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Gostava de saber como usas o tempo, que atividades fazes, quais as tuas áreas de interesse, que coisas fazes para ocupar os teus tempos livres? Os meus temas de interesse: filosofia, psicologia, ciências sociais em geral, sociologia, antropologia. Passo bastante tempo a ler. Gosto, por exemplo, de beber um café – aleatório – na baixa e passar uma tarde a ler, faço isso algumas vezes. Gosto de ir a eventos de poesia, gosto de ir a eventos de arte em geral. Esse é o meu lado, chamemos-lhe, intimista e introspetivo. Aos fins-de-semana também gosto de ir a uma festa, ou outra, de Transe. E é isso. Provavelmente há muitas mais coisas, sei lá… gosto de passar tempo com os meus sobrinhos, gosto de passar tempo com a minha família. Gosto de me sentar e ter uma conversa de temas aleatórios com pessoas aleatórias, às vezes. Mais circunscrito à arte quais são as áreas que gostas mais? Escrita: prosa e poesia. Música – esqueci-me de referir que vou a bastantes concertos – gosto mesmo muito de música, se calhar tirando a escrita é a arte que mais me interessa pela forma como aglomera a palavra e a melodia num todo bastante coerente. Instrumentais posso dizer que não é propriamente o que eu mais gosto, gosto de música com palavra, com letra. Por exemplo, a arte estética já não me interessa muito, apesar de gostar de apreciar uma obra ou outra mas, infelizmente, não tenho muito pensamento visual. Portanto a coisa torna-se complicada para mim, é quase como se não tivesse essa parte da mente, quase como se tivessem cortado, algo desse género. Entre a leitura e a escrita tens algum leitor de referência, que gostes mais? Se calhar o núcleo – como tantos outros jovens escritores Portugueses – é Fernando Pessoa, isso reconheço sem qualquer tipo de problemas. Existem muitos outros, em Portugal (inaudível), Guerra Junqueiro. Internacionais gosto de um pensador que também escreve poesia que é o Robert Anton Wilson. Em relação a autores… no outro dia uma amiga minha estávamos a falar de autores, em geral, e ela disse que Fernando Pessoa fez o caminho da poesia para a filosofia e Nietzsche o caminho da filosofia para a poesia. Eu posso dizer que estou um bocadinho mais do lado Nietzsche, mais da filosofia para a poesia, portanto influências minhas tenho que referir – necessariamente – Nietzsche, Robert Anton Wilson, Agostinho da Silva, Schopenhauer, existencialistas em geral, gosto e niilistas também. Em que momentos é que lês poesia? Num café, na baixa, quando me apetece. Normalmente ando sempre com um livro atrás – pelo menos um. Leio bastante em casa, também, se calhar a maior parte das vezes que leio é mesmo em casa. Gosto de ler poesia quando me estou a sentir mais deprimido e vou à procura de autores que considero, que, de alguma forma, passaram pelo mesmo tipo de experiência mentais que eu passei ou que estou a passar e gosto de tentar estabelecer essa conexão.

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Gostava de saber como usas o tempo, que atividades fazes, quais as tuas áreas de

interesse, que coisas fazes para ocupar os teus tempos livres?

Os meus temas de interesse: filosofia, psicologia, ciências sociais em geral, sociologia,

antropologia. Passo bastante tempo a ler. Gosto, por exemplo, de beber um café –

aleatório – na baixa e passar uma tarde a ler, faço isso algumas vezes. Gosto de ir a

eventos de poesia, gosto de ir a eventos de arte em geral. Esse é o meu lado,

chamemos-lhe, intimista e introspetivo. Aos fins-de-semana também gosto de ir a uma

festa, ou outra, de Transe. E é isso.

Provavelmente há muitas mais coisas, sei lá… gosto de passar tempo com os meus

sobrinhos, gosto de passar tempo com a minha família. Gosto de me sentar e ter uma

conversa de temas aleatórios com pessoas aleatórias, às vezes.

Mais circunscrito à arte quais são as áreas que gostas mais?

Escrita: prosa e poesia. Música – esqueci-me de referir que vou a bastantes concertos

– gosto mesmo muito de música, se calhar tirando a escrita é a arte que mais me

interessa pela forma como aglomera a palavra e a melodia num todo bastante

coerente. Instrumentais posso dizer que não é propriamente o que eu mais gosto,

gosto de música com palavra, com letra.

Por exemplo, a arte estética já não me interessa muito, apesar de gostar de apreciar

uma obra ou outra mas, infelizmente, não tenho muito pensamento visual. Portanto a

coisa torna-se complicada para mim, é quase como se não tivesse essa parte da mente,

quase como se tivessem cortado, algo desse género.

Entre a leitura e a escrita tens algum leitor de referência, que gostes mais?

Se calhar o núcleo – como tantos outros jovens escritores Portugueses – é Fernando

Pessoa, isso reconheço sem qualquer tipo de problemas. Existem muitos outros, em

Portugal (inaudível), Guerra Junqueiro. Internacionais gosto de um pensador que

também escreve poesia que é o Robert Anton Wilson. Em relação a autores… no outro

dia uma amiga minha estávamos a falar de autores, em geral, e ela disse que Fernando

Pessoa fez o caminho da poesia para a filosofia e Nietzsche o caminho da filosofia para

a poesia. Eu posso dizer que estou um bocadinho mais do lado Nietzsche, mais da

filosofia para a poesia, portanto influências minhas tenho que referir –

necessariamente – Nietzsche, Robert Anton Wilson, Agostinho da Silva, Schopenhauer,

existencialistas em geral, gosto e niilistas também.

Em que momentos é que lês poesia?

Num café, na baixa, quando me apetece. Normalmente ando sempre com um livro

atrás – pelo menos um. Leio bastante em casa, também, se calhar a maior parte das

vezes que leio é mesmo em casa. Gosto de ler poesia quando me estou a sentir mais

deprimido e vou à procura de autores que considero, que, de alguma forma, passaram

pelo mesmo tipo de experiência mentais que eu passei ou que estou a passar e gosto

de tentar estabelecer essa conexão.

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E quando me estou a assentir melhor por acaso leio menos, é engraçado, sim.

Então há uma certa relação?

Ya, existe.

Compras livros de poesia?

Sim, bastantes. Alfarrabistas.

O que te faz comprar?

É mesmo a palavra aleatória. Gosto dos alfarrabistas precisamente por causa disso, eu

entro e existe uma prateleira cheia de livros que provavelmente já são diferentes dos

da última vez que estive lá e eu posso ver quais é que estão lá, escolher um, abro, vejo

se há algum poema que me interessa, se há algum verso que me interesse. Lá esta, ver

o verso e provavelmente já levo o livro.

Já sei que escreves poesia. Quando é que começaste a escrever?

Desde que tinha 14 ou 15 anos. Mas na altura escrevia… a primeira vez que escrevi

poesia de forma engraçada foi quando comecei a tocar bateria e estava a pensar

formar uma banda com uns amigos e alguém tinha que escrever as letras, ninguém

estava para aí virado e eu comecei a experimentar escrever. Depois deixei de escrever

durante bastante tempo – tirando coisas ocasionais – e comecei a escrever, mais há

cerca de um ano atrás. Tenho 21 anos, para aí com 20. Foi uma ocasião em que, por

algum motivo que até hoje desconheço, fui convidado para participar num evento de

poesia que foi o “Sentir-me Pessoa” na minha universidade. Uma amiga minha gostou

da minha voz e achou que eu tinha potencial para aquilo e a partir daí, como correu

bastante bem, a minha aproximação à poesia aumentou exponencialmente.

E desde aí costumas partilhar aquilo que escreves?

Não, numa fase inicial escrevia só para mim. E tenho o hábito, irritante, de escrever no

bloco de notas, no computador, e apagar a seguir. Escrever numa folha e rasgar a folha

porque, por algum motivo, não gosto de 99% daquilo que escrevo. E esse motivo é que

99% do que escrevo é quase de certeza mesmo fraquinho, pelo menos eu considero. A

maior parte das coisas não mostro a ninguém. A primeira vez que mostrei, foi acerca

de 6 meses atrás, mostrei em público estava uma ou outra pessoa mas…

E há 6 meses atrás em que contexto?

Poetry Slam.

E agora pões, por exemplo, na internet? Fazes alguma publicação em casa?

Agora, no momento, já partilho. Já entro em contatos artísticos muito mais vezes e em

vários contextos. Várias vezes coloco no Facebook, ou no meu ou num que tenho que

é o “Pessoa Sem Poesia”. Sou, de vez em quando, convidado para eventos de poesia,

declamar em público.

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Tens então uma página dedicada à poesia?

Sim, sim. Tenho. Com uma amiga que é a Paula.

De vez em quando sou convidado para eventos de poesia, para declamar num bar e de

vez em quando participo no Poetry Slam, também.

Já organizaste, ou organizas, algum evento artístico ou cultural?

Sim organizei o “Sentir-me Pessoa”, há um ano atrás. Eu a Paula e o Nuno que é um

músico que nós conhecemos que é excelente. Juntamo-nos os três e fizemos um

evento de poesia, só com Fernando Pessoa. Em uma hora passamos pelos três

heterónimos principais e pelo ortónimo. Estamos agora a organizar uma espécie de

projeto musical mas isso está muito “stand by”. Tirando isso nunca organizei mais

nada.

Enquanto artista, poeta há mais algum evento em que estejas estado presente?

Já li em bares, por exemplo num bar que fica perto da Assembleia da República o

“Ainda a Noite É Uma Criança”. Vou quarta-feira declamar no “Big Cabaret”, nada

assim de muito grande.

Quando é que ouviste falar do Slam pela primeira vez?

Eu acho que foi na minha universidade, alguém falou lá do Poetry Slam. Foi por

amigos, foi, isso eu tenho a certeza mas a primeira vez não me lembro.

Lembras-te do que é que te levou a ficar interessado?

Foi mesmo quando eu fui ver, fui ver o Slam Lx.

Porque é que foste ver?

Porque essa minha amiga, a Paula, ia participar e eu fui ver e a partir daí fiquei

interessado no evento em si. No tipo de evento que é o Poetry Slam.

Achas que o interesse que tens no Poetry Slam tem alguma influência ou relação com

o interesse que tinhas antes pela cultura e pela arte?

Influenciou bastante porque o Poetry Slam acaba por ser mesmo uma forma de arte. O

Poetry Slam é diferente de poesia, por exemplo. Pode-se estabelecer uma analogia,

quase, com o cinema que muitos puristas consideram que não é uma arte à parte. Que

é um conjunto de artes: tens imagem, tens música, palavra, poesia. O Poetry Slam

acaba por estar um pouco por aí, há teatro no meio do Poetry Slam – estás em cima de

um palco – há poesia, acaba por haver alguma musicalidade porque onde há poesia há

musicalidade. Basta estar alguém em palco que tenha a influência do Hip Hop para

perceber que há musicalidade no Poetry Slam.

E é óbvio que esta forma diferente de ver a poesia me influenciou na própria forma

como eu escrevo poesia. Por exemplo há muitas vezes que eu acabo de escrever um

poema e penso: “Olha, isto era uma coisa gira para levar a um Poetry Slam. Acho que

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se adequava ao formato.” Portanto posso dizer que sim, inconscientemente, até,

posso dizer que me influenciou bastante na forma como eu escrevo poesia.

Conheces Slams de outros pontos do país?

Sim.

Como? Pela internet, já estiveste noutros?

Já participei no Poetry Slam Almada e pela internet conheço outros Poetry Slams,

conheço o de Braga, de Coimbra, do Porto. Sei que, recentemente, foi o Adolfo Luxúria

Canibal ao de Braga. Gostava de ter ido porque eu gosto muito do Adolfo Luxúria

Canibal. Conheço o que sevai fazendo pelo país.

E de outros países?

Aí já não estou tão bem informado. Sei que existe em outros pontos do mundo, em

Portugal e em todas as cidades principais a Europa – pelo menos – mas não estou

informado.

Nos Slam que já participaste, participaste como Slammer e além disso como público,

como júri…

Como júri, nunca. Mas já fui ver várias vezes e já participei 3 ou 4 vezes.

Que semelhanças é que tu encontras, e depois diferenças, entre os Slams que já

conheceste e já participaste?

Aqui em Lisboa encontro uma diferença gigante entre o Slam Lx e o Poetry Slam

Lisboa. O Slam Lx é muito, muito mais formal. Existe muito mais formalidade no

próprio formato, na forma como o Slam Lx se apresenta à comunidade. O Poetry Slam

Lisboa é algo mais afável, intimista. Isso leva-me a gostar mais do Poetry Slam Lisboa.

Em relação ao Poetry Slam de Almada só fui lá uma vez, portanto estou a falar pela

única vez que lá estive mas notei que os participantes – e o próprio ambiente – eram

mais voltados para o Hip Hop, notei isso que a maior parte dos participantes tinham

alguma influência de Hip Hop. No Open Mic, no dia em que eu fui, não foi lá ninguém

participar que não tivesse influência da musicalidade da palavra dita do Hip Hop e isso

também é uma diferença que eu encontrei em relação ao Slam Lx e ao Poetry Slam

Lisboa, que são os únicos três onde eu já estive.

E o tipo de texto que é levado, encontras, também uma direção ou achas que há uma

diversidade?

Ambos contêm bastante diversidade, não encontrei uma direção em nenhum deles. Já

estive em vários Slam Lx, já estive em vários Poetry Slams Lisboa e vi lá um pouco de

tudo, não é? Vi lá pessoas claramente influenciadas por Fernando Pessoa, Hip Hop, vi

pessoas com um tipo de poesia mais direta, interventivo: anti governo, anti sistema.

Variado, vi coisas mais intimistas, também, bastante variedade, sim.

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Já leste ou fizeste performance com a tua poesia noutros eventos?

Sim, já.

Para ti o que é ser Slammer?

Para mim, pessoalmente, ser Slammer significa abrir portas dentro de nós mesmos e

tentar mostrar o interior às outras pessoas. Escrever, para mim, é um processo

bastante introspetivo. Quando estou a escrever estou a descobrir pensamentos e

emoções que, de outra forma, não me ocorreriam. E em quanto Slammer estou a

pegar nessas portas que abri em mim mesmo e estou a tentar mostrá-las ao outro,

aquele que está fora de mim. E é por isso que eu gosto bastante do conceito de

Slammer porque num Poetry Slam um jovem escritor como eu – como tantos outros –

alguém ainda sem reconhecimento, alguém ainda sem muitos sítios onde possa

mostrar a sua arte tem uma possibilidade de ter, pelo menos, três minutos para pegar

em algo que escreveu e levar até aos outros e se não fosse o Poetry Slam se calhar

muita gente – eu incluído – não teria tido essa possibilidade. Nessa medida considero

que sim, é bastante importante.

Como é que tu vês a escrita própria do Poetry Slam?

Eu considero que influencia bastante um jovem escritor começar a participar em

Poetry Slams em geral, influencia a forma como escreve, porque inconscientemente

começamos a colocar alguma direção para a apresentação em forma de Slam. Estou a

escrever e como ao estar a escrever inconscientemente tenho a ideia, a intenção de ir

ao contacto do outro e se eu sei que no Poetry Slam tenho uma oportunidade bastante

boa de ir ao encontro do outro é normal que as coisas se comecem a encontrar.

Nessa medida eu considero que o Poetry Slam oferece, aos participantes, uma espécie

de alguma modelagem no tipo de escrita. Ainda assim é uma modelagem bastante

“soft” porque cabe lá tudo à mesma. A ideia é três minutos e em três minutos levar a

palavra ao público. Nessa medida a influência pode existir, será algo do género de

tentar fazer algo mais direto. Pessoalmente considero que em Slam funciona muito

mais ideias que passe diretamente do que propriamente ideias mais introspetivas,

porque é algo sem rodeios, algo sem circunstâncias montadas. Não podemos levar

objetos, só com a palavra tentar chegar ao outro, ali naquele momento. Quase que

apela a algo mais intervencionistas mas não necessariamente.

Portanto, existe de facto, uma espécie de modelagem mas é uma modelagem que não

é comprometedora e traz mais coisas positivas que propriamente negativas. Se é que

traz alguma coisa negativa, a mim não trouxe. Imagino que em alguns potenciais casos

as pessoas fiquem demasiado presa ao formato, começar a escrever só para dizer no

Poetry Slam, espero que isso não aconteça a ninguém.

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Se tivesses que dizer três palavras sobre o Slam que palavras seriam essas?

Três palavras: intervenção, poesia e contacto.

Antes de participares no Slam preparas-te de alguma maneira?

Leio o poema algumas vezes em voz alta. E eu, pessoalmente, não me preparo muito

mais. Gosto que a expressividade surja no momento, quando me estou a exprimir

artisticamente gosto de ver das circunstâncias e tenho a perfeita noção que basta um

pequeno rosto, no público, para influenciar de alguma forma aquilo que eu estou a

fazer no palco. E eu gosto desse momento, gosto do momento em que olho para

alguém e vejo que o rosto dessa pessoa se alterou de alguma forma com aquilo que eu

estou a dizer, quer dizer que houve contacto e do conjunto de contactos que surgem

entre eu estar no palco e as pessoas estarem no público e a ouvir eu gosto que surja

daí a expressividade do momento, não processar muito. Isso requer alguma coragem

da minha parte e espontaneidade o que, às vezes, não tenho e às vezes tenho a noção

que não corre tão bem mas ainda assim gosto de correr o risco.

Consideraste poeta?

Não.

Porquê?

Porque o conceito de poeta é bastante vasto e se calhar até conseguira arranjar

alguma modelagem em que eu encaixasse. Ainda assim eu gosto de pensar que o

poeta e a poesia em geral enquanto algo bastante espontâneo, algo do género que

autores como Agostinho da Silva ou Vick (?) – esse autor tão esquecido do Pós

Renascentismo – refere como poesia que é: toda a impulsividade criativa que existe no

ser humano. E eu considero que ainda estou no processo de ser poeta, considero que

ainda tenho que desbloquear muitas coisas dentro de mim para que a espontaneidade

e a impulsividade artística surjam sem qualquer tipo de barreiras e só nesse estado

utópico é que eu me poderei chamar a mim mesmo poeta. Provavelmente nunca vai

surgir, espero que nunca surja.

Porquê?

Porque se eu nunca me considerar poeta vou estar sempre a tentar ser poeta. Se eu

estiver a tentar ser poeta vou estar a tentar sempre a fazer coisas, se calhar se algum

dia olhar para o espelho e disser: “Tu és grande poeta!” Vou estar quieto depois.

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Mas se um dia olhasses para o espelho e achasses isso o que é que era preciso que

estivesse a acontecer ou que características teria que ter a tua vida ou a tua escrita

para dizeres isso?

Mais que a minha escrita, para eu me considerar poeta, teria que estar quase num

estado de consciência superior, a que um budista chamaria nirvana. Porque considero

que isso é o cúmulo da poesia: a mente estar no momento.

E achas que os autores que referiste e que te inspiram tinham essa capacidade?

Quase todos, provavelmente. Há exceções, a grande exceção que é Fernando Pessoa.

Eu considero que Fernando Pessoa nunca foi aquilo que ele quis ser e ele nunca ter

sido aquilo que quis ser e ao racionalizar demasiado toda essa situação criou uma obra

artística sem comparação. Mas eu considero que isso é uma exceção, considero que o

poeta é alguém que está deitado no momento. Alberto Caeiro, aquilo que Fernando

Pessoa queria ser – entre aspas – escreveu num poema: “O meu corpo está todo

deitado na realidade”. Eu considero que um poeta está, de facto, todo deitado na

realidade e eu, neste momento, não estou todo deitado na realidade.

Mas tens de escrever também?

Sim! Para ser poeta, para estar deitado na realidade não tem que escrever. Mas para

ser poeta sim.

Explica lá melhor.

Por exemplo: o estar deitado na realidade, aqui estou a referir-me… Por exemplo: qual

é que é o objetivo do caminho espiritual budista? - Para colocar aqui alguma espécie

de teologia na questão, que é sempre bonito – o caminho espiritual budista tem como

objetivo último aquilo que eles chamam o nirvana, os cristãos chamam outra coisa, os

muçulmanos chamam outra coisa mas existe uma transversalidade que é o facto do

ser humano sentir única e exclusivamente no momento, deixar de haver passado,

deixar de haver projeção do futuro. Com Alan Watts dizia: “O futuro não existe, nunca

existiu e nunca existirá” porque é futuro, é uma projeção. Só existe, apenas o agora. O

passado é memória, também, só existe no cérebro humano. O que existe é o agora e

quase todos os caminhos espirituais que a humanidade se foi lembrando ao longo dos

séculos têm, de alguma forma, este objetivo último: colocar a pessoa no concreto. Por

muito irónico que isso pareça.

E, portanto, eu consigo imaginar alguém estar deitado na realidade. Como por

exemplo um eremita pode estar deitado na realidade ou isolado da sociedade, sem

escrever. Mas também consigo imaginar, perfeitamente, alguém estar deitado na

realidade e escrever sobre isso.

Então achas que é a junção das duas coisas?

Para ser poeta, exatamente. De alguma forma sentir o momento de uma forma

peculiar, peculiar o suficiente para escrever e influenciar outras pessoas.

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Como é que tu descreves a tua relação, o teu envolvimento, no Poetry Slam?

Até agora apenas como participante, apenas como alguém que vai ao Poetry Slam para

mostrar a sua palavra. Até agora não mais que isso, simplesmente um participante,

simplesmente fui mais um que subiu ao palco para falar, para dar a palavra dita.

Também participas como parte do público?

Sim, sim. Também em público.

Porque é que escolhes o Poetry Slam em relação a outros eventos, a outras

atividades que pudesses ir na mesma altura?

Eu gosto do Poetry Slam e já escolhi o Poetry Slam em relação a outros eventos

culturais que existiam na mesma noite, porque encontro lá bastante genuinidade.

Também encontro algumas coisas mais negativas: encontro pessoas algo frustrada por

não terem o reconhecimento que queriam ter no mundo da poesia ou no mundo da

arte em geral.

Mas também encontro bastante genuinidade, pessoas que não têm qualquer tipo de

interesse em fazer vida de artista, entre aspas, e que escolhem eventos como estes

para subir ao palco e simplesmente declamarem algo que escreveram, tão simples

quanto isso. Escreveram algo, decidiram partilhar e eu considero esse momento

extremamente genuíno e como eu, muitas pessoas, não fazem uma preparação

ostensiva para subir ao palco o que torna a coisa ainda mais genuína. Estou-me a

lembrar de uma participante em particular que estava lá no último Poetry Slam em

Lisboa, que era a Fátima, era uma senhora já mais velha que os outros participantes

com quarenta e poucos anos. Essa senhora era bastante exemplificativa do que eu

estou a dizer agora, eu via ali simplicidade, genuinidade. Vou baste à procura disso no

Poetry Slam, sim.

Vês-te a participar, no futuro, na organização do Slam? A fazer parte do júri?

A fazer parte do júri, perfeitamente.

A organizar, quem sabe… Não excluo possibilidades.

Existe algum lugar onde já tenhas pensado: “olha, ali era interessante organizar um

Slam”?

No Alentejo. Eu sou do Alentejo e tenho bastante pena que não haja um Poetry Slam

no Alentejo, tenho mesmo muita pena. Infelizmente não tenho tempo para organizar e

só estou lá um fim-de-semana de vez em quando, portanto seria complicado.

Tenho pena porque ainda há pouco tempo vi um homem de setenta e tal anos,

Alentejano, que tinha um poema à volta do conceito que a poesia não é escrita: é dita

e quem escreve poesia está a fazer mal à poesia. Se alguém declama e escreve: está

bem! Mas alguém que só escreva não está a fazer nada, não percebe nada disto.

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Eu achei engraçado, achei mesmo! É uma perspetiva completamente diferente. Por

algum motivo quando as pessoas imaginam a poesia, até pela forma como são

educadas na escola, imaginam algo escrito. A poesia vem no manual de Português, a

maior parte das pessoas o contacto que têm com a poesia é no manual de Português.

Portanto imaginam a poesia enquanto escrito. Haver alguém eu quebra, tão

radicalmente, com esse paradigma: dizer que escrita não interessa, o que interessa é

declamar e com a genuinidade que aquele senhor tinha.

O que é que tu pensas do formato da parte da competição do Slam?

Devo confessar que ao início estava bastante reticente e continua a não ser a parte

que eu acho mas piada.

O vocalista de uma banda que se chama “King Missil” disse que era completamente

contra o Poetry Slam, isto na década de 80, porque incorporava tudo aquilo que ele

não gostava de ver na poesia: desportos competitivos a serem juntados à arte. Que é ir

de encontro a algo pura e simplesmente de cooperação, mais cooperação que

competitividade. Acabar por ser esta dicotomia entre cooperação e competitividade

que está presente em todo o lado, a política, então, acaba por ser o ponto alto disso:

num lado existe a cooperação utópica do comunismo e do outro lado mais radical o

capitalismo competitivo. Esta dicotomia está mesmo em todo o lado.

De qualquer forma no caso do Poetry Slam eu vejo a competição enquanto algo,

muitas vezes, negativo. E, de alguma forma, gostava que o formato se adaptasse a algo

menos competitivo, tenho que admitir. Se bem que é compreensível que num evento

para jovens escritores tenha quase que haver alguma espécie de filtro para quem tem

mais tempo de antena, eu acho que acaba por ser essa a ideia mas posso estar

enganado.

Eu tento ignorar, ao máximo na minha consciência, a parte competitiva. A minha ideia

é vou lá e vou comunicar.

E o que achas do outro lado? Da parte do microfone aberto?

O microfone aberto é genial! Quer dizer, qualquer pessoa que está no público, mesmo

que tu não estivesses a contar, ir declamar naquela noite. Poder se sentir inspirada e

ganhar a coragem: “estas pessoas estiveram a declamar e agora também vou!” e subir

ao palco e dizer um poema que se calhar escreveu ali na hora ou tinha algures num

papel no bolso: cinco estrelas.

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Em relação ao júri, o que é que tu achas do papel do júri?

Em primeiro lugar quero referir que gosto bastante da ideia do Poetry Slam Lisboa de

colocar um júri aleatório, o Slam Lx também faz, nem sempre tem um júri fixo. Isso aí é

espetacular! Eu gosto bastante disso porque altera completamente a perspetiva do

que é o júri. Se houver júri fixo o júri adota mesmo a postura de júri, algo bastante

formal – o que não é necessariamente mau, não estou a colocar isto num tom

pejorativo, mas é um facto – a partir do momento em que o júri pode ser uma pessoa

qualquer do público não só aumenta a interatividade entre o público e as pessoas que

estão em palco como, por outro lado, e voltando à ideia que eu não gosto muito da

parte competitiva, torna a ideia de competitividade mais leve porque são pessoas que

estão no público, são pessoas aleatórias que podem ser pessoas que percebem muito

de poesia, podem ser pessoas que estão pela primeira vez a ouvir poesia na vida.

Todas têm a mesma oportunidade de dizer gostei ou não gostei e isso coloca a arte no

seu devido lugar, entre aspas, no lugar da interação, da comunicação. A arte, para

mim, é simplesmente comunicação. Existem formas infinitas de comunicação e arte,

para mim, é a mais bela de todas elas- é uma boa definição de arte para mim – a mais

bela forma de comunicação.

E a partir do momento em que o júri não é necessariamente alguém superior a tudo

aquilo – normalmente tu concebes como alguém que está a julgar ou a julgar se isto é

bom ou mau – ser simplesmente alguém que está no público e que deram, na hora,

algo para dizerem se é bom ou mau e serem assim pessoas escolhidas aleatoriamente

acabam por ser apenas pessoas no seu lugar subjetivo a dizerem “gostei” ou “não

gostei”. E se há comunicação a arte é sempre subjetiva, isso retira importância à parte

competitiva, é bom. Gosto do conceito do júri ser aleatório.

Achas que deviam ser dados algum tipo de critérios às pessoas do júri?

Não, não. Eu considero que assim é perfeito. Conforme queiram, se acharem que é

dez, é dez, se acharem que é um, é um. Conforme sintam na altura. Se bem que nunca

vi ninguém dar um, isso era alta barraca!

O que é que tu achas da obrigatoriedade dos textos terem sido produzidos pelo

próprio Slammer?

Considero que é uma obrigação que se deve manter. Todos os Poetry Slams que eu fui

até hoje – tirando uma ou outra edição do Slam Lx – tiveram open mic, se alguém

quiser, de facto, levar algo de outro poeta – e muitas vezes eu sinto a vontade de ler

coisas de outras pessoas, portanto compreendo o “feeling” – tem o open mic. Assim é

um incentivo às pessoas escreverem, é um incentivo à criação e o Poetry Slam, para

mim pessoalmente, foi bastante importante porque também me incentivou à criação.

E, portanto, é para manter.

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Na tua opinião qual foi a razão que levou que se criasse um evento de poesia como o

Poetry Slam?

Posso dizer que vou falar completamente no escuro porque não li. Sei que surgiu

algures em Chicago. Eu considero que, sociologicamente, provavelmente foi uma

materialização da necessidade de haver uma espécie de plataforma para jovens

escritores.

Vou colocar aqui um bocadinho da minha perspetiva romantizada e utópica daquilo

que é a criatividade humana. Eu considero, em querer parecer muito um amigo do

Rousseau, que a sociedade vai roubando as capacidades criativas ao ser humano e isto

de uma perspetiva evolutiva é importante porque se todos os seres humano ao longo

da História da humanidade fossem 100% criativos provavelmente as sociedades não se

tinham formado, a sociedade necessita de existir alguma modelação para que o

encontro entre as pessoas seja mais fácil e qualquer antropólogo dirá que o ponto

essencial de qualquer sociedade é, de facto, o encontro entre as pessoas, a

comunicação. No entanto quem que haver uma resposta da própria sociedade para

dar resposta aos impulsos criativos que se mantêm completamente à parte daquilo

que é a modelagem.

Vamos imaginar uma pessoa vulgar – um eletricista - trabalha oito horas por dia, no

seu trabalho, no entanto escreve. Se não existirem coisas como o Poetry Slam ele não

vai ter forma de dar direção à sua criatividade, às suas impulsividades emotivas que

não têm mais nenhum lugar na sociedade porque um eletricista, um advogado, a

sociedade está à espera que as pessoas adotem sempre o mesmo tipo de

comportamento. Se és eletricista tens de estar aqui a estas horas para me arranjar a

eletricidade, se és advogado vais tratar do meu caso.

E eu considero importante existir um espaço, mais espaços, quanto mais espaços deste

género existirem melhor. Para que os impulsos menos formatados do ser humano

tenham o seu lugar no ponto de encontro da sociedade.

E achas que é isso que está por trás da motivação para a criação do Poetry Slam em

Chicago?

Eu acho que sim, eu acho que sim! Posso ser eu a projetar mas projeto à vontade.

Tens alguma opinião sobre os textos que já ouviste no Slam?

Voltamos aquela ideia da diversidade. É impossível não referir que há um pouquinho

de tudo, de todos os estilos. Houve coisas que adorei, houve coisas que não me

disseram nada e houve coisas que achei mesmo genuinamente fracas o que é normal

num contexto onde surge tanta diversidade. Posso dizer que alguns dos melhores

poemas que já vi declamados foi no contexto do Poetry Slam. Veio-me agora à cabeça

um do Vítor Araújo que é “O Poema Mais Chato do Mundo” é genial e eu não estou a

imaginar aquilo noutro contexto que não o Poetry Slam.

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Então achas que há um tipo de texto de Poetry Slam?

Não, não considero. Considero que há coisas que muito dificilmente teriam plataforma

noutro sítio se bem que a menta humana arranja sempre formas de organizar os seus

impulsos. De alguma forma mesmo esse poema: “O Poema Mais Chato do Mundo”

dificilmente conseguiria ser adaptado noutro contexto. Ainda assim o Poetry Slam em

geral dá a possibilidade para que ideias soltas possam ganhar forma.

Achas que há uma forma que á mais característica do Slam?

Não, isso não. Isso considero que não, sei que há muita gente que discorda de mim.

Tive uma daquelas conversas aleatórias com o Nuno Miguel Guedes – uma das pessoas

por trás do Slam Lx…

(Terceira voz diz Bocage)

Eu considero que o Bocage é um poeta genial porque num contexto bastante opressor,

no que refere a todo o tipo de sexualidade, ele dizia o que queria com um à vontade

que merece dignidade histórica!

(Terceira voz fala inaudivelmente)

Apesar de considerar que o Poetry Slam influencia bastante a forma como os jovens

escritores escrevem, pelo menos a mim influenciou-me, considero que não existe um

texto específico. É variado.

O que é que gostas mais no Poetry Slam?

Do tal momento de encontro entre um pequeno poema que alguém tenha escrito,

nem que seja um pensamento, já vi pessoas a subir ao palco para dizer duas ou três

frases. Um momento de encontro entre o pensamento que surgiu na mente de

alguém, foi para o papel – ou não – que que naquele momento se encaminha para um

público. Surge de alguém, da criatividade de alguém, da emoção de alguém, do

pensamento de alguém, da racionalidade de alguém da perspetiva filosófica de alguém

e encaminha-se para um público-alvo que são as pessoas que estão a ouvir, que

quiseram ir ao Poetry Slam para ouvir e eu considero isso fascinante.

E que é que gostas menos?

A parte da competitividade. Faz-me mesmo alguma confusão e gosto que o júri seja

aleatório por isso. Tornar a competitividade mais “soft” e um fator menos importante.

Porque a verdade é que alguém ganhar um Poetry Slam em particular para mim não

tem significado nenhum. O que tem significado é o momento de encontro. E na minha

perspetiva pessoal raras foram as vezes em que o vencedor foi o que eu considerei que

tinha a melhor poesia ou a melhor forma de declamar. E portanto a parte que eu

menos gosto é a competitividade.

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Como é que explicas a uma pessoa, que nunca ouviu falar, o que é um Poetry Slam?

Já aconteceu, eu já convidei pessoas para vir a um Poetry Slam que nunca tinham

ouvido falar e nem sequer estão propriamente dentro, nem sequer têm a poesia

enquanto alvo no seu mundo de interesse. Eu nem disse nada, prefiro que as pessoas

vão à descoberta, agora que estou a recordar-me não disse mesmo nada, disse que era

poesia e que havia pessoas a declamar poesia e que viessem ver. Tentei não

condicionar aquilo que eles iam pensar. Disse, de forma resumida, que eram pessoas a

declamar poesia, não fui além disso.

Na tua opinião o que é que atraí as pessoas para irem ao Poetry Slam?

As motivações, com certeza, serão tão diferentes como o tipo de poesia que lá se

encontra. No meu caso pessoal, voltando à ideia anterior que eu fiz o caminho da

filosofia para a poesia, leio filosofia há bastante mais tempo do que leio poesia, gosto

de filosofia há bastante mais tempo do que gosto de poesia e, no meu caso pessoal, é

a transmissão de ideias. A ideia de comunicação, no meu caso pessoal é a

comunicação, a comunicação de ideias. Gosto que muitos pensamentos que eu

estruturo tenham algum “output”, não gosto de acumular coisas até porque isso é o

início de todos os distúrbios mentais: a acumulação de coisas sem “output”.

Mas se tivesses que dizer o que leva a generalidade das pessoas a ir, se tivesses que

arriscar uma ideia, uma explicação o que é que dirias?

É uma pergunta muito difícil porque a minha mente desconstrói bastante as coisas, eu

consigo perceber diversas motivações em diversas pessoas. Não existe uma direção

em especial, não existe uma motivação que eu possa considerar superior a nível

estatístico em relação a todas as outras. Há pessoas que vão à procura de comunicar

ideias, há pessoas que vão à procura de ouvir ideias, há pessoas que querem passar

uma noite diferente; vão à descoberta por vezes. Há pessoas que vão à procura de

poesia e ponto final, querem ouvir poesia. Há tantas motivações quanto há pessoas lá.

Mesmo no júri, público, participantes. Não consigo mesmo arranjar alguma

superioridade estatística de um motivo em relação ao outro.

Qual é o lugar do Poetry Slam no nosso contexto?

O lugar do Poetry Slam é, precisamente, ser mais um fator, ter mais uma força na

nossa sociedade a contribuir para que cultura não morra. Principalmente a cultura não

comercial porque a arte é uma das forças económicas que mais dinheiro mexe no

mundo. Quanto é que não pagaram a Justin Bieber para tocar hoje?

No entanto eu considero que, para todos os efeitos, estamos num mundo capitalista,

estamos num mundo de algo, o valor monetário, ponto final. E o Poetry Slam rompe

com isso porque são colocados, no mesmo patamar, todas as pessoas que,

simplesmente, tenham motivação de querer ir dizer um poema. Que outro contexto

existe em que basta ter a motivação de ir dizer um poema para as pessoas serem

colocadas no mesmo patamar?

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Muito dificilmente porque as coisas são sempre avaliadas pelo seu valor monetário.

O que é que estiveste a escrever – diz uma editora – mostra. Será que eu vou

conseguir vender isto? Será que não vou conseguir vender? Será que há público e

palco para isto? Será que não há?

No Poetry Slam não existe essa preocupação. Sobe-se ao palco, diz-se o poema –

independentemente de qualquer valor monetário que possa ter – e ponto final. E,

portanto, é uma força de motivação cultural extremamente importante.

Achas que existe uma comunidade à volta do Poetry Slam?

Existe. No outro dia estive a falar precisamente sobre isso, o Poetry Slam tornou-se

mesmo um movimento. Basta reparar que há pessoas recorrentes – entre aspas – há

pessoas que participam bastante no Poetry Slam ou vão sempre ver e nessa medida

tornou-se mesmo um movimento e ainda bem! É um movimento com os pressupostos

que eu acabei de enumerar atrás, pressupostos não monetários, pressupostos que

estão bastante à parte do que é o mundo à sua volta. Acaba por ser um oásis da

cultura.

Assim como existe uma comunidade à volta do Poetry Slam já ouviste falar de

comunidades à volta de leituras de poesia com outras características ou grupos?

Sim, sim. Lembro-me de – reconheço desde já que não conheço muita coisa, até

porque estou em Lisboa há relativamente pouco tempo. No Alentejo há mas é muito

pouco, são coisas esporádicas, são organizadas, um escritor famosos que é convidado

pela câmara para falar um pouco numa tertúlia ou para declamar uns poemas, são

eventos mais esporádicos. Não existe um movimento como o Poetry Slam no Alentejo,

isso não existe. E aqui em Lisboa conheço um bar que referi há bocado que é o “Ainda

a Noite É Uma Criança” também faz noites – por norma são à quinta à noite – que

acabam por ser uma espécie de “open mic”, quem tiver poemas pode ir dizer. Conheço

essa comunidade – entre aspas – de resto, não.

Achas que o Poetry Slam é influenciado por outras artes, por outras áreas artísticas?

Sim, o Poetry Slam é um conjunto de artes: tem teatro – porque estás em cima de um

palco – a linguagem corporal acaba por contar muito, muito mesmo. Existe poesia,

existe a musicalidade. Considero que são estes os três pilares do Slam: teatro, música –

a melodia – a voz tem melodia, a voz é melodia, música e poesia. É uma junção desses

três tipos de arte.

Peço-te que faças uma comparação entre o evento específico que é o Poetry Slam e

outros eventos relacionados com poesia em que já estiveste a assistir ou a participar,

etc.

Ok. A maior parte dos eventos de poesia são eventos como qualquer outro espetáculo

cultural, são eventos organizados em que existe uma estruturação fixa, é um

espetáculo que se vai lá apresentarão público – que foi o que eu fiz no “Sentir-me

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Pessoa” – as pessoas vão, vêm o espetáculo, gostam ou não gostam e depois vão para

casa.

No caso do Poetry Slam existe muito mais interatividade, o fato do júri ser escolhido

no público, o facto de incentivar as pessoas à participação: quer pela inscrição, trazer

amigos, no “open mic”. Portanto uma das principais diferenças que encontro entre o

Poetry Slam e outros eventos de poesia é a interatividade, é um evento muito mais

interativo do que o normal.

Dá-me três palavras para o Poetry Slam.

Interação, poesia e música.