, Perspectiva, 1987.

    NERI, M. A nova classe mdia. Rio de Janeiro, Fundao Getlio Vargas. Instituto

    Brasileiro de Economia, Centro de Polticas Sociais, 2008.

    POCHMANN, M. Nova classe mdia?O trabalho na base da pirmide social brasileira.

    So Paulo, Boitempo Editorial, 2012.

    ROCHA, M. E. M. O consumo precrio pobreza e cultura de consumo em So Miguel

    dos Milagres. Coleo Estudos sobre Alagoas, n. 1, Macei, Edufal, 2002.

    SINGER, A. Os sentidos do lulismo. Reforma gradual e pacto conservador. So Paulo,

    Companhia das Letras, 2012.SLATER, D. Cultura do consumo e modernidade. So Paulo, Nobel, 2002.

  • 7/24/2019 Estilo de Vida Das Classes Populares Na Distino-1 Copy

    24/24

    SOUZA, J. Os batalhadores brasileiros: nova classe mdia ou nova classe

    trabalhadora? Belo Horizonte, Editora UFMG, 2010.

    ___________. A ral brasileira. Quem e como vive. Belo Horizonte, UFMG, 2009.

    __________ (Org.). A invisibilidade da desigualdade brasileira. Belo Horizonte,

    Editora UFMG, 2006a.

    __________. A construo social da subcidadania: para uma sociologia poltica da

    modernidade perifrica. Belo Horizonte, Editora UFMG; Rio de Janeiro, IUPERJ, 2006b.

    _________. A invisibilidade da luta de classes ou a cegueira do economicismo. In:

    Bartelt, D. (org). A nova classe mdia no Brasil como Conceito e Projeto Poltico.

    Rio de Janeiro, Fundao Heinrich Boll, 2013.

    VANDENBERGH, F. Teoria Social Realista. Belo Horizonte, Ed. UFMG; Rio de

    Janeiro, Ed. IUPERJ, 2010.

    WACQUANT, L. Esclarecer o habitus. In: Educao e Linguagem. N. 16 2007. P. 63-

    71.