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  • Desmitificando as Interferncias de radiodifuso FM em Comunicaes AeronuticasMarcus Manhes

    [email protected]/11/2006

    Introduo

    Um argumento recorrente para o fechamento de rdios comunitrias no outorgadas faz aluso interferncia dos sistemas de radiodifuso FM em comunicaes aeronuticas, chegando ao ponto de afirmar-se que as transmisses das rdios poderiam resultar em queda de aeronaves.

    A natureza tcnica do tema, incompreensvel para a maioria das pessoas, adicionada comoo que provoca ao atribuir grave risco a vidas humanas estabelecem a aceitao deste ardil, tornando-o referencial inquestionvel.

    Neste texto objetivamos esclarecer o tema, ressaltando sua importncia e rea de aplicabilidade. Assim, procedemos em duas partes: na primeira parte criamos uma fbula que ilustra a afirmao fantasiosa; na segunda parte, de carter tcnico, destacamos limites e impedimentos reais a serem considerados.

    A narrativa da Parte I, enquanto recurso literrio, fantasiosa em sua essncia, ilustra situaes interferentes que so, em verdade, utilizadas como argumentos e exemplos de interferncias dos sinais de radiodifuso VHF-FM sobre os sistemas de comunicao e radio-navegao aeronuticos, com potencial relativo de ocorrncia em todo o territrio nacional. Na Parte II, tomamos como base a RECOMMENDATION ITU-R IS.1009-1, adaptada pela Anatel para a norma 03/95 a fim de estabelecer referenciais que relativizem as generalizaes equivocadas e que so sustentadas no entendimento parcial do que se refere como potencial de interferncia. De fato, so destacadas as condies e conjunes reais de fatores tcnicos distintos que efetivamente potencializariam interferncias. Ao proceder deste modo, as hipteses fantasiosas so, concomitantemente, dissipadas.

    Os argumentos tcnicos concluem-se enquanto questionamentos acerca da ausncia de materialidade para as afirmaes que estabelecem toda e qualquer emisso em rdios comunitrias, outorgadas ou no, como fonte de perigo para pessoas e bens em trnsito areo.

    Parte I - A Fbula: Radio-interferncia desvia Demoiselle em seu Pouso no Aeroporto da Pampulha

    Santos Dumont aproximava-se cuidadosamente da amada Belo Horizonte, seguindo criteriosamente o curso indicado no VOR - VHF Omnidirecional Range. O dia um tanto nublado impedia a navegao visual. Os modernos instrumentos eletrnicos que agora equipavam o Demoiselle, aeronave muito superior ao seu antecessor 14 Bis, estavam em plena atividade e eram essenciais nesta situao - totalmente dependente da navegao instrumental. O pai da aviao, atravs do equipamento COM, operando em freqncias situadas entre 118 e137 MHz, fazia a comunicao de voz com a torre de controle, quando o operador informava: chuva torrencial, temperatura 19 graus centgrados, vento 7 ns, direo sudeste .... A aproximao j sinalizada pelo instrumento ILS- Instrument Landing System, operando em frequncias entre 108 e 112 MHz, apresentava orientao precisa para a mimosa aeronave Demoiselle em seu procedimento de aproximao e pouso, indicando uma orientao lateral correta em relao a pista e ngulo de descida, ligeiramente acentuado para a distncia em que se encontrava.

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  • Repentinamente, todos os instrumentos de radionavegao enlouqueceram, apresentando informaes errneas e perigosas at mesmo para o experiente aviador. Ao tentar comunicar-se com a torre, atravs do COM, Dumont ouve como resposta um sinal interferente, uma discusso social contempornea, estabelecida pelo tambm ilustre Jos Guilherme, que transmitia diretamente da Rdio Favela, em Belo Horizonte. Dumont, por mera frao de segundo titubeou, mas, interessando-se muito pelo tema abordado, agiu em completa destreza ao ponto de arremeter sua aeronave de volta aos cus e aguardar melhor oportunidade para aterrissar em plena segurana. Buscando a melhor sintonia para ouvir com clareza o discurso proferido na Rdio Favela, foi necessrio a Dumont aproximar sua aeronave do Aglomerado da Serra, em distncia no superior a 1km daquele local, para deliciar-se com as questes abordadas e pertinentes ao povo de sua essncia brasileira...

    Parte II - A realidade: Potencial de interferncia de rdios VHF-FM em comunicaes aeronuticas

    A norma internacional aplicvel para anlise e determinao de interferncias de emisses de rdio VHF/FM em comunicaes aeronuticas estabelecida pela RECOMMENDATION ITU-R IS.1009-1, acolhida e adaptada pela Anatel atravs da Norma 03/95. Nestes referenciais tcnicos, trs sistemas de comunicao aeronutica contguos esto delineados na faixa de freqncias do espectro eletromagntico compreendida entre 108 MHz e 137 MHz. Esses sistemas esto descritos em Report ITU-R M.927 e so eles:

    ILS - Instrument landing system localizer, com finalidade de guiar aeronaves em procedimento de aproximao e aterrissagem;

    VOR - VHF omnidirectional radio range, proporciona auxlio navegao area, fornecendo informao sobre a radial da aeronave em relao a um ponto terrestre de localizao conhecida, tambm denominado radiofarol.

    COM - VHF communications equipment, que proporciona comunicao bidirecional de voz entre tripulao da aeronave e controlador de vo.

    Estes sistemas esto sujeitos a interferncias classificadas em dois grupos distintos: Tipo A - oriundas de emisses dentro da faixa aeronutica; Tipo B - oriundas de emisses fora da faixa aeronutica.

    Os transmissores de radiodifuso FM, por efeitos no-lineares ou problemas de consistncia tcnica, tm potencial de emitir sinais de radiofrequncia que coincidam com a faixa aeronutica. Neste caso, uma interferncia do Tipo A, que seria caracterizada por uma exceo tcnica um defeito ou problema tcnico grave a ser solucionado no equipamento transmissor FM, inclusive por interesse imediato do radiodifusor, pois reduz a qualidade do sinal transmitido. Tal situao pode ser evidenciada em qualquer transmissor, mas particularmente crtica quando o transmissor operar em potncias elevadas, o que destaca-se s estaes comerciais, especialmente aquelas acima da classe C com potncias de transmisso superiores a 1 kW. Como as interferncias do Tipo A so consideradas uma exceo de emisso para as estaes de rdio FM, emisses fora da faixa, no so destacadas nas anlises de interferentes provenientes das estaes de rdio FM.

    Deste modo, as interferncias nas quais devemos por olhos so aquelas classificadas como Tipo B, oriundas de emisses fora da faixa aeronutica e bem prximas tal como se do as emisses de rdio FM. As interferncias do Tipo B esto divididas em dois subgrupos:

    B1 - Interferncia decorrente do aparecimento de produtos de intermodulao ocasionados pela no linearidade do receptor (nos equipamentos aeronuticos),

    B2 - Interferncia decorrente da incapacidade do estgio de RF do receptor do Servio Aeronutico em rejeitar sinais de intensidade elevada que estejam sendo transmitidos fora

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  • da faixa do referido servio, provocando sua dessensibilizao.

    As interferncias do tipo B1 somente ocorrem a partir de transmisses oriundas de vrias rdios FM, onde sinais simultneos provocariam o surgimento de produtos de intermodulao nos receptores utilizados em sistemas de aeroportos e aeronaves, especialmente devido a no linearidade nos sistemas receptores. Tal afirmao muito importante, pois destaca que o problema surge no receptor, ou seja, no equipamento que est instalado na aeronave ou no aeroporto.

    Sinais de emissoras de rdios FM distintas, ao serem captados com nveis suficientemente fortes potencialmente podem provocar um efeito denominado intermodulao, que resulta numa mudana de freqncias dos sinais recebidos, tornando-os idnticos ou relativamente prximos da faixa de freqncia utilizada na recepo dos servios aeronuticos.

    As interferncias do tipo B1 consideram exclusivamente as intermodulaes de terceira ordem e, por essa razo, devemos compreender com simplicidade o que isso significa. A intermodulao de terceira ordem aquela representada matematicamente por:

    F intermodulao = 2 x F1 F2 no caso de ser resultante de apenas duas emissoras FM.

    F intermodulao = F1 + F2 F3no caso de ser resultante de trs emissoras FM.

    A F intermodulao representa a freqncia interferente que foi modificada pela combinao de outras freqncias e que estabelecida sobre a faixa aeronutica. As freqncias F1, F2 e F3 so provenientes de diferentes emissoras de rdio FM e que mantm a seguinte relao:

    F1 F2 > F3

    Observemos que as expresses algbricas mostram a mudana, ou converso, de freqncia pelo efeito da no-linearidade, e de intermodulao, no receptor dos sistemas aeronuticos. Porm, a lgebra nos permite apenas prever o valor da freqncia interferente, mas no nos garante que ela ocorrer.

    Com o valor estimado da F intermodulao podemos verificar se este coincidente s freqncias utilizadas nos sistemas aeronuticos na regio das emissoras de rdio FM consideradas, sem, no entanto, fornecer materialidade de ocorrncia da interferncia. De fato, a intermodulao somente ocorrer com a conjuno e concomitncia dos diferentes fatores, apresentados na Tabela 1:

    Fator caractersticaA A intermodulao de duas ou trs emissoras deve resultar em freqncia igual ou

    prxima daquela em operao no receptor aeronutico, dentro da margem de 200kHz.

    B Os nveis de sinais de todas as estaes FM no receptor aeronutico, que resultam na freqncia de intermodulao potencialmente nociva, devem estar acima do valor mnimo denominado nvel de corte. A frmula de clculo encontra-se na norma 03/95, item 3.5.3.1.

    C O nvel de sinal recebido no receptor aeronutico, proveniente de ao menos uma das 2 ou 3 emissoras de FM que resultam freqncia de intermodulao potencialmente nociva deve estar acima do valor mnimo denominado gatilho, que significativamente superior ao nvel de corte. A frmula de clculo encontra-se na norma 03/95, item 3.5.3.1.

    Tabela 1: fatores em conjuno

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  • As interferncias do Tipo B2 somente ocorrero na presena de sinais de rdio FM muito fortes nos receptores aeronuticos. No servio COM considera-se nvel potencialmente interferente, apenas se for superior a -5dBm. Nos servios de ILS e VOR os nveis mnimos de intensidade que provocariam interferncias variam com o valor da freqncia da estao FM, conforme a tabela 2 a seguir:

    Frequncia(MHz) Intensidade do Sinal (dBm) 102 +15dBm

    104 +10dBm106 +5dBm

    107,9 -10dBmTabela 2: nveis interferentes B2 para ILS e VOR

    No servio COM as interferncias do tipo B1 somente ocorrero se ao menos um dos sinais na entrada do receptor aeronutico for superior a -10 dBm, valor de gatilho. Os demais sinais de composio devem, necessariamente, serem superiores a -30 dBm, que o valor de corte.

    Para os servios ILS e VOR o nvel de corte no o mesmo em toda a faixa de VHF-FM. Admitem-se nveis maiores para os canais mais baixos da faixa de FM. Tal variao significa que os receptores aeronuticos esto mais sujeitos s interferncias provenientes dos canais mais altos da faixa de FM e, conseqentemente, so menos susceptveis aos canais mais baixos.

    Para ilustrar as observaes foi elaborado o exerccio hipottico em que uma emissora operando em caractersticas tcnicas de rdio comunitria considerada interferente no tipo B1, admitindo-se que as condies de conjuno e concomitncia para o estabelecimento de interferncia da Tabela 1 estejam apresentados para qualquer canal alocado.

    Figura 1: Afastamento de rdios comunitrias e pontos de teste

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    200 210 220 240230 250 260 270 280 290 3000,01

    10

    0,1

    1

    100

    Afas

    tam

    ento

    mn

    imo

    (km

    )

    Canal do plano bsico VHF/FM

  • Observa-se que, mesmo admitindo-se o potencial de interferncia de forma intencional e tecnicamente construdo, quando um afastamento mnimo atendido entre a emissora e qualquer dos pontos de teste do sistema aeronutico h condio de operao para a emissora de rdio comunitria sem que a referida interferncia B1 seja manifestada no sistema ILS, representativo para anlise de interferncias.

    Como j destacado, observa-se na Figura 1, que o afastamento mnimo eleva-se para os canais mais prximos da faixa de freqncia aeronutica. Por isso, os canais mais altos da faixa de FM, com classes de emisso a partir da classe C, com potncia maior ou igual a 300 Watt ERP (potncia efetivamente radiada) representam maior potencial de interferncia aos receptores aeronuticos.

    Em oposio, a alocao de rdios comunitrias, com emisso de 25W ERP nos canais mais elevados tende a minimizar as interferncias, desde que estejam suficientemente afastados ou isolados de outras emisses que possam compor o valor de F interferente, para o tipo B1.

    Lembramos mais uma vez que a conjuno de sinais de baixa potncia, caracterstica das rdios comunitrias, com aqueles de potncia elevada, das rdios comerciais, pode resultar em interferentes do tipo B1, desde que, e somente se, os nveis mnimos de corte e de gatilho forem atingidos. A probabilidade de conjuno de sinais particularmente elevada nas regies com maior nmero de emissoras de FM.

    Porm, independentemente da freqncia de operao, desde que abaixo do canal 280, se uma rdio qualquer estiver transmitindo com potncia mxima de 25 Watt ERP e, se a mesma estiver afastada 1,5km dos pontos de teste ou de receptores aeronuticos, o nvel desta emissora no receptor aeronutico ser necessariamente inferior aos valores de corte e de gatilho, como efeito da perda em espao livre. Essa perda representa a menor perda concebvel na propagao de sinais eletromagnticos e que, deste modo, garantir o atendimento aos limites tcnicos impostos, ao resultar em nvel inferior ao valor mnimo para o nvel de corte, que excetua tal emisso da composio de interferentes.

    Esta observao pode ser generalizada para qualquer emissora, mesmo no outorgada, cuja freqncia que assumir para sua atividade no esteja coordenada em plano de canalizao. Se estiver operando com transmissores em at 25 Watt ERP, em canal abaixo do 280 e estiver afastada dos pontos de teste dos servios aeronuticos, e de seus receptores, numa distncia mnima de 1,5 km, tal emissora no poder ser considerada interferente nas comunicaes aeronuticas.

    Entretanto, se uma emissora, transmitindo em at 25 Watt ERP, assumir qualquer dos canais acima do 280 e se o afastamento mnimo para o canal em questo previsto na Tabela 1 for respeitado, tambm no dever ser considerada interferente nas comunicaes aeronuticas.

    Para a confirmao do potencial de interferncia de uma dada emissora necessrio obter as seguintes informaes que subsidiaro a anlise tcnica:

    localizao da emissora, caractersticas de elemento irradiante (antena), altura de torre, nvel mdio do terreno ao redor da emissora, freqncia de operao, potncia de transmisso ERP, distncia de pontos de teste dos servios aeronuticos, distncia de receptores em aeroportos, freqncia dos servios aeronuticos na rea interferente potencial, freqncia, potncia e localizao de outras emissoras na rea interferente potencial.

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  • Contudo, a anlise tcnica apenas ir revelar o potencial de interferncia sem, no entanto, estabelecer materialidade para a ocorrncia de interferncia, pois a robustez dos equipamentos aeronuticos , certamente, superior quela considerada no exerccio de determinao hipottico que a literatura normativa traduz. Desta forma, necessrio a comprovao atravs de ocorrncias registradas pelos operadores dos servios aeronuticos e, conseqente pesquisa de determinao de fontes reais de interferncias e medidas efetivas dos nveis produzidos nos pontos de testes estabelecidos para cada localidade em particular. Naturalmente, as localidades onde as interferncias tm potencial de ocorrncia so aquelas onde existem aeroportos e estes fazem uso dos equipamentos de navegao aeronutica considerados.

    Destaca-se que so poucas as localidades brasileiras onde os sistemas aeronuticos estejam em atividade e, todas elas constam de registros que incluem suas coordenadas geogrficas, indicao dos pontos de teste e freqncias de operao. Para as demais regies do territrio nacional no se aplicam as possibilidades de interferncias entre os servios considerados, havendo liberdade de alocao espectral para as rdios dentro das normas aplicveis para tal fim.

    Finalmente, ao constatar-se uma interferncia do tipo B1 deve-se ter em conta que as duas ou trs emissoras que resultam tal interferncia precisam ser identificadas, bem como avaliadas suas instalaes e caractersticas de transmisso, considerando-se como a de maior grau de contribuio para a manifestao do problema aquela que evidenciar maior potncia de transmisso.

    Bibliografia

    Anatel; Norma n. 03/95; Norma de Compatibilidade Entre o Servio de Radiodifuso Sonora em FM (88 a 108 MHz) e os Servios de Radionavegao Aeronutica e Mvel Aeronutico (l08 a137 MHz)

    REC. ITU-R IS.1009-1 1; Recommendation ITU-R IS.1009-1; Compatibility Between The Sound-Broadcasting Service in the Band of about 87-108 MHz and the Aeronautical services in the Band 108-137 MHz (Question ITU-R 1/12)Report ITU-R m.927.

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