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FORMAÇÃO POLÍTICA: ELEMENTO ESSENCIAL DA FORMAÇÃO DO/A PROFESSOR/A DE GEOGRAFIA Marcos de Oliveira Soares UFSCar/Sorocaba [email protected] INTRODUÇÃO A formação de professores/as de Geografia nas Instituições de Educação Superior (IES) do Brasil tem sido objeto de análise e reflexão sob vários aspectos, dentre os quais em sua forma mais estrutural (no viés dos seus projetos pedagógicos), em seu aspecto curricular − como, por exemplo, na inserção dos conceitos de habilidades e competências nesta formação e também no tema da profissionalidade docente. De maneira geral, na formação destes professores/as, estes elementos estão presentes e se relacionam com outros tantos que são constituintes da sua formação geral. Ao observar o caráter político da formação docente, é possível perceber que ele está, em geral, diluído entre estas esferas formativas. Está presente, portanto, mas de certa forma, está disperso. A questão principal apresentada no presente trabalho é dar centralidade à formação política do/a professor/a. Formação política entendida como práxis, ou seja, resultante da ação e da reflexão sobre o fazer docente, sobre suas práticas pedagógicas, sobre as políticas educacionais instituídas no país entre outros aspectos importantes nessa formação. Parto de duas experiências principais. A primeira delas tem a ver com as reflexões acerca da formação de professores/as na Universidade Federal de São Carlos campus Sorocaba, sobretudo em torno da disciplina de “Prática de Ensino em Geografia”, a qual envolve o estágio supervisionado. A segunda experiência foi uma atividade de extensão 1 ministrada por mim e pela professora Lucia Maria Salgado dos 1 A Atividade Curricular de Integração 'Ensino, Pesquisa e Extensão' (ACIEPE) em questão foi oferecida de 19/Agosto a 25/Novembro/2015, tendo como participantes tanto membros do público interno da universidade (estudantes de graduação) como do público externo (professores/as das redes públicas estadual, municipal e da rede particular da cidade de Sorocaba e região).

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FORMAÇÃO POLÍTICA: ELEMENTO ESSENCIAL DA FORMAÇÃO DO/A

PROFESSOR/A DE GEOGRAFIA

Marcos de Oliveira Soares

UFSCar/Sorocaba

[email protected]

INTRODUÇÃO

A formação de professores/as de Geografia nas Instituições de Educação

Superior (IES) do Brasil tem sido objeto de análise e reflexão sob vários aspectos,

dentre os quais em sua forma mais estrutural (no viés dos seus projetos pedagógicos),

em seu aspecto curricular − como, por exemplo, na inserção dos conceitos de

habilidades e competências nesta formação – e também no tema da profissionalidade

docente. De maneira geral, na formação destes professores/as, estes elementos estão

presentes e se relacionam com outros tantos que são constituintes da sua formação geral.

Ao observar o caráter político da formação docente, é possível perceber que ele

está, em geral, diluído entre estas esferas formativas. Está presente, portanto, mas de

certa forma, está disperso.

A questão principal apresentada no presente trabalho é dar centralidade à

formação política do/a professor/a. Formação política entendida como práxis, ou seja,

resultante da ação e da reflexão sobre o fazer docente, sobre suas práticas pedagógicas,

sobre as políticas educacionais instituídas no país entre outros aspectos importantes

nessa formação.

Parto de duas experiências principais. A primeira delas tem a ver com as

reflexões acerca da formação de professores/as na Universidade Federal de São Carlos

campus Sorocaba, sobretudo em torno da disciplina de “Prática de Ensino em

Geografia”, a qual envolve o estágio supervisionado. A segunda experiência foi uma

atividade de extensão1 ministrada por mim e pela professora Lucia Maria Salgado dos

1 A Atividade Curricular de Integração 'Ensino, Pesquisa e Extensão' (ACIEPE) em questão foi

oferecida de 19/Agosto a 25/Novembro/2015, tendo como participantes tanto membros do

público interno da universidade (estudantes de graduação) como do público externo

(professores/as das redes públicas estadual, municipal e da rede particular da cidade de

Sorocaba e região).

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Santos Lombardi do Departamento de Ciências Humanas e Educação (DCHE) do curso

de Pedagogia, chamada “Formação política de professores como elemento da formação

pedagógica e profissional”.

Nesse sentido destaco como principal objetivo do texto, dar centralidade a um

aspecto da formação docente que, de maneira geral, encontra-se diluído e disperso no

período de constituição dessa formação, seja em algumas disciplinas, eventos

acadêmicos ou atividades de extensão.

O ESTADO E AS REFORMAS EDUCACIONAIS.

Qualquer análise acerca da formação de professores/as no Brasil precisa partir

dos referenciais do que significou e significa ainda as reformas educacionais por que

tem passado o país. Digo isso, pois, caso contrário, teremos uma visão sempre parcial

dessa questão.

Tais reformas materializam os interesses do capital, advindos da reestruturação

produtiva e da conformação de um novo paradigma produtivo (o toyotismo) que o

sistema do capital construiu no pós segunda guerra, para com a educação.

Essa materialização deu-se, por exemplo, com a mudança curricular, de tal

forma que a escola pudesse (re)produzir a força de trabalho na forma como o sistema do

capital agora necessitaria e também com a criação de mecanismos da privatização da

escola pública, na medida em que a crise estrutural do capitalismo aprofunda a

necessidade de manutenção das taxas médias de lucro.

Esses elementos têm forte relação, tanto com a formação inicial de

professores/as, quanto com o fazer docente nas escolas. As reformas educacionais estão

presentes no cotidiano das IES e das escolas públicas pelo país e nos remetem, portanto,

à análise do conceito de Estado que é o ordenador dessas reformas.

O Estado, como estrutura social, territorial, econômica e histórica do sistema do

capital, cumpre a função de “organizar” a sociedade. Essa organização não é aleatória e

muito menos igualitária. O Estado no sistema do capital corresponde às relações de

produção capitalistas. É um Estado burguês por essência e estrutura interna, inculcando

em todos os sujeitos sociais um pretenso caráter “neutro” e “justo” organizando assim,

um mecanismo de dominação de classe (da burguesia).

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Baseado na produção de valores (materializados em mercadorias) produzidos

pela exploração da força de trabalho de homens e mulheres (trabalhadores/as) pelos

proprietários dos meios de produção (capitalistas) e extraindo, da relação de exploração,

o lucro (mais valia) aos últimos.

A relação de exploração é normatizada e naturalizada, em grande medida, pela

ação ostensiva do Estado burguês. Uma das normatizações do Estado é feita por meio

da ordenação jurídica. Como expressa Décio Saes:

Portanto o direito burguês, ao definir como agentes da produção como

sujeitos, faz com que a troca desigual entre o uso da força de trabalho e

salário assuma a forma de uma troca de equivalentes, resultante do livre

encontro entre duas vontades individuais: o contrato de compra e venda

da força de trabalho. Nessa medida é uma estrutura jurídica particular –

a do direito burguês, caracterizada pelo tratamento igual aos desiguais –

que cria as condições ideológicas necessárias à reprodução das relações

de produção capitalistas. (SAES, 1998, p. 38, grifos do autor)

O mecanismo que no conteúdo é desigual (a relação entre capital e trabalho)

aparece como equivalente na forma (venda da força de trabalho em troca de um salário),

produzindo uma naturalização das relações desiguais.

O Estado burguês, pois, organiza a sociedade que é estruturalmente desigual

dando-lhe uma feição de igualdade, sobretudo através de suas normas jurídicas e legais.

As reformas estruturais do Estado (a da educação é uma delas) fazem parte dessas

normatizações também.

Quando nos debruçamos sobre as reformas por que tem passado a educação

pública brasileira e seus efeitos diretos sobre as escolas e a formação de professores/as,

constatamos a presença dessa relação desigual.

A escola está permeada por relações de poder, de mando e submissão e, embora

não produza “mercadorias” (e, portanto não gere mais valia), estabelece as mesmas

relações que o sistema do capital normatiza para todas as relações sociais (através do

Estado) com as quais ordena a produção. Desta forma, é possível fazer uma associação:

Considerando a educação do ponto de vista da economia política,

podemos afirmar que seu objeto de trabalho é o aluno. Ele é a matéria-

prima que, no processo de trabalho da educação, vai ser transformada

para dar origem a um novo produto: “o ser humano educado”. Para

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realizar esse processo de trabalho, o sistema de ensino formal conta com

instrumentos de trabalho (material didático-pedagógico, estrutura física

dos prédios de ensino etc) e a força de trabalho (professores, diretores,

inspetores de aluno, agentes escolares etc). (OLIVEIRA, 2006, p. 108,

grifo da autora)

Podemos fazer a mesma analogia em relação aos cursos de formação de

professores/as, pois se constituem em instituições (as IES) que se organizam, sob esse

ponto de vista, de forma muito parecida que as escolas.

Temos, portanto, uma tarefa importante que é a de dar significação social, sejam

aos processos de escolarização aos alunos/as da escola básica, sejam aos de formação de

professores/as nas licenciaturas. Tarefa que tem sido estruturalmente dificultada pela

organização societária que o sistema do capital engendra e impõe, através de seu

Estado.

FORMAÇÃO DE PROFESSORES/AS NA UFSCar campus SOROCABA

De maneira geral, a experiência com a formação de professores/as de Geografia

na UFSCar campus de Sorocaba, a partir da disciplina de “Prática de Ensino em

Geografia”, tem mostrado a necessidade de reformulação do curso.

As razões que justificam esta necessidade passam, por exemplo, pela dificuldade

do cumprimento das horas de estágios supervisionados, uma vez que o curso é noturno e

os/as alunos/as em sua maioria são trabalhadores tendo, portanto, dificuldade em

cumprir as 400 horas do estágio. Mas também, apontam para uma relação (ou falta dela)

mais institucionalizada entre a universidade e a escola, mediada por um projeto

pedagógico construído por ambas, para que a formação inicial seja calcada numa práxis.

Assim, muitos alunos/as do curso de Geografia encontram dificuldades já no contato

inicial com as escolas − e em particular com as equipes gestoras −, que em geral

significa o primeiro contato com a instituição.

Neste caso, a universidade precisa olhar para si mesma e pensar a relação com a

escola por um prisma diferente. Em geral, mesmo nos cursos de licenciatura, existem

lapsos significativos entre sua função social, que é a de formar professores/as e o lócus

de atuação do/a egresso/a que é a escola de educação básica.

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A formação de professores/as feita pelos cursos de licenciatura tem, em grande

medida, o desafio também fazê-lo com criticidade, para que esses/as possam desvelar

as relações do sistema do capital cuja naturalização encobre uma série de desigualdades.

Para isso é necessária uma análise do papel social que pode/deve cumprir a

universidade, sobretudo a pública, na estrutura organizada pelo Estado burguês, numa

perspectiva desveladora e crítica. Caso contrário, como nos diz Tragtenberg (2004) ela

servirá sempre à “política do poder”.

A reformulação do curso de Geografia na UFSCar campus Sorocaba tem,

portanto, um desafio de dialogar com a estrutura da própria universidade, a fim de estar

a serviço de uma formação coletiva, humanística, crítica e libertadora, que cumpra seu

papel social e que atenda às necessidades reais dos/as seus/as estudantes.

Nesta perspectiva, a experiência da atividade de extensão (ACIEPE) no segundo

semestre de 2015, mostrou caminhos interessantes, na perspectiva da formação de

professores/as do que chamarei de seu caráter político.

Partimos da premissa que a formação política do/a professor/a está diluída em

outras esferas de sua formação. Assim entendemos que:

Quadro 1 - Localização da formação política na estrutura das licenciaturas

Fonte: LOMBARDI, Lucia e SOARES, Marcos. ACIEPE. Formação política

de professores como elemento da formação pedagógica e profissional. UFSCar-

Sorocaba. Proex. 2015.

Estando a formação política dispersa em outros momentos de sua formação

geral, ainda que esteja presente nesses momentos, o/a professor/a pode vir a refletir

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menos sobre os aspectos que envolvem as relações sociais presentes no fazer

pedagógico da escola.

Importante dizer que, a politica, como mecanismo de relações societárias

materializada na chamada luta de classes existe, justamente, por ser a sociedade

desigual. A possibilidade, ainda utópica, de uma sociedade estruturalmente igualitária,

tiraria potencialmente a necessidade de se “fazer política”.

A ACIEPE contou com 25 pessoas, entre estudantes dos cursos de Geografia e

Pedagogia, professores/as das redes públicas (estadual e municipal de Sorocaba e

cidades do entorno) e da rede privada de Sorocaba. Partimos da premissa de

centralidade – e não marginalidade − do conceito de política para discutir e

problematizar a formação docente fosse ela inicial ou continuada.

Os quinze encontros que tivemos ocorreram semanalmente, cumprindo-se um

total de 60 horas, sendo organizados a partir de três eixos, quais sejam: uma análise

estrutural da sociedade (no que diz respeito ao conceito de Estado, Poder e Política);

uma reflexão sobre o conceito de cultura e como ele se apresenta na realidade escolar

(cultura escolar) e, por fim, uma reflexão sobre as chamadas “opressões” com textos

que discutiram temas vinculados às questões de gênero e ao preconceito racial.

Utilizamos, ao longo do curso, o método de narrativas como meio de formação.

Assim, após alguns encontros organizados a partir de textos previamente selecionados,

foram entregues narrativas individuais tendo como mote um tema de escolha

relacionado à formação política. Nas palavras da professora Lucia Lombardi 2:

Escolhemos usar as narrativas como instrumental educativo em nosso

curso partindo do pressuposto de que trabalhar com elas pode nos

ajudar a sair da inércia e do silenciamento, contribuir para o debate, as

trocas e a reflexão, desconstruir nossas experiências docentes e, quem

sabe, provocar mudanças na forma como compreendemos a nós

próprios, aos outros e aos fatos.

Foram produzidas duas narrativas, uma no início do curso e outra no final. Na

primeira narrativa os temas desenvolvidos pelas pessoas participantes foram mais

próximos da prática docente cotidiana tais como, condições de trabalho, gestão

2 Informação Pessoal. Mensagem enviada pela Profª. Lucia Maria Salgado dos Santos

Lombardi por e-mail em 28 de Outubro de 2015.

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democrática, avaliação, problemas de aprendizagem dos/as alunos/as entre outros. Na

segunda, percebemos maior problematização das questões da prática docente,

percepções e reflexões mais profundas, bem como avaliações sobre a proposta de se

criar um espaço de formação política, como demostra o quadro a seguir:

Quadro 2 - Análise das segundas narrativas da ACIEPE

Categoria Quantidade de

citações

Contribuiu para sua formação docente 14

Resultou em mudanças e ações práticas na vida profissional 5

Problematização sobre gestão escolar 2

Compreensão mais ampliada sobre a profissão docente/consciência política 5

Menção à ACIEPE como espaço de integração/debate/ combate ao isolamento/troca

de experiências sobre variados temas da profissão docente

10

Autoconhecimento e reflexão sobre identidade profissional 2

Fonte: LOMBARDI, Lucia e SOARES, Marcos. ACIEPE. Formação política de professores

como elemento da formação pedagógica e profissional. UFSCar-Sorocaba. Proex. 2015.

Chamou atenção a possibilidade do curso ter produzido uma “mudança prática

de ações na vida profissional” de algumas pessoas. Este elemento nos faz pensar sobre a

necessidade e a pertinência do aspecto político na formação docente, que tem sua

importância não apenas num aspecto conjuntural da vida societária no Brasil, mas

estruturalmente também, na medida em que as formas de poder se estabelecem em todos

os “poros” dessas relações sociais.

A NECESSIDADE DA FORMAÇÃO POLÍTICA DOS/AS PROFESSORES/AS

O Brasil vive uma situação política conjuntural muito particular desde que as

grandes manifestações tomaram as cidades do país em junho de 2013. Entre as

características presentes nessas manifestações (e em outras que vieram posteriormente)

vimos a presença massiva de jovens, a crítica às instituições burguesas (seja do poder

público, privado) às instituições dos trabalhadores, partidos políticos e a ausência de

uma pauta única de reivindicação.

Das pautas publicizadas a partir de 2013, muitas se vincularam ao que

chamamos de bandeiras da esquerda, enquanto outras se vincularam às ideias da direita.

Nesse sentido ALVES (2012) apresenta algumas características que esse

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movimento demonstrou, entre elas uma complexa diversidade social, um certo caráter

pacífico nas manifestações, intensa utilização das redes sociais para a comunicação e a

defesa radical da democracia. Para esse autor, esses movimentos do início de século

XXI indicam uma crise:

A crise do nosso tempo histórico é também, e principalmente, a crise

política dos partidos da ordem burguesa, partidos conservadores-liberais

e social-democratas ou socialistas que, nas últimas décadas,

constituíram uma rede de interesses promíscuos com a grande finança

especulativo-parasitária, iludindo, o tempo todo, seus eleitores incautos.

(ALVES, 2012, p. 35)

Nesse sentido, a formação política de professores/as aqui proposta, tem duas

vertentes importantes, uma estrutural, por conta da desigualdade social e da necessidade

de uma instrumentação teórica e prática dos/as trabalhadores/as, para atuarem na luta de

classes, e uma segunda, conjuntural, em função do momento que vivemos no Brasil e no

mundo, onde muitos “paradigmas” políticos têm sido questionados através de lutas

diretas.

Do ponto de vista estrutural as tais “pautas conservadores” sempre estiveram

presentes visto que são um dos sustentáculos do Estado burguês, mas, na luta de classes,

precisam “dialogar” (embora a maioria das vezes o que ocorre é sua imposição) com

pautas mais progressistas.

Foi o que ocorreu, em grande medida com as políticas sociais e em educação no

Brasil após o período da ditadura militar (1964-1985) com o processo de

redemocratização e uma nova constituição votada em 1988. Essa legislação dialogou,

ainda que timidamente, com algumas reivindicações que estavam no campo dos/as

trabalhadores/as. Para o sociólogo Florestan Fernandes (1989) mesmo a constituição

federal dando um “status legal à luta de classes” (FERNANDES, 1989, p. 28) esta (a

luta de classes) não poderia ser abandonada.

Nos últimos 14 anos o Brasil viveu sob o signo de um poder de Estado que

produziu muitas confusões políticas. Com a subida do Partido dos Trabalhadores (PT)

ao comando do Estado, numa composição com a burguesia brasileira, suas pautas

bastante calcadas na luta direta, na organização dos/as trabalhadores/as do campo e da

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cidade, dos movimentos sociais, estudantes e oprimidos, foram sendo “negociadas e

flexibilizadas”.

A política de conciliação de classes dos mandatos petistas provocou um recuo na

organização da luta de muitas entidades representativas como a CUT, o MST e a UNE

que, aliada a uma política econômica de valorização do capital financeiro e do consumo

através do rentismo, fez o país viver um recuo da luta de classes.

A crise estrutural do capitalismo que chegou ao Brasil foi o estopim para os

setores da direita clássica proporem as pautas conservadoras que emergiram com força.

As jornadas de junho de 2013 foram de certa forma, o estopim de setores (pela

esquerda ou pela direita) descontentes com a condução do Estado brasileiro pelo PT.

Assim, por exemplo, no campo da educação surgiu a proposta de lei da “Escola

sem Partido”, que visa punir os/as professores/as que fizerem um “assédio ideológico” à

seus estudantes.

Essa proposta é a antítese, por exemplo, do que significaram as ocupações de

mais de 200 escolas públicas no estado de São Paulo em 2015 contra uma proposta de

reorganização da rede, de forma unilateral e autoritária, por parte do governo do PSDB.

As ocupações significaram a defesa da escola pública, laica, para todos e todas e a

defesa também do diálogo.

A proposta da “Escola sem Partido” ao contrário, significa o retrocesso, a falta

de diálogo e o silêncio. Muitos dos que defendem essa proposta, o fazem “denunciando”

a “doutrinação marxista” e “culpabilizando” educadores como Paulo Freire por ela.

Partem de uma falsa premissa de que o que eles propõem não é “ideologia” e de um

patamar metodológico muito questionável, que é o positivismo. Não querem o diálogo,

justamente porque “não é no silêncio que os homens se fazem, mas nas palavras, no

trabalho, na ação-reflexão” (FREIRE, 2014, p. 108).

Trata-se de uma proposta de “classe” (da burguesia) para os/as alunos/as, filhos

e filhas da classe trabalhadora.

No final do século XIX o geógrafo russo Piotr Kropotkin defendia, por exemplo,

que a Geografia deveria perseguir um triplo objetivo, “despertar nas crianças o gosto

pela ciências naturais, ensiná-las que todos os homens são irmãos, seja qual for sua

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nacionalidade e respeitar as “raças inferiores3” (KROPOTKIN, 2014, p. 42, grifo do

autor).

Ainda assim, sempre podemos nos reportar à dialética para melhor compreender

esses movimentos contraditórios da história. Calcados na luta de classes e na defesa da

escola pública, podemos desconstruí-los.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A formação política de professores/as ganha, no entendimento em que as

experiências com a Prática de Ensino em Geografia e as atividades de extensão na

UFSCar campus Sorocaba, uma centralidade estrutural e conjuntural muito importante.

Essa formação precisa ser mais e melhor aprofundada nas licenciaturas para que

possa se materializar na formação inicial e no fazer docente dos/as futuros/as

professores/as das escolas de educação básica, e com isso, contribuir para fazer da

escola um espaço formativo, democrático, público, coletivo e acolhedor das diferenças e

possibilitando com que os/as alunos/as aprendam e apreendam o saber construído pela

humanidade, o que se configura num direito à aprendizagem, fazendo surgir assim o ser

humano educado.

O não diálogo e o silêncio, nesse sentido, servem ao poder e ao lado da luta de

classes que quer impor suas pautas a quem, por constituição histórica, não deveria

recebê-las.

REFERÊNCIAS

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David; SADER, Emir; SAFATLE, Vladimir. et alli. Occupy, movimentos de protesto

que tomaram as ruas. São Paulo: Boitempo, 2012.

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Paulo: Brasiliense, 1989.

MANACORDA, Mario Alighiero. Marx e a pedagogia moderna. São Paulo: Cortez,

1986.

3 Kropotkin faz referência à forma como o imperialismo europeu se referia aos povos, sobretudo da

África e Ásia.

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FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e terra, 2014.

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OLIVEIRA, Lilian Haffner da Rocha. A teoria do valor em Marx e a organização do

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UFSCar/Sorocaba. ENCONTRO NACIONAL DE ENSINO DE GEOGRAFIA: (qual)

é o fim do ensino de Geografia? 08, 2015, Catalão/GO, outubro de 2015.

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