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1 Fundação Getulio Vargas Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV DIREITO RIO) Projeto: História do CEPED Entrevistado: Carlos Leoni Local: Rio de Janeiro/RJ Entrevistadores: Gabriel Lacerda, Camila Duarte e Tânia Abrão Rangel Transcrição: Joana Medrado Data da transcrição: término: 13 de março de 1010 Entrevista: 15.10.2009 T.R. – Rio de Janeiro, 15 de outubro de 2009. O grupo de pesquisa sobre a história do CEPED formado pelo professor Gabriel Lacerda, Camila Duarte e eu, Tânia Rangel, vamos entrevistar o Dr. Carlos Leoni.

Fundação Getulio Vargas Entrevistado: Carlos Leoni · C.L. – Carlos Leoni Siqueira, 71 anos, formei na PUC em 60. Comecei a lecionar primeiro na Cândido Mendes, como professor

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Fundação Getulio Vargas

Escola de Direito do Rio de Janeiro (FGV DIREITO RIO)

Projeto: História do CEPED

Entrevistado: Carlos Leoni

Local: Rio de Janeiro/RJ

Entrevistadores: Gabriel Lacerda, Camila Duarte e Tânia Abrão Rangel

Transcrição: Joana Medrado

Data da transcrição: término: 13 de março de 1010

Entrevista: 15.10.2009

T.R. – Rio de Janeiro, 15 de outubro de 2009. O grupo de pesquisa sobre

a história do CEPED formado pelo professor Gabriel Lacerda, Camila

Duarte e eu, Tânia Rangel, vamos entrevistar o Dr. Carlos Leoni.

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T.R – Dr. Leoni, a gente gostaria que primeiro o senhor começasse se

identificando, dizendo o nome, idade, participação no projeto, a sua

posição atual, que contasse um pouco da sua história.

C.L. – Carlos Leoni Siqueira, 71 anos, formei na PUC em 60. Comecei a

lecionar primeiro na Cândido Mendes, como professor de Direito

Comercial, depois virei assistente do Lamy, ainda na PUC, ainda na

década de 60 e antes de começar o CEPED. Em 66... hoje eu sou

advogado, tenho um escritório que tem o meu nome, Leoni de Siqueira

Advogados. Em 66, eu era assistente do Lamy, estava dando aula por ele

inclusive na PUC, quando ele me chamou para fazer parte do grupo que

acabou constituindo o CEPED. O que é que era o CEPED? Era um centro

autônomo, criado na Universidade do Estado do Rio de Janeiro, do qual

o professor Caio Tácito era o reitor. Era também professor catedrático

de Direito Administrativo. Naquela ocasião, um dos requisitos para a

constituição do CEPED era que ele fosse basicamente constituido mais

por professores catedráticos da própria Universidade do Estado do que

professores de fora. E, o grupo inicial consistia no próprio Caio Tácito,

no professor Arnold Wald, que era catedrático de Direito Civil e foi

responsável por um dos temas no início. E pelo professor Almílcar

Falcão, que era o catedrático de Direito, naquela época se chamava

Direito Financeiro, era o correspondente de Direito Tributário hoje. E, a

esse grupo, se somava o professor Lamy. Cada um deles tinha uma

matéria sob sua responsabilidade: o Caio Tácito era a intervenção do

Estado no domínio econômico e o Direito Administrativo ligado ao

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Direito Empresarial. Quer dizer, era a pessoa que tentaria dizer como é

que o Estado intervinha no processo empresarial, como é que ele fazia

para criar... era o início do processo de intervenção econômica no

Estado, no domínio econômico através em um órgão tipo o CADE etc.. O

professor Wald estava dando pequena e média empresa. O professor

Almílcar Falcão ia dar a parte de Direito Tributário; e o professor Lamy

ia dar a parte de grande empresa. E, na verdade, o que se propôs o

CEPED a fazer foi uma conjugação de dois objetivos: primeiro objetivo

era estudar mudanças no ensino do Direito, para se partir do método

dedutivo para o método indutivo, método socrático que já era adotado

nas universidades americanas. Tentar ver se era possível conciliar o

processo do ensino do Direito de dedução da matéria meramente

expositiva pelo professor etc., por um método mais participativo que

obrigasse os alunos a estudar o material antes, a ler sobre a matéria que

ia ser dada antes, e aos alunos serem apresentados casos que

permitissem a discussão e a construção da teoria que estava por traz da

solução daqueles casos, e aí então, a verificação se essa solução se

aplicaria a outros casos semelhantes, com que variações etc., para testar

a validade daquela teoria. Então, era uma mudança, uma tentativa de

mudança, em curso de pós-graduação à nivel de didática de Direito. Mas,

evidentemente, era preciso escolher um tema para isso, e esse tema veio

fundamentalmente proposto pelo Lamy. O quê era esse tema? Era a

grande empresa. Em quê consistia esse tema? Basicamente, no exame

do que estava acontecendo no mundo em relação às empresas, que

estavam se tornando públicas, isto é, empresas de capital aberto, em

que a gestão se separava da propriedade. E, esta grande empresa

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conseguia então abundantes capitais, acesso a mercado de capitais de

uma forma completamente diferenciada, não estava mais limitada pelos

capitais, pelos recursos do controlador, então ela tinha condições de

buscar os recursos necessários para investir maciçamente, para investir

em tecnologia, em research and development. Então, essa grande

empresa que também separava - porque não havia mais propriedade

identificada - ela separava a gestão do processo de propriedade que era

implícito, quer dizer, até então toda vez que a gente fala propriedade a

gente pensa no dono gerindo a sua coisa, dizendo: eu vou usar, não vou

usar, vou fruir, não vou fruir, o que é que eu vou fazer com aquilo. A

empresa começou a se separar disso. E, evidentemente, esse era um

tema muito moderno na época, em 64, com ainda análises de benefícios

e malefícios que essa separação da gestão e da propriedade tinha. Por

exemplo, quando você separava a propriedade, você desvinculava o

dono, que estava vivendo na comunidade, e a empresa da própria

comunidade. Como é que ela voltava a conviver com a comunidade para

preservar os interesses da comunidade, para se colocar ali dentro, etc. E

aí, você tinha toda uma série de colocações, inclusive quanto ao destino

do lucro dessas empresas que evidentemente tinha que remunerar o

capital – eu estou falando do lucro, portanto depois das despesas – mas

se a gente imaginar em valor acrescido pela atividade da empresa,

gerado pela empresa, você ia pagar fornecedores, ia pagar o seu próprio

pessoal, mas principalmente você ia pagar a gestão que era um

pagamento especial porque você tinha que alinhar o interesse da gestão

com o interesse do acionista e esse alinhamento só era possível através

de você atribuir algumas coisas ao gestor, principalmente participação

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em lucros e mais tarde participação nas ações, as stock options, as

opções para compras de ações, por um valor menor, um valor da época

em que ele entrava mas exercido mais adiante quando ele já tinha

contribuído para valorizar aquelas ações, etc., então você alinhava esses

interesses. Então o que o Lamy propunha é que o curso fosse um curso

para advogados de empresas principalmente voltado para essa

perspectiva de que a empresa iria evoluir também no Brasil um dia para

a grande empresa aberta. E ele dizia que isso não era possível ser feito

sem que o advogado tivesse também conhecimento em termos micros

de contabilidade e micro-economia e em termos macros de macro-

economia. E foi assim que o CEPED acabou fazendo dois convênios

extremamente importantes naquela mesma ocasião para o seu

lançamento, que foi um convênio com a Fundação Getúlio Vargas, com a

Escola de Pós-Gradução da Fundação de Economia da Fundação Getúlio

Vargas, que era dirigida pelo nosso amigo Mario Henrique Simonsen e

que se predispôs a fornecer os professores para contabilidade, micro-

economia, macro-economia, finanças, etc. E, também, com a Fundação

Ford, porque a idéia era se nós íamos tentar trazer para cá o método

mais participativo que existia nos Estados Unidos, era importante que

nós pudéssemos ter um processo de comunicação mais amplo, mais

interativo com as universidades americanas, e a Fundação Ford se

dispunha a fornecer recursos que permitissem alocar professores

americanos ao programa, de maneira que eles fossem consultados, eles

ajudassem a formular...

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T.R – Como se eles fizessem parte de um conselho consultivo, não?

C.L. – Não, não era um conselho não, não tinha um conselho, não havia

muitas reuniões, isso daí era realmente uma discussão permanente: está

dando certo? Não está dando certo? O que é que está faltando para dar

certo? etc. E depois essas universidades pudessem receber os alunos

com bolsas de estudos que eram dados pela Fundação Ford. Então isso

daí foi o conjunto que foi armado. A idéia era: vamos mudar a maneira

de ensinar o Direito, vamos fazer isso através de um curso que forme

advogados com boa formação sobre como é que vai evoluir o mundo

empresarial, para onde ele está indo. Nós não sabemos quando ele vai

chegar lá no Brasil, já chegou, mas enfim, não sabemos quando é que ele

vai chegar – nós estávamos na década de 60, ano de 66 – mas nós

queremos preparar os advogados para isso. Mas, ao mesmo tempo, nós

queremos fazer com que esse advogado tenha essa formação

especializada em Direito mas não é só Direito, nós queremos abrir a

cabeça dele para entender o fênomeno da empresa em si que é maior do

que o fenômeno do dono da empresa, ou do seu controlador, ou dos

seus gestores, porque é uma comunidade de interesses e que você tem

que preservar e que tem que mantê-la dentro da comunidade, ajustada

àquela comunidade, não pode ter um conflito permanente com a

comunidade onde ela está inserida. Ela tem que pagar um preço social

que são os tributos para que ela possa se colocar dentro da sociedade

organizada. Então tudo isso era para você mostrar ao advogado, quer

dizer, realmente formar advogados de altíssimo nível. E com uma visão

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mais ampla do que a de um simples advogado que tivesse conhecimento

de Direito. Havia matérias fora do Direito, mais ligadas à economia e

enfim, instrumentos acessórios como contabilidade, para permitir ao

advogado se colocar bem nas questões empresariais. Esse curso

pretendia ser um curso de pós-graduação formando esses advogados,

havia um mercado crescente, demandante de advogados para empresas,

seja em termos dos escritórios que estavam começando a se especializar

nisso no Brasil, seja em termos de empresas mesmo, e sejam em termos

de entidades do governo que estavam também precisando entender o

processo, ajustar-se a esse processo. Nós estávamos em 66, os

convênios foram firmados. Quando chegou, eu não sei mais se foi no

final de 66 ou em janeiro de 67, mas aí em 66 um grupo grande que

incluía assistentes do Wald, assistentes do Lamy, assistentes do... o

Venâncio como assistente do Caio Tácito e que também era o Secretário

Executivo do CEPED naquela ocasião, nós fizemos visitas a

universidades americanas no segundo semestre de 66. E aí

percorremos, assistimos algumas aulas, algumas aulas extraordinárias,

outras nem tanto mas fomos criando um conceito comum que nos

permitia discutir como fazer, nos programamos para produzir material

de leitura obrigatória para os alunos. Exigimos que os alunos tivessem

tempo integral à disposição do curso – nunca foi 100% cumprido isso,

mas a verdade é que os alunos dispunham de um tempo muito grande

para aquilo. Eram advogados já formados em que seus próprios

escritórios, as suas empresas pagavam para que ele realmente

disponibilizasse tempo para leitura que era muito grande. Nós

distribuíamos um negócio assim, um catatáu de uns quatro dedos de

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material, três dedos de material por aula, quase distribuíamos duas

semanas antes da aula, quer dizer, eles tinham que ler.

G.L. – Você ainda teria alguns desses materiais? Você acharia para nós

Leoni?

C.L. – Ah, está em arquivo morto e não está comigo, quer dizer está em

um desses arquivos, comigo eu não tenho.

G.L. – Seu você não tem não?

C.L. - Não comigo eu não tenho. Eu tenho comigo mas em um desses

arquivos mortos. Eu tenho que ver onde é que está e ver se eu consigo.

Mas eu me lembro que para cada hora de aula que eu dava, no início, eu

gastava onze horas de aula de preparo.

T.R. – Nossa! Para cada uma...

C.L. – Para cada hora de aula. Nós não acabávamos em menos do que

duas, eram duas horas compactadas no mínimo por semana, às vezes

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eram quatro horas porque eram dois dias. Você vê a quantidade de

tempo que era perdido para se poder fazer isso. Mas eu estava dizendo,

aí chegou em novembro, enfim, em dezembro ou janeiro, eu não me

lembro mais dezembro de 66 ou janeiro de 67, e o Almílcar Falcão teve

em um único dia cinco infartos e morreu. Foi um horror. E aí criou-se

um vácuo no problema de matéria de Direito Tributário que foi quando

o pessoal resolveu me fazer um convite para eu assumir o lugar do

Almílcar Falcão e ser responsável pela matéria de Direito Tributário e

que você [Gabriel] veio como meu assistente, eu pedi a você para vir

trabalhar comigo etc., Gabriel ajudou muito nesse processo

T.R. – Só para registrar o “você” é o Gabriel.

C.L. – É, o Gabriel. E aí, eu assumi a parte de Direito Tributário. O foco

em Direito Tributário foi o imposto. O foco principal, porque sempre

havia, em cada matéria, havia um foco principal, por exemplo o Lamy

era grande empresa. Então você tinha a S/A como um instrumento

formal da grande empresa e você estudava a S/A. Mas, independente

disso você tinha seminários dados por outros professores que eram

assistentes do Lamy e para todos os efeitos, em mercado de capitais,

registros no Banco Central, tinham vários seminários que você fazia que

complementavam a informação necessária ao bom advogado. Em

Direito Tributário também. Nós tínhamos um foco que era o imposto de

renda da pessoa jurídica. Porque o que se discutia era se o lucro era uma

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categoria autônoma de tributação, não era uma categoria autônoma de

tributação, como é que você fazia aquela apuração de lucro, o que é que

acontecia. Não havia Lalur naquela época, o Lalur é uma invenção

subsequente para separar o resultado societário do resultado fiscal.

Então tudo isso...

T.R. – Na época também não tinha o lucro real e o presumido na

legislação tributária não é? Já tinha?

C.L. – Tinha, tinha, já tinha. Mas de qualquer maneira, quer dizer, você

tinha isso como foco, mas você discutia tributação dos próprios

resultados já auferidos, as tributações de pessoas físicas, outros

impostos que a empresa podia dever nas suas diversas operações, etc.

Então não era só isso. Mas a matéria principal que era de minha

responsabilidade era o imposto de renda da pessoa jurídica. Isso

independentemente de eu ter dado sempre algumas aulas dentro da

área de comercial a pedido do próprio Lamy porque eu nunca deixei de

ser o assistente dele em algumas coisas. Mas aí o Lobo foi quem assumiu

a função mais importante de assitente mais direto dele. Então eu assumi

a parte de Direito Tributário. Nós demos um curso, o primeiro curso em

67, depois disso o Wald saiu, por que é que o Wald saiu? Quer dizer,

porque o tema pequena e média empresa, que era muito importante do

ponto de vista estrutural econômico brasileiro, onde a pequena e média

empresa ainda representam emprego, ainda representam uma

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produção de riqueza importante, etc., mas ele para a formação do

advogado que se dispunha a estar em tempo integral lá naquele curso

era de menor importancia e o Wald começou a sentir isso. O Wald que é

um advogado excepcional, um professor excepcional, ele começou a

sentir que aquele tema não era um tema do agrado ou do desejo dos

alunos. Eu não sei se não foi no segundo ano, ou no terceiro ano, esse

tema acabou, desapareceu e ele desistiu de dar aula a esse respeito lá no

CEPED. Bom, o CEPED ainda cumpriu uma tarefa importante nessa

preparação do advogado para o mercado de trabalho, a tal ponto que

nos anúncios mais para o fim do CEPED nos últimos anos – porque o

CEPED deu sete cursos não foi? Se eu não me engano foram sete cursos,

67, 68, 69, 70, 71, 72, 73, foram sete cursos para advogado de empresa –

nos últimos cinco anos, quatro anos, cinco anos, era muito comum você

ver recrutamento de advogado, normalmente feito por jornal – naquela

época ainda não se fazia por agência de recursos humanos, você fazia

isso através de, não era head hunter, mas você fazia através de jornal – e

se dizia assim no final do anúncio: dá-se preferencia a quem tem o curso

do CEPED. Isso levou inclusive a faculdade, a universidade do Largo de

São Francisco, a Faculdade de Direito do Largo de São Francisco da

Universidade de São Paulo, a vir ao Rio assistir uma aula, por acaso

assistiram uma aula do Gabriel, foram assistir uma aula do Gabriel. Os

catedráticos, os principais catedráticos que queriam instituir em São

Paulo também um curso de advogado de empresa – ele foi instituido só

depois do CEPED. Eles vieram para assistir uma aula e discutir o

método, discutir o que nós estávamos fazendo etc. e tal e depois eles

instituíram um curso deles, mas eles nunca adotaram um método

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socrático que nós tínhamos adotado. Então houve sempre essa

diferenciação muito grande entre o que nós estávamos fazendo e o que

São Paulo tentou fazer em seguida.

T.R. – Tiveram algumas outras pessoas interessadas, ou seja, aqui no

próprio Rio de Janeiro pessoas que queriam conhecer, saber como é que

é ou de outras regiões do país?

C.L. – Não me lembro. Houve muita gente interessada que se comunicou

muito, quem acompanhou mais isso de perto foi o Venâncio, depois

quando o Venâncio saiu da Secretaria Executiva foi o Vivaldo Barbosa,

mas o Vivaldo era um sujeito mais fraco, então o Vivaldo não foi um

sujeito que coordenou muito isso. Mas o Venâncio é capaz de lhe dar

essa resposta com mais precisão, eu não tenho mais esse dados. Quando

chegou em 73 nós resolvemos dar o último curso. A idéia é que nós já

tinhamos formado um grupo bom de advogados, nós tínhamos mandado

muita gente com bolsa de estudo para o exterior, muita gente que viveu

a experiência socrática lá fora, que estava voltando, que já podia ser

professor nas Universidades no nível de graduação sem nenhum

problema e que poderiam introduzir aquele método ali. E aí em 73 nós

fizemos duas coisas importantes. Nós usamos a experiência do CEPED

para propor uma modificação no currículo do ensino do Direito, que foi

quando se introduziu o crédito semestral, as matérias voluntárias, as

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matérias obrigatórias, a especialização, etc., veio dessa experiência do

CEPED relatada ao Ministério e aí acabaram transformando em lei, etc.

G.L. – Tem algum registro escrito desse relato que você se lembra?

C.L. – O Caio Tácito tinha, se alguém mais tem eu não sei.

G.L. – Talvez a gentre encontre na UERJ.

C.L. – Na UERJ talvez você encontre

G.L. – Eu não tinha... para mim esse é um fato novo mas é relevantíssimo.

C.L. – É. Toda a mudança do currículo, da maneira de você aprovar o

aluno nós começamos a discutir se você precisava realmente de cinco

anos, se você podia formar o aluno com quatro anos ou com quatro anos

e meio, ou até deixar ele se formar com seis anos desde que ele tivesse a

base suficiente. E aí vieram as matérias voluntárias com os créditos, etc.

Isso foi uma das coisas que decorreu do CEPED nesse período.

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T.R. – Mas, só para esclarecer, nesse período significava o que? Ou seja...

C.L. – 73. Foi em 73 que nós começamos a discutir isso e fizemos uma

proposta.

T.R. – É. Essa proposta foi feita pelos professores que então

participavam do CEPED?

C.L. – É na verdade eu não tenho mais o detalhe. Isso daí tem trinta anos,

não é?

T.R. – Isso daí feito ao Ministério da Educação.

C.L. – Trinta e poucos anos não é? Isso foi feito, eu acho que foi feito

através do Caio Tácito, através da UERJ, mas eu não me lembro mais.

Mas eu me lembro que nós chegamos a discutir critérios e coisas desse

tipo. Isso foi levado...

T.R. – E quem participava da discussão, o senhor lembra? O senhor, o

Caio Tácito...

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C.L. – Ah, os professores todos ali, quer dizer era o Lamy, era o Caio, eu,

enfim, o Venâncio...

G.L. – O Venâncio já não era mais o Executivo?

C.L. – Não, mas o Venâncio era assistente do Caio e muito presente em

muitas coisas. Eu acho que foi isso, quer dizer, não sei se o Lamy terá

uma lembrança mais concreta disso, mas o Lamy e o Caio com certeza

participaram muito diretamente.

G.L. – Esse é um ponto extremamente relevante e que a pesquisa vai

descobrindo essas coisas. O que se estava falando por exemplo, não caiu

muito a ficha na minha cabeça, vamos procurar na UERJ, pode encontrar

isso.

C.L. E a outra coisa... É, tem que aonde é que você consegue encontrar

isso. Eu não tenho idéia.

T.R. – É, talvez no Conselho de Educação que é onde eles começam a

discutir essa reforma. Se eles tiverem a ata disso...

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C.L. – Possivelmente sim. Aliás o Caio, se eu não me engano, foi membro

do Conselho.

T.R. – É, é, como reitor da UERJ é muito provável que ele tenha sido

membro mesmo.

C.L. – Bom, de qualquer maneira esse foi um ponto importante que nós

decidimos que nós vamos tentar fazer a mudança – conseguimos fazer –

e a segunda foi: vamos acabar com o curso porque não precisa mais a

gente repetir. Está muito repetitivo agora. Essa época já para cada hora

de aula dada eu gastava só quatro horas para atualizar o material. Não

mais do que quatro horas, muito mais razoável do que onze horas, não

é? Mas era muito difícil e era muito penoso. E o que é que acontecia é

que todos nós estávamos muito ocupados no exercício da profissão. Nós

não éramos professores, como professores em tempo integral, e isso

tonava extremamente penoso você gastar tanto tempo em preparo de

aula, não é? E aí em 73 nós fizemos duas coisas importantes. Nós

usamos a experiência do CEPED para propor uma modificação no

currículo do ensino do Direito, que foi quando se introduziu o crédito

semestral, as matérias voluntárias, as matérias obrigatórias, a

especialização, etc., veio dessa experiência do CEPED relatada ao

Ministério e aí acabaram transformando em lei, etc. Bom, a segunda

coisa que nós fizemos foi dizer: bom, nós vamos encerrar o curso, mas

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nós gostaríamos de transpor isso para a faculdade. Quer dizer, o método

de dar aula, obrigar os alunos a lerem livros antes de irem para a aula,

na aula só discutir casos, etc. E aí foi um fracasso total. Porque ninguém

lia. O aluno não se sentia obrigado a ler. Então para chegar...

T.R. – Mas aí para qual Universidade vocês tentaram fazer isso?

C.L. – Bom, cada um foi para a sua.

T.R. – Ah, tá.

C.L. – Eu dava aula na PUC fui dar aula na PUC, o Lamy dava aula na PUC

foi dar aula na PUC, o Caio dava aula na UERJ, foi dar aula na UERJ, e

assim por diante. E aí eu e o Lamy pelo menos tivemos uma enorme

decepção porque a turma que eu assumi eu pedia para ler material, dava

com quinze dias de antecedencia o material que ia ser dicutido na aula

tal, quinze dias na outra aula, e marcava as páginas dos livros, três,

quatro livros no máximo que era para o sujeito poder se focar, etc., e

ninguém lia. Ninguém, ponto. Não havia uma pessoa que tivesse lido.

Nem um CDF que quisesse ler.

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G.L. - Isso quando em que época você está falando?

C.L. – 74, 75.

G.L. – Quer dizer, isso aí foi depois também do...

T.R. – Que vocês já voltaram, depois do fim do CEPED.

C.L. - Um pouco antes que vocês começaram a assumir o processo.

Porque aí nós cansamos. Nós tentamos. Vocês começaram a assumir o

processo na PUC, por exemplo, em ...

G.L. – Em 70.

C.L. – Em 75, 76.

G.L. – Não, não, 70.

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C.L. – Não em 70 vocês começaram a...

G.L. – O Joaquim foi diretor da PUC em 70.

C.L. – É, então, o Joaquim era diretor da PUC, mas não se conseguiu

transpor o programa. Ninguém lia, ninguém lia. Aí eu desisti de dar aula,

o Lamy desistiu de dar aula. E o que é que aconteceu? A PUC por acaso

ainda me fez um convite porque ela dava doutorado. Então, naquela

época não havia nem mestrado nem doutorado no Brasil, os professores

que tinham dado CEPED estavam considerados aptos e qualificados a

darem inclusive o doutorado. Então eu dei Direito Privado em

doutorado para cinco mestres de Direito. E eu fiquei horrorizado no

primeiro dia de aula porque cinco mestres de Direito fazendo Direito

Privado, se especializando em Direito Privado. A esses cinco mestres eu

perguntei: vocês pode me dar uma noção – aula dialogada, eu estava

querendo pelo menos a nível de doutorado poder dialogar com os

mestres do Direito. Foi um desastre. Porque a primeira pergunta óbvia,

se você definir no Código Civil pessoa como aquele que é capaz de ser

titular de patrimônio, era óbvio que você queria saber se os mestres

conheciam o conceito de patrimônio! Não precisava ser muito preciso

mas, o problema da indivisibilidade, o problema da universalidade,

como é que você quebra as regras para poder chegar a limitar

responsabilidade, o que é que você fez, como é que você fez, quais foram

os truques, o que é que... cada uma das coisas que foram montadas para

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pode quebrar as normas do passado e ao mesmo tempo manter o

sistema íntegro. Não tinha um dos cinco mestres, mas nem um que

soubesse nada sobre conceito de patrimônio.

T.R. – Nossa senhora.

G.L. - Leoni, dentro dessa coisa...

C.L. – Em 75.

G.L. – Em uma primeira pergunta você respondeu quase todas de dentro

do nosso roteiro, mas eu gosto de seguir também aquela pauta aqui, e

uma coisa que você tem que é importante também, você já falou da

idéias básicas do programa, mas isso que você está dizendo tem a ver

especificamente com uma das perguntas de nosso roteiro. Até que ponto

as idéias do CEPED representavam uma novidade no meio jurídico

brasileiro e de que forma essa cultura jurídica influenciou? E se houve

alguma resistência – eu estou querendo achar o texto exato aqui, mas de

qualquer jeito – essa experiência toda produziu algum tipo de

resistência?

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C.L. – Várias resitências e várias modificações. Se vocês pegarem o Chico

Dornelles - Chico Dornelles foi meu assistente também - e ele viveu uma

experiência muito rica no CEPED. Vale a pena entrevistar o Chico

Dornelles.

G.L. – Ah, está na lista. Você sabe onde a gente acha? Mas a gente vai

achar fácil ele.

C.L. – Eu tenho o celular, .

G.L. – Esse é do Rio.

C.L. – Rio. O telefone de casa dele aqui no Rio é.. Francisco Dornelles eu

estou mencionando por outra razão. O Dornelles diz que o CEPED criou

uma geração de advogados totalmente diferente. Deu origem a uma

geração de advogados completamente diferente daqueles que vinham

tradicionais do Direito, Direito Comercial, etc. O CEPED iniciou essa

geração de advogados empresariais com uma visão empresarial, etc.,

etc. Foi o responsável por uma mudança de atitude de inteligência, de

compreensão, de análise, de vinculação, etc. Então era bom ouvir,

porque ele vai dar a vocês uma idéia mais concreta disso não sendo tão

supeito porque ele já entrou o programa já tinha começado, ele veio

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para ser assistente logo que ele voltou dos Estados Unidos. E as

resitências maiores, por incrível que pareça, começaram em São Paulo.

São Paulo entendia que o curso do CEPED não estava dando certo. Eles

assistiram a aula do Gabriel, falaram mal da aula depois, fizeram o

diabo, criticaram como o diabo, sem nenhuma razão. Porque o que o

Gabriel fez na aula foi lançar dúvidas e não tirar respostas definitivas de

nada e dizer: vocês precisam aprender a pensar. Porque a idéia

fundamental do CEPED era o advogado tem de pensar. Eu vou contar

como é que era o exame no fim do curso, quer dizer, nos primeiros anos

nós não fizemos, mas depois nós fizemos exames: você entrava às oito

horas da manha, os fatos que iam ser objeto da prova eram conhecidos

duas, três semanas antes, você podia estudar em cima deles, quais

questões poderiam cair em cima daqueles fatos. Todos os fatos estavam

ali, não podia haver uma inovação sobre os fatos. Você entrava as oito

horas da manhã e recebia as questões. Podia levar os livros que

quisesse. Podia sair da sala, podia conversar, não na sala porque

atrapalhava os outros, mas podia sair um grupo para conversar e

trabalhar fora. Podia telefonar para quem você quisesse. Podia sair do

prédio, voltar depois, não tinha problema nenhum. Porque é a vida do

advogado. A vida de um advogado não é fazendo um examezinho ali e

preenchendo... é dizer: gente, quem é que já teve um caso semelhante a

esse? Fulano. Fulano, você se lembra daquele caso que você me contou

uma vez, tal, como é que você tratou aquilo?, você tratou desse jeito ou

daquele jeito, qual foi a decisão? Houve ação em juízo, não houve, houve

acordo, não houve, como é que foi?. Quer dizer você podia pesquisar tudo

que estava acontecendo no mundo jurídico e a prova acabava seis horas

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da tarde. Você podia parar para almoçar, podia parar para fazer lanche,

você podia fazer o que quisesse, era irrelevante, porque era a vida

normal do advogado, não é? Então isso aí tudo foi muito criticado

porque eles diziam: não eles tem uma inovação que não funciona no

Brasil, não tem disciplina, não tem isso, não tem aquilo, o professor não

mostra o saber. O professor não tem que mostrar o saber, o aluno é que

tem que aprender a pensar pô! Não pode ser diferente. Então houve

muita crítica no início a que esse método não podia ser levado para as

Universidades. E a verdade é que método socrático no Brasil não

funcionou muito, não foi realmente levado para as faculdades. Mas eu

acho que ele não foi levado para as faculdades principalmente porque o

aluno, como o aluno aqui não é um aluno de tempo integral, não é um

aluno que é exigido completamente, os cursos não são

fundamentalmente bons, ele não respondeu a isso com a compra do

desafio de se formar. De formar a sua cabeça, de formar a sua

inteligência, de formar o processo de entendimento do Direito. Os que

conseguiram...

T.R. – É que para o aluno é mais fácil uma aula em que o professor fale

e ele anote.

C.L. – Lógico...

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G.L. – Ele pode dormir à vontade.

C.L. – Ele pode fazer o que ele quiser. E depois tem um exame que é

limitadinho, duas horas de tempo ali, um negócio bobo.

T.R. – Ele ainda argumenta professor, o senhor não falou isso na aula

[riso].

C.L. – É, quer dizer, sabe, esse tipo de coisa é que a gente queria evitar.

Então eu diria, a experiência em si, como pós-graduação no curso que se

pretendia fazer o valor dela foi excepcional. Para o ensino do Direito o

valor dessa experiência também foi excepcional porque permitiu mudar

o currículo, permitiu reajustar, etc. Mas a experiência como forma

didática, porque o que é que era o CEPED? Centro de Estudos e

Pesquisas no Ensino do Direito. Esse é que era o nome do CEPED, o

nome técnico do CEPED, completo, era esse. E ele tinha como finalidade

estudar como é que podia se fazer um ensino melhor no Direito. E isto

eu acho que o CEPED aí não frutificou como devia ter frutificado.

Frutificou muito menos. Lógico que os alunos que foram lá para fora e

depois muita gente foi, trouxeram para cá visões diferentes, mais

concretas de como se aproximar dos problemas, como ter objetividade

nas colocações, como pensar com maior clareza, com maior acuidade.

Mas isso foi mais um processo que veio ao natural, no desenvolvimento

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do mercado no Brasil, do que realmente fruto da experiência do CEPED.

O fruto da experiência do CEPED nesse campo foi relativamente

pequeno, no meu entender.

G.L. – Estou aqui com o questionário, quer dizer, perguntas objetivas,

rapidinhas para esquentar os motores para o resto. Você produziu

algum texto escrito na época além de materiais sobre essa matéria?

C.L. –Não.

G.L. – Posteriormente?

C.L. – Não.

G.L – Você teve participação em algum outro projeto ligado à educação

jurídica? Posterior ao CEPED?

C.L. – Em 82, quer dizer, em 81 foi fundado o Instituto de Estudos de

Direito Econômico – IEDE.

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G.L. – Do Bulhões?

C.L. – É, que eu sou um dos membros fundadores. O Bulhões era

membro fundador, o Lamy era membro fundador. Esse IEDE, em 82 o

Bulhões, José Luis queria dar aulas, ele não tinha participado da

experiência do CEPED, e ele queria dar aulas de Direito Empresarial,

queria fazer um curso semelhante ao CEPED. E então ele reuniu um

grupo e me pediu para dar aula de Direito Tributário. E eu disse que não

estava dando, não ia dar porque eu sabia o que é que levava de

preparação e eu estava muito ocupado, era muito complicado e não era

possível. Mas o curso infelizmente ele começou e em um determinado

momento o José Luis e o Lamy me telefonaram desesperados pedindo

que eu assumisse a Cadeira de Direito Tributário porque o professor

que estava lá era muito bom mas não tinha a visão e a profundidade que

era necessária para aquele curso de pós-graduação. Depois de um apelo

– você sabe que com o Lamy eu tenho uma ligação muito pessoal, muito

profunda porque é como se ele fosse meu pai espiritual, foi ele que me

colocou no meu primeiro emprego importante no sentido de poder

crescer, de poder ser advogado mesmo, e me deu a oportunidade de ser

assistente dele logo que eu me formei, um pouco depois eu já estava

assitente dele e tal – e ele me pediu muito para fazer e eu acabei

cedendo e fazendo. E aí eu dei esse curso de formação de advogado de

empresa no IEDE, que teve um ano só, foi só em 82. O curso foi bastante

semelhante, os materiais foram materiais aí já mais diversos, mais

aprofundados, mas também com muito trabalho para ser...

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G.L. – São esses materiais que você conseguiu lá com ...

C.L. – No IEDE.

G.L. – Nós conseguimos com o Lobo esses materiais

T.R. – Não o do IEDE a gente conseguiu com o Lamy.

G.L. – É, com o próprio Lamy.

T.R. – Só que no material está escrito 83.

C.L. – Ah, pode ser 83. Eu posso estar enganado quanto ao ano, pode ser.

Pode ser em vez de 82, 83. Mas enfim, é o tal negócio, você está muito

tempo atrás, a memória, você não sabe mais se é 82 ou 83, mas não

muda muito. Mas o fato é que eu dei então esse curso durante um ano.

Os materias do Lamy não eram só os do Lamy não? Ele deu de todas as

matérias?

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T.R. – Não, tinha ele, tinha Norma, tinha o Bulhões...

C.L. – Não, não, mas aí é o grupo da grande empresa, não é o grupo de

Direito Tributário. Porque tinha o material do José Luis Bulhões

Pedreira, tinha o material do ...

G.L. – Ah, sim, claro o do José Luis Bulhões Pedreira está publicado, eu

estou louco para... você já tem o livro dele, não?

C.L. – Não, mas não está publicado no livro.

G.L. – Não, esse livro, tem um livro que seria dos materiais.

C.L. – É, não tenho.

G.L. – Acabou de sair, o Jorge é que me disse que saiu em 2009.

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C.L. – Bom, de qualquer maneira esse material eu tenho, do IEDE, eu

tenho, mas é um material, de novo, que está no arquivo morto, eu tenho

que ver com minha secretária onde é que está, em que arquivo.

G.L. – Vou te cobrar, hein?

C.L. – É, vou ver se acho.

G.L. – Se achar... Quer dizer, você já falou, a influência que teve o CEPED

na educação jurídica brasileira de certa forma você já respondeu com o

que você já disse.

T.R. – Eu tenho só uma pergunta. Ainda na época da CEPED, voltando

um pouquinho no tempo, como que eram feitas essas reuniões entre os

professores? Ou seja, vocês demoravam muito para preparar a aula...

C.L. – Muito informalmente, muito informalmente.

T.R. – E o objetivo era o que? Era ver como é que estava a turma, o que

que ia fazer, como é que era o caso.

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C.L. – Não, essas reuniões eram para avaliar algumas coisas. Por

exemplo, quando a gente ia dar bolsas de estudos, a gente fazia uma

avaliação da turma para poder dizer quem receberia a bolsa, porque as

bolsas eram limitadas a quantidade de bolsas variava, tinha anos que

eram cinco bolsas, seis bolsas, outro ano eram duas.

G.L. – Você lembra... Eu me lembro que o Joaquim, você foi quem indicou

ele para a bolsa.

C.L. – Foi. Foi, eu fui padrinho do Joaquim. Mas porque os outros que eu

daria, já estavam indicados, por exemplo, pelo Lamy. Então, não tinha

porque indicar, entendeu? Sabe, o Lamy não indicou o Joaquim, aí tinha

mais uma bolsa disponível então, espera aí, então bota o Joaquim aqui,

etc e tal, entendeu? Foi assim. Mas isso daí era feito...

T.R. – Essa bolsa não era bolsa para fazer o CEPED, era bolsa para ir

para fora.

C.L. – Não, não...

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G.L. – Era para fora.

T.R. – Não, é só para deixar registrado.

C.L. – Essas bolsas eram dadas muito criteriosamente, mas assim, quer

dizer, em base pessoal e subjetiva, muito subjetiva. Vale a pena ter

mostrado esse tipo de rendimento, ter mostrado esse tipo de aplicação,

acho que o sujeito merece ter a bolsa, quando ele voltar ele certamente

vai voltar, vai chegar a Universidade, ele vai tentar implantar o método

novo, etc. Foi muito nessa base.

G.L. – Você, a gente vai pesquisar isso, mas você lembra de outros

bolsistas relevantes? O Jorge, o Joaquim, eu, mais algum que você

lembre assim? Álvaro Pessoa...

C.L. – É, não me lembro.

G.L. – Não se lembra? Que você tenha indicado? Porque uma parte do

projeto também é ver o que é que aconteceu com os bolsistas, seria uma

segunda geração. Você está aqui nos founding fathers.

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C.L. – É, mas isso talvez quem tinha o controle disso era o Secretário

Executivo sempre.

G.L. – É, exatamente.

C.L. – Era o Secretário Executivo quem comandava o processo

burocrático, quer dizer, de mandar documentação, receber a bolsa, dizer

ao sujeito você está aceito, na Universidade tal, você vai dia tal, vai fazer

não sei o que e tal, entendeu? Era sempre assim. E você terminava o

CEPED em novembro ou dezembro, eu não me lembro mais, acho que

era de março a dezembro, princípio de dezembro, e a bolsa era dada

para o ano seguinte em setembro. E as pessoas tinham que ir mais cedo

porque tinham que adptar para o inglês, tinha uma série de coisas.

G.L. – Princeton.

C.L. – É o Princeton. Então as bolsas eram dadas mais ou menos janeiro,

fevereiro para a pessoa se preparar para ir em junho.

G.L. – Uma outra pergunta aqui Leoni que tem a ver com os escritos que

os scholars americanos andaram fazendo da CEPED

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C.L. – Ah, eu queria falar de uma resistência muito importante.

G.L – Diga.

C.L. – Roberto Mangabeira Unger. [silêncio] O Roberto Mangabeira

Unger chegou em Havard e foi considerado um gênio. É engraçado

porque ele é o gênio da mistura do baiano com o alemão, que é uma

mistura difícil de dar certo, complicada.

G.L. – [riso]

C.L. – O Roberto é um sujeto difícil. Ele é muito inteligente, ele é muito

preparado e eu acho que ele, enfim, tem uma visão do Direito muito

diferente da minha, mas eu acho que o processo de realização do Direito

é simples de se entender e simples de se explicar e eu acho que a teoria

dele para explicar isso é uma teoria muito complicada. Mas é um sujeito

muito inteligente e a gente tem que respeitar, sem sombra de dúvida. O

Roberto se declarou desde o início um grande inimigo do CEPED.

T.R. – Ele chegou a conhecer o CEPED? Como é que foi?

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C.L. – Desde o início. Não, ele estava em Havard e ele começou a se

dedicar a entender o CEPED e ele dizia que o CEPED era uma forma do

capitalismo primitivo brasileiro querer se perpetuar no poder através

de um ensino jurídico que manteria o controle das empresas, as

empresas não subordinadas ao interesse social, etc, etc. Toda a teoria

social dele é de que o CEPED era um instrumento à serviço, ou à

desserviço da sociedade e à serviço do capitalismo mais primitivo. E ele

foi muito resistente...

T.R. – E ele chegou a publicar alguma coisas assim? Como é que essa

opinião chegou até vocês?

C.L. – Ele publicou, ele publicou algum artigo sobre isso que nós não

gostamos, lemos mas não gostamos porque achamos que ele foi muito

parcial e muito pouco... ele não disse a verdade. Na verdade ele analisou

fatos que nunca ocorreram. Que nós estávamos à serviço dos Estados

Unidos, todos nós. Essa foi uma resistência muito importante.

G.L. – Foi. Essa resistência está retratada em alguns artigos que o

Trubek andou me dando, que estão nos nossos arquivos, de scholars

americanos da época . O próprio Trubek que teve dúvidas...

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C.L. – Nós tivemos muita complicação com a Fundação Ford. Porque o

Lamy e eu em uma reunião com o Conselho Curador da Fundação Ford

em Nova York, nós começamos a falar das preocupações do Galbraith

sobre a evolução da grande empresa, o descolamento da grande

empresa da sociedade, o descolamento da gestão, dos interesses da

própria empresa, etc. Porque ele tinha muito essa preocupação, ele

anteviu com muita clareza todas as distorções que aconteceram

inclusive que aconteceram recentemente...

T.R. –É naquele livro em que ele fala sobre a crise de 29 é praticamente

hoje, também se aplica.

C.L. – É Isso, isso. E nós tivemos a ousadia de falar em Galbraith naquele

conselho curador. E essa ousadia nos custou uma má vontade

extraordinária da Fundação Ford que quis...

G.L. – É, um dos autores...

C.L. – Que quis cortar o convênio, acabar com o convênio por causa

disso. Isso em 66.

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G.L. – Ainda em 66? Porque o convênio durou algum tempo não é?

C.L. – Até 73.

G.L. – Até 73.

C.L. – Até o CEPED acabar.

T.R. – Mas por que? O Galbraith na época não era assim tão bem visto

então pela fundação Ford, porque ele era um acadêmico forte.

C.L – Não ele era visto como inimigo do establishment.

T.R. – Ah, entendi, a gente estava naquela época do macartismo ainda.

C.L. – Ele era visto como o inimigo do establishment. E o conselho

curador da Fundação Ford era o mais radical de direita que existia nos

Estados Unidos.

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G.L – É a pergunta que estava engatilhando aqui, e que tem a ver com

essa resitência, que essa resistencia que você diz, você citou o

Mangabeira, e houve autores americanos, a Fundação Ford, o Jim

Gardner...

C.L. – Isso exatamente.

G.L. – Que é uma das pessoas que mais resitiam e tal. Uma das coisas que

está dito neste paper, e eu queria ouvir você sobre isso, é que as idéias

existentes já vinham do jurídico, da Light do escritório do Bulhões, quer

dizer...

C.L. – Bulhões não tem nada a ver com isso, isso é maluquice, Bulhões

nunca teve nada a ver com o CEPED...

G.L. – [riso] Eu sei, eu também acho isso.

C.L. – E vinham da cabeça do Lamy as idéias da parte da grande empresa

com certeza. Com certeza. Mas isso não queria dizer Light, queria dizer...

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G.L. – Queria dizer um professor ...

C.L. – Um professor, um scholar que conhece direito societário como

ninguém. Quando eu consegui do Geisel que ele aceitaria fazer a reforma

da lei da S/A em 76, foi um compromisso que o Geisel assumiu através

do Golbery comigo, pessoalmente, não havia evidentemente a indicação

de ninguém para compor a coisa. O Geisel disse: no fim do primeiro ano

de mandato, quando eu acabar com a censura nos jornais, porque eu

preciso superar isso no meio militar, eu vou abrir a perspectiva da

reforma da lei de S/A. Isso dai foi em 75 para designar a comissão e

quando eu fui conversar com Mário que era o Ministro...

G.L. – Mario Henrique.

C.L. – Da Fazenda dele para designar, eu dissse não o José Luís vai fazer a

lei, ele disse não pode. Porque o José Luis era um sujeito... Nesta ocasião

o Mario Henrique disse: eu vou pedir ao José Luis para fazer o projeto”,

ele disse não pode. Porque o José Luis é extremamente criativo, mas tem

muito menos formação jurídica do que o Lamy. O Lamy é muito mais um

scholar que conhece muito mais Direito então você tem que usar o Lamy

também. Ah mas o Lamy – e aí é a expressão do Mario Henrique – ele é

freio de mão puxado, o José Luis corre. Mas a gente tem que encontrar o

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balance. E eles dois acabaram encontrando um balance muito bom,

formidável, que gerou um projeto muito bom, que, lógico, já foi

ultrapassado no tempo, já teve modificações e vai precisar ter mais

modificações. Mas é um projeto extraordinário, o primeiro projeto de lei

de S/A no mundo que tem a obrigação do pagamento do dividendo. Que

foi discutido textualmente para dizer assim: qual é a inovação que nós

vamos propor ao governo, totalmente diferente de tudo que a gente

conhece? E acabou sendo o dividendo do mínimo obrigatório. Que não

havia em legislação nenhuma no mundo naquele momento.

T.R. – E que é interessante não é? Porque com essa especificação de que

a partir daquele momento através da lei é obrigado a ter o dividendo, é

uma forma de você estar dizendo: olha a empresa, ela serve não só a si

mesma mas a seu próprio acionista não é?. É uma forma de lincar isso, a

gestão com o patrimônio, não é?

C.L. – De qualquer maneira, quer dizer, essa inovação foi uma inovação

trazida por essa comissão, que foi a comissão que eu escolhi junto com o

Mário, que vão ser os dois. A primeira reunião da Comissão foi na minha

casa, as primeiras reuniões foram todas na minha casa. E a primeira

discussão foi essa: o que é que a lei pode trazer de absolutamente novo,

novo. Que não se contenha em legislação nenhuma no mundo, que

permita dizer: é uma inovação brasileira, porque nós queremos

[inaudível]. E foi exatamento o dividendo mínimo obrigatório, que não

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havia em lei nenhuma, veio pelo Brasil pela primeira vez. Outra

discussão muito grande e que perdurou até durante algum tempo e

ainda hoje é muito moderna, é muito atual, é se o controle tem valor em

si, ou não. A OPA, com os 80% para os ordinários, ela surgiu como uma

forma de dar um tratamento igualitário nas companhias abertas entre

os acionistas que tinham o mesmo tipo de ação. Mas havia uma

discussão muito grande entre o Lamy e o José Luís porque o José Luis

entendia que controle não tinha valor nenhum. E que então o preço

tinha que ser sempre extendido, tinha que ter tag along para todo

mundo. Já o Lamy dizia: não, se eu boto na lei responsabilidade de

controlador, eu tenho que dar um preço, um prêmio por essa

responsabilidade porque senão por que é que o sujeito vai asssumir a

responsabilidade de controlador? Por que que ele vai exercer aquele

papel, não é?. Então ou nós não definimos o controle, não nos

preocupamos com ele e obrigamos ao tag along ou nós vamos definir o

controle. Finalmente prevaleceu a definição do controle, prevaleceu a

OPA com o diferencial de 100% para 80%. Mas isso levou a uma

segunda discussão. Se a obrigação de distribuir o resultado era uma

obrigação sobre todo o resultado que não fosse alocado especificamente

em alguma coisa ou se podia sobreviver os chamados lucros em

suspenso, que simplesmente deixa lá, a empresa vai fazendo o que

quiser etc e tal. E aqui de novo as posições eram diferentes, o Lamy

dizia: não vejo porque, no mundo inteiro se mantêm lucros em suspenso,

se mantêm lucros acumulados, e tem [inaudível], por que é que nós não

vamos ter? E dizia o José Luis: Porque é injusto com o acionista. O

acionista ele bota o dinheiro dentro empresa para receber de volta o

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resultado que ele tem dentro da empresa e para receber capital

apreciation. E quando ele bota para receber o resultado, o resultado tem

que voltar para ele a não ser que seja necessário para a atividade da

empresa. Mas para ser necessário ele tem que ser caracterizado como

necessário. Então você tem reservas estatutárias, você tem aquelas

reservas legais e você tem ainda orçamento de capital para dizer: eu vou

investir, eu preciso disso, disso, disso. Mas se você não tiver nada disso

você tem que distribuir a totalidade do lucro e não apenas o dividendo

mínimo. E foi isso que acabou prevalecendo na lei. Então essas

discussões foram discussões, na verdade, um subproduto adicional do

CEPED mais adiante.

G.L. – É, nessas discussões você tem um modo de ver a lei, do estatuto

jurídico, que é relacionado a vários outros métodos, a várioos outros

modos e a vários outros saberes.

C.L. – Exatamamente.

T.R. Não e eu acho que nisso, eu não sei se de maneira consciente ou

não, tem também a questão, eu não diria de uma responsabilidade, mas

de um compromisso de quem está pensando a lei com o geral da

sociedade,porque com essa última questão agora você diminui bastante

a questão do capital especulativo dentro da própria empresa, que foi o

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que hoje deu essa crise que está aí...possibilidade hoje no Brasil de a

empresa...

C.L. – Mas o capital especulativo está na bolsa ele não está dentro da

empresa. A bolsa é que é fundamentalmente especulativa.

T.R. – Mas quando você tem na margem da empresa, do capital dela,

quando você tem a possibilidade da empresa possuir as próprias ações –

e essa margem no Brasil é bem reduzida em comparação com os

Estados Unidos e a Europa – é uma forma de você também de estimular

que quem esteja na empresa sejam pessoas da sociedade e não a própria

empresa, ou seja, o conselho diretor não é? Porque quando a gente fala

da empresa ter as próprias ações no fundo o que acaba...

C.L. – É não exite aqui, aqui não exite board. O nosso conselho de

Administração não é um bord. O board tem todos os poderes sobre o

negócio da sociedade, muitas vezes não pode ser sequer destituído pela

assembléia de acionistas, a destituição é um processo complicado e

dependendo da legislação ele é auto renovável, etc. Então é um negócio

que a gente tem que tomar um pouco de cuidado entre conselho de

administração e boarder . A diferença é tão grande, os poderes aqui são

reservados para a assembléia enquanto que os poderes lá são

reservados para o board não são reservados para assembléia. A

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assembléia tem alguns poderes mas não como aqui, a lei diz aqui que a

assembléia é o poder fundamental e pode tudo, pode tudo, pode tudo.

Ela pode inclusive pegar poderes do board e ela pode decidir em cima

daqueles poderes.

G.L. – É, mas o que é relevanto no contexto aqui parece ser ...

C.L. – É que essa reforma da lei de S/A veio de todos os trabalhos que

foram produzidos dentro do CEPED.

G.L. – Pois é e aqui temos a grande pergunta quer dizer, a pesquisa

nossa, Leoni, que é um pouco identificar o que é que foi aquele

movimento e sobretudo a marca que ele teve no futuro...

C.L. – É, e no futuro, eu acho que a reforma da lei de S/A é um

subproduto do CEPED, direto.

G.L. – É na medida que tem uma atitude aí.

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C.L. – Em 74, porque em 73 foi o último curso, em 74 foi o compromisso

assumido pelo Golbery comigo, em nome do Geisel, de fazer a reforma,

nomear uma comissão para fazer essa reforma logo em seguida ao

primeiro ano do governo Geisel, que foi em 75. Mas aí já foi um papel

que eu entreguei ao Golbery que levou ao Geisel, voltou com aquela

letrinha minúscula do Geisel toda anotadinha, porque ele lia tudo, era

impressionante, a alemão era um horror, ele lia tudo, tudo, tudo, tudo.

Era um centralizador desgraçado. E se conseguiu fazer a reforma

porque o Geisel assumiu esse compromisso e mandou fazer.

G.L. – Há alguma correlação também com aquela lei 1598 nesse

processo?

C.L. – É, a CVM é uma discussão...

G.L. – Não aquela lei de Imposto de Renda, a 1598...

C.L. – Ah, não, ali veio depois, aquilo era o problema da consolidação de

balanços aquela coisa toda. Isso daí veio como um desdobramento desse

processo, como consequência da mudança da lei de S/A, mas eu não

diria que ela foi um desdobramento direto do CEPED. Ela é um

desdobramento do que se discutiu em relação a lei de S/A.

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G.L. – Esse ponto, a meu ver, é extremamente relevante, quer dizer, você

tem o governo se preocupando com uma nova lei e essa nova lei sendo

discutida de uma outra ótica por juristas, mas juristas que não tem

apenas a formação jurídica tem uma formação muito mais horizontal.

C.L. – Isso, isso. E aí nesse grupo em 74 você já tinha o José Luiz Bulhões

Pedreira. O José Luis já estava integrado nesse grupo que discutia essas

coisas.

G.L. – É, a influência dele no CEPED?

C.L. – Nenhuma, zero.

G.L. –Nenhuma. E dos jurídicos da Light, enquanto jurídicos da Light?

C.L. –Nenhuma.

G.L. – É uma bobagem, quer dizer, isso está dito.

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C.L. – Não, não, o jurídico da Light nunca influiu em nada disso. Havia

um grupo na Cobaste, a Cobaste era Companhia Brasileira de

Administração e Serviços Tecnicos, uma coisa assim, que era a empresa

de serviços que na verdade geria a Light aqui dentro. Era a gestão

superior do conjunto de empresas, porque não era só a Light, você tinha

a Light, tinha a Telefônica, tinha bondes, tinha aquele troço todo, você

lembra disso. Bom e a Cobaste era o grupo onde estava o Lamy, onde

estava o próprio Galotti – ele era o presidente da Cobaste, era o vice-

presidente executivo da Light mas ele era o presidente da Cobaste.

Estava o Pires Sodré, estava o Caio Tácito, estava o Cândido Mendes,

estava o José Rubens Fonseca. O José Rubens é de lá, é daquela época.

Estava quem mais? O português, aquele que era o chefe de gabinete do

Galotti, como é que era o nome dele?

G.L. – Almílcar Falcão não?

C.L. – Não um portugues, muito engraçado.

G.L. – Francisco Xavier?

C.L. – Não, não tem nada a ver. Não era jurista famoso, era...

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G.L. – Trigo?

C.L. – Não, o Trigo foi coisa do Roberto Paulo Cezar de Andrade, não tem

nada a ver com o Galotti. Era um sujeito da mesma idade que o Galotti,

não me lembro mais.

G.L. – Roberto Cesar de Andrade?

C.L. – O Roberto estava lá naquela época, não tinha saído para a Brascan,

ele estava na Cobaste. Sabe isso daí era o grupo, mas esse grupo ele

estava preocupado era com a estrutura das empresas, não tinha nada a

ver com isso. Nada, nada. E nunca esse grupo interferiu em nada. Era o

Lamy como pessoa física, um scholar que vivia estudando aqueles troços

e que realmente gostava daquilo.

G.L. – É, eu vou te fazer aqui de novo Leoni uma pergunta que você a

rigor já respondeu no contexto da sua exposição mas eu queria que você

respondesse mais especificamente, diretamente à pergunta que é a

seguinte, está no roteiro: quais, a seu ver, as idéias básicas do programa

em termos de metodologia do ensino em termo de conceito de Direito e

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em termo do papel do advogado na sociedade? Você de certa forma já

cobriu tudo isso, eu posso extrair isso do seu depoimento.

C.L. – Basicamente eu acho que no ensino do Direito nós estávamos

testando modos diferentes de ensinar com uma visão de um Direito em

realização permanente que – por isso é que eu falei do Roberto

Mangabeira Unger e da teoria dele da evolução do Direito. Eu acho que

nós estávamos com uma visão muito mais concreta de como é que

evolui o Direito, quais são as necessidades econômicas que aparecem,

que obrigam você a reformular o processo a criar as excessões aos

conceitos já existentes. Nós adotávamos a posição de que o Direito é

uma ciência, uma ciência criada pela mente humana, mas uma ciência.

Por que uma ciência? Porque cada princípio tem os seus corolários e

seus corolários podem ser quebrados para criar novos princípios, mas

você tem que entender como é que você quebra para determinar

extamente o alcance daquela quebra, para não anular o princípio básico

que está lá atrás. E assim você ia fazendo uma evolução natural do

Direito. A preocupação que o Brasil já estava em um processo de

evolução e era preciso acompanhar aquela evolução com um Direito que

fosse adequado, que fosse ágil, que fosse moderno, que não ficasse

entranhado da visão do passado, da visão de Código Napoleônico

traduzido em um Código Civil. Então a idéia era metodologia nova para

tentar colocar o método discursivo, tentar ver se era possível chegar nas

Universidades, não a exposição completa, mas fazer aquilo que nós

tentávamos fazer na aula. Nós discutíamos os vários princípios, caso a

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caso para finalmente pegar quatro ou cinco e dizer: bom, será que isso

aqui não constitui um conjunto único de princípios? Será que não são

corolários de um princípio maior? Qual é o princípio maior? Aí você dava

a visão já da floresta e não apenas das árvores, etc. Quer dizer isso era

uma primeira coisa, e nessa metodologia como é que você poderia

chegar à especialização, porque até então você não tinha especialização,

todo mundo tinha que fazer todas as matérias do currículo e chegava a

se formar, podia ser advogado de qualquer especialidade, na verdade de

nenhuma especialidade. E você dizia: não, vamos tentar especializar

isso, vamos tentar formar advogados que tenham uma formação mais

específica, que possam realmente contribuir mais, não apenas para a

sociedade mas para a realização do processo, a evolução do processo do

Direito. Não estou dizendo que todo mundo fosse jurista, mas pelo

menos que tivesse uma visão da necessidade do atendimento das

necessidades da sociedade. E, finalmente, o que é que você perguntou

mais?

G.L. – Era exatamente isso, era o papel do advogado na sociedade

também.

C.L. – É o papel do advogado na sociedade, o que se dizia é: o advogado

não pode ser apenas passivo no sentido de dizer: bom me dá seu

problema, está aqui o documento, tem que preparar um documento para

atender ao seu interesse. Ele tem que discutir com o cliente: qual é o seu

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verdadeiro interesse, é esse, não é, olha você aqui está tentando chegar

a um resultado que é absurdo por isso, por isso, por aquilo, vamos

tentar chegar a um outro resultado assim, assim, assim. Onde você

preserva a longo prazo todo o interesse da sociedade mas você também

preserva o seu interesse, você tem mais defesa. E isso tudo foi feito com

muita tranquilidade, quer dizer, nós estávamos preparando o advogado

para um papel mais ativo na sociedade.

G.L. – Eu acho que está tudo respondido.

T.R – Não, eu tenho algumas dúvidas, na verdade só para maiores

esclerecimentos. Nessa questão da crítica, surge essa crítica forte do

Mangabeira, e aí qual a resposta de vocês? Ou seja, o Mangabeira

escreve um artigo e isso acaba...

C.L. – Ninguém dava muita bola, ninguém deu muita bola para o artigo

aqui, este artigo teve muita repercussão nos Estados Unidos aqui não

teve nenhuma.

T.R – Não? E aí vocês fizeram algum movimento, teve alguém lá?

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G.L. – Esse artigo você tem ele, sabe onde é que a gente acha? Sabe onde

é que foi publicado?

T.R. – Não, mas isso é fácil.

G.L. – Nós precisamos achar isso.

C.L. – Isso o próprio Roberto pode te dar, não tem problema.

T.R. – Mas a questão é, vocês se preocuparam nesse momento em dar

uma resposta lá fora, do tipo: não é isso que está acontecendo, não é por

aí?

C.L. –Não, não. Não demos a menor bola para o artigo.

G.L. –Esse artigo o Vivaldo, o nosso próximo na lista, certamente terá

esse artigo.

C.L. – Ah bom! E deverá estar feliz da vida em tê-lo, etc.

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G.L. – O Vivaldo, eu já localizei o Vivaldo, vamos ver se ele ...

T.R. – É, o Vivaldo quando ele vai para Havard ele acaba se aproximando

muito do Mangabeira, e aí quando ele volta ele vai para o CEPED. Isso aí

não seria ...

C.L. – Não, isso aí não tem nada a ver isso não. O Vivaldo foi para o

CEPED porque...

G.L. – Como aluno.

C.L. – Não, aí ele já foi aí como secretário porque o Vivaldo teve bolsa

não é?

G.L. – Teve bolsa e foi ...

T.R. – Mas ele chegou a ser aluno do CEPED. Foi aluno e aí foi para o

Mangabeira.

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C.L. – E aí quando ele volta, nosso Venâncio não queria mais ser

Secretário, o Vivaldo se candidatou a ser secretário e o Caio gostava

muito do Vivaldo, então ele insistiu que a gente contratasse. Eu não

tinha ninguém para o lugar, o Lamy não tinha ninguém para o lugar,

ninguém estava preocupado com aquele troço e o Vivaldo ocupou. No

início o Vivaldo foi até eficiente, depois ele perdeu muito. O Vivaldo

sofreu um processo de transformação muito engraçado, mas isso daí é

da vida.

G.L. – O processo de transformação do Vivaldo me interessa um pouco

porque ele está na fronteira do CEPED enquanto análise ideológica.

Porque ele virou um político afinal de contas, transformou-se em um

político como uma ideologia...

C.L. – É, é, mas eu acho que na pesquisa vai ser importante ver a opinião

dele.

G.L. – Claro, importantíssimo.

C.L. – Como vai ser importante ouvir a opinião de todos que foram

contra, não tenho nada contra. Eu acho que o CEPED foi uma

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experiência excepcional, de grande valor para o Brasil e para o Direito.

Agora, vai ter gente que foi contra e que vai continuar sendo contra,

dizendo que era contra que aquilo ali era um absurdo, etc, etc. E vai ter

gente que... O CEPED hoje não tem mais aquela marca que tinha. Era

uma marca muito importante na década de 70. Hoje não é mais, foi

ultrapassado pelo tempo.

G.L. – É mas o tema básico que foi abordado aqui é exatamente isso. O

CEPED ajudou a reformar ou a modificar a visão do Direito no

brasileiro?

C.L. – Certamente.

G.L. – Ou formou uma geração de privilegiados – a tese é de que já eram

privilegiados antes – e que mais privilegiados ficaram porque tiveram

essa preparação? Esse é que é o debate.

C.L. – Mas no fundo para mim o CEPED realmente mudou uma geração

de advogados, formou uma geração de advogados, que se preparou para

acompanhar a evolução do Brasil. Essa é a posição que eu tenho e para

mim está muito tranquilo. Eu acho que vale a pena checar com o

Dornelles por exemplo, porque é um sujeito que viveu na profissão

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relativamente pouco tempo, e depois viveu muito mais como político e

como executivo, e um sujeito que tem uma visão também diferente. Mas

eu acho que vale a pena falar com o Dornelles por causa disso.

G.L. – É esse tema é ó tema claro da pesquisa.

C.L. – E ele viveu o CEPED, então é um sujeito que tem um testemunho a

dar também importante para avaliação.

G.L. – Pronto, está na nossa lista. Mas algum nome que você lembra para

a lista de entrevistados?

C.L. – Não aí que eu vi que quando se falava do CEPED se esquecia o

Dornelles com frequencia. Isso é um absurso, porque ele viveu ali uns

três anos ou quatro anos convivendo conosco e trabalhando conosco. E

ele realmente tinha uma admiração muito grande, ele teve um prazer

muito grande intelectual ali e teve uma admiração muito grande por

tudo que estava acontecendo ali dentro.

G.L. – É, o Dornelles está inscrito, mas tem alguém que vocês lembrem

assim? Eu não tenho a lista aqui comigo.

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C.L. – Não mas as pessoas que...

G.L. – Gustavo Leite, que era outro, o Wald, você já mais ou menos falou,

eu vou falar ...

C.L. – Eu acho que Wald vale a pena conversar por causa dos primórdios

e tal, é um sujeito de uma lucidez brutal, mas o Wald não viveu a

experiência como nós vivemos. Quer dizer o Wald ele não fez questão do

método dialogado e ele teve essa resistência do curso à pequena e

média empresa porque para você ser advogado de limitada você não

precisa de formação muito grande não é?

T.R. – O Marcílio a gente chegou a falar com ele.

C.L. – O Marcílio nunca viveu a experiência do CEPED.

T.R - Ele ajudou a ligar as pessoas não é?

C.L. – Alguma ligação no início do coisa ele fez.

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G.L. – Pois é, essa ligação também foi muito importante para você traçar

essa ligação e a ideologia fecundante.

C.L. – Foi, foi, concordo. Mas ele não viveu a experiência.

G.L. – Nunca pretendeu.

C.L. – É o que estou estou dizendo é só isso. Se você pedir a ele como é

que ele avalia o CEPED, a avaliação dele não é uma avaliação de quem

tenha realmente o conhecimento suficiente para poder te dar realmente

uma avaliação imparcial.

T.R. – É, ele para a gente o que ele disse é que quando ele volta, ele acaba

trabalhando com o Santiago Dantas, que aí de acordo com ele e com o

Lamy era realmente baseado nas idéias de Santiago Dantas que começa

esse movimento todo do CEPED.

C.L. – É, o Sant iago foi um inspirador de muitas coisas.

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T.R. – É, ele não atuou diretamente mas ele fez realmente isso.

C.L. – Não, não, o Santiago já estava doente inclusive. Mas o Santiago foi

um inspirador de que o Brasil precisava se modernizar. E uma das

modernizações necessárias era em Direito. E o Direito que precisava se

modernizar não era o Direito Civil, não era o Direito Criminal - esse até

vinha à reboque das necessidades mais adiante. Era um Direito

Trabalhista que tinha ali, mas era principalmente o Direito Empresarial

porque as empresas no Brasil tinham que acompanhar o mundo e elas

não estavam ainda acompanhando. Essa era a ideía básica que vinha do

Santiago.

T.R. – Eu tenho uma última pergunta.

G.L. – Faça que eu tenho uma outra depois. Mas a minha não é central

para entrevista, a sua pode ser.

T.R. – É sobre o final do CEPED, ou seja o CEPED surge dentro da UERJ,

com o apoio do reitor da UERJ...

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C.L. – Não sei o final como é que foi o final. Nós paramos de dar o curso e

o CEPED pode ter sobrevivido alguns anos.

G.L. – Está vivo até hoje sabia? Como caixa institucional.

C.L. – É, provavelmente.

T.R. – Institucionalmente? Eu queria saber se institucionalmente...

C.L. – Eu ia dizer isso, que provavelemente ele não foi morto nunca

dentro da UERJ, continua sendo...

G.L. – Nunca, está lá você tira na internet e aparece o site.

T.R. – Mas quando terminou a equipe toda saiu, vamos assim dizer?

C.L. – Do curso. Porque lembre-se que nós temos que separar o que é

que era o CEPED, que era essa entidade autônoma da Universidade do

Estado, com o curso que era dado na Fundação Getulio Vargas. Por que é

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que era dado na Fundação? Por causa da facilidade da escola de pós-

graduação. Nós dávamos aula no mesmo andar que a Escola de Pós-

Graduação dava as suas aulas. Nós usávamos uma sala da escola de pós-

graduação para o curso, era por isso. Então nós não dávamos na

Universidade, nós dávamos na Fundação Getúlio Vargas.

C.D. – E vocês também não conversaram com ninguém da UERJ, ou seja,

o CEPED ficou fechado no grupo do CEPED dado ali na FGV e não houve

uma comunicação...

C.L. – Na verdade o CEPED não estava na FGV. O que estava na FGV era o

curso de formação de advogados de empresa.

C.D. – Entendi.

G.L. – Da UERJ.

C.L. – Que era do CEPED. O curso era patrocinado, enfim, era

subordinado formalmente ao CEPED. Mas o CEPED, como tal, ele

obviamente ele teve uma sede ali com Secretario Executivo, fazia o

report, etc. Mas nós não entrávamos em contato com esse CEPED

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formal, existente, centro autônomo da Universidade. Nós estávamos ali

como professores do curso de formação de advogados de empresa, mais

nada.

T.R. –Entendi.

G.L. – É, esse centro autônomo era quem pagava inclusive aos

professores, tinha uma verba específica você sabe disso?

C.L. – É, era assim um negócio minúsculo, mas pagava.

T.R. – Não, é só para a gente ver que assim esse curso de formação que a

gente anda chamando de CEPED, na verdade ele é diferente daquilo que

estava institucionalizado na UERJ, ou seja, foi uma coisa que ficou

fechada...

C.L. – Não porque esse curso era um curso dentro do CEPED, ele não era

o CEPED. Mas se chamava CEPED porque o CEPED era o dono do curso.

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C.D. – Ah, entendi. E aí além desses cursos nessa época o CEPED tinha

outros ou não?

C.L. – Nunca houve mais nada, o CEPED nunca teve nenhuma outra

atividade.

G.L. Bom, pode desligar aí que eu tenho uma outra pergunta mais

curiosa.